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REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO VILA VELHA VILA VELHA (ES), v. 5, n. 1/2, JANEIRO/DEZEMBRO DE 2004

Scientia

Vila Velha (ES)

v. 5

n. 1/2

p. 1-188

jan./dez. 2004


REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO VILA VELHA Revista interdisciplinar semestral Nota: As opiniões e conceitos emitidos bem como a completeza dos dados, inclusive os informados nas citações e na seção “Referências” nos artigos publicados nesta revista são de inteira responsabilidade dos seus autores. Tiragem: 1.000 exemplares ISSN 1518-2975 Coordenação Executiva: Danièlle de Oliveira Bresciani Renata Diniz Ferreira

CENTRO UNIVERSITÁRIO VILA VELHA Chanceler Aly da Silva Presidente em Exercício José Luíz Dantas Reitor Manoel Ceciliano Salles de Almeida

Revisão: Artelírio Bolsanello Normalização Parcial: Isabel Cristina Louzada Carvalho - CRB 12/17 Sheila Ricardo Pereira - CRB 12/533 Capa: Juan Carlos Piñeiro Cañellas Impressão: Artgraf - Gráfica e Editora Conselho Editorial: Adriana de Andrade Moura Angela Maria Monjardim Artelírio Bolsanello Danièlle de Oliveira Bresciani Denise Maria Simões Motta Hélio Sá Santos Isabel Carpi Girão Marlene Elias Pozzatto Renata Diniz Ferreira

Vice-Reitora Luciana Dantas da Silva Pinheiro Pró-Reitor Acadêmico Paulo Regis Vescovi Pró-Reitor Administrativo Edson Immaginário Diretora de Pós-Graduação e Pesquisa Danièlle de Oliveira Bresciani Endereço: Rua Comissário José Dantas de Melo, 21 Vila Velha/ES - Brasil CEP: 29102-770 - Tel: (27) 3314-2525 E-mail: scientia@uvv.br e renataf@uvv.br Home page: www.uvv.br

Consultores ad hoc Isabel Cristina Louzada Carvalho José Guilherme Pinheiro Pires Rachel Diniz Ferreira SCIENTIA. V. 4, n.1/2, (jan./dez.2003) – Vila Velha (ES): Sociedade Educacional do Espírito Santo, 2003. ISSN 1518-2975 Semestral 1. Cultura – Periódico. 2. Generalidades – Periódico, Centro Universitário Vila Velha - SEDES/UVV-ES CDD 002 Indexada na base de dados: • IRESIE, gerenciada pela Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM)


SUMÁRIO EDITORIAL ......................................................................................................................

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VISÃO DE ENTORNO: ANÁLISE DOS IMPACTOS DO MEIO SOCIOAMBIENTAL SOBRE AS ORGANIZAÇÕES E SEUS MERCADOS Anderson Pereira Portuguez .............................................................................................................

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FATORES INTERNOS NA IMPLANTAÇÃO DO GERENCIAMENTO DA CADEIA DE SUPRIMENTOS Teresa Cristina Janes Carneiro; Patrícia Alcântara Cardoso; Claudia Affonso Silva Araújo ............

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TWIST DA AÇÃO DE YANG-MILLS: SUPERSIMÉTRICA TRIDIMENSIONAL COM 4 SUPESIMETRIAS Ozemar Souto Ventura; Luiz Otávio Buffon .............................................................................

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A COISA JULGADA E SUA INSERÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO Rodrigo Ávila Guedes Klippel ...............................................................................................

61

A EFICÁCIA DO PRONTUÁRIO ELETRÔNICO NO GERENCIAMENTO DE CLIENTE/PACIENTE EM SISTEMA DE INFORMAÇÃO HOSPITALAR Rosilene Tomazeli; Adriana de Andrade Moura .......................................................................

89

MORTALIDADE EMBRIONÁRIA PRECOCE: FATORES IMPLICADOS E AVALIAÇÃO ULTRA-SONOGRÁFICA Fabienne Petitinga de Paiva; Deiler Sampaio Costa ................................................................ 105

O DIÁLOGO DAS INTERPRETAÇÕES: UMA ABORDAGEM COMPARATIVA DOS ANTAGONISMOS DE ONZE DE SETEMBRO Augusto César Salomão Mozine ........................................................................................... 123

REFLEXOS DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA NO DIREITO PROCESSUAL Daniel Roberto Hertel .......................................................................................................... 147

UMA EXPERIÊNCIA UTILIZANDO O SIMULATED ANNEALING Ester Maria Klippel; Elizabeth Maria Klippel Amancio Pereira; Samir Nicoli Mansur ..................... 169

NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS .................................................... 181



EDITORIAL Como responsáveis e incentivadoras da produção do conhecimento técnico-científico, as instituições de ensino superior devem também estar envolvidas com a socialização desse conhecimento, para transpor a barreira espaço-temporal e comunicar opiniões, descobertas e idéias resultantes das suas atividades de ensino, pesquisa e extensão. Nesse contexto, desde 2000, o Centro Universitário Vila Velha edita a revista Scientia como canal de informação destinado à divulgação da produção técnico-científica não só institucional, mas também interinstitucional. Assim, ao completar seu quinto ano de circulação, Scientia se confirma como integrante do fluxo de comunicação da literatura científica produzida no Brasil, ao ter seu conteúdo acessível a partir de dois formatos: o primeiro, com a criação de um link específico no ambiente do site do Centro Universitário Vila Velha e o outro com a incorporação das contribuições que publica na base de dados IRESIE (www.unam.mx/cesu/iresie), editada pela Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM), que tem como missão apoiar o fazer científico, docente e gerencial da comunidade acadêmica ibero-americana, mediando o acesso à produção técnico-científica publicada em periódicos, nos idiomas espanhol e português. Tais resultados demonstram a seriedade e o empenho da equipe responsável por esta publicação, o apoio institucional e a qualidade dos artigos publicados. Este volume 5, correspondente ainda ao ano de 2004, divulga pesquisas relacionadas às áreas do Direito, das Relações Internacionais e da Administração das organizações. Além dessas temáticas, o leitor poderá dialogar com autores que socializam os resultados de pesquisas desenvolvidas no âmbito tecnológico e de ciências da vida, humana e animal. Assim, a revista Scientia consolida o seu compromisso com colaboradores e leitores. Isabel Cristina Louzada Carvalho, M.Sc. Consultora em Gestão da Informação

abril de 2005


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VISÃO DE ENTORNO: ANÁLISE DOS IMPACTOS DO MEIO SOCIOAMBIENTAL SOBRE AS ORGANIZAÇÕES E SEUS MERCADOS

ANDERSON PEREIRA PORTUGUEZ1

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Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, Administração e Comunicação da Universidade São Marcos. Geógrafo do Instituto de Pesquisa da Mata Atlântica. E-mail: portuguez@oi.com.br.

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8 RESUMO Discute a idéia de visão de entorno, que vem ganhando importância tanto no meio acadêmico, quanto dentro dos mais diversos setores produtivos. Trata-se de um instrumento relevante para a elaboração de um planejamento estratégico mais competente, cujas dimensões de análise devem ser mais bem compreendidas pelos administradores e investidores. Palavras-chave: Visão de entorno. Vulnerabilidade. Planejamento. Ambiente. Tomada de decisão.

1 INTRODUÇÃO Inquestionavelmente, a última década do século XX marcou o meio empresarial como o grande período de avanços no que se refere às mudanças de paradigmas empresariais relativos às questões ambientais. Primeiramente pela grande repercussão das discussões realizadas na Conferência Internacional das Nações Unidas para assuntos de meio ambiente (a Rio Eco-92) e, na seqüência, a divulgação das normas de certificação de qualidade da série ISO 14000 e a concessão das primeiras certificações brasileiras a partir de 1996 (JESUS; FARIAS; ZIBETTI, 2000, p. 88). Nesse período, aumentou consideravelmente a preocupação das organizações com a questão ambiental e o entorno, ou seja, o ambiente em que a empresa está inserida passou a ser visto como algo que não poderia mais ser negligenciado (TAVARES, 1991). Diversas atividades passaram, então, a fazer parte da rotina de treinamentos, capacitações e mesmo da formação universitária dos gestores, para que pudessem desempenhar, com maior competência, as atividades de que as organizações mais dinâmicas necessitavam. Dentre essas atividades encontra-se a chamada visão de entorno. Por visão de entorno entende-se o exercício intelectual de verificação permanente das possíveis interferências que as empresas podem vir a sofrer, ou a gerar nos ambientes em que se inserem. Para tanto, os gestores devem estar atentos aos cenários que se formam e ter capacidade de ação e/ou adequação aos novos desafios gerados pelo meio.

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9 É um exercício intelectual na medida em que não se pode apontar um modelo competente de comportamento gerencial capaz de dar conta da complexidade do meio, entendido aqui não somente como o ambiente ecológico, mas geográfico, mais amplo, abarcando também a esfera das relações sociais. Para que esse exercício possa dar os resultados esperados, ou seja, a redução dos impactos negativos do meio sobre as organizações e seus mercados, torna-se necessário que os administradores utilizem adequadamente os instrumentos de análise de situação e tomada de decisões. Desta forma, o resultado final seria a redução contínua da vulnerabilidade das organizações a possíveis adversidades trazidas pelo ambiente externo à empresa, que poderiam de alguma forma prejudicar seu dinamismo produtivo. Portanto, o ponto de partida para qualquer análise de entorno seria a detecção do elenco de energias externas, que aqui serão chamadas de fatores de interferência, capazes de colocar a empresa em situação de risco. Os referidos fatores podem ser de diversas ordens, de acordo com o conteúdo dos processos que lhes dão origem. Na realidade, muito raramente ocorrerá uma interferência unifacetada sobre a empresa; ou seja, um fator ecológico, por exemplo, traz inúmeros desdobramentos que podem chegar até a organização na forma de uma interferência complexa, de origem ambiental mais nítida, mas com cargas socioculturais, políticas e outras, muito fortes. As principais categorias de análise das interferências atuam de forma dinâmica umas sobre as outras, dando origem ao que se pode chamar de cadeia de interferências. Nessa cadeia, cada fator deve ser entendido em sua individualidade e deve ser dimensionado para se compreender seu poder de energizar transformações em cadeia, capaz de agregar novas ações do meio sobre a empresa, aumentando, assim, seu grau de vulnerabilidade. O evento terrorista de 11 de setembro de 2001 foi, talvez, um dos principais acontecimentos desta virada de século. Trata-se de um fato que ocorreu em um dado local, por motivações políticas e identitárias, mas que gerou problemas dos mais diversos, tais como cri-

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10 ses cambiais em diversos mercados do mundo, risco de ataques bioquímicos com preocupantes conseqüências sobre o equilíbrio ambiental, crise interna nos EUA decorrente do elevado número de mortos e feridos que agrediu a soberania e identidade americana, fortes perdas financeiras para setores pujantes da economia, como o turismo, além da guerra do Afeganistão, entre muitos outros acontecimentos. As empresas turísticas, neste caso, foram as que mais sofreram diretamente com os fatos relatados porque eram as mais vulneráveis naquele momento. A análise de entorno serve, neste exemplo, para se poder dimensionar de que forma a organização foi, ou está sendo, ou mesmo pode vir a ser afetada por acontecimentos inesperados, evitando-se assim situações de pânico. No exemplo relatado, o principal fator de interferência foi de ordem político-identitária e os demais entram como fatores de interferência secundária, hierarquizados de forma variável de acordo com a área de atuação de cada organização. O que é catastrófico para um conjunto de empresas pode ser extremamente lucrativo para outras. As empresas de telecomunicações venderam, com os fatos de 11 de setembro de 2001, milhares de dólares em programas, jornais, revistas, filmes, fotografias e outros. Neste caso, a visão de entorno serviu para dar ao gerente, a exata noção de oportunidade. Evidentemente, nesse caso, a ética gerencial e o respeito aos desafortunados são fatores cruciais para um desempenho adequado. Uma empresa que decida atuar num cenário desastroso deve ter em conta que, enquanto ela está ganhando, pessoas, o ambiente e o país podem estar perdendo e, desse modo, deve agir de forma transparente, coerente e responsável (PORTER, 1999). O autor trabalhou brilhantemente essa temática a partir de outros ângulos de análise, em especial no capítulo 3 de sua obra, em que discute a importância da informação como elemento proporcionador de uma maior competitividade. Porter é considerado uma das maiores autoridades acadêmicas em estratégia competitiva. A Figura 1 ilustra bem o que se pretende dizer com cadeia de interferências.

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Figura 1 – Cadeia de fatores de interferência.

2 NÍVEIS DE ANÁLISE Para cada situação, a tomada de decisões exige uma forma específica de análise de cenário, de acordo com os eventos geradores de impactos. As análises podem-se dar, de forma isolada ou em conjunto, de acordo com a natureza dos acontecimentos. Para a adequada ação do gestor, é necessário observar o processo (ou os processos) a partir de três dimensões: estrutural, conjuntural e factual. A análise estrutural refere-se aos períodos históricos mais amplos e permite entender os fatos não somente a partir dos dados mais à mostra, mas sim a partir de um período mais longo, num contexto mais complexo e compatível com estudos de macroescala. O tempo de deflagração de um impacto do meio sobre um determinado mercado pode se iniciar, por vezes, séculos antes do fato em si. Assim, a análise histórica permite ao gestor entender as causas mais profundas dos acontecimentos e, a partir delas, decidir por um conjunto de ações eficientes, capazes de amenizar os efeitos dos acontecimentos. Quando as causas decorrem de fatores que vêm desenhando o fenômeno em médio prazo (algumas décadas), pode-se dizer que cabe aí uma análise conjuntural, pois o estudo das ocorrências se delimitará em um tempo histórico menor, mais facilmente observável e, portanto, mais à mão dos gestores. Porém, não se pode esquecer Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 7-19, jan./dez. 2004


12 que, de alguma forma, todos os cenários conjunturais de enraízam em estruturas sociais mais amplas, merecedoras de atenções. Para este artigo, optou-se por aprofundar as discussões acerca de uma dimensão mais imediata, a factual, que pode ser analisada a partir de diversos aspectos; que dá conta dos eventos mais momentâneos, aqueles que exigem ações mais contingenciais, e que requer, também, por parte do administrador, maior capacidade de ação mitigatória. Pode-se categorizar a análise fatorial a partir de alguns pontos de vista: • Análise Factual Setorial • Análise Factual Situacional • Análise de Situação Emergencial A análise factual setorial refere-se à seqüência de impactos que produz efeitos dentro de um setor produtivo específico com desdobramentos diretos sobre os subsetores associados. A quebra da safra de algodão, por exemplo, gera impactos diretos sobre a indústria têxtil e o setor de confecções. Nesse caso, os empreendedores e gestores de empresas ligadas direta ou indiretamente ao algodão devem ter exata noção do grau de vulnerabilidade da empresa a qualquer acontecimento dessa ordem. A visão de entorno, portanto, seria a capacidade de prevenir a vulnerabilidade da empresa diante de quebras de safra ou qualquer outro fato semelhante que produza o desabastecimento. Uma empresa, cujo corpo gerencial tem visão de entorno, sofre menos as ações do impacto pois procura em outros mercados menos afetados por pragas da lavoura, distúrbios climáticos e greves trabalhistas, os recursos de que necessita para seguir produzindo. Por outro lado, a visão de entorno, quando bem gerenciada, pode abrir mercados, por exemplo, para uma associação de produtores de algodão que perceberam vulnerabilidades em um determinado mercado desabastecido. Quando o evento produz efeitos que atingem, mesmo que de forma diferenciada, diversos setores produtivos, desde o alto circuito até o baixo circuito da economia, diz-se que as organizações foram expostas Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 7-19, jan./dez. 2004


13 a um impacto situacional. São geralmente de média ou mesmo curta duração (de alguns meses a alguns anos) e devem ser analisados e mensurados a partir da visão de entorno. Crises cambiais ou a definição de um novo governo para um país vulnerável como o Brasil podem ser colocados como bons exemplos. Não são fatos que ocorrem repentinamente, mas sim ao longo de períodos de tempo muito variáveis e que permitem a prevenção. Sabe-se que o fenômeno El Niño ocorre de quatro em quatro anos e que gera distúrbios atmosféricos, por vezes catastróficos em diversas regiões do mundo. Agricultores, industriais, comerciantes ou mesmo prestadores de serviços ligados a setores produtivos mais vulneráveis aos referidos distúrbios têm, portanto, tempo de se organizarem e perceberem indícios de impactos que podem pôr em risco o bom funcionamento das empresas. A terceira e última categoria de análise factual, aqui chamada de emergencial, diz respeito aos acontecimentos repentinos, que exigem ações imediatas e dão pouquíssima margem de prevenção, aumentando o risco de erro na tomada de decisões. Ocorre quando um determinado evento de grande gravidade gera impactos sobre todos (ou quase todos) os setores produtivos. Catástrofes naturais, terrorismo, guerras e outros exemplos de convulsões sociais são geralmente os principais geradores de impactos dessa natureza sobre as organizações. Nesse caso, deve-se considerar que a vulnerabilidade deve ser considerada antes da implantação do empreendimento, pois uma organização que decide abrir uma filial no Caribe, por exemplo, deve estar consciente dos riscos que podem vir a correr com os constantes furacões que assolam a região. Cabe aqui lembrar mais uma vez que a análise do cenário conduz a uma via de mão-dupla: diante do fato a empresa ganha ou perde mercado (KOTLER, 2000)? Caso venha a perder, deve-se atentar para as ações preventivas com análises constantes de riscos e, provavelmente, os investimentos exigirão muito mais atenções para se evitarem as perdas. Alguns aspectos devem ser observados:

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14 • A ordem posta pelo cenário; • A ordem que se anuncia; • Os fatores de interferência direta sobre as organizações; • Os fatores de interferência indireta e • As escalas de interferência: do global ao local. A escala de atuação das empresas é algo que jamais pode ser negligenciado. É importante que esteja clara, para empreendedores e administradores, a dimensão da escala territorial de atuação da empresa e os riscos possíveis em cada uma de suas instâncias: local, regional, estadual, nacional e global. Um impacto grave pode atuar somente sobre um local e atingir as empreitadas locais da organização ou, de acordo com a gravidade dos fatos, pode estender-se a mercados mais amplos, atingindo a empresa em instâncias diversas.

Figura 2 – Escalas de atuação de mercado e escalas de abrangência dos impactos.

3 UM OLHO NO ENTORNO E OUTRO NOS CONSUMIDORES Sempre que um novo cenário de entorno se anuncia, a classe média reage diminuindo ou aumentando o seu ritmo de consumo (PORTUGUEZ, 2001, p. 3-30). O medo do desabastecimento pode levar à aquisição de mercadorias para estocagem, e a situação pode realmente se agravar. Durante o primeiro ano do governo do ex-presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992) tal fato foi claramente percebido após a implantação do Plano Collor, que congelou por um ano os preços dos Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 7-19, jan./dez. 2004


15 produtos e serviços no mercado brasileiro, com o intuito de controlar a inflação que, naquela época, era uma das mais elevadas do mundo. Os resultados foram trágicos para a economia nacional (KOIFMAN, 2002, p. 814-841). Por outro lado, o medo pode levar ao racionamento de gastos, pois os consumidores têm a tendência de se tornarem arredios aos gastos considerados supérfluos. Nesse caso, as organizações devem estar conscientes de seus mercados, da real necessidade dos produtos ou serviços que oferecem, pois, em caso de crise, essa informação pode ser crucial. Os setores farmacêutico, de alimentos, vestuário e artigos de limpeza, por exemplo, sabem que atuam em mercados que têm clientela mesmo em tempos difíceis, o que pode não ocorrer com outros setores produtivos, como por exemplo, a indústria fonográfica, o turismo e de eletrodomésticos. Pode-se ainda pensar naqueles setores que ocupam posições variáveis de acordo com a época do ano, ou seja, as empresas que atuam em mercados estacionais. Ventiladores e condicionadores de ar são mais procurados e considerados necessários durante o verão. Empresas que atuam nesses mercados estacionais devem incluir na visão de entorno um outro fator: a temporalidade. Os principais fatores que interferem na dinâmica do consumo em situações de crise são: • Crises cambiais e elevação nas taxas de juros; • Arrefecimento ou decrescimento no mercado de trabalho; • Riscos de abastecimento; • Incertezas e crises políticas; • Riscos ambientais aos quais a população pode ser exposta; • Agonias sociais como a violência, as guerras e outros. Determinados segmentos empresariais que atuam junto a uma camada mediana da população consumidora, como o setor de moda, jóias, automobilístico, turismo emissivo internacional e outros são os mais vulneráveis. Não é nenhum exagero afirmar que um dos principais exerScientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 7-19, jan./dez. 2004


16 cícios da visão de entorno refere-se a uma atenção constante que as empresas devem ter com os acontecimentos mais sérios que podem vir a gerar repercussões sérias sobre os sistemas de gastos da classe média, pois essa entidade do mundo ocidental constitui a razão de ser dos Estados-Nacionais capitalistas.

4 IMPACTOS DO MEIO NATURAL: GESTÃO AMBIENTAL E VISÃO ESTRATÉGICA Uma das mais importantes interferências do entorno sobre as organizações refere-se ao meio natural, ou seja, ao conjunto de fenômenos de caracteres ecológico, biodiverso e geodiverso que interfere diretamente na dinâmica de funcionamento das empresas. Na realidade, podese dizer que toda e qualquer empresa está, de certo modo, vinculada a um sem-número de interferências ambientais. Tanto empresa urbana quanto rural, tanto empresa pública quanto privada, todas, indistintamente, de alguma forma, sofrem influências do meio e sobre ele exercem pressões. Via de regra, os estudos dessas influências surgem quando se tem que enfrentar uma ou mais das seguintes situações: •

Necessidade de elaboração de EIA - Estudos de Impactos Ambientais.

Necessidade de realização de RIMA - Relatórios de Impactos Ambientais.

Realização de estudos para implantação de SGA - Sistemas de Gestão Ambiental, visando ou não, às certificações ambientais.

Auditorias feitas mediante suspeita e/ou comprovação de envolvimento da empresa em impactos graves sobre o meio.

Estudos especiais também são realizados quando a empresa é implantada em localidades sujeitas a catástrofes naturais: terremotos, maremotos, enchentes, deslizamentos, ações erosivas intensas, ocorrência de furacões, tornados e maremotos, entre outros exemplos. Nesse caso, é fundamental entender o mais profundamente possível os prováveis riscos aos quais a empresa será exposta, para que a gerência possa estabelecer as metas de segurança e as ações de controle em casos de necessidades emergenciais. Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 7-19, jan./dez. 2004


17 Tal discussão, embora popularizada muito recentemente entre os empresários - anos 90 - já vinha sendo feita desde os anos 60, ainda que de forma pouco fundamentada e até mesmo ingênua. Recentemente, importantes obras de renomados autores como Almeida, Mello e Cavalcanti (2000), Donaire (1999) e Tachizawa (2002), sobre a dimensão ambiental das organizações vêm sendo publicadas e, desta forma, ampliando o acesso dos gestores, investidores e mesmo de estudiosos de áreas afins aos meandros da gestão ambiental, dentro da qual se inserem as análises do entorno propostas nesse artigo. Mas não são somente os administradores que têm se preocupado com a gestão ambiental. Geógrafos, meteorologistas, geólogos, oceanógrafos, biólogos, veterinários, engenheiros, arquitetos e muitos outros profissionais têm debatido formas de dar suporte às organizações. Surgem, portanto, grupos multiqualificados que fundam empresas de consultorias especializadas em realizar estudos diversos que sirvam para amparar as empresas diante dos mais variados desafios. Mais recentemente, profissionais das ciências sociais têm feito parte desses grupos: historiadores, antropólogos, arqueólogos, sociólogos, pedagogos, sanitaristas, cientistas políticos, economistas, filósofos e outros. Contribuem com estudos centrados nas sociedades e trazem para dentro das empresas importantes dados, tanto do mercado, quanto da população que pode sofrer com determinadas categorias de impactos.

5 CONCLUSÕES Com base nas idéias expostas nesta breve reflexão acerca do que aqui foi chamado de visão de entorno, pode-se pensar em algumas conclusões, dentre as quais merecem destaque: 1. A visão de entorno é uma ação intelectual, ou seja, decorre do exercício de reflexão dos gestores e tem como objetivo reduzir a vulnerabilidade das organizações diante de determinadas ações do meio sobre a empresa e seus mercados. 2. É importante que os administradores conheçam os fatores de interferência que podem, em determinado momento, colocar a empresa em situação de risco.

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18 3. Os fatores de interferência podem ter origens naturais ou surgir de processos socioculturais dos mais diversos, devendo ser avaliados a partir de visões amplas, considerando-se suas origens, a dinâmica de seus processos e, por fim, o potencial de seus impactos negativos. 4. Diante de uma situação de impacto, cabe à gerência da organização definir sua postura de ação, para que a tomada de decisão possa retirar a empresa o mais rápido possível da zona limite de tolerância ao impacto. 5. A visão de entorno diz respeito também àquelas empresas que podem vir a lucrar com os acontecimentos tidos como negativos, levando-se em consideração os aspectos éticos que os fatos exigem. 6. Existem basicamente três níveis de análise: estrutural, conjuntural e factual, que devem ser bem combinados para que o gestor possa ter o máximo de instrumentos para a adequada tomada de decisões. A visão de longo e de médio prazos dos agentes impactantes podem dar visibilidade histórica aos processos que aparentemente são momentâneos, mas que surgiram a partir de fatos passados relevantes, cujos efeitos são de longa durabilidade. 7. A noção de escala é uma das questões mais importantes a ser considerada ao se realizar o estudo das interferências externas. Devese pensar na escala de ação da empresa e também na escala de interferência do fenômeno impactante, para se saber de que forma a organização está sendo afetada. Um outro parâmetro interessante, para se refletir o impacto de determinados eventos sobre as empresas, diz respeito ao comportamento da classe média, considerada por muitos autores como um termômetro que indica estabilidades ou instabilidades de muitos mercados. No caso das organizações prestadoras de serviços ou que negociam produtos diretamente com a grande massa, a atenção sobre a classe média deve ser redobrada. Por fim, reforça-se a idéia de que toda ação empreendedora se processará com maior segurança caso haja dentro da organização uma postura de visão de entorno que, antes de mais nada, a previna de situações que, em boa parte dos casos, podem ter seus efeitos negativos minimizados ou até mesmo neutralizados.

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19 SURROUNDING VISION: ANALYSIS OF THE IMPACTS OF THE HALF SOCIOAMBIENTAL ON THE ORGANIZATIONS AND ITS MARKETS ABSTRACT It argues the idea of surrounding vision which is getting importance within the academical environment as well as within the most diversified productive sectors. It is a relevant instrument for elaborating more competent strategic planning, whose analytical dimensions must be better understood by investors and administrators. Keywords: Surrounding Vision. Vulnerability. Planning. Environment. Decision Making.

REFERÊNCIAS ALMEIDA, J. R.; MELLO, C. S.; CAVALCANTI, Y. Gestão ambiental: planejamento, avaliação, implantação, operação e verificação. Rio de Janeiro: Thex, 2000. DONAIRE, D. Gestão ambiental na empresa. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999. JESUS, E. A.; FARIAS, N. R.; ZIBETTI, R. A. Gestão ambiental: responsabilidade da empresa. Cascavel: Edunioeste, 2000. KOIFMAN, F. (Org.). Presidentes do Brasil: de Deodoro a FHC. São Paulo: Cultura, 2002. KOTLER, P. Administração de marketing. 10. ed. São Paulo: Prentice Hall, 2000. PORTER, M. E. Competição: estratégias competitivas essenciais. 5. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1999. PORTUGUEZ, A. P. Consumo e espaço: turismo, lazer e outros temas. São Paulo: Roca, 2001. TACHIZAWA, T. Gestão ambiental e responsabilidade social corporativa. São Paulo: Atlas, 2002. TAVARES, M. C. Planejamento estratégico: a opção entre sucesso e fracasso empresarial. São Paulo: Harbra, 1991.

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FATORES INTERNOS NA IMPLANTAÇÃO DO GERENCIAMENTO DA CADEIA DE SUPRIMENTOS

TERESA CRISTINA JANES CARNEIRO1 PATRÍCIA ALCÂNTARA CARDOSO2 CLAUDIA AFFONSO SILVA ARAÚJO3

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Doutoranda em Administração pelo Instituto COPPEAD de Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora do Centro Universitário Vila Velha. E-mail: carneiro.teresa@terra.com.br. 2 Doutora em Engenharia de Produção pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Professora do Centro Universitário Vila Velha. E-mail: patricia@cardoso.com. 3 Doutoranda em Administração e professora do Instituto COPPEAD de Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: claraujo@coppead.ufrj.br.

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22 RESUMO O aumento da concorrência global tem levado as empresas a enfrentar o desafio de reduzir custos, tempos de entrega, estoques e preços e, simultaneamente, a aumentar a customização, a flexibilidade e a agilidade. Neste contexto, o gerenciamento da cadeia de suprimentos, denominado Supply Chain Management (SCM), assume importância estratégica. Apesar dos diversos benefícios associados ao SCM, sua implementação não é fácil, implicando grandes desafios, tanto internos quanto externos às empresas. Para se obter um melhor entendimento dos desafios internos enfrentados pelas empresas ao implementarem o SCM, investigou-se em profundidade, na perspectiva de estudo de natureza exploratória, a experiência vivida por duas empresas que passaram recentemente pelo processo e obtiveram resultados distintos. Palavras-chave: Cadeia de suprimentos. Implantação. Desafios.

1 INTRODUÇÃO O desenvolvimento das tecnologias de informação vem derrubando barreiras de entrada nos setores industriais, propiciando o surgimento de novos modelos de negócios e possibilitando a formação de redes de negócios sem fronteiras geográficas. Tudo isso gera um aumento da competição entre as empresas de várias nacionalidades por mercados agora mais amplos. Na medida em que os mercados se tornam mais competitivos, as empresas precisam buscar formas mais criativas de atender às necessidades de seus clientes. A cadeia de suprimentos passou a ser parte essencial da boa gestão de negócios, pois somente a eficiência interna não é mais suficiente num mercado cada vez mais interligado. Essa nova realidade nos negócios gerou uma maior conscientização nas empresas quanto à importância do gerenciamento da cadeia de suprimentos e incentivou o aprofundamento das pesquisas sobre o tema no meio acadêmico.

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23 2 GERENCIAMENTO DA CADEIA DE SUPRIMENTOS Para Fleury (2002, p. 3), o Supply Chain Management pode ser definido como o “esforço de coordenação nos canais de distribuição, através da integração de processos de negócios que interligam seus diversos participantes”. Helms, Ettkin e Chapman (2000) definem o SCM como sendo o gerenciamento de uma cadeia que vai além das fronteiras da empresa, incluindo fornecedores e clientes. Apesar de não haver uma unanimidade de conceito, quatro elementos são comuns às diversas definições que se encontram na literatura: (1) atravesse toda a cadeia de suprimento até o consumidor final, integrando e coordenando diversos estágios intra e interorganizacionais; (2) envolve diversas organizações independentes; (3) inclui fluxo bidirecional de produtos (materiais e serviços) e informações; e (4) tem por objetivo fornecer valor elevado aos clientes finais, pelo uso apropriado dos recursos organizacionais, construindo vantagem competitiva para toda a cadeia. Diversos pesquisadores têm destacado os benefícios da implantação do SCM e as expectativas das empresas quando decidem implantar o conceito. Para Fleury, Wanke e Figueiredo (2000), tais benefícios incluem a redução dos custos operacionais, a melhoria da produtividade dos ativos, a redução dos tempos de ciclo, a redução dos custos de estoque, de transporte e de armazenagem, maior rapidez nas entregas, mais personalização da produção, gerando, tudo isso, aumento de receitas. 2.1

FATORES CRÍTICOS NA IMPLEMENTAÇÃO

2.1.1 COMPLEXIDADE DO CONCEITO E VISÃO ESTRATÉGICA INTEGRADA Para Fleury (2002), a complexidade da implantação do conceito SCM é um dos fatores que explica o fato de poucas empresas o terem implementado até hoje. Os desafios que se apresentam são tanto internos quanto externos. Internamente é preciso “quebrar barreiras” organizacionais para que se adote uma visão sistêmica em que o resultado do grupo seja mais importante do que os resultados das partes. De acordo com Copper, Lambert e Pagh (1997), os resultados buscados pelo SCM não serão completamente alcançados se cada empresa pretender otiScientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 21-37, jan./dez. 2004


24 mizar seus próprios resultados, em detrimento da integração de seus objetivos e atividades com os das organizações parceiras. 2.1.2 GERENCIAMENTO DAS EXPECTATIVAS DOS INVESTIDORES À complexidade gerencial envolvida na implantação do SCM, soma-se o fato de que o SCM requer investimentos significativos de tempo e dinheiro e que o retorno deste investimento não se dá automaticamente. Isto acaba por se tornar mais um problema a ser gerenciado, uma vez que é preciso administrar as expectativas de curto prazo dos acionistas e investidores quanto ao retorno do investimento realizado. 2.1.3 REENGENHARIA DA CADEIA DE SUPRIMENTOS E A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO Min e Zhou (2002) acreditam que um dos direcionadores críticos do sucesso da implantação do SCM é a tecnologia da informação por possibilitar a integração dos dados e o compartilhamento mais eficiente de informação entre os parceiros da cadeia de valor. No entanto, Naim et al. (2002) alertam que o processo de implantação do SCM equivale a uma reengenharia da cadeia de suprimentos. Para estes autores, os passos para a implementação de uma reengenharia na cadeia de suprimento são a análise da cadeia, sua simplificação, integração, automação e otimização. Assim, a implantação de um sistema de informação deve ser o último passo e não o primeiro. Estes autores defendem a necessidade de uma análise adequada da cadeia de suprimento antes de se decidir pela implantação de um sistema de comunicação e informação. Apesar de a adoção de uma solução tecnológica, para iniciar o processo de integração da cadeia de suprimentos, ser uma decisão importante, existe a necessidade prévia de desenvolver uma visão sistemática sobre como funciona um sistema eficiente de gerenciamento da cadeia. Sem essa visão estruturada, os benefícios potenciais da implantação da solução tecnológica podem ser obscurecidos por falhas de operacionalização desta ferramenta. A implantação de um sistema de informação não deve ser visto como uma solução milagrosa para a integração da cadeia de suprimento. A flexibilização da estrutura da empresa também é importante. A automatização de uma estrutura rigidamente hierárquica pode causar maior complexidade e ineficiência na empresa. Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 21-37, jan./dez. 2004


25 2.1.4 GERENCIAMENTO INTERNO DO PROCESSO Lambert, Cooper e Pagh (1998) identificaram alguns componentes gerenciais que devem receber especial atenção por parte das empresas que enfrentam o desafio da implantação do SCM. Os componentes foram divididos em dois grupos: componentes técnicos e físicos, mais fáceis de ser mensurados; e componentes gerenciais e comportamentais, mais difíceis de ser mensurados e controlados por serem intangíveis. Dentre os componentes técnicos e físicos, os autores citam: • Planejamento e controle das operações: quanto mais integrado for o planejamento, maiores os benefícios percebidos da integração. O controle pode ser implementado pela definição de indicadores de performance globais; • Estrutura de trabalho e de atividades: indica como a empresa realiza suas tarefas e atividades. O nível de integração das atividades numa cadeia é um importante fator de sucesso na integração da cadeia; • Estrutura organizacional: pode se referir à organização da empresa e à organização da cadeia. A utilização de equipes multidisciplinares ou de equipes compostas por pessoas de várias empresas da cadeia é um fator de estímulo à integração da cadeia; • Estrutura do fluxo do produto: estrutura da rede de obtenção, produção e distribuição ao longo da cadeia; • Estrutura do fluxo de comunicação e informação: o tipo de informação que é compartilhada e a freqüência de compartilhamento são fatores que têm forte influência na integração da cadeia. Dentre os componentes gerenciais e comportamentais, são citados (LAMBERT; COOPER; PAGH, 1998): • Métodos de gerenciamento: que englobam a filosofia da empresa e as técnicas de gerenciamento utilizadas. Estruturas diferentes são difíceis de integrar. • Estrutura de poder e liderança: tanto a falta de poder quanto a concentração de poder podem afetar o nível de comprometimento dos membros da cadeia e conseqüentemente o processo de integração da cadeia. Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 21-37, jan./dez. 2004


26 • Estrutura de riscos e recuperação: a divisão dos riscos e dos custos de recuperação pode afetar o comprometimento dos membros da cadeia. • Cultura e atitudes: diferentes culturas e atitudes organizacionais dificultam a integração. Apesar da importância dos elementos técnicos associados à implementação do SCM, Lambert e Cooper (2000) acreditam que as empresas que focarem mais o gerenciamento dos componentes técnicos e físicos do processo estarão fadadas ao insucesso, uma vez que os componentes gerenciais e comportamentais definem o comportamento organizacional, influenciando a implementação dos primeiros. Nesta mesma linha de entendimento, Bovet e Thiagarajan (2000, p. 2) afirmam que, ao projetar o modelo da cadeia de suprimentos, é preciso pensar não só na infra-estrutura e nos recursos físicos, mas também nos recursos humanos, nas medidas de desempenho e nos sistemas de informação. Tracey e Smith-Doerflein (2001) destacam a importância da dimensão humana e de políticas de treinamento para o sucesso do SCM, uma vez que todos na organização devem trabalhar juntos, para tornar a cadeia de suprimentos eficiente. Sincronizar a cadeia de suprimentos é tão dependente das pessoas envolvidas quanto dos processos e tecnologias utilizados. Para ganhar vantagem competitiva sustentável, não basta apenas investir em tecnologia de informação, já que em muitas situações há necessidade do julgamento humano. O sucesso do SCM requer uma força de trabalho preparada para atuar sob diversas circunstâncias. Selecionar e utilizar a tecnologia de informação apropriada, aprimorar a eficácia individual, criar valor através da colaboração e gerar flexibilidade organizacional são fatores críticos para o SCM, segundo os autores. Para cada um destes elementos, deve haver um treinamento correspondente para dar suporte à implementação. Outro grande desafio humano à implementação do SCM é superar resistências às mudanças, tanto de comportamentos estabelecidos quanto das formas de trabalho individualistas. Para se gerar e manter uma cadeia de suprimentos eficiente é necessário, além de políticas de treinamento adequadas, o gerenciamento do conhecimento dentro das empresas. Esta tarefa implica criar organizações que aprendem (learning organizations), onde novas e mais amplas formas de pensar são Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 21-37, jan./dez. 2004


27 encorajadas e as pessoas estão continuamente se aprimorando e aprendendo (TRACEY; SMITH-DOERFLEIN, 2001). Croxton et al. (2001) acreditam que para o sucesso do SCM são necessários o apoio e o comprometimento dos líderes com a mudança, a compreensão do grau de mudança que é necessário, a concordância quanto à visão do SCM e seus processos-chave e o comprometimento, por parte das empresas, de recursos e empowerment para alcançar os objetivos. Para Lambert e Cooper (2000), se os componentes gerenciais e comportamentais não estiverem alinhados, reforçando um comportamento organizacional que apóie e suporte o processo de integração, os resultados esperados podem não ser alcançados e a cadeia pode se tornar menos competitiva e lucrativa. O sucesso do processo de integração da cadeia de suprimento passa pelo entendimento destes fatores e das interligações que existem entre eles. Dentre os componentes técnicos e tecnológicos que devem ser adequadamente gerenciados, destaca-se a estrutura física do fluxo de informações. A implementação do SCM requer uma coordenação que vai além das fronteiras da empresa, incluindo a integração de processos e funções dentro da empresa e ao longo da cadeia. O gerenciamento da informação disponível aos diversos membros da cadeia torna-se um fator estratégico. A comunicação eficiente ao longo da cadeia depende de uma infra-estrutura que só se tornou economicamente eficaz e amplamente difundida com o advento da Internet, apesar da necessidade de padronização dos padrões. Para Novaes (2001), na implementação do SCM são necessários altos investimentos em tecnologia da informação, já que em muitos casos as empresas possuem sistemas autônomos que não conversam entre si e que são utilizados nas atividades rotineiras de operação e controle. A realidade obriga as organizações a terem sistemas integrados de gestão, os quais representam uma das principais ferramentas para a implantação do SCM.

3 SUMÁRIO DOS CASOS A fim de aprofundar a compreensão dos desafios enfrentados pelas empresas na implementação do SCM, foram analisados o processo de implantação do SCM e os resultados obtidos em duas empresas de Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 21-37, jan./dez. 2004


28 grande porte, com representatividade nos respectivos segmentos, que implantaram o sistema recentemente, como estratégia competitiva, e que apresentaram resultados diferentes. 3.1

CASO 1: EMPRESA ALIMENTÍCIA

A primeira empresa estudada pertence ao setor alimentício, com sede no Estado do Espírito Santo, fundada em 1929 por um imigrante alemão. Uma das três maiores fabricantes de chocolate do Hemisfério Sul, a empresa possui um parque industrial de alta tecnologia, instalado em Vila Velha, município vizinho de Vitória, capital do Espírito Santo. Trata-se de um complexo com duas unidades industriais com capacidade para a produção de 140 mil toneladas anuais de chocolate. O investimento em tecnologia é uma política constante da empresa, que nos últimos cinco anos aplicou R$ 75 milhões na modernização e ampliação de seu parque industrial. Desse total, R$ 25 milhões foram destinados à construção do maior e mais avançado centro de armazenagem vertical da América Latina, o Centro de Distribuição do Espírito Santo (CDES). Em 1989, foi inaugurado um moderno Centro de Distribuição em São Paulo, para atender os estados de São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul. No mesmo ano, entrou em operação uma nova fábrica de pastilhas. No final da década, quando a empresa completava 70 anos de sua fundação, foi promovida ampla reformulação dos quadros diretivos da empresa, abrindo espaço para a terceira geração de administradores. Em 2002 a empresa foi adquirida por uma empresa multinacional suíça. Com uma rede de representantes espalhada por todas as regiões do Brasil, a empresa alimentícia tem na distribuição ágil de seus produtos um desafio constante a ser superado. A empresa possui uma estrutura que envolve boas práticas logísticas, tais como: a utilização de um sistema MRP II (Manufacturing Resource Planning); armazém vertical dotado de transelevadores, com controle de FIFO automático, através de códigos de barras, empilhadeiras por radiofreqüência; estabelecimento de acordos logísticos com grandes redes onde os conceitos do ECR (Resposta Eficiente ao Consumidor) são utilizados; utilização do conceito de entrega através de cross-docking para algumas regiões mais distantes; utilização de sistema de atendimento de varejo através Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 21-37, jan./dez. 2004


29 de brokers; Sistema Integrado de Gestão R/3 da SAP que suporta parte das atividades do SCM. 3.2

CASO 2: EMPRESA METALÚRGICA

A segunda empresa estudada pertence ao setor metalúrgico, com sede nos Estados Unidos e uma subsidiária brasileira com sede em São Paulo, sendo líder mundial em alumínio e alumina. Este estudo foi realizado na filial da empresa localizada no Estado do Espírito Santo. A empresa atua em vários segmentos da indústria de alumínio tais como: tecnologia, mineração, refino, mistura, fabricação e reciclagem. Os produtos e componentes de alumínio produzidos pela empresa são utilizados em aviões, automóveis, latas de bebidas, construções e em uma variedade de aplicações industriais e produtos de consumo. Outros negócios da empresa incluem máquinas empacotadoras, lacres plásticos, garrafas PET e embalagens flexíveis, cabos de fibras óticas e sistemas de distribuição elétrica para carros e caminhões. A empresa chegou ao Brasil na década de 1960 e atualmente oferece tecnologia de ponta e produtos e soluções inovadoras para clientes em praticamente todos os principais segmentos de mercado do país. A subsidiária brasileira da empresa, com 14 fábricas espalhadas pelo país, é responsável por 26% da produção brasileira de alumínio. O ano de 2000 foi um ano de aquisições importantes para a empresa, que expandiu a sua base de receitas, de tecnologias e de oportunidades para o crescimento dos lucros. Em função das aquisições, a matriz americana passa por uma fase de reestruturação mundial que compreende a implantação de um novo modelo de atendimento aos clientes. Dentre as mudanças que chegaram à subsidiária brasileira está a centralização dos estoques em centros de distribuição e a transformação das filiais em simples escritórios comerciais gestores de pedidos de clientes. Também faz parte do novo modelo de gestão a decisão de só atender diretamente os clientes com pedidos superiores a 300 kg. Pedidos inferiores a este limite devem ser atendidos por representantes e não mais pelas filiais. O faturamento da empresa passou a se concentrar em um restrito número de clientes. Em 2000 foi criado o Projeto Gerência da Cadeia de Suprimento, por meio do qual a empresa procurava oferecer aos clientes não só a venda de um produto, mas um pacote de benefícios. Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 21-37, jan./dez. 2004


30 4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS CASOS Analisando os fatores internos às empresas que devem ser cuidadosamente gerenciados para o sucesso na implantação do SCM, de acordo com a literatura examinada, apresentaremos a análise e discussão dos dois casos estudados. 4.1

COMPLEXIDADE DO CONCEITO E VISÃO ESTRATÉGICA INTEGRADA

A empresa do setor alimentício não buscava soluções imediatas para necessidades de curto prazo quando resolveu implementar o SCM. A empresa optou por um planejamento apurado de todas as metas que teriam que ser alcançadas para que o projeto desse resultado positivo. Um ponto positivo foi a empresa ter visualizado uma modernização no seu sistema logístico, acompanhando a evolução do mercado. A empresa não dispensou as parcerias com grandes clientes. A empresa metalúrgica, por sua vez, pressionada pelo mercado com relação ao seu nível de atendimento, buscou no SCM uma solução imediata para não perder o seu market share. Dessa forma, a mudança foi abrupta. Foi dada ao SCM toda a responsabilidade para o sucesso do novo modelo de gestão. O sistema logístico existente não era adequado para o porte da empresa e a complexidade de seus produtos. Para a implantação do novo sistema foi necessária uma revisão de todo o portfólio da empresa. Percebe-se, portanto, uma diferença básica entre as duas empresas quanto à forma de ver os benefícios do SCM: a empresa alimentícia demonstrava uma visão estratégica, visando aos benefícios de longo prazo e preparando a empresa para as mudanças; a empresa do setor metalúrgico buscava soluções imediatas, reagindo às mudanças do mercado e às necessidades crescentes de melhorias. A visão de curto-prazo, ou reativa, também pode ser percebida na não-negociação de um contrato de manutenção pós-implantação do sistema de informação adquirido. Este foco no curto prazo fez com que a empresa enfrentasse ainda outro desafio: gerenciar a pressão que vinha sofrendo da alta direção, que cobrava resultados imediatos para o investimento realizado, cortando ou apressando etapas importantes da implantação.

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31 4.2

PLANEJAMENTO E REENGENHARIA DA CADEIA DE SUPRIMENTOS

A empresa metalúrgica contratou uma consultoria externa para auxiliar no planejamento e execução do projeto de integração da cadeia de suprimento. Visando antecipar os retornos financeiros para a alta direção, que pressionava por resultados de curto prazo, algumas das ações sugeridas pela consultoria foram adiadas e outras suprimidas. A empresa deixou de seguir o cronograma proposto para encurtar o prazo final de implantação do projeto, esperando obter resultados mais rápidos. O planejamento da implantação do SCM na empresa alimentícia, iniciado em 2001, foi elaborado a partir do mapeamento de todas as práticas da cadeia de suprimentos da empresa. Tratava-se de um programa de planejamento integrado, que abrangia as atividades de previsão de demanda; planejamento de distribuição, produção e materiais; desenvolvimento de estratégias de compra; otimização de transportes e armazenagem; gerenciamento de fornecedores e novas políticas de estoques. Para apoiá-la no planejamento e implementação do modelo de Supply Chain, a empresa contratou uma consultoria, não tendo necessidade de investir em software por possuir sistemas que atendiam aos requisitos do Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos. O modelo SCM foi primeiramente implantado no varejo por ter maior impacto no volume de vendas, sendo posteriormente estendido às outras áreas. Após a definição do objetivo principal, outros planejamentos foram elaborados de forma a contemplar todos os componentes da Cadeia de Suprimentos. Estabeleceu-se na empresa um processo formal para implantação do SCM, com etapas pré-definidas que visavam à transformação da estrutura voltada para processos internos isolados, para uma estrutura que contemplasse a integração dos principais processos da cadeia de suprimento. Para todos os objetivos traçados, foram definidos prazos a serem atingidos por fase de execução. O cronograma para mudanças de processos foi cumprido a contento. A revisão dos processos após a fase de implantação na empresa alimentícia ocorre periodicamente, com adequação necessária, além de treinamentos focados na atualização dos profissionais. Este investimento foi previsto no projeto inicial. Na empresa metalúrgica, esta fase crucial Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 21-37, jan./dez. 2004


32 do projeto não foi prevista. Além do custo de manutenção elevado do software, qualquer suporte técnico ao sistema está vinculado a pagamento extra. Conseqüentemente, até a data da pesquisa, o sistema de informação adotado não estava sendo utilizado em todo seu potencial. Não foi previsto nenhum tipo de acompanhamento no projeto e a empresa assumiu um comportamento reativo: apenas os problemas mais graves desencadeiam providências ou modificações no sistema. 4.3

FATORES GERENCIAIS E COMPORTAMENTAIS

Quanto aos fatores gerenciais, houve resistência às mudanças na empresa metalúrgica, principalmente na forma de gerenciamento de estoques, antes pulverizados e agora centralizados e na divisão de responsabilidades antes exclusivas da área comercial, agora compartilhadas com a área de logística. A área comercial foi a mais resistente. Mesmo enfatizando que a ferramenta SCM disponibilizava dados históricos de vendas que possibilitavam análises de picos, vales e sazonalidades na demanda, esta área insistia em fazer a previsão de vendas com base no estoque que queria ter, ao invés de atentar para o que efetivamente iria vender. O trabalho de conscientização das gerências sobre a necessidade de se trabalhar de maneira integrada, foi sendo feito à medida que o processo avançava. Em sua contínua busca por um melhor atendimento aos clientes e pela apresentação de resultados satisfatórios aos acionistas, a empresa passou por diversas fases de mudanças, gerando instabilidade e descrença por parte dos funcionários, com relação às melhorias que poderiam surgir da adoção do novo modelo de gestão. Para a empresa do setor alimentício, a principal dificuldade foi a necessidade de mudança comportamental dos gestores, que se baseava em um pensamento isolado, em que o sucesso de uma área poderia ser entendido como resultado da competição com as outras áreas. Porém, diante do compromisso assumido com os acionistas da organização, uma vez que o projeto envolvia altos investimentos que precisavam ser justificados, os coordenadores do projeto SCM criaram mecanismos de comprometimento, para que a cadeia de suprimentos se tornasse parte essencial na elaboração do novo modelo de gestão. A empresa implantou indicadores de desempenho, que auxiliaram a percepção de melhorias já alcançadas. A percepção dos resultados foi um fator motivador para os participantes do projeto. Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 21-37, jan./dez. 2004


33 Ambas as empresas tiveram que gerenciar com habilidade resistências colocadas pelas pessoas quanto ao abandono de velhas formas de trabalho e ao compartilhamento de informações. Disseminar valores compartilhados e construir uma concepção sistêmica dos processos foi um grande desafio enfrentado pelas empresas. Em ambas as empresas, o plano de ação para superar os desafios mencionados foi desenvolvido pela área de Recursos Humanos (RH), através de jornais internos, teatros, treinamentos, workshops e reuniões informativas, como ferramenta de divulgação. A empresa alimentícia parece ter sido bem sucedida nas políticas implementadas. Apesar de estar passando por um momento crítico (possibilidade de aquisição), os envolvidos no projeto estavam motivados em atingir os objetivos traçados. Tinha-se a certeza de que os processos seriam mais estáveis, o que na prática traria melhores resultados nas atividades internas e competitividade dos produtos. Apesar de algumas metas terem seus resultados mensurados somente no final do ano em que a pesquisa foi realizada, a redução no investimento dos estoques de produtos acabados e de insumos, bem como a elevação do nível de atendimento a clientes já podiam ser observados na prática. O mesmo não se verificou na empresa metalúrgica, que teve que enfrentar a descrença por parte dos funcionários quanto às melhorias que poderiam surgir com o novo modelo de gestão. As duas empresas passaram por todas as dificuldades inerentes ao processo, porém alguns entraves foram peculiares em função do momento em que elas se encontravam. A empresa alimentícia passava por problemas na alta direção. Entre os acionistas existia a idéia de venda da empresa, tirando o foco dos projetos em andamento. A empresa metalúrgica estava atravessando um período de adaptação à fusão com seu principal concorrente. O projeto SCM foi trazido por uma equipe advinda do processo de fusão, o que agravou as resistências internas às ações necessárias. 4.4

FATORES TÉCNICOS E TECNOLÓGICOS

A empresa do setor alimentício não teve necessidade de investir na aquisição de softwares. Possuía o sistema integrado de gestão R/3 da SAP recém implantado. O sistema integrava a área comercial, de produção, financeira e de recursos humanos, possibilitando o compartilhamento interno de informações em tempo real. O Projeto SCM Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 21-37, jan./dez. 2004


34 visava à integração de outros processos, não integrados pelo R/3, tais como o planejamento. A empresa metalúrgica, por sua vez, teve que investir U$ 3,5 milhões na aquisição do software Manugistic, escolhido para dar suporte à nova metodologia. Não havia na empresa um sistema de informação que atendesse às necessidades internas de informação de forma integrada. O sistema de SCM adquirido precisou ser integrado a vários sistemas legados implantados na empresa. Esta etapa foi considerada crucial, pois a integridade das informações teria que ser garantida. O sucesso da implantação do projeto SCM estava voltado basicamente para o sucesso da implantação do software. O processo de ajuste do software à realidade da empresa foi considerado frustrante por um entrevistado, que deu o seguinte depoimento: “foi até um pouco frustrante. Parametrizaram a ferramenta sem ter noção da complexidade de nosso produto e o resultado disso foi simplesmente uma compra de quase 400 toneladas de matéria-prima além do necessário”. O erro na ordem de compra de material, logo após a implantação, pode ser indicativo de que etapas importantes como a de configuração do sistema e testes podem ter sido aceleradas.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo desse trabalho foi investigar os desafios internos enfrentados por empresas que implementam o gerenciamento da cadeia de suprimentos, em face aos custos elevados, às mudanças necessárias e à complexidade de operacionalização do processo. Foi realizado um estudo em duas empresas, com operações no Brasil e segmentos distintos, que implantaram recentemente o Supply Chain Management, obtendo resultados divergentes. A primeira empresa pertence ao setor alimentício e a segunda empresa ao setor metalúrgico. Dentre os elementos-chave, internos às empresas, que merecem atenção para o sucesso da implantação do SCM, a compatibilidade da tecnologia que será implementada é importante para que todo um investimento não seja desperdiçado. No entanto, a tecnologia deve ser vista como um meio para se alcançar uma estratégia mais ampla, previamente definida pela empresa. Dar especial atenção a aspectos técnicos, em detrimento de componentes gerenciais e estratégicos mostrou-se equivocado, tendo em vista os desafios inerentes ao proScientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 21-37, jan./dez. 2004


35 cesso de implantação do SCM. Neste sentido, constatou-se a grande importância da visão estratégica de longo prazo. As empresas devem ter em mente que os retornos deste processo não são imediatos e que exigem planejamento e um trabalho contínuo de acompanhamento ao longo da implementação. Compreender o grau de mudanças necessário é outro fator interno essencial. As empresas devem ter claro o nível de esforços, tanto gerenciais quanto financeiros, que estão associados à implementação do SCM. Menosprezar ou desconhecer as dificuldades inerentes ao processo pode levar à negligência de etapas e ajustes fundamentais para o sucesso do projeto. Neste contexto, planejar adequadamente o processo de implantação do SCM é fundamental. O planejamento deve prever etapas claras, previamente definidas e estabelecidas. Os aspectos humanos e gerenciais do processo se mostraram de maior relevância. Enormes são os desafios nesta área, uma vez que as empresas enfrentam dificuldades em disseminar valores fundamentais para o sucesso do projeto, implantar uma visão sistêmica de trabalho e estimular o compartilhamento de informações. A gerência deve atentar para os impactos no fator humano e desenvolver uma postura de aprimoramento contínuo dentro da organização. Foi constatado que a motivação dos envolvidos no processo aumenta quando há resultados concretos que indicam melhorias alcançadas com o processo. Por ser um processo complexo, é importante que sejam estabelecidas metas claras e mensuráveis, de tal forma que os envolvidos acompanhem a evolução e os resultados que estão sendo atingidos. Todos os aspectos acima mencionados foram observados nas empresas analisadas e citados na literatura estudada. No entanto, esta pesquisa constatou a importância estratégica de outro elemento, não encontrado na revisão de literatura: o momento que está sendo atravessado pela empresa que pretende implantar o SCM. A empresa alimentícia, apesar da eminência de ser vendida, possuía uma estrutura logística eficiente, profissionais capacitados e foram bem assertivos na escolha da consultoria contratada, enfrentando, assim, em melhores condições os obstáculos encontrados. O fato de o SCM ter sido adotado nesta empresa juntamente com outros projetos que envolviam várias áreas da organização, foi fator primordial para o alScientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 21-37, jan./dez. 2004


36 cance dos resultados projetados. Houve uma integração de projetos, envolvendo todas as áreas estratégicas, não iniciativas isoladas de mudanças. Qualquer modificação ou sugestão era repassada para os envolvidos, e somente eram colocadas em prática depois de discutidas e testadas. Já na empresa metalúrgica, a implantação ocorreu logo após um processo de fusão, em que grupos foram formados e a empresa “dividida”. Como a iniciativa de compra do pacote e da mudança no modelo de gestão partiu da empresa adquirida no processo de fusão, este passou a ser visto como o principal responsável por todos os problemas enfrentados no processo de mudança e adaptação da nova empresa. Não são poucos os desafios enfrentados por empresas que implementam o SCM. O foco deste trabalho foi nos desafios internos às empresas. A estes devem ser somados os externos, que também são estratégicos para o sucesso do projeto. São inúmeros os desafios, mas enormes também são as oportunidades na implantação deste conceito, pois o mercado requer a todo instante que as empresas adotem práticas que aumentem a competitividade e a lucratividade de seus produtos. Aquelas empresas que arriscarem correm o risco de sair na frente.

INTERNAL CHALLENGES FOR IMPLEMMENTING THE SUPPLY CHAIN MANAGEMENT ABSTRACT The increase of the global competition has taken the companies to face the challenge to reduce costs, delivery times, supplies and prices. At the same time there are challenges to increase customization, flexibility and agility. In this contest, the concept of Supply Chain Management (SCM) assumes strategic importance. Despite the diverse benefits associates to the SCM, its implementation is not easy, implying great internal and external challenges to the companies. For understanding the internal challenges faced by the companies when implementing the SCM, the experience was investigated in depth from the perspective of an exploratory study. Both companies had passed recently for the process and the results are distinct. Keywords: Supply chain. Implementation. Challenges.

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37 REFERÊNCIAS BOVET, D. M.; THIAGARAJAN, S. Logística orientada para o cliente. Hsm Manage., ano 4, v.18, p. 122-128, jan/fev. 2000. COOPER, M.C.; LAMBERT, D.M.;PAGH, J.D. Supply Chain Management: more than a new name for logistics. Int. J. Logist. Manage., v. 8, n. 1, p. 1-14, jan./july 1997. CROXTON, K.L. et al. The supply chain management processes. Int. J. Logist. Manage., v. 12, n. 2, p.13-36, aug./dec. 2001. FLEURY, P.F. Supply Chain Management: conceitos, oportunidades e desafios da implementação. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2002. Disponível em: <http://www. coppead.ufrj.br>. Acesso em: 20 nov. 2002. FLEURY, P. F.; WANKE, P.; FIGUEIREDO, K. F. Logística empresarial: a perspectiva brasileira. São Paulo: Atlas, 2000. HELMS, M. M.; ETTKIN, L. P.; CHAPMAN, S. Supply chain forecasting: collaborative forecasting supports supply chain management. Bus. Process Manage. J., v. 6, n. 5, p. 392-407, may 2000. LAMBERT, D. M.; COOPER, M. C., PAGH, J. D. Supply Chain Management: implementation issues and research opportunities. Int. J. Logist. Manage., v. 9, n. 2, p. 1-19, aug./dec. 1998. LAMBERT, D. M.; COOPER, M. C. Issues in supply chain management. Ind. Mark. Manage., v. 29, n. 1, p. 65-83, jan. 2000. MIN, H.; ZHOU, G. Supply chain modeling: past, present and future. Comput. Ind. Eng., v. 43, n. 1-2, p. 231-249, jul. 2002. NAIM, M.M. et al. A supply chain diagnostic methodology. Comput. Ind. Eng., v. 43 n. 1-2, p. 135-157, jul. 2002. NOVAES, A. G. Logística e gerenciamento da cadeia de distribuição. São Paulo: Campus, 2001. TRACEY, M.; SMITH-DOERFLEIN, K. A. Supply Chain Management: what training professionals need to know. Ind. Commer. Train., v. 33, n. 3, p. 99-103, may, 2001.

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TWIST DA AÇÃO DE YANG-MILLS: SUPERSIMÉTRICA TRIDIMENSIONAL COM 4 SUPESIMETRIAS

OZEMAR SOUTO VENTURA1 LUIZ OTÁVIO BUFFON2

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Pós-doutor em Física pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professor do Centro Universitário Vila Velha. E-mail: ozemar@uvv.br. 2 Doutor em Física pela Universidade de São Paulo. Professor do Centro Universitário Vila Velha. E-mail: lobuffon@terra.com.br.

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40 RESUMO Fez-se o twist da teoria de Yang-Mills supersimétrica com N = 4 em 3 dimensões através da redução dimensional. A eliminação dos campos auxiliares foi considerada a partir do gauge de Wess-Zumino. Palavras-chave: Matéria Supersimétrica. Topologia. 1 INTRODUÇÃO É sabido que teorias de campo podem ser mapeadas em outras por uma operação de “twist”. Tal operação é feita sobre os campos e sobre os . Brooks, Demers e Lucchesi (1994), geradores de supersimetrias por exemplo, mostraram que o BF em pode ser obtido a partir do twist de uma lagrangiana supersimétrica de matéria em e . Em D = 4, a operação de “twist” consiste de representar o fator do grupo de Lorentz pelo subgrupo diagonal , onde é o grupo de automorfismo da supersimetria em . Em outras palavras, faz-se a identificação dos índices do grupo com os do grupo . Neste contexto, a ação topológica de YangMills proposta por Witten (1988) pode ser obtida via operação de twist na ação de Yang-Mills com (MARIÑO, 2003; FUCITO et al., 1997). Obtém-se e analisa-se neste trabalho a ação resultante da operação de “twist” na ação de Yang-Mills supersimétrica em , e no gauge de Wess-Zumino. Twistando os geradores, obtemos dois geradores escalares, dois vetoriais e dois tensoriais. Os novos geradores são convenientemente selecionados e acomodados em um operador, nilpotente on shell, que extende o tratamento BRST, da simetria de gauge, para incluir os operadores da supersimetria vetorial e as translações. O método adotado é o da redução dimensional da ação de Witten.

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41 2 YANG-MILLS TOPOLÓGICO A ação de Witten para o Yang-Mills topológico é dada por

onde g é a constante de acoplamento, a métrica é euclidiana e é parte autodual do field strength. Esta é a ação conhecida por Yang-Mills topológica proposta por Witten (1988). Ela é dita topológica por apresentar observáveis relacionados com os invariantes topológicos de Donaldson. A ação é deixada invariante sob transformações de gauge que levam à construção do operador de BRST, da forma:

O fato de a ação de Witten poder ser obtida via twist da teoria de YangMills com duas supersimetrias implica que a ação de Witten apresenta outras simetrias globais. Estas simetrias surgem naturalmente a partir do twist dos geradores da supersimetria . Estas simetrias são mostradas no Apêndice A. São elas: uma simetria escalar , uma vetorial e uma tensorial autodual . Uma discussão mais aprofundada sobre esta ação e a respectiva operação de twist foi desenvolvida em por Fucito et al. (1997) e Tanzini et al. (2000).

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42 3 REDUÇÃO DIMENSIONAL DA AÇÃO DE WITTEN Para se chegar à ação twistada fez-se a redução dimensional padrão. Do mesmo modo que a teoria de Witten (2.1) está relacionada em 4 dimensões, a redução dicom ação supersimétrica com mensional da ação de Witten leva à teoria topológica resultante da ação supersimétrica com em 3 dimensões. Depois da redução, os campos originais de (2.1), , são levados em , onde é um campo vetorial comutante, são escalares comutantes, é um vetor anticomutante, são escalares anticomutantes e é um campo tensorial anti-simétrico anticomutante. A ação reduzida toma a forma

que é invariante de gauge

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43 Do mesmo modo, após a redução dimensional, o gerador vetorial se separa em um gerador escalar e um vetorial , enquanto e são levados em e . A operação dos geradores reduzidos é dada por

E interessante notar que o gerador anti-simétrico

é dual a um opera-

dor vetorial em três dimensões. A álgebra destes geradores fecha nas translações , equações de movimento e transformações de gauge (Apêndice B). Esquematicamente as relações entre os operadores ; e são assim:

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44

Vale dizer que há outra teoria topológica em 3 dimensões, com o mesmo conteúdo de campos, que apresenta propriedades divergentes (BAULIEU; GROSSMAN, 1988).

4 OPERADOR DE BRST ESTENDIDO A álgebra anteriormente mostrada é típica das teorias supersimétricas no gauge de Wess-Zumino. A quantização de tais teorias tem sempre o problema da presença de termos não-lineares nos campos quânticos que aparecem nas transformações de gauge (3.7). Isto implica a necessidade de um conjunto infinito de operadores compostos para coerentemente se quantizar a teoria. No entanto, um ponto de vista alternativo foi proposto por White (1992). O primeiro passo é estender o operador de BRST em um novo operador . A idéia é coletar todas as simetrias da teoria, isto é, juntar o operador de BRST com os outros geradores de simetrias que aparecem na álgebra (3.7), num único operador , que deve ser nilpotente on shell. Assim fazendo, introduziuassociados aos geradores se um conjunto de fantasmas globais , e respectivamente,

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45 Fazendo uso das equações (3.7), pode-se inferir as transformações geradas por ,

As transformações dos fantasmas foram escolhidas de tal modo que a procurada nilpotência ficasse manifesta explicitamente

Introduz-se agora um antifantasma , transformando-se da forma

e um multiplicador de Lagrange

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46 de modo que o termo de fixação de gauge é dado por

Desse modo, a ação com gauge fixado é invariante por

,

Como exige o mecanismo adotado.

5 IDENTIDADE DE SLAVNOV-TAYLOR Para construir a identidade de Slavnov-Taylor, primeiro acoplam-se fontes de BRST às transformações dos campos, assim:

Devido à não-nilpotência off shell do operador , necessita-se introduzir um termo quadrático nas fontes de BRST. O termo que torna a identidade de Slavnov-Taylor possível é dado por:

Tomando, então,

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47 obtém-se uma identidade de Slavnov-Taylor

Vê-se que a ação completa obedece às seguintes relações:

Pode-se redefinir a ação tal que

onde

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48 a identidade de Slavnov-Taylor ĂŠ, entĂŁo, escrita como

onde

Tem-se agora

onde

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49 Desde que se retire

, tem-se que

Segue que o Slavnov-Taylor linearizado é

Tem-se que

o que implica dizer que é nilpotente no espaço dos polinômios integrados. Introduza-se variável , de tal modo que

tem-se então

onde

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50 ObtĂŠm-se assim

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51 A ação do operador

sobre os campos é expressa por:

Para os anticampos obtém-se que:

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52

6 FILTRAGEM DO OPERADOR DE SLAVNOV O último passo a ser dado, antes do processo de quantização, desta teoria é a construção da análise cohomológica do operador de Slavnov.

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53 Para tanto necessita-se definir o operador de contagem

Pode-se entĂŁo escrever que

onde

Como

pode-se escrever que

Isto fornece

No caso dos anticampos tĂŞm-se:

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54

O operador

tem sua atuação dada por:

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55

Sobre os anticampos, têm-se:

Para o operador

, escreve-se:

Sobre os anticampos este operador oferece

7 CONCLUSÕES Este trabalho mostra a ação twistada de Yang-Mills tridimensional com 4 supersimetrias. O operador de Slavnov foi construído bem como sua filtragem. Os passos seguintes estão agora sendo elaborados. É direto de se Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 39-60, jan./dez. 2004


56 concluir que a próxima fala diz respeito à construção do contratermo mais geral que elimine de forma compacta e abrangente todas as divergências que surgem do processo de quantização desta teoria de campos.

TWISTED N = 4 SUPER-YANG-MILLS THEORY IN 3D ABSTRACT Twist of the theory of supersymmetrical Yang-Mills became with N = 4 in 3 dimensions through the dimensional reduction. The elimination of the fields auxiliary was considered from gauge of Wess-Zumino. Keywords: Supersymmetrical substance. Topology.

REFERÊNCIAS BROOKS, R.; DEMERS, J.; LUCCHESI, C. Twisting to abelian BF/ Chern-Simons theories. Nucl. Phys. B, v. 415, n. 2, p. 353-369, Mar. 1994. WITTEN, E. Topological quantum field theory. Comm. Math. Phys., v. 117, n. 3, p. 353-386, Sept./Dec. 1988. MARIÑO, M. The geometry of supersymmetric gauge theories in four dimensions. Disponível em: <http://arxiv.org/PSficache/hep-th/ pdf/9701/9701128.pdf>. Acesso em: 05 jan. 2003. FUCITO, F. et al. Algebraic renormalization of the BF Yang-Mills theory. Phys. Lett. B, v. 404, n. 1-2, p. 94-100, July. 1997. TANZINI, A. et al. BRST cohomology of N = 2 super-Yang-Mills theory in four dimensions. J. Phys. G: Nucl. Part. Phys., v. 26, n. 8, p. 11171130, Aug. 2000. BAULIEU, L.; GROSSMAN, B. Monopoles and topological field theory. Phys. Lett. B, v. 214, n. 2, p. 223-228, Nov. 1998. WHITE, P. L. Analysis of the superconformal cohomology structure of N=4 super Yang-Mills. Class. Class. Quantum Grav., v. 9, n. 2, p. 413444, Feb. 1992.

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57 Apêndice A – As simetrias twistadas da teoria de Yang-Mills em 4 dimensþes.

A simetria

coincide com a simetria apresentada por Witten.

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58

Apêndice B – Álgebra dos geradores twistados da ação supersimétrica em 3 dimensões e 4 supersimetrias. operador delta minúsculo

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59 delta maiúsculo

delta minúsculo com delta maiúsculo

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60 delta minúsculo com delta minúsculo (vetoriais)

delta minúsculo vetorial com delta maiúsculo

delta minúsculo vetorial com delta minúsculo

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A COISA JULGADA E SUA INSERÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO

RODRIGO ÁVILA GUEDES KLIPPEL1

1

Mestre em Garantias Constitucionais pela FDV – Faculdades de Vitória. Professor do Centro Universitário Vila Velha e da FDV – Faculdades de Vitória. E-mail: rodrigoklippel@terra.com.br.

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62 RESUMO Trata da inserção da coisa julgada no ordenamento jurídico, o que é uma premissa necessária para desenvolver diversos raciocínios que influem no dia-a-dia da prática forense. Palavras-chave: Res iudicata - inserção - ordenamento jurídico.

1 A CONCEPÇÃO INSTRUMENTAL DO DIREITO: O DIREITO COMO INSTRUMENTO DE SEGURANÇA E EFETIVIDADE O direito, que estudamos sob diversos ângulos, corresponde a uma unidade de regulamentos que tem por função última permitir a convivência social. É, portanto, um instrumento de gerenciamento das condutas humanas (KELSEN, 2000). O direito somente tem razão de ser por se verificar na sociedade a existência de uma pluralidade de seres humanos que podem vir a se interessar, a ter necessidade de bens que não existem em quantidade suficiente para acolher a expectativa de todos (GUERRA FILHO, 2002). A escassez dos objetos passíveis de apreensão humana e a imperatividade de se organizar seu modo de aquisição forçaram o homem a desenvolver métodos de organização que possibilitassem sua convivência e acalmassem a demanda social, justificando a situação de posse de uns e de ausência de outros (CARNELUTTI, 2000). Por isso não é errôneo dizer que o direito é um instrumento de dominação, e isso a história deixa bem claro, principalmente se lembrarmos os momentos específicos em que essa feição se tornou brutal (KELSEN, 2000). Mas se é o direito um fenômeno com essa finalidade, não se pode dizer ser o único. A moral e os costumes também desempenham função semelhante, possuindo o direito, no entanto, algumas características que o peculiarizam. Reale (2002) ao estudar o fenômeno jurídico, parte para uma análise comparativa deste e dos demais instrumentos de controle social anteriormente mencionados, surgidos com a finalidade de coordenar e orgaScientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 61-87, jan./dez. 2004


63 nizar o convívio humano, pois como lembra Vescovi (1958), tudo no universo encontra-se organizado e concatenado e diferentemente não se poderia dar em relação a nós, que supostamente estamos no topo da pirâmide dos seres (até porque, como diz a Bíblia, somos a imagem de quem tudo criou; ou para quem não se contenta com a explicação metafísica, temos a capacidade do raciocínio abstrato, que é mais do que o simples raciocínio conseqüencial legado a todos os animais: perigo à proteção; fome à busca por alimento). Dessa comparação, em que entram a moral e os costumes, Reale (2002) abstrai elementos que diz conformarem o direito segundo o que ele é. Afastando a coação como sendo a pedra de toque do direito, por entendê-la um elemento eventual, o autor afirma ser ela o que denomina de bilateralidade atributiva. Mas o que vem a ser bilateralidade atributiva? Mantendo a crítica de Reale (2002), podemos inferir que a coação faz parte do fenômeno jurídico, mas não pode ser seu traço definidor justamente por ser um elemento potencial ou eventual, que poderia nunca se manifestar. Em defesa da coação como traço distintivo do direito em relação aos demais instrumentos reguladores de conduta social, diz-se que em verdade não seria ela efetivamente – a coação – o traço distintivo, mas sim a coercibilidade. Trazendo como premissa o fato de que é o fenômeno social, ou seja, a convivência, que gera a necessidade de organização, arrebata que é o direito uma relação entre essas pessoas formadoras do corpo social, segundo certa ordem objetiva de exigibilidade. Esta exigibilidade é anterior e pressuposto da coação que muito se asseverou ser a marca registrada do direito (KELSEN, 2000). O direito é uma vinculação que existe entre os homens, uma vinculação proporcional, mensurada. Se pensarmos em uma relação jurídica cotidianamente realizada, poderemos facilmente identificar esses dois fatores de que estamos tratando: a necessidade de polarização de seres humanos e a proporcionalidade do que se pretende cabível a ambos. Pensemos em um contrato de compra e venda de um automóvel, que dia-a-dia é realizado em grande quantidade em nossa cidade. Paga-se certa quantia, nas condições fixadas e, conseqüentemente, Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 61-87, jan./dez. 2004


64 recebe-se a mercadoria, o automóvel. Caso o comprador pague a quantia, ou caso o vendedor entregue o produto, tem-se a obrigação, tanto de um quanto de outro, da competente prestação, pois assim o direito o garante. Essa garantia que o direito confere e que não se confunde com a origem dessa garantia, ou seja, com a fonte dessa garantia, é que é o cerne do direito, a que se chama bilateralidade atributiva. Esta é, portanto, “uma proporção intersubjetiva, em função da qual os sujeitos de uma relação ficam autorizados a pretender, exigir, ou a fazer, garantidamente, algo” (REALE, 2002, p. 51, grifo do autor). Se assim se tratar o direito, realmente pode-se pensá-lo em termos ontológicos. O direito, aqui, é alguma coisa, e não somente é caracterizado por uma conseqüência eventual. Mas uma vez vencido este caminho, ainda restam sérias dúvidas sobre o fenômeno jurídico: como identificar essa proporção objetiva intersubjetiva? Como se sabe, Reale (2002) entende ser o direito um fenômeno identificado de uma forma tríplice: pelos vetores do fato, do valor e da norma, que interagindo, dinamicamente, portanto, formam as normas jurídicas, que sistematicamente compreendidas compreendem o ordenamento ou sistema jurídico. Assim sendo, a valoração de fatos da vida social gera uma fórmula abstrata que contém as condutas que devem ser cumpridas por todos aqueles que fazem parte do mundo social, sob pena de que, em assim não agindo, incidir a coação estatal. É importante destacar que a coação faz parte do fenômeno jurídico, somente não podendo ter o papel de amplíssimo destaque conferido por Kelson (2000). E incidindo a coação estatal estar-se-á novamente criando uma norma jurídica, agora concreta, em que a tríplice identificação percebe-se novamente presente. Um fato, valorado agora pela sua subsunção a uma norma abstrata, gera aquela concreta. O mestre paulista, Reale (2001, p. 151), coloca seu alvitre nos seguintes termos: “[...] a ciência do direito é uma ciência normativa, mas a norma deixa de ser simples juízo lógico, à maneira de Kelsen, para ter um conteúdo fático-valorativo [...]”.2

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65 Ao passo que o direito é caracterizado pela proporcionalidade e por sua exigibilidade, garantida pelo Estado, a moral e os costumes não apresentam essas características, sendo, portanto, instrumentos menos efetivos de conduta social, e que se tornam refratários em proporção ao crescimento social. Complementando o trazido por Vescovi (1958), se temos a capacidade do pensamento abstrato, é lógico que não nos contentaríamos em organizar a vida, a natureza, somente como os demais seres, dotados unicamente do denominado raciocínio causal (causa-efeito). O ser humano criou formas organizacionais também abstracionistas, dedutivas, utilizando-se de sua capacidade até hoje vista como única dentre os seres da natureza. Dentre todas essas formas o direito é a mais desenvolvida. É o direito, portanto, o mais bem acabado instrumento organizacional criado pelo ser humano, como forma de complementar a organização lastreada na causalidade, própria da natureza. Observando-se as características apontadas por Reale (2001), é perceptível que a estrutura interna e conformação do direito o tornam o instrumento de controle social mais apto para prover duas das mais importantes condições necessárias ao desenvolvimento das relações intersubjetivas: a) a efetividade; b) a segurança. A norma jurídica, mínima parcela de conteúdo próprio no sistema jurídico, é o mais perfeito dos métodos de controle social por ser, também, o mais equilibrado e aquele que consegue garantir mais eficazmente que as disputas findem, não se eternizem e não voltem a existir. O direito é o método de controle social estatal por excelência. É quase que um monopólio do Estado, visto que este detém, com exclusividade, a sua criação – por meio do Poder Legislativo; e realiza grande parte de sua aplicação – por meio do Poder Executivo e do Judiciário. Tamanha correlação levou Kelsen (2000) a equipará-los. Sem chegarmos a tanto, temos que apontar, no entanto, que em grande parte a efetividade e a segurança apregoadas pelo fenômeno jurídico são diScientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 61-87, jan./dez. 2004


66 retamente proporcionadas por essa união modernamente quase indissociável entre Estado e direito. De nada adiantaria ser o direito um método de controle social proporcionalmente mensurado se a sua exigibilidade fosse entregue a cada um que considerasse ter sido quebrado o equilíbrio de uma relação juridicamente identificada. A autotutela, como se costuma qualificar esse método compositivo, seria perniciosa para a própria manutenção do instrumento jurídico (KELSEN, 2000), que paulatinamente cederia espaço à lei do mais forte. O diferencial de sua aplicação está justamente em que esta é feita por um ente, a princípio, desinteressado no conflito registrado, e cuja única finalidade de sua existência é prover sustentação à coletividade que abraça. O grau de segurança e de efetividade do direito estão diretamente ligados, portanto, ao grau de organização desse ente fictício que domina nossa vida: o Estado. Um Estado bem-estruturado, firmado sobre bases sólidas, com certeza concorrerá para que o direito seja produzido corretamente e posto em prática quando necessário. E essa higidez estrutural revela-se em vários pontos. O direito, para garantir efetividade e segurança, precisa estar escorado em boas leis, juízes e aparato executivo. Em nosso estudo, que se enquadra na dogmática jurídica, não nos cabe avançar em qualquer consideração que se estenda aos problemas de administração judiciária, de formação e seleção dos profissionais da área jurídica. Cabe-nos debater de que forma as leis, principais catalisadores do direito e mananciais de suas normas, podem ser manejadas pelo Estado para que garantam a efetividade e a segurança almejadas. Toca-nos parte do problema, que começaremos a esmiuçar. A norma jurídica, inserida no sistema ou ordenamento jurídico é nosso objeto de trabalho. Não só a norma, nem tampouco só o sistema, mas a interpretação coerente de ambos.

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67 2 DIREITO MATERIAL E DIREITO PROCESSUAL O direito, para atingir sua finalidade de tutela social, apresenta diversas feições, mas de um modo geral pode-se dizer que atua: a) prevenindo; b) reprimindo. Atua prevenindo quando cria modelos de conduta voltados à coletividade – ou pelo menos a alguns de seus setores – indicando quais ações são socialmente permitidas e quais são perniciosas e devem ser evitadas. O direito corresponde a normas deontológicas, ou seja, de dever-ser (KELSEN, 2000). Isso significa que o Estado cria indicações de como devem as pessoas físicas ou jurídicas sob seu jugo se comportarem, não podendo a norma jurídica, no entanto, ser encarada como se fosse uma lei natural, causal, de cujas previsões não se pode escapar. O direito, ao final das contas, é um observador qualificado da liberdade, visto que a limita num primeiro momento, contando com a aceitação da coletividade dos marcos por ele trazidos. Chamamos de direito material essas regras que visam a controlar como deve ser nosso comportamento cotidiano, como devemos agir em face dos demais seres humanos que nos circundam e em face do Estado (CARNELUTTI, 2000). A pré-moldagem que o Estado faz de nossa conduta, a indicação dos parâmetros de atividade social de cada indivíduo e do próprio Estado funcionam, portanto, como a primeira das formas de controle social utilizada pelo direito, como dizíamos, e justamente aquela que tende a conferir maior eficácia e segurança para as relações intersubjetivas. Se objetivamente sabemos como nos comportar e seguimos estritamente os predicados legais, é óbvio que o direito terá alcançado sua função com a maior presteza e da forma mais escorreita possível. Não obstante seja o cumprimento das normas de conduta a regra para as sociedades, ou seja, não obstante o direito material seja respeitado espontaneamente, a inobservância é dado não desprezível, devendo ser coibida de forma severa, impedindo que a proliferação da desobediência ponha por terra a paz social. Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 61-87, jan./dez. 2004


68 Como bem lembra Mesquita (1987, p. 69), “[...] a ordem nas relações existentes entre os sujeitos de direito, prescrita nas normas jurídicas, é uma ordem que somente pode considerar-se existente na medida em que existam meios de torná-la uma realidade concreta.” Corroborando o que foi dito anteriormente, precisas são as palavras de Kelsen (2000, p. 11-12), ao comentar que a validade do direito está ligada a um mínimo de eficácia social: Uma norma que nunca e em parte alguma é aplicada e respeitada, isto é, uma norma que – como costuma dizer-se – não é eficaz em uma certa medida, não será considerada como norma válida (vigente). Um mínimo de eficácia (como sói dizer-se) é a condição da sua vigência.

E essa eficácia é medida justamente pela manutenção dos ditames estabelecidos na norma material, seja por vontade livre dos sujeitos de direito, seja pela atuação do Estado em cada caso concreto a que for chamado a intervir. Por isso também o direito voltar sua atenção para a reversão das lesões ou ameaças de lesão aos direitos que façam parte do patrimônio pessoal dos sujeitos, sem o que seria mera retórica a norma jurídica (SATTA, 2000). Por isso o direito também se preocupar com a repressão ao seu descumprimento, seja quando já tenha sido efetivamente lesado aquele que afirma possuir uma posição de vantagem em relação a outrem, seja quando esteja em vias de sê-lo (tutela inibitória). Como já antecipamos, esse encargo de reparar as lesões ou de evitá-las quando a prevenção social tenha falhado cabe ao Estado-juiz, figura imparcial, desinteressada e eqüidistante do conflito, o que permite maior isenção e segurança no trato do problema aventado, o que não se teria se um dos envolvidos tomasse para si a tutela ou proteção forçada do que alega seu. Dessa forma, é importante destacar que tudo o que foi dito não exclui a chamada autocomposição como método de resolução dos conflitos. O acordo daqueles que se envolveram em um problema juridicamente identificado é uma importante forma de finalizar uma lide e impedir que, da sociedade, se encaminhe ao processo.

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69 Denomina-se Jurisdição essa função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no aplicar a existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva (CHIOVENDA, 2000, p. 8).

Da mesma forma como as situações da vida são regidas por padrões objetivos de conduta – direito material – o desenvolvimento da atividade jurisdicional, de repressão e prevenção aos conflitos sociais alegados pelos sujeitos de direito, também deve estar pautado por parâmetros precisos. Seria um contra-senso prever contornos firmes para as atividades sociais dos sujeitos de direito – direito material – e deixar ao talante do Estado criar, para cada caso concreto, um método de decisão da pertinência daquele direito que se pleiteia. A jurisdição deve prover, portanto, efetividade e segurança a todos aqueles que necessitem do Estado para fazer valer seu direito material que foi desrespeitado - ou pelo menos que se alega ter sido – na dinâmica social. Denomina-se direito processual o sistema de previsões ou normas que organizam a forma de atuação do Estado quando exerce sua função jurisdicional; e processo o método regido por essas disposições. São as normas processuais que garantem que a jurisdição seja metodicamente exercida e que, principalmente, seja objetivamente exercida, sem favorecimentos a este ou àquele litigante (CARNELUTT, 2000). Versando sobre o assunto trazido na discussão antecedente e comparando o direito à medicina, numa interessante alusão, Monteiro (1936, p. 72) dizia que O Direito Judiciário [antiga denominação do direito processual, que remota à escola processual francesa (COUTURE, 1998, p. 6)] é um instituto medicinal, cuja atividade consiste em oppôr as regras de direito (o direito no estado physiologico) ás violações das relações de direito (o direito no estado pathologico), de modo que se restabeleça a saúde das mesmas relações jurídicas. Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 61-87, jan./dez. 2004


70 O direito processual, que visa a garantir o mais perfeito desenvolvimento da atividade jurisdicional, está principalmente norteado pelos princípios do devido processo legal e da inafastabilidade do Poder Jurisdicional, que bem concentram a idéia central de proteção ao direito material. Ambos, por sua importância, estão expressamente previstos na Constituição Federal, no art. 5°, incisos XXXV e LIV, que transcrevemos: Art. 5° [...] XXXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito; [...] LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens, sem o devido processo legal.

Os dois princípios norteadores anteriormente destacados demonstram claramente que a via processual é a última das garantias da realização do direito e, por conseqüência, garantia do próprio estatuto jurídico nacional. E, além disso, clarificam que o processo, método de exercício da atividade jurisdicional, tem como seu inicial impulsionador a busca dos entes sociais pela proteção jurisdicional. Ou seja, que a jurisdição tem no direito de ação sua ignição. Por isso ser indissociável do estudo da jurisdição a observância do direito de ação. Ambos são engrenagens que, juntas no processo, permitem que o direito material, uma vez ameaçado de lesão ou lesado, seja fortificado, prevalecendo em cada caso concreto em que tenha incidido. A ligação umbilical entre jurisdição (como pólo central do fenômeno), ação e processo revelar-se-á muito claramente quando aprofundarmos nossas considerações sobre a coisa julgada. O direito de ação é o método eleito para que os indivíduos possam pleitear a manutenção de suas posições de vantagem em face de outros por meio da convocação do Estado para que tome as providências cabíveis. É a primeira ponte entre o direito material e o direito processual e é quem fixa as bases para todos os fenômenos subseqüentes que se observam com o correr do procedimento, culminando com a coisa julgada.

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71 Tem-se o direito de ação, portanto, como instituto essencial na dinâmica do direito, como forma fidedigna de restaurar seu império quando sua simples ameaça potencial tiver falhado. O direito de ação é mecanismo diretamente ligado à transição do direito de sua forma estática a dinâmica. É o direito de ação que faz a ponte entre o direito material e o direito processual, abrindo para aquele a possibilidade de atingir um status novo, de certificação, pela formação da coisa julgada.

3 A SEGURANÇA JURÍDICA E AS RELAÇÕES ENTRE DIREITO MATERIAL E PROCESSUAL Uma leitura atenta do tópico anterior deixará transparecer uma verdade que já soou evidente para o leitor atento: o direito, em sua dupla visualização, material e processual, se preocupa de forma severa com a segurança das relações que governa. Termos como proporcionalidade, objetividade, mensuração, já utilizados, denotam a preocupação maior do instrumento jurídico, que é a de garantir que as relações intersubjetivas encontrem um porto seguro para se desenvolverem. A segurança é um valor social como diversos outros que permeiam nossa vida, mas é daqueles que mais nos fragilizam e tocam. Em nome da segurança deixa-se de fazer o que se quer, por vezes; deixa-se de amar, de inovar. Se o ser humano é tão tocado pelo valor segurança, o direito, um produto seu, não poderia ser diferente. Dessa forma, a montagem do teatro onde o direito tem sua atuação mais destacada – o processo, está basicamente pautada por esse valor: a segurança jurídica. Embora não se possa dizer, como outrora se queria, que o processo é um mero apêndice do direito material,3 sabe-se que sua função é seu instrumento deste, visto ser o processo o coordenador da atividade do Estado voltada para resolução de problemas advindos do relacionamento das pessoas em sociedade (Jurisdição).

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72 E como instrumento do direito material que é, deve permitir que este se revele da forma mais próxima possível daquela real, que ocorreu no mundo social. Por isso ser o entendimento majoritário que a natureza ou essência do processo de conhecimento – que representa parte do método posto pelo Estado para a resolução dos conflitos de interesses e que tem por escopo determinar o conteúdo das relações jurídicas materiais que lhe são levadas - é fundamentalmente declaratória: o processo não deve inovar, mas simplesmente garantir que o direito material, conforme tenha incidido na prática cotidiana dos litigantes, seja certificado. Esse papel de certificador do direito material é exercido pelo processo por meio de diversos mecanismos: a) previsão de um procedimento ou concatenação de atos por meio dos quais se desenvolve a dialética de descoberta do direito material aplicável ao caso; b) garantia de participação dos entes envolvidos no processo que tenham um direito material em disputa (garantia do contraditório); c) garantia de revisão das decisões judiciais (garantia do duplo grau de jurisdição); d) garantia de imutabilização da decisão que for gerada sobre o objeto deduzido em juízo (autoridade da coisa julgada). O formalismo processual não deve ser entendido somente de maneira pejorativa, como se quisesse sempre representar o seu excesso. Antes de qualquer coisa, a adoção dessas formas pelo legislador corresponde aos desígnios de um sistema processual pautado pelo princípio do devido processo legal (due process of law). Somente provendo segurança, o processo poderá perfeitamente atingir sua finalidade de revelar o direito material em cada caso concreto. Dizer isso não significa desconsiderar que há situações em que é impossível esperar-se o tempo ordinário previsto para o escoamento de todo o procedimento até a entrega definitiva da tutela jurisdicional. Mas, para proteger também as situações de urgência, o sistema processual prevê métodos excepcionais, transitórios, que produzem precariamente uma solução (tutela de urgência), possibilitando ao órgão jurisdicional que permaneça em sua dialética menos pressionado pelo Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 61-87, jan./dez. 2004


73 tempo, que é um dos maiores inimigos do método processual, que naturalmente necessita se alongar por um certo interregno. Dito tudo isso, podemos acrescentar que no processo as normas materiais e as normas processuais vão se tocando, se entrecruzando por todo o iter procedimental, garantindo estas a mais próxima observação possível daquelas, até o ponto em que não mais se caminha. Quando o processo não mais pode trabalhar o direito material, chega-se a reta final da função jurisdicional. Dessa forma, quando a estrutura não mais necessita sustentar o conteúdo, seja por este não subsistir, seja por já ter-se findo a sua construção, chega-se ao cabo do exercício da jurisdição. Vale ressaltar que, embora tenhamos utilizado a figura de linguagem da construção, de Carnelutti (2001), não queremos com isso defender a natureza constitutiva das decisões judiciais, tema interessante mas que foge dos limites de nossa pesquisa. Quando a atividade jurisdicional dá solução acerca da relação jurídica material, direito e processo encontram-se atados em um beco sem saída, onde devem morrer abraçados. E a última das proteções que o processo pode fornecer ao direito material advém justamente desse abraço, que garantirá que, para o ordenamento jurídico, salvo uma ou outra exceção, será impertinente e inútil voltar-se a discutir a relação jurídica que foi esmiuçada pelo Estado-juiz. Se a ação deve ser o primeiro dos elos entre direito material e direito processual, a coisa julgada deve ser o último deles.

4 A AUTORIDADE DA COISA JULGADA COMO O MAIS CONSISTENTE INSTRUMENTO DE GARANTIA DA SEGURANÇA JURÍDICA O direito material, quando é apresentado ao processo, lhe chega por meio de uma alegação unilateral do autor, que aduz ser merecedor da proteção de uma norma abstrata que incidiu em uma relação jurídica travada com um terceiro (direito subjetivo). Desde o momento em que é apresentado na petição inicial o direito material, precariamente identificado com o autor, já é objeto de proteção. O demandante, devidamente apoiado por um suporte técnico especializado (procurador dotado do jus postulandi), exceto as situações Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 61-87, jan./dez. 2004


74 em que a lei dispensa essa guarnição, já tem ciência de quais serão ou, pelo menos, de quais podem ser os próximos passos do magistrado, que conduz o processo, de acordo com o estabelecido no CPC 262; o réu, que tem direito de ser informado da existência da demanda, também é protegido em seu direito de se manifestar e defender, também tendo noção de quais devem ser os atos subseqüentes do procedimento. À medida que o procedimento vai se desenvolvendo e culminando para seu fim, tende-se a aumentar o grau de proteção àquele que ostenta a razão, ou que, pelo menos, aparenta fortemente possuí-la. Sabe-se que, em regra, não pode o juiz alterar o conteúdo da sentença que publicou, nos termos do CPC 463, o que significa dizer que, se sua sentença feriu ou não o mérito, salvo as exceções legais – hipótese prevista no CPC 296 –, somente pode ser mudada por meio de um recurso. A cada grau recursal que se avança, dificulta-se a mutação da decisão tomada quanto ao direito material. Por isso, após os chamados recursos ordinários, advêm os recursos extraordinários (JORGE, 2004; MOREIRA, 1998), cujo acesso é muito mais restrito que o dos primeiros. Incide paulatinamente no processo a figura da preclusão. Ao cabo de todo o procedimento, encontra-se a última das proteções ao direito material, conferida pelo processo: a autoridade da coisa julgada material. A sua maior consistência como instituto protetor do direito material tem por razão de ser preponderante, portanto, a sua localização no procedimento. Não possui a autoridade da coisa julgada qualquer aura mágica que, por vezes, parece se querer lhe conferir. A autoridade da coisa julgada é o selo de certificação da chegada ao fim de um caminho, que somente deve ser trilhado por completo uma vez. Aqueles que completam a trilha processual por inteiro, recebendo do Estado uma solução para o problema ou situação que os envolve (coisa julgada material), não devem mais utilizar essa via em toda sua extensão, já que esta não lhes apresentará qualquer utilidade ulterior. O processo de conhecimento, que é aquele que guiará todas as nossas especulações, deve conferir certeza jurídica, afirmação da incidência ou não de uma norma jurídica a um caso concreto. Por vezes essa afirmação pode vir acompanhada de outra conseqüência (condenação Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 61-87, jan./dez. 2004


75 ou constituição), mas o conteúdo mínimo declaratório de direito material todo processo de conhecimento deve possuir, a menos que haja qualquer interferência entre os dois planos do ordenamento que os impeça de confluírem a uma junção final (qualquer causa que decrete a extinção do processo sem julgamento de mérito – CPC 267 – quando, então, direito e processo não morrem abraçados, podendo o caminho ser novamente trilhado, salvo as hipóteses do CPC 267, V). Se a disputa intersubjetiva por um bem tutelado pelo direito chega a um final, ou seja, se o órgão jurisdicional declara a sua pertinência a um dos litigantes, encerrados em pólos antagônicos, não deve o direito dar espaço a mais controvérsias, que deporiam contra a sua própria finalidade, que é garantir a manutenção da ordem social (DINAMARCO, 2000). Com dizer que não deve o direito dar espaço a reapresentações do conflito já decidido, quer-se asseverar que a autoridade da coisa julgada material é mais uma das proteções formais que o processo defere ao direito material, é uma norma jurídica de natureza processual que incide sobre o direito material, podendo ou não ser cumprida, acarretando o seu descumprimento a busca pela tutela jurisdicional que buscará reverter o desrespeito normativo aventado (ação rescisória, CPC 485, IV). Mais ainda, deve-se dizer que não é a autorictas rei iudicatae instituto ínsito ao fenômeno processual, como o é, por exemplo, a sua extensão temporal (CAETANO, 1994; LUHMANN, 1983) e seu movimento continuado por meio de atos tendentes a um fim (ALMEIDA JÚNIOR, 1940; BÜLLOW, 1964). A autoridade da coisa julgada é uma opção política do legislador, como bem ressaltava Liebman, citado por Alloria (1992). Pode-se imaginar um processo que não culmine com a imutabilização jurídica do conteúdo de direito material declarado ou da solução jurídica deferida. Para reforçar o argumento, basta lembrar que Chiovenda (2000) aponta, em suas Instituições, que o direito escandinavo antigo não previa essa qualidade de imutabilidade para o conteúdo de mérito das decisões judiciais. A opção do legislador em conferir ao direito material declarado em um caso concreto o status jurídico de imutável, o que faz por meio do trancamento da via processual para futuras discussões, se justifica pelo grau de desenvolvimento da sociedade em que se insere. Somente sociedades muito avançadas teriam o grau de civilidade adequado para Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 61-87, jan./dez. 2004


76 aceitar as decisões judiciais – principalmente as contrárias – e não procurar eternizar sua discussão. Trazendo o dito para o Brasil, percebemos que o próprio Estado, no exercício de sua função administrativa, é o pior dos litigantes, utilizando-se de todos os artifícios possíveis e imagináveis para retardar o cumprimento das decisões judiciais desfavoráveis, e pior, legislando em causa própria, criando barreiras para a efetividade e a certeza que o processo tem que conferir.

5 A COISA JULGADA COMO FENÔMENO INSERIDO NO MUNDO DO DEVER-SER O estudo da coisa julgada, tal como feito no presente ensaio, tem a importante finalidade de precisar a essência do instituto, o que muito facilita o entendimento do operador do direito, e faz com que ele melhor se utilize dessa importante proteção que o direito processual fornece ao direito material discutido em juízo. Entender a coisa julgada em sua perspectiva macroscópica, tal como inserida no ordenamento jurídico, é o meio mais seguro de empregar sua força na exata medida. Busca-se, para tanto, estabelecer uma premissa que encerre todo o desenvolvimento do instituto da coisa julgada. E qual vem a ser essa premissa, que estamos buscando? O que se pretende apontar é a circunstância de que a coisa julgada é um instituto pertencente ao plano do dever-ser. É notório que o estudo da Teoria Geral do Direito toma por ponto de partida a dicotomia entre o ser e o dever-ser. O ser, o mundo social, é aquele regido pela causalidade, no qual estamos inseridos. O deverser é o mundo criado pelo homem para reger sua conduta coletiva, por meio de normas que delimitam a liberdade daqueles que fazem parte de uma entidade coletiva, criando uma proporção intersubjetiva e indicando como estes devem se portar e agir, sob pena de não o fazendo, merecerem uma reprovação aplicada pelo Estado, que se convencionou denominar sanção. O que diferencia o plano do ser e do dever-ser é a inevitabilidade natural das normas do primeiro e a liberdade de ação que conferem as normas do segundo, condicionado o descumprimento de seus preceiScientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 61-87, jan./dez. 2004


77 tos a uma conseqüência negativa que deve ser imputada. Ou, ainda, determinando que a ocorrência de uma hipótese prevista na norma deve gerar uma correspondente atividade retributiva, não necessariamente maléfica ou benéfica. Buscando um exemplo para diferenciar as duas realidades, enquanto se sabe que, se uma maçã for jogada de uma árvore, necessariamente tocará o solo, por essa ação estar regida por uma lei da física, causal, que explica o mundo do ser; tem-se que se um sujeito descumprir um contrato deverá indenizar a parte lesada, embora essa indenização possa não ser aplicada por uma série de situações, demonstrando que a conseqüência imposta por uma norma jurídica, de dever-ser, não possui a mesma fisionomia de uma lei da física. Não há uma relação imediata e inafastável de causa e efeito (causalidade) nas previsões do direito como existe nas leis da física. Ou alguém imagina a possibilidade de uma maçã que foi jogada do alto de um prédio, no planeta Terra, flutuar? Ao contrário disso, é plenamente plausível pensar na situação de um devedor que, inadimplente e sem condições de cumprir com sua obrigação, tenha seu crédito perdoado, quando a previsão normal da norma jurídica seria a sua expropriação e pagamento do credor. Não obstante a conseqüência prevista pelo ordenamento jurídico (norma pertencente ao plano do dever-ser) fosse uma, sua aplicação não se verificou, justamente por não existir um nexo tal qual o de causalidade, verificado no mundo do ser. A coisa julgada também deve ser observada sob essa mesma perspectiva, de modo que alguns equívocos classificatórios sejam evitados. Entendemos por bem descer ao cerne do problema para facilitarmos a sua resolução. Para traçarmos a correlação entre o instituto da coisa julgada e o mundo ou plano do dever-ser, focalizaremos nossa investigação na mais visualizada característica da coisa julgada, que é a sua autoridade, que lhe confere as marcas da imutabilidade e indiscutibilidade (CPC 467). A autoridade da coisa julgada material, como já observamos de forma inicial, é uma intangibilidade que se confere ao direito material debatido e determinado em um processo jurisdicional. É uma característica, segundo Liebman, citado por Allorio (1992), uma qualidade, que se agrega ao direito material objeto de discussão e que pode ser enxergada como a conseqüência para a incidência de uma norScientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 61-87, jan./dez. 2004


78 ma processual. Queremos dizer que a autoridade da coisa julgada material pode ser entendida como uma sanção processual que é aplicada, que incide num caso concreto quando sua hipótese fática tiver se verificado. Quando dizemos sanção, não queremos automaticamente referir algo negativo, pesado, um fardo que o direito impõe como penalidade para quem atue uma conduta considerada inadequada. Embora a sanção, que é a conseqüência prevista por uma norma jurídica quando se verificar uma determinada hipótese prevista em lei, seja normalmente identificada como algo negativo, nada obsta a que seja ela um prêmio (KELSEN, 2000) ou que não seja vista necessariamente como algo bom ou mau. Esclarecendo a proposição, poderíamos dizer que, se ocorrer determinada situação prevista pela lei processual (hipótese fática, fattispecie), deve se conferir ao direito material uma marca de imutabilidade. Se fato é

deve ser conseqüência

Concretizando o esquema supra idealizado, onde podemos encontrar, na lei processual, uma norma que se enquadre no modelo hipotético pensado acima para a coisa julgada? O Código de Processo Civil apresenta no art. 467 uma norma que, embora aparente ser meramente explicativa e conceitual, pode ser lida segundo o raciocínio hipotético-dedutivo, kelseniano, que é aquele que baliza nossas considerações (KELSEN, 2000), dela se extraindo o modelo deontológico da coisa julgada. Vejamos: “Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”. O que parece ser uma má leitura da teoria de Liebman sobre a coisa julgada, pode ser deveras útil na tentativa de enquadrar a coisa julgada segundo um arquétipo hipotético-conseqüencial conforme o previsto no quadro acima. Vejamos:

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79 Se a sentença não for mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário deve ser imutável e indiscutível. O art. 467 do CPC é a norma jurídica que prevê, em abstrato, o fenômeno processual da autoridade da coisa julgada, que nada mais é do que uma conseqüência, uma sanção, para o fim da discussão sobre a pertinência de um direito material levado ao processo, bem como o fim do desenvolvimento da relação jurídica processual, embora as principais especulações e o enfoque da ciência restem todo sobre aquela. Embora não tenhamos adentrado no rigorismo técnico da ciência processual para explicarmos a coisa julgada, demonstramos como a coisa julgada pode ser encartada como uma norma hipotético-conseqüencial, prevista em abstrato no sistema, e que deve incidir nos casos concretos toda vez que se verificar a ocorrência da hipótese fática prevista como seu pressuposto. É certo que o fizemos até agora somente com relação à autoridade da coisa julgada, que é, inclusive, somente uma qualidade da coisa julgada material e formal. Logo à frente examinaremos outras de suas feições, confirmando nossa afirmação. Uma vez que se tenha entendido essa perspectiva, pode o leitor perguntar: e qual a importância de se fixar essa premissa para a coisa julgada, de que é ela um instituto inserido no plano do dever-ser? A primeira das conseqüências de se situar a coisa julgada dessa forma é a de evitar justamente que a sua autoridade seja entendida como vinculativa do mundo do ser. Não pode a autoridade da coisa julgada material – que é, como já dito, seu aspecto mais vibrante – imutabilizar o que escapa ao controle do direito, o que se encontra fora dos limites da linguagem jurídica, da deontologia jurídica. Não pode a autorictas atingir, portanto, efeitos da sentença produzidos na órbita do ser, que são passíveis de mudança com o tempo.4 O que a autoridade da coisa julgada material faz é tornar intangível a norma jurídica que foi determinada como conseqüência da verificação de uma certa hipótese fática identificada por acontecimentos pretéritos. Qualquer concepção que queira projetar a coisa julgada para fora do plano do dever-ser é errônea. E dizer isso não significa sustentar que a coisa julgada não representa uma ligação do direito processual com o direito material. Muito pelo contrário. Por tudo quanto dito até agora, Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 61-87, jan./dez. 2004


80 tem-se como umbilical esse liame, tendo sido esse, inclusive, o termo que foi utilizado anteriormente. A autoridade da coisa julgada vincula o direito material, que também possui uma estrutura hipotético-conseqüencial, e que igualmente não se situa no plano do ser. Quando o direito material foi determinado como favorável a um ou outro litigante, estabeleceu-se a existência de fatos históricos (reconstruídos pela linguagem jurídica) que, encaixando-se na previsão de uma norma abstrata, geraram uma conseqüência, que pode ter sido a condenação ao pagamento de uma quantia, a desconstituição de um vínculo jurídico.5 O que se tornou imutável por meio da autoridade da coisa julgada material foi a interpretação jurídica de uma dada realidade fática, historicamente reconstruída por meio de instrumentos humanos, que não necessariamente corresponde fielmente ao que se verificou no plano do ser e que porventura não surtirá efeitos sociais, somente devendo fazê-lo. A reconstrução histórica permite erros que estão diretamente ligadas à falibilidade humana na captação sensorial do mundo que o rodeia. Trazendo as respostas dadas ao problema da importância da localização da coisa julgada no plano do dever-ser para o direito positivo brasileiro, temos que a ausência dessa clareza levou o legislador a publicar a equivocada norma (MOREIRA, 1971) do art. 15 da Lei 5.478/68, que prescreve “[...] A decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado e pode a qualquer tempo ser revista em face da modificação da situação financeira dos interessados.” Ao prescrever na Lei de Alimentos que as decisões jurisdicionais que determinem alimentos não transitam em julgado, está a norma transcrita aceitando como premissa que a coisa julgada é, em regra, uma vinculação que atinge fatos sociais futuros àqueles que foram tomados em consideração pelo processo, ou seja, que a coisa julgada engessa também as mudanças de fatos, como se quanto a eles – os fatos futuros – nunca mais pudesse incidir validamente uma norma jurídica. Por que extraímos esse pano de fundo dessa norma jurídica? Ora, a existência de uma regra como a do art. 15 da Lei 5.478/68, que se pretende excepcional em face do sistema ordinário, e a aceitação dos seus termos literais, nos conduz a formular o seguinte raciocínio: Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 61-87, jan./dez. 2004


81 se em regra as decisões que apreciam o mérito recebem a qualificação da autoridade da coisa julgada material, não podendo ser alteradas por qualquer manifestação futura que se observe no mundo dos fatos, significaria que também estes, ou seja, que também o mundo do ser estaria vinculado por essa força imutabilizante que é a autoridade, sendo uma exceção a essa regra os conflitos relativos a alimentos, por estar a hipótese expressamente ressalvada pela lei. Somente quando o objeto da demanda fosse a determinação de prestações alimentícias, um dos fatos que determinou a fixação do montante devido, que é a situação financeira dos interessados, poderia ser considerado em um processo futuro, já que nesse caso único não se teria verificado a incidência da autoridade da coisa julgada material. Essa interpretação haurida da literal disposição do art. 15 e de sua comparação com o sistema ordinário da coisa julgada é totalmente equívoca, principalmente se tomarmos por premissa a localização da coisa julgada como fenômeno deontológico, do dever-ser, conforme propugnamos. O art. 15 da Lei 5.478/68 é totalmente descartável e inútil, visto que a sistemática da coisa julgada, prevista no Código de Processo Civil, oferece solução muito mais própria e técnica, tendo por substrato a localização da res iudicata no plano do dever-ser, o que é objeto do presente tópico de nosso estudo. Tendo-se por certo que a autoridade da coisa julgada não vincula o mundo do ser, não imutabiliza o mundo fático, principalmente aquelas situações vindouras, tem-se que somente pode ela incidir sobre um evento do plano do dever-ser. E que evento é esse? A norma concreta que decidiu o conflito que foi carreado por uma ação identificada pelos elementos parte, causa de pedir e pedido (CPC 301, § 2°). Individualizada a norma concreta pelo método acima descrito, pode-se afirmar que: a partir do advento da coisa julgada e de sua autoridade torna-se juridicamente impossível e irrelevante a rediscussão do direito material objeto dessa decisão, conforme enquadrado desde o início do procedimento jurisdicional pelos elementos da ação. Dizer isso corresponde a afirmar: uma mesma ação, ou seja, com os mesmos elementos acima listados, não pode mais ser decidida pelo magistrado no mérito, em seu âmago (CPC 267, V).

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82 Se, em momento futuro ao do advento da coisa julgada acima mencionada e identificada pelos seus três elementos característicos, se verificar a alteração de algum dos fatos que foram tomados pelo direito como substrato fático para a incidência da norma material naquele caso, existirá a possibilidade de que se retorne ao judiciário para discutir o problema pelo simples fato de que a ação que o fizer, que iniciar um novo processo, será diversa daquela anterior, o que acarretará, por conseqüência, ser diversa a norma concreta que se formará e que a autoridade da coisa julgada material imutabilizará. E por que dizemos que será diversa essa segunda ação? Porque alterando-se os fatos, por conseqüência se altera o substrato fático para a incidência da norma, verificando-se outro fenômeno de ligação do direito material a fatos sociais (incidência), diverso daquele primeiro, o que permite que o processo sobre ele dê sua chancela, já que se terá um problema ainda inédito para o Estado–juiz decidir. Utilizando termos da dogmática processual temos que: modificando os fatos que dão origem a um pedido veiculado por meio da ação, estarse-á alterando a causa de pedir, que segundo formulação adotada pelo Código de Processo Civil (CPC 282, V), é composta dos fatos e fundamentos jurídicos do pedido (BEDAQUE, 2002; PINTO, 2002; TUCCI, 1993, 2002). Se a causa de pedir apresenta uma configuração diversa daquela que possuía a ação do exemplo anterior, que deu origem à sentença, significa que estamos em face de uma nova ação, já que o Código de Processo Civil condiciona a identidade de ações à correspondência de seus três elementos. Fechemos o raciocínio com o caso da ação de alimentos, que foi o gerador da presente explanação. Caso se modifique a condição econômica dos envolvidos em uma relação alimentícia, pai e filho, v.g., modifica-se o substrato fático sob o qual deve incidir a norma material. Verifica-se novo fenômeno de incidência da norma abstrata em uma situação concreta, diversa daquela já declarada imutável pelo Estado. Por ser nova a situação, introduzida por uma ação nova, pode a Justiça sobre ela manifestar-se. Toda vez que mudar a causa de pedir (que é o elemento mais permeável da ação), muda a relação de direito material em jogo. Note-se que não há nada de excepcional nisso que merecesse uma norma específica como a do art. 15 da Lei 5.478/68, principalmente eivada dos vícios principiológicos e de construção aventados. Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 61-87, jan./dez. 2004


83 Verifica-se, portanto, como o imbróglio foi resolvido pela adoção de uma premissa metodológica buscada da Teoria Geral do Direito, que também tem total validade para o estudo de todos os demais institutos correlacionados com a coisa julgada. Para estendermos a demonstração da ubicação da coisa julgada no plano do dever-ser, tratemos de enquadrá-la quanto a outro de seus desdobramentos, que já demonstramos ser espinhoso em seu deslinde: a eficácia preclusiva da coisa julgada. A eficácia preclusiva da coisa julgada é uma proteção ou escudo que a lei prevê para a autoridade da coisa julgada material, ao determinar que quaisquer alegações ou defesas posteriores à res iudicata não terão o condão de invalidar ou de retirar a força que a autoridade conferiu à decisão dada sobre o direito material disputado no processo. Decisão esta que está inserida em uma sentença judicial, que se identifica e diferencia das demais sentenças que são prolatadas em um órgão jurisdicional pela referência à ação que abriu caminho para sua existência e que nela se vê refletida. A eficácia preclusiva da coisa julgada, em termos apriorísticos, representa a inutilidade (ALLORIO, 1957) de qualquer tentativa de modificar a coisa julgada demarcada subjetiva e objetivamente de acordo com os limites fixados pela ação, que por seu turno é mensurada pelos elementos parte, causa de pedir e pedido. Assim se dá por aclarar os limites objetivos da coisa julgada em relação a aspectos do conflito que não foram deduzidos em juízo, principalmente (aqui reside o maior problema dos limites objetivos). Para demonstrar a ubicação da eficácia preclusiva no plano do deverser, a exemplo do que se fez com a coisa julgada, tomemos o CPC 474, que abstratamente a prescreve: “[...] Passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido.” Partindo da norma assim como foi posta pelo legislador, dela se retira o organograma hipotético-conseqüencial que caracteriza a norma jurídica em geral, do seguinte modo:

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84 Se passou em julgado a sentença, devem ser reputadas, repelidas e deduzidas todas as alegações e defesas. O interessante é notar que o fato típico que é tomado como hipótese para a incidência da norma anteriormente diagramada corresponde justamente à verificação de ter se formado a coisa julgada (passou em julgado), que é a conseqüência de outra norma já estudada, o que demonstra que as normas se organizam em cadeia, sendo a sanção ou conseqüência de uma dada norma (a coisa julgada), o pressuposto ou hipótese de incidência de outra. Essa referibilidade entre as duas normas jurídicas com que trabalhamos, os arts. 467 e 474 do CPC, bem demonstra a instrumentalidade desta última em relação à primeira.

6 CONCLUSÕES Após todas as explanações feitas acima, chega-se à conclusão de que a coisa julgada é um instituto que se enquadra no plano do dever-ser, bem como todos os seus desdobramentos e institutos correlatos. Dessa forma, por ser um instrumento de dever-ser, é passível de violação e não pode vincular o mundo do ser, o que é o primeiro caminho para se infirmar um caráter sacrossanto que a doutrina, ao longo dos anos, tentou lhe impingir. A coisa julgada deve ser, única e exclusivamente, uma visão legitimada por um procedimento estatal, de acontecimentos históricos dados em sociedade que são regidos por comandos jurídicos de direito material. Essa legitimação, no entanto, aferida pelo decurso de um procedimento previamente organizado pelo Estado (devido processo legal), não deve lhe conferir uma intangibilidade tal que a faça superior a esse próprio procedimento.

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85 NOTAS EXPLICATIVAS 2

Embora o enfoque do trecho retirado de Reale (2001) seja a ciência do direito e o objeto de nosso estudo seja o direito objetivo, pode-se perceber a pertinência daquele a este último.

3

KLIPPEL, Rodrigo. As condições da ação e o mérito à luz da Teoria da Asserção. São Paulo: Scortecci, 2005 (no prelo).

4

Por outro lado, tem-se que se uma determinada coisa julgada (norma concreta emitida pelo Estado-juiz ou por quem tenha competência para fazê-lo), imutabilizada pela autoridade da coisa julgada, regula relação jurídica inexistente, será norma jurídica inválida, visto que a validade de uma norma (concreta ou abstrata) depende de um mínimo de eficácia. Esse é um raciocínio que pode ser desenvolvido e utilizado como apoio científico no estudo das demandas subseqüentes sobre relações jurídicas continuativas, em especial para se responder à seguinte questão: partindo-se da premissa de que a decisão que versa sobre alimentos firma a norma concreta imutável (coisa julgada material e sua autoridade), como se justifica a perda de eficácia da decisão anterior e a eficácia da atual, visto que ambas são diversas e não se anulam, por terem por matriz ações diversas em seus elementos?

5

Deve-se fazer uma breve digressão acerca da sentença declaratória, que é uma exceção ao modelo anteriormente traçado, de aplicação de uma sanção de direito material por meio do processo. Nas declaratórias, a atividade jurisdicional não chega ao seu ápice, fazendo incidir a sanção própria à verificação de uma dada hipótese fática, simplesmente contentando-se em afirmar se a hipótese fática, prevista em abstrato na norma, verificou-se no caso concreto. Essa simples verificação, por vezes, tem o condão de eliminar a convulsão social, motivo pelo qual se pode pensar na tutela declaratória como espécie de tutela inibitória do ilícito, antecipando-se a ele, pela eliminação de uma incerteza que na certa iria gerá-lo. Pensemos na declaratória de paternidade. Antes que o provável pai da criança lhe negue alimentos de que venha a necessitar, elimina-se a dúvida da existência do vínculo, o que, no futuro, representará o suporte fático para a pretensão alimentar, que, ao ser imputada, representará a sanção pelo descumprimento do dever jurídico estabelecido na norma material.

THE RES IUDICATA AND ITS INSERTION IN THE LEGAL SYSTEM ABSTRACT The study deals with the insertion of the res iudicata in the legal system, what is a necessary premise to develop diverse reasonings that influence the daily legal work. Keywords: Res iudicata - insertion - legal system

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A EFICÁCIA DO PRONTUÁRIO ELETRÔNICO NO GERENCIAMENTO DE CLIENTE/PACIENTE EM SISTEMA DE INFORMAÇÃO HOSPITALAR

ROSILENE TOMAZELI1 ADRIANA DE ANDRADE MOURA2

1

Bacharel em Sistemas de Informação pelo Centro Universitário Vila Velha. E-mail: rositomazeli@bol.com.br. 2 Mestre em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professora do Centro Universitário Vila Velha. E-mail: adriana.moura@uvvbr.

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90 RESUMO Propõe um sistema informatizado para gestão de Cliente/Paciente como uma ferramenta integrada ao prontuário médico. Busca uma forma de reduzir gastos excessivos com a gestão de Clientes/Pacientes nas unidades de saúde. A partir de pesquisas bibliográficas, documentais e de campo, desenvolveu-se a interface de um prontuário eletrônico que proporcione uma ergonomia clara aos usuários. Este deve funcionar de forma integrada, fornecendo informações aos demais módulos do sistema de informação hospitalar, promovendo eficiência no trabalho dos profissionais, tendo como conseqüência um eficiente processo de cura, redução de custos e de erros. Palavras-chave: Sistema de informação hospitalar. Tecnologia da informação. Prontuário eletrônico. Gestão de cliente/paciente.

1 INTRODUÇÃO A tecnologia da informação nos tempos hodiernos não representa apenas uma parafernália de aparelhos unidos a computadores. Poder-seia conceituar tecnologia da informação de várias maneiras, entretanto, não poderíamos esquecer essas premissas, a de trazer benefício para o homem e fazer com que a realidade empresarial e seus processos se tornem mais competitivos e eficazes. Alguns gestores da tecnologia da informação conceituam-na “como recursos tecnológicos e computacionais para a geração e uso da informação” (REZENDE; ABREU, 2000, p. 76). Essa visão simplista esquece um pouco o componente fundamental de toda a tecnologia da informação, o recurso humano, relatado por alguns autores como peopleware ou humanware. A tecnologia da informação está basicamente fundamentada com os seguintes componentes: peopleware, hardware com seus dispositivos e periféricos, software com seus recursos, sistemas de telecomunicações e gestão de dados e informações, tais componentes reunidos de forma a gerar recursos para o planejamento estratégico, para o sistema de informação e para a gestão da tecnologia da informação.

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91 2 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS A revolução tecnológica, iniciada no século XX, vem trazendo profundas modificações nas empresas, principalmente no que se refere a planejamento, gestão da tecnologia da informação e dos sistemas de informação. Em relação às unidades de saúde, a integração rede de telecomunicação, computadores, informação on-line e dados a respeito de pacientes, atenta para uma melhora significativa nos serviços prestados e nas decisões nas empresas que promovem a saúde no mundo. Historicamente, as principais expansões dos Sistemas de Informação (SI) nos serviços de saúde deram-se em caráter administrativo, financeiro ou contábil. A preocupação dos sistemas, na maioria das vezes, resume-se em emitir relatórios, análises estatísticas e outros documentos em papel. Os componentes que se agrupam de maneira a formar o prontuário do paciente são usados, armazenados e acessados, compondo um Sistema de Informação Hospitalar (SIH), entretanto, o dado clínico que deveria ser o principal motivo da existência do SIH, às vezes é esquecido ou mal utilizado, ficando deficiente o tratamento da informação na parte operacional, o que gera gastos excessivos com papelórios, além de fraudes e erros. Segundo os médicos clínicos e analistas de sistemas do serviço de Epilepsia da Policlínica Regional do Sistema Único de Saúde de Santa Catarina, conforme artigo publicado na revista Arquivos Catarinenses de Medicina (MIN; MIN, 1993), entende-se que o SIH deve contemplar três tarefas principais: (1) Tarefas departamentais ou serviços, tais como: departamento de radiologia e setores administrativos e financeiros, esses sistemas tipicamente são operados por técnicos ou usuários com um pré-treinamento; (2) Tarefa transitória, que relaciona o processo de comunicação interna (intranet) e externa (extranet), facilitando a comunicação entre um departamento e outro, ou um cliente com a empresa, ou a empresa ao seu fornecedor, ou a bibliotecas para pesquisas via computador; (3) Prontuário eletrônico, esse ainda é bem rejeitado no mundo pela classe médica e pela legislação de seus conselhos, poderia gerar uma economia, otimizando tempo e papel, gerando informações em real time para a primeira e segunda tarefa, essa é a grande importância do prontuário eletrônico. Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 89-104, jan./dez. 2004


92 Para proporcionar maior benefício à unidade de saúde, essas tarefas devem funcionar de forma integrada e sinérgica. Entretanto, propõe-se aqui apenas o sistema de informação para Gestão de Cliente/Paciente, a fim de tratar os dados clínicos que compõem o prontuário médico, gerando informação em tempo real. 3 SUBSISTEMA DO SISTEMA DE INFORMAÇÃO HOSPITALAR INTEGRADO O prontuário médico é formado por informações relacionadas e examinadas pelos médicos e outros profissionais e representa a fonte que fornece dados para todos os sistemas e seus subsistemas. Para demonstrar melhor o que está sendo mencionado, será apresentado na Figura 1 um modelo proposto por Rodrigues Filho, Xavier e Adriano (2001), adaptando-lhe algumas modificações necessárias às realidades empresariais, exigidas nos tempos hodiernos.

Figura 1 - Sistema de Informação Hospitalar Integrado.

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93 Os subsistemas de Gerência de Cliente/Paciente requerem considerações mais complexas do que os subsistemas que formam a parte administrativa. Os sistemas de aplicações médicas e médico-técnicas, quando manejados eficazmente, representam uma ferramenta capaz de dar grande suporte à promoção da saúde do cliente/paciente, através de pesquisas que resultam em ações a serem tomadas em benefício do cliente/paciente. O objetivo do Sistema de Gerenciamento de Cliente/Paciente proposto é gerenciar registro de pacientes, anamnese, evoluções, prescrições, gastos de materiais e medicamentos e alta hospitalar, agregando informações essenciais para o prontuário médico-eletrônico. A utilização deste sistema deve proporcionar redução de custos, agilidade nos processos, redução de erros, mais subsídios para o trabalho dos profissionais de saúde, maior segurança e controle da informação e melhor atendimento ao Cliente/Paciente, pois evitará a busca e manuseio de papéis. As informações do paciente poderão ser acessadas facilmente pelo teclado ou cartão de identificação com código de barras, podendo haver terminais à beira dos leitos ou um computador para cada posto de enfermagem.

4 METODOLOGIA DA PESQUISA Neste estudo foram utilizadas pesquisas bibliográficas, documentais e de campo, sendo empregada, além do material bibliográfico principal, bibliografia de apoio, em que são considerados itens importantes para a conclusão dessa pesquisa. Para a pesquisa de campo foi selecionado o Hospital da Associação dos Funcionários Públicos do Espírito Santo (HAFPES). No HAFPES, envolvidos direta e indiretamente com o prontuário médico, somamse aproximadamente cento e vinte profissionais. Com prévia autorização da direção, foram distribuídos no hospital dezesseis questionários compostos por onze perguntas discursivas e objetivas, dos quais foram obtidas respostas de quinze questionários, o que corresponde a 12% da população. Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 89-104, jan./dez. 2004


94 O questionário teve como objetivo identificar os problemas existentes na constituição do prontuário médico em papel e descrever o que pensam os entrevistados. A maioria dos entrevistados que possibilitaram a composição desta fase do estudo possuem noções básicas de informática e já tiveram algum contato direto ou literário com Sistemas de Informação Hospitalar Informatizados. Alguns entrevistados escreveram menos, outros ultrapassaram as expectativas, entretanto, analisando todo o contexto, a contribuição foi valiosa para o desenvolvimento do tema. Com o desenvolvimento dessa pesquisa é possível refletir, de forma crítica, sobre fatores da tecnologia da informação utilizados pelos gestores dos serviços de saúde, de modo a influenciar não apenas os profissionais, mas sim toda a gama de usuários e consumidores dos serviços hospitalares informatizados. 4.1

LEVANTAMENTO DE DADOS E PROPOSTAS DE SOLUÇÃO

Na obtenção dos dados necessários para o desenvolvimento do Sistema de Gerenciamento de Cliente/Paciente, optou-se pela análise exploratória qualitativa, tendo em vista a necessidade de identificar os principais problemas e suas causas no registro, acesso e manuseio de toda a história clínica do paciente, o que influencia diretamente no prontuário do paciente e conseqüentemente, na conduta do tratamento. A tabulação dos dados, levantados na pesquisa de campo, demonstrou que, dentre os principais problemas, se destacam o descumprimento do modelo-padrão de constituição do prontuário, dados incompletos, dificuldade na leitura de informações que compõem o prontuário e falta de espaço nos formulários para escrever todas as informações necessárias na condução do tratamento do paciente. Como proposta de solução para estes problemas, sobressai-se no Sistema de Gestão de Cliente/Paciente o modelo padronizado para

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95 a evolução do Cliente/Paciente e para a prescrição, pois foram desenvolvidas funcionalidades específicas para cada grupo de profissionais. Foi elaborado um modelo de prescrição para profissionais do grupo Médico e um modelo para profissionais do grupo Enfermagem. Para registrar a evolução do Cliente/Paciente, foram elaborados padrões para médicos, fisioterapeutas, nutricionistas e profissionais de enfermagem, de acordo com a necessidade de cada grupo. É importante ressaltar que se poderia implementar na evolução um padrão para o acompanhamento de um profissional de psicologia, tendo em vista que, em algumas unidades de saúde, o acompanhamento psicológico está incluído no tratamento terapêutico do cliente/paciente.

5 ANÁLISE E PROJETOS DO SISTEMA DE GESTÃO DE CLIENTE/PACIENTE A proposta do Sistema de Gestão de Cliente/Paciente, em sua fase de análise, contemplou a utilização do Modelo de Entidades e Relacionamentos (MER), Dicionário de Dados, Modelo Relacional, Diagrama de Contexto, Diagrama de fluxo de dados (DFD) e Dicionário de Dados. A fase de projeto, do Sistema de Gestão de Cliente/Paciente, foi marcada pelo Projeto Estruturado, pelo Projeto de Interface e pelo Projeto de Segurança. 5.1

ANÁLISE

No que se refere à análise, será apresentado apenas o Diagrama de Contexto, pois ele representa todo o sistema como um único processo e ressalta as interfaces entre o sistema e as entidades externas (YORDON, 1998, p. 200). A Figura 2 demonstra a comunicação do Sistema de Gestão de Cliente/Paciente com suas entidades externas, por meio do fluxo dos dados.

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Figura 2 - Diagrama de Contexto.

5.2

PROJETO ESTRUTURADO

O Sistema de Gestão de Cliente/Paciente foi dividido em módulos que consistem em agrupamentos de funções afins. Para demonstrar de forma mais clara o projeto estruturado do sistema, a Figura 3 ilustra o diagrama hierárquico dos módulos.

Figura 3 – Diagrama hierárquico dos módulos.

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97 5.3

PROJETO DE INTERFACE

Para o projeto de interface, faz-se necessário observar alguns aspectos, tais como funcionalidade do sistema, métodos pedagógicos adotados para a interação homem máquina, ajustes no ambiente tecnológico e feedback. O diagrama da Figura 4 tem a finalidade de demonstrar a navegação pela interface do Sistema de Gestão de Cliente/Paciente, possibilitando visualizar a dimensão do sistema.

Figura 4 - Diagrama de Navegação.

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98 5.3.1 PROTOTIPAGEM Para o desenvolvimento do protótipo, a pesquisa de campo foi complementada com a pesquisa documental realizada no HUCAM – Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes (Hospital das Clínicas do Espírito Santo), por ser um hospital universitário e ter apresentado, segundo a pesquisa documental, o padrão mais completo para facilitar o trabalho dos profissionais e melhor conduzir o processo de cura do Cliente/Paciente. Levou-se em consideração, também, os requisitos de ergonomia para que o sistema proporcionasse uma interface amigável com o usuário. A seguir será apresentada parte da interface do Sistema de Gestão de Cliente/Paciente, destacando-se as funções de maior relevância.

Figura 5 – Tela principal da Prescrição Médica. Fonte: (GESTÃO DE..., 2002).

Na interface das prescrições médica e de enfermagem, algumas implementações merecem maior atenção:

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99 • Função replicar – todos os dias é feita uma nova prescrição médica e uma nova prescrição de enfermagem para cada Cliente/Paciente. Para facilitar esse trabalho, após o usuário selecionar um Cliente/Paciente e sua data de internação, é possível selecionar uma de suas prescrições e replicá-la para a data atual, podendo em seguida fazer alterações, se necessário, evitando repetir manualmente todo o processo de composição da prescrição; • Função check – registra o controle da administração da prescrição no Cliente/Paciente; • Exibição dos horários de administração da prescrição – os horários na cor azul devem ser administrados pelo plantão diurno, enquanto os horários na cor vermelha são administrados pelo plantão noturno. As pesquisas documental e de campo mostraram que esse é um padrão simples, mas de grande utilidade para os usuários do sistema. A inclusão de uma nova prescrição, acessa uma subtela, conforme exemplo demonstrado na Figura 6.

Figura 6 – Subtela da Prescrição Médica. Fonte: (GESTÃO DE..., 2002). Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 89-104, jan./dez. 2004


100 Na inclusão dos itens da prescrição, destaca-se como fator de agilidade no trabalho dos profissionais: • A seleção das medicações, tendo filtro por ordem alfabética. • Digitando-se o horário inicial da medicação e a periodicidade, o sistema calcula e exibe, na tela principal da prescrição, todos os horários em que a medicação selecionada deve ser administrada até o vencimento da prescrição. Na tentativa de contemplar todos os dados necessários para os profissionais evoluírem o Cliente/Paciente, foram desenvolvidos os modelos para as evoluções médica, de fisioterapia, de nutrição e de enfermagem, conforme a Figura 7.

Figura 7 – Tela principal da Evolução Médica. Fonte: (GESTÃO DE..., 2002).

Nas evoluções médica, de nutrição e de enfermagem, além dos dados pré-definidos a serem preenchidos, há o espaço para a análise clínica que é um campo de livre digitação para o registro de outras informações importantes a respeito da evolução do cliente/paciente.

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101 5.4

PROJETO DE SEGURANÇA

Os dados do Cliente/Paciente registrados no sistema influenciam diretamente no processo de cura, pois é a partir deles que o tratamento será conduzido. Para possibilitar o tráfego dos dados no Sistema de Gestão de Cliente/Paciente evitando-se que sejam corrompidos, perdidos ou violados intencionalmente, foram adotados diversos critérios de segurança, no que diz respeito ao controle de acesso lógico que é “um conjunto de medidas e procedimentos, adotados pela organização ou intrínsecos aos softwares utilizados, cujo objetivo é proteger dados, programas e sistemas contra tentativas de acesso não autorizadas feitas por usuários ou outros programas” (DIAS, 2000). Dentre os procedimentos adotados para o controle de acesso lógico no Sistema de Gestão de Cliente/Paciente, destacam-se: • Cadastro de grupos de usuários conforme função desempenhada e permissões de acesso ao sistema pertinentes à função de cada grupo; • Nome de usuário e senha individuais para cada usuário; • Exclusão lógica de usuários do sistema para possibilitar serviços de auditoria; • Campos de entrada de dados a partir de seleções, para reduzir a digitação e evitar registros despadronizados e inconsistentes; • Integridade referencial; • Criptografia para guardar as senhas no banco de dados.

6 CONCLUSÃO Na tentativa de relatar os objetivos deste estudo e relacionar possíveis descobertas, foi composta a estrutura final desse trabalho com a percepção dos benefícios obtidos com a implantação de um Sistema informatizado para Gestão de Clientes/Pacientes. Foi observada inicialmente a situação que os serviços de saúde vêm enfrentando há décadas, tendo como conclusão a necessidade da implantação de um software que gerencie de forma integrada o prontuário do paciente, propiciando um processo de cura mais eficiente. Como melhorias significativas destacam-se: Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 89-104, jan./dez. 2004


102

(1) Eficiência contínua nos serviços prestados por todos os profissionais envolvidos com o prontuário; (2) Diminuição de erros gráficos cometidos pelos profissionais; (3) Maior integração profissional com a verdadeira missão da empresa; (4) Maior comodidade no atendimento, tanto para o paciente quanto para o profissional; (5) Melhor desempenho e qualificação profissional; (6) Diminuição de gastos hospitalares excessivos com papelórios; (7) Informações em tempo hábil para todos os setores; (8) Eliminação das perdas dos prontuários; (9) Eliminação da duplicidade de informações. Merece atenção especial e um estudo futuro mais profundo, um sistema inteligente de Apoio à Decisão, que seja capaz de fornecer diagnósticos concretos. A partir da implementação desse modelo de sistema, acredita-se em uma melhoria gradativa nos serviços de saúde com redução de custos e aperfeiçoamento do conhecimento profissional. A estrutura de um Sistema de Informação Hospitalar desse porte requer considerações e embasamentos complexos por parte das pessoas envolvidas em sua implantação, mas todo o esforço desempenhado para vencer as barreiras de ordem geográfica, econômica, legal, organizacional, ou tecnológica nessa área é válido e pode proporcionar melhor qualidade de vida aos profissionais, aos Clientes/Pacientes e aos familiares. Levando em consideração esse estudo, seguem as seguintes recomendações finais: (1) desenvolvimento de grupos de pesquisas e treinamento profissional, antecedendo o processo de implantação;

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103 (2) implantação do sistema, a princípio em um test point (ponto de teste), verificando distorções e eventuais erros, para corrigi-los; (3) construção de uma interface ergonômica que não distorça a missão da empresa e faça com que os profissionais não esqueçam o valor dos aspectos humanos; (4) manutenção de um banco de dados íntegro, atualizado e personalizado para servir como ferramenta para um futuro sistema de apoio à decisão; (5) ajustamento do sistema à necessidade empresarial, como um todo. Através do exercício propiciado por este estudo foi compreendida, a partir de embasamentos fornecidos por referências bibliográficas, documentais e pesquisa de campo, a importância de um Sistema de Informação Hospitalar no período hodierno, e a dependência desse recurso para o sucesso de uma organização prestadora de serviços na área de saúde.

THE EFFECTIVENESS OF THE ELECTRONIC HANDBOOK IN THE ADMINISTRATION OF CLIENT/PACIENT IN INFORMATION SYSTEM TO HOSPITAL ABSTRACT Proposes a computerized system for administration of Client/Patient, as an integrated tool into the medical handbook. Search a form of reducing excessive expenses with the administration of Clients/Patients in health units. Starting from bibliographical, documental and field researches, it was developed the interface of an electronic handbook that provides a clear ergonomics to the users. This should work in an integrated way, supplying information to the other modules of the information system to hospital, promoting efficiency in the professionals’ work, having as consequence an efficient cure process, reduction of costs and mistakes. Keywords: Information system to hospital. Information technology. Electronic handbook. Administration of client/patient.

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104 REFERÊNCIAS DIAS, C. Segurança e auditoria da tecnologia da informação. Rio de Janeiro: Axcel, 2000. GESTÃO DE CLIENTE/PACIENTE: sistema de gestão de cliente/ paciente: modelo adaptado UFES-HUCAM-CTI. Vitória: UFES, HUCAM, 2002. MIN, L. S.; MIN, L. L. Informática médica. ACM arq. catarin. med., v. 22, n.1/2, p. 92-94, jan./jun. 1993. REZENDE, D. A.; ABREU, A. F. de. Tecnologia da informação: aplicada a sistemas de informação empresariais. São Paulo: Atlas, 2000. RODRIGUES FILHO, J.; XAVIER, J. B.; ADRIANO, A. L.. A tecnologia da informação na área hospitalar: um caso de implementação de um sistema de registro de pacientes. RAC Rev. Adm. Contemp., v. 5, n.1, p. 105-120, jan./abr. 2001. YOURDON, E. Análise estruturada moderna. 10. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1998.

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MORTALIDADE EMBRIONÁRIA PRECOCE: FATORES IMPLICADOS E AVALIAÇÃO ULTRA-SONOGRÁFICA

FABIENNE PETITINGA DE PAIVA1 DEILER SAMPAIO COSTA2

1

Doutora em Zootecnia pela Universidade Federal de Viçosa. Coordenadora do Biotério do Centro de Pesquisa Gonçalo Moniz da Fundação Oswaldo Cruz. E-mail: fabienne@cpqgm.fiocruz.br. 2 Doutor em Reprodução Animal pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor do Laboratório de sanidade Animal da Universidade Federal do Norte Fluminense. E-mail: deiler@uenf.br. Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 105-121, jan./dez. 2004


106 RESUMO Analisa os principais fatores responsáveis pela morte embrionária precoce em bovinos e eqüinos e os achados durante a avaliação ultrasonográfica do trato reprodutivo dessas espécies. São discutidos os fatores intrínsecos como: a progesterona, o estrógeno, as alterações no ambiente da tuba uterina e as alterações no ambiente uterino; e fatores extrínsecos como: a idade da fêmea, os períodos de lactação e pós-parto, o estresse, causas ligadas ao reprodutor e fatores ligados ao embrião. Tal conhecimento permitirá a adoção de medidas profiláticas que poderão reduzir as grandes perdas econômicas advindas da baixa eficiência reprodutiva dos rebanhos acometidos. Palavras-chave: Reprodução. Eqüino. Bovino. Perda embrionária.

1 INTRODUÇÃO Vários estudos descrevem a perda embrionária precoce como um distúrbio reprodutivo freqüente e que assume uma considerável importância na eficiência reprodutiva do rebanho. A morte embrionária precoce tem relativa freqüência no gado de leite, com 35% de todos os conceptos morrendo antes do terceiro mês de gestação, sendo que a maioria destas mortes ocorre durante os primeiros 21 dias de prenhez. No rebanho eqüino a perda embrionária é também de grande importância no baixo desempenho reprodutivo desta espécie, sendo sua maior ocorrência no período que antecede o 18o dia de gestação. A morte embrionária pode possuir etiologia única ou ainda ser o resultado da associação de vários fatores tais como: distúrbios endócrinos, estresses nutricional e calórico, etc. Os procedimentos clássicos para a investigação da perda embrionária e fetal incluem a determinação do intervalo de estros, detecção do concepto no exterior do corpo da fêmea e monitoramento por palpação transretal. Entretanto, os métodos convencionais possuem limitações na determinação do período de ocorrência da morte do embrião.

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107 A importância econômica de um diagnóstico de gestação preciso em animais de produção resultou no desenvolvimento de várias técnicas para tal, como o uso da ultra-sonografia em tempo real pela via transretal. Esta técnica propicia a visualização do concepto e o acompanhamento de todo seu desenvolvimento, permitindo a detecção de quaisquer alterações e propiciando a intervenção precoce do médico veterinário.

2 FATORES IMPLICADOS NA MORTE EMBRIONÁRIA 2.1

PROGESTERONA

A progesterona estimula a proliferação e secreção do epitélio glandular do endométrio (secreção histotrófica ou leite uterino). Esta secreção é a única fonte de nutrientes para o crescimento do concepto antes que ocorra a placentação. Além disso, a progesterona reduz o tônus e a contractilidade uterina, aumentando o limiar de sensibilidade aos estimulantes miometriais, deixando que o concepto e a placenta possam se desenvolver, sem que sejam expulsos pelo útero (STEVENSON, 1998). Existem hipóteses de que uma insuficiente produção de progesterona seja causa de morte embrionária precoce. Endossando esta afirmativa, vacas repeat-breeders que receberam progesterona exógena tiveram suas taxas de gestação aumentadas após o tratamento. Entretanto, Roche (1986), revisando a literatura, reportou trabalhos onde as dosagens das concentrações de progesterona plasmáticas não apresentaram diferenças entre vacas prenhes e aquelas que permaneceram não gestantes após transferência de embrião no 10º dia de pós-ovulação. A redução na concentração de progesterona pode resultar em perda embrionária na égua, como demonstrado em diferentes experimentos onde se realizou a ovariectomia ou a aplicação de prostaglandina F2a em éguas prenhes (GINTHER, 1985a). Além disso, concentrações de progesterona bastante reduzidas entre o 7º e o 11º dia foram encontradas em éguas que apresentaram morte embrionária entre o 11º e o 15º dia de gestação (GINTHER et al., 1985). Estudos recentes têm demonstrado que o embrião é capaz de impedir a liberação da prostaglandina F2a entre o 11º e o 13º dia de gestação (GOFF et al., 1987). No eqüino, o embrião é móvel no útero desde o

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108 primeiro dia de visualização da vesícula através da ultra-sonografia (entre o 9º e o 10º dia). McDowell et al., citados por Ball (1993) observaram que a restrição ao movimento embrionário resultou em morte do embrião em seis das oito éguas estudadas. Entretanto, a suplementação com progesterona impediu esta perda em 80% dos casos. 2.2

ESTRÓGENO

Altas concentrações periféricas de estrógeno no dia da inseminação estão associadas à morte embrionária precoce. Estas concentrações podem ser influenciadas pela alimentação, como no caso da ingestão de fitoestrógenos (SHORE et al., 1998). O concepto eqüino produz detectáveis concentrações de estrógeno a partir do 6º ao 12º dia de pós-ovulação. Este estrógeno é importante no reconhecimento materno da gestação nesta espécie (MARSAN et al., 1987). Indução da morte do embrião no 45º dia resulta em um rápido declínio nas concentrações séricas de sulfato de estrona no 47º dia. Declínio semelhante é encontrado em éguas que sofrem perda embrionária espontânea (DARENIUS et al., 1987). 2.3

ALTERAÇÕES NO AMBIENTE DA TUBA UTERINA

A tuba uterina dos mamíferos influencia a fecundação e o desenvolvimento embrionário precoce, sendo que todos estes eventos estão submetidos a mudanças reguladas pelos hormônios ovarianos (NANCARROW; HILL, 1995). As lesões na tuba uterina estão correlacionadas positivamente com a presença de endometrites e na égua, com o avançar da idade, estas lesões parecem surgir com maior freqüência, levando à redução da fertilidade (SALTIEL et al., 1986). Nesta espécie o ambiente da tuba uterina é de importância relevante em razão do demorado transporte do embrião através da tuba ao útero, pois o embrião eqüino alcança um estágio embrionário mais avançado dentro da tuba uterina, quando comparado a outras espécies. O transporte do embrião pela tuba uterina na égua dura cerca de cinco a seis dias, chegando ao útero no estágio de mórula ou blastocisto inicial (GINTHER, 1985b). Entretanto, estudos com transferência de embrião têm demonstrado que o útero pode receber o embrião a partir Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 105-121, jan./dez. 2004


109 do quarto dia pós-ovulação. Se o transporte pela tuba uterina for muito acelerado, o ambiente uterino pode não estar ainda próprio para receber o embrião. Igualmente, se o transporte for muito lento, o desenvolvimento embrionário pode ser prejudicado (MURRAY, apud BALL, 1993). 2.4

ALTERAÇÕES NO AMBIENTE UTERINO

O ambiente uterino é crítico para a manutenção e desenvolvimento do concepto eqüino a partir do sétimo dia de gestação. Alterações quantitativas e qualitativas nas secreções uterinas são responsáveis pela sincronia entre o embrião e o ambiente uterino para que se dê o desenvolvimento do concepto (GINTHER, 1985b). A produção do leite uterino é realizada pelas glândulas endometriais, as quais são estimuladas pela progesterona. Nesta secreção, estão presentes proteínas como as uteroferrinas, uma fosfatase ácida que contém ferro, a qual é responsável pelo transporte de ferro para o embrião (GINTHER, 1985b). Em vacas repeat-breaders os níveis destas proteínas a nível uterino parecem reduzidos, como demonstrou Ayalon, citado por Roche (1986), comparando lavados uterinos obtidos de vacas repetidoras de estro aos de vacas aparentemente normais. Muitas pesquisas sobre ambiente uterino e perda embrionária têm se concentrado nas alterações histopatológicas do endométrio, como a endometrite e a fibrose periglandular. A endometrite pode resultar em perda do embrião em razão da luteólise ou por ação direta dos patógenos ou dos mediadores da inflamação sobre o concepto (HEAP et al., 1979). A fibrose periglandular pode ser uma seqüela da endometrite e parece ser causa de morte embrionária e fetal precoce, entre o 40º e o 90º dia de gestação. A ocorrência destas alterações tende a aumentar com a idade (DOIG et al., 1981). Parecem existir éguas mais susceptíveis à endometrite, as quais requerem um tempo maior para eliminar os contaminantes do útero que outras. Falhas na eliminação das bactérias após o coito podem resultar em endometrite que pode persistir até a fase lútea, com subseqüente morte embrionária (BALL, 1986). 2.5

IDADE DA FÊMEA

Segundo Ball (1988), vários estudos de campo têm indicado um declínio na fertilidade com o avanço da idade das fêmeas e deve-se em parte à grande incidência de perda embrionária precoce, com uma Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 105-121, jan./dez. 2004


110 tendência maior das éguas mais velhas apresentarem menores taxas de gestação que as éguas mais jovens. No entanto, não está claro se a subfertilidade encontrada em éguas idosas é conseqüência direta da idade ou da maior incidência de alterações dos órgãos genitais (WOODS et al., 1987). Tem sido relatado que as anomalias embrionárias parecem ser o fator principal de perda embrionária em éguas com idade avançada. Além disso, o ambiente uterino alterado, como em casos de endometrite persistente, pode aumentar o índice de mortalidade embrionária em fêmeas idosas (BALL, 1993). Em bovinos, a incidência de morte embrionária parece ser maior em primíparas e naqueles animais que passaram da quinta gestação. Em vacas idosas existem evidências de que o aumento na taxa de perda embrionária ocorre durante o período de implantação do embrião e parece ser reflexo de um ambiente uterino alterado (SREENAN; DISKIN, 1983). 2.6

LACTAÇÃO E PÓS-PARTO

O útero é normalmente protegido dos contaminantes pela vulva, vestíbulo e cérvix. Durante e imediatamente após o parto estas barreiras são rompidas e o útero é normalmente contaminado por uma variedade de microrganismos patogênicos e não-patogênicos. A maior parte desses microrganismos são somente residentes transitórios e serão prontamente eliminados pelos mecanismos de defesa uterina. Entretanto, em alguns casos, os patógenos permanecem no útero, levando à persistência do quadro infeccioso (YOUNGQUIST; SHORE, 1998). Parece haver uma redução significativa na fertilidade de éguas cobertas no cio do potro, quando comparada a éguas cobertas em estros posteriores (BALL, 1988). Anormalidades do ambiente uterino, como atraso na involução uterina ou endometrite persistente parecem ser os fatores que mais contribuem para a morte embrionária nas éguas cobertas neste período. Villahoz et al. (1985) sugerem que uma lavagem uterina no pós-parto pode melhorar o ambiente uterino e reduzir a incidência de morte fetal. A lactação também é implicada como fator envolvido na ocorrência de morte embrionária. Segundo Ball (1993), alguns autores observaram uma maior incidência de perda embrionária em éguas lactantes que Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 105-121, jan./dez. 2004


111 em éguas não lactantes. Outros, autores entretanto, não concordam com essas observações. As diferenças entre estes estudos devem ser resultado dos diferentes sistemas de manejo, como a nutrição, os quais podem influenciar a fertilidade destes animais. 2.7

ESTRESSE

O ovócito e os embriões são muito susceptíveis às altas temperaturas. A exposição de ovócitos em cultivo a temperaturas elevadas levou à redução na taxa de maturação nuclear e de fecundação. Em bovinos, o estresse térmico pode causar alterações no ovócito ou no trato reprodutivo, levando ao comprometimento do desenvolvimento embrionário (HANSEN, 1998). Ealy et al., citados por Hansen (1998), demonstraram que o estresse térmico em vacas superovuladas reduz o desenvolvimento e a viabilidade embrionária. O calor leva à perda do concepto, através de sua ação no gameta feminino, no embrião ou no trato reprodutivo. A hipertermia leva ainda à alteração da função endometrial. Exposição a ambientes quentes reduz a síntese de novas proteínas pelo blastocisto. Uma delas, conhecida como proteína do choque (hsp), atua de várias maneiras, inibindo ou revertendo os efeitos prejudiciais de temperaturas elevadas nas funções celulares, conferindo maior resistência das células ao calor (HANSEN; EALY, 1991). Além disso, o embrião sintetiza uma proteína interferon (proteína trofoblástica bovina 1) entre o 15º e o 17º dia de pós-concepção, que auxilia no mecanismo de implantação embrionária, inibindo a secreção materna de PGF2a e, conseqüentemente, a luteólise. Quando a temperatura do ambiente aumenta no período pré e pós-concepção, o estresse calórico retarda o desenvolvimento embrionário e, conseqüentemente, a síntese desta proteína, incapacitando o embrião de sinalizar sua presença, resultando em uma maior incidência de morte embrionária precoce (WREN, 1996). Mitchell e Allen (1975) observaram 46% de incidência de morte embrionária e fetal em éguas cobertas entre o 12º e o 14º mês de idade e propuseram que muitas destas perdas seriam em razão do estresse físico ou nutricional. Corroborando, Ball (1993) relatou a ocorrência de perdas embrionárias em razão da queda na condição corporal em éguas submetidas à restrição de energia na dieta durante os períodos de pré e pós-parto. Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 105-121, jan./dez. 2004


112 O estresse nutricional em bovinos durante o período de cobertura também leva à redução da fertilidade. Esta redução parece estar relacionada a um decréscimo na secreção de progesterona pelo corpo lúteo, assim o balanço energético afeta a performance reprodutiva em especial no gado leiteiro (SPAIN et al., 1998). Outro fator que tem sido associado à morte embrionária precoce é o uso de altas concentrações de nitrogênio não protéico na dieta. Fergunson e Chalupa, citados por Spain et al. (1998) concluíram que um nível de nitrogênio no sangue acima de 20 mg/dL resultou em uma menor taxa de concepção em fêmeas bovinas. Níveis elevados de amônia e uréia no sangue podem alterar as secreções produzidas pelo trato reprodutivo, alterando a viabilidade do ovócito, do espermatozóide ou do embrião. Correlação entre endotoxemia e perda embrionária subseqüente à redução dos níveis de progesterona plasmática também devem ser consideradas. A administração de endotoxina de S. typhimurium em éguas no diestro resultou em rápida liberação de PGF2a, seguido por rápido declínio nos níveis de progesterona ou completa luteólise (FREDIKSSON et al., 1986). A endotoxemia leva à perda embrionária diretamente pela síntese de prostaglandinas F ou indiretamente através de substâncias como a serotonina. As endotoxinas também induzem a coagulação intravascular, interferindo na circulação placentária, e resultando em hipóxia do concepto (MILLER, 1986). 2.8

CAUSAS LIGADAS AO REPRODUTOR

Britton, citado por Ball (1988), reportou uma maior incidência de perdas embrionárias e fetais em éguas cobertas com um determinado garanhão quando comparado a outros dois, utilizados no mesmo rebanho por cinco anos. Também Hustgen e Kenney, citados por Ball (1988) relataram uma maior incidência de morte embrionária em éguas cobertas com um determinado grupo de garanhões, os quais apresentaram anormalidades cromossômicas que incluíam cariótipos 63 X0, 65 XXY e 64 XY. Anomalias cromossômicas estruturais são observadas em mamíferos domésticos. Em bovinos, a translocação Robertsoniana, entre os cromossomas um e 29, é freqüente e já foi observada em 50 raças. Entretanto a incidência de portadores heterozigotos varia consideravelmente de uma raça para outra, chegando a altas freqüências como na raça Branca BritâScientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 105-121, jan./dez. 2004


113 nica (60%). Na França, o Bloind d’Aquitaine apresenta 14,2% de portadores. Nos touros portadores, os cromossomas meióticos apresentam 10% de cariótipos desbalanceados pela perda ou excesso de um cromossoma. A redução da fertilidade destes animais é resultado de perdas embrionárias devido a gametas desbalanceados (PLACHOT; POPESCU, 1993). Ball (1988) considera também como fatores ligados ao reprodutor a metrite contagiosa transmitida pelo coito, a arterite viral eqüina e os agentes Pseudomonas aeruginosa ou Klebsiela pneumoniae. 2.9

FATORES LIGADOS AO EMBRIÃO

O embrião bovino (entre o 13º e o 19º dia) produz progesterona, testosterona, estradiol, PGE e PGF2a. Existem evidências de que o concepto bovino produz uma proteína, chamada proteína trofoblástica bovina 1 (btp-1) com propriedades semelhantes ao interferon bovino a1, chamado interferon tau (IFN-t), prevenindo a luteólise e mantendo o corpo lúteo ativo. Falhas neste mecanismo podem resultar em morte embrionária (STEVENSON, 1998). No eqüino, além da mobilidade embrionária, responsável pelo reconhecimento materno da gestação, trabalhos recentes têm demonstrado que o embrião jovem inicia seu trânsito pela tuba uterina através da secreção de PGE2. Falhas neste mecanismo devem resultar em alterações no trânsito do embrião pela tuba uterina e morte do concepto (WEBER et al., 1991). As técnicas de coleta e transferência de embrião têm sido utilizadas para examinar os fatores intrínsecos ao embrião, responsáveis por sua morte (BALL, 1988). A recuperação de embriões em éguas subférteis é reduzida. Além disso, estes embriões recuperados apresentaram tamanho reduzido quando comparados aos embriões de éguas férteis (BALL, 1993). Embriões coletados no 4º dia da tuba uterina de éguas idosas e subférteis e transferidos para éguas normais apresentaram uma taxa de sobrevivência relativamente inferior à dos embriões de éguas férteis (BALL et al., 1989). As alterações nos embriões de éguas subférteis podem ser resultado de um ambiente uterino inadequado ou ainda de alterações na tuba uterina (BALL, 1993). Anomalias cromossômicas têm sugerido ser a maior causa de mortalidade embrionária em todas as espécies (BISHOP, 1964). Em humaScientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 105-121, jan./dez. 2004


114 nos, a freqüência dessas anomalias em fetos abortados é estimada ser de aproximadamente 60% no primeiro trimestre de gestação, caindo para 7% no final da 24a semana (PLACHOT; POPESCU, 1993). Existem muito poucos trabalhos científicos quantificando a extensão das aberrações cromossômicas em bovinos, mas uma pesquisa sugere a incidência de 8% de cariótipos anormais em embriões de 12 a 16 dias. Deve-se levar em consideração, entretanto, que os métodos de coloração utilizados eram convencionais e que pequenos defeitos destes cromossomas podem não ter sido corretamente identificados (ROCHE, 1986). Anomalias cromossômicas presumivelmente incompatíveis com a vida foram encontradas em 10% dos embriões de fêmeas suínas normais. A maioria destas envolvendo blastocistos triplóides e tetraplóides (McFEELEY, 1968). Segundo este mesmo autor, um estudo preliminar em blastocistos bovinos revelou um grande número de células tetraplóides, sugerindo que as anormalidades cromossômicas tenham um importante papel na mortalidade embrionária desta espécie também.

3 USO DA ULTRA-SONOGRAFIA NA DETECÇÃO DA MORTE DO CONCEPTO Kastelic et al. (1988) obtiveram uma acurácia de 100% no diagnóstico de gestação em vacas entre o 20º e o 27º dia usando scanner de 5,0 MHz. Um diagnóstico correto de vaca não gestante entre o 19º e o 22º dia é favorecido pela aparência do útero durante o estro e pela ausência de um corpo lúteo maduro. Além disto, quando um corpo lúteo maduro se forma e o útero encontra-se em estado progestacional, um diagnóstico de não gestante deve ser dado em conjunto com o fato de não se identificar o concepto. Em vacas com endometrite ou piometra, o fluido endometrial pode ser incorretamente interpretado como fluido pertencente ao concepto e um diagnóstico incorreto pode ser realizado. Entretanto, o fluido intra-uterino com endometrite ou piometra contém partículas ecogênicas, podendo distinguir-se do fluido do concepto que é uniforme e não-ecogênico (FISSORE et al., 1986). A ultra-sonografia permite a detecção de pseudogestação, um sintoma freqüentemente observado após a perda embrionária. A pseudogestaScientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 105-121, jan./dez. 2004


115 ção apresenta menor incidência quando a morte do concepto ocorre entre o 11º e o 15º dia (26%) e entre o 15º e o 20º dia (33%) que durante os períodos posteriores (100%). A ocorrência de pseudogestação é dependente do período em que ocorre a perda embrionária. A persistência e manutenção do corpo lúteo é dependente do bloqueio pela vesícula embrionária da luteólise induzida pelo útero. Este bloqueio é completo no 15º dia e parece iniciar-se no 11º dia. As éguas que perderam seus embriões entre o 11º e o 15º dia comportaram-se como as éguas pseudogestantes. Talvez os fragmentos das vesículas ou produtos destes fragmentos possam ter permanecido tempo suficiente para realizar este bloqueio (GINTHER et al., 1985). No caso de fêmeas primíparas, em um estudo ultra-sonográfico utilizando 19 novilhas, foi possível a identificação uma de vesícula aos 11,7 ± 0,4 dias de gestação, em 15 dos animais examinados, mais tarde sendo confirmada a presença do embrião e seu batimento cardíaco. No dia da primeira visualização, 73% das vesículas embrionárias eram esféricas (diâmetro médio de 2,8 ± 0,2 mm) e 27% eram oblongas (dimensões médias de 2,0 ± 0,0mm e 4,5 ± 1,0mm). Em todas as 15 novilhas um embrião propriamente dito (3,8 ± 0,3 mm de tamanho) foi detectado no dia 20,3 ± 0,3 mm. O batimento cardíaco (média de 188 ± 5 batimentos/min) foi visto no primeiro dia em que foi detectado o embrião (oito novilhas) ou no dia seguinte (sete novilhas) (média de 20,9 ± 0,3 dias de gestação) (CURRAN et al., 1986a). Curran et al. (1986b) descrevem ser o crescimento embrionário uma curva quadrática. O embrião, inicialmente pequeno, apresenta-se sob a forma de uma linha reta, posteriormente toma a forma de C e então uma forma de L. Os batimentos cardíacos decrescem após o 20º dia (188 ± 2 bpm) até o 26º dia (145 ± 4 bpm) e então parecem manter-se constantes até o 60º dia (último dia do estudo). Um círculo não-ecogênico, fixo à porção média ventral do embrião, presumivelmente a alantóide, foi detectada em nove das 15 novilhas por volta do dia 23,2 ± 0,3. O amnion foi primeiramente observado como uma banda ecogênica envolvendo o embrião no dia 29,5 ± 0,5 e permaneceu visível até o 60º dia (CURRAN et al., 1986a). Elevações discretas, planas, semicirculares, detectáveis primeiramente na parede do útero próximo ao embrião no dia 35,2 ± 1,0 eram presumivelmente os placentomas. Quando detectados pela primeira vez Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 105-121, jan./dez. 2004


116 possuíam 5,8 ± 0,5 mm de largura e 2,1 ± 0,2 mm de altura e só eram encontrados próximo ao embrião. No 60º dia, os placentomas tinham 19,1 ± 1,8 mm e eram encontrados por todo o corno uterino que continha o embrião (CURRAN et al., 1986b). Segundo Diskin e Sreenan (1981), a maioria das mortes embrionárias em bovinos parece ocorrer antes do 18º dia de gestação. O período de maior ocorrência de perda embrionária parece semelhante entre as espécies eqüina e bovina (GINTHER et al., 1985). A morte embrionária antes do 25º dia de gestação em sete novilhas e em uma novilha no 38º dia foram precedidas de luteólise, com o concepto perdido rapidamente, sem evidência de degeneração pelo ultrasom. Em sete das oito novilhas estudadas que apresentaram morte embrionária após o 25º dia foram visualizados sinais de degeneração, mas a quantidade de fluido parecia mantida. Em todas as novilhas que apresentaram morte embrionária, o concepto e seus anexos aparentemente foram eliminados através da cérvix, ao invés de serem reabsorvidos. Isto vem se contrapor ao dogma de que a vesícula embrionária após sua morte é reabsorvida (GINTHER, 1998). Segundo Kähn (1994), um tamanho reduzido do embrião e uma quantidade igualmente reduzida de fluido embrionário podem levar a suspeita de perda embrionária. Kastelic et al. (1988) observaram uma aparente redução nos batimentos cardíacos dos embriões de duas novilhas anteriormente à suas mortes (150 bpm entre o 24º e o 28º dia para 108 a 114 entre o 29º e o 35º dia), a perda embrionária ocorreu espontaneamente no 36º dia. Muitas vezes os batimentos cardíacos persistem por vários dias após os primeiros sinais de degeneração embrionária (KÄHN, 1994). Em éguas, a taxa esperada de perda embrionária entre o 20º e o 40º dia é de 5% a 10% (GINTHER, 1984). Em outra pesquisa, a taxa de morte embrionária obtida foi de 10,4% entre o 15º e o 50º dia. Em pôneis, uma maior incidência de morte embrionária foi observada entre o 11º e o 15º dia de gestação (18,2%) quando comparada aos demais períodos estudados e às perdas ocorridas em éguas. Parece haver um fator intrínseco aos pôneis, que levaria a uma maior ocorrência de mortes embrionárias neste período (GINTHER et al.,1985). Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 105-121, jan./dez. 2004


117 Existem vários sinais ultra-sonográficos que levam à suspeita de alterações e morte embrionárias. A princípio, qualquer achado diferente da normalidade deve ser levado em consideração. Uma característica importante indicativa da viabilidade embrionária é a homogeneidade do fluido alantóide, que deve ser anecóico. No caso de morte embrionária, leves a moderadas reflexões podem aparecer no fluido da vesícula embrionária. Elas são sinais de aumento de conteúdos celulares no fluido e de desorganização das membranas placentárias (KÄHN, 1994). Vesículas embrionárias perdidas durante o 11º e o 15º dia, geralmente desaparecem sem sinais prévios, exceto em algumas éguas nas quais a vesícula fica flutuando em uma pequena coleção de líquido no interior do lúmen uterino. Nas éguas que apresentaram ciclos de duração normal, as vesículas que foram perdidas entre o 15º dia e o dia da nova ovulação falharam em se fixar ao endométrio, mas continuaram a crescer e a se mover no interior do útero até sua expulsão através da cérvix (GINTHER, 1995). A interface entre o endométrio e a vesícula embrionária é lisa no caso de prenhez intacta. Quando nesta superfície começam a aparecer ondas, isto deve servir como indicador de morte embrionária iminente. A razão para isso é a perda da pressão interna da vesícula, a qual é resultado da parada de produção de líquido embrionário (SQUIRES et al., 1988). Com a queda na tensão exercida pelo fluido embrionário, a vesícula perde seu formato característico. Na gestação normal, o concepto de 15 dias tem uma aparência esférica. Se vesícula assume qualquer outro formato antes do 15º dia, deve-se suspeitar de morte embrionária. Nos estágios mais tardios o formato da vesícula não pode mais ser utilizado como indicativo de perda embrionária, levando-se em conta, então, a desorganização das membranas embrionárias (KÄHN, 1994) Sinais de perda embrionária nos estágios mais tardios de gestação incluem: falha na fixação do concepto, desalojamento da vesícula após sua fixação, presença de um anel ecogênico ou uma massa flutuando em uma coleção de fluido, presença de uma área mais ecogênica no embrião, ausência de batimento cardíaco e desorganização do concepto (GINTHER, 1995).

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118 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A ocorrência de perdas embrionárias nos rebanhos eqüino e bovino são de incidência relativamente elevada. O conhecimento dos fatores que podem contribuir para a morte embrionária precoce é de fundamental importância para que se tomem as precauções necessárias e reduza-se assim a incidência deste problema. A ultra-sonografia vem auxiliar os técnicos na detecção da morte embrionária tão logo ela ocorra, podendo-se, assim, evitar o alongamento do ciclo estral da fêmea, aumentando-se a eficiência reprodutiva dos rebanhos.

EARLY EMBRYONIC LOSS: POSSIBLE CAUSES AND ULTRASONIC EVALUATION ABSTRACT The aim of this paper was review the causes of early embryonic loss in cattle and mares and to stud the finding in the course of ultrasonography examination of bovine and equine reproductive tract. The intrinsic factors as progesterone, estrogen, oviduct and uterine environment alterations; and the extrinsic factors as female’s age, lactations and postpartum periods, stress, male’s factors and embryonic factors are discussed. This knowledge will allow prophylactic procedures applications to reduce economic loses due low reproductions rates. Keywords: Reproduction. Mare. Cattle. Embryonic loss.

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O DIÁLOGO DAS INTERPRETAÇÕES: UMA ABORDAGEM COMPARATIVA DOS ANTAGONISMOS DE ONZE DE SETEMBRO

AUGUSTO CÉSAR SALOMÃO MOZINE1

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Graduado em Relações Internacionais pelo Centro Universitário Vila Velha. E-mail: augusto.mozine@terra.com.br

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124 RESUMO Os ataques de Onze de Setembro constituíram uma nova fase no âmbito das relações internacionais, configurando um Choque de Civilizações ou uma reação ao Império. Objetivou-se analisar o Onze de Setembro como um conflito global, discutindo-o no escopo da Teoria das Relações Internacionais contemporâneas. Utilizando o método qualitativo verificou-se um diálogo teórico culminado na inadequabilidade da primeira perspectiva, elaborada por Samuel Huntington. A Teoria do Império mostrou-se adequada à interpretação do Onze de Setembro, contrario sensu à Teoria do Choque de Civilizações. Palavras-chave: Teoria das Relações Internacionais. Império. Choque de Civilizações. Atentados de Onze de Setembro.

1 INTRODUÇÃO O presente ensaio visa à discussão dos atentados de Onze de Setembro ao território estadunidense, à luz da Teoria das Relações Internacionais. Entende-se a caracterização de um Diálogo entre as Interpretações, visto que tais fatos tornaram-se um paradoxo quanto à evocação de teorias: o Choque de Civilizações de Samuel Huntington foi identificado como o mais adequado, no entanto outras teorias, como a Teoria do Império de Antonio Negri e Michael Hardt, mostraram-se mais apropriadas ao diálogo. Urge, pois, analisar, de acordo com estes enfoques, em quais circunstâncias configura-se o momento histórico de onze de setembro de 2001. Ressalve-se, entretanto, que a presente abordagem encontra-se em um contexto debelatum est, no qual se faz peremptório o cuidado a qualquer tipo de imposição teórica. O Diálogo de Interpretações, ora proposto, tem por objetivo nortear estudos futuros, promovendo o florescimento de novas idéias e o esmorecimento de obsoletas formas de aspirar às Relações Internacionais. Sic transit gloria mundi, a sesquipedalidade impreca por novas formas interpretativas, orientandose à inovação, primordialmente no que atende à atual configuração do sistema internacional. A partir destes aspectos conjunturais, depreende-se que finda a Guerra Fria, a Teoria das Relações Internacionais encontrou-se sobrecarregada de novos paradigmas, os quais intencionam explicitar a organização Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 123-146, jan./dez. 2004


125 da aclamada Nova Ordem Mundial. Surgiram novas e contraditórias formas de interpretar as relações entre os atores internacionais, mas sem que alguma se aplicasse de forma específica e completa aos acontecimentos no cenário internacional. Portanto, tão somente onze anos após esvair-se a União Soviética (URSS) ocorre a possibilidade, dado caminhar da história, de delimitar-se como e em qual perspectiva encontra-se o sistema internacional contemporâneo. Estabelece-se seguinte orientação no sentido de alcançar o propósito deste ensaio: inicia-se por uma análise pragmática dos elementos instigadores dos atentados; em seguida, questiona-se a aplicabilidade da Teoria do Choque de Civilizações, por conseguinte, pretende-se uma transição na exploração teórica, por fim, tem-se a visualização dos atentados sob a ótica da Teoria do Império. Tal disposição apresenta-se mais prudente e imparcial no que concerne à caracterização dos atos. Destarte, no presente estudo constata-se a relevância da discussão da Teoria das Relações Internacionais contemporâneas, visando a viabilidade de sua aplicação ao momento histórico hodierno. Do exposto, tem-se que uma visualização a priori dos atos constata um Choque de Civilizações entre o Ocidente e o Islã, porém compreende-se o contrário, pois, em uma análise mais detida, o eminente Império sofreu uma tentativa de alteração do statu quo. Isto posto, faz-se mister alicerçar esta nova ordem mundial e indicar as insuficiências e insalubridades que culminaram nos antagonismos do Onze de Setembro. A ocorrência de um Diálogo de Interpretações deve ser, portanto, discutida.

2 ONZE DE SETEMBRO: TRÊS CONCEPÇÕES PRAGMÁTICAS Apresentar-se-á, neste ensejo, uma visão pragmático-teórica do Onze de Setembro, visando prevenir uma carência de especificação do objeto aqui estudado. Tendo em vista uma análise referente à violação ao território dos Estados Unidos da América (EUA) no dia onze de setembro de 2001, há que se remeter a três concepções amplamente difundidas. Inicialmente, aborda-se Chomsky (2002), que entende os atentados como uma reação à política externa unilateral dos EUA; em seguida, tem-se Martins (2001/2002), que defende a visão dos atentados como atos terroristas, os quais foram provocados pela falência do diálogo político estadunidense; há, por fim, a defesa de Earp, Lessa e Costa (2002), a respeito da configuração de uma nova forma de guerra, a qual surge no Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 123-146, jan./dez. 2004


126 sistema internacional globalizado. Destarte, uma análise tripartite destas concepções resultará na verificação dos pontos necessários ao diálogo teórico, o qual se procederá na decorrência deste ensaio. Chomsky (2002) compreende os atentados como frutos de uma política externa unilateral. Desta forma, a manutenção de bases militares em países islâmicos, o apoio incondicional a Israel, a morosidade na solução dos conflitos na Palestina e as intervenções armadas no Kosovo inflamaram os islamitas da Al Qaeda a agirem contra os EUA. Contudo, faz-se necessário explorar a fundamentação destas afirmações. Os EUA apresentam uma extensa história de intervenção no mundo islâmico. A criação do Estado de Israel, a Guerra do Afeganistão,2 a Guerra do Golfo3 e a intervenção no Irã, são exemplos mais contundentes dos receios gerados nos países islâmicos, quanto aos EUA. Tais fatos sustentam, portanto, o ódio incondicional de bin Laden a tal país. Segundo Chomsky (2002, p. 34-35), “[...] bin Laden, muito provavelmente, jamais ouviu falar de ‘globalização’. Aqueles que conduziram entrevistas mais aprofundadas com ele [...] relatam que, na prática, ele não conhece coisa alguma sobre o mundo e não faz a mínima questão de conhecer”. Esta visão, reforça a impressão de um inimigo cético quanto a qualquer referência aos acontecimentos ocidentais, da política externa americana, bem como à configuração do sistema internacional. A única moção de bin Laden contra a nação estadunidense decorreria das ações desta e, por conseguinte, da opressão ocidental desferida contra os povos islâmicos. Percebe-se, sob essa perspectiva, uma animosidade provocada pelas ações dos EUA, o que sustenta o argumento de que o unilateralismo estadunidense configura causa mediata dos atentados. Inegavelmente, Chomsky (2002) demonstra coerência ao sustentar a apreensão criada entre os EUA e os islamitas em decorrência daquelas ações militares. Em segundo plano, Martins (2001/2002) percebe os atentados como demonstrações de atos terroristas. De acordo com este teórico, os ataques não foram uma guerra, no sentido clássico do termo, visto que a Al Qaeda – organização pretensamente terrorista – não se trata de um ator legitimamente internacional para envolver-se em conflitos. Acresça-se o fato de que a forma pela qual os terroristas executaram tal ato Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 123-146, jan./dez. 2004


127 foi instruída pelos EUA, quando se mostrava oportuno financiar tal milícia contra a URSS.4 O status de ato terrorista5 atribuído aos atentados é exposto por Martins (2001/2002) a partir de três distinções do conceito de terror, quais sejam: o terrorismo utilizado para a manutenção do poder; o utilizado para conquistá-lo e o que busca a desmoralização do poder. O autor depreende desses conceitos as formas pelas quais o terror se manifesta em seu clássico ataque à população civil. Contudo, somente a última distinção é relevante e adequada ao prosseguimento desta análise. Martins (2001/2002, p. 24) sustenta que esta vertente do terrorismo “[...] não ataca um governo ou centro de poder internacional para conquistá-lo, [...] mas para desmoralizá-lo e mostrar sua vulnerabilidade”. Osama bin Laden não pretendia tomar o poder estadunidense, ou promover um golpe de Estado, todavia alvejar o território dos EUA, até então inexpugnável,6 configuraria uma grande desmoralização. Portanto, esta inclinação do conceito de terror apresenta-se mais satisfatória ao contexto do Onze de Setembro, supostos os meios não convencionais utilizados para conduzir o ataque. Ressalva-se, entretanto, que a visão de terrorismo não se restringe apenas ao ato em si e não deve ser aplicada stricto sensu. A noção de terror aqui empregada, a despeito de ser sesquipedal, deve ser entendida como um movimento erga omnes, o qual preza pela superação da ordem vigente. A este movimento chama-se Contra-Ordem, em sentido lato, o qual reúne os oprimidos em torno de uma luta utópica, tendo em vista um sistema internacional mas harmônico e igual. Por fim, a perspectiva da guerra assimétrica, segundo Earp (2002), apresenta-se no contexto do Onze de Setembro como uma nova forma de beligerância insurgida no cenário internacional. Este tipo de conflito caracteriza-se, segundo este teórico, pela assimetria entre as partes e a generalização de suas conseqüências. A base desta forma de hostilidade encontra-se diluída por todo o território mundial; os combatentes confundem-se com civis e por meio de células dispersas e interligadas por sistemas de informação, articulam atentados como o de Onze de Setembro. Esta perspectiva explicita os meios utilizados por uma das partes do conflito aqui analisado. Por não se tratar de um Estado, os grupos terroristas não dispõem dos mesmos recursos que este, como: orçamento, tecnoloScientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 123-146, jan./dez. 2004


128 gia bélica e exército definido. Deste ponto, surge a formatação pouco habitual dos atentados e suas fontes de beligerância, como o seqüestro de aviões e o cultivo de drogas com o fim de financiar suas ações. À luz dos fatos, a pretensa guerra que se seguiu aos atentados, apresentou-se pouco convencional desde a perspectiva da história das Relações Internacionais. O fato de os EUA travarem uma guerra contra a Al Qaeda, organização chefiada por bin Laden, e subjugarem toda uma população, pactuando com o desrespeito ao Direito Internacional e à Organização das Nações Unidas (ONU) expressa sua pré-disposição em atuar como uma polícia global, de forma corruptível e injusta (KISSINGER, 2001; NEGRI; HARDT, 2002). Nesta perspectiva emprega-se a guerra assimétrica como uma forma de repressão, a qual se configura na Teoria do Império, exposta a seguir como uma forma pela qual a Contra-Ordem garante êxito aos seus anseios. Assim, entende-se o amálgama que caracteriza os atentados de Onze de Setembro, desde uma perspectiva tricotômica. A formatação da política externa unilateral estadunidense provocou os atentados, de animus terrorista, os quais caracterizam uma guerra assimétrica, posta sua irregularidade e amplitude. Cumpre ressaltar que esta guerra decorreu das históricas intervenções estadunidenses no mundo islâmico; um estopim, o qual culminou nos atentados de Onze de Setembro. Por conseguinte, subtrai-se que estas três concepções as quais destacaram-se pragmáticas – política externa unilateral, terrorismo e guerra assimétrica – concatenam-se de forma congruente e homogênea, tendo em vista o intuito de desenvolver uma perspectiva mais aprofundada no diálogo teórico subseqüente. As análises teóricas decorrentes deste ponto não estarão, portanto, desprovidas de alvor prático. Seguir-se-á, isto posto, a análise da primeira concepção teórica na qual há a possibilidade de configurar-se o Onze de Setembro: a perspectiva do Choque de Civilizações.

3 O ONZE DE SETEMBRO COM UM CHOQUE: A CULTURA SUI GENERIS E A MILÍCIA Averiguar-se-á nesta fase a demonstração do Onze de Setembro como um Choque de Civilizações. Para tanto, basear-se-á esta análise em dois teóricos preponderantes: Samuel Huntington e Nobert Elias, o priScientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 123-146, jan./dez. 2004


129 meiro na defesa da Teoria do Choque de Civilizações e o subseqüente no embasamento teórico dos conceitos de cultura e civilização. Na caracterização apontada são constatadas as ineficácias decorrentes da tentativa em configurar-se as questões teóricas defendidas por Huntington (1997), tendo em vista que não há civilizações em conflito. A Teoria do Choque de Civilizações expõe que, finda a Guerra Fria, não haverá conflitos de ordem ideológica, ainda que concentrados em dois pólos de poder centrais. Contraponto, choques entre civilizações globalmente dispersas e conflitantes serão eminentes. O choque, segundo Huntington (1997), seria a resposta das civilizações à alienação promovida pelo Ocidente ao mundo islâmico no decorrer da História. Assim, o retorno à cultura autóctone e a subsunção da ideologia a uma força maior proporcionará os novos embates internacionais. Segundo Huntington (1997), esvaída a URSS, o novo inimigo do Ocidente seria o mundo islâmico. Com isso, os conflitos entre estas civilizações datariam desde a primeira expansão da fé de Maomé, que ocupou a Terra Santa, o norte africano e a Península Ibérica. Contraio sensu, as Cruzadas dos séculos XI ao XIII, a retomada da Ibéria e o neocolonialismo alavancaram as insídias existentes entre essas civilizações. Nestes termos, identificam-se, durante a História, períodos de beligerância entre a Europa e a fé islâmica. Entretanto, durante a Guerra Fria, ainda segundo Huntington (1997), o pretenso Choque de Civilizações manteve-se à margem do conflito ideológico e tendo em vista o fim deste, a grande potência ocidental – os Estados Unidos da América – retorna a oprimir o mundo islâmico. A Guerra do Golfo, a instalação de bases militares no Oriente Médio e as intervenções na Bósnia e no Kosovo reascenderam a discórdia entre as civilizações ocidental e islâmica, as quais, inflamadas pelo estigma do novo Ocidente com o velho islamismo7, culminaram no Onze de Setembro. Embasado nesses dados o Onze de Setembro pode ser depreendido como um Choque de Civilizações. O islamismo, tomado pela beligerância ocasionada pelas admoestações, as quais dividiram sua população pelo mundo, reiniciou um contra-ataque ao Ocidente. Os atentados ao território estadunidense seriam, assim, la revanche de Dieu,8 um dos primeiros conflitos provocados pelo Choque de Civilizações.

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130 Dado exposto acima, a comprovação do Choque de Civilizações é eminente. Entretanto há que se ressalvar alguns pontos, pois a constatação meramente fática não é suficiente para comprovar e garantir a aplicação das questões teórica discutidas por Huntington (1997). Desta forma algumas considerações de ordem teóricas relevantes são cabíveis, a fim de confirmar a configuração da Teoria do Choque.

A priori discute-se a aplicação dos conceitos de cultura e civilização – kultur e zivilization – desde a perspectiva antropológica, a fim de problematizar a Teoria do Choque de Civilizações quanto a este objeto, desde uma perspectiva diacrônica. Para tanto, empresta-se de Elias (1994) o embasamento teórico, visto que se considera a distinção nas acepções de cultura e civilização de extrema importância ao entendimento da Teoria do Choque de Civilizações (HUNTINGTON, 1997). Assim, depreende-se que o Choque é, em menor grau, de civilizações, enquanto há a emergência de sua percepção como um conflito entre uma cultura e uma milícia. Elias (1994) enfatiza o conceito antropológico de civilização – zivilization, aqui empregado, como expressão de um valor de segunda classe, o qual reune as diversas populações por seus traços mais brandos e menos importantes; a cor da pele seria um traço que aponta a participação do indivíduo em uma civilização. Ainda segundo este teórico, constata-se que o conceito de cultura – kultur – designa os valores intrínsecos de um grupo, a forma de tratamento social e de convivência, portanto, a particularização de valores intangíveis, os quais não podem ser percebidos pela aparência, como ocorre no caso da civilização. Esta definição permite estabelecer-se a desconstrução do Onze de Setembro como um conflito entre civilizações, visto que o campo das mentalidades dispersas,9 clímax do fato aqui analisado, não é contemplado por Huntington (1997) de forma coerente. Huntington (1997) atribui, confusamente, às civilizações o plano das mentalidades intrínsecas. Estes valores, entretanto, só são possíveis amalgamados ao íntimo das culturas. Portanto, o conceito de civilização utilizado por este teórico encontra-se em dissonância com sua análise, impossibilitando a aplicação da Teoria do Choque de Civilizações. Contudo, o pragmatismo demonstra que os indícios então empregados em relação aos islâmicos são contraditórios à idéia de zivilization. O oponente da cultura estadunidense não representa toda a diversidade Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 123-146, jan./dez. 2004


131 civilizacional islâmica; a milícia terrorista Al Qaeda agrega alguns poucos fundamentalistas, financiados e treinados desde a juventude que se encontram dispersos por um território, o qual não compreende somente a civilização maometana, mas o Mundo. Entende-se, dessa forma, que o conflito está muito além de um Choque de Civilizações; representa, no entanto, o Choque de uma Cultura adversa ao sistema internacional – os EUA – e uma Milícia fundamentalista islâmica – a Al Qaeda – a qual representa um movimento munido de uma mentalidade dispersa, ou seja, que abrange em sua luta a busca por um bem geral. Outro elemento do conflito é o caráter religioso, o qual, a partir da sua delimitação quanto aos termos dos conceitos de kultur e zivilization, apresenta-se em duas fases de caracterização. A religião é civilizacional enquanto fé em um mesmo deus ou profeta, crê-se em Cristo, mas necessariamente não se é católico; a cultura, ao contrário, delimita as particularidades da crença, há o sunita divergente do xiita em relação a diversos valores religiosos, porém, à tona acreditam em Alá. Desta forma, o Onze de Setembro é passível de duas formatações: um choque de uma kultur com uma zivilization ou, a fortiori, um choque de uma cultura com uma milícia.

Hic et nunc, o Onze de Setembro analisado como um choque entre uma cultura e uma zivilization considera a rede Al Qaeda a representante de todos os crentes nas pregações de Maomé. Contrario sensu, esta milícia, como ressaltado anteriormente, não abrange a cultura islâmica; suas raças, as quais divergem entre árabes, africanos e centro-asiáticos e seus entendimentos quanto à cooperação com o ocidente. Portanto, a milícia caracteriza um ator desconexo, o qual apresenta características da civilização islâmica, mas não a representa legitimamente. Por outro lado, os EUA apresentam-se com uma Cultura sui generis. Suas divergências quanto aos preceitos europeus, seus companheiros de civilização, são demasiadamente expressíveis. A cultura estadunidense apresenta uma ideologia em muitos pontos diversa da européia; seu sistema político é dissímil e em sua política externa unilateral, encontra-se uma adversidade restritiva a todos os países do sistema internacional (HUNTINGTON, 1997). Os Estados Unidos configuram, portanto, uma cultura em oposição à milícia, a qual provocou os atentados.

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132 A caracterização dos Estados Unidos da América enquanto uma Cultura distinta, decorre de sua posição no meio internacional. O isolacionismo estadunidense, ocorrido desde sua independência até meados da Primeira Guerra Mundial, inclinou seus aspectos internos a uma visão de mundo diferente, a valores não defesos pelo ocidente; em suma, seu idealismo o torna sui generis. Contraponto, sua ascensão internacional no pós-Segunda Guerra Mundial impôs-lhe a condição de intervencionista, o que lhe permitiu impor suas idéias, causando animosidade às outras culturas e grupos. Desta forma, enquanto cultura, os EUA revelam-se uma ameaça. Um caráter ad hoc delimita seus aliados e a ausência de uma política externa definida, o que aliado à busca de um poder de polícia,10 inspira o combate à sua estrutura. Desta forma, percebe-se o Onze de Setembro como o conflito entre a Cultura sui generis e a milícia. Aquela, movida pela ânsia em manter sua dominação; esta prezando por uma ordem menos desigual. Em seguida, no âmbito da geopolítica, os atentados ao World Trade Center e ao Pentágono não caracterizaram um Choque de Civilizações. O conflito, tendo em vista a Teoria de Huntington, representa um maniqueísmo, no qual a civilização superior defende-se da civilização inferior. Ao contrário, como nos apresenta Vesentini (2002, p. 287), “Os conflitos culturais [civilizacionais] existem [...] Mas eles coexistem com uma outra tendência forte que é a interdependência e o compartilhamento de alguns valores básicos.” Este fator de interdependência demonstra a indisposição tanto das culturas como das civilizações de envolver-se em conflitos. Dando seguimento, aborda-se o apoio dado à Milícia de bin Laden, o qual partiu de apenas um país, cujo governo autoritário não compartilhava a mesma opinião de uma sociedade oprimida. Como enfatiza Chomsky (2002), a grande ligação de subordinação entre os Estados islâmicos e os Estados Unidos não impediu ocorrência do Choque. Esta idéia fundamenta-se nos seguintes elementos: o Estado mais populoso dentre os islâmicos – a Indonésia – é parceiro estadunidense, e o segundo país mais fundamentalista dentre os islâmicos e maior produtor de petróleo mundial e pátria de bin Laden – a Arábia Saudita – está alinhada aos EUA. Depreende-se, portanto, a ausência de civilizações em choque, neste objeto de estudo.

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133 Do ponto de vista estratégico, a civilização islâmica encontra-se pulverizada, pois todos os seus países-membros aderiram à Coalizão contra o Terror promovida pelo presidente estadunidense George W. Bush. Adite-se, por fim, as observações de Martins (2001/2002), nas quais sustenta-se que a Teoria do Choque representa um reducionismo, pois desconsidera as subdivisões e peculiaridades de cada cultura e, em menor grau, as ignora em uma instituição mais ampla – a civilização. No caso específico aqui analisado, não é o ocidente que se defende do resto – como demonstra a Teoria de Huntington – mas os EUA que rivalizam com um pequeno grupo, ou, no extremo, com uma Milícia. A partir da caracterização de milícia supra-analisada, tem-se a Al Qaeda como um inimigo, o qual é parte integrante do escopo da Contra-Ordem. Enquanto movimento erga omnes e insertivo, esta não distingue civilizações e culturas, apenas reúne os animus contrários à ordem vigente – as mentalidades dispersas – que reivindicam uma modificação no statu quo. Dessa forma, desconsidera-se qualquer possibilidade de conceber-se o Onze de Setembro como um Choque de Civilizações.

Ex expositis, decorre a não confirmação do Choque de Civilizações, visto que as unidades preponderantes a sua configuração – as civilizações – não se caracterizaram como atores. Contraponto, a Cultura sui generis, por meio de seu unilateralismo, alcançou e moveu o íntimo das demais culturas, o antagonismo do Onze de Setembro representou a declaração de incontinência da Milícia: o grito, violento e desumano, contra a opressão de um centro injusto, a manifestação de uma dinâmica erga omnes: a Contra-Ordem. No Onze de Setembro a Cultura, a qual busca ou detém o domínio mundial, foi estancada por um movimento superior ao seu domínio e de caráter impessoal.

4 INTERMEZZO: DA CULTURA SUI GENERIS À ORDO IMPERIALIS Nesta etapa do presente estudo, faz-se mister um movimento estanque na análise teórica dos fatos. Ocorre a necessidade de situar-se visà-vis uma inversão nas teorias aqui empregadas, a qual ocorrerá no próximo tópico. Desta forma, empreende-se uma adequação mutatis mutandis das conclusões até aqui alcançadas, de forma a harmonizálas com a perspectiva do Império.

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134 Até o presente momento, configurou-se o Onze de Setembro como conflito entre uma Cultura sui generis e uma Milícia. Conferiu-se a este antagonismo o caráter de ato terrorista lato sensu, exposto como uma reação no plano das mentalidades dispersas – uma Contra-Ordem. Sabe-se, também, que o unilateralismo idealista estadunidense contribuiu na cooptação para a escolha de uma reação formatada nos moldes da guerra assimétrica. Destarte, a concepção pragmática empregada inicialmente cumpriu seu papel de norteadora do estudo até o presente momento. A partir da elucidação quanto aos atores envolvidos nos atentados, tornou-se possível a constatação da inaplicabilidade da Teoria do Choque de Civilizações de Samuel Huntington. Por sua vez, a caracterização dos EUA como uma Cultura sui generis partiu das características internas deste, o que impossibilitou a configuração dos atentados como se os mesmos fossem desferidos contra a Civilização Ocidental. Em seguida, a particularização da Milícia enquanto um pequeno vértice de uma civilização completamente fragmentada, como ocorre com a islâmica, e sua generalização enquanto Contra-Ordem, conspurcaram qualquer argumento defeso a esta teoria. Procedendo-se a uma análise sólida e pretensamente exitosa, mister se faz, converter os conceitos adquiridos nas análises anteriores a uma terminologia mais adequada à perspectiva do Império. Empregar-se-á, desta forma, o termo Ordo imperialis na caracterização dos Estados Unidos da América. Esta terminologia encontra-se com maior abrangência, posto que a expressão Cultura sui generis, então empregada, enseja somente a perspectiva antropológica, à medida que, de Ordo imperialis depreendem-se os fatores sócio-políticos, jurídico-econômicos e midiáticos preponderantes ao prosseguimento desta análise. Por outro lado, o emprego do vocábulo Milícia é por demais restrito à noção que se pretende difundir, de um movimento erga omnes, o qual busca uma reestruturação do sistema internacional; para tanto se atribui à milícia o conceito geral de Contra-Ordem. O termo Contra-Ordem insinua um movimento de proporções mundiais. Este engloba o desideratum das mentalidades dispersas, cujo fim consiste em modificar o regime internacional vigente. Não implica dizer que suas ações serão sempre lícitas, no que respeita ao direito, mas que este ator deflagrará, por sua própria natureza a modificação da cena internacional. Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 123-146, jan./dez. 2004


135 A noção de poder de polícia, a seu tempo, também será modificada de forma a atender a uma nova configuração teórica do Império. Para tanto, utilizar-se-á, em conjunto, os conceitos de biopoder e de la bomba, para designar a face política, pela qual este poder de polícia se manifesta. Igualmente, o poder econômico será encontrado na simbologia de el denero e o poder midiático, na terminologia el éter, por fim o termo nolugar difundirá a noção de espaço de atuação do Império e da ContraOrdem, ou seja, grosso modo, o sistema internacional. O emprego destas expressões será mais bem definido na análise procedente.

Ex positis, prossegue-se ao diálogo teórico dos atentados de Onze de Setembro. Ressalta-se a relevância deste vácuo teórico em meio a presente análise, o qual orientou-se em prevenir um quid pro quo, a partir das mudanças terminológicas que serão proferidas na fase subseqüente desta caracterização. Portanto, interpela-se à contemplação dos antagonismos entre Ordo imperialis e Contra-Ordem.

5 IMPÉRIO: A ORDO IMPERIALIS E A CONTRA-ORDEM Neste ponto da análise será explicitado o Império (NEGRI; HARDT, 2002), cuja teoria, como se pretende comprovar, adequa-se de forma mais completa à interpretação dos antagonismos de Onze de Setembro. Encontra-se neste, desde a sua concepção nesta análise, os contornos relevantes ao objeto de estudo aqui tratado. Conjectura-se a relegação da história do Estado-nação à configuração desta nova ordem mundial, suposto que, segundo Negri e Hardt (2002), os Estadosnação estão subordinados11 a uma força superior, a qual subsume a soberania e transforma a composição do sistema global. O Império pode, assim, ser analisado como uma nova força, cuja constituição germina com a Guerra do Golfo, tendo nesta seu primeiro conflito e sua primeira afirmação. Sua força é biopolítica e constituise em redes de informação e poderes militar e financeiro, os quais subordinam a velha ordem mundial e seus agentes, criando novos atores internacionais com poderes conflitantes. Desta forma, a força motriz ascensora impregna em seu âmago o gérmen da própria decadência, suposto que, enquanto transforma esta nova ordem, engendra uma força contrária à Ordo imperialis, a qual está apta a destruí-la, a Contra-Ordem.

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136 Coordena-se o Império pela junção de três fatores fundamentais: la bomba, a qual compõe-se da capacidade deste de destruir a vida – a política; el dinero, por sua vez, caracteriza-se pela desconstrução dos mercados nacionais em prol de um mercado mundial liberalizado – a economia; e el éter, por fim, exprime o controle da comunicação objetivando a regulação das culturas – a tecnologia da informação. Nos termos de Negri e Hardt (2002, p. 294), nesta nova organização: “Pareciera que los Estados Unidos fuesen la nueva Roma, o un conjunto de nuevas Romas: Washington (la bomba), New York (el dinero), y Los Ángeles (el éter)”. Desta forma, o centro do Império – os EUA – detém o controle do mundo, ou seja, o poder mundial concentra-se em uma única Ordo imperialis, a qual contempla a adversidade no jugo de seu domínio. Entende-se o Império, nesta formatação, como a caracterização da dispersão expansiva do poder. A despeito do centro – os EUA – a capacidade deste do biopoder de locomover-se pelos variados centros subordinados é significante, o que mantém sua presença simultânea em todos lugares. Sua instituição não é fixa, somente seus acessórios e encontra-se por toda parte, sua virtualidade abarca o todo, representando o próprio no-lugar: “El Imperio se define en última instancia como el ‘no-lugar’ de la vida, o la capacidad absoluta de destrucción. El Imperio es la forma final del biopoder en tanto es la inversión absoluta del poder de la vida”. (NEGRI; HARDT, 2002, p. 293). Questiona-se, em conseqüência, a relação entre o Império e os antagonismos de Onze de Setembro. Encontrar-se-á a resposta na peripécia de a constituição do Império ser intrínseca à evolução do modelo estadunidense, cuja gênese divide-se em quatro momentos históricos: a Guerra Civil, estádio entre a independência e a Primeira Guerra Mundial; o monopólio de poder, o período, que abrange as Guerras Mundiais; o Imperialismo, a época da Guerra Fria e o Império, fase surgida após a Guerra do Golfo (NEGRI; HARDT, 2002). Estas ocasiões relacionam-se intrinsecamente aos tipos de guerra mencionados na análise pragmática, anterior. Os conceitos elencados por Earp (2002) dispõem a presença de todos os tipos de guerra na história estadunidense supra-analisados. A primeira fase – a Guerra de Secessão – caracteriza a guerra convencional; a segunda – as Guerras Mundiais – indica as guerras de destruição em massa; a terceira – o período de Imperialismo – revela as guerras irregulares e, por fim, no quarto período – o Império – distingue-se a guerra assimétrica. Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 123-146, jan./dez. 2004


137 O biopoder,12 ponto central da Teoria do Império, incorpora a política unilateralista dos EUA, formatada na análise pragmática. Os antagonismos de Onze de Setembro constituem a reação da Contra-Ordem – da Milícia Al Qaeda – ao Império. A guerra assimétrica, a qual se seguiu aos atentados, confunde-se com o poder de polícia exercido pela Ordo imperialis através de seu biopoder, o qual subordina as ações das organizações internacionais e disside os princípios jurídicos internacionais (NEGRI; HARDT, 2002). Assim, o Onze de Setembro compõe-se de uma reação ao eminente Império, uma Contra-Ordem, nos termos de Negri e Hardt (2002), posto que se retrata a reação direta à opressão causada pela Ordem vigente. Propõe-se aqui, como forma de compreender-se melhor esta perspectiva, uma análise embasada nos moldes da Simulação Subjetiva do Desempenho em uma Situação Imperial, desenvolvida por Almeida (2002). Abordar-se-ão, por fim, os 10 pontos, elaborados pelo autor, os quais identificarão a visão mais adequada ao Onze de Setembro como a reação da Contra-Ordem – a Milícia – à Ordo imperialis – a Cultura sui generis. O primeiro ponto desta análise contempla a segurança e a estabilidade internacional. O Império detentor do poder de la bomba mostrou-se ineficiente em reprimir as intenções expressas de reação à Ordem, atentados ocorrem freqüentemente em diferentes pontos do no-lugar, e não há regimes internacionais capazes de garantir sua erradicação. O Onze de Setembro exprimiu a incapacidade deste poder em manter-se inexpugnável; à vista disto os tímidos esforços anteriores favoráveis à paz e à segurança encontram-se desestabilizados pela ação da Contra-Ordem (VESENTINI, 2002). Dando seguimento, depara-se a questão do desarmamento e à nãoproliferação de armas de destruição em massa. Frente à utilização de armas não convencionais – aviões comerciais kamikazes – contra a soberania Centro-imperial, confere-se a inutilidade das tentativas em conter-se a proliferação de armas, nos moldes tradicionais. O Império encontra-se, portanto, vulnerável ao seu maior bem, el dinero, a utilização de bens econômicos, os quais produzem economias de escala em todo o no-lugar tornou-se a maior arma da Contra-Ordem, indicando a viabilidade do uso daquele em detrimento do poder central.

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138 Identifica-se o terceiro aspecto como a promoção do Direito Internacional e a cooperação entre os Estados. Verifica-se a ineficácia do Império em consolidar elementos jurídicos aptos a impedir sua violação; destarte, a auto-violação deste às escassas normas vigentes provocou a Contra-Ordem, visto que a militância é fruto incondicional da incapacidade de promoção da cooperação entre os agentes subordinados – Estados-nação – à Ordo imperialis. A ausência de cooperação e o isolamento de atores causaram tal reação, o Império falhou na manutenção do poder de el dinero e na manutenção das redes terciária e quaternária de poder (CHOMSKY, 2002). Procede à análise a contribuição ao consenso através do multilateralismo. Constata-se a ignorância às formas multilaterais de negociação, suposto que através de sua corrupção13 o Império impôs normatizações unilaterais através de el éter, as quais foram insuficientes para a manutenção da organização interna do Sistema. O poder de polícia, subordinador dos antigos regimes internacionais redundou no surgimento da Contra-Ordem,14 após a intensa ofensiva militar amplamente desferida a partir da Guerra do Golfo aos países islâmicos. Em seqüência aprecia-se a elevação aos planos internacionais de Direitos Humanos e Direitos Sociais. Exceto pela manutenção, de forma débil, destes direitos na sede do poder central da Ordo imperialis e em alguns centros secundários, nos demais segmentos estes foram violados; a guerra assimétrica culminou na morte de milhões de civis; os Direitos Sociais foram dilacerados pela ânsia em prover a segurança dos principais centros da rede imperial. Suprimiram-se as liberdades fundamentais à população (CHOMSKY, 2002), mantendo ao fundo el éter, no empenho de obscurecer a explicitação dos atos; entretanto, o fluxo de informação, ampliado pela tecnologia da informação fugiu ao controle deste, expondo o íntimo Centro-imperial e suas mazelas. Na mesma linha, temos a defesa dos Direitos Coletivos e Laborais. De igual modo aos direitos acima referidos, houve prejuízo destes, pois el dinero não manteve suas redes de emprego, criou-se recessão na economia imperial e la bomba não manteve seus vínculos intra-imperiais, nem cumpriu seus objetivos militares capazes de movimentar a economia. O Império fraturou seu arcabouço de direitos, as garantias foram suprimidas pela iniciativa de crescimento capitalista, a qual, invariavelmente, faliu compelida pela corrupção.

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139 O sétimo ponto versa sobre a democracia, a boa governança e a luta contra a corrupção. Este ponto impõe-se pela controvérsia, suposto que, acaso houvesse boa governança e garantias democráticas, a Contra-Ordem não haveria insurgido. A contrariedade ao sistema somente ocorre na hipótese de supressão das necessidades fundamentais; a luta contra a corrupção não surtiu efeito, o fato desta haver gerado o poder de polícia, vide a política ofensiva submissora dos direitos de todas as ordens, conjuntamente com a crise das garantias democráticas e a corrupção da governança houve a impossibilidade do sistema de inteligência em inviabilizar os ataques. La bomba impediu a seqüência imperial, na iniciativa suspeita de manter a Ordo imperialis (CHOMSKY, 2002; NEGRI; HARDT, 2002). A defesa do meio ambiente apresenta-se como oitavo ponto. Não há, aqui, ligação direta com a militância dos antagonismos do Onze de Setembro, porém a recusa de la bomba em aceitar regimes ambientais, remonta a uma reação das mentalidades disperssas. El dinero busca, incansavelmente, livrar-se da recessão, destarte, instiga-se o Império a esquivar-se da obrigação de manter o bem-estar social, este ponto afeta indiretamente a milícia Al Qaeda, contraponto, constitui fator importante na configuração da Contra-Ordem. O nono ponto refere-se à contribuição ao progresso de outros povos. Na mesma linha da promoção da cooperação – ponto três – não ocorreu a promoção do progresso. As redes imperiais – principalmente el dinero – não promoveram o desenvolvimento de todas as estruturas do biopoder. A Contra-Ordem fruiu da concentração de el dinero e da distribuição irresponsável de la bomba (VESENTINI, 2002), as mazelas da periferia combinarão intensamente ao excídio do biopoder. Por fim, o décimo ponto objeta sobre a abertura econômica e o acesso ao mercado Centro-imperial. Houve, quanto a este ponto, a constante intenção de el dinero em protegê-lo simultaneamente a sua inserção em novos mercados através da expansão das redes de poder econômico, a falta de reciprocidade prejudicou as zonas limítrofes imperiais. Em uma alusão à cooperação e abertura militar, la bomba tratou de armar as pontas das redes de poder, em seus pontos mais fragilizados, entretanto, não o fez idoneamente, o que resultou em uma maior autoconfiança da militância munida, agora, com o poderio militar.

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140 Os pontos acima explicitados exprimem a incapacidade de auto-sustentação do Império, visto que a força motriz situada em seu bojo afirma a assolação do biopoder imperial. O ataque da Contra-Ordem, primeiro fato desestabilizador a ser considerado como parte do conflito de poder, o qual é necessário à manutenção do Ordo imperialis, decorre da corrupção de la bomba, de el dinero e de el éter. De um ponto de vista macro, os antagonismos de Onze de Setembro, os quais foram representados pelos ataques aos centros de poder econômico e político do Império, podem ter causado fissuras à soberania imperial. Contraponto, percebe-se a manutenção desta ordem, continuamente débil e geradora de novas militâncias amalgamadas em uma ContraOrdem, a qual busca mudanças. A não-observância quanto a insustentabilidade de uma dessas redes de poder da Ordo imperialis , inevitavelmente, aluirá seu sistema. Portanto, a Contra-Ordem, como um fator erga omnes, poderá desferir um ataque de maior intensidade ao Império, a partir de um desideratum das mentalidades dispersas.

6 OS ANTAGONISMOS E A CONFIGURAÇÃO DA TEORIA DO IMPÉRIO Esta análise empenha-se em apontar uma abordagem comparativa do Onze de Setembro, concernente à Teoria das Relações Internacionais. A hipótese inicial confirma-se, suposto que os antagonismos insurgiram-se como um ato terrorista lato sensu e uma forma de reação à nova ordem internacional, o Império. A Contra-Ordem imperial – a Milícia – munida da inconvencionalidade deflagrou a Ordo Imperialis – a Cultura sui generis – de forma a tentar desmoralizá-la, modificando a noção de Nova Ordem Mundial difundida ultimamente. A partir da análise pragmática realizada, constatou-se que a política unilateral estadunidense – o biopoder de polícia – redundou em uma guerra assimétrica bifásica: os ataques terroristas com intuito de desmoralização – a Contra-Ordem – e a reação do poder da Ordo imperialis – a Cultura sui generis – à agressão a sua soberania. Destarte demonstra-se a corrupção nas redes de poder imperial, o que remete, via de regra, a uma nova reação da Contra-Ordem. Assim, os antagonismos do Onze de Setembro de 2001 conduziram la bomba ao malogro de frutos desestabilizadores, não necessariamente militares, os quais insuflarão o esvaimento do Império. Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 123-146, jan./dez. 2004


141 Contemplou-se o Onze de Setembro como uma reação à Ordo imperialis. Os fatores, os quais compreendem a análise pragmática vinculam-se com perfeição à história de constituição do Império, o qual, em sua fase atual, combate em uma guerra assimétrica objetivando resguardar seu biopoder de polícia e suas redes de influência – la bomba, el dinero e el éter. Os pontos, os quais se emprestou de Almeida preponderaram na composição dos atentados desferidos ao World Trade Center e ao Pentágono nos atentados de onze de setembro de 2001, cujos aspectos econômicos e políticos, representaram uma reação ao biopoder imperial. Os antagonismos, expressamente invocados neste estudo podem agora ser explicitados. Partindo-se as três redes de poder da Ordo imperialis , chega-se às seguintes inferências: o primeiro antagonismo encontra-se no poder político – la bomba – o qual submeteu através de uma política externa sui generis os centros de decisões políticas internacionais, países e organizações, criando uma aversão ao império político de Washington; a segunda contrariedade encontra-se no poder econômico – el denero – o qual expandiu sua cartilha de princípios liberalizantes e a impôs aos outros países, por meio de instituições internacionais, enquanto internamente os mesmos princípios foram abandonados em detrimento de uma política econômica protecionista; por fim tem-se o poder midiático – el éter – sobre o qual não foi exercido o devido controle, permitindo sua expansão e avidez, a qual ao mesmo tempo em que difunde os ideais do Império, deflagra o mesmo demonstrando suas mazelas. Portanto encontram-se estes três principais antagonismos, os quais perpetuam o entendimento de uma ordem imperial débil.

Contrario sensu, percebe-se que estes antagonismos apenas revelam a superficialidade das incongruências em manter-se uma ordem imperial. A Contra-Ordem insurgida neste ambiente é fruto destas contradições e tende a impedir a sustentação da Ordo imperialis. Assim, vulnerant omnes, ultima necat, a manutenção destes antagonismos via de regra permitirá que novos ataques e ações da Contra-Ordem venham a destruir o Império. Resulta desta análise, o malogro da Teoria do Choque de Civilizações, nos moldes de Huntington (1997) e a emergência da Teoria do Império, segundo Negri e Hardt (2002), como uma alternativa ao diálogo sobre do sistema internacional contemporâneo. O Império, instituição difusa, Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 123-146, jan./dez. 2004


142 dominadora e onipresente encontra-se em busca de sua manutenção. Contraponto, a Contra-Ordem preza pelo esvaimento de suas forças, na tentativa de construir um novo sistema internacional.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS: PARA UM DIÁLOGO SOBRE UM NOVO SISTEMA INTERNACIONAL Observou-se, no presente estudo, um Diálogo entre as Interpretações e não uma configuração ultima ratio do Onze de Setembro. A despeito de todas as formas apreciativas as quais cabem à análise destes antagonismos, não somente as duas aqui analisadas, mas todas as que fazem ou virão a fazer parte do arcabouço da Teoria das Relações Internacionais, são passíveis de melhor adequação. A Teoria do Império (NEGRI; HARDT, 2002), mostrou-se preponderante ao prover os vínculos necessários à caracterização destes antagonismos, contudo, nada impede entendimentos contrários. No tocante à Teoria do Choque de Civilizações, a qual frisou-se em análise apriorística, objetivou-se esclarecer a inviabilidade de sua aplicação quanto a este objeto de estudo, suposto que se constatou a indisposição tanto dos Estados Unidos como a Al Qaeda representarem uma zivilization. Caracterizou-se o primeiro como uma Cultura sui generis, adversa à civilização ocidental e com pequenos traços que ainda a mantêm inserida nesta – a crença em Cristo, por exemplo – referente à segunda, é inviável proclamá-la representante de uma kultur, visto que se compõe de indivíduos, os quais, a despeito de crerem em Alá, não mantêm vínculos com suas sociedades, são treinados para deixála e praticar atos terroristas, em última instância. A Teoria do Choque de Civilizações, como visto, mostrou-se inadequada à contemplação do Onze de Setembro. Não obsta, pois, que seja a mesma inútil à Teoria das Relações Internacionais. Tal como a Teoria do Império, esta teoria ressalta fatores significantes a qualquer análise do sistema internacional pós-Guerra Fria. No que concerne a análises, nas quais pode-se caracterizar a atuação de civilizações, a aplicação dos pressupostos teóricos de Huntington (1997) é perfeitamente contemplável. A Teoria do Império, em contrapartida, demonstra-nos uma utopia a ser buscada, através da crítica ao sistema vigente. Caracterizado como Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 123-146, jan./dez. 2004


143 Ordo Imperialis, encontrou-se que esta alternativa se dá por meio da ação de uma Contra-Ordem. Por conseguinte, esta utopia deve ser pretendida como forma de reconstruir o sistema vigente, não uma forma ideal, entretanto uma mais adequada à atual realidade em um contexto mais justo, humano e menos desigual. A transposição da Teoria do Choque de Civilizações vis à vis a Teoria do Império foi proposital. Por ser recente no escopo das Relações Internacionais esta segunda Teoria não deveria ser exposta sem um prévio quadro comparativo. A fortiori, a interação entre estas duas teorias, mutatis mutandis, consistiu em averiguar as principais características dos atores antagônicos encontrados no Onze de Setembro. O Diálogo das Interpretações é, portanto, inerente ao princípio das discussões teóricas, as quais se aclaram posteriormente com o desenvolvimento deste. A despeito disto, o Onze de Setembro apresenta-se como um tema inovador e perigoso, que deve ser amparado e desmembrado para um melhor entendimento de momento histórico tão inusitado. Portanto, tal configuração tem caráter ad ínterim, pois, de acordo com o momento histórico, a interpretação que se empregue e a teoria que se utilizará, haverá sempre a passividade de se encontrarem novas formas de contemplação dos antagonismos de Onze de Setembro. Da forma proposta nesta análise, uma maior contemplação entre o diálogo existente entre estas duas teorias fugiria aos objetivos propostos, quais sejam, os referentes à caracterização do Onze de Setembro no escopo da Teoria das Relações Internacionais. Tal diálogo, entretanto, não deve ser relegado ao esquecimento, podendo ser desenvolvido a posteriori em outras investigações, de cunho teórico mais aprofundado. Portanto, tem-se o Diálogo das Interpretações como inerente ao princípio de uma Ciência das Relações Internacionais, o que sugere maior aprofundamento desta área de estudo. Como ressalvado inicialmente: sic transit gloria mundi – assim passa a glória do mundo. A evolução histórica é eminente e em seu acompanhamento faz-se mister o surgimento de novas teorias. Mutatis mutandis, o presente ensaio buscou a defesa de um novo olhar no âmbito da Teoria das Relações Internacionais, o qual, como já ressalvado, apresentou os dispositivos necessários ao entendimento da conjuntura hodierna. Cabe, pois, desenvolver este estudo, de forma a esgotar suas possibilidades. Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 123-146, jan./dez. 2004


144 NOTAS EXPLICATIVAS 2

A guerra aqui mencionada trata-se da Guerra entre o Afeganistão e a antiga URSS, ocorrida na década de 1970, na qual os EUA se posicionaram favoravelmente aos afegãos.

3

Trata-se da primeira Guerra do Golfo, ocorrida em 1991, como forma de reprimir a invasão iraquiana ao Kwait.

4

Esta afirmação decorre da ocorrência de financiamento e treinamento promovidos pela Superpo-tência Ocidental à milícia Al Qaeda e seu membro político, o Taleban, durante a Guerra do Afeganistão, ocorrida em 1970 entre este país e a URSS.

5

Não há um conceito sólido de terror ou terrorismo, mas várias interpretações de atos históricos configurados como tal. Sabe-se apenas que tal conceito nasceu com o terror instaurado pós-Revolução Francesa e que é determinado por ações muitas vezes militares contra a população civil, como forma de pressionar um governo ou grupo político.

6

O Onze de Setembro de 2001 representou uma surpresa para a maioria dos analistas internacio-nais, tendo em vista que o território estadunidense nunca havia sido alvejado por ataques externos de tamanhas proporções em regiões como New York e Washington. A única exceção encontra-se em Pearl Harbor, base militar estadunidense localizada no Oceano Pacífico, alvejada pelo Japão na Segunda Guerra Mundial.

7

Utilizou-se aqui a expressão novo ocidente como forma de mostrar a mudança no foco de poder, que saiu do ambiente europeu e passou para o estadunidense e velho islamismo, para enfatizar o processo denominado por Huntington (1997) de indigenização, ou seja, a volta à cultura autóctone, presente nos países islâmicos contemporâneos.

8

Este termo designa a teocratização dos Estados, provocando a dogmatização dos procedimentos e sua justificação na vontade de Deus, desta forma, qualquer conflito se dá contra o mal, pois é da vontade divina que o bem vença (HUNTINGTON, 1997).

9

O campo das mentalidades dispersas, como se convencionou chamar, relevam fatores de ligação mais brandos, porém não menos relevantes, e valores compartilhados entre integrantes vários grupos, sendo, portanto erga omnes. Contraponto, os fatores profundos e pouco mutáveis, somente são possíveis em grupos menores e estão, invariavelmente amalgamados ao intimo de uma cultura, não se encontrando, para tanto, na civilização. Ambos tipos de mentalidades têm objetivos definidos: as primeiras, em geral, a superação de uma ordem submissora; a s segundas, por sua vez, a manutenção de seu grupo.

10

A busca estadunidense por um poder de polícia internacional data do início do século XX. Inaugurada por Teodore Roosevelt (1900-1901) ela é rejeitada internamente, mas volta à tona com o presidente Wilson no pós-Primeira Guerra Mundial (KISSINGER, 2001).

11

Esta subordinação dos Estados-nação decorre das três redes de poder presentes no Império – la bomba, el denero e el éter; as quais instalam-se em determinadas partes do mundo – no caso presente encontram-se todas em um mesmo país – e promovem sua alienação.

12

Biopoder é a denominação dada à forma pela qual o Império exerce o controle de suas redes e dos seus centros, ou seja, do não-lugar, é chamado biopoder porque é natural, provêm da gênese do Império (NEGRI; HARDT, 2002).

13

Denominou-se corrupção a forma abrupta e repressora, na qual embasou-se a política externa do país representante do centro da ordem imperial, os EUA.

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145 14

Sobre o fato de haver subordinação dos órgãos multilaterais (MARTINS, 2001/2002).

THE INTERPRETATIONS’ DIALOG: A COMPARATIVE STUDY CONCERNING SEPTEMBER ELEVENTH’S ANTAGONISMS ABSTRACT September Eleventh’s attacks represented a new phase on international relations’ studies, it had configured a Clash of Civilization or a reaction against an Imperial’s Order. This study’s objective is to analyze The September Eleventh’s attacks as a global conflict, arguing if this attacks on contemporary International Relations’ Theory scope. A dialog on International Relations’ Theory was concluded, by the qualitative method’s use, which had culminated in the inadequacy of Samuel Huntington’s theory. Empire’s Theory have been adequate to September Eleventh’s attacks interpretation, contrario sensu, to Clash of Civilizations’ Theory. Keywords: International Relation’s Theory. Empire. Clash of Civilizations. September Eleventh’s attacks.

REFERÊNCIAS ALMEIDA, P. R. O boletin do império. Correio internacional. Disponível em: <www.relnet.com.br>. Acesso em: 15 jun. 2002. CHOMSKY, N. 11 de setembro. Rio de Janeiro: Bertrand, 2002. EARP, F. S.; LESSA, C.; COSTA, D. A crise internacional e o Brasil depois do atentado: notícias da guerra assimétrica. Rio de Janeiro: Garamond, 2002. ELIAS, N. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Zahar,1994. v. 1. HUNTINGTON, S. P. O choque de civilizações e a recomposição da ordem mundial. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997. KISSINGER, H. As vertentes. In: ______. A diplomacia das grandes potências. 3. ed. Rio de Janeiro: F. Alves, 2001. p. 27-55. MARTINS, L. A substituição da política pelo terror e violência. Política Externa, v. 10, n. 3, p. 17-31, dez. 2001/fev. 2002.

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146 NEGRI, A.; HARDT, M. Império. Disponível em: <www.chilevive.cl>. Acesso em: 15 abr. 2002. VESENTINI, J. W. Terrorismo e nova ordem mundial. In: CARVALHO, L. A. (Coord.). Geopolítica e relações internacionais. Curitiba: Juruá, 2002. p. 275-292.

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REFLEXOS DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA NO DIREITO PROCESSUAL1

DANIEL ROBERTO HERTEL2

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Projeto de pesquisa financiado pelo Centro Universitário Vila Velha. Mestre em Garantias Constitucionais pela FDV – Faculdades de Vitória. Professor do Centro Universitário Vila Velha. E-mail: danielhertel@terra.com.br.

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148 RESUMO Trata do princípio da isonomia e de seus reflexos na esfera processual, abordando a relação entre normas, constituição e processo e destacando a supremacia constitucional. Analisa a concepção formal e substancial do princípio da isonomia e aborda os reflexos do princípio da igualdade em relação aos seguintes aspectos: atividade probatória do juiz; prazo privilegiado da Fazenda Pública e do Ministério Público; remessa necessária; foro privilegiado da mulher para determinadas ações e inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor. Palavras-chave: Princípio da isonomia. Igualdade. Direito processual.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS A Constituição é a pedra angular do ordenamento jurídico. É exatamente nela que todas as demais normas jurídicas devem buscar o seu fundamento de validade. Mas a relevância do texto magno não se limita somente à elaboração da norma. Na verdade, as normas constitucionais devem projetar-se para além da atividade legiferante, alcançando a atividade de aplicação do direito. Nesse contexto inserem-se os princípios constitucionais. Muito mais do que um comando dirigido ao Legislador, essas espécies de normas são diretrizes de grande relevância e forte carga axiológica para o aplicador da norma. Não podem, portanto, ser desconsideradas no momento de aplicação de qualquer lei. Isso, obviamente, tem aplicação em todos os cortes metodológicos do Direito, tendo em vista que o ordenamento jurídico constitui-se em uma unidade. Os vários ramos do Direito, na verdade, representam cortes metodológicos que facilitam o seu estudo e compreensão. De qualquer sorte, a divisão é meramente didática, já que o Direito não pode, a rigor, ser seccionado. A despeito dessa amplitude de aplicação, neste azo, pretende-se estudar, apenas, o princípio da isonomia e seus reflexos no Direito Processual. O princípio da igualdade, com efeito, encontra assento em nossa Constituição em diversos preceptivos, e a sua projeção no direito processual é evidente, sendo, outrossim, indiscutível a sua relevância pragmática nesta seara do Direito.

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149 Contudo, uma análise da ontologia do princípio da isonomia permite entrever a necessidade de cautela na sua aplicação na relação jurídica processual. Isso significa dizer que, embora sob o rótulo da isonomia – quando considerado sob o seu aspecto puramente formal –, é possível que o magistrado cometa verdadeiras injustiças, afastando, em última análise, o direito processual do direito material. O princípio da igualdade, assim, deve ser compreendido em sua exata dimensão substancial. E é a partir da Constituição Federal que será possível obter-se essa compreensão.

2 PRINCÍPIOS, CONSTITUIÇÃO E PROCESSO Três institutos jurídicos são de fundamental importância para a compreensão dos reflexos processuais do princípio da isonomia no direito processual. São eles: princípios, constituição e processo. 2.1

NORMAS, REGRAS E PRINCÍPIOS

O conceito de princípio, desde a década de cinqüenta até a atualidade, deu azo à elaboração de grandes estudos e reflexões.Tentou-se, inclusive, distinguir princípios de lei, assim como princípios gerais de direito. A Lei de Introdução do Código Civil (LICC), por exemplo, apresenta resquícios dessa tentativa, ao estabelecer em seu art. 4º que “[...] Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito [...]”. A tendência atual, contudo, que tem sido denominada de pós-positivista, tem concedido um outro espectro de análise aos princípios. Os princípios passam a ser considerados como normas encontráveis no ordenamento jurídico que possuem forte carga axiológica. São normas, na verdade, de grande potencial hermenêutico e que possibilitam a solução de diversos problemas de ordem pragmática. De acordo com Bonavides (2002, p. 237), a tendência pós-positivista [...] que corresponde aos grandes momentos constituintes das últimas décadas deste século. As novas Constituições promulgadas acentuam a hegemonia axiológica dos princípios, convertidos em pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais.

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150 Ressalta Espíndola (1999) que é na seara do Direito Constitucional que os princípios ganharam relevância, em especial com as reflexões de Vézio Crisafulli, Robert Alexy, Eduardo Garcia de Enterría e outros. Nesse campo do Direito, os princípios assumiram estruturas e funções normativas muito diferentes das próprias a outros ramos do direito. Não se confundem os princípios, as regras e as normas. Na verdade, princípios e regras são espécies de normas. A distinção entre regra e princípios, portanto, é uma distinção entre dois tipos de normas. Os princípios são normas de grau de generalidade alto e as regras são normas de grau relativamente baixo de generalidade (ALEXY, 2001). Os princípios estão mais próximos da noção de justiça, enquanto as regras podem ter um conteúdo apenas formal. No conflito entre regras, uma regra exclui a outra e os critérios utilizados para a solução desses conflitos são, dentre outros, os seguintes: a lei posterior derroga a anterior; a lei especial derroga a geral; a lei de hierarquia maior tem preponderância em relação à regra de hierarquia menor. Os princípios, de outro lado, não se excluem. Na verdade, apenas preponderam uns em relação aos outros em determinados casos. As regras ou são válidas ou não; já os princípios, ao contrário, podem ser ponderados. Mas o ponto decisivo de distinção entre regras e princípios é que estes são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Os princípios, portanto, são mandatos de otimização, já que podem ser cumpridos em diferentes graus de acordo com as possibilidades reais e jurídicas. As regras, ao contrário, são normas que contêm determinações que devem, ou não, ser cumpridas (ALEXY, 2001). A isonomia é um princípio e não apenas uma regra. Por pertencer àquela espécie de norma jurídica, o princípio da isonomia tem os respectivos atributos. Apresenta, pois, alto grau de abstração e carga axiológica, devendo sempre se aproximar da noção de justo. O seu conteúdo, portanto, não é meramente formal, já que se trata de um verdadeiro axioma para o ordenamento jurídico. 2.2

SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO

Tecidas as considerações sobre as distinções entre normas, regras e princípios, cumpre destacar que todo corte metodológico do Direito deve ser compreendido sempre a partir da Constituição Federal. No Brasil, Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 147-168, jan./dez. 2004


151 durante muito tempo predominou o mau vezo de interpretar o Direito Civil somente com base no Código Civil (CC); o Direito Processual Civil somente com arrimo no Código de Processo Civil (CPC); o Direito Processual Penal, com base exclusivamente no (Código de Processo Penal (CPP), etc. Esse fenômeno, embora tenha se justificado no passado, não pode ser mais admitido modernamente. É importante destacar que Guerra Filho (2002) acentua que o final dos anos sessenta e princípio da década de setenta marca o advento de uma virtual renovação dos estudos de direito processual, quando se passa a enfatizar a consideração da origem constitucional dos institutos processuais básicos. 2.3

CONSTITUIÇÃO E PROCESSO

Tendo em vista que todos os cortes metodológicos do Direito devem observância ao texto constitucional, em relação ao Direito Processual não poderia ser diferente. Na verdade, deve haver estreita correlação entre Constituição e processo, já que ambos destinam-se a limitar a atividade estatal. Na verdade, inúmeros princípios do Direito Processual estão previstos na Constituição Federal. Com efeito, este diploma normativo valorizou sobremaneira a atividade processual como instrumento de proteção aos direitos do cidadão. E, ao fixar os princípios e regras fundamentais norteadores da atividade processual, estabeleceu a tutela constitucional do processo e evidenciou a absorção, na esfera processual, dos valores contidos na ordem político-constitucional. Nesse contexto, o sistema processual deve ser sempre analisado a partir de sua verdadeira fonte normativa – a Constituição. Registre-se, ademais, que, ao se aproximar o processo dos preceitos constitucionais, estar-se-á buscando, em última análise, a plena realização do direito material. Os preceitos constitucionais processuais constituem garantias do jurisdicionado em frente à atividade jurisdicional. Destinam-se, pois, a permitir que a sucessão dos atos do processo seja realizada da forma mais segura possível. Com isso, pretende-se que o julgador obtenha o exato resultado previsto pelo direito material. Não se pode mesmo conceber um sistema de garantias processuais dissociado do direito material (BEDAQUE, 2001a).

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152 3 PRINCÍPIO DA ISONOMIA O direito de igualdade não tem merecido tantos discursos como a liberdade. A igualdade constitui o signo fundamental da democracia. Não admite, pois, os privilégios e distinções que o sistema liberal consagra (SILVA, 2003). O regime de igualdade contraria, na maioria das vezes, os ideais da classe dominante. O conceito de igualdade, ao longo da história, sempre provocou posições extremadas. No que concerne à isonomia, há, basicamente, três orientações: a) a dos nominalistas; b) a dos idealistas e c) a dos realistas. Sustentam os nominalistas que a desigualdade é uma característica do universo. Sob essa ótica, os seres humanos nascem e permanecem sempre desiguais. A igualdade não passa de um mero nome, já que, por natureza, o homem é sempre desigual. Platão e Aristóteles, por exemplo, eram nominalistas e consideravam o estatuto da escravidão como algo de natural (CANOTILHO, 2002). De outro lado, há a orientação daqueles que são chamados de idealistas. Pretendem eles uma isonomia absoluta, isto é, uma plenitude de igualdade entre os diversos seres humanos. Essa era, em essência, a posição de Rousseau, citado por Silva (2003). Ainda, uma terceira orientação, dita realista, reconhece que os homens são desiguais sob múltiplos aspectos. Contudo, consideram que os seres humanos, em essência, não podem ser desiguais. Assim, como seres humanos, todos os homens são iguais, não havendo possibilidade de se admitir qualquer espécie de desigualdade. As desigualdades que eles experimentam são fenomênicas, como a social, a política, a moral etc. A Constituição Federal Brasileira (BRASIL, 1988) prevê o princípio da igualdade em seu art. 5º, caput, ao declarar que “[...] Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”. Notese que o próprio artigo faz menção duas vezes à igualdade, quando menciona que “[...] todos são iguais perante a lei [...]” e “[...] garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à igualdade [...]”. Isso permite entrever a importância que a Constituinte pretendeu conferir ao princípio da isonomia.

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153 Registre-se que em outros preceptivos a Constituição volta a destacar o princípio da isonomia, como no art. 3º, inciso III; art. 5º, inciso I; art. 150, inciso II; e art. 226, § 5º. De qualquer sorte, bastaria o art. 5º, caput, da Constituição Federal, para restar consagrado entre nós o princípio da isonomia. Na verdade, como sustenta Portanova (1999), o princípio da igualdade é um princípio supraconstitucional, no sentido de que outras disposições da Constituição lhe devem obediência e sua repetição em outros preceitos constitucionais, ainda que com roupagem própria, atesta a importância que a Constituinte conferiu a este princípio. Bastaria, por exemplo, a regra geral da isonomia, prevista no art. 5º, caput, da Carta Magna, para que se chegasse à conclusão, por exemplo, de que os direitos decorrentes da sociedade conjugal devem ser exercidos em igualdade de condições pelos cônjuges. 3.1

ISONOMIA FORMAL E MATERIAL

Desde o passado, o homem tem se atormentado com o problema da desigualdade inerente ao seu ser e à estrutura social em que está inserido. Daí ter surgido, segundo Bastos (2002), a noção de igualdade que os doutrinadores comumente denominam de igualdade substancial. Na verdade, a igualdade pode ser analisada por dois prismas: o material e o formal. A igualdade formal é aquela meramente prevista no texto legal. É uma igualdade puramente negativa, que tem por escopo abolir privilégios, isenções pessoais e regalias de certas classes. Consiste no fato de a lei não estabelecer qualquer diferença entre os indivíduos. Situa-se, pois, num plano puramente normativo e formal, pretendendo conceder tratamento isonômico em todas as situações. Pode ser resumida na regra de tratar os iguais e os desiguais de forma sempre igual. De qualquer sorte, o tratamento isonômico não deve redundar necessariamente na idéia de tratamento dos iguais de forma igual. Na verdade, essa noção deve ser vista por outro prisma - o da sua eficácia. Há necessidade, portanto, de o exegeta interpretar o princípio da isonomia considerando os critérios da justiça social. Para Bastos (2002), o princípio da igualdade é um dos princípios de mais difícil tratamento jurídico. Isto se dá em razão do entrelaçamento existente no seu bojo de elementos jurídicos e metajurídicos. A igualdade, com efeito, deve ser avaliada sob o seu aspecto substancial ou material. É necessário tratar os iguais de forma igual e os desiScientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 147-168, jan./dez. 2004


154 guais de forma desigual, na exata medida de suas desigualdades. Vale dizer: as pessoas ou as situações são iguais ou desiguais de modo relativo, ou seja, sob certos aspectos. Nesse contexto, a tendência do constitucionalismo contemporâneo tem sido a de não se limitar à enunciação de um postulado formal e abstrato de isonomia jurídica, mas sim de fixar nas Constituições medidas concretas e objetivas tendentes à aproximação social, política e econômica entre os jurisdicionados (CASTRO, 1983). Deve-se destacar, ainda, que a atividade do Legislador, por si só, já consiste em uma atividade de distinção, ou seja, de classificação. Assim, o Legislador, naturalmente, já deve conceder um tratamento diversificado em relação às diversas classes sociais. Por exemplo: somente o portador de determinado título acadêmico pode exercer certa profissão. A questão, contudo, não se limita somente ao tratamento diversificado que deve ser concedido pelo editor normativo. Mais do que isso, deve-se analisar os limites e os parâmetros empreendidos nessa classificação. Assim, não basta apenas que a lei trate de forma desigual pessoas em situações desiguais e igualmente pessoas em situações iguais. É necessário que esse tratamento seja razoável, proporcional e justificado. Para Portanova (1999, p. 39) [...] o tratamento jurídico do princípio da igualdade não se coaduna com uma idéia formalista e ingenuamente neutra de ver o direito. Sem dúvida, a boa aplicação do princípio em exame exige o entrelaçamento de elementos jurídicos e metajurídicos, a fim de que não se caia num idealismo que obstaculize sua implementação.

3.2

IGUALDADE JURISDICIONAL

O princípio da igualdade consubstancia uma limitação ao legislador. O resvalo ao seu conteúdo pode implicar inconstitucionalidade. De qualquer sorte, é na esfera jurisdicional que a isonomia ganha campo. Por outras palavras: é no momento da aplicação das normas jurídicas que o princípio da isonomia ganha destaque. O juiz deve sempre conceder à norma um entendimento que não crie distinções onde elas não devam existir.

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155 A Constituição Brasileira, pretendendo dar efetividade à isonomia, veda a criação de juízos ou tribunais de exceção (art. 5º, inciso XXXVII), o que constitui uma das vertentes do princípio do juiz natural. Não se trata de vedação à criação de justiças especializadas, já que o próprio texto constitucional prevê justiças especiais, como a trabalhista, a eleitoral e a militar. A proibição refere-se à criação de tribunais ex post factum, isto é, tribunais criados especificadamente para julgar determinados casos. Por outro lado, refere-se à garantia de que ninguém será processado e julgado senão por um juiz competente (art. 5º, inciso LIII). A isonomia está assegurada, também, ainda que do prisma estritamente formal, no art. 5º, inciso XXXV, do texto da Constituição Federal. Tal preceptivo assegura a inafastabilidade do controle jurisdicional, não distinguindo qualquer hipótese. Com isso, é possível que qualquer pessoa busque a atividade jurisdicional. De qualquer modo, a inafastabilidade do controle jurisdicional, por si só, não assegura a isonomia. Assegura, na verdade, apenas uma igualdade formal. Como lembra Cappelletti, citado por Silva (2003, p. 219), “[...] tratar como iguais sujeitos que econômica e socialmente estão em desvantagem, não é outra coisa senão uma ulterior forma de desigualdade e injustiça.” De acordo com Bedaque (2003, p. 73) [...] a inafastabilidade do Poder Judiciário não pode representar garantia formal de exercício do direito de ação. É preciso oferecer condições reais para a utilização desse instrumento, sempre que necessário. De nada adianta assegurar contraditório, ampla defesa, juiz natural e imparcial, se a garantia de acesso ao processo não for efetiva, ou seja, não possibilitar realmente a todos meios suficientes para superar eventuais óbices existentes ao pleno exercício dos direitos em juízo.

A plena realização da justiça exige, assim, a isonomia substancial. É necessário, portanto, conceder-se um tratamento diversificado àqueles que se encontram em situações distintas. O princípio da isonomia substancial, não resta dúvidas, constitui-se em verdadeiro manancial hermenêutico para que o magistrado, através do processo judicial, possa reduzir desigualdades e disparidades existentes entre os litigantes, de modo a aproximar a sua decisão dos critérios norteadores da Justiça.

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156 Ao discutir o assunto, Portanova (1999, p. 42-43) pondera que [...] Em cada auto processual, mais do que um número, existem pessoas humanas que debatem muita vezes direitos sociais relevantíssimos, com a moradia, a alimentação, o trabalho e a saúde. Esses litigantes, para alcançarem os objetivos constitucionais, a efetiva participação, a efetividade e os escopos do processo, não podem litigar em desequilíbrio de forças. A decisão judicial, em face da carga política que representa e em razão da responsabilidade social que lhe é imanente, só pode vir após absoluta garantia de que as partes litigaram em igualdade de condições. Só assim se terá a razoável certeza de que a decisão da justiça não foi fruto de esperteza de uma das partes, mas fruto de um debate jurídico igual.

4 REFLEXOS DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA NO DIREITO PROCESSUAL O princípio da isonomia apresenta diversos reflexos no direito processual sendo, modernamente, considerado inquestionável. Nesse sentido, pode-se citar Bedaque (2001b, p. 96) ao destacar que “[...] A garantia constitucional da isonomia deve, evidentemente, refletir-se no processo. Vários são os princípios proclamados pela doutrina moderna e adotados pela quase totalidade das legislações, visando a garantir a igualdade das partes.” Durante muito tempo, predominou o entendimento de que o juiz deveria promover a igualdade das partes na esfera processual apenas em seu aspecto formal, o que aproximava o postulado da concepção nominalista de igualdade. Esse entendimento justificava-se sob o argumento de evitar a quebra da imparcialidade do julgador. Modernamente, contudo, esse paradigma está sendo redimensionado. Na verdade, a migração do critério formal da isonomia para o substancial redundou em alterações relevantes na interpretação de certos dispositivos da lei processual. Em última análise, pretendeu-se com isso aproximar os resultados do processo ao seu escopo social - pacificar com justiça. Nesse contexto, é fundamental que o magistrado considere as diferenças sociais, políticas e econômicas existentes entre os demais sujeitos da relação processual. O julgador deve estar atento

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157 para as especificidades dos envolvidos em cada lide, para que possa promover a igualização entre as partes (PORTANOVA, 1999, p. 41). Na concepção de Calamandrei (1999, p. 331), [...] as partes, enquanto pedem justiça, devem ser colocadas no processo em absoluta paridade de condições’; mas o novo processo tem percebido que a afirmação puramente jurídica da igualdade das partes pode se transformar em letra morta, se depois, no caso concreto, a disparidade de cultura e de meios econômicos põe a uma das partes em condições de não se poder servir dessa igualdade jurídica, porque o custo e as dificuldades técnicas do processo, que a parte acaudalada e culta pode facilmente superar com os próprios meios e se fazendo assistir, sem economizar nada, por defensores competentes, cabe que constituam, por outro lado, para a parte pobre um obstáculo freqüentemente insuperável na via da justiça.

Essa igualização na esfera processual encontra-se em perfeita harmonia com as diretrizes constitucionais. Não se pode olvidar que, mais do que mera formulação de pedido ao Judiciário, a Constituição assegura a todos o efetivo acesso à ordem jurídica justa (BEDAQUE, 2003). Pretende-se, neste ensejo, dada a exigüidade deste trabalho, analisar apenas alguns reflexos do princípio da isonomia no direito processual. Inicia-se esse estudo pelos reflexos da isonomia na atividade probatória desenvolvida pelo magistrado. 4.1

ATIVIDADE PROBATÓRIA DO JUIZ

A doutrina nacional mais abalizada vem defendendo uma maior atuação do juiz no processo quando da instrução probatória, em detrimento da clássica orientação decorrente do princípio dispositivo. Na verdade, essa maior ingerência do juiz justifica-se sob o aspecto dinâmico e substancial do princípio da isonomia. Sobre essa questão, Bedaque (2001b, p. 96-97) enfatiza que [...] entre as regras que não asseguram a real igualdade entre os litigantes, encontra-se a da plena disponibilidade das provas, reflexo de um superado liberal-individualismo, que não mais

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158 satisfaz as necessidades da sociedade moderna, pois pode levar as partes a uma atuação de desequilíbrio substancial.

Registre-se, contudo, que a orientação em sentido contrário é que prepondera. Segundo Negrão e Gouvêa (2003, p. 225), por exemplo, “[...] o juiz não pode dar mão forte a uma das partes, em detrimento da outra, com a finalidade de suprir deficiência probatória em que aquela incorreu.” A participação ativa do juiz na atividade probatória não o torna parcial, violando o princípio da imparcialidade ou o da isonomia. Na verdade, essa participação efetiva do juiz na produção das provas consiste em um mecanismo fundamental para que eventuais desigualdades sociais, técnicas e econômicas possam ser mitigadas no processo. O processo, com efeito, deve ser dotado de mecanismos capazes de atenuar as desigualdades existentes entre as partes. E, nesse contexto, não restam dúvidas de que a maior participação do juiz na instrução probatória possibilita a busca de uma igualdade real, substancial, como afirma Bedaque (2001b), A real igualdade das partes do processo somente se verifica quando a solução encontrada não resultar da superioridade econômica ou da astúcia de uma delas. O processo não é um jogo, em que o mais capaz sai vencedor, mas um instrumento de justiça com o qual se pretende encontrar o verdadeiro titular de um direito (p. 100). Considerando que a parte mais fraca não tem as mesmas possibilidades que a mais forte de trazer para os autos as provas necessárias à demonstração de seu direito, a ausência de iniciativa probatória pelo juiz corresponde a alguém assistir passivamente a um duelo entre o lobo e cordeiro. Evidentemente, não estará atendido o princípio da igualdade substancial que, segundo a moderna ciência processual, deve prevalecer sobre o da mera igualdade formal. E, em razão dessa passividade do julgador, provavelmente se chegará a um resultado diverso daquele desejado pelo direito material. Ou seja, o objetivo do processo não será alcançado (p. 103).

Destaque-se, inclusive, que o próprio CPC, em matéria probatória, confere instrumento eficiente para os magistrados atenuarem eventuais Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 147-168, jan./dez. 2004


159 disparidades existentes entre as partes. Trata-se do art. 130 do citado codex, que reza o seguinte: “[...] Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo.” Percebe-se, assim, que a maior participação do juiz na atividade probatória não viola o princípio da isonomia. Ao revés: constitui instrumental apto a propiciar a igualdade substancial, já que aos desiguais deverá ser concedido tratamento desigual. A deficiência de uma das partes, seja ela econômica ou técnica, deverá ser mitigada através da atividade do magistrado. Ademais, nesse contexto, pode-se vaticinar o seguinte, citando Portanova (1999, p. 46-47): É ilusão imaginar que todos os advogados tenham a mesma capacidade de defender seus clientes. O interesse público que rege também o processo civil está a exigir do juiz cível a mesma atenção do juiz criminal. Isso significa não só a promoção da prova independentemente do requerimento das partes, mas também cuidado com a qualidade da defesa nos interesses da parte.

Essa participação ativa justifica-se na medida em que aproxima o processo do direito material. Para alcançar a vontade da lei substantiva, poderá o magistrado valer-se de uma maior participação na atividade probatória. Não há, pois, violação da isonomia nessa conduta: ao contrário, busca-se com ela exatamente a isonomia material, concedendose tratamento diversificado para pessoas em situações diferentes. 4.2

PRAZO DIFERENCIADO DO ART. 188 DO CPC

O art. 188 do CPC concede ao Ministério Público, à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como às suas autarquias e fundações prazo em dobro para recorrer em quádruplo para contestar. Indaga-se, então, sobre a possível violação do princípio da isonomia deste preceito, já que concede prazos processuais diferenciados para determinados entes. A doutrina se divide a respeito da constitucionalidade do dispositivo. Lucon (1999), por exemplo, sustenta que o art. 188 é inconstitucional. Trata-se, segundo o autor, de vantagem inadmissível por violar frontalmente a Constituição Federal no que diz respeito à igualdade no processo. Entretanto, essa não é a ótica de outros estudiosos ao afirmarem que, tecnicamente, não se trata de dispositivo inconstitucional, vez que o preceito foi editado antes da Constituição de 1988. Não poderia, assim, Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 147-168, jan./dez. 2004


160 ser constitucional ou não em relação a uma Constituição que não existia à época de sua edição. Trata-se, aqui, de analisar a recepção ou não da norma, com a sua respectiva revogação ou não. Nesse sentido, pode-se citar o seguinte: Como ensinado por Paulo Brossard, é por esta singelíssima razão que as leis anteriores à Constituição não podem ser inconstitucionais em relação a ela, que veio a ter existência mais tarde. Se entre ambas houver inconciliabilidade, ocorrerá revogação, dado que a lei posterior revoga a lei anterior com ela incompatível, e a lei constitucional, como lei que é, revoga as leis anteriores que se lhe oponham (MORAES, 2000, p. 612).

Grinover, citado por Rosas (1999) e por Alves (2003) sustenta que não há inconstitucionalidade na previsão de um prazo diferenciado, mas sim na sua enormidade. De acordo com esse entendimento, portanto, à Fazenda Pública devem ser concedidos prazos processuais diferenciados, mas que não sejam tão extensos. Entretanto, a dificuldade para admissão dessa orientação encontra-se na mensuração do prazo adequado. Qual o critério para definir-se o prazo diferenciado da Fazenda Pública e do Ministério Público? É bem verdade que o critério da razoabilidade pode ser utilizado aqui. Contudo, esse critério não fornece também parâmetros objetivos para definição da extensão do prazo. Trata-se de critério eminentemente subjetivo, já que determinado prazo pode ser razoável para uma pessoa, enquanto que para outra, não. Nery Júnior (1999) e Moares (2000) sustentam a constitucionalidade do art. 188 do CPC. Na verdade, o princípio constitucional da isonomia deve ser entendido em relação à Fazenda Pública e ao Ministério Público em seu sentido substancial. Assim, deve-se conceder tratamento desigual aos desiguais, na exata medida das suas desigualdades. Quais seriam, contudo, as desigualdades da Fazenda Pública se comparada ao particular? A primeira desigualdade refere-se ao volume de trabalho das Procuradorias dos entes públicos e do Ministério Público. O problema é apontado pela doutrina, que se refere à exacerbada carga de trabalho de certas procuradorias, como bem destaca Moraes (2000, p. 70), ao afirmar que

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161 [...] Chega-se a duas mil ou a três mil ações [...]. Atualmente, existem advogados na Procuradoria do Estado de São Paulo que acompanham doze mil ações em dezessete comarcas diferentes [...] Situações similares ocorrem nas diversas Prefeituras, na União e nas procuradorias dos demais Estados.

Enquanto ao advogado privado é possível a seleção das ações que lhe interessem, assim como lhe é possível controlar o volume de trabalho, o Ministério Público e os procuradores do Estado não podem selecionar as causas em que atuarão. Devem, obrigatoriamente, funcionar em todas elas. Assim, se os prazos para as Fazendas Públicas e o Ministério Público contestarem e recorrerem fossem iguais aos dos particulares haveria violação à isonomia. Com efeito, estar-se-ia concedendo tratamento igual a pessoas em situações distintas. Embora essa idéia seja correlata à de isonomia formal, viola a igualdade substancial. Ademais, não se pode olvidar também que quem litiga com a Fazenda Pública ou com o Ministério Público não está enfrentando um particular. Na verdade, está litigando contra o próprio povo. Esse aspecto justifica o prazo diferenciado concedido pelo legislador às precitadas entidades (NERY JÚNIOR, 1999). Neste sentido, pode-se dizer, sintetizando, que existe um efetivo e necessário desequilíbrio em favor da Administração, do Estado, da Fazenda Pública, justamente porque ela tutela o interesse de todos. Então, é este o fundamento para que haja um desequilíbrio que se vai refletir no processo também (COSTA, 2000, p. 81).

4.3

REMESSA NECESSÁRIA

O art. 475 do CPC determina quais são os casos de remessa necessária. O referido preceptivo, em seu inciso primeiro, determina que está sujeita ao duplo grau necessário a sentença proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as respectivas autarquias e fundações. Indaga-se sobre a constitucionalidade do preceito à luz do princípio da isonomia. Segundo Lucon (1999), a regra do reexame necessário somente encontra respaldo no Brasil e na Colômbia. Na verdade, o benefício não Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 147-168, jan./dez. 2004


162 se justifica à luz do princípio da isonomia. Com efeito, não há por que não se conferir eficácia à decisão proferida pelo juiz de primeiro grau na hipótese de ser ela contrária à Fazenda Pública. Pensar de modo diverso, implicaria, necessariamente, admitir que todas as ações movidas contra a Fazenda Pública deveriam ser da competência originária dos Tribunais, para o fim de prestigiar o princípio informativo da economia processual. Nery Júnior (1999), embora destaque que a remessa necessária não é inconstitucional, ressalta que, em relação ao duplo grau necessário, deve ser aplicado o princípio translativo. De modo que, em sede de remessa necessária, dever-se-ia admitir a possibilidade de reformatio in pejus contra a Fazenda Pública, por vigorar o princípio inquisitivo, e não o dispositivo. Por essa razão, é incorreto o fundamento do verbete da súmula 45 do Supremo Tribunal de Justiça, que diz não poder haver piora da situação da Fazenda Pública no julgamento da remessa necessária. 4.4

FORO PRIVILEGIADO DA MULHER: A REGRA DO ART. 100, INCISO I DO CPC

O art. 100, inciso I, do CPC, estabelece a competência do foro do domicílio da mulher para a ação de separação dos cônjuges e a conversão desta em divórcio, assim como para a de anulação de casamento. Trata-se de foro privilegiado da mulher para responder às ações que o preceito especifica. Indaga-se sobre a constitucionalidade do dispositivo, tendo em vista o disposto no art. 5º, inciso I, da Constituição Federal, assim como o art. 226, § 5º, que estabeleceu a plena isonomia entre homens e mulheres. Justifica-se, assim, o privilégio de foro da mulher para responder a determinadas ações ante a paridade de tratamento concedida ao homem e à mulher pela Constituição Federal? Deve-se destacar que, num primeiro momento, a doutrina passou a entender que o art. 100, inc. I, do CPC, era inconstitucional. Assim, como afirma Fraga (2003, p. 531), [...] inicialmente, sustentaram [alguns] autores que, após a consagração do já mencionado princípio da isonomia entre homem e mulher, não haveria mais que falar na permanência do foro privilegiado desta nas hipóteses de separação, conversão da separação em divórcio e anulação de casamento, por não ter tal norma sido recepcionada. Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 147-168, jan./dez. 2004


163 Ultrapassada a euforia inicial na exegese do art. 5º, caput, da Cnstituição Federal, a doutrina e a jurisprudência passaram a tecer outros argumentos ora a favor da permanência do foro privilegiado, ora contra. Nesse sentido, pode-se consignar o seguinte: Todavia, ultrapassado o impacto inicial, a jurisprudência e a doutrina começaram a tecer outros argumentos, às vezes no sentido da permanência do ali estatuído, sob o fundamento de que a ruptura da relação matrimonial provocaria na mulher uma certa hipossuficiência, por representar naquele momento a parte da relação mais sacrificada, o que faria merecer o dito foro privilegiado e, em outras, sustentando a não recepção do dispositivo, por força do comando imperativo constitucional que vedaria o tratamento desigual (FRAGA, 2003, p. 531).

Na verdade, ainda hoje, doutrina e jurisprudência não se pacificaram a respeito da matéria. É bem verdade que é necessário proceder a uma reflexão sobre as mudanças na ordem social ocorridas nos últimos tempos. A mulher, com efeito, passou a ocupar na sociedade posição de destaque, inclusive com reflexos na esfera profissional dignos de encômios. De qualquer modo, há, ainda, situações de evidente desvantagem entre homem e mulher. Basta imaginar aquelas mulheres que, trilhando a concepção dominante na sociedade do século passado, se dedicaram exclusivamente ao lar, deixando de lado o exercício de qualquer atividade laboral. A análise da constitucionalidade do art. 100, inciso I, do CPC, deve ser com base nessas considerações. Não se pode afirmar peremptoriamente a inconstitucionalidade do dispositivo por violação à regra da isonomia. Na verdade, a regra do art. 100, inciso I, do CPC, deve ter a sua interpretação compatibilizada com o princípio da igualdade, em especial o substancial. Para Fraga (2003, p. 534) Na moderna ordem social, caberia verificar qual dos cônjuges seria merecedor do for privilegiado. Teríamos, então, a efetiva utilização do princípio da igualdade das partes. A simples interpretação de que o texto legal não teria sido recepcionado é reducionista. [...] Entender-se que o inciso I, do artigo 100 do CPC, continua em vigor, tendo sido recepcionado pela atual ConstituiScientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 147-168, jan./dez. 2004


164 ção, parece-nos mais adequado, desde que sua nova leitura seja realizada, com a consagração do princípio da igualdade proporcional, que permitirá sua utilização não somente pelo cônjuge mulher, mas, também, pelo cônjuge varão, desde que este, ostentando concretamente a condição de hipossuficiente, faça jus à proteção legal.

4.5

INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO CDC

Reza o art. 6º, inciso VIII, do CDC, que [...] São direitos básicos do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias da experiência.

Trata o dispositivo da possibilidade de inversão do ônus probandi em favor do consumidor, caracterizando uma forma de facilitação da defesa da parte vulnerável e mais fraca na relação jurídica material, o que parece se coadunar, perfeitamente, com o princípio da isonomia. Na verdade, a isonomia meramente formal implicaria a impossibilidade de inversão do ônus da prova em favor de apenas uma das partes. De qualquer forma, a isonomia substancial parece encontrar campo nessa técnica utilizada pelo legislador. Com efeito, pela inversão do ônus da prova, visa-se equiparar partes que estão em situações de desigualdade. Isso representa exatamente a essência da isonomia substancial. É notório que, na relação de consumo, o consumidor é parte mais fraca se comparado ao fabricante. Essa desigualdade resulta de fatores econômicos, técnicos etc. Assim, a técnica adotada pelo legislador de permitir a inversão do ônus da prova em favor do consumidor atende, em última análise, ao princípio da igualdade material. Para Nery Júnior (1999, p. 1805) [...] Trata-se de aplicação do princípio constitucional da isonomia, pois o consumidor, como parte reconhecidamente mais fraca e vulnerável na relação de consumo (CDC 4º I), tem de ser tratado de forma diferente, a fim de que seja alcançada a igualdaScientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 147-168, jan./dez. 2004


165 de real entre os partícipes da relação de consumo. O inciso comentado amolda-se perfeitamente ao princípio da constitucional da isonomia, na medida em que trata desigualmente os desiguais, desigualdade essa reconhecida pela própria lei.

Nessa mesma direção, encontra-se a opinião de Barroso (2003).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O princípio da isonomia deve ser aplicado na esfera processual. Com efeito, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, caput, não estabeleceu qualquer distinção ao afirmar que todos são iguais perante a lei em direitos e deveres. A garantia constitucional da isonomia deve, evidentemente, refletir-se no campo do direito processual. De qualquer sorte, modernamente, o princípio da isonomia deve ser compreendido não apenas sob o seu aspecto formal. Muito mais do que isso, deve ser compreendido pelo prisma substancial, de modo que se tratem os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na exata medida das suas desigualdades. Essa igualdade material, contudo, não se destina a justificar diferenças sociais, como sustentava, por exemplo, Aristóteles. Ao revés, a isonomia substancial deve ser um instrumento de realização da justiça social e de mitigação das disparidades existentes na sociedade. Somente a plena equiparação dos litigantes pode propiciar um resultado justo no processo. O magistrado, nesse passo, não pode ser inerte, isto é, figurar no processo como um mero espectador. Deve ser um efetivo agente construtor de uma nova ordem jurídica, mais justa e equânime. Na verdade, a isonomia meramente formal constitui resquício de sistemas autoritários, tendo em vista que limita a atividade do juiz, concedendo às partes uma igualdade apenas negativa; isto é, não permite ao juiz estabelecer qualquer distinção entre os litigantes. O processo moderno não pode se coadunar com essa orientação. Com efeito, um regime político democrático implica necessariamente a existência de um processo também democrático. E o processo, para ser democrático, demanda contraditório e, sobretudo, igualdade substancial. É necessário, então, tratar-se os iguais de Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 147-168, jan./dez. 2004


166 forma igual e os desiguais de forma desigual exatamente para ser afastado qualquer tipo de desigualdade. Desse modo, inclusive, o direito processual aproximar-se-á do direito substancial, permitindo que a vontade da lei seja atuada da forma mais exata possível. Ademais, o conteúdo dinâmico do princípio da isonomia não pode ser jamais olvidado. O princípio da igualdade deve ser dinâmico no sentido de promover a igualização das condições entre as partes de acordo com as respectivas necessidades. Assim, evitar-se-ão, dentro do processo, o excesso e o abuso do poder econômico sobre os cidadãos, principalmente sobre os menos favorecidos na relação jurídica material ou processual (PORTANOVA, 1999).

REFLEXES OF THE PRINCIPLE OF EQUALITY IN THE PROCEDURAL RIGHT ABSTRACT It treats of the principle of the equality and their reflexes in the procedural right. Firstly, it approaches the relationship among norms, constitution and process, detaching the constitutional supremacy. Analyzes the formal and substantial conception of the principle of the equality. Soon afterwards, it approaches the reflexes of the principle of the equality in relation to the following aspects: the judge’s probatory activity; privileged period of Public Finance and of the Public prosecution service; necessary remittance; the woman’s privileged forum for certain actions and inversion of the obligations of the proof in law of the consumer’s defense. Keywords: Principle of equality. Equality. Procedural right.

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167 BASTOS, C. R. Curso de direito constitucional. C. Bastos: São Paulo, 2002. BEDAQUE, J. R. dos S. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2001a. ______. Poderes instrutórios do juiz. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001b. ______. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização). 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2003. BONAVIDES, P. Curso de direito constitucional. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2002. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. CALAMANDREI, P. Direito processual civil. Campinas: Bookseller, 1999. v. 1. CANOTILHO, J. J. G. Direito constitucional e teoria da constituição. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002. CASTRO, C. R. de S. O princípio da isonomia e a igualdade da mulher no direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1983. COSTA, R. H. As prerrogativas e o interesse da Justiça. In: BUENO, C. S.; SUNDFELD, C. A. Direito processual público: a Fazenda Pública em juízo. São Paulo: Malheiros, 2000. ESPÍNDOLA, R. S. Conceito de princípios constitucionais: elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. FRAGA, T. A. O princípio da igualdade das partes e uma releitura do art. 100 do CPC à luz da Constituição e do Novo Código Civil. In: ANDRADE, A. (Org.). A constitucionalização do direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. GUERRA FILHO, W. S. Teoria processual da constituição. 2. ed. São Paulo: C. Bastos, 2002. LUCON, P. H. dos S. Garantia do tratamento paritário das partes. In: TUCCI, J. R. C. e (Org.). Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

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UMA EXPERIÊNCIA UTILIZANDO O SIMULATED ANNEALING

ESTER MARIA KLIPPEL1 ELIZABETH MARIA KLIPPEL AMANCIO PEREIRA2 SAMIR NICOLI MANSUR3

1

Mestre em Informática pela Universidade Federal do Espírito Santo. Professora do Centro Universitário Vila Velha. E-mail: ester@uvv.br. 2 Mestre em Informática pela Universidade Federal do Espírito Santo. Professora do Centro Universitário Vila Velha. E-mail: elizabeth@uvv.br 3 Graduando do Curso de Ciência da Computação do Centro Universitário Vila Velha. Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 169-179, jan./dez. 2004


170 RESUMO Descreve a meta-heurística de otimização Simulated Annealing e sua utilização no tratamento do problema de alocação de disciplinas às salas de aula. A meta-heurística baseia-se no processo físico da têmpera de alguns metais, onde se busca, através de variações de energia e temperatura, alcançar o melhor estado de consistência e rigidez para o material. O objetivo é utilizar a meta-heurística para encontrar a melhor alocação das disciplinas, considerando o número de alunos, a disponibilidade e capacidade das salas e os horários de aula. Palavras-chave: Otimização. Meta-heurística. Alocação de disciplinas às salas de aula. Têmpera simulada.

1 INTRODUÇÃO O problema alocação de disciplinas às salas de aula diz respeito à distribuição de disciplinas, com horários previamente estabelecidos às salas de aula, levando em consideração um conjunto de restrições de várias naturezas (SOUZA; MARTINS; ARAÚJO, 2002). Este problema se repete semestralmente ou anualmente, ocasionando a necessidade de adequação das salas à quantidade de alunos matriculados e às particularidades de cada disciplina. Em geral, as instituições realizam este trabalho de forma manual, e cada alteração realizada na alocação de alguma disciplina, ocasiona sérios transtornos, além de prejuízos financeiros com a ocorrência de salas com carga horária não sendo utilizadas na totalidade. O problema alocação de disciplinas às salas de aula pode ser considerado como uma parte integrante do problema de programação de cursos, modelado na Figura 1.

Figura 1 – Problema de programação de cursos Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 169-179, jan./dez. 2004


171 A solução manual do problema de alocação de disciplinas às salas de aula é uma tarefa árdua e normalmente requer vários dias de trabalho. Além do mais a solução pode ser insatisfatória com relação a vários aspectos, por exemplo, em função da alocação feita, pode haver em um dado horário um fluxo acentuado de alunos deslocando-se de salas com conseqüente perturbação no ambiente. Dada a dificuldade de se obter uma solução manual, a característica combinatória e a difícil generalização em virtude da quantidade de variantes que o problema pode assumir, este vêm sendo objeto de estudo de vários pesquisadores, que buscam uma solução automatizada. Entretanto, sua automação não é uma tarefa das mais simples, pois o problema é NP-difícil, o que, em casos reais, dificulta ou até mesmo impossibilita sua resolução por técnicas de programação matemática, ditas exatas. Assim sendo, esse problema é normalmente abordado através de técnicas heurísticas, que apesar de não garantirem a otimalidade, conseguem, em geral, gerar soluções de boa qualidade sem um elevado custo computacional. Dentre as heurísticas, destacam-se as chamadas meta-heurísticas, que têm caráter geral e são dotadas de mecanismos para escapar de ótimos locais. Como possíveis meta-heurísticas a serem aplicadas ao problema podemos destacar, dentre outras: Simulated Annealing, Genetic Algorithm, Tabu Search e Ant Colony. O presente trabalho focaliza o problema de alocação de disciplinas às salas de aula do prédio de Ciências Exatas e Tecnológicas do Centro Universitário Vila Velha, no qual, a cada período letivo, as disciplinas devem ser designadas às salas, procurando-se evitar a ociosidade, adequando o número de alunos à capacidade das salas, evitando sobreposição de horários, e atendendo às particularidades de algumas disciplinas. O prédio de Ciências Exatas e Tecnológicas recebe, em média, 3000 alunos por semestre e oferece cerca de 40 (quarenta) disciplinas nos turnos matutino e noturno. As aulas são realizadas de segunda a sexta-feira. Para realização das aulas estão disponíveis 30 (trinta) salas, 7 (sete) laboratórios de informática e 1 (um) laboratório de Física. Os horários das aulas são confeccionados previamente pelas Coordenações de Curso e encaminhados ao setor de apoio para que se faça a alocação das disciplinas às salas. Para resolver a questão propomos um ambiente integrado de resolução de problemas, onde utilizaremos métodos meta-heurísticos para a obtenção de uma metodologia alternativa de solução. As principais Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 169-179, jan./dez. 2004


172 contribuições esperadas com a conclusão deste trabalho são: melhorar a qualidade dos serviços prestados aos alunos, diminuir a ociosidade do espaço físico disponível e disseminar a utilização de técnicas de Pesquisa Operacional. Este trabalho está organizado como segue. Na seção 2 descreve-se o problema, modelando-o como um problema de Programação Linear Inteira. Na seção seguinte detalha-se a meta-heurística a ser usada para tratar o problema. A seção 4 traz uma proposta de adequação da meta-heurística ao problema.

2 CARACTERIZAÇÃO DO PROBLEMA DE ALOCAÇÃO DE DISCIPLINAS ÀS SALAS DE AULA O problema de alocação de disciplinas às salas de aula pode ser considerado como sendo um problema de Programação Linear Inteira onde os recursos estão sendo alocados às atividades numa base de um para um. O problema de alocação de disciplinas às salas de aula pode ser caracterizado por três conjuntos: - conjunto H = {h1, h2, ..., hp} de p horários de aula; - conjunto D = {d1, d2, ..., dm} de m disciplinas; e - conjunto S = {s1, s2, ..., sn} de n salas. A solução do problema visa evitar a ociosidade no uso das salas enquanto atende a restrição de sobreposição de horários no sentido de que uma sala deve alocar no máximo uma disciplina em um determinado horário e uma disciplina pode estar no máximo em uma sala em um mesmo horário; a restrição de adequação da capacidade da sala ao número de alunos matriculados; e, a restrição que trata da adequação dos recursos oferecidos pela sala às particularidades exigidas pela disciplina.

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173 Um horário de aula hk pertencente a H, para k=1,...,p, pode ser caracterizado pelos seguintes parâmetros: - curso; - disciplina; - turma; - professor; - turno (matutino, vespertino ou noturno); - dia da semana (segunda, terça, quarta, quinta ou sexta-feira); e - aula (primeira, segunda, terceira, quarta, quinta ou sexta). Cada horário é caracterizado pela sua duração, pelo assunto e pelos participantes, professores e alunos, que devem reunir-se para a sua realização. Assim, um horário define um período de horas durante o qual os respectivos participantes estão disponíveis para a sua realização, de tal forma que sejam satisfeitos os requisitos fundamentais, de que cada participante esteja vinculado a não mais do que uma aula ao mesmo tempo, ou seja, um professor não pode ministrar aula para mais de uma turma ao mesmo tempo e uma turma não pode ter aula com mais de um professor em um mesmo horário. Assumiremos, no presente trabalho, que horários viáveis das disciplinas já estão devidamente definidos. Uma disciplina di pertencente a D, para i=1,...,m, pode ser caracterizada pelos seguintes parâmetros: - curso a qual pertence; - carga horária total; - carga horária semanal; - área do conhecimento; - horário; - número de alunos matriculados; e - tipo de sala utilizada (sala de aula, laboratório de informática ou física, etc.).

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174 Assumiremos, no presente trabalho, que as matrículas já foram efetuadas. Uma sala sj pertencente a S, para j=1,...,n, pode ser caracterizada pelos seguintes parâmetros: - prédio; - destinação (sala de aula, laboratório de informática, laboratório de física, etc.); - capacidade; - conjunto de horários semanais nos quais a sala j está disponível para ser alocada a alguma disciplina do conjunto D. Este conjunto visa definir horários para limpeza e preparação da sala j. Considerando a variável de decisão xijk abaixo definida:

Podemos modelar o problema de alocação de disciplinas às salas de aula como segue:

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175 A restrição (i) garante que uma sala deve alocar, no máximo, uma disciplina no mesmo horário. A restrição (ii) garante que uma disciplina pode estar, no máximo, em uma sala no mesmo horário. A restrição (iii) garante que o número de alunos matriculados em uma disciplina não deve ultrapassar a capacidade da sala para ela alocada. A restrição (iv) garante que uma sala deve ser adequada as exigências da disciplina a ela alocada. Uma solução viável para as restrições (i), (ii), (iii) e (iv) representa uma alocação de disciplinas às salas. A função-objetivo, ao minimizar o nível de ociosidade das salas, combate, em cada disciplina e horário, a ociosidade do espaço físico disponível.

3 A META-HEURÍSTICA TÊMPERA SIMULADA – SIMULATED ANNEALING A meta-heurística Simulated Annealing corresponde à simulação algorítmica do processo físico de têmpera de certos materiais, que consiste em submetê-los inicialmente a altas temperaturas e reduzi-las gradualmente até atingirem, com aumentos e reduções do estado de energia, o equilíbrio térmico, tornando-os consistentes e rígidos. Desde o início da década de 80, quando alguns métodos e algoritmos baseados nessa teoria foram propostos, o Simulated Annealing vem sendo utilizado, de forma eficiente e de fácil implementação e aplicação, para resolver problemas genéricos de otimização combinatória, sendo uma meta-heurística com enfoque principal em problemas de minimização, podendo ser facilmente adequada a problemas de maximização através de pequenas alterações nas funções. Segundo Reeves (1993), o Simulated Annealing pode ser considerado como uma variação da técnica de busca local (busca em vizinhança), onde as soluções são encontradas movendo-se repetidamente pelas soluções vizinhas. Entretanto, no Simulated Annealing as movimentações são sempre feitas em direção à melhor solução. Tratando-se do processo físico da têmpera simulada, pode-se dizer que em altas temperaturas as partículas do material estão totalmente desorganizadas, o que representaria um estado inicial aleatório de um problema de otimização (geralmente distante da configuração ótima desejada). Pequenas alterações na posição dessas partículas (perturScientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 169-179, jan./dez. 2004


176 bações) resultam em alterações de energia para mais ou para menos, o que equivale a uma alteração no valor da função objetivo. Ao variarmos a energia, segundo Viana (1998), temos três situações possíveis: 1. Redução de energia: a variação é aceita, pois o novo estado é melhor que o anterior. 2. Energia equivalente: a configuração não foi alterada pela perturbação, ou por uma coincidência pouco provável; os dois estados distintos têm a mesma energia. 3. Aumento de energia: a novo estado é pior que o anterior, sendo então descartado na maioria das situações. Obviamente o objetivo do processo é sempre caminhar para soluções mais próximas da solução ótima, tornando o problema o menos dependente possível do estado inicial, porém, resultados onde o aumento de energia foi pequeno podem ser aceitos, dependendo do momento e do contexto do problema. Quanto mais baixa estiver a temperatura do processo menor a possibilidade de ser aceita uma perturbação que provoque um aumento de energia. Um certo número de configurações é aceito para cada temperatura T, limitado por um parâmetro de entrada L, ou até que seja atingida a estabilidade, isto é, nenhuma alteração considerável foi percebida após um certo número de perturbações. Após atingir o equilíbrio, o processo é repetido iterativamente diminuindo gradualmente a temperatura até que se aproxime de zero. A redução da temperatura é feita através de funções e do parâmetro á, como por exemplo:

Ti = a.T(i-1), onde Ti é a temperatura inicial e T(i-1) é a temperatura seguinte. Observa-se em Viana (1998) que com um valor de á pequeno o resfriamento é rápido e o processo ineficiente, e para valores altos o processo torna-se muito lento, comprometendo assim o tempo de execução, isto é, a performance do processo. Deste modo um á médio pode ser escolhido como valor padrão para um caso genérico, podendo variar dependendo do problema em questão. Segundo Rich e Knight (1994), a velocidade com que a temperatura do sistema é diminuída é chamaScientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 169-179, jan./dez. 2004


177 da de Cronograma da Têmpera. O cronograma ideal para cada problema precisa ser descoberto empiricamente. Ao definir o Cronograma da Têmpera é necessário que sejam definidos três componentes. O primeiro é o valor inicial a ser usado na temperatura. O segundo é o critério ou os critérios que serão usados para decidir quando a temperatura do sistema deve ser reduzida. O terceiro é o quanto a temperatura deve ser reduzida a cada vez que mudar. Durante esta escolha, é essencial lembrar que a probabilidade do algoritmo aceitar uma movimentação para um estado pior é proporcional à temperatura, isto é, diminui à medida que T se aproxima de zero. O algoritmo Simulated Annealing é da ordem O(n3), onde n é o tamanho da entrada do problema. Rich e Knight (1994) mostra, de forma simplificada, o funcionamento do Simulated Annealing, como pode ser visto na Figura 2. 1.

Avalie o estado inicial. Se for um estado-meta, então retorne-o e encerre. Caso contrário, continue com o estado inicial como estado corrente. 2. Inicialize melhor_até_o_momento como igual ao estado corrente. 3. Inicialize T de acordo com o Cronograma da Têmpera. 4. Repita o processo até encontrar uma solução ou até não haver mais nenhum operador que possa ser aplicado ao estado corrente. (a) Selecione um operador que ainda não tenha sido aplicado ao estado corrente e aplique-o para produzir um novo estado. (b) Avalie o novo estado. Calcule: DE = (valor do estado corrente) – (valor do novo estado) • Se o novo estado for um estado-meta, retorne-o e encerre. • Se não for um estado-meta, mas for melhor que o estado corrente, torne-o o estado corrente. Atribua também este novo valor a melhor_até_o_momento. • Se ele não for melhor que o estado corrente, então torne-o o estado corrente com probabilidade p’ = exp-(DE/T). Esta etapa geralmente é implementada invocando-se um gerador de números aleatórios para produzir um número na faixa [0,1]. Se esse número for menor que p’, então o movimento será aceito, caso contrário, será desprezado. (c) Revise T sempre que necessário de acordo com o Cronograma da Têmpera. 5. Retorne melhor_até_o_momento como resposta. Figura 2 – Algoritmo Simulated Annealing Scientia, Vila Velha (ES), v. 5, n. 1/2, p. 169-179, jan./dez. 2004


178 4 CONCLUSÃO O Simulated Annealing é uma técnica que produz bons resultados para problemas de otimização. Nela, várias soluções são geradas seqüencialmente, diferenciando-se umas das outras por perturbações intencionais aplicadas aos dados do problema em questão, tentando aproximar-se o máximo possível da solução ótima desejada. O objetivo deste artigo é detalhar o Simulated Annealing e mostrar sua aplicação ao problema de alocação de disciplinas às salas de aula. Os próximos passos incluem adaptar os dados do problema em questão à meta-heurística, definir onde serão feitos os distúrbios e as variações de temperatura, e, finalmente, a implementação do algoritmo, possibilitando assim a análise dos resultados obtidos e uma comparação destes com os resultados obtidos por outras meta-heurísticas.

AN EXPERIENCE USING SIMULATED ANNEALING ABSTRACT It describes the meta-heuristic of otimization Simulated Annealing and its use in the treatment of the problem of allocation of disciplines to the classrooms. The meta-heuristic is based on the physical process of the state of hardeness of some metals, where it searchs, through variations of energy and temperature, to reach the best one been of consistency and rigidity for the material. The objective is to use the meta-heuristic to find the best allocation of disciplines them, considering the number of pupils, the availability and capacity of rooms and the schedules of lesson. Keywords: Optimization. Metaheuristic. Classroom assignment problem. Simulated Annealing.

REFERÊNCIAS REEVES, C. R. Modern heuristic techniques for combinatorial problems. London: Blackwell, 1993. RICH, E.; KNIGHT, K. Inteligência artificial. São Paulo: Makron Books, 1994.

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179 SOUZA, M. J. F.; MARTINS, A. X.; ARAÚJO, C. R. Experiências com Simulated Annealing e busca tabu na resolução do problema de alocação de salas. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PESQUISA OPERACIONAL, 34., 2002, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: Instituto Militar de Engenharia, 2002. 12 p. VIANA, G. V. R. Meta-heurísticas e programação paralela em otimização combinatória. Fortaleza: EUFC, 1998.

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NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS


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183 REVISTA SCIENTIA

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO DAS FINALIDADES A Revista Scientia é uma publicação da Diretoria de Pós-Graduação do Centro Universitário Vila Velha com vistas à divulgação semestral de produções científicas e acadêmicas nos formatos: editorial, artigo de pesquisa, artigo de revisão, relato de experiência, resenha e resumos de tese, dissertação e monografia de pós-graduação, cujo conteúdo é o que se segue: • Editorial: comentário crítico e aprofundado dos editores. • Artigos de pesquisa: relatos de pesquisas com introdução, metodologia, resultados e discussão, considerações finais e referências. • Artigos de revisão: comentários analíticos e reflexivos sobre temas, a partir do levantamento de bibliografia disponível. • Relatos de experiência: descrições criteriosas de práticas de intervenções e vivências acadêmicas que possam interessar para a atuação de outros profissionais. • Resenhas: revisões críticas de livros, artigos, teses e dissertações. • Resumos: descrições sucintas do conteúdo de tese, dissertação ou monografia de pós-graduação, de caráter informativo, não deve ultrapassar o limite de 500 palavras.

DAS ORIENTAÇÕES GERAIS Dois terços da revista estão destinados à publicação de artigos de pesquisa. No caso do relato de experiência, será publicado apenas um por revista. A critério do Conselho Editorial, poderão ser publicados fascículos ou números especiais, que atendam à demanda das linhas de pesquisa da Pósgraduação.


184 Cada número da revista buscará enfocar uma área de conhecimento, definida pelo Conselho Editorial, em consonância com as políticas de pesquisa e pós-graduação adotadas pela UVV.

DO CONSELHO EDITORIAL O Conselho Editorial da revista é constituído pelos seguintes membros: • Diretor de Pós-graduação, membro nato e seu presidente; • Coordenador de Pós-graduação Lato Sensu, membro nato; • Coordenador de Pesquisa, membro nato; • Coordenador Executivo da Revista, membro nato; e • Cinco membros da Comunidade Acadêmica, representantes de diferentes áreas do saber com, no mínimo, o título de mestre. Tais representantes, com mandato de dois anos devem ser indicados pelo Diretor de Pós-Graduação. O Conselho observará: • A adequação do manuscrito ao escopo da revista; • A temática proposta para cada volume; • A qualidade científica, que além de ser atestada por esse mesmo Conselho, deve ser comprovada por um processo anônimo de avaliação realizado por pareceristas ad hoc, indicados para esse fim; • O cumprimento das presentes normas para publicação.

DA ACEITAÇÃO E PUBLICAÇÃO DOS TRABALHOS A publicação do trabalho estará condicionada ao parecer favorável do Conselho Editorial. Do resultado da avaliação descrita no item anterior podem derivar três situações, a saber:


185 • manuscrito aceito, sem restrições; • manuscrito aceito, com restrições passíveis de revisão; • manuscrito recusado; Uma vez aprovado e aceito o manuscrito, cabe à revista a exclusividade de sua publicação. Uma vez recusado o manuscrito, este poderá ser novamente apresentado à revista. No caso do manuscrito ser recusado duas vezes, a revista não aceitará reapresentação. O(s) autor(es) de cada manuscrito recebe(m) gratuitamente dois exemplares da revista.

DO ENCAMINHAMENTO Os manuscritos devem ser encaminhados à Coordenação Executiva da revista, acompanhados de ofício, em que constem: • Concessão dos direitos autorais para publicação na revista; • Concordância com as presentes normatizações; • Procedência do artigo com entidade financiadora; • Dados sobre o autor: titulação acadêmica, vínculo institucional, endereço para correspondência, telefone e e-mail.

DA APRESENTAÇÃO E ESTRUTURA DOS TRABALHOS O manuscrito deve ser redigido em português, entregue em duas vias, digitadas em software compatível com o ambiente Windows (Word) e acompanhadas de um disquete (3 ½ HD) ou CD-ROM contendo o trabalho completo. Na etiqueta do disquete (ou CD-ROM) deverá constar: o título do manuscrito, a autoria e a versão do software. O manuscrito deve ser organizado da seguinte forma:


186 • Página de rosto: Título (em português e inglês, conciso); Autor(es) (Vínculo Instituicional, titulação, área acadêmica que atua e e-mail), financiamento e endereço para contato. • Página de resumo: título e resumo, em português e inglês, ambos com o máximo de 100 palavras cada, e palavras-chave. Não incluir o nome dos autores. • Manuscrito: Título, Introdução, Desenvolvimento do texto (número de seções, figuras, tabelas e similares, se for o caso); Considerações Finais e Referências. Não incluir nome dos autores. O texto deve ter no máximo 30 páginas para artigos de pesquisa e artigos de revisão; 10 páginas para relatos de experiência; quatro para resenhas e uma para resumo. Todas obedecendo ao seguinte formato: • Fonte: Arial 12 no corpo do trabalho para o texto; 12 para tabelas, quadros e similares, e 10 para notas de rodapé. Expressões estrangeiras devem estar em itálico e não devem ser usadas palavras, expressões e frases em negrito; • Espaçamento: 1,5 entre linhas de cada parágrafo; e duplo, para figuras e/ou fórmulas; • Alinhamento: justificado, para parágrafos comuns, e adentrado (12 toques a partir da margem esquerda, em bloco e em espaço simples), para citações literais com mais de três linhas; • Paginação: canto superior direito; • Configuração: 3 cm, nas margens superior, inferior e esquerda; e 2 cm na margem direita; 1,25 cm para cabeçalho e o rodapé; • Tamanho do papel: A4; • Título: centralizado, em negrito, e maiúsculas. • Nome do(s) autor(es): dois espaços abaixo do título, em maiúsculas/minúsculas, alinhado à direita, com indicação da titulação e do(s) vínculo(s) institucional(is).


187 • As citações no interior do texto devem ser digitadas em itálico e separadas por aspas. No final da citação deve aparecer entre parênteses o sobrenome do autor, ano e página da publicação. Exemplo: (LAKATOS, 1995, p.18). • Citações mais longas do que três linhas devem ser destacadas do parágrafo (iniciando a doze toques a partir da margem esquerda) e digitadas em espaço simples, sem aspas. Todas as citações no corpo do texto devem ser listadas na seção de Referências no final do texto. As indicações bibliográficas completas não devem ser citadas no corpo do texto. Entre parênteses devem ser indicados apenas o sobrenome do autor, data e páginas. Ex. (SEVERINO, 2000, p.23). • As notas de rodapé no final da página deverão se restringir a comentários estritamente necessários ao desenvolvimento da exposição e não para citações bibliográficas. • As resenhas (de livros, teses, CD sonoro, CD-ROM, produtos de hipermídia etc) devem ter um título próprio que seja diferente do título do trabalho resenhado. O título deve ser seguido das referências completas do trabalho que está sendo resenhado. • As referências devem ser colocadas em seguida ao artigo, de acordo com o padrão científico da NBR 6023 (ABNT). a) Livros: sobrenome do autor em maiúsculas, nome em minúsculas, seguido de ponto final, título em negrito seguido por ponto final, cidade seguida por dois pontos, editora e ano de publicação. Exemplo: b) QUINET, Antonio. Um olhar a mais, ver e ser visto na psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. c) Capítulos de livro ou artigos de coletânea: WEFFORT, Francisco. Nordestinos em São Paulo: notas para um estudo sobre cultura nacional e classes populares. In: VALLE, Edênio; QUEIROZ, José J. (Orgs.). A cultura do povo. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1984. p. 12-23. d) Artigos em periódicos: CHAUÍ, Marilena. Ética e universidade. Universidade e Sociedade, São Paulo, ano v. n.8, p.82-87, fev. 1995.


188 e) Textos da Internet: CHANDLER, Daniel. An introduction to genre theory. Disponível em: http://www.aber.ac.uk/~dgc/intgenre.html. Acesso em: 23 ago. 2000. Os trabalhos destinados à apreciação do Conselho Editorial da Revista SCIENTIA devem estar rigorosamente de acordo com as normas da ABNT e ser encaminhados à: Coordenação Executiva da Revista SCIENTIA, Centro Universitário Vila Velha – SEDES/ UVV - ES, Campus Boa Vista, Rua Comissário José Dantas de Melo, 21, Vila Velha, ES, Brasil, Cep 29.102.770. Telefone: (27) 3314-2525. E-mail: scientia@uvv.br e renataf@uvv.br.


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