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REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO VILA VELHA VILA VELHA (ES), v. 6, n. 1/2, JANEIRO/DEZEMBRO DE 2005

Scientia

Vila Velha (ES)

v. 6

n. 1/2

p. 1-171

jan./dez. 2005


REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO VILA VELHA Revista interdisciplinar semestral Nota: As opiniões e conceitos emitidos bem como a completeza dos dados, inclusive os informados nas citações e na seção “Referências” nos artigos publicados nesta revista são de inteira responsabilidade dos seus autores. Tiragem: 1.000 exemplares ISSN 1518-2975 Coordenação Executiva: Danièlle de Oliveira Bresciani Renata Diniz Ferreira Revisão: Artelírio Bolsanello Normalização Parcial: Gestão.Info Consultoria Ltda Capa: Juan Carlos Piñeiro Cañellas Impressão: Artgraf - Gráfica e Editora Conselho Editorial: Adriana de Andrade Moura Angela Maria Monjardim Artelírio Bolsanello Danièlle de Oliveira Bresciani Denise Maria Simões Motta Hélio Sá Santos Isabel Carpi Girão Marlene Elias Pozzatto Renata Diniz Ferreira

CENTRO UNIVERSITÁRIO VILA VELHA Chanceler Aly da Silva Presidente em Exercício José Luíz Dantas Reitor Manoel Ceciliano Salles de Almeida Vice-Reitora Luciana Dantas da Silva Pinheiro Pró-Reitor Acadêmico Paulo Regis Vescovi Pró-Reitor Administrativo Edson Immaginário Diretora de Pós-Graduação e Pesquisa Danièlle de Oliveira Bresciani Endereço: Rua Comissário José Dantas de Melo, 21 Vila Velha/ES - Brasil CEP: 29102-770 - Tel: (27) 3314-2525 E-mail: scientia@uvv.br e renataf@uvv.br Home page: www.uvv.br

Consultores ad hoc Isabel Cristina Louzada Carvalho José Guilherme Pinheiro Pires Rachel Diniz Ferreira Catalogação na publicação elaborada pela Biblioteca Central/UVV Scientia : revista do Centro Universitário Vila Velha / Sociedade Educacional do Espírito Santo, Centro Universitário Vila Velha.− Vol. 1, n. 1, (jan./jun. 2000)- . − Vila Velha : O Centro, 2000- . v. : il. Semestral. ISSN 1518-2975. 1. Generalidades – Periódicos. I. Sociedade Educacional do Espírito Santo. Centro Universitário Vila Velha. CDD 000 Indexada na base de dados: • IRESIE, gerenciada pela Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM)


SUMÁRIO EDITORIAL ........................................................................................................................

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DIREITO E JUSTIÇA EM HANS KELSEN: UMA ABORDAGEM À LUZ DE KANT Law and Justice in Hans Kelsen: a Kantian Approach Antonio Rocha Neto ............................................................................................................................

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FORMAS DE TRABALHO SOLIDÁRIAS: UMA ALTERNATIVA PARA A GERAÇÃO DE RENDA Supportives Ways of Working: an Alternative to Generate Income Elaine Araújo Busnardo .......................................................................................................................

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O PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO NA PERSPECTIVA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: UMA ABORDAGEM ACERCA DE SEUS IMPACTOS SOBRE O ESTADO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO The Process of Globalization on the International Relations Perspective: an Approach Concerning its Impacts on the Brazilian Democratic State Danièlle de Oliveira Bresciani; Augusto Cesar Salomão Mozine .........................................................

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PROGRAMAS DE GESTÃO AMBIENTAL: UMA FERRAMENTA NECESSÁRIA À IMPLANTAÇÃO DE UM SGA Ambiental Management Program: a Necessary Tool to Introduce a MSA Adriana Schinaider Rigoni Gasparini; José Luiz Gouvêa Gasparini ....................................................

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REGIMES INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS E A SITUAÇÃO BRASILEIRA ATUAL International Human Rights Regimes and Brazilian Situation Cesar Augusto Silva da Silva; Viviane Mozine Rodrigues ...................................................................

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CASA INTELIGENTE CONTROLADA PELA WEB Web Control to Intelligent House Marcelo Oliveira Camponêz; Igor Goltara Vasconcellos; Murilo Kill Ramos; Sergio Schirmer Almenara ... 103

ENERGIA DIGESTÍVEL E METABOLIZÁVEL DO ÓLEO DE SOJA E DA GORDURA DE COCO DE BABAÇU DETERMINADOS COM SUÍNOS EM TERMINAÇÃO Digestible and Metabolizable Energy of Soybean Oil and Babassu Coconut Oil Determined for Finishing Swine Paulo Cesar Brustolini; Francisco Carlos de Oliveira Silva; João Luís Kill; Juarez Lopes Donzele .....

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PRÁXIS TRANSVERSAL Transversal Praxis Darcilia Moysés Borges; Maria Cristina Dadalto .................................................................................. 129

REDE DE ACESSO MICROCONTROLADO Microcontrolled Access Network Marcelo Brunoro; Edmar Edilton da Silva ............................................................................................ 141

INSTRUÇÕES EDITORIAIS AOS AUTORES .................................................................. 157


EDITORIAL A produção e difusão do conhecimento têm sido um requisito da "nova era", compreendida a partir dos crescentes fluxo e volume de informações, o que vem contribuindo para o incremento de novas descobertas nas diferentes áreas do saber. Em consonância com esta proposta, Scientia: Revista do Centro Universitário Vila Velha vem se posicionando como um importante veículo de propagação do conhecimento e, ao mesmo tempo, atua como um instrumento incentivador da produção científica. O propósito de aprimorar, continuamente, a sua qualidade deve-se, em grande medida, à seriedade com que os membros envolvidos na sua concepção, revisão e operacionalização encaram e percebem a missão de um periódico científico, o que resultou na sua indexação em base de dados internacional e o consolida como um canal de informação a serviço tanto da comunidade acadêmica quanto da sociedade como um todo. Assim, tem sido em conformidade com este objetivo que a nossa revista vem sendo planejada, editada e publicada. Nesta perspectiva, o escopo deste volume obedece ao princípio multidisciplinar da Scientia, materializado na publicação de artigos que tratam de temas variados que atraem o interesse de diversos segmentos da sociedade. Neste volume 6 você, leitor, irá encontrar estudos relacionados às áreas de Direito, Relações Internacionais, Administração, Educação, Comunicação, Ciência da Computação e Zootecnia cujos objetos de investigação expressam a intenção dos autores em abordar temas relevantes e fundamentais à construção de uma sociedade melhor. Nesse contexto, merece destaque a análise dos regimes internacionais de direitos humanos e a situação brasileira atual; a abordagem do Direito e da Justiça no pensamento de Hans Kelsen à luz de Kant; os impactos decorrentes do avanço do processo de globalização sobre o Estado Democrático Brasileiro; as formas de trabalho solidárias como uma alternativa para a geração de renda, a apresentação de uma proposta de projeto pedagógico capaz de contribuir para a melhoria do processo ensino-aprendizagem nos cursos de Comunicação Social, a abordagem relacionada à implementação de programas de gestão ambiental, dentre outros. Os temas analisados são instigantes e controversos, o que torna a leitura ainda mais interessante e imprescindível. Por tudo isso, leitor da Scientia, você está sendo convidado a mergulhar neste universo, interagindo com os autores e compartilhando dos estudos realizados.

Danièlle de Oliveira Bresciani, M.Sc.


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DIREITO E JUSTIÇA EM HANS KELSEN: UMA ABORDAGEM À LUZ DE KANT

ANTONIO ROCHA NETO1

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Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor do Centro Universitário Vila Velha e da Faculdade Novo Milênio. E-mail: rocha@prppg.ufes.br.

Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 7-20, jan./dez. 2005


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RESUMO Analisa os conceitos de direito e justiça no pensamento de Hans Kelsen à luz do pensamento do filósofo Immanuel Kant, reconhecido pelos estudiosos de Kelsen como pensador que exerceu expressiva influência sobre o mesmo. Palavras-chave: Direito. Justiça. Hans Kelsen. Immanuel Kant.

1 A QUESTÃO DO DIREITO EM KELSEN O traço distintivo fundamental do pensamento do grande jurista austríaco Hans Kelsen é sua tentativa de, através do que ficou conhecido no meio jurídico como o normativismo lógico, realizar uma purificação do Direito, expurgando daquela ciência todo e qualquer elemento a ela estranho. Bom, até aí nada há de especial em sua postura, pois é mais do que natural que cada cientista busque evitar a interferência, em seu campo próprio de investigação, de elementos oriundos de esferas outras que não aquelas que digam respeito diretamente ao campo de interesse de sua ciência. O que há de particularmente notável na concreção do objetivo de Kelsen é o reducionismo que dele resulta. Com a Teoria Pura do Direito (KELSEN, 1998c) a ciência do Direito fica reduzida a não mais que um sistema de preceitos que, a partir da Constituição, se encontram logicamente concatenados, encontrando a Constituição, por sua vez, a norma fundamental como fonte última de sua validade, suporte lógico sem o qual o sistema perde sustentação. A norma fundamental, na doutrina kelseniana, é postulada como hipótese indispensável à compreensão do Direito como sistema válido de preceitos normativos que regulam a conduta dos homens em sociedade. Indispensável porque dispensá-la implica, como bem observa Kelsen, numa retroação ao infinito no que concerne à fundamentação da validade das normas. Não se trata de uma norma positiva, [...] pois não é estatuída pelo órgão da comunidade jurídica, logo, não prescreve obrigações, nem confere direitos. É uma norma pensada pelo jurista como pressuposto logicamente indispensável para a cognoscibilidade do Direito. Pode-se dizer que a norma hipotética fundamental é metajurídica, no sentido de não ser

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9 uma norma positiva, [...] e sim uma norma pressuposta no pensamento jurídico (DINIZ, 1999, p. 129),

como condição de possibilidade da própria existência do Direito Positivo. Uma norma, como um mandamento da ordem do dever ser, não pode, segundo a análise de Kelsen, obter seu fundamento senão noutra norma, a ela hierarquicamente superior num ordenamento jurídico. A menos que pressuponhamos a existência de uma norma como sendo de todas a mais elevada, caímos na situação acima aludida de uma retroação normativa ao infinito. Assim, a norma fundamental “[...] tem que ser pressuposta, visto que não pode ser posta por uma autoridade, cuja competência teria de se fundar numa norma ainda mais elevada” (KELSEN, 1998c, p. 217). A norma hipotética fundamental representa no sistema kelseniano o elemento doador de validade última a toda Constituição. Em todo Estado a Constituição é a fonte de onde emana, em última instância, o ordenamento jurídico. Mas o que é a Constituição senão um conjunto concatenado de normas ditadas por um grupo de legisladores a quem a sociedade conferiu a autoridade de estabelecê-las? Ora, sendo a Constituição um conjunto concatenado de normas, segue-se então que, se queremos compreender o que é o Direito, deverá ser a norma o objeto privilegiado de nossas investigações, uma vez que apenas se referirão ao Direito aqueles atos de conduta humana cujo conteúdo possa ser interpretado a partir do horizonte normativo. Imenso é, portanto, o papel conferido por Kelsen à norma em sua teoria pura do Direito. “A Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito positivo”, como observa Kelsen na primeira frase de sua obra fundamental e, enquanto tal, toma por objeto de análise “[...] a determinação das estruturas e categorias lógicas da Ciência Jurídica [...]” (REALE, 1998, p. 457), expressas nas normas jurídicas positivas. O que, contudo, notabiliza a abordagem kelseniana é a peculiar maneira como a norma se torna objeto de sua análise. À teoria pura do Direito não interessa, em absoluto, o conteúdo da norma, mas tão somente sua forma lógica, enquanto elemento determinante do dever ser. Não cabem então no interior da Ciência Jurídica indagações relativas a como deve ser o Direito. São, na verdade, duas, as questões imprescindíveis ao indagar puramente jurídico, abstração feita de toda e qualquer ordem de preocupaScientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 7-20, jan./dez. 2005


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ções alheias ao campo estritamente jurídico: o que é o Direito? e como é o Direito? Ao responder como é o Direito o jurista tem que tomar por objeto de investigação a norma em sua natureza lógico-formal. A pretensão de Kelsen de visar o Direito a partir de uma ótica estritamente lógica encontra raízes no pensamento de Kant que, na sua obra Crítica da Razão Pura, buscou determinar, como fica evidenciado logo no parágrafo inicial do prefácio à segunda edição daquela obra se a elaboração dos conhecimentos pertencentes ao domínio da razão segue ou não o caminho seguro de uma ciência, respondendo, ainda naquele parágrafo, negativamente àquela questão. Ainda no prefácio da obra, Kant (1991, p. 11) faz uma apologia à ciência da Lógica, em que procura evidenciar a razão por que teve pleno sucesso em estabelecer-se como ciência: A Lógica deve a vantagem de seu sucesso simplesmente à sua limitação, pela qual está autorizada, e mesmo obrigada a abstrair de todos os objetos do conhecimento bem como das suas diferenças, de modo a que nela o entendimento tem que lidar apenas consigo mesmo e com sua forma.

Diz-nos, ainda, Kant (1991, p. 11): Não é aumento e sim desfiguração das ciências confundir os limites da mesma; o limite da Lógica, porém, acha-se determinado bem precisamente por ser uma ciência que expõe detalhadamente e prova rigorosamente nada mais que as regras formais de todo pensamento [...].

Segundo Kant (1991, p. 12), a parte da ciência “[...] em que a razão determina o seu objeto de modo completamente a priori, tem que ser exposta antes sozinha, e aquela que provém de outras fontes não tem que ser mesclada com ela.” É, portanto, a Lógica a ciência que serve de modelo a Kelsen em seu objetivo de fundar um conhecimento do Direito que possa receber, afinal, o título de ciência. Tendo a doutrina kantiana por referencial, Kelsen irá ocupar-se da norma, procurando visualizá-la tão somente em seu aspecto lógico-formal, numa tentativa de expô-la antes sozinha, impedindo que com ela venham a se mesclar elementos provindos de outra fonte.

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Vale também observar que Kelsen toma ainda emprestado a Kant o que este último denomina como método transcendental, assim por ele definido na Crítica da Razão Pura: “Denomino transcendental todo conhecimento que em geral se ocupa não tanto com objetos, mas com nosso modo de conhecimento de objetos na medida em que este deve ser possível a priori” (KANT, 1991, p. 35). Se em Kant as categorias puras do entendimento constituem o elemento a priori que, juntamente com as formas puras da sensibilidade (espaço e tempo) tornam possível o conhecimento humano, em Kelsen o conhecimento jurídico só se torna possível a partir da existência de normas, elemento que, tal como as categorias puras do entendimento kantiano, irão como que enformar o material empírico, tornando-o juridicamente inteligível. A norma é vista assim como um elemento a priori no que diz respeito ao conhecimento jurídico. Sem um código de normas posto, ou seja, sem um Direito Positivo a ser tomado por objeto de conhecimento, não acontece o Direito. Só pode haver ciência se há dados a serem cientificamente investigados, e para esse cientista a quem Kelsen denomina jurista, a norma constitui o material empírico de pesquisa. Adverte-nos Kant (1991, p. 55) de que “pensamentos sem conteúdo são vazios, intuições sem conceitos são cegas [...]”. Talvez pudéssemos aqui parafrasear Kant kelsianamente afirmando que “Normas sem conteúdo são vazias, fatos sem normas são cegos”, no sentido de que para Kelsen uma norma que não seja capaz de subsumir atos de uma conduta humana possível não poderia ser propriamente considerada uma norma, por não possuir poder normativo sobre qualquer evento experimental. Seria então vazia, já que totalmente desprovida de eficácia. Da mesma forma, atos de conduta humana (fatos) não-passíveis de subsunção, sob qualquer norma existente, são fatos desprovidos de qualquer significado jurídico (são cegos). Como bem observa Matta (1994, p. 91-92): “O que converte em objeto jurídico os atos de conduta humana e, pois, em objeto da Ciência do Direito, são as normas jurídicas referentes a estes atos.” Deste modo, a norma opera como esquema de interpretação relativamente aos fatos juridicamente significativos, dando ao dever ser o sentido kantiano de categoria lógico-transcendental, e não um caráter axiológico-metafísico.

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Seria natural, ao estudioso de Kelsen menos versado no pensamento de Kant, a seguinte questão: se Kelsen cria a sua teoria pura do Direito a partir de um referencial kantiano, por que o próprio Kant, em sua obra, não o antecipou? Ou será que o que Kelsen fez foi apenas desenvolver uma teoria que Kant havia deixado em estado embrionário? Pois a verdade é que Kant nem o antecipou em seu projeto nem lançou as sementes do que veio a se tornar o normativismo lógico. O fato de Kelsen empreender a tarefa de purificação do Direito, utilizando o instrumental teórico kantiano, deve-se ao fato de o próprio Kant ter-se omitido de realizar tal tarefa, limitando a aplicação de sua crítica da razão pura às ciências naturais, conforme observa no prefácio à segunda edição da Crítica da Razão Pura: “Não pretendo considerar aqui senão a Ciência da Natureza, na medida em que está fundada em princípios empíricos” (KANT, 1991, p. 13). Com isso, ficava fora do âmbito de sua análise tanto o Direito, quanto a Moral, por pertencerem ambas, segundo Kant, ao campo da razão prática, e não ao da razão teórica. Para Kant não era possível um conhecimento racional puro do Direito. É este erro de Kant que Kelsen pretende corrigir. Penso mesmo que a teoria pura do Direito poderia até ter tido um outro título, e chamar-se Crítica da Razão Jurídica, na medida em que seu maior objetivo é exatamente investigar os limites e as possibilidades do conhecimento jurídico. Enquanto a Crítica da Razão Pura se dirige às Ciências da Natureza, ela tem sob seu foco o reino do ser, ainda que de um ser fenomênico, de um ser do conhecimento humano possível, e não do ser numênico, ou do ser-em-si. Sendo o Direito uma ciência do dever ser, e não do ser, escapa ele do âmbito da primeira crítica kantiana, uma vez que Kant, ao dedicar-se ao estudo do dever ser, o que faz na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, na Crítica da Razão Prática e em sua obra menos conhecida, Doutrina do Direito, jamais concebe uma abordagem do dever ser desvinculada do elemento moral. Inadmissível pensar-se kantianamente em um dever ser não-axiológico. Daí a impossibilidade, em Kant, de uma abordagem puramente formal do Direito, ainda que conceba ser possível uma abordagem racional dele, mas, utilizando-se de uma razão prática, e não de uma razão teórica, como podemos ver nesta passagem de sua Doutrina do Direito, onde responde à questão: que é o Direito em si? Esta questão, se não for para mergulhar numa tautologia ou referir-se à legislação de determinado país ou tempo, em lugar de dar uma solução geral, é tão grave para o jurisconsulto como o é para Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 7-20, jan./dez. 2005


13 o lógico a questão que é a verdade? Seguramente pode-se dizer que é o direito (quid sit juris), isto é, que prescrevem ou prescreveram as leis de determinado lugar ou tempo. Porém a questão de saber se o que prescrevem essas leis é justo, a questão de dar por si o critério geral através do qual possam ser reconhecidos o justo e o injusto (justum et injustum) jamais poderá ser resolvida a menos que se deixe à parte esses princípios empíricos e se busque a origem desses juízos na razão somente (ainda que essas leis possam muito bem se dirigir a ela nessa investigação), para estabelecer os fundamentos de uma legislação positiva possível. A ciência puramente empírica do Direito é (como a cabeça das fábulas de Fedro) uma cabeça que poderá ser bela, mas possuindo um defeito – o de carecer de cérebro (KANT, 1993, p. 44-45).

O que Kelsen busca empreender é exatamente esta tarefa: dar ao dever ser uma abordagem lógica, abstração feita de todo elemento valorativo. Portanto, enquanto para Kant falar em Direito implica sobretudo falar da fundamentação axiológica do conteúdo da norma, para Kelsen o conteúdo da norma é um objeto invisível ao tipo de lente que o jurista deve usar para ver o objeto de sua ciência. Para Kelsen (1998b), o eticista dá ao termo dever ser um sentido concreto, apontando para um bem que deve ser colimado, ou a um mal que deve ser evitado.2 Mas o ‘dever ser’ pode também ser estudado sem esta nota ou conteúdo ético, limitando-se a designar apenas uma orientação objetiva de comportamento, de alcance puramente operacional: equivale à mera indicação de caminhos possíveis, sem qualquer apreciação de ordem moral (REALE, 1998, p. 475).

Portanto, se Kelsen comunga com os eticistas (ou moralistas) do entendimento de que Direito é norma, há que se ter clara a importante distinção entre o eticismo e o normativismo lógico: aqueles entendem que a norma vale pelo conteúdo que prescreve, enquanto estes vêem a obrigatoriedade da norma como conseqüência de seu enlace lógico na totalidade do sistema, abstração feita do sentido moral de seu comando.

2 A QUESTÃO DA JUSTIÇA EM KELSEN Ora, se a norma, no normativismo kelseniano, abstrai de todo conteúdo axiológico, segue-se que o valor de justiça não encontra espaço dentro Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 7-20, jan./dez. 2005


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da teoria pura do Direito. Noutras palavras, o Direito, enquanto ciência, não visa a norma a partir do seu valor de justiça, sob pena de se tornar qualquer outra coisa, mas não uma ciência. Mas isto significa que a Kelsen pouco importa o conteúdo de uma norma? Pouco importa se o que ela prescreve é justo ou injusto? Não. Apenas no interior de uma teoria pura do Direito é que indagações axiológicas não têm pertinência, pois são questões com as quais ela não está instrumentalizada para lidar. Kelsen deixa claro, em mais de uma obra, que reconhece a importância e a dignidade de tais questões, mas insiste em situá-las em seu devido lugar, como no âmbito da Sociologia ou da Filosofia Jurídica. Usando uma imagem podemos dizer que a teoria pura do Direito abstém-se de julgar sobre o valor de justiça das normas jurídicas com a mesma legitimidade com que um nutricionista, ao considerar o valor nutritivo da carne de peixe abstém-se de comentar sobre o odor característico das peixarias. Mas o que significa dizer que a obrigatoriedade da norma deriva de seu enlace lógico na totalidade do sistema? Significa que a norma tem que se concatenar com o todo hierárquico que tem por alicerce último a Constituição, não nos esquecendo ainda de que a obrigatoriedade da norma é, ao mesmo tempo, função direta da autoridade conferida ao legislador para criá-la, e não do seu conteúdo. A norma pertence a um sistema lógico-formal, e a única crítica que cabe ao jurista fazer-lhe diz respeito à sua conformação ou não-conformação a este sistema. Do que foi até agora dito podemos concluir que, se Kelsen deixa de fora da Ciência do Direito a análise do valor de justiça do sistema normativo, não é por insensibilidade de sua natureza que o faz, mas pela impossibilidade da realização desta nobre tarefa no interior de um corpo de conhecimento que pretenda ser reconhecido como científico. Ao jurista a norma é dada como um dado pronto e acabado, sobre o qual deve ele debruçar-se para desvendar seu mecanismo, seu modus operandi. Não lhe compete criar a norma, mas tão somente compreender seu significado para saber aplicá-la. Cabe, sim, ao legislador, ocupar-se do conteúdo axiológico da norma. Na verdade, do ponto de vista do normativismo jurídico, ocupar-se um jurista do valor de justiça contido na norma seria algo tão despropositado quanto ocupar-se um odontólogo, por exemplo, em desenvolver uma crítica do sistema de dentição humana, escrevendo um tratado em que critique a fragilidade de nossos dentes ao choque, sua pouca resistência a doenças como a cárie e as inflamações de gengiva, sua elevada sensibilidade à dor, sua propenScientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 7-20, jan./dez. 2005


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são a ser um foco de mau cheiro, sua necessidade constante de higienização e a não-reconstituição automática das unidades eventualmente perdidas. Não cabe à ciência odontológica julgar a constituição dentária dos seres humanos, por ser tal julgamento desprovido de sentido, mas sim compreender seu funcionamento e trabalhar a partir disto. Assim também deve proceder o jurista diante do ordenamento jurídico. Mas espere um momento: será, de fato, pertinente a analogia acima buscada? Será possível sustentar que o empreendimento do odontólogo, claramente despropositado, é da mesma ordem de razão que a de um jurista que se ocupe do Direito a partir de uma ótica valorativa? Bom, se olharmos rapidamente a questão certamente concluiremos pela impropriedade da analogia, pois, se, não cabe ao cientista da natureza criticar o modo como esta se lhe apresenta, uma vez que tal crítica é completamente improdutiva, pois que em nada pode alterar o modo como as coisas são, o mesmo não se dá no que concerne a objetos criados pela ação humana, como é o caso das normas de Direito. Tentarei, então, justificar o uso da analogia acima. Com ela não quis dizer, em absoluto, que o Direito é um objeto natural, cuja crítica é incapaz de transformar. O que busco com ela mostrar é que, para Kelsen, o jurista, como todo cientista (e não podemos perder de vista que é este o status que lhe é conferido pela teoria kelseniana), tem que ter claramente delineado diante de si o seu objeto: a norma. Se a valoração da norma não é tida por Kelsen como tarefa sua é justamente porque tal valoração constitui-se antes em obstáculo que em elemento facilitador de seu trabalho como cientista, por inserir um elemento subjetivo em algo que deve ser visto de forma objetiva. Não cabe ao homem, mas apenas a um possível Deus o papel de modificar a natureza das coisas, assim como não cabe ao jurista, mas ao legislador a tarefa de modificar o conteúdo da norma. É, pois, neste sentido, que julgamos oportuna a analogia acima. Kelsen dedicou especial atenção à questão da justiça em duas obras: O que é justiça? e O problema da justiça. Nelas faz uma análise histórica das concepções de justiça desde a idéia de justiça nas Sagradas Escrituras, passando pelo pensamento grego antigo, pela doutrina do Direito Natural (soluções metafísicas) até às tentativas de solução racional do problema, criticadas por Kelsen como sendo não mais que fórmulas vazias da justiça.

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Não pretendemos, ao menos aqui, comentar com maior profundidade a análise destas obras, mas pensamos que o cerne da questão encontrase sintetizado no último parágrafo do primeiro capítulo do livro O que é justiça?, que tem o mesmo título do livro: Iniciei este ensaio com a questão: o que é justiça? Agora, ao final, estou absolutamente ciente de não tê-la respondido. A meu favor, como desculpa, está o fato de que me encontro neste sentido em ótima companhia. Seria mais do que presunção fazer meus leitores acreditarem que eu conseguiria aquilo em que fracassaram os maiores pensadores. De fato, não sei e não posso dizer o que seja justiça, a justiça absoluta, esse belo sonho da humanidade. Devo satisfazer-me com uma justiça relativa, e só posso declarar o que significa justiça para mim: uma vez que a ciência é minha profissão e, portanto, a coisa mais importante em minha vida, trata-se daquela justiça sob cuja proteção a ciência pode prosperar e, ao lado dela, a verdade e a sinceridade. É a justiça da liberdade, da paz, da democracia, da tolerância (KELSEN, 1998b, p. 25).

Eis a tônica da questão da justiça em Kelsen: justiça é um belo e nobre tema, mas não é um tema científico, e, portanto, deve ser tratada com toda a atenção que lhe é devida onde couber essa análise, mas um coisa é certa para Kelsen: esse lugar não é a ciência jurídica. E o que ele busca mostrar em toda sua obra é que isto não é um mal, mas um bem. E ele consegue? Esta é uma questão controversa, e é controversa justamente por envolver um juízo de valor, e não ser, portanto, uma questão científica. De modo que o que podemos dizer de tal questão é que a resposta que possamos dar-lhe pouco importa ao ideário kelseniano, pois, por sua natureza, não encontra lugar no seio de uma teoria pura do Direito.

3 CONCLUSÃO A título de conclusão gostaríamos de tecer os seguintes comentários sobre a doutrina kelseniana. A grande censura que normalmente se faz à teoria pura do Direito é que ela, ao retirar da Ciência do Direito a tarefa de valoração da norma jurídica, transforma o Direito numa espécie de recipiente capaz de receber em seu interior qualquer espécie de conteúdo. Para ilustrar este tipo de crítica cito uma passagem da análise da

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teoria kelseniana feita por Nader (1999, p. 199), que considera que a teoria pura do Direito [...] se mostra permissiva ou um estuário do bem e do mal, do justo e do injusto, do liberal e do despótico. A sua falha radica na falta de exigências éticas, o que implica a autorização ou tolerância para que se instalem, sob o pálio da lei, regimes autoritários.

Deter-nos-emos, inicialmente, na análise desta censura à doutrina de Kelsen. Acreditamos que ela peca por reducionismo, ou seja, ela somente é procedente se entendermos que Kelsen considera que o aspecto científico esgota todo o conteúdo disso a que chamamos Direito, e não cremos que ele pretenda isto. Pensamos que, ao conceber a teoria pura do Direito, Kelsen estava preocupado em delimitar a função de um certo profissional que de alguma forma se envolve com a questão do Direito: o jurista. Uma coisa que facilmente se depreende da obra de Kelsen é o fato de que o jurista não cria o Direito, mas apenas o toma por objeto de conhecimento, de modo análogo a todo e qualquer outro cientista. Ora, a partir da ótica da teoria kelseniana, do mesmo modo que não podemos condenar um biólogo pela crueldade que porventura possamos identificar no que a Biologia denomina como cadeia alimentar, não podemos atribuir culpa aos juristas por qualquer censura que possamos fazer a qualquer preceito constitucional. Mas o fato de não podermos culpar o jurista, e se é verdade que não é tarefa sua valorar o conteúdo da norma, disto não resulta que o Direito se transforma com isso naquela espécie de recipiente há pouco mencionada. Se a tarefa de interpretação e aplicação do Direito cabe a este cientista a quem Kelsen denomina jurista, não podemos nos esquecer de que o Direito pode e deve ainda ser visado desde uma ótica diversa daquela que, priorizando seu aspecto lógico formal, a considera de forma fria, como uma ciência exata. Kelsen em momento algum ignora que o Direito possui uma complexidade que vai além daquilo que pode nele ser contemplado somente a partir do ponto de vista do jurista. Além do jurista ele reconhece a figura do legislador, a quem cabe a tarefa de criação da norma. A menos que me apontem na obra de Kelsen alguma passagem em que ele diga não ser função do legislador levar em conta o aspecto axiológico ao criar a norma, creio que devemos considerar que este é um papel que ele lhe atribui. Além disso, Kelsen deixa claro em sua Teoria Pura do Direito que a Ciência do Direito não é uma ilha. Ela sofre as críticas provindas tanto da Sociologia quanto da Filosofia do Direito, críticas que, certamente, têm o poder de, se procedentes, provocar transScientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 7-20, jan./dez. 2005


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formações no Direito então positivado. Tanto é assim que observa: “De qualquer modo, uma teoria pura do Direito, ao se declarar incompetente para responder se uma dada lei é justa ou injusta ou no que consiste o elemento essencial da justiça, não se opõe de modo algum a essa exigência” (KELSEN, 1992, p.13) Certamente isto jamais seria visto como uma exigência caso dela nada resultasse de concreto no Direito concebido em sentido pleno, e não apenas no sentido estrito que lhe confere a Teoria Pura do Direito. Na passagem do livro O que é justiça?, com que encerramos o artigo, Kelsen (1998b, p. 15) nos diz: Devo satisfazer-me com uma justiça relativa, e só posso declarar o que significa justiça para mim: uma vez que a ciência é minha profissão e, portanto, a coisa mais importante em minha vida, trata-se daquela justiça sob cuja proteção a ciência pode prosperar e, ao lado dela, a verdade e a sinceridade. É a justiça da liberdade, da paz, da democracia, da tolerância. Por outro lado, no livro O problema da justiça, encontramos o seguinte entendimento: Consideramos um determinado tratamento de um indivíduo como justo quando este tratamento corresponde a uma norma tida por nós como justa. A questão de saber por que é que consideramos esta norma como justa conduz, em última análise, a uma norma fundamental por nós pressuposta que constitui o valor de justiça” (KELSEN, 1998a, p. 25). Como conciliar estes dois pontos de vista, de uma justiça relativa, com a qual devemos satisfazer-nos, uma justiça para mim, com a correspondência do valor de justiça à norma fundamental? Cremos que, para bem compreendermos o que Kelsen quer nos dizer com estas duas passagens, devemos considerar tratar-se aquela chamada justiça para mim de um fenômeno não-jurídico. De um fenômeno a ser investigado no plano filosófico, sociológico e/ou psicológico nas interações que tais esferas do saber mantêm com o Direito. É por isso que Kelsen conclui aquele capítulo do livro afirmando a impossibilidade de responder o que é a justiça absoluta. E se não há como defini-la, mas

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há a necessidade de o operador jurídico lidar com questões práticas que a todo momento buscam nela referência, há apenas uma maneira de fazê-lo e, ao mesmo tempo, preservar a pureza do Direito enquanto ciência: é pressupô-la como contida na norma fundamental e, partindo de tal premissa, abster-se de emitir juízos de valor, remetendo tal preocupação aonde ela é pertinente. Para finalizar, gostaríamos de lançar ao ar uma questão a que nós mesmos, por estranho que somos ao meio jurídico, não saberíamos responder de forma satisfatória: será que esta figura a quem Kelsen denomina jurista existe no plano da efetividade, este profissional que lida de forma tão burocrática com o material jurídico? Será que existe ou, caso não exista, é possível instaurar no interior do Direito concebido no sentido mais amplo do termo, a dicotomia legislador/jurista que parece surgir da visão kelseniana da ciência jurídica? Se existe, ótimo; o projeto kelseniano está salvo; se não, está condenado pela sua própria premissa, de que não tratamos aqui: aquela que vincula vigência e eficácia na constituição da positividade.

LAW AND JUSTICE IN HANS KELSEN: A KANTIAN APPROACH ABSTRACT This article analyze the concepts of law and justice in the thought of Hans Kelsen to the light of the thought of the philosopher Immanuel Kant, recognized for the scholars of Kelsen as thinking that it exerted significant influence on the same. Keywords: Law. Justice. Hans Kelsen. Immanuel Kant.

NOTAS EXPLICATIVAS 2

Importante observar que em Kant há ainda um dever ser desvinculado de qualquer condição: o imperativo categórico. Deste modo, o sentido concreto dado ao termo dever ser apenas se aplica ao que Kant define como imperativo hipotético, que é aquele que estabelece condições que devem ser observadas para a realização de um dado fim. O imperativo categórico kantiano é expresso pela seguinte fórmula: Age de tal maneira que o motivo que te levou a agir possa ser convertido em lei universal.

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REFERÊNCIAS DINIZ, M. H. Compêndio de introdução à Ciência do Direito. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. KANT, I. Crítica da razão pura. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991. KANT, I. Doutrina do Direito. 2. ed. São Paulo: Ícone, 1993. KELSEN, H. O problema da justiça. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998a. ______. O que é justiça? 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998b. ______. Teoria geral do Direito e do Estado. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. ______. Teoria pura do Direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998c. MATTA, E. O realismo da teoria pura do Direito: tópicos capitais do pensamento kelseniano. Belo Horizonte: Nova Alvorada, 1994. NADER, P. Filosofia do Direito. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. REALE, M. Filosofia do Direito. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

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FORMAS DE TRABALHO SOLIDÁRIAS: UMA ALTERNATIVA PARA A GERAÇÃO DE RENDA

ELAINE ARAÚJO BUSNARDO1

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Mestre em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz. Professora da Faculdade Espirito-Santense (FAESA). E-mail: nani.ab@gmail.com.

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RESUMO Apresenta uma revisão teórica e discute a emergência da economia solidária como alternativa à geração de renda das populações acometidas pelo desemprego e oportunidades precárias de trabalho. Evidencia uma diferenciação terminológica acerca de termos distintos que ora se confundem nas discussões sobre iniciativas econômicas populares, explora os princípios fundamentais e as primeiras experiências de cooperativismo, terminando por uma breve análise das perspectivas do movimento cooperativista e algumas preocupações que devem ter seus empreendedores. Palavras-chave: Economia solidária. Cooperativismo. Desemprego. Desenvolvimento local.

1 INTRODUÇÃO Nas últimas décadas, a reestruturação dos meios/modos de produção (implantação de novas tecnologias, novas formas de gestão, terceirização, reengenharia, etc.), tendo como pano de fundo as políticas neoliberais, ajudou a promover não só a redução, mas a escassez das oportunidades de emprego/trabalho. As estatísticas do IBGE (2004) mostram que, nos anos 90 e início da década posterior, houve queda crescente do emprego e um aumento da subcontratação de trabalhadores temporários. Ao mesmo tempo, forma-se um núcleo mais estável de mão-de-obra com exigências de maior qualificação, flexibilidade e polivalência, surgindo um número crescente de trabalho precarizado, principalmente entre as mulheres. A precarização das formas de contratação e condições de trabalho amplia-se cada vez mais na medida em que cresce consideravelmente a nova estrutura industrial das cadeias de subcontratação. Muitas empresas vêm adotando, inclusive, formas de trabalho informal e mal pago, ressaltando-se o trabalho em domicílio, muitas vezes realizado por mulheres, com ajuda de crianças. Conforme defendem Minayo-Gomez e Thedim-Costa (1999, p. 413), o que podemos observar é um processo de pauperização, inclusive entre os trabalhadores integrados ao mercado de trabalho formal. Tal pauperização resulta de uma trajetória marcada pela insegurança, instabilidade e precariedade nos vínculos laborais, pois segundo esses autores

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23 Sob o eufemismo de novas condições de trabalho, esconde-se a redução dos postos de trabalho e a fragilidade dos novos arranjos laborais, como empregos temporários, limitações na absorção da força jovem, instabilidade e irregularidade ocupacionais, subemprego e desemprego recorrente, duradouros e sem perspectivas, rendimentos decrescentes, etc.

Aliada a todos esses fatores, verifica-se uma crise das políticas sociais, na qual o Estado, em sua dificuldade para atuar na intermediação dos mercados, também não consegue dar conta das conseqüências dos processos de empobrecimento e desemprego estrutural, limitando-se a ações pontuais, assistencialistas e paliativas que, mesmo assim, não são capazes de atender à grande parte dos indivíduos que delas necessitam. Eis a situação instaurada: um mercado de trabalhadores excedentes, por cuja situação não parece haver responsáveis, restando-lhes apenas soluções individuais. Com medo do desemprego, muitas pessoas se desesperam e passam a procurar qualquer emprego, mesmo precários, informais, insalubres, mal pagos, com jornada excessiva ou ausência de quaisquer direitos trabalhistas ou previdenciários. É este o tipo de trabalho que tem predominantemente sido oferecido em nossa sociedade. Mesmo com todas estas restrições, as disputas são acirradas e não existem oportunidades em quantidade suficiente para todos. Concordamos com Lisboa (1999, p. 56) ao afirmar que Hoje, pode-se dizer que vivemos numa sociedade de trabalhadores sem trabalho. Sociedade de trabalhadores porque é construída em torno da ética do trabalho, porque nela o trabalho é o princípio fundamental e organizador da vida – vivemos para trabalhar. É pelo exercício de uma profissão que as pessoas adquirem identidade social. Mas, cada vez mais, é uma sociedade de trabalhadores sem trabalho, pois o mercado de trabalho se encolhe como resultado tanto do surgimento de novos padrões de organização produtiva – terceirização, flexibilização, com a conseqüente precarização das relações de trabalho – quanto do advento de novas tecnologias e conseqüente redução na quantidade de trabalho socialmente necessário.

Em geral, este contexto tem levado ao desenvolvimento de formas alternativas de geração de emprego/renda: algumas individuais, muitas Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 21-38, jan./dez. 2005


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sendo empurradas para a informalidade ou para a ilegalidade; outras coletivas, assumindo formas de organização que divergem da lógica exploratória e autoritária, ainda predominante no mundo do trabalho.

2 TRABALHO E COOPERAÇÃO Mesmo em sociedades competitivas, existe um mínimo de cooperação entre os indivíduos e organizações, sem o qual seria impossível a convivência entre as pessoas. Esse mínimo pode surgir de simples atitudes de acomodação e mudar conforme as circunstâncias ou interesses momentâneos – tanto de indivíduos, quanto de grupos – por exemplo, no caso de mutirões. Em alguns casos, ocorrem formas de cooperação formais e permanentes que se manifestam quando um grupo de pessoas resolve se organizar em torno de um empreendimento para atender a determinadas necessidades sociais (de emprego, educação, lazer, etc.). Até o início da década de 90, atribuía-se pouca importância às iniciativas econômicas populares, marcadas pelo preconceito, negligência e/ ou indiferença do Estado. No máximo, eram vistas como ações assistencialistas para atenuar a pobreza. No entanto, essas experiências ganharam mais visibilidade nos tempos atuais e vêm sendo consideradas alternativas viáveis e promissoras para geração de renda, além de apontarem para a constituição de um novo paradigma socioeconômico, que combinaria autogestão e solidariedade. Dentre as formas de cooperação conhecidas, há inúmeras alternativas que, às vezes, produzem imprecisões de terminologia. Tentando reduzilas, convém diferenciar cinco expressões muito utilizadas nas discussões sobre iniciativas populares: terceiro setor, economia social, economia solidária, economia popular e economia informal. De fato, todas essas combinações se referem a um espaço de vida social, que tem o objetivo de se colocar como alternativas às dificuldades decorrentes do desemprego e da fragilização das relações de trabalho. Porém, há importantes demarcações quanto aos seus significados e diferenças, que estão relacionadas à construção de um discurso próprio (a cada um deles) associado a contextos específicos. Muito difundido na mídia, o conceito de terceiro setor se origina, segundo França Filho (2002), no contexto norte-americano. Está ligado à filantropia e identifica organizações não-governamentais sem fins lucraScientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 21-38, jan./dez. 2005


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tivos e com certo nível de participação voluntária. São organizações – não-políticas, não-religiosas, não-governamentais e não-mercantis – que realizam funções que o poder público não deu conta de realizar. Aparecem em alguns casos como substitutivo ou complementar ao papel do Estado, tendo surgido em virtude da impossibilidade, insuficiência ou desinteresse da ação pública em determinados aspectos da proteção social. O termo economia popular emerge no contexto latino-americano, referenciando pequenas atividades produtivas e comerciais dos setores pobres e marginais das grandes cidades da América Latina. São biscates, mutirões, ocupações autônomas e empresas familiares. Também possuem forte caráter de solidariedade. Diferencia-se da economia informal que assume a forma de microprojetos individuais, conformando uma espécie de simulacro precário das práticas mercantis oficiais. O termo economia informal começou a ser mais amplamente utilizado na década de 60, no âmbito do Programa Mundial de Emprego e Organização do Trabalho, definido como um fenômeno ligado ao subdesenvolvimento. Esta definição compreendia economia familiar, setor de micronegócios e associações de trabalhadores para a produção e a prestação de serviços (LECHAT, 2002).2 O termo economia social aparece primeiramente na Europa, com raízes no movimento associativista operário do século XIX, largamente influenciado pelo ideário de ajuda mútua, de cooperação e de associação. Na época, esses movimentos geraram grande debate político ao se recusarem à autonomia do aspecto econômico de suas práticas. Era um ideal de transformação social e do mundo do trabalho – que passou a ser chamado de socialismo utópico – que não passava pela tomada de poder político do Estado, mas pela possibilidade de multiplicação das experiências. Naquele momento, a Europa vivia o nascimento do capitalismo, num contexto de desemprego e pauperização devido à superexploração do trabalho. Segundo Motchane (2003), a economia social tem raízes profundas na Idade Média. As guildas, confrarias, corporações de ofício e compagnonages (associações de solidariedade entre trabalhadores) constituem os seus longínquos ancestrais. Na Inglaterra e nos EUA, várias comunidades ou aldeias cooperativas foram criadas no século XIX e mantiveram-se por poucos anos, sendo extintas pela feroz reação da classe patronal e pela hostilidade declarada do governo. A mais famosa dessas Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 21-38, jan./dez. 2005


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comunidades foi Rochedale, cuja carta de princípios até hoje inspira o cooperativismo e sua legislação em nível mundial. França Filho (2002) destaca a importância desses tipos de movimentos coletivos que, ao criar novos modos de organização social, são capazes de gerar formas inéditas de ação pública. Um bom exemplo desse fato é o sistema previdenciário que, na Europa do século XIX, começou como uma iniciativa solidária, posteriormente utilizada pelo Estado. No entanto, o mesmo autor destaca que: Iniciativas oriundas dos setores populares, combinando as dimensões social e econômica, sob um fundo de luta política, essas experiências modificam sua prática ao longo da história, ganhando um aspecto jurídico e o reconhecimento do Estado, a partir de estatutos específicos. Ao ganhar estatuto jurídico, essas organizações estavam se incorporando à economia dominante, perdendo o seu caráter político. Essa nova economia social se tornara institucionalizada no século XX como espécie de apêndice do aparelho Estatal (FRANÇA FILHO, 2002, p. 10).

Economia solidária é um termo amplamente utilizado com acepções variadas, mas tendo em comum a idéia de solidariedade, contrapondose ao individualismo competitivo que caracteriza o comportamento econômico padrão das sociedades capitalistas. O conceito abrange experiências de solidariedade, mutualismo, cooperação e autogestão comunitária e impõe uma racionalidade diferente das outras realidades econômicas. Em geral, essas iniciativas apresentam-se sob a forma de grupos de produção, associações e cooperativas e combinam atividades econômicas com ações de cunho educativo e cultural, valorizando o sentido da comunidade de trabalho e o compromisso com a coletividade social em que se inserem (GAIGER, 2003a). Seu valor central é o trabalho, o saber e a criatividade humana, não limitando sua eficiência à questão econômica, mas também à qualidade de vida e satisfação de seus membros e, ao mesmo tempo, de toda a comunidade. É um poderoso instrumento de combate à exclusão social, pois apresenta alternativas viáveis para a geração de trabalho e renda. A economia solidária, no contexto europeu, aparece como um movimento de renovação e reatualização da economia social. São atividades econômicas com objetivos sociais, que reconhecem uma outra Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 21-38, jan./dez. 2005


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possibilidade de sustentação das formas de vida de indivíduos em sociedade, não-centrada nas esferas do Estado e do mercado. Uma característica da economia solidária é a hibridação das economias, isto é, a possibilidade de combinação de uma economia mercantil (serviços), nãomercantil (recursos públicos) e não-monetária (trabalho voluntário). Outra característica é a construção conjunta da oferta e da demanda, vinculando-se exclusivamente às necessidades e demandas reais vividas localmente pela comunidade. Assim, não se direciona apenas pela lógica do Mercado, mas principalmente pela necessidade de atender às demandas locais. É uma tentativa de autogerar riquezas para suprir os problemas sociais (FRANÇA FILHO, 2002). Dessa forma, a economia solidária pode ser considerada uma nova economia social, porque já estava presente nos seus primórdios, tendo sido esquecida e, agora, diante da necessidade, retomada. Funcionando sob princípios de autogestão e cooperação, muitas dessas atividades têm garantido a sobrevivência e a subsistência de populações carentes, afetadas há décadas por uma conjuntura economicamente adversa. Além da geração de renda, podem possibilitar o aprendizado de ofícios, o autodesenvolvimento intelectual e profissional, além de uma reconstrução individual da autoconfiança e autonomia. 2.1

ANTECEDENTES E FUNDAMENTOS DA ECONOMIA SOLIDÁRIA

A forma mais representativa de economia solidária é o cooperativismo. Esta palavra não denomina apenas uma atividade econômica, mas, acima de tudo, uma doutrina. Segundo Schneider (1994), a doutrina cooperativa situa-se na linha do dever ser, não numa dimensão impositiva, mas como um apelo às consciências para optarem por uma proposta comportamental que conduza a uma sociedade e/ou a um sistema econômico alternativo, que seja mais solidário, justo, autônomo, democrático e participativo. Dessa forma, os valores, princípios e normas propostos são um paradigma que ajudam a orientar as ações dos seus seguidores. Portanto, [...] a proposta doutrinária do cooperativismo não expressa o que o cooperativismo já é ‘aqui e agora’ no seu real processo histórico, mas sim ‘o que pretende ser’ a médio e longo prazo. A prática real e cotidiana do cooperativismo mostrará muitas imperfeições, desScientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 21-38, jan./dez. 2005


28 vios, lacunas e omissões em relação ao seu conteúdo normativo. Os aspectos negativos de sua prática não invalidam a riqueza do seu conteúdo normativo, mas, sim, são estímulo para a sua progressiva correção, quando os esforços de melhoria se realizam à luz do paradigma axiológico, que serve de guia, de norte para a ação. Sem este paradigma, são inúteis, dispersivos, meramente conjunturais os inevitáveis esforços de correção de rumo das distorções que ocorrem em qualquer prática cooperativa, mesmo na mais evoluída (SCHNEIDER, 1994, p. 8, grifos do autor).

É necessário salientar que existem divergências dentro do cooperativismo – entre os acadêmicos e estudiosos do tema, entre funcionários públicos que orientam as políticas cooperativistas, entre organizações de apoio aos empreendimentos e entre os próprios trabalhadores associados –, não sendo uma corrente doutrinária unânime, embora tenham em comum alguns referenciais, como o de ser uma proposta de apoio mútuo, por meio de associações que funcionam sob os princípios de igualdade, democracia, solidariedade, cooperação, participação popular e autogestão. De uma forma geral, podemos dizer que há um fundo de utopia dentro da doutrina cooperativista. Há uma pregação utópica que, na prática, aplica-se de forma bem diferenciada. Schneider (1994) nos explica que o cooperativismo deve sua origem ao movimento operário e a um movimento de idéias. A cooperação, como forma de ajuda mútua, esteve presente ao longo de toda a história da humanidade. Entretanto, uma forma de cooperação mais sistemática nasce com as cooperativas modernas, que surgem num momento em que o espírito de solidariedade parecia ter desaparecido, na fase mais voraz e selvagem do início do capitalismo industrial. Segundo o autor citado, as cooperativas surgem como uma reação do mundo operário e camponês à grave situação de exploração durante a primeira fase da Revolução Industrial, quando o liberalismo era contrário a qualquer forma de associação profissional que visasse à defesa dos interesses de classe. Inicialmente, segundo Schneider (1994), as associações eram ao mesmo tempo partido político, sindicato e cooperativa. Progressivamente, o movimento operário teria se diferenciado em três ramos principais: o sindicato no campo trabalhista, o socialismo no plano político e o cooperativismo numa estrutura socioeconômica.

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Mais ou menos nessa época (no início da Revolução Industrial), surgem muitas idéias e pensadores apresentando soluções para a questão social de então. São precursores da doutrina cooperativista pensadores como: Robert Owen, Charles Fourier, Louis Blanc, Pierre Joseph Proudhon, Willian King, Philippe Buchez, dentre outros. Todos eles se insurgem contra as desigualdades sociais geradas pelo capitalismo e todos coincidem em: destacar a idéia de associação, a ação emancipadora da classe trabalhadora, organizando os seus interesses por meio da auto-ajuda – e não desde o poder – a subordinação do capital ao trabalho, a eliminação do lucro e a organização cooperativa de toda a economia, baseada na democracia, na eqüidade e na solidariedade (SCHNEIDER, 1994). Neste percurso histórico, cabe destacar a famosa experiência da Sociedade dos Pioneiros de Rochedale que, embora tenha sido precedida de diversas experiências, é mundialmente reconhecida como a precursora do movimento cooperativo moderno. Essa experiência teve um êxito notável e foi a base a partir da qual se desenvolveu o movimento cooperativo, servindo de inspiração e exemplo para as organizações cooperativas do mundo inteiro. A Sociedade dos Pioneiros de Rochedale foi criada em Manchester, Inglaterra, no ano de 1844. A iniciativa partiu de 28 tecelões, em situação de greve e de demissão em massa que, baseados em idéias precedentes sobre associativismo, organizaram uma sociedade em comum (só mais tarde denominada cooperativa), com o objetivo de fornecer bens de consumo aos associados e outros serviços de ordem econômica e social. Sua iniciativa cresceu e desenvolveu-se, tendo sido elaborado o famoso Estatuto de Rochedale, que previu objetivos mais amplos e profundos e incorporou algumas normas fundamentais à existência e manutenção da sociedade. Em seus estatutos, foram codificados princípios e métodos essenciais do cooperativismo, aplicando-os com perspicácia e propagando-os com êxito. Segundo Pinho (2001), a Sociedade dos Pioneiros de Rochedale desenvolveu-se rapidamente graças à intensa urbanização e à expansão das ferrovias nos países europeus que lideravam a industrialização na Europa.3 A iniciativa superou as dificuldades econômicas iniciais e, já em 1852, seus armazéns abrangiam seis seções com contabilidade especial – drogaria, açougue, mercearia, chapelaria, sapataria e alfaiataria. O sucesso transformou a experiência de Rochedale em símbolo, Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 21-38, jan./dez. 2005


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e as normas elaboradas pelos 28 tecelões são, em parte, até hoje seguidas pela legislação cooperativista do mundo inteiro. O pequeno edifício onde os Pioneiros iniciaram sua cooperativa de consumo tornou-se, desde 1931, o Museu da Cooperação. Como herança do legado dos Pioneiros, segundo Schneider (1994), a cooperação passa a adquirir cada dia mais importância nos países desenvolvidos, especialmente nos nórdicos, e nos países do Terceiro Mundo, tanto em economias de mercado quanto em economias centralmente planejadas. A modesta origem hoje traduz-se em aproximadamente 800 milhões de associados de cooperativas, espalhados pelos cinco continentes. Se até 1960 a Europa tinha a hegemonia em número de cooperativas e de associados, hoje são os demais continentes que contam com a sua maioria. São particularmente os países do Terceiro Mundo que, em época recente, apresentam as maiores taxas de crescimento das experiências cooperativistas. Os princípios que norteiam o cooperativismo internacional foram inspirados pela Carta de Princípios de Rochedale, revistos e aprovados em 1995, num congresso promovido pela Aliança Cooperativa Internacional (ACI). São eles: (1) adesão livre e voluntária, (2) controle democrático, (3) participação econômica dos sócios, (4) autonomia e independência, (5) educação, treinamento e informação, (6) cooperação entre cooperativas e (7) preocupação com a comunidade. De todos esses princípios, a característica que fica mais marcante no cooperativismo é a idéia de autogestão que, segundo Albuquerque (2003), pode ser definida como o conjunto de práticas sociais que se caracteriza pela natureza democrática das tomadas de decisão, que propicia a autonomia de um coletivo. Ele complementa: É um exercício de poder compartilhado, que qualifica as relações sociais de cooperação entre pessoas e/ou grupos, independente do tipo das estruturas organizativas ou das atividades por expressarem intencionalmente relações sociais mais horizontais (ALBUQUERQUE, 2003, p. 20).

Sob esses pressupostos conclui-se que uma empresa autogerida é uma organização produtiva sob a qual o poder de decisão pertence igualmente a todo o coletivo de trabalhadores. Também o ganho líquido é dividido entre os trabalhadores segundo regras estatutárias ou acordadas em assembléias gerais. A principal idéia dessa prática social, citando Albuquerque (2003), está na repartição do ganho e do poder, na união Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 21-38, jan./dez. 2005


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de esforços e no estabelecimento de um outro tipo de agir coletivo que tem na cooperação a implementação de um outro tipo de ação social. Hoje, algumas experiências práticas distanciaram-se de seu legado inicial – a Doutrina Cooperativa – na medida em que muitas experiências foram absorvidas pelo capitalismo e pelo ideário liberal. Também o rápido avanço tecnológico, que exigiu profundas modificações no processo e nas relações de trabalho, contribuiu para que as organizações cooperativas se aproximassem de empresas comerciais, buscando modernizar-se e adaptar-se às estruturas econômicas. De qualquer forma, alguns doutrinadores cooperativistas vêm defendendo a reformulação da doutrina; já outros argumentam que os princípios são critérios de autenticidade e que não podem ser modificados (LISBOA, 1999). Na tentativa de suprir as necessidades de viabilidade econômica, é surpreendente notar que, mesmo em um contexto desfavorável, estes empreendimentos irrompam com uma enorme vitalidade, o que nos obriga a perguntar como seria a realidade dessas iniciativas se elas tivessem o suporte dos imensos fundos públicos – e não as atuais migalhas – e fossem apoiadas por efetivas políticas nacionais de desenvolvimento. Não se trata, nesses casos, de um discurso ético ou de políticas tipo frente de trabalho geradoras de ocupações temporárias, mal pagas e humilhantes, mas da dinamização do circuito de subsistência, de pensar a economia solidária como um espaço de economia portador de alternativas de geração de trabalho e renda, a partir do qual podem-se formular políticas públicas diversas (LISBOA, 1999). Essas alternativas, há tempos vistas como paliativas e emergenciais, têm sido hoje percebidas como respostas necessárias a demandas urgentes, base para reconstruir o tecido social, embrião de novas formas de produção e estimuladora de alternativas de vida econômica e social. São iniciativas que, embora vulneráveis, podem alcançar estabilidade mínima e viabilidade a médio ou longo prazo. Têm se expandido, manifestando-se como uma tendência global diante dos impactos do desemprego e da precarização do trabalho. Esta tendência não exclui outros agentes nem dispensa a presença do Estado, mas abre possibilidade a um mercado não-capitalista, porém sem ignorá-lo. Conforma-se como uma atitude crítica em frente à organização do trabalho, tendo-o como ponto de partida e orientada por valores não mercantis, como solidariedade, autonomia, igualdade e democracia. Orienta-se para o crescimento e expansão.

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Esses movimentos solidários enfrentam inúmeras barreiras, que vão desde problemas de gerenciamento por falta de preparo ou de soluções organizativas e dificuldades para repor o capital de giro, até a dificuldade maior dos associados de se articularem e de tomarem decisões, por ainda estarem imersos nos ideais de competitividade, individualismo e exploração que circundam o mundo capitalista. Entretanto, Gaiger (2003b) enumera possíveis razões que possam explicar o sucesso de muitas dessas alternativas: combinam de forma original o espírito empresarial (no sentido da busca de resultados por meio de uma ação planejada e pela otimização dos fatores produtivos, humanos e materiais) e o espírito solidário, de forma que a própria cooperação funciona como vetor de racionalização econômica, produzindo efeitos tangíveis e vantagens reais se comparadas à ação individual. O solidarismo penetra no cotidiano dos indivíduos e de cada grupo como um princípio para a vida diária e uma postura diante dos problemas pessoais e coletivos. Esse princípio pode ser o indício de uma nova forma de produção, distinta e ao mesmo tempo compatível, com o modo de produção capitalista. 2.2

ECONOMIA SOLIDÁRIA NO BRASIL

No Brasil, os principais modelos europeus de cooperativas introduzidos desde o final do século XIX encontraram muitos obstáculos – população rarefeita, escassos meios de transporte e de comunicação, relações de trabalho ainda marcadas pela economia escravocrata e pelo individualismo, falta de tradição de associativismo nas atividades econômicas, etc. Nessa época, os poderes públicos da Federação e dos Estados incentivaram especialmente a multiplicação de cooperativas de produtores agrícolas para aumentar a produção destinada ao consumo interno e à exportação. No começo do século XX, surgiram cooperativas de crédito agrícola, sobretudo nas áreas de colonização alemã e italiana do Sul do País. Entretanto, políticas contraditórias dificultaram por muito tempo o crescimento das iniciativas. Destaca-se dentre essas políticas o período da ditadura militar, quando o governo federal extinguiu quase totalmente as cooperativas de crédito rural e urbano, com a Lei 4.595/64 (Reforma Bancária). Nos grandes centros urbanos, entretanto, começavam a surgir cooperativas de economia e de crédito mútuo (PINHO, 2001).3 Em 1971 é criada a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), órgão oficial de representação do cooperativismo nacional. No final dos anos 80, devido a alguns fatores favoráveis (abertura econômica e redemocratização do Brasil, constituição de 1988, condições para a criaScientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 21-38, jan./dez. 2005


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ção de bancos cooperativos, etc.), inicia-se um renascimento do cooperativismo de crédito rural. Nos anos 90, o Sistema Cooperativo Brasileiro internacionaliza-se, passando a ocupar espaço na representação da ACI-Américas. Ao mesmo tempo, o apoio oficial do Estado, via Departamento de Cooperativismo e Associativismo Rural (Denacoop), do Ministério da Agricultura e do Abastecimento, contribuiu para a capacitação e para o revigoramento do sistema cooperativo. As cooperativas de crédito organizaram-se em centrais, federações e confederações, criando estrutura vertical que possibilitou a organização e o funcionamento de instituições como o Bransicredi4 e o Bancoob5. A partir de 1999, foi criado o Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop) como um instrumento operacional da OCB, tendo como principais objetivos o ensino de formação profissional e a promoção social dos trabalhadores e dos cooperados de todo o território nacional (PINHO, 2001). A experiência de economia solidária mais representativa é o cooperativismo, cuja legislação, no Brasil, data de 1971 e o define como sociedade de pessoas, com forma e natureza jurídica, de natureza civil, não sujeitas à falência, para prestar serviços aos associados. Pela lei, as cooperativas devem ter estatutos próprios, aprovados em assembléia geral. Essa legislação é antiga e imprime uma série de falhas que dão suporte à acumulação de inúmeras cooperativas falsas, que se aproveitam dos privilégios fiscais e implantam processos de terceirização ou de flexibilização/redução dos direitos do trabalho. Trata-se da utilização distorcida da legislação cooperativista. Outros obstáculos para o desenvolvimento dessas propostas referem-se à precária formação escolar e técnica dos trabalhadores, à difícil relação com os sindicatos e, principalmente, ao risco do isolamento, em função da pressão capitalista. Como importantes atores sociais de divulgação e de defesa do movimento cooperativista no Brasil, destaca-se atuação de diversas instituições, dando destaque a algumas entidades religiosas e Ong’s, muitas das quais reunidas na conhecida Rede Nacional de Socioeconomia Solidária – entidade que procura agregar os mais diversos empreendimentos, buscando a solução conjunta de problemas, o apoio técnico e teórico, o fomento à educação cooperativista, o suporte a novos empreendimentos e a participação junto às políticas públicas de interferência direta e indireta sobre o funcionamento das cooperativas nacionais.

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Agregado à Rede Nacional de Socioeconomia Solidária está o Fórum de Cooperativismo Popular (FCP), órgão não-filiado à OCB que coordena e representa as cooperativas local e nacionalmente, procurando estabelecer um contato de maior proximidade e apoio junto às experiências solidárias e buscando incentivar e aprimorar a capacidade participativa e de autogestão dos vários empreendimentos associativos e cooperativos, através de reuniões locais e de assembléias deliberativas. Este fórum mantém núcleos estaduais e regionais e é uma das formas de representatividade que mais se aproxima dos grupos populares, procurando localizá-los, orientá-los e incluí-los nos debates regionais, estaduais e nacionais sobre economia solidária e temas afins. Nos últimos anos, o Estado tem estimulado a formação de cooperativas, por meio da criação de órgãos especificamente estruturados para esse objetivo. Alguns governos locais têm fomentado a criação e fortalecimento de grupos associativos, contribuindo para a expansão do número de iniciativas. Em 2003, foi criada a Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), vinculada ao Ministério do Trabalho, sob a direção do Prof. Paul Singer, tendo a colaboração de inúmeros outros atores sociais envolvidos. Essa secretaria tem-se constituído num importante instrumento para a formulação e implementação de políticas públicas nacionais de incentivo e apoio aos empreendimentos de economia solidária no Brasil. Também algumas universidades têm sido importantes nesse movimento, especialmente a partir da atuação das Incubadoras Tecnológicas de Cooperativismo Popular, que desempenham funções de capacitação, formação e acompanhamento de grupos de autogestão, além do auxílio a projetos de criação, estudos de viabilidade econômica, apoio técnico e administrativo de cooperativas incipientes.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Acreditamos que, na qualidade de alternativa a situações de exclusão social, os empreendimentos cooperativos não se apresentam apenas como uma alternativa econômica, mas como parte de um movimento social. É um processo que acontece à medida que a população supera as saídas individuais e recorre a alternativas coletivas. O movimento nasce a partir de um problema local e imediato, mas seu desenvolvimento tende a aumentar as reivindicações para as esferas mais amplas de realidade social. A sua grande importância está no exercício de organização e enfrentamento que se dá a partir das dificuldades percebidas. Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 21-38, jan./dez. 2005


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Seu campo de atuação amplia-se à medida que outros problemas vão sendo percebidos e que se reconhece a necessidade de atuar coletivamente em sua resolução. Alguns avanços possíveis se mostram pela possibilidade de auxiliar na mudança de valores a partir da afirmação e da prática dos princípios da doutrina cooperativista. Entretanto, é preciso sair do discurso puramente ideológico e aumentar a dimensão das experiências práticas, através do cumprimento efetivo de tais princípios. É importante citar a relevância da aplicação dos princípios de educação, preocupação com a comunidade e cooperação entre cooperativas, valendo-se do suporte possibilitado pelas incubadoras de cooperativas vinculadas às universidades e por instituições destinadas ao apoio, fomento e incentivo a essas iniciativas. Tal suporte e assistência precisam ser aproveitados para ajudarem na organização e sobrevivência desses empreendimentos, mas também para propiciarem um planejamento estratégico de longo prazo, saindo do imediatismo e buscando sua sobrevivência e superação dos obstáculos ao longo dos anos. Como iniciativa governamental, a recente criação da Senaes contribui para o avanço, aumentando a visibilidade do movimento e fortalecendo as mesas de discussões. Prova dessa maior visibilidade é a inclusão desse tema (economia solidária) na agenda de discussões de movimentos como o Fórum Social, a Associação Brasileira de Psicologia Social, a Fundação Oswaldo Cruz, a Cáritas do Brasil, algumas universidades públicas e privadas, diversas outras instituições não-governamentais, além da presença do tema no planejamento social de diversos municípios e estados brasileiros. Atualmente, destaca-se a articulação e mobilização realizadas pelos Fóruns de Cooperativismo Popular em níveis locais, regionais e nacional, promovendo e estendendo discussões e levando questões locais a âmbitos maiores, contribuindo para o fortalecimento e maior abrangência do movimento. Destacamos, como importantes perspectivas do movimento cooperativista, a continuidade das ações de mobilização local e comunitária e o fortalecimento e organização dessa e de outras iniciativas ligadas a processos de autonomia individual e coletiva; ações destinadas à geração local de renda, buscando o envolvimento das comunidades, o aumento da visibilidade de suas ações e, de forma abrangente e em longo prazo, a redução do desemprego e precarização do trabalho e das desigualdades sociais. Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 21-38, jan./dez. 2005


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Da forma como têm se constituído, muitas dessas alternativas podem colocar-se como um exemplo, como um caminho a ser seguido por outras tentativas, como movimento a ser valorizado e apoiado por entidades diversas (pesquisadores, instituições, poder público, Ong’s). Cada vez mais, a forma como tem se constituído nossa sociedade mostra-nos o quanto é difícil agir sozinho e o quanto a experiência da coletividade pode tornar possível alternativas que seriam impensáveis no âmbito individual. E é na realização dessas tarefas que a coletividade faz mais falta. Mas é também a partir delas que tal coletividade pode se realizar. Se vier a existir uma comunidade verdadeiramente solidária no mundo dos indivíduos, só poderá ser (e precisa sê-lo) uma comunidade tecida em conjunto a partir do compartilhamento e do cuidado mútuo; haverá de ser uma comunidade de interesse e responsabilidade em relação aos direitos iguais de sermos humanos e à igual capacidade de agirmos em defesa de direitos fundamentais e de melhorias da qualidade de vida.

SUPPORTIVES WAYS OF WORKING: AN ALTERNATIVE TO GENERATE INCOME ABSTRACT This article provides an overview of economy of solidarity, the context of their emergence, their main guidelines as a social alternative and their development, identifying some difficulties for their implementation. In addition, the studies points some terminological distinctions about confused terms on the discussions of popular economic alternatives. We finish pointing some challenges for the workers and society as a whole in overcoming the difficulties in this field. Keywords: Economy solidary. Co-operative system. Unemployment. Local development.

NOTAS EXPLICATIVAS 2

LECHAT, N. M. P. As raízes históricas da economia solidária e seu aparecimento no Brasil. Palestra proferida durante o II Seminário de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares, em Campinas (SP), em 2002.

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PINHO, D. B. Cooperativismo: fundamentos doutrinários e teóricos. São Paulo, 2001. (mimeo.).

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Banco que reúne as cooperativas do Sistema SICREDI. Começou a renascer aos poucos no Sul do país. Atualmente, reúne cooperativas de crédito do Rio Grande do Sul, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul; em outros estados está em fase de implantação.

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Banco Cooperativo do Brasil. Mantém postos de atendimento espalhados por todo o Brasil.

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O PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO NA PERSPECTIVA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: UMA ABORDAGEM ACERCA DE SEUS IMPACTOS SOBRE O ESTADO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO1

DANIÈLLE DE OLIVEIRA BRESCIANI2 AUGUSTO CESAR SALOMÃO MOZINE3

1

Artigo resultante de pesquisa acadêmica aprovada e financiada pelo Centro Universitário Vila Velha. 2 Mestre em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Professora e Diretora de Pós-Graduação e Pesquisa do Centro Universitário Vila Velha. E-mail: bresciani@uvv.br. 3 Bacharel em Relações Internacionais e graduando do Curso de Direito do Centro Universitário Vila Velha. E-mail: augusto.mozine@uol.com.br.

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RESUMO Aborda a temática do processo de globalização enquanto fenômeno socioistórico, a partir do entendimento das Teorias das Relações Internacionais e das Correntes da Globalização e suas inter-relações, com vistas a analisar os reflexos deste Processo no papel desempenhado pelo Estado-nação nos dias de hoje. Para tanto, traça uma perspectiva teórica embasando um posterior estudo de caso acerca dos impactos da globalização no Estado Democrático Brasileiro. Observa que a maior inserção do Brasil neste contexto acarretou um deslocamento das funções exercidas pelo Estado a partir da emergência de novos atores sociais internacionais e apresentou desdobramentos, positivos e negativos, relacionados às variáveis produtivas, ambientais e sociais. Verifica, portanto, a premência do Estado-nação, enquanto sujeito e, concomitantemente, objeto do Processo de Globalização. Palavras-chave: Globalização – Brasil. Relações internacionais – Brasil.

1 INTRODUÇÃO O Processo de Globalização, enquanto fenômeno socioistórico, possibilita a introdução de novos atores no Sistema Internacional e modifica o escopo das Relações Internacionais, influindo no papel dos Estadosnações. Este processo constitui um novo objeto de estudo em face das Teorias das Relações Internacionais. Desta forma, questiona-se em que medida o Processo de Globalização estimula a modificação do Estado Democrático no Brasil. Objetivando analisar em que medida as modificações no Estado Brasileiro, na era democrática, decorrem do Processo de Globalização, propõe-se: em primeiro lugar uma análise da Globalização pelas Teorias das Relações Internacionais – o Construtivismo, o Racionalismo e o Pluralismo – e pelas Correntes da Globalização – Globalizers, Hiperglobalistas e Céticos; em seguida, apresenta-se uma leitura da configuração do papel do Estado-nação no Sistema Internacional contemporâneo e, por fim, discutem-se os reflexos desse Processo sobre o caso brasileiro.

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2 A GLOBALIZAÇÃO VIS-À-VIS AS TEORIAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS E SUAS PRINCIPAIS CORRENTES: PRESSUPOSTOS PARA UMA ANÁLISE DO PAPEL DO ESTADO-NAÇÃO A Globalização, enquanto fenômeno, é discutida em vários âmbitos teórico-científicos e em diversas perspectivas. Dessa maneira, verificamse contribuições das Ciências Sociais, Políticas, Econômicas que servem de suporte a uma leitura, pela Teoria das Relações Internacionais, dessa nova configuração de tempo e espaço global. Definir Globalização, contudo, demonstra-se uma tarefa árdua, visto que a multiplicidade de visões e a interdisciplinaridade de interpretações a ela empregadas emprestam-lhe um ar de fenômeno metafísico. As discussões subjacentes à definição do que possa ser Globalização perpassam por três aspectos. Entende-se como um processo, tendo em vista a idéia de desencadeamento de fatos e movimento de reconhecimento e representação entre os agentes que a compõem; aliado a este fator agrega-se a historicidade que a vincula a um processo maior, o capitalismo, empregando-lhe a idéia de desenvolvimento temporal e racional; por fim se lhe apregoa a idéia de fenômeno social, à medida que a interação entre atores e agentes suscita a discussão acerca da multiplicação e redefinição de seus papéis e valores. Por conseguinte, conceituar Globalização implica considerar sua característica de Processo histórico-social e espacial, como demonstram Held e McGrew (2001) a globalização está intimamente relacionada ao alcance espacial da ação e da organização sociais, alcançando uma escala global, cujas distâncias tendem a encolher proporcionando o aumento da interação social entre as nações. Em suas palavras, a Globalização “[...] Refere-se a uma mudança ou transformação na escala da organização social que liga comunidades distantes e amplia o alcance das relações de poder nas grandes regiões e continentes do mundo” (HELD; McGREW, 2001, p. 13). Todavia, um dos desafios inerentes à compreensão da Globalização consiste em delimitá-la enquanto fenômeno. Scholte (2002) aponta uma tendência em interpretá-la como dinâmicas isoladas, a saber: Internacionalização, Liberalização, Universalização e Ocidentalização. Não obstante sua importância, o autor salienta, nenhuma delas consegue explicar suficientemente a Globalização.

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A Internacionalização refere-se apenas ao incremento das transações e ao aumento do grau de interdependência entre os Estados. A Liberalização, por sua vez, defende a diminuição do Estado a partir de uma ideologia neoliberal, resultando na constituição de uma economia mundial sem fronteiras. A concepção de Universalização está relacionada a uma possível homogeneização cultural, econômica, jurídica e política. Por fim, a Ocidentalização aponta uma particular universalização do modelo sociocultural aplicado na Europa Moderna, destruindo culturas pré-existentes e autodeterminações locais dentro do Processo de Globalização (SCHOLTE, 2002). A variedade de interpretações, contudo, contribui para um melhor entendimento do Processo, que não se caracteriza apenas por uma dessas concepções, todavia perpassa a compreensão das dinâmicas como um todo. O ponto crucial para Scholte é a espacialidade, vista como local de ação e experiência humana, identificando o planeta enquanto espaço social. Nas palavras de Scholte (2002, p. 15): “Globality in a broader sense of transplanetary relations refers to social links between people located at points anywhere on earth, within a whole-world context”.4 Não obstante, a premência em se compreenderem as diferentes dinâmicas envolvidas no Processo de Globalização, cabe destacar que para os fins deste estudo – uma análise do papel do Estado – devese enfatizar, em maior medida, o caráter neoliberal do Processo dentro de uma concepção espacial-histórica. Nesta perspectiva, merece destaque o pensamento de Hirst e Thompson (1998, 2002) que caracteriza a Globalização em termos histórico-sociais, tendo em vista que a medida em que ocorre a internacionalização da economia, movida pelos preceitos neoliberais, há um processo de autonomia social do Sistema Internacional. Para Hirst e Thompson (1998), a Globalização possui um cunho histórico na medida em que seu surgimento e desenvolvimento corresponde a um processo de retomada dos preceitos liberais como norteadores da economia, principalmente após o colapso do regime de Bretton Woods com as crises do petróleo dos anos de 1970. Neste sentido, a minimalização do Estado-nação como ator meramente social, atuante em um território específico, permite a ênfase que se pretende demonstrar quanto à alteração de seu papel. Isto posto, percebe-se que a consideração da Globalização como um processo histórico-social implica permear suas Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 39-65, jan./dez. 2005


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facetas neoliberal e social, discutindo-se, assim, a redefinição da atuação do Estado nos ambientes nacional e internacional. Conforme demonstrado, o debate sobre a Globalização perpassa uma abordagem paradigmática multidisciplinar. Contudo, tentar entendêla nessa amplitude inviabilizaria a proposta deste estudo. Dessa maneira, faz-se mister restringir esta análise às Teorias das Relações Internacionais. O estudo da Globalização à luz das teorias das Relações Internacionais consiste na análise desse fenômeno como modificador do papel dos Estados-nação. Nesta perspectiva, as concepções Construtivista, Racionalista e Pluralista proporcionam uma série de pressupostos, a partir de sua correlação com as correntes da Globalização – Globalizers, Hiperglobalistas e Céticos – capazes de explicar, em grande medida, o posicionamento do Estado como ator social (GAMBLE, 2001). A contribuição construtivista consiste em analisar a realidade social de uma maneira inovadora, entendendo o Estado como ator social. Contudo agrega a contribuição da reflexão dos indivíduos – enquanto agentes coletivos – e demais atores sociais para a construção e conhecimento da realidade em que convivem. Por conseguinte, traçam-se argumentos indispensáveis ao estudo da comunidade internacional sob suas mais variadas configurações. O enfoque construtivista não se encontra exclusivamente no Estado, porém na maneira em que as ações dos indivíduos, identidades e demais atores sociais se condicionam à intervenção daquele. Faz-se mister, portanto, a colaboração do Construtivismo para a análise da Globalização, a fim de ultrapassar a visão reducionista de um mundo material e individualista (ADLER, 1999). Dessa maneira introduz-se um estudo da Globalização enquanto fenômeno social e coletivo, calcado na influência dos agentes na construção de um todo. A concepção racionalista consiste em uma visão de uma Sociedade Internacional – em substituição a uma análise focada exclusivamente da Sociedade de Estados – na qual surge um clamor por uma justiça internacional, ampliando-se o papel das instituições. Dessa forma, o papel do Estado modifica-se, na medida em que há uma convergência para um ambiente social internacional e uma redefinição da estrutura de poder, de forma a restringir sua exacerbação. Isto posto, uma eventual análise do Processo Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 39-65, jan./dez. 2005


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de Globalização nos termos do Racionalismo implica a visão do Estado como agente modificador do meio – criando estruturas compartilhadas a partir de interesses comuns – a fim de aprimorar o Sistema. O Racionalismo atém-se à formação de uma Sociedade Internacional Contemporânea que prescinde da constituição de culturas e identidades universais. Não obstante, entende-se a prevalência de interesses e de valores comuns aos Estados – restringir a violência, respeitar a propriedade e assegurar a manutenção de acordos – que corroboram para regras e convenções que preservem uma ordem, ainda que anárquica – entendida como ausência de governo soberano, em detrimento da violência e do caos (LINKLATER, 1996). Neste sentido, introduz-se a Globalização como processo formatado pela ação dos Estados e de Instituições objetivando a construção e manutenção de uma Ordem Internacional justa e igualitária, com vistas a restringir as ações de poder em um contexto de anarquia. A visão pluralista, de forma complementar, emerge, permitindo melhor compreensão acerca do surgimento e da ação de agentes distintos do Estado que influenciam na redefinição da Ordem Internacional. Segundo Clark (1999), a Globalização pode ser pensada como a intensificação do pluralismo, tendo em vista a multiplicação de atores internacionais e transnacionais, consubstanciada na mudança do papel desempenhado pelas Corporações Transnacionais. Neste sentido, há um aumento do grau de interdependência no Sistema Internacional, o que se estabelece como uma das principais características do Processo. A partir destas perspectivas entende-se a Globalização como um processo eminentemente social, capaz de produzir mudanças na realidade do Sistema Internacional. Compreende-se que a contribuição teórica das Relações Internacionais não se restringe às teorias adotadas, posto que, seguindo a orientação de Clark (1999), concepções como o Realismo e o Estruturalismo possibilitam também o entendimento do fenômeno da Globalização. Todavia, optou-se pela utilização de teorias mediadoras – Construtivismo e Racionalismo – do conflito entre Realismo e Estruturalismo e que fossem capazes de amalgamar pressupostos concernentes à análise da Globalização, cujo avanço depende, em certa medida, da concepção pluralista de inclusão de novos atores e da intensificação de sua atuação. A abordagem das Teorias das Relações Internacionais consiste notadamente em postular a Globalização como um processo social, contudo, Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 39-65, jan./dez. 2005


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carece abordar este fenômeno como um processo histórico. Destarte, depreende-se do estudo de Gray (1999) – em consonância com Hirst e Thompson (1998) – que a Globalização se caracteriza por um movimento histórico, influenciado pelos ideais iluministas responsáveis pelo início do Processo de Globalização com o alvorecer do Ideário Liberal. Contudo, este processo possui uma natureza não-linear e encontra-se em constante transformação, haja vista a retomada do Neoliberalismo, o que demonstra o seu caráter inacabado. O debate acerca da Globalização como um processo socioistórico remonta às análises propostas por Shaw (2000) e Gray (1999), a fim de discutir a influência de três correntes, quais sejam: Globalizers, Hiperglobalistas e Céticos. Nesta primeira perspectiva percebe-se uma inclinação em favor da Globalização como um processo de inclusão social, na medida em que aproxima os países através da diminuição das fronteiras e do aumento do fluxo de capitais. Aliada ao surgimento de novas tecnologias, relações de mercado mais fortes e culturas estandardizadas, a Globalização tende a fortalecer-se em detrimento da mitigação do Estado. A questão indicada pelos Globalizers concernente à inclusão social e à aproximação entre o Estado compreende, em grande medida, a proposição Racionalista de uma Sociedade Internacional justa, a despeito das visões destoantes que ambas apresentam com relação às culturas. Na medida em que se entende a atenuação das fronteiras, estabelecem-se relações com a argumentação construtivista, de que os indivíduos e atores sociais não agem, sempre, em consonância com os propósitos dos Estados, promovendo a intensificação dos fluxos fronteiriços. Por conseguinte, percebem-se as interconexões entre essas Teorias das Relações Internacionais e a corrente proposta. A Escola Hiperglobalista entende a supremacia das Corporações Transnacionais em detrimento do Estado-nação (OHMAE, 1996). O esfacelamento dos Estados possibilita uma convergência cultural promovida por uma nova governança global: a das Empresas Multinacionais e a da capacidade de criar novas tecnologias e de transformá-las em lucro, que permite a esses novos atores a ocupação de uma posição central e fundamental na construção de uma Sociedade Global. Portanto, esta corrente empenha-se em analisar uma situação ideal de ausência do Estado e prevalência de uma Ordem Internacional governada por um Mercado Mundial Globalizado.

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A partir do exposto alcançam-se algumas correlações entre esta perspectiva e os posicionamentos Construtivista, Racionalista e Pluralista. No primeiro caso a ação dos indivíduos de forma coletiva e dos atores sociais coaduna com o posicionamento hiperglobalista de que as Corporações Transnacionais, agindo a despeito do Estado, criam uma situação ideal de um Mercado Globalizado. A contribuição racionalista, de maneira divergente, promove o debate acerca da cultura diante do Processo de Globalização. Os Pluralistas, por fim, oferecem o arcabouço para o estudo do posicionamento de atores sociais no contexto global, enfatizando um caráter de interdependência e opondo a relação entre Estados e Empresas Multinacionais. A corrente dos Céticos da Globalização a considera como um movimento histórico iniciado há vários séculos e rechaçam a idéia de um Mundo delineado por um Mercado Único, como crêem os Hiperglobalistas. Não obstante, entendem o Processo de Globalização, encabeçado pela ideologia Neoliberal, como uma constante de que os Estados não dispõem de alternativas reais. Diante disso, esta concepção traduz a Globalização como um instrumento de enfraquecimento das relações sociais em âmbito global, visto que há um premente enfraquecimento do poder de controle dos Estados-nação. Dentre as diversas correntes apresentadas encontram-se as que defendem em maior ou menor grau a prevalência do Estado. Nesta perspectiva, conforme ressalta Beck (1999, p. 98), verifica-se uma redefinição do papel do Estado e de suas prerrogativas, que depende das posições que este adota em frente à Globalização. Em suas palavras: Os Estados nacionais podem fechar-se sobre si mesmos. Mas podem com a mesma eficácia se orientar e se voltar ativamente para o exterior, redirecionando e redefinindo sua política e sua identidade dentro do quadro relacional de entrelaçamento do mundo globalizado.

Isto demonstra que, em consonância com o que apregoam Hirst e Thompson (1998), os Estados-nação desempenham um papel relevante na governabilidade econômica nacional e internacional, bem como têm a função de garantir legitimidade às governabilidades subnacional e supranacional. Cabe ainda ao Estado a prerrogativa de controle do território, mesmo que as fronteiras sejam consideradas menos consistentes. Do exposto, cabe ressaltar alguns preceitos que devem Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 39-65, jan./dez. 2005


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ser observados na análise subseqüente do Estado-nação em face ao Processo de Globalização: • O marco teórico do Pluralismo, nas Relações Internacionais, e os posicionamentos dos Globalizers e dos Céticos da Globalização encontram-se em melhor sintonia com a análise que se pretende traçar, pois enfatizam o estudo acerca dos impactos do Processo de Globalização sobre o Estado-nação; • Não se deve, contudo, rechaçar as demais contribuições, embora se lhes deva tratar subsidiária e comparativamente ao marco teórico adotado; • A Globalização, nesse contexto, caracteriza-se por um Processo Histórico e Social; • Deve-se reconhecer que, embora haja um esmorecimento das fronteiras, a questão territorial e espacial subsiste; • Dentre as muitas formas de interpretar-se a Globalização, merece destaque a que ressalta seu caráter neoliberal, no que concerne à retórica política e ao estudo do Estado; • Encontram-se alterações significativas no papel do Estado e em seu escopo de atuação, em função de um Sistema Internacional pluralista e neoliberal decorrente do Processo de Globalização.

3 A GLOBALIZAÇÃO E O ESTADO: O SURGIMENTO DE UMA NOVA LEITURA DA CONFIGURAÇÃO DO SISTEMA INTERNACIONAL O Sistema Internacional contemporâneo caracteriza-se, de acordo com o marco teórico adotado, por uma dinâmica que coaduna o neoliberalismo e a democracia. Nesse contexto, as relações entre atores se encontrariam em constante transformação e aperfeiçoamento, em busca de melhores condições socioeconômicas. Não obstante, essa nova interação no Sistema suscita a discussão, conforme demonstrado na seção anterior, acerca do papel relegado ao Estado e da própria admissibilidade de um sistema simultaneamente neoliberal e democrático. As correntes anteriormente discutidas encontram no Estado-nação um ponto de inflexão quando se discute o futuro do Processo de Globalização. Os Hiperglobalistas, inicialmente, apregoaram o completo desapaScientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 39-65, jan./dez. 2005


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recimento deste ente no Sistema Mundial (OHMAE, 1996), contudo, debates posteriores questionaram a sumariedade e mesmo a possibilidade de desconsiderar-se o Estado no contexto da Global. Conforme Beck (1999, p. 193), à guisa de exemplo, a condição do Estado se modificaria com a Globalização, descaracterizando-se sua face nacional. A compreensão de Estado se desloca aqui da armadilha territorial da teoria do Estado Nacional e se abre para um conceito de Estado que a) (re)conhece a globalidade como um fato fundamental e incontestável em sua multidimensionalidade e b) eleva a determinação e organização do âmbito transnacional à condição de chave para a nova determinação e a revitalização da política.

Conforme o exposto enfatiza-se o processo de transformação do Estado, de forma que este interaja com o Processo de Globalização, encontrando um ponto comum. Cabe ressaltar que Beck (1999), em uma posição cética, preocupa-se mais com a questão da politização do discurso neoliberal que com o Estado, contudo emprega-lhe papel essencial em uma fase evolutiva mais avançada da Globalização encontrando na forma transnacionalizada deste agente a resposta para a dominação do mercado sobre as estruturas sociais. Em uma perspectiva mais contemporânea, por outro lado, encontra-se a contribuição de Held (1989, p. 228) – enfatizando o posicionamento dos Globalizers – na qual se destaca a modificação do posicionamento e papel do Estado no ambiente Global em face de um relativo esmorecimento da soberania, entendida em sua concepção clássica. Segundo este teórico: It is a commonplace today to hear politicians say they do not control many of the factors which determine the fate of the nation-state. It is international forces, […] which limit the choices facing a state or make it impossible for a particular national policy to be pursued.5

Esta situação se deve às falhas encontradas entre a condição e os pressupostos do Estado-nação e a atual natureza do Sistema Internacional. Para Held (1989) constituem-se em cinco as falhas que possibilitam esta leitura sobre a redução da soberania.

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Considera-se a economia mundial a primeira e a mais relevante delas, visto que as dimensões extraterritoriais do Sistema Econômico Internacional limitam o poder de atuação do Estado; em seguida, têmse, antagonicamente, a presença de atores hegemônicos e blocos de poder que, ao mesmo tempo em que inibem parte da ação do Processo de Globalização sobre alguns Estados, constrangem a atuação de outros; as organizações internacionais, por seu turno, representam a mudança, ainda que gradual, da estrutura de tomada de decisões do meio nacional para o multilateral, enfraquecendo, assim, determinados atores; a quarta falha apresentada encontra-se no fortalecimento do direito internacional que, adquirindo maior presença e aplicabilidade, passa a nortear condutas no âmbito interno dos Estados-nação; por derradeiro, há o fim da política doméstica, caracterizado pela insuficiência do Estado em atuar como representante de seus cidadãos, visto que estes freqüentemente se identificam com instituições e organismos externos e lhe atribuem maior poder de representatividade em detrimento do ente nacional. As presentes falhas demonstram formas pelas quais a soberania pode ser diminuída, contudo não deixam claro o processo percorrido para tal. Nesse sentido, encontra-se em Clark (1999) um sinal de que a participação do Estado condiz em certa medida com este fenômeno, visto que a atuação deste ente na criação de regimes internacionais e no fortalecimento de instituições supranacionais apresenta-se como uma força motriz, no sentido de permitir ao Processo de Globalização sua autonomia enquanto forças econômicas e sociais internacionais politicamente organizadas. Seria dizer que: “[...] the present argument is that the state occupies a middle position between the internal and external and is itself both shaped by, and formative of, the process of globalization” (Clark, 1999, p. 10, grifo do autor).6 Dessa forma tem-se que o fenômeno da Globalização encontra impulso e anuência por parte do Estado-nação e, simultaneamente, modifica-o; enfatiza-se, contudo, que tais alterações no escopo do Estado apresentam pontos positivos e negativos, merecendo destaque a análise de eventuais impactos dessa dinâmica. Na discussão entre Globalização versus Estado, a principal contribuição de Clark (1999) encontra-se no questionamento deste enquanto sujeito ou objeto daquela. A dicotomia entre o avanço do Processo de Globalização e a posição ocupada pelo Estado forte, seja ele capaz ou incapaz, suscita um dos pontos centrais de sua análise, qual seja, a necessidade de que haja uma transformação interna do Estado, na medida em que a Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 39-65, jan./dez. 2005


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Globalização representa uma forma alternativa de Estado. Dessa maneira, depreende-se que Globalização e Estado devem ser tratados como fatores congruentes e não como elementos opostos, haja vista sua complementaridade dentro do Processo Histórico. Nesse sentido, encontra-se a contribuição de Strange (1996) que aponta o seguinte paradoxo acerca da modificação do papel e do poder do Estado e das Corporações Transnacionais (TNCs) em um meio globalizado: [...] this has not happened entirely by accident. The shift from state authority to market authority has been in large part the result of state policy. It was not that the TNCs stole or purloined power from the government of states. It was handed to them on a plate – and moreover, for ‘reasons of state’ (STRANGE, 1996, p. 44-45, grifo do autor).7

Conforme se constata, há uma convergência no pensamento pluralista das Relações Internacionais que entende o Processo de Globalização e o processo de fortalecimento do Mercado e seus agentes como um resultado político pretendido pelo Estado e moldado por ele, não obstante essa transição de prerrogativas tenha transferido funções antes exercidas pelo Estado para outros entes. Cabe destacar, diante desse paradoxo, a permanência do Estado e suas agências domésticas e geopolíticas como provedores e modificadores de condições necessárias à existência social. Conforme ressalta Mann (1999) essa dinâmica entre Estado e Mercado apresenta o fortalecimento de um ou de outro, de acordo com o nível de análise que se toma – Local, Nacional, Internacional, Transnacional ou Global – destacando que ambos se encontram em todos os níveis, apesar de que sua prevalência se diferencie conforme seu âmbito de atuação. Portanto, percebe-se que o Estado não tende a desaparecer com o avanço da Globalização, ao contrário, deve-se percebê-lo como promotor do processo e garantidor de uma ordem social em que este possa se sustentar. O Estado-nação, por conseguinte, apresenta-se como ator importante para a configuração da Globalização enquanto processo social, embora se reconheçam os seus impactos em sua estrutura e conjuntura. À luz da perspectiva traçada pretende-se, por derradeiro, tratar destes fatores ou impactos modificativos do papel do Estado no atual Sistema Internacional. A partir dos estudos de Strange (1996) e Mann (1999), Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 39-65, jan./dez. 2005


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identificam-se os seguintes pontos de análise que se demonstram relevantes para uma abordagem do caso Brasileiro: a questão das Corporações Internacionais; as Privatizações; a realocação das indústrias manufatureiras; a alteração das Relações de Emprego; as questões tributárias e, por fim, o perigo ambiental aliado à nova dinâmica da Sociedade Civil e dos Movimentos Sociais. Durante o desenvolvimento do Processo de Globalização, percebeu-se uma mudança significativa quanto ao campo e à forma de atuação das Corporações Internacionais. Inicialmente, caracterizavam-se por empresas residentes em um país com extensões em outros e que dispunham de uma política de remessa de capitais para suas sedes. Com o aumento do grau de abertura das economias nacionais, essas corporações adquirem uma estrutura transnacional, em que se verifica um maior aperfeiçoamento da divisão internacional da produção, não a identificando a uma raiz nacional, embora o vínculo com uma sede se mantenha. Por fim, no final do século XX, começaram a configurar-se as corporações de caráter global, que não mais se vinculam a um ambiente nacional específico, visto que a sua administração e produção se encontra espalhada pelo Mundo, observando-se, diante disso um rompimento da identidade nacional das corporações. Como aponta Strange (1996), essa mudança de tendência sofrida pelas corporações apresentaram substanciais alterações nas suas relações com os países em desenvolvimento. De fato, com a desvinculação nacional dessas corporações e o seu estabelecimento em diferentes países, possibilitou-se às nações, em vias de desenvolvimento, aproximarem-se dessas empresas, garantindo maior participação no Mercado Mundial, contudo, isso impôs o aumento da dependência financeira desses países e um déficit de mão-de-obra qualificada requerida pelas corporações. Portanto, verifica-se uma profunda revisão da dinâmica entre o Mercado e o Estado e suas inter-relações, incrementando as relações de poder e a redefinição de papel desses atores internacionais. As privatizações, por seu turno, preconizadas pelo ideário neoliberal, caracterizaram a passagem do papel do Estado de agente socioeconômico, para ator meramente social. Nesta perspectiva, a orientação política das duas últimas décadas do século XX impulsionou o processo de privatizações, entendido como a transferência das empresas pertencentes ao Estado às mãos da iniciativa privada (STRANGE, 1996), apreScientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 39-65, jan./dez. 2005


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sentando relevante impacto nas prerrogativas do Estado, bem como na sua posição como principal detentor de poder econômico. Dessa forma, pode-se dizer que, sob a ótica da Globalização, as privatizações foram responsáveis por facilitar a movimentação de capitais além fronteiras, como forma de financiar esse processo. Em seqüência, destaca-se que a maior especialização da produção das Corporações Internacionais nos países desenvolvidos – migrando historicamente de uma produção primária, passando por uma industrial e consolidando-se na prestação de serviços – possibilitou a sua realocação nos países em desenvolvimento, em condições de estabelecer novas dinâmicas de fluxo de capitais e produtos, através de trocas de tecnologias e independente de programas governamentais, ainda que a atuação do Estado fosse crucial para essa modernização. Nesse sentido, uma melhor participação dos Países em Desenvolvimento no Mercado Mundial depende, notadamente, de um massivo aumento de ajuda externa e de uma mudança radical das políticas comerciais, bem como, do estreitamento de relações entre o Estado, o Capital Nacional e o Capital Estrangeiro (STRANGE, 1996). Por conseguinte, um Processo de Globalização em que se aperfeiçoem os papéis do Mercado e do Estado, com vistas a um incremento da circulação dos fatores de produção, requer um maior trânsito das Corporações Internacionais entre os países. A maior mobilidade das corporações no Cenário Global e a modificação do papel do Estado como garantidor da proteção aos empregados acarretou, diante dessa perspectiva, uma modificação das relações de emprego. O ingresso das empresas em maior número de países, em busca de vantagens competitivas e legislações trabalhistas mais flexíveis, acarretou um enfraquecimento desta proteção e das organizações de proteção ao trabalhador, visto que o foco da discussão trabalhista, antes voltado para melhores remunerações e condições de trabalho, passa para a manutenção dos empregos e o sucesso da empresa como seu principal gerador (STRANGE, 1996). Nestes termos, demanda-se uma maior compreensão do trabalhador de que a sua contribuição para o sucesso da empresa no longo prazo constitui a única forma de manter seu posto de trabalho, inaugurando, assim, uma nova tônica em que interesses de empregador e empregado se convergem. Quanto à questão tributária, Strange (1996) ressalta que diante da mudança na relação entre cidadãos e governos, o entendimento da dinâmica entre pagamento de taxas como um sustentáculo dos serviços públicos sofre Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 39-65, jan./dez. 2005


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profundas alterações, consubstanciadas no surgimento de novas necessidades e demandas governamentais; em uma redefinição do objetivo da arrecadação e em decorrência do crescimento do comércio e da produção internacional, o que vem limitando a habilidade dos governos em tributar dentro de suas próprias fronteiras. Ainda que, do ponto de vista jurídico, haja o direito de os Estados tributarem suas empresas nacionais, à medida que elas se deslocam para o exterior essa capacidade diminui, em contrapartida a necessidade de atrair novos investimentos requer uma flexibilização no exercício da tributação. No que concerne aos países em desenvolvimento, percebe-se um maior desafio nesse papel de ente tributário dado, em geral, ao seu reduzido poder de barganha com as Corporações Transnacionais e a ausência de um regime global de taxas que possibilite maior arrecadação. Nesse sentido, segundo Picciotto (apud STRANGE, 1996) há uma necessidade premente de um fortalecimento da regulamentação tributária em escala global. Por conseguinte, tem-se, em conjunto, a discussão ambiental e a do surgimento e fortalecimento dos organismos da Sociedade Civil Transnacional. Diante de uma perspectiva histórica, em que grandes desequilíbrios das condições ambientais e sociais dos países foram geradas, principalmente nos estados socialistas e em desenvolvimento, observa-se, na última década, que o Processo de Globalização abriu caminho para que essas organizações pudessem atuar mais diretamente e com maior força em busca de uma melhoria das condições socioambientais vigentes (MANN, 1999). Do exposto, percebe-se uma tendência de que essas questões sejam tratadas tanto pelo Estado-nação quanto por organizações da Sociedade Civil, contudo essa ação não é necessariamente convergente, nem incompatível, o que demanda o estreitamento entre ambos os atores com vistas à promoção do bem-estar e da justiça social. Uma crise ecológica global, identificada por Leis (1998), resultante, dentre outros fatores, do modelo desenvolvimentista, responsável pela industrialização dos países subdesenvolvidos, demanda atuação conjunta dos diferentes atores sociais – Mercado, Estado e Sociedade Civil – que deverão buscar a cooperação e a integração como forma de atenuar seus desdobramentos. Isto se deve ao fato de que o mercado não é capaz, isoladamente, de gerir tal crise, bem como a capacidade do Estado encontra-se reduzida, dificultando a governabilidade de um problema que tem alcance global. Nas palavras de Leis (1998, p. 18) “Os processos de transnacionalização têm esvaziado os espaços domésticos, fazendo com que as fronteiras nacionais sejam cada vez menos Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 39-65, jan./dez. 2005


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relevantes”. Em consonância com Mann (1999) e Leis (1998) encontra no atual estágio do processo global a oportunidade de surgimento de novos movimentos sociais, os quais denomina ambientalismos, que têm por fim tentar suprir, em oposição ou não, as lacunas deixadas pelo Estado-nação e pelo Mercado. À luz da abordagem traçada, constata-se, pelo que se retratou acerca dos países em desenvolvimento, que os estudos dos possíveis impactos sobre o Brasil devem ser aprofundados, dando maior ênfase aos reflexos do Processo de Globalização no período que se segue à abertura democrática. Isto de dá, em função da ocorrência da implementação de uma abertura econômica gradual, de cunho neoliberal, que merece ser analisada. Passa-se portanto, ao estudo do caso proposto.

4 A GLOBALIZAÇÃO E SEUS REFLEXOS NO ESTADO BRASILEIRO: PERSPECTIVAS DA ERA DEMOCRÁTICA O avanço do Processo de Globalização vem produzindo reflexos, em magnitudes distintas, sobre as nações, haja vista as alterações que vêm ocorrendo no comportamento do Estado em frente à sociedade. No que tange ao Estado Brasileiro, objeto de estudo desta pesquisa, a análise estará focada no período compreendido de 1984 até 2000, que representa a reabertura político-econômica consubstanciada no retorno à democracia – com a constituição de 1988 – e no resgate do ideário liberal a partir do início da década de 90. O presente estudo consiste em uma breve explanação acerca dos efeitos da Globalização sobre a Democracia bem como em um diagnóstico sobre a performance da Política Externa Brasileira neste período. Em seguida, serão abordados os desdobramentos das crises econômicas globais sobre o Brasil e por fim serão traçados os pontos de análise supramencionados em consonância com o caso em foco. O Estado vem se defrontando com mudanças substanciais decorrentes, em grande medida, da Globalização e do aprimoramento das relações políticas internacionais, que consistem no incremento tanto das atividades internacionais – notadamente após a II Guerra Mundial – quanto de processos subnacionais e supranacionais cujo resultado tem sido o reposicionamento do Estado nos contextos nacional e global. Nesta perspectiva, Pfetsch (1998, p. 104) identifica modificações no sistema nacional de decisão que convergem para “[...] um déficit de legitimação Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 39-65, jan./dez. 2005


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e de eficiência que pode desestabilizar o Estado democrático”. Para o autor, isto não significa necessariamente uma restrição ou diminuição do papel desempenhado pelo Estado, mas sim um deslocamento do seu espaço de atuação que associado à congruência, no plano internacional, entre os titulares do poder e os atingidos pelas decisões será capaz de garantir a simetria das relações de soberania e, portanto, de equacionar o déficit de legitimação. Nessa ótica, a abertura do Estado Democrático Brasileiro ao mercado internacional acompanhou, segundo Cervo (2002a, 2002b), uma lógica que compreende três paradigmas de Política Externa, quais sejam: do Estado desenvolvimentista, do Estado normal e do Estado logístico. O primeiro consiste em características tradicionais de reforço da autonomia econômico-política nacional, tendo no Estado o principal motor do desenvolvimento com vistas à superação de dependências econômicas estruturais e à autonomia de segurança; o Estado normal, por seu turno, caracteriza-se pela adoção das reformas neoliberais preconizadas pelo Consenso de Washington, levando o Estado a uma condição de subserviência ao submeter-se aos centros hegemônicos do capitalismo; por último, o Estado logístico possibilita o fortalecimento nacional através da transferência à Sociedade das atividades empreendedoras capazes de garantir uma inserção dinâmica e participativa no mundo globalizado. O Brasil, de acordo com Cervo (2002a, 2002b), apresentou essas três modalidades de política ao longo do período ora em foco. De 1930 a 1989, percebeu-se a prevalência, sob a égide do Regime Militar e no início da era democrática, do Estado desenvolvimentista consubstanciado na utilização da Estratégia de Substituição de Importações, voltada para dentro, cujo propósito era o de superar o subdesenvolvimento através da industrialização do país, movida pelo poder econômico do Estado. A experiência da categoria de Estado normal ocorreu a partir do Governo Fernando Collor de Mello e intensificou-se no primeiro Governo Fernando Henrique Cardoso, apresentando ainda resquícios no segundo, através da abertura econômica ao capital externo, da adoção do Plano Real e de políticas de privatização, dentre outras.O Estado logístico se deu, com maior ênfase, no segundo Governo Fernando Henrique Cardoso, apresentando continuidade até os dias de hoje, e tem por fim a maior inserção internacional do País nas arenas política e comercial, visando: à ampliação da capacidade empreendedora; à aplicação de ciência e tecnologia; à maior flexibilização dos mercados dos países Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 39-65, jan./dez. 2005


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desenvolvidos; mecanismos de proteção contra os capitais especulativos e uma política de defesa nacional. Dentro desse cenário, o Estado Brasileiro resulta da convergência destas três categorias, o que, segundo Cervo (2002a), representa uma falta de norte na política externa, mas que, não deixou o Brasil em uma situação de ostracismo político e econômico, embora lhe causasse instabilidade interna. A partir desta análise, tomando por base a abordagem histórica da inserção internacional da economia brasileira traçada, propõe-se, à luz do item anterior, a análise dos pontos traçados a partir das visões de Leis (1998), Mann (1999) e Strange (1996). No que tange às TNCs, às privatizações e à realocação das indústrias manufatureiras, optou-se por tratá-las em conjunto, como forma de dinamizar este estudo. Nesta perspectiva observa-se na transição do Estado desenvolvimentista para o Estado normal a intensificação da entrada das TNCs, com o concomitante processo de privatização, o que contribuiu para a realocação das indústrias manufatureiras, de acordo com os preceitos neoliberais de diminuição da presença do Estado no meio econômico. Prova disto foi o aumento vertiginoso dos investimentos diretos estrangeiros no Brasil – de uma média de US$ 1.513 milhões entre 1987 até 1992 para cifras de US$ 28.718 milhões em 1998 – representados por novos investimentos, principalmente nos setores automobilístico, eletrônico e químico, bem como pela dinamização de instalações fabris existentes, notadamente nos setores de telecomunicações, serviços financeiros e serviços públicos proporcionada pelas privatizações (GORDON, 2002). Neste contexto, segundo Lima (1998), a privatização de empresas pertencentes ao Estado resultou da aplicação de uma nova política que apresenta dois aspectos relevantes: a composição de políticas nacionais sob influência dos Global Players, cujo expoente tende a ser as TNCs e a definição de políticas nacionais e exteriores que compatibilizem interesses públicos e privados nacionais e transnacionais. Isso demonstra uma nova configuração do papel do Estado diante do maior espaço ocupado por esses atores internacionais, conforme a premissa ressaltada neste estudo, com base em Clark (1999) e Pfetsch (1998), de que o avanço do Processo de Globalização gera um deslocamento de determinadas funções do Estado para outros agentes em questão, em consonância, inclusive, com a Teoria Pluralista das Relações Internacionais e o posicionamento dos Globalizers, anteriormente tratados. Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 39-65, jan./dez. 2005


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Não obstante o posicionamento dos Globalizers de que o avanço do Processo de Globalização se traduz na inclusão social, o que se observa em diversos países, inclusive no Brasil, segundo Dupas (1999), são taxas crescentes de desemprego, o que demonstra uma tendência estrutural, daí a necessidade premente de se estimular o crescimento econômico, entendido pelo autor, como o único caminho capaz de reduzir as variáveis negativas de emprego. Diante disso, observa-se uma relação direta entre crescimento econômico e geração de emprego. A análise acerca do desemprego, traçada por Dupas (1999), permite uma correlação com os paradigmas identificados por Cervo (2002a, 2002b) quanto à evolução do Estado Brasileiro, no período estudado. Assim, pode-se estabelecer uma ligação entre o comportamento do emprego e a transição do Estado desenvolvimentista para o Estado normal na medida em que o declínio do primeiro, aliado ao acelerado endividamento externo e interno e à crise internacional – México 1982 – foram responsáveis por uma redução, no período de 1980 a 1984, do Produto Interno Bruto (PIB) da ordem de 3%, com conseqüente reflexo negativo sobre o emprego que atingiu o nível de 8% em 1984. No período subseqüente ocorreu uma redução progressiva do desemprego no Brasil até 1986, seguida de um comportamento estável que se prolongou até 1989, movida por inúmeras tentativas – Planos Cruzado, Bresser e Verão – de se promover a estabilização da economia pelo controle do processo inflacionário. A partir de 1989, sob a égide do Estado normal, caracterizado pela implementação do Plano Collor de abertura econômica, em um primeiro momento e pela adoção do Plano Real de estabilidade monetária em 1994, constata-se uma nova elevação do desemprego, cujo patamar passa a ser 6%, correlato a um declínio do PIB de 7 pontos percentuais, atingindo os 4% negativos. No período analisado, tem-se como resultado desse processo a queda vertiginosa do emprego industrial formal e o abrupto crescimento do emprego informal, notadamente no setor de serviços, o que demonstra uma transformação na estrutura empregatícia brasileira, retratada por Dupas (1999) como uma mudança de paradigma nas questões trabalhistas. Do exposto, pode-se dizer que a associação entre a intensificação do Processo de Globalização e o comportamento da política brasileira promoveu a redução da geração de emprego, que se traduziu na exclusão social, conforme apregoam os Céticos da Globalização.

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No que concerne à questão tributária brasileira, observa-se uma relevante mudança a partir da reforma tributária promovida constitucionalmente em 1988, que consistiu na expansão da autonomia tributária dos entes federativos, ampliando a complexidade do sistema. Esse fato tem suscitado diversas discussões acerca da necessidade de revisão desse sistema para permitir maior adequação do mercado interno às necessidades globais e a diminuição das desigualdades sociais, demonstrando a premência de uma nova reforma tributária. Contudo, tal reforma encontra impedimentos de ordem política, visto que sua aprovação depende de uma modificação constitucional, dificultando, assim, o processo (SOUZA, 2005). Não obstante essa problemática, houve, durante a década de 1990, algumas adequações do sistema tributário brasileiro à Globalização (BRASIL, 2005). Em primeiro lugar, promoveu-se um aprimoramento tecnológico embasado na criação de mecanismos facilitadores do recolhimento tributário, a exemplo do Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX). Em segundo lugar, viabilizou-se uma adaptação da legislação tributária em face das transformações internacionais com o fim de maximizar a capacidade de tributação e de fiscalização sobre as TNCs. Em terceiro lugar, observou-se maior intercâmbio de informações entre administrações tributárias nos âmbitos regional e global como forma de exercer o melhor controle sobre os contribuintes em comum entre essas administrações e evitar a bitributação, como no caso do Mercosul, em que várias empresas encontram-se alocadas em diversos países-membro do Bloco. Em quarto lugar, a intensificação do Processo de Globalização tem contribuído para o avanço de práticas desleais de tributação internacional, corroborando com a adoção, em 1997, de uma política de compensação ao tratamento diferencial e desigual da tributação favorecida, promovida por alguns países. Por fim, verifica-se uma busca de harmonização tributária através do pacto de acordos de cooperação bilateral e multilateral como instrumentos garantidores de práticas leais de competição internacional. Conforme visto, as transformações ocorridas no sistema tributário brasileiro em frente à Globalização não coadunam, necessariamente, com apenas uma das correntes da globalização apresentadas anteriormente. Poder-se-ia invocar, por um lado, os Hiperglobalistas ao tratar-se da busca de harmonização tributária, ou ainda, no extremo oposto, aproximar-se dos Céticos quanto ao enfoque dado ao combate à competição tributária internacional. No entanto, o ponto mais importante no contexto Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 39-65, jan./dez. 2005


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da nova reforma tributária consiste não somente na melhoria da capacidade arrecadatória e na promoção de adequações às transformações globais, mas sim na perspectiva de se reverem os impactos da arrecadação na sociedade, com vistas a permitir uma cobrança de caráter progressivo e de estabelecer um ajuste nos parâmetros de incidência tributária sobre as organizações, com o objetivo principal de contribuir para a sobrevivência e para o sucesso das empresas geradoras de emprego, garantindo, assim, uma maior inclusão social. Com relação às discussões ambientais, constata-se, a partir da análise dos paradigmas pelos quais passou o Estado Brasileiro, que houve um salto qualitativo no tratamento do meio ambiente e da participação da sociedade civil organizada a partir da redemocratização. Numa perspectiva histórica, abordando-se o Estado desenvolvimentista, percebese, conforme Leis (1998) e Romeiro (1999), que se requer uma maior exploração dos recursos naturais, acarretando assim um desequilíbrio socioambiental que alcança proporções globais na medida em que o fluxo de TNCs aumenta em busca de área em que a proteção legal ao meio ambiente é deficiente. Ademais, como ressalta Romeiro (1999, p. 10, grifo do autor): No caso do Brasil a abertura pode certamente levar a uma maior pressão sobre a floresta considerando-se a tradição predatória das elites brasileiras na exploração dos recursos naturais para exportação. Os planos do governo de incentivar o cultivo de grãos para exportação na Amazônia através da criação de ‘corredores de exportação’, é um exemplo ilustrativo disso.

Com o início do Estado normal e a transição para o Estado logístico, detectou-se uma maior participação do Brasil nos fóruns internacionais de meio ambiente trazendo para o Rio de Janeiro, em 1992, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO 92) que, conforme Cervo (2002a), colocou a tese brasileira acerca do desenvolvimento sustentável no topo da pauta internacional, resultando na adoção da Agenda 21,8 dentre outros, e na evolução para as discussões do Protocolo de Kyoto de 1997. Quanto a esse, Leis e Viola (2002) apontam uma intensa atuação brasileira no processo de negociação, enfatizando as seguintes dimensões: afirmar o direito ao desenvolvimento como componente fundamental da ordem mundial; promover a visão de desenvolvimento sustentável e Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 39-65, jan./dez. 2005


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ambiental; possibilitar crescimento do prestígio ambiental do Brasil através de uma posição de liderança no tratamento da temática ambiental e evitar uma regulação internacional quanto à preservação da Amazônia legal. A atuação brasileira, neste sentido, continua com a Conferência de Johannesburgo em 2002, onde se reafirmou o compromisso internacional do Brasil com a sustentabilidade e com a participação ativa da sociedade civil organizada neste processo. Sob essa ótica, percebe-se uma performance brasileira na esfera ambiental em consonância com a abordagem dos Globalizers, na medida em que a presença em fóruns internacionais calcados na busca de cooperação e integração tende a vir ao encontro das tendências globais de discussão e de democratização – participação de novos atores, notadamente, da sociedade civil organizada – das questões ambientais. Por conseguinte, vislumbram-se, diante desta abordagem, impactos decorrentes da maior inserção do Brasil no Processo de Globalização, acarretando o deslocamento das funções do Estado e a limitação do seu papel. Contudo, não se pode afirmar que tais impactos foram somente benéficos ou maléficos, visto que, na medida em que contribuíram para o avanço socioeconômico do País – como no caso das melhorias, mesmo que insuficientes, das questões tributárias e ambientais – representaram progressos e, enquanto implicaram a redução do emprego, por exemplo, observou-se um retrocesso. Dessa forma, podese dizer que os reflexos da Globalização no caso em foco dependem, de certa forma, da atuação do Estado-nação, observada a estratégia paradigmática, pela qual se traçou a Política Externa Brasileira.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente estudo propôs-se a análise acerca da Globalização, com vistas a identificar de que maneira ocorreu a realocação do papel do Estado nas últimas décadas. Diante da discussão sobre a configuração do Estado-nação enquanto sujeito ou objeto do Processo de Globalização, verificou-se uma inter-relação que propiciou a este ente, manejar uma redefinição e deslocamento de seu escopo de atuação no Sistema Internacional, permitindo o surgimento e maior atuação de novos atores. Nesse sentido, o avanço da investida do Estado nessa reconfiguração sistêmica acarretou uma série de constrangimentos a ele imputados.

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Em um primeiro momento, utilizou-se das contribuições das Teorias das Relações Internacionais, fundadas nas concepções Construtivista, Racionalista e Pluralista, relacionadas às correntes analíticas da Globalização, categorizadas como Globalizers, Hiperglobalistas e Céticos. Desse modo, buscou-se estabelecer uma leitura propícia às Relações Internacionais quanto à participação do Estado no Processo de Globalização. Nesta perspectiva, estabeleceram-se pressupostos concernentes a este estudo, o que permitiu uma abordagem mais aprofundada acerca da atuação do Estado e dos demais entes, bem como de sua dinâmica, no Cenário Internacional. Em seguida, a partir dos pressupostos traçados na primeira parte deste trabalho, operou-se a discussão sobre em que medida o Estado-nação foi o agente propulsor do Processo de Globalização ou foi somente condicionado, enquanto objeto, pelo seu avanço. A partir desta indagação, sinalizou-se para o debate acerca de determinados impactos decorrentes dessa interação entre Estado e Globalização, cujos reflexos implicaram um deslocamento daquele na formulação da política nacional e de seu posicionamento internacional. Chegou-se, assim, a um ponto de maturação analítica capaz de permitir o estudo de caso referente ao Estado Brasileiro na Era Democrática. Por conseguinte, verificou-se que os impactos da Globalização sobre o Brasil no período compreendido entre 1984 e 2000, dependeu, em grande medida, da formulação de sua Política Externa e da ação governamental interna com vistas à maior abertura econômica e sujeição aos regimes econômicos internacionais. A partir da dinâmica estabelecida entre os pressupostos teóricos da primeira seção com os pontos de análise da segunda, encontrou-se uma abordagem que identificou essa dinâmica existente entre o Estado Brasileiro e a Globalização enquanto processo, consubstanciada na promoção, por parte daquele, de políticas de abertura e, por parte desta, da inserção de novos atores, que, em conjunto, foram responsáveis por um deslocamento do papel estatal. Por fim, ressalta-se que não se podem identificar reflexos dessa dinâmica que se configurem somente enquanto impactos maléficos ou benéficos, mas que, em certa medida, alternam-se, positiva e negativamente, no processo de deslocamento do papel do Estado Brasileiro em frente à Globalização. Dessa forma, constata-se uma redefinição do escopo estatal, no período pesquisado, que influenciou uma modificação na sociedade brasileira, a partir do surgimento de novos atores que, interagindo Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 39-65, jan./dez. 2005


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como o Estado, remodelaram a ação e a posição do Brasil no Meio Global.

THE PROCESS OF GLOBALIZATION ON THE INTERNATIONAL RELATIONS PERSPECTIVE: AN APPROACH CONCERNING ITS IMPACTS ON THE BRAZILIAN DEMOCRATIC STATE ABSTRACT Approaching the theme of the globalization process as a social historic phenomenal from the the understanding of the Theories of International Relations and the Currents of Globilization and its inter-relations, with an objective to analise the reflexes of this process on the set tasks of the Nation State in the present. For that, tracing one theoric perspective which permits a case study about the impacts of globalization in the Brazilian Democratic State. Observing that the bigger insertion of Brazil in this context resulted in a dislocation of the functions practised by the State, with the emerging of the new social international actors, presenting the positive and negative results related to the productive, ambiental and social issues. Verifying, therefore, the importance of the Nation State as a subject and as an object at the same time, of the Globalization Process. Keywords: Globalization – Brazil. Internacional relations – Brazil.

NOTAS EXPLICATIVAS 4

Globalidade, no sentido amplo de relações transplanetárias, refere-se às conexões sociais entre pessoas localizadas em diversos pontos da Terra, dentro do contexto Mundial (tradução nossa).

5

É ponto comum, hoje, ouvir políticos dizendo que eles não controlam muitos dos fatores que determinam o futuro de Estado-nação. São forças internacionais, [...] que limitam as escolhas de um Estado ou tornam impossível buscar uma política nacional particular. (tradução nossa).

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[...] o presente argumento é que o Estado ocupa a posição intermediária entre o interno e o externo e, ao mesmo tempo, molda o Processo de Globalização e é moldado por ele (tradução nossa).

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[...] isso não aconteceu inteiramente por acidente. A mudança da autoridade do Estado para a autoridade do Mercado tem sido, em grande parte, resultado da política do Estado. Não foram as TNCs que roubaram ou espoliaram o poder dos Governos dos Estados. Isso lhes foi entregue de bandeja – e, mais ainda, por “Razões do Estado” (tradução nossa).

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Agenda 21 é um documento internacional decorrente das negociações da ECO 92 que estabelece padrões e estratégias para o desenvolvimento sustentável em âmbitos local, regional, nacional e global ao qual se comprometeram os países signatários dos acordos então propostos.

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PROGRAMAS DE GESTÃO AMBIENTAL: UMA FERRAMENTA NECESSÁRIA À IMPLANTAÇÃO DE UM SGA

ADRIANA SCHINAIDER RIGONI GASPARINI1 JOSÉ LUIZ GOUVÊA GASPARINI2

1

Mestre em Economia pela Universidade Federal do Espírito Santo. Professora do Centro Universitário Vila Velha. E-mail: adrigoni@uvv.br. 2 Mestre em Solo e Nutrição de Plantas pela Universidade Federal de Viçosa. Professor do Centro Universitário Vila Velha. E-mail: gasparini@uvv.br. Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 67-81, jan./dez. 2005


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RESUMO Os problemas ambientais são alvo de preocupação e discussão em todo mundo. Ao mesmo tempo, as empresas buscam adotar modelos cada vez mais econômicos e produtivos, pautados no desenvolvimento sustentável. Entretanto, para que isso se torne realidade, é necessário que as empresas busquem implantar sistemas de gestão ambiental através de programas ambientais eficazes, o que é apresentado ao final do estudo. Palavras-chave: Desenvolvimento sustentável. Sistema de gestão ambiental. Programa de gestão ambiental. ISO 14000.

1 INTRODUÇÃO A constante mudança do cenário socioeconômico mundial tem produzido mudança de comportamento nas várias esferas do sistema econômico. Tanto em nível mundial como em nível nacional e local, o comportamento dos consumidores tem mudado – fruto de um maior fluxo de informações – tornando-se mais exigente. A cobrança não diz respeito somente à qualidade do produto ofertado e suas especificações, mas também em relação à qualidade do meio ambiente que o cerca – como resultado de atividades produtivas e sociais. Vista sob esta ótica, a compreensão do significado da expressão desenvolvimento sustentável torna-se importante, bem como a diferenciação entre as expressões preservação, conservação do meio ambiente e gestão ambiental, uma vez que o modelo de desenvolvimento econômico atual pressupõe que a sobrevivência da espécie humana seria mantida através da transformação da natureza por processos industriais. Preservar a natureza, modernizar e expandir a produção, e cumprir função social, chega a ser uma contradição de propósitos. Segundo os modelos de sistemas de gestão ambiental existentes – em principal o ISO 14000 – isso pode ser obtido através de programas de gestão ambiental eficientes. A fim de compreender melhor o tema, foi realizada pesquisa bibliográfica em livros, artigos e revistas científicas sobre o tema. Também utilizou-se o conhecimento obtido através da observação direta e aplicação em alguns casos estudados. Dessa forma, pergunta-se: em que consiste um programa de gestão ambiental? Qual sua importânScientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 67-81, jan./dez. 2005


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cia em um SGA? Como pode ser implantado? Isso será respondido neste artigo.

2 AS QUESTÕES AMBIENTAIS E OS SISTEMAS DE GESTÃO AMBIENTAL A expansão demográfica com distribuição espacial desigual em todo o planeta tem provocado uma pressão sobre os meios de produção, que buscam eficiência econômica através da adoção de tecnologias mais modernas, intensivas em processos e escalas, tendo como resultado maiores volumes de produção com menor uso de mão-de-obra, sem perder de vista o objetivo do lucro. Esse modelo, entretanto, adotado durante as décadas de 70 e 80, tem comprometido o desenvolvimento sustentável, uma vez que o processo produtivo gerava, por vezes, externalidades negativas, relacionadas à degradação ambiental e decorrentes dos padrões adotados para expansão da produção. Nas discussões postas neste artigo, o conceito de desenvolvimento sustentável será aquele defendido pela Brundtland Commission, ou seja, pela Comissão Mundial para Meio Ambiente e Desenvolvimento, que afirma que o objetivo do desenvolvimento é satisfazer as necessidade e as aspirações humanas. Ainda segundo o Relatório Nosso Futuro Comum, “[...] perseguindo estes objetivos, no passado, nos preocupamos com os impactos do crescimento econômico sobre o meio ambiente. Agora temos que nos preocupar com os impactos do desgaste ecológico sobre nossas perspectivas econômicas” (BRUNDTLAND COMMISSION, apud KINLAW, 1997, p. 82). Na década de 90 é que ocorreram os grandes debates econômicos do mundo atual, evidenciando e questionando as conseqüências desse processo desenfreado de busca de aumento de produção e redução de custos, que geraram acúmulo de passivos ambientais por parte das firmas, que têm sido alvo de críticas e penalidades, como resposta à pressão exercida por parte da sociedade, chegando até mesmo a inviabilizar as atividades de algumas empresas. Visando responder a essas pressões é que foram elaborados sistemas de gestão ambiental (SGA). Os SGAs tem como referencial a compreensão do desenvolvimento sustentável, ou seja, “[...] garantir que ele atenda as necessidades humanas do presente sem comprometer a capacidade de as gerações Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 67-81, jan./dez. 2005


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futuras atenderem também as suas” (BRUNDTLAND COMMISSION, apud KINLAW, 1997, p. 82). O desenvolvimento sustentável, portanto, seria obtido por meio da gestão (ou administração) dos recursos naturais finitos a fim de obter maiores benefícios através da aplicação dos menores esforços. Para tanto, cada homem (isoladamente ou em grupos organizados) buscaria otimizar o uso dos recursos que tem à disposição, sejam eles de ordem financeira e material seja humana. Mas otimizar de acordo com quais princípios? E em relação a quais níveis? A expressão, portanto, apesar de muito utilizada, é bastante imprecisa, uma vez que é mais qualificativa (sustentável) que quantificativa, o que a torna subjetiva. Visando à redução de incertezas e subjetividades, é que foram elaborados os sistemas de gestão ambiental. Abaixo, traçamos uma visão geral segundo os principais modelos difundidos no Brasil desde a década de 70. 2.1

MODELOS DE SISTEMAS DE GESTÃO AMBIENTAL: UMA VISÃO GERAL

De acordo com Donaire (1999), o primeiro sistema de gestão ambiental surgiu através da experiência desenvolvida na empresa Ernest Winter & Sohn em 1972, quando foi publicado, oficialmente, o objetivo do que seja proteção do meio ambiente. A partir daí, a empresa passou a elaborar e implementar uma série de atividades até chegar a um modelo de sistema de gestão ambiental que ficou conhecido pelo nome de seu criador, Winter. O Sistema incorpora a questão ambiental em todos os setores da empresa, uma vez que, segundo Winter & Sohn (apud DONAIRE, 1999) são parte integrante dos objetivos da empresa, significando que a atenção que a empresa dedica ao meio ambiente é a mesma em relação à satisfação de seus funcionários. O modelo Winter também destaca que gestão ambiental não é algo que surge de forma espontânea ou imediata, para que tenha efeito. Deve ser sistemático e planejado levando em conta aspectos econômicos, tecnologia, processo de produção, cultura da empresa e recursos humanos disponíveis. Deve conter etapas seqüenciais, integradas, e implementadas com vigor. Para isso, ele sugere o estabelecimento de 20 módulos integrados, com a atribuição de prioridades de acordo com cada um. O estabelecimento desses módulos facultaria a análise da empresa que, por sua vez deve avaliá-los segundo a pertinência em relação à sua estrutura em questão, definidos Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 67-81, jan./dez. 2005


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quais serão passíveis de ação. Sobre esses pontos seria elaborado um programa de gestão ambiental. Como um segundo modelo de gestão ambiental divulgado no mundo e no Brasil, pode-se citar o responsabile care program da Canadian Chemical Producers Association (CCPA), implantado em diversos países com indústrias químicas desde 1985. Coube à Associação Brasileira da Indústria Química (ABIQUIM) utilizar, em 1990, uma versão do modelo canadense, que é um modelo flexível, capaz de ajustar a situação específica de cada empresa, sem perder sua amplitude – toda a empresa – além de ter como premissa básica o diálogo e a melhoria contínua, o que permite engajamento crescente de organização em relação à questão ambiental e responsabilidade social. No Brasil, a ABIQUIM passou a utilizá-lo a partir de 1990 sob a denominação Programa de Atuação Responsável, tendo tido aceitação, permitido associações e uso crescente desde a ocasião, transformando-se em obrigatório para todos os seus associados desde 1998 (DONAIRE, 1999). Em 1995, com a publicação do livro Gestão ambiental: a estratégia verde de Backer, ficou conhecido outro modelo de gestão ambiental. Segundo o autor, a estratégia ecológica de partir de um diagnóstico ecológico da empresa deve estar em sintonia com a estratégia ecológica e, por sua vez, com a importância do fator ambiental dentro da estratégia global da organização. Esse diagnóstico pode ser resumido em cinco tabelas elaboradas segundo as áreas de comunicação e marketing; controle de processos de transformação; departamento administrativo e financeiro; pesquisa e desenvolvimento. Elas permitiriam elaborar e avaliar a estratégia ecológica da empresa a fim de elaborar um programa de gestão ambiental. Um outro modelo de gestão ambiental amplamente divulgado em todo o mundo é o modelo ISO 14000, publicado pela International Organization for Standardization (ISO) – fundada em 1947, com sede em Genebra, Suíça (DONAIRE, 1999). Em 1996, a ISO oficializou, com base na BS 7750 (preparada pelo Comitê de Política de Normalização Ambiental e da Poluição da Inglaterra do British Standard Institute, com o intuito de atuar como referencial para outros países), as normas da série ISO 14000. Esta série procura estabelecer as diretrizes para a implementação de um sistema de gestão ambiental que possa ser aplicado às diversas atividades econômicas que possam afetar o meio ambiente, e Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 67-81, jan./dez. 2005


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também possa ser utilizado para avaliar e certificar estes sistemas, com metodologias uniformes e aceitas internacionalmente (DONAIRE, 1999). A norma ISO 14001 procura definir as diretrizes para uso da especificação e correspondência com a ISO 9001, principalmente no que tange à sistematização e documentação: Esta Norma compartilha princípios comuns de sistema de gestão com a série de Normas NBR ISO 9000 para sistemas da qualidade. As organizações podem decidir utilizar um sistema de gestão existente, coerente com a série NBR ISO 9000, como base para o seu sistema de gestão ambiental (REIS; QUEIROZ, 2002, p. 2).

A documentação do sistema de gestão deve descrever os principais elementos do sistema de gestão e interação entre eles. Para ampliar o sistema existente para abranger os aspectos ambientais, é importante mostrar o inter-relacionamento dos documentos e sua relação com os requisitos das normas ISO 9000 e 14001. Já a norma ISO 14004 é a que cuida do SAG propriamente dito, estabelecendo diretrizes sobre os princípios, sistemas e técnicas de apoio ao SAG. Isso inclui funções, responsabilidades e autoridades, que devem ser bem definidas para se facilitar uma gestão ambiental eficaz. Para que isso aconteça, é preciso que a administração forneça recursos essenciais para a implementação e o controle do sistema de gestão ambiental, abrangendo recursos humanos, qualificações específicas, tecnologia e recursos financeiros. Os sistemas de gestão ambiental “[...] devem atender às necessidades de um vasto conjunto de partes interessadas e às crescentes necessidades da sociedade sobre proteção ambiental” (REIS; QUEIROZ, 2002, p. 2). O princípio fundamental da norma ISO 14001 é obter um procedimento que garanta à organização a conscientização da importância de seguir os procedimentos e requisitos do sistema de gestão. Conforme Viterbo Júnior (1998, p. 117), “A organização deve estabelecer e manter procedimentos para identificar o potencial e atender acidentes e situações de emergência, bem como para prevenir e mitigar os Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 67-81, jan./dez. 2005


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impactos ambientais que possam estar associados a eles.” Para isso é que a empresa deverá identificar previamente o potencial de ocorrência de acidentes ambientais. 2.2

PROGRAMA DE GESTÃO AMBIENTAL

A gestão ambiental foi definida por Maimon (1999) como um conjunto de procedimentos para gerir ou administrar uma organização na sua interface com o meio ambiente. É a forma pela qual a empresa se mobiliza, interna e externamente, para a conquista da qualidade ambiental desejada. Já D’Avignon (1996) define um sistema de gestão ambiental como um conjunto de procedimentos para gerir ou administrar uma empresa, de forma a obter um melhor relacionamento com o meio ambiente. O referido autor acrescenta que, inicialmente, a alta direção da empresa deve definir o seu compromisso com as questões ambientais. Outro passo importante é a avaliação ou revisão da situação do relacionamento da empresa com o meio ambiente, onde se faz um inventário das ocorrências e das condições de funcionamento da atividade produtiva, incluindo-se a análise da legislação pertinente, além de outras informações que possam auxiliar no planejamento do SGA. A ISO 14001, como já referido, é uma norma de adesão voluntária que contém os requisitos para a implantação do SGA em uma empresa, podendo ser aplicada a qualquer atividade econômica, fabril ou prestadora de serviços, independentemente de seu porte. Ela promove uma melhoria contínua do desempenho ambiental, por meio de uma responsabilidade voluntária. Dessa forma, a finalidade básica da ISO 14001 é a de fornecer às organizações os requisitos básicos de um sistema de gestão ambiental eficaz. Em decidir-se por adotar um sistema de gestão ambiental, a empresa assegura às partes interessadas que atende e respeita a legislação ambiental vigente em sua área de atuação e, dessa forma, garante um efetivo gerenciamento e melhorias ambientais. Dessa forma, é necessário que ela siga alguns passos devidamente previstos e planejados e atenda a algumas exigências:

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a direção da empresa deve elaborar e divulgar uma política ambiental e demonstrar que está comprometida com o cumprimento dessa política, buscando o melhoramento contínuo do desempenho ambiental da empresa;

a organização deve criar procedimentos que permitam identificar, conhecer, administrar e controlar todos os aspectos ambientais gerados durante o processamento e uso do produto de forma a evitar que se tornem impactos ambientais significativos;

desenvolver uma sistemática para identificar, buscar, ter acesso e divulgar todas as exigências legais pertinentes a sua atividade. Quando for o caso, a empresa deve criar estruturas adequadas à educação e treinamento na legislação ambiental adequada;

criar objetivos e metas que estejam alinhados com o cumprimento da política ambiental que foi definida;

ter um programa de gestão ambiental estruturado com responsáveis pela coordenação e implementação de ações que cumpram o que foi estabelecido na política ambiental e as exigências legais, que atinjam os objetivos e metas e que contemplem o desenvolvimento de novos produtos e novos processos;

o programa de gestão ambiental deve integrar as funções dos funcionários da empresa, através da descrição de cargos e funções relativas à questão ambiental;

a empresa deve possuir um organograma que demonstre que suas inter-relações estão bem definidas e informadas em toda a empresa;

a direção da empresa deve definir um ou mais profissionais para que seja o representante dos assuntos específicos da Gestão Ambiental;

o programa de gestão ambiental deve prover treinamento aos funcionários com atribuições na área ambiental, para que estejam conscientes da importância do cumprimento da política e objetivos do Meio Ambiente, das exigências legais e de outras definidas pela empresa. O treinamento também deve levar em consideração todos os impactos ambientais reais ou potenciais associados as suas atividades de trabalho;

possuir uma sistemática para enviar e receber comunicados relativos às questões ambientais para seus funcionários e a comunidade;

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ter um manual do sistema de gerenciamento ambiental que contenha as exigências ambientais da empresa;

manter um sistema bem parecido com o controle de documentos da ISO 9000, ou seja, procedimentos para que todos os documentos sejam controlados e assinados pelos responsáveis, com acesso fácil aos interessados, para manter atualizados, identificados, legíveis e armazenados adequadamente. Os documentos obsoletos também devem ser retirados do local para evitar uso indevido;

ter procedimentos para fazer inspeções e o controle dos aspectos ambientais, inclusive procedimentos para a manutenção e calibração dos equipamentos que fazem esses controles;

possuir procedimentos para prevenir, investigar e responder a situações de emergência. Também deve ter planos e funcionários treinados para atuar em situações de emergência;

medir o desempenho ambiental através da inspeção das características de controle ambiental e calibração dos instrumentos de medição para que atendam aos objetivos e metas estabelecidos;

definir responsáveis com autoridade para investigar as causas das não-conformidades ambientais e tomar as devidas ações corretivas e preventivas;

arquivar todos os resultados de auditorias, análises críticas relativas as questões ambientais. O objetivo de ter esses registros é mostrar e provar, a quem quer que seja, que a empresa possui um Sistema conforme exigido pela norma;

auditoria ambiental periódica e os resultados das auditorias devem ser documentados e apresentados à alta administração da empresa.

Um Sistema de Gestão Ambiental deve ser balizado, portanto, em cinco princípios: “[...] 1. Comprometimento e política; 2. planejamento; 3. implementação; 4. medição e avaliação; 5. análise crítica e melhoria contínua” (REIS; QUEIROZ, 2002, p. 30). O princípio 1 é de responsabilidade da alta administração e gerências, englobando: generalidades; comprometimento e liderança da alta administração; avaliação ambiental inicial e política ambiental.

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O princípio 2 é abordado também no requisito 4.3 e subdividido em: aspectos ambientais, requisitos legais e outros requisitos; objetivos e metas; e programa de gestão ambiental propriamente dito. A gestão se caracteriza por atuar sobre: objeto, meios, instrumentos, diagnósticos e prognósticos. Dessa forma, aplicando as características anteriores à gestão ambiental, tem-se: a) objeto: manter o meio ambiente saudável - à medida do possível para atender às necessidades humanas atuais, sem comprometer o atendimento das necessidades das gerações futuras; b) meios: atuar sobre as modificações causadas no meio ambiente pelo uso e/ou descarte dos bens e detritos gerados pelas atividades humanas, a partir de um plano de ação viável técnica e economicamente, com prioridades perfeitamente definidas; c) instrumentos: monitoramentos, controles, taxações, imposições, subsídios, divulgação, obras e ações mitigadoras, etc.; d) diagnósticos e prognósticos (cenários) ambientais: como base da área de atuação, a partir de estudos e pesquisas dirigidos à busca de soluções para os problemas que forem detectados. Segundo Maimon (1999), um programa de gestão ambiental (PGA), por sua vez, descreve como as metas da organização deverão ser alcançadas, incluindo cronograma e pessoal responsável pela implementação de sua política ambiental. Assim, devem-se definir nessa etapa: as responsabilidades pela operação do sistema; a promoção de conscientização e de competências em relação ao meio ambiente; as necessidades de treinamento; as situações de riscos potenciais; e os planos de contingência e de emergência. Metodologicamente pode-se dizer que o Programa detalha o que tem que ser feito, por quê, onde, por quem, como e quando fazer. É claro que, para que seja viável, ele deve contemplar aspectos como: custos, recursos disponíveis para o projeto de implementação, tais como: pessoas, tempo disponíveis para educação, treinamento e execução de novas atividades dentro das rotinas diárias, materiais, instrumentos, equipamentos e eventuais serviços de terceiros a serem utilizados. O Programa deve ser expresso em um cronograma físico-financeiro para que possa ser acompanhado adequadamente.

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Dessa forma, buscando oferecer uma proposta de implantação de um programa de gestão ambiental, foram escritas as etapas apresentadas a seguir: 1. Formação de um grupo de implantação (ou de trabalho – GT): além de ser um instrumento de gestão, a constituição formal do Grupo de Implantação é também uma estratégia que permite evidenciar o compromisso da alta administração com o projeto, condição indispensável para o bom termo do processo. Uma alternativa que tem se mostrado bem sucedida é nomear o representante da administração (RA) como coordenador do grupo de implantação. O grupo não precisará de técnicos especializados nas atividades da empresa, mas de pessoas que vistam a camisa da empresa, estejam interessados em contribuir para as melhorias significativas e comunicar. 2. Análise dos elementos existentes: consiste na ação do coordenador em avalizar as facilidades e dificuldades existentes para implantação do Sistema de Gestão Ambiental (SGA). Este diagnóstico não requer mais que poucos dias de uma equipe treinada e fornece dados e informações vitais para o sucesso ou não do projeto. A forma prática de se conduzir tal análise é realizá-la nos moldes de uma auditoria interna, ferramenta sobejamente conhecida pelas empresas que operam sistemas de garantia da qualidade, adotando-se a seguinte seqüência: preparação, análise de campo e apresentação de relatório. Na preparação a equipe responsável pela análise deve levantar e analisar previamente os seguintes dados: políticas existentes de meio ambiente, de segurança e da qualidade quanto à mineração e cerâmica; organogramas atualizados da unidade e da empresa; relatórios e registros das iniciativas já desenvolvidas visando à gestão ambiental na unidade. Já a análise de campo, deve ser feita com base em programa de entrevistas e visitas previamente agendado, devem ser examinadas detalhadamente em campo as práticas de GA existentes nas atividades de rotina, bem como o nível de conformidades em frente à norma ISO 14001, à legislação ambiental vigente e às diretrizes de programas de gerenciamento ambiental da organização. Os pontos a serem analisados são: sistema organizacional e de pessoal de GA; sistema de informações e registros de normas de legislações ambientais; sistema de registros de pendências ambientais Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 67-81, jan./dez. 2005


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legais; consistência dos objetivos e metas estabelecidos com a política ambiental; consistência dos programas de GA com os objetivos e metas; controles operacionais, com base em procedimentos de proteção ambiental e programas de gerenciamento de riscos e de ações de emergência; sistemas de registros de desempenho das instalações de controle de poluição e dos programas de proteção ambiental; consistência das práticas existentes de GA, com os compromissos ambientais assumidos pela empresa. Quanto ao relatório, deve ser consolidar evidências e análises de forma a conter as conclusões da equipe, considerando-se os pontos fracos em relação à norma ISO 14001. Cabe ao coordenador efetuar uma análise sobre os elementos existentes, uma vez que ele conhece e está em consonância com os objetivos e a política ambiental da organização. O ideal é que esta etapa seja conduzida por elementos neutros à organização. 3. Preparação e planejamento: esta etapa deve ser iniciada com o levantamento e estudo das normas da série ISO 14000, em especial da norma ISO 14001, a fim de definir as ações essenciais para a implantação do SGA e dispensar aquelas meramente burocráticas e/ ou ineficazes. O profundo domínio dos requisitos normativos pelo GT é ainda indispensável para que possam assumir a função de multiplicadores dos conceitos da norma por toda a empresa. 4. Avaliação ambiental inicial (AAI): avaliação prevista no item 3.1 da norma ISO 14001. Mesmo não sendo um requisito auditável, tem sido fortemente recomendada pelos organismos certificadores, pois compõe a base sobre ao qual deverá ser construído todo o SGA da empresa. O relatório da AAI deverá conter os seguintes itens: requisitos legais e regulamentares, que é uma atividade mandatória pela norma ISO 14001; identificação e caracterização de aspectos ambientais significativos; levantamento de práticas e procedimentos de gestão ambiental existentes e retroanálise de incidentes anteriores. 5. Estabelecimento de política, objetivos e metas ambientais: deve ser clara e viável para ser passível de ser cumprida e não cair no descrédito interno. Para isso, os objetivos e metas ambientais devem ser bem definidos. 6. Plano de implantação: faz parte da responsabilidade do GT. Deverá ser proposta a lista de todos os documentos gerenciais e operaciScientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 67-81, jan./dez. 2005


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onais do sistema, bem como responsabilidades e prazos referentes à fase subseqüente do projeto. 7. Implantação e verificação: durante a implantação, devem ser criadas condições para a manutenção e melhoria do ciclo de planejamento, de implantação das melhorias, de verificação e correções do processo de gestão e da documentação dos elementos necessários ao SGA, a fim de: elaborar a redação dos procedimentos e instruções e adaptação dos já existentes; elaboração do manual de gestão ambiental; estabelecimento do programa de auditorias internas; estabelecimento de programa de análises críticas do SGA pelo corpo gerencial da empresa. 8. Formação de auditores de SGA: A coordenação do SGA deve identificar os membros da organização que deverão ser qualificados para desempenhar as auditorias ambientais internas, bem como aqueles que serão os responsáveis pelo planejamento e programação das mesmas. 9. Treinamento gerencial: alguns membros da administração que acompanharam todo o processo e de sua documentação desde o início devem participar. Entretanto, é razoável que nem todos da administração sejam envolvidos. Entretanto, deve haver uma política de comunicação interna que permita o repasse do conhecimento obtido para quem é relevante, de forma adequada a cada nível. Assim se aconselha a realização de seminários destinados ao corpo gerencial, com objetivo de esclarecer com detalhes as informações solicitadas pela alta administração sobre a estrutura do SGA. 10.Avaliação final: normalmente, antes de buscar um organismo acreditador, as empresas realizam uma pré-auditoria. Os critérios definidos pelos organismos acreditadores estabelecem a realização de duas auditorias, ao processo de certificação de SGA. O prazo entre as duas auditorias do processo de certificação não deve exceder a três meses. Assim, é recomendável que a empresa somente solicite a primeira auditoria de certificação quando todos os elementos requeridos pela norma estiverem implementados e em operação.

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3 CONCLUSÕES O programa de gestão ambiental, portanto, é o ponto alto de um SGA. Ele é um instrumento de gestão ambiental bastante importante, tendo sido apontado como ferramenta em todos os modelos. É um instrumento prático, que teve como ponto de partida o empirismo, através da transcrição das práticas utilizadas e aperfeiçoadas pelas firmas, e, depois, por institutos internacionais, como o BS e ISO. Sem ele, não há como implantar-se um PGA. O Programa pode representar um investimento a médio prazo, naquilo que se relaciona a estabelecimento de padrões de lançamento de efluentes líquidos e emissões gasosas; definição do nível tecnológico dos equipamentos de controle e tratamento de poluentes; estabelecimento de critérios de estocagem, tratamento e destinação de resíduos sólidos; estabelecimento de parâmetros a serem monitorados e sua forma, freqüência, métodos, equipamentos; estabelecimento de nível de exigências e verificações sobre fornecedores e prestadores de serviços, de níveis de consumo de recursos naturais e energia e de ações de investigação e recuperação de passivos ambientais. Dessa forma, através da implantação de um programa de gestão ambiental é possível obter redução do consumo de energia; redução de geração de resíduos; economia e redução de desperdício de uso da água; criação de rotinas de reúso da água; reciclagem de resíduos sólidos e líquidos.

AMBIENTAL MANAGEMENT PROGRAM: A NECESSARY TOOL TO INTRODUCE A MSA ABSTRACT The ambient problems are white of concern and quarrel in everybody. At the same time, the companies search to adopt more economic and productive models each time, pautados in the sustainable development. However, so that this if becomes reality, it is necessary that the companies search to implant systems of ambient management through efficient ambient programs, what is presents to the end of the article. Keywords: Sustentability development. Management ambiental system. Management ambiental program. ISO 14000.

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REGIMES INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS E A SITUAÇÃO BRASILEIRA ATUAL

CESAR AUGUSTO SILVA DA SILVA1 VIVIANE MOZINE RODRIGUES2

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Mestre em Direito e Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor do Centro Universitário Vila Velha e Coordenador do Núcleo de Apoio aos Refugiados no Espírito Santo. E-mail: cesars@uvv.br. 2 Mestranda em Planejamento Regional e Gestão de Cidades da Universidade Cândido Mendes. Professora do Centro Universitário Vila Velha e Coordenadora do Núcleo de Apoio aos Refugiados no Espírito Santo. E-mail: vmozine@uvv.br.

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RESUMO Analisa o problema do refúgio no contexto das relações internacionais, particularmente no mundo europeu e como os processos decisórios dos Estados-nações tornaram a questão de algo que se resolveria rapidamente para um problema de proporções mundiais. Os regimes internacionais são examinados como conjuntos de acordos globais, decisões e processos políticos que no âmbito das relações internacionais podem estabelecer parâmetros e limites para que as sociedades nacionais possam lidar com a temática, incluindo países como o Brasil. Metodologicamente utiliza o levantamento bibliográfico, a partir da doutrina nacional e internacional, comparando as principais contribuições sobre o deslocamento forçado das pessoas. Palavras-chave: Refugiados. Regimes internacionais. Direitos humanos.

1 INTRODUÇÃO Desde o princípio da humanidade existem guerras, perseguições e discriminações de todo o tipo. Desde estes tempos há aqueles que podem ser chamados de refugiados, as vítimas dessas atrocidades. Eles são de todas as raças, de todas as cores, de todas as religiões, e podemos encontrá-los em todas as regiões do mundo na atualidade. Obrigados a fugir porque receiam por suas vidas e por sua liberdade, os refugiados abandonam muitas vezes tudo o que possuem – seus lares, seus bens, sua família, sua identidade, rumo a um futuro incerto em terras estranhas buscando voltar a ter um mínimo de dignidade humana, um valor imensurável e sem precedentes. Em outros termos, são pessoas que fogem de condições opressivas ou perigosas existentes no seu país ou sua região e procuram abrigo em um Estado estrangeiro ou mesmo em outra região que lhe possa devolver suas condições normais de vida, sua dignidade. Mas, enquanto preocupação internacional permanente, visível na sociedade das nações que se organizava de forma interestatal ao final da Primeira Guerra Mundial, ainda num espírito europeu, os refugiados passaram a tornar-se fenômeno hodierno e de proporções globais, em meio às duas grandes guerras mundiais do século XX.

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Porém, o termo refugiados foi originariamente aplicado ao grupo dos huguenotes franceses que fugiram para a Inglaterra após a revogação do Édito de Nantes, de 1685, o que significou o fim da tolerância religiosa para com o protestantismo. Dentre os movimentos mais importantes de refugiados ocorridos na Europa do século XX, quando finalmente a questão dos refugiados se tornou uma preocupação internacional, destacam-se o dos judeus para a Rússia, entre 1881 1914, e após a revolução socialista dos bolcheviques, de 1917; o dos bielo-russos da URSS e também o dos judeus, quer da Alemanha nazista quer de outros países ocupados pelo III Reich, entre 1933 e 1945, ou seja, o dos desalojados da II Grande Guerra (MACMILLAN, 2004). Isto sem falar nos armênios, perseguidos e massacrados pelos turcos otomanos durante o primeiro conflito mundial. Por outro lado, também muitos chineses abandonaram o país depois da revolução socialista e cultural liderada por Mao Tsé Tung em 1949, particularmente em direção a Hong Kong. Desde o início do regime socialista, há por volta de dois a três milhões de chineses estabelecidos em Taiwan, que podem ser considerados deslocados internos. Os movimentos migratórios de pessoas originados pela fome e pelas catástrofes naturais têm somente aumentado no início deste século, particularmente no continente africano, onde a guerra civil é um fator a acrescentar aos anteriores, mesmo que não sejam considerados como tal juridicamente (BAILEY, 1963). Neste quadro, o outro grande movimento de refugiados processou-se com a chamada descolonização africana, incentivada pela Organização das Nações Unidas (ONU), particularmente em Angola e Moçambique que, a partir de 1975, causou dentre outros fatores, mais de 600 mil refugiados, dos quais 450 mil vieram para Portugal como repatriados. Por volta de 1993, no ano da II Conferência Mundial de Direitos Humanos da ONU que criou a Declaração e o Programa de Ação de Viena, existiam em torno de 7 milhões de refugiados na Ásia; 5,5 milhões na África; 4,5 milhões na Europa e por volta de 2 milhões no continente americano. Estes são apenas alguns números que estabelecem o cenário de como o problema dos refugiados cresceu nos últimos tempos. Esta questão que, originariamente, se pensava extinguir somente com a criação do Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 83-101, jan./dez. 2005


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Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), acabou tornando-se uma tragédia ao longo dos anos.3 Este texto buscará analisar os parâmetros das origens do problema internacional do refúgio bem como os regimes internacionais que foram criados a partir da ação dos principais protagonistas do sistema internacional, ou seja, os Estados-nações e suas políticas, de modo a criar mecanismos operacionais para combater o problema.

2 A QUESTÃO INTERNACIONAL DO REFÚGIO Os países ocidentais de forma mais geral distinguem, normalmente, os refugiados políticos dos denominados refugiados econômicos. Estes últimos refugiam-se, acima de tudo, da pobreza e da miséria, mais do que de perseguições políticas, principalmente quando são provenientes dos países da periferia capitalista, e tornam-se, a maioria das vezes, imigrantes ilegais. O direito internacional reconhece aos que sofrem perseguições políticas o direito a procurar asilo ou refúgio, embora não obrigue os Estados a cedê-lo. Apenas em torno de 0,17% da população da Europa ocidental é constituída por refugiados. Os deslocados nacionais, aqueles que se viram obrigados a abandonar as suas casas dentro do seu próprio país, não são reconhecidos como refugiados, embora contados pelo ACNUR. Nestas condições, estimou-se, em 1993, que existisse, no mínimo, um número de 24 milhões de pessoas. No início do século XXI, o ACNUR ocupou-se de mais de 22 milhões de seres humanos pelo mundo, segundo suas próprias estimativas. Não há continente ou região do mundo que não tenha contribuído para estes números. Além dos refugiados em sentido estrito, existem os refugiados internos que são contabilizados nos números finais, como já referido. O ACNUR, criado no contexto da Convenção de Genebra de 1951, não é o único organismo internacional que procura ajudar os refugiados, pois com ele colaboram muitas outras organizações governamentais e não-governamentais, como o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, a Organisation Suisse d’Aide aux Réfugiés (OSAR), o Centro de Estudos para Refugiados, a Cáritas Arquidiocesana. A presença dessas organizações é muito importante e acompanha o próprio crescimento e diverScientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 83-101, jan./dez. 2005


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sificação das tarefas, cada vez mais complexas, da proteção internacional da pessoa e a aproximação entre suas vertentes jurídicas. Hoje, entende-se que uma situação em que surgem refugiados exige medidas múltiplas, tanto nos países de acolhimento, como nos países de origem, e as ações a tomar são de natureza variada, nem sempre compatível com as limitações burocráticas e oficiais, em que normalmente agem seus órgãos de controle e repressão nacionais, leiam-se polícias e milícias locais. Tanto o tratado internacional da ONU, o Estatuto dos Refugiados de 1951, como o próprio ACNUR resultaram diretamente do contexto da II Guerra Mundial, portanto produto de um sistema de Estados nacionais predominante nas relações internacionais, alguns surgidos artificialmente após o Tratado de Paz de Versalhes. Com o elevado número de refugiados produzidos pelas guerras e perseguições das mais variadas, a necessidade da criação de um sistema capaz de se ocupar deles em permanente funcionamento, que procurasse uma solução duradoura para o problema, tornou-se um imperativo nas relações internacionais ao longo do século XX. Alguns anos depois do conflito mundial, a repressão da revolta social e política na Hungria por parte da União Soviética produziu novo êxodo humano. Embora a Convenção de 1951 só se aplicasse a refugiados surgidos anteriormente a ela, ninguém questionou a urgência de uma atitude decisiva e singular. Ao contrário do que aconteceria em processos posteriores, neste caso não se optou prioritariamente pelo repatriamento, por razões óbvias em torno da Guerra Fria. Graças à solidariedade internacional, centenas de milhares de húngaros puderam reinstalar-se em novos países e regiões solidárias com estas populações, inclusive nos Estados Unidos, no primeiro grande desafio do recém-criado ACNUR (ALTO COMISSARIADO..., 2000). A partir dos anos sessenta do século XX, como já foi dito, o centro das preocupações internacionais neste campo deslocou-se para a África, devido aos vários processos de descolonização apoiados pela ONU e pelo direito internacional. Em 1967, o protocolo das Nações Unidas eliminou formalmente o limite temporal à aplicação da Convenção. Mesmo a tempo, considerando os altos números de refugiados provenientes de lugares tão distantes como o Chile, Bangladesh ou o Vietnã. Nesta altura, aumentou igualmente o recurso aos campos provisórios de refugiados. Com freqüência politizados e usados como terreno de recrutaScientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 83-101, jan./dez. 2005


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mento militar, esses campos são bastante criticados, por serem manobráveis e não buscarem uma solução definitiva para os deslocados, como estabelece o espírito da Convenção de 1951. Ao longo das décadas seguintes, a miséria e as guerras regionais continuaram e recrudesceram. Outras guerras notórias, incluindo a do Golfo Pérsico e a do Afeganistão, geraram ondas maciças de refugiados. E, a partir de 1990, foram os conflitos da região dos Bálcãs e a primeira Guerra do Golfo as causas principais do deslocamento de pessoas na Eurásia. Se a capacidade da maioria das nações é reduzida, a do ACNUR também o é num sentido ainda mais dramático: cerca de cinco mil funcionários – um por cada cinco mil refugiados, aproximadamente. Com um orçamento na ordem de um milhão de dólares, no ano de 2000. É insuficiente, quando se pensa nos cerca de 143 países que ratificaram a Convenção de Genebra e o número de refugiados produzidos anualmente com as guerras regionais e internacionais. Durante a guerra civil da Iugoslávia, por exemplo, quando os sérvios iniciaram uma vasta limpeza étnica genocida, o ACNUR foi acusado de estar desprevenido. Acusação justificada, é verdade, mas que pode também ser feita a governos envolvidos na guerra, incluindo alguns habitualmente lentos a pagar contribuições por eles devidas à ONU e essenciais para os fins da propagação e desenvolvimento dos direitos humanos. Enfim, o fenômeno dos originariamente conhecidos como refugos da terra, fugindo de suas terras originais vem crescendo enormemente nos últimos anos, e os regimes internacionais tem sido erguidos para regular sua situação (FREEMAN, 2002), cuja maior expressão é exatamente o surgimento do ACNUR, no sistema das Nações Unidas, embora ainda insuficiente para lidar com esse complexo problema de proporções mundiais. No período entre as duas grandes guerras, com o surgimento na Europa do fenômeno da desnacionalização utilizado como arma de política totalitária dos Estados, combinado com a incapacidade das nações européias de proteger os direitos humanos dos que haviam perdido os seus direitos, é que surgiram as hordas de refugiados e, assim, é que os regimes internacionais começaram a regular e tentar solucionar esta questão de forma razoável. Formados originariamente por russos, judeus e armênios, que fugiam de revoluções nacionais ou da perseguiScientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 83-101, jan./dez. 2005


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ção étnica sistemática como subproduto da guerra, os refugos ou náufragos da humanidade – para usar expressão de Bailey (1963) –, tornaram-se um problema permanente e de clara conotação internacional. Por um lado, os Estados nacionais totalitários utilizavam esta arma, a desnacionalização, para expulsar e perseguir comunidades ou classes políticas inteiras que pudessem colocar seus regimes em perigo. Por outro lado, a comunidade dos Estados liberais ocidentais não conseguiu fazer valer a proteção dos direitos humanos, enquanto derivado de suas constituições nacionais para estas comunidades de apátridas, desnacionalizados, que eram encarados e recebidos como verdadeiros refugos da terra no contexto da época. A própria expressão direitos humanos tornou-se prova de idealismo “[...] fútil ou de tonta e leviana hipocrisia” na expressão de Arendt (1989, p. 323). As condições de poder naquele contexto, fruto dos Tratados de Paz de Versalhes que colocaram fim à Primeira Guerra Mundial transformaram e tornaram instável o sistema europeu de relações internacionais em torno dos Estados-nações vigente desde o Congresso de Viena de 1815. Os tratados aglutinaram vários povos num só Estado, criaram outros artificialmente (como a Polônia ou a Tchecoslováquia) e lhes confiaram o governo, supondo que os outros povos nacionalmente compactos fossem parceiros e solidários com o governo, e com a mesma arbitrariedade, criaram com os povos que sobraram um terceiro grupo de nacionalidade chamadas minorias sem Estado em que o Estado seria o responsável de impor tributos de fora e regulamentos especiais a estes grupos, sem considerá-los cidadãos. Neste contexto foi criado o Tratado das Minorias, que reconhecia no âmbito internacional da Liga das Nações, a existência de minorias como instituição permanente, o reconhecimento explícito de que milhões de pessoas viviam fora da proteção legal de um Estado nacional, necessitando de garantias adicionais de seus direitos elementares por parte de uma organização externa e a admissão de que tal estado de coisas era permanente. Foi a grande novidade trazida para as relações internacionais naquele momento. Os primeiros heimatlosen ou apátridas, como denominados pelos Tratados de Paz de Versalhes, eram em sua maioria judeus que vinham dos Estados que sucederam e não podiam ou não queriam colocar-se Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 83-101, jan./dez. 2005


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sob a proteção dos governos que haviam chegado ao poder em seus locais de origem; além dos citados armênios, perseguidos pelo império turco, e ainda os russos desnacionalizados pela revolução socialista de 1917. As soluções apontadas para resolver o problema dos refugiados, ao longo do período entre-guerras, a repatriação ou a naturalização, revelaram-se um fracasso a curto prazo, e a questão global prolongou-se até o início do segundo conflito mundial, sem solução definitiva. As medidas de repatriação falharam porque nenhum governo nacional aceitou admitir que aquelas pessoas, indesejáveis, entrassem em seu território. Por outro lado, todas as tentativas de conferências mundiais no sentido de estabelecer condição legal para os apátridas falharam, pois nenhum acordo poderia substituir o território para o qual um estrangeiro poderia ser deportado, na estrutura das leis nacionais existentes. De fato, desde os anos 30, os campos de internamento oferecidos aos refugiados era tudo que o mundo tinha a oferecer a estas populações. A naturalização também não foi possível, pois os países europeus não estavam preparados para receber pedidos de naturalização em massa, bem como suas leis eram voltadas prioritariamente para aqueles considerados nacionais e não para estrangeiros, ainda mais sendo pessoas sem nacionalidade, sem Estado. O medo do colapso fez com que a maioria dos governos recusasse ou cancelasse naturalizações. Por outro lado, o fato de que a noção do problema permanente dos apátridas era primariamente judaica foi um dos pretextos usados pelas principais potências à época para ignorá-los em nome da clássica soberania absoluta dos Estados que, então, podiam praticar toda sorte de expulsões e deportações aos indesejáveis e as minorias políticas tratadas com leis especiais. Somente após o final da Segunda Guerra Mundial, constatou-se que o problema primário dos refugiados, os judeus, havia sido resolvido. Pela solução final do holocausto imposta pelo líder Adolf Hitler no período da guerra, e/ou finalmente por meio da conquista de um território colonizado, o Estado de Israel, e para onde foram milhares de judeus. No entanto, esta solução colocada no ambiente do sistema das Nações Unidas não resolveu o problema mais geral das minorias e dos apátridas refugiados. Pelo contrário, a tentativa da solução da questão judaica meramente criou uma nova categoria de refugiados, os árabes Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 83-101, jan./dez. 2005


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palestinos, acrescentando cerca de milhares de pessoas ao número dos que não têm um Estado que os proteja nem direitos elementares a serem exercidos. Seja por culpa dos países árabes que não aceitavam a existência do Estado de Israel, seja pelo próprio Estado judeu, o fato é que as guerras de independência de 1948/1949 e as demais ao longo de cinqüenta anos, produziram mais uma centena de refugiados que escapavam das batalhas e abandonavam suas casas, seus bens e suas próprias identidades em busca da sobrevivência. Quando acabou a Segunda Guerra Mundial, o problema dos refugiados ainda era uma questão fundamentalmente européia. A perseguição do regime nazista tinha obrigado muitos judeus a abandonar a Alemanha ou os países ocupados pelo III Reich. Os opositores políticos do regime ou passavam para a clandestinidade ou procuravam asilo fora das zonas de dominação germânica. Neste quadro é que podemos observar que, tal qual Arendt (1989, p. 323), “[...] desde os Tratados de Paz de 1919 e 1920, os refugiados e os apátridas têm-se apegado como uma maldição aos Estados recém-estabelecidos, criados à imagem do Estado-nação”. Isto é, o Estado nacional, ainda o principal ator de relações internacionais, precisa conceder tratamento igualitário perante a lei aos seus membros, e se esta ordem é quebrada para dar tratamento diferenciado à parte de sua população, considerada ainda sem pátria ou refugiada, a nação se dissolve em uma massa anárquica de indivíduos super ou subprivilegiados, sendo a lei não-igual para todos, transformando-se em direitos e privilégios que contrariam a própria natureza do Estado, enquanto Estado democrático de direito, como o que melhor garante e preserva direitos humanos (ALVES, 2001). Ou seja, o sistema de Estados-nações vigente nas relações internacionais desde Westfália continua hegemônico, passando por uma dinâmica transformadora há muito tempo, mas que por meio de decisões políticas equivocadas, seus governos nacionais vencedores da I e II Guerra Mundial, dentre outros problemas, criaram as condições não só para o segundo conflito global como produziram uma enorme massa de refugiados que se proliferaria até chegar aos números astronômicos da atualidade.

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3 OS REGIMES INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DA PESSOA O BRASIL Regime internacional é um conjunto de princípios, normas, regras e decisões procedimentais produzidas e aceitas pelos Estados e outros atores das relações internacionais sobre uma determinada temática, na expressão de Donnelly (1998) e de Smouts (2004), tendo sido seu conceito desenvolvido por Krasner (1983). E os regimes internacionais dos direitos humanos, dos direitos dos refugiados e do direito humanitário iniciaram seu crescimento e desenvolvimento a partir dos acontecimentos da II Grande Guerra. Ou seja, ainda sob o impacto do holocausto judeu na Alemanha nazista e da barbárie produzida pelo conflito mundial, produziu-se um enorme número de pessoas deslocadas de seu território original, fugindo da guerra, e, assim, a comunidade internacional ao fim do conflito reagiu ao tentar estabelecer normativas para apaziguar a questão e tentar soluções de médio e longo prazo que confirmassem as intenções da Liga das Nações, em torno de comissariados internacionais, mas desta vez, de forma não-seletiva e sim para todos os povos atingidos e de modo permanente. Com efeito, ao final da II Guerra Mundial, no sistema das Nações Unidas, tivemos a materialização e busca pela aproximação das vertentes jurídicas de proteção da pessoa para trabalhar em prol dos refugiados, que gradativamente se tornam milhares ao final do conflito global. De um lado, ainda durante o conflito, o estabelecimento do Acordo de Criação da Administração das Nações Unidas para o Socorro e a Reconstrução (UNRRA), primeira organização a incorporar o termo Nações Unidas em seu nome, órgão ad hoc de funções temporárias para realizar missões humanitárias a curto prazo (ANDRADE, 2001). De outro lado, foi criada a Organização Internacional para os Refugiados (OIR), já no espírito da Guerra Fria, que seria substituída posteriormente pelo ACNUR, no âmbito da Convenção de Genebra, de 1951, do mesmo modo que as Convenções de Genebra de 1949 para o direito internacional humanitário, que viriam para tentar regular os conflitos armados e buscar diminuir a catástrofe dos refugiados produzidos pelo flagelo humano da guerra.

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A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, no espírito humanitário de Eleanor Roosevelt, também regulava a questão do deslocamento da pessoa ao estabelecer que todo o indivíduo perseguido tem o direito de pedir asilo político em outro país, sem importar raça, nacionalidade ou etnia. Ou seja, os regimes internacionais começaram a ser estabelecidos para regular e proteger a questão dos direitos da pessoa no cenário mundial, incluindo os refugiados. No entanto, a recém-inaugurada Guerra Fria iria paralisar grande parte da eficácia dessas iniciativas humanitárias, colocando-as em plano secundário na nova conjuntura da política internacional. Porém, ainda assim, o sistema das Nações Unidas teve relativa repercussão e estabeleceu parâmetros e modelos a serem seguidos, mesmo que as grandes potências, como EUA e URSS, utilizassem tais iniciativas para a sua particular guerra ideológica, considerando refugiado todo aquele que fugisse dos regimes totalitários da Cortina-de-Ferro, como era a posição dos EUA, ou ignorassem o problema, não colaborando para a edificação dos regimes, como era o caso soviético. Os protocolos adicionais da ONU de 1967 completariam o regime da Convenção de 1951 e a problemática dos refugiados ganharia ainda mais corpo teórico e substancial contribuição para a realidade que estaria por vir a partir dos anos 90, com a multiplicação do deslocamento de pessoas e produção de refugiados no período pós-guerra fria. Portanto, a Convenção de Genebra junto com os protocolos adicionais de 1967 formam a principal parte do regime internacional de proteção aos refugiados no sistema da ONU, bem como as Convenções de Genebra, de 1949, combinado com os protocolos de 1977 estabeleceram a essência do regime internacional do direito humanitário, que regula os conflitos armados e procura também implementar de forma conexa as políticas de proteção aos refugiados, vítimas primordiais do flagelo humano da guerra. Fora isso, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, combinada posteriormente com a I Conferência Global de Direitos Humanos de Teerã, em 1968, esta que adotou a resolução intitulada Human Rights In Armed Conflicts, e ainda a II Conferência Mundial dos Direitos Humanos, de 1993, que produziu a Declaração e o Programa de Ação de Viena, confirmando a tese da Declaração de 1948 (de que os direitos humanos são unos, indivisíveis e inter-relacionados) formam o núcleo do regime Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 83-101, jan./dez. 2005


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internacional de proteção aos direitos humanos. Em termos políticos, a resolução de 1968 sinalizou para a comunidade internacional o reconhecimento de que os conflitos armados continuavam a ser a praga da humanidade, principalmente depois que as Nações Unidas proibiram que a ameaça ou uso da força fosse o principal meio para solução de controvérsias internacionais. Em termos jurídicos, a resolução de Teerã abriu o caminho para estabelecer o relacionamento entre o direito humanitário e o direito internacional dos direitos humanos na proteção de pessoas afetadas de alguma forma pelas guerras, civis ou internacionais. Décadas se passaram desde que a Conferência Mundial de Teerã confirmou que a proteção dos indivíduos em conflitos armados requer a aplicação do direito internacional humanitário e dos outros corpos jurídicos: incluindo direito internacional dos direitos humanos, direito internacional dos refugiados, direito penal internacional e as leis internas dos Estados-nações. Em atenção a isso, as Nações Unidas nas mais diversas crises mundiais que envolveram conflitos armados e produziram refugiados como conseqüência (Somália, Ruanda, Libéria), invocam os mais variados regimes legais, sejam os nacionais sejam internacionais, reforçando a tese da aproximação das vertentes jurídicas de proteção à pessoa e a visão do professor Antonio Augusto Cançado Trindade sobre o tema (TRINDADE, 1997). A Declaração de Viena, de 1993, que confirma definitivamente o espírito da universalidade do texto de 1948, além de reconhecer que certas categorias de pessoas, mais fragilizadas politicamente nas sociedades nacionais, devem possuir proteção jurídica ímpar – mulheres, crianças e indígenas - por exemplo, reafirma o direito de qualquer pessoa obter asilo contra perseguições de que seja alvo, bem como regressar ao seu país de origem em condições de segurança. Ou seja, a Declaração de Viena, como parte do regime internacional dos direitos humanos, reafirma a interligação com os outros regimes, com o fim último de proteção da pessoa e exorta as nações, as organizações internacionais e não-governamentais a trabalharem em conjunto de modo a conseguir soluções duradouras às causas e problemas que levam ao deslocamento de povos e à produção de refugiados, ao evidenciar que

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95 [...] A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem reconhece que, face às complexidades da crise global dos refugiados e em conformidade com a Carta das Nações Unidas, considerando os instrumentos internacionais relevantes e a solidariedade internacional e num espírito de partilha de responsabilidades, se torna necessária uma abordagem global pela comunidade internacional, em coordenação e cooperação com os países interessados e as organizações relevantes, tendo presente o mandato do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. O que deverá incluir o desenvolvimento de estratégias para abordar as causas remotas e os efeitos das movimentações dos refugiados e de outras pessoas desalojadas, o fortalecimento de mecanismos de preparação e resposta em caso de emergência, a disponibilização de proteção e assistência efetivas, tendo presente as necessidades especiais das mulheres e das crianças, bem como a obtenção de soluções duradouras, começando pela solução preferível do repatriamento voluntário dignificante e seguro [...].

Em vista das proporções globais que o problema dos refugiados assumia naquela conjuntura do início dos anos 90, como já citado, a Declaração e o Programa de Ação de Viena, no contexto da Agenda para a Paz do então secretário-geral da ONU, Boutros Boutros Ghali, sublinha a importância do corpo jurídico já produzido no regime internacional dos refugiados, a Convenção de Genebra e o Protocolo Adicional de 1967, e também do ACNUR, enquanto agência da ONU que mais teve crescimento de atuação desde o fim da Guerra Fria, ao lado do Organismo de Obras Públicas e Socorro das Nações Unidas para Refugiados Palestinos. Enfatiza o espírito de solidariedade internacional, a necessidade de compartilhar responsabilidades, entre governos nacionais, sociedade civil e organismos internacionais, adotando-se planejamentos abrangentes e de longo prazo, com soluções duradouras em torno de inserção definitiva ou repatriação voluntária em condições de segurança e dignidade humana, mesmo cessados temporariamente os motivos do deslocamento forçado. A partir daí, os esforços têm sido para implementar estas diretrizes globais eleitas no ambiente da ONU, dos organismos regionais e das organizações não-governamentais, que tiveram papel ativo naquela conferência (ALVES, 2001).

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Neste ínterim, o Brasil participa ativamente da Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena, em 1993, num espírito renovador de sua política externa em relação ao passado ditatorial do regime militar. Pois, sob a administração de um regime militar, passaria ao largo do problema internacional do refúgio, ficando em uma posição isolada no cenário internacional quanto ao problema mais geral dos direitos humanos, assumindo posturas defensivas nos fóruns mundiais quanto à temática, recebendo críticas inclusive da Igreja Católica de Roma, da Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), do governo dos EUA, sob a administração de James Carter, que elegera os direitos humanos como plataforma de política externa (FICO, 2004). Com o início do processo de redemocratização ao final dos anos 80 e consolidada na década de 90, o país adentra nos regimes internacionais e regionais de proteção dos direitos humanos, dentre eles o do sistema da ONU para refugiados. A adesão a todos os instrumentos internacionais e regionais de direitos humanos ocorre em clima de reação ao legado da ditadura militar, confirmando o espírito constitucional de 1988 que estabelece o asilo político como princípio que rege as relações internacionais do país, assim como a prevalência dos direitos humanos. A regulamentação da matéria vem por meio da Lei nº 9.474/97, que amplia o entendimento do instituto, considerando também para aquelas pessoas que fogem de condições subumanas de vida, aliado à violação de direitos humanos por parte de seu governo nacional. Neste sentido, a legislação brasileira avança para além do entendimento dos países ocidentais de que refugiados não podiam ser os refugiados econômicos, como já citado, desde que combinado com a violação sistemática dos direitos humanos por parte do governo do possível refugiado. Tal legislação vem ao encontro da nova visão internacional do Brasil que os governos civis procuraram estabelecer do país, fazendo-o reconciliar-se consigo mesmo em relação ao passado ditatorial, passando à criação e promoção de um Programa Nacional de Direitos Humanos. Neste contexto estaria a vontade política da aprovação da Lei dos Refugiados, ao encontro da multilateralização das relações do país, do avanço do direito internacional e da entrada nos regimes internacionais de direitos humanos considerados de forma ampla, assim como nos regimes regionais. Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 83-101, jan./dez. 2005


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O Brasil, ainda com todos estes avanços na construção de um arcabouço jurídico, permanece tímido no que tange ao recebimento, acolhimento e reassentamento de refugiados, pois, sendo um país de dimensões continentais (apesar de ter uma enorme gama de injustiças sociais internas) poderia avançar muito mais neste campo, acolhendo os refugiados em um número muito maior, visto que país, como Moçambique, geográfica e estrategicamente de menor expressão internacional ultrapassa o Brasil nesse quesito. Segundo o ACNUR e o próprio CONARE, o país tem pouco mais de 3.000 refugiados oficiais. Para um país com 8 milhões de metros quadrados de área territorial, com fartos recursos naturais e demográficos, além de enorme potencial para o desenvolvimento, esse total é realmente extremamente tímido. Dos Estados membros da federação brasileira, apenas Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte possuem atualmente um programa mais definido para refugiados e os recebem em maior número, com a supervisão do CONARE e do ACNUR. Se pensarmos em termos quantitativos é muito pouco para um país que pretende maior inserção e visibilidade internacional, inclusive quanto aos problemas humanitários mundiais. Fora isso, há o problema qualitativo também. Ou seja, mesmo com uma avançada legislação sobre refugiados, o país não tem estrutura nem programas claramente definidos para receber e integrá-los (BARRETO, 2003). Os que existem estão prioritariamente ainda baseados na caridade, nas ações humanitárias de organizações não-governamentais que, às vezes, mais promovem o círculo da dependência econômica do que a cidadania.

4 CONCLUSÃO Refugiados são um toque de classe das guerras. É o produto mais refinado das guerras, sejam civis, regionais ou internacionais, da discriminação e de intolerância política ou religiosa. Ninguém gosta de ser um refugiado ou escolhe sê-lo. As pessoas convertem-se em refugiados quando um ou mais dos seus direitos humanos fundamentais são violados, tornando a situação insustentável para si, para a população de seu país ou de sua região.

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A Convenção de Genebra, de 1951, e Protocolo, de 1967, diz que o termo ‘refugiado’ se aplica a toda a pessoa que, devido a fundados temores de ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país; é também refugiado aquele que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em conseqüência de tais acontecimentos, não pode ou, devido a este temor, não quer a ele voltar.

A busca de soluções para os refugiados no Brasil e no mundo é mais do que nunca um problema de todas as comunidades, sejam elas nacionais ou internacionais. A consciência ética coletiva, a convicção de que a dignidade da condição humana exige respeito a certos bens ou valores em quaisquer circunstâncias, mesmo que estes não sejam reconhecidos pelo ordenamento estatal, ou em documentos normativos internacionais vigentes. É preciso avançar para além das regras jurídicas positivadas somente, e considerar os regimes internacionais como um todo, o conjunto de normas, princípios, acordos, regras e procedimentos aplicados às situações de conflitos armados, aos desastres humanitários de todo o tipo que provocam o deslocamento forçado de pessoas e produzem um dos maiores problemas globais da atualidade, isto é, o crescimento acelerado do movimento de pessoas deslocadas forçosamente, de refugiadas, em todo o globo. Os regimes internacionais avançam no mundo inteiro levando em conta também a força normativa do direito internacional consuetudinário, dos costumes aplicados à guerra, sejam elas civis sejam internacionais. Este é o desafio da comunidade internacional atualmente: aprender com os erros do passado e parar de tratar estes indivíduos como uma mercadoria estrangeira no território nacional e oferecer a verdadeira chance de recomeço de uma nova vida, para homens, mulheres, jovens, crianças, idosos, sem importar nacionalidade, etnia, raça, credo ou origem, no espírito dos regimes globais do sistema da ONU e também dos regionais nos diversos continentes. Desastres humanitários, guerras regionais, tribais, que afloraram ao final do período da guerra fria, e principalmente, as políticas externas e os processos decisórios da maioria dos Estados-nações membros da comunidade internacional tornaram os refugiados um problema que de iníScientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 83-101, jan./dez. 2005


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cio resolveria somente com políticas compensatórias em torno de ações humanitárias e de organizações internacionais para estes fins, para uma questão de proporções globais que afeta todo o sistema internacional de modo dramático e que até agora tem sido um problema de permanente preocupação, sem solução definitiva a curto ou médio prazo. O Brasil, neste contexto, precisa avançar mais na questão global de receber e reassentar refugiados, visto que o país ainda está em processo de construção de suas políticas públicas voltadas ao tema mais geral dos direitos humanos, e para os refugiados em particular. Tanto a legislação nacional quanto a realização de políticas concretas sobre o tema têm muito ainda a ser aperfeiçoado.

INTERNATIONAL HUMAN RIGHTS REGIMES AND BRAZILIAN SITUATION ABSTRACT To analise the problem of refugee in the international relations context, particularity in the European world and how the decision process of the national states transformed something that could be resolved quickly to a problem of global proportion. The international regimes are examined as a whole of global accords, decisions and politics process that in the field of international relations can establish limits that national society to deal with the subject, include countries like Brazil. As a method using bibliography about to the theme in the national and international doctrine comparing to the contributions principals a respect to the displace people. Keywords: Refugee. International regimes. Human rights.

NOTAS EXPLICATIVAS 3

Palestra proferida por Luis Varese durante o Seminário “Refúgio, Migrações e Direitos Humanos”, realizado em Brasília, no período de 21 a 22 de junho de 2004, e promovido pelo ACNUR. Disponível em: <www.migrante.org.br>. Acesso em: 22 set. 2004.

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Conforme Capítulo III (Soluções Duradouras) da Declaração e Plano de Ação do México de 2004.

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REFERÊNCIAS ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA OS REFUGIADOS. A situação dos refugiados no mundo: cinqüenta anos de acção humanitária. Lisboa: Almada, 2000. ALVES, J. A. L. Relações internacionais e temas sociais: a década das conferências. Brasília: Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, 2001. ANDRADE, J. F. de. Direito internacional dos refugiados: evolução histórica (1921-1952). Rio de Janeiro: Renovar, 1996. ARENDT, H. Origens do totalitarismo. São Paulo: Cia. das Letras, 1989. BAILEY, S. D. A história das Nações Unidas. Rio de Janeiro: Lidador, 1963. BARRETO, L. P. T. F. A política de refúgio no Brasil contemporâneo. In: BOUCAULT, C. E. de A.; MALATIAN, T. (Org.). Políticas migratórias: fronteiras dos direitos humanos no século XXI. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. DONNELLY, J. International human rights: dilemmas in world politics. Boulder: Westview, 1998. FICO, C. Além do golpe: versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. Rio de Janeiro: Record, 2004 FREEMAN, M. Human rights: an interdisciplinary approach. Cambridge: Polity, 2002. KRASNER, S. D. International regimes. Ithara: Cornell University Press, 1983. MACMILLAN, M. O. Paz em Paris, 1919: a conferência de Paris e seu mister de encerrar a grande guerra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004. SMOUTS, M.-C. Regimes internacionais. In: ______. (Org.). As novas relações internacionais: práticas e teorias. Brasília: Ed. UnB, 2004. p. 129-141.

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TRINDADE, A. A. C. Tratado de direito internacional dos direitos humanos. Porto Alegre: S. A. Fabris, 1997.

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CASA INTELIGENTE CONTROLADA PELA WEB

MARCELO OLIVEIRA CAMPONÊZ1 IGOR GOLTARA VASCONCELLOS2 MURILO KILL RAMOS2 SERGIO SCHIRMER ALMENARA2

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Mestre em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal do Espírito Santo. Professor do Centro Universitário Vila Velha. E-mail: camponez@uvv.br. Graduados em Ciência da Computação pelo Centro Universitário Vila Velha. E-mail: igorvasconcellos@terra.com.br.

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RESUMO Apresenta uma revisão bibliográfica sobre automação industrial, automação residencial e os principais sistemas para a sua implementação. Enfoca ainda uma possível solução para o problema de implementação da casa inteligente controlada pela web, utilizando tecnologia acessível e barata para a integração dos ambientes e eletrodomésticos da casa. Palavras-chave: Automação. Sistema de monitoramento. Sistema de alarme. Integração. Casa inteligente.

1 INTRODUÇÃO 1.1 AUTOMAÇÃO INDUSTRIAL Não se pode falar sobre a automação industrial sem antes falar sobre a Revolução Industrial. A Revolução Industrial foi um conjunto de transformações ocorridas no século XVIII. Essas transformações consistiram na substituição da energia física pela mecânica, da manufatura pela maquinofatura. A mais importante dessas transformações, ocorrida em primeiro lugar na Grã-Bretanha, foi a invenção de máquinas que produziam muito mais que o trabalho manual. As primeiras foram máquinas de fiação e tecelagem. Homens, mulheres e até mesmo crianças trabalhavam nas novas fábricas, onde grande parte das máquinas funcionava, a princípio, pela força hidráulica, e posteriormente a vapor. Em 1712, Newcomen projetou o motor a vapor que passaria a ser conhecido por seu nome, mas o invento não foi imediatamente adaptado para propelir barcos, pois seu grande peso e baixa potência constituíam um problema cuja resolução era muito difícil. Para isso, em 1765, James Watt melhorou o motor a vapor inventado por Newcomen, introduzindo-lhe um condensador separado para condensar o vapor vindo do cilindro e reutilizou o vapor produzido para acionar o êmbolo, o que tornou a máquina mais eficiente. Na primeira metade do século XIX os sistemas de transporte e de comunicação desencadearam as primeiras inovações com os primeiScientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 103-116, jan./dez. 2005


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ros barcos a vapor (Robert Fulton/1807) e locomotiva (Stephenson/ 1814), revestimentos de pedras nas estradas (McAdam/1819), telégrafos (Morse/1836). As primeiras iniciativas no campo da eletricidade como a descoberta da lei da corrente elétrica (Ohm/1827) e do eletromagnetismo (Faraday/1831). No setor têxtil a concorrência entre ingleses e franceses permitiu o aperfeiçoamento de teares (Jacquard e Heilmann). O aço tornou-se uma das mais valorizadas matérias-primas. A indústria bélica sofreu significativo avanço (como os Krupp na Alemanha) acompanhando a própria tecnologia metalúrgica. A explosão tecnológica conheceu um ritmo ainda mais frenético com a energia elétrica e os motores a combustão interna. A energia elétrica aplicada aos motores deu um novo impulso industrial, e foi possível a partir do desenvolvimento do dínamo, um aparelho utilizado para conversão de energia, também chamado de gerador elétrico, que transforma energia mecânica, química ou sob outra forma em energia elétrica. Os meios de transporte se sofisticaram com navios mais velozes. Hidrelétricas se multiplicavam, o telefone dava novos contornos à comunicação (Bell/ 1876), o rádio (Curie e Sklodowska/1898), o telégrafo sem fio (Marconi/1895), o primeiro cinematógrafo (irmãos Lumière/1894) eram sinais evidentes da nova era industrial consolidada. A invenção do automóvel movido a gasolina (Daimler e Benz/1885) também foi uma das responsáveis por gerar tantas mudanças no modo de vida das grandes cidades. O motor a diesel (Diesel/1897) e os dirigíveis aéreos revolucionavam os limites da imaginação criativa e a tecnologia avançava a passos largos. A indústria química também tornou-se um importante setor de ponta no campo fabril. Entrava-se no século XX com uma visão de universo totalmente transformada pelas possibilidades que se apresentavam pelo avanço tecnológico. Neste ambiente propício se desenvolveu a automação industrial que, nos dias de hoje, pode ser dividida em ramos distintos: a) Automação de processos Em um processo automático devem ser sentidas variáveis analógicas e digitais, para que, após o processamento das informações contidas nessas variáveis, o controlador tome decisões como ligar ou desligar um motor, acender uma lâmpada de alerta, ligar ou desligar um sistema de aquecimento, entre outras. Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 103-116, jan./dez. 2005


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O elemento que sente o que ocorre no processo, fornecendo informações sobre o estado da variável monitorada é chamado de sensor. O elemento que executa a tarefa designada pelo controlador é chamado de atuador. b) Automação seqüencial – PLC/CLP Um CLP pode ser definido como um aparelho eletrônico digital que utiliza uma memória programável para armazenamento interno de instruções para implementações específicas, como lógica, seqüenciamento, temporização, contagem e aritmética, para controlar, através de módulos de entradas e saídas, vários tipos de máquinas ou processos. O controlador lógico programável (CLP) revolucionou os comandos e controles industriais desde seu surgimento na década de 70. Antes do surgimento dos CLP’s, as tarefas de comando e controle de máquinas e processos industriais eram feitas por relés eletromagnéticos, especialmente projetados para este fim. O primeiro CLP surgiu na indústria automobilística, até então um usuário em potencial dos relés eletromagnéticos utilizados para controlar operações seqüenciadas e repetitivas numa linha de montagem. As primeiras gerações de CLP’s utilizaram componentes discretos como transistores e circuitos integrados (CI’s) com baixa escala de integração. Desde o seu aparecimento até hoje, muita coisa evoluiu nos controladores lógicos. Esta evolução está ligada diretamente ao desenvolvimento tecnológico da informática em suas características de software e de hardware. O que no seu surgimento era executado com componentes discretos, hoje se utiliza de microprocessadores e microcontroladores de última geração, usando técnicas de processamento paralelo, inteligência artificial, redes de comunicação, fieldbus, etc. O controlador programável automatiza processos industriais de seqüenciamento, intertravamento, controle de processos, batelada, etc. Este equipamento tem seu uso na área de automação da manufatura e de processos contínuos. Praticamente não existem ramos de aplicações industriais onde não se possam aplicar os CLP’s. Com a tendência de os CLP’s terem baixo custo, muita inteligência, facilidade de uso e massificação das aplicações, estes equipamentos podem ser utilizados nos processos e nos produtos. Podemos encontrá-los em produtos eletrodomésticos, eletrônicos, em residências e veículos. Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 103-116, jan./dez. 2005


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c) Automação por controle numérico – CNC O comando numérico computadorizado (CNC) é uma técnica que permite a operação automática de uma máquina por meio de uma série de instruções codificadas que contêm números, letras e outros símbolos. Esta nova tecnologia foi originalmente desenvolvida para controle automático de máquinas-ferramenta, mas sua aplicação tem sido estendida para uma grande variedade de máquinas e processos. Graças a sua grande flexibilidade, as máquinas CNC podem ser facilmente reprogramadas para atender a novos projetos e podem ser adaptadas a diferentes situações de produção. Em combinação com a aplicação da tecnologia de computadores, o CNC abre as portas para a manufatura assistida por computador (CAM). A partir da Segunda Guerra Mundial, as mudanças de demanda, o desenvolvimento tecnológico e a concorrência internacional conduziram à produção de novos produtos em ritmo mais acelerado. Um produto não podia sobreviver durante um longo período sem melhoramentos na qualidade, nas suas propriedades e na sua eficiência; em outras palavras, sem mudanças no projeto. Na maioria dos casos, o antigo processo de produção automatizada, que somente aceitava pequenas mudanças no projeto, tornou-se inviável. As máquinas automáticas, controladas por cames e limitadores mecânicos de difícil regulação, precisavam de um novo tipo de sistema de controle, baseado em novo princípio, de fácil adaptação às variações no projeto das peças e à exigências de produção. Além das considerações anteriores, o fato que realmente impulsionou o desenvolvimento deste novo sistema de controle foi a necessidade que teve a Força Aérea dos Estados Unidos de projetar uma nova aeronave. Um problema crítico na manufatura deste veículo era a exigência de se obter um perfil muito preciso da peça usinada. Esta exigência excedia a capacidade das fresadoras convencionais. A Corporação Parsons propôs a criação de uma nova máquina-ferramenta em que seriam gerados dados para controlar o posicionamento da ferramenta a partir do perfil da peça a ser usinada. Para projetar esse novo sistema de controle da máquina, Parsons subcontratou o Laboratório de Servomecanismos do Massachusetts Institute of Technology (MIT). A primeira fresadora com três eixos de movimentos simultâneos, controlados por este novo tipo de sistema de controle, foi construída em Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 103-116, jan./dez. 2005


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1952. A unidade de controle usava válvulas de vácuo e era muito volumosa, utilizando como sistema de armazenamento de programas uma fita perfurada. O programa de usinagem consistia numa seqüência de instruções elaboradas em código numérico. Por este motivo, foi chamada de máquina de controle numérico (CN). Esta máquina demonstrou que as peças podiam ser feitas numa velocidade maior, com uma precisão e repetibilidade no posicionamento de três a cinco vezes maior que a obtida em máquinas convencionais. Deixaram de ser necessários o uso de gabaritos e trocas de elementos da máquina para usinar peças diferentes. Bastava alterar as instruções no programa e perfurar uma nova fita. A evolução da microeletrônica deu lugar ao aparecimento do comando numérico computadorizado (CNC) na década do 70. A unidade de controle do CNC contém um computador dedicado que utiliza os dados fornecidos pelo programa para controlar a máquina-ferramenta. Os programas introduzidos são armazenados dentro da memória do computador e não são perdidos quando a máquina é desligada. No CN que utilizava como meio de armazenamento de programas a fita perfurada, não era possível armazenar os programas na máquina. d) Robótica Robótica é uma área multidisciplinar, altamente ativa que busca o desenvolvimento e a integração de técnicas e algoritmos para a criação de robôs. Na sociedade atual, há uma crescente necessidade de se realizarem tarefas com eficiência e precisão. Existem também tarefas a serem realizadas em lugares onde a presença humana se torna difícil, arriscada e até mesmo impossível, como o fundo do mar ou a imensidão do espaço. Para realizar essas tarefas, se faz cada vez mais necessária a presença de dispositivos que realizam essas tarefas sem colocar em risco a vida humana. A robótica é a área que se preocupa com o desenvolvimento de tais dispositivos. A robótica envolve matérias como engenharia mecânica, engenharia elétrica, inteligência artificial, entre outras, com uma perfeita harmonia, que se faz necessária para se projetarem essas maravilhosas tecnologias. Hoje existem robôs em várias áreas da sociedade: robôs que prestam serviços, como os desarmadores de bombas, robôs com a nobre finalidade da pesquisa científica e educacional e até mesmo os robôs operários, que se instalaram em fábricas e foram responsáScientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 103-116, jan./dez. 2005


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veis pela segunda Revolução Industrial, que revolucionou especificamente a produção em série, substituindo a carne e o osso pelo aço, agilizando e fornecendo maior qualidade aos produtos. Este crescimento de tecnologia relacionado à robótica gerou grandes benefícios. Além de aumentar a produção, os equipamentos automatizados possibilitam uma melhora na qualidade do produto, uniformizando a produção e eliminando perdas e refugos. A automação também permite a eliminação de tempos mortos, ou seja, permite a existência de operários que trabalhem 24 horas por dia sem reclamar, o que leva a um grande crescimento na rentabilidade dos investimentos. Sem dúvida a automação industrial foi e é um grande impulsionador da tecnologia de robótica. Cada vez mais se tem procurado aperfeiçoar os dispositivos, dotando-os de inteligência para executar as tarefas necessárias. Por exemplo, usando redes neurais procura-se a linearização de acionamentos eletromecânicos; com Fuzzy Logic pode-se fazer o planejamento de trajetória para robôs redundantes; ou utilizando Sistemas Especialistas é possível a deteção de vazamento de água a partir da aquisição remota de consumo.

2 AUTOMAÇÃO RESIDENCIAL Com todo esse avanço tecnológico a automação começa a ganhar diferentes ramos. Um novo ramo da automação é a automação residencial. Esse tipo de automação já é uma realidade e pode ser facilmente percebida com a disseminação de sistemas de alarme e monitoramento que estão sendo os principais responsáveis por impulsionar este mercado tão recente. Outros exemplos que são muito utilizados em edifícios são os famosos dispositivos detectores de presença, sistema de sensoriamento que são nada mais que sensores utilizados para acender luzes, ligar o ventilador do elevador, entre outras ações efetuadas quando a presença humana é detectada. Existem no mercado várias aplicações para a automação residencial, são elas: a) Sistema de alarme São sistemas de monitoramento cujo principal objetivo é prover segurança em residências e edifícios. Um sistema de alarme ideal deve estar interligado com uma central de monitoramento, de forma que possa ser monitorado com total eficiência remotamente. Esse tipo Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 103-116, jan./dez. 2005


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de sistema já possui uma boa utilização no mercado, mas ainda não possui nenhum tipo de ligação com o ambiente do imóvel, interagindo com o mesmo. Um exemplo de interação é o travamento das janelas, o acender de uma luz, dentre outros. b) Sistemas de circuitos internos de TV O monitoramento de uma residência automatizada é feito através de câmeras pequenas posicionadas em locais estratégicos, tais como portão, quarto de bebê, entre outros locais desejados. Essas câmeras devem estar interligadas no sistema de televisão da casa, de modo que seja possível acompanhar aquilo que for conveniente para o proprietário. Sendo possível, por exemplo, visualizar através da televisão do banheiro, quem é a visita que está tocando o interfone. c) Ambientes inteligentes Para caracterizar um ambiente como inteligente, é necessário muito mais que eletrodomésticos modernos e sofisticados. Um ambiente inteligente deve ser capaz de tomar certas decisões quando necessário. Imagine um sistema de reconhecimento de voz, em que é possível abrir o portão através de um comando. Um sistema suficientemente inteligente não deve abrir uma porta para pessoas estranhas. Este tipo de sistema pode ser considerado como tendo um certo grau de inteligência, podendo ser implementado com redes neurais artificiais. Acrescentando mais inteligência ainda, podemos ter o sistema de reconhecimento de voz, interagindo com o sistema de alarme, para que seja enviada uma notificação via torpedo ao dono da casa, no caso de haver insistência por parte da pessoa estranha, na tentativa de burlar o sistema e abrir uma porta. d) Prédios inteligentes A cada dia os prédios e condomínios ficam mais inteligentes. Muitas construtoras hoje já prevêem em seus projetos toda a estrutura de cabeamento necessária para uma adaptação futura enquanto outras já fazem a construção com sistemas de alarme e monitoramento incluídos. Os prédios inteligentes devem ter integração do sistema de filmagem da portaria com os apartamentos, bem como o sistema de telefonia. Com um sistema de identificação na portaria e na garagem, um prédio realmente inteligente poderia iniciar o processo de enchimento de uma banheira no momento em que o proprietário do apartamento chegasse ao edifício.

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Quando se fala em automação residencial, na verdade, se fala de uma integração total dos sistemas domésticos, detalhada a partir do projeto de construção ou reforma do imóvel. A partir de um projeto de automação centralizada, é possível integrar todos os equipamentos e sistemas e controlá-los a partir de um computador ou de centrais inteligentes. Essa integração dos sistemas residenciais e as suas possíveis tomadas de decisões forma uma casa inteligente. Os principais itens de automação residencial são: telefonia, transmissão de dados, aquecimento, ar condicionado, iluminação, home-theater, somambiente, vigilância, alarme, iluminação de segurança, circuito interno de TV, aparelhos eletrodomésticos, cortinas, portas automáticas e integração com a Internet. Uma das principais preocupações dos projetistas e instaladores de sistemas de automação residencial deve ser a integração entre os elementos do projeto. Apesar do avanço na tecnologia dos produtos modernos e de suas interfaces amigáveis, tais produtos não operam com integração. Quando se prevê um cabeamento prévio das residências, toda esta integração pode ser obtida ao final e a um custo muito pequeno. Quando isto não é previsto em projeto, ocorrem a improvisação e o desperdício, que sempre resultam em prejuízos financeiros e dificuldades operacionais. Outro problema é a automatização residencial em casas já construídas, mas para resolver esse problema foi desenvolvido o protocolo X-10, uma linguagem de comunicação que permite que produtos compatíveis conversem entre si através da rede elétrica existente de 110v. Não são necessários novos e custosos cabeamentos. Até 256 endereços são disponíveis e se for desejado que mais de um equipamento responda a um mesmo sinal, basta assinalar o mesmo endereço. O X-10 pode ser uma boa solução nos casos de residências já construídas, onde se quer evitar transtornos com reformas custosas e deve ser dirigido para aplicações autônomas (não-integradas) e nãocríticas. Levando-se em conta estas restrições, pode-se obter excelente relação custo/benefício, além de sua facilidade de instalação e operação. Existe uma gama enorme de produtos X-10, de diversos fabricantes. Todos eles podem ser livremente usados, juntos, pois utilizam o mesmo protocolo básico de transmissão.

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Uma de suas limitações é a de operar apenas funções simples do tipo liga/desliga e dimerização de luzes. Por se tratar de produtos relativamente baratos e de fácil aplicação, a tendência é utilizar o X-10 em variadas aplicações pela casa toda, tais como luzes remotas e acionamento de eletrodomésticos e portas a distância. No entanto, como sua confiabilidade é limitada, não se recomenda o uso em aplicações críticas (relacionadas com a segurança), pois o estabelecimento de sistemas de monitoramento para avaliar o status de um equipamento X-10 acrescenta complexidade e custos elevados ao sistema. Outro empecilho para sua utilização em larga escala é sua baixa integração com os demais sistemas automatizados que utilizam cabeamentos dedicados (áudio, vídeo, alarmes, por exemplo). Isto limita seu uso, pois poderia acrescentar dificuldade de manuseio para o usuário, que se veria às voltas com interfaces diferentes para cada sistema de automação. Hoje, quando se fala em integração de sistemas podem-se considerar aplicações, que até meses atrás seriam pura ficção científica. Por exemplo, a conexão dos controles residenciais com a Internet. Tudo aquilo que é controlado dentro de casa, através de uma simples conexão com a Internet, pode ser estendido a praticamente qualquer local. Ou seja, através de um laptop, de qualquer lugar, é possível gerenciar o que ocorre em casa, com todos os equipamentos e serviços lá instalados, inclusive com imagens. O futuro da Internet não reside apenas nos PC’s, mas também nos mais variados equipamentos que usamos no dia-a-dia e que fazem o mundo funcionar. Num mundo onde tudo estará conectado, luzes, bombas, termostatos, válvulas, interruptores, sensores de presença entre outros, o potencial de criar novas aplicações e novos negócios vão além da imaginação. Neste contexto as residências ganham inteligência e através da integração com a Internet, surgem as casas inteligentes monitoráveis pela Internet através da web.

3 POSSÍVEL SOLUÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DE UMA CASA INTELIGENTE CONTROLADA PELA WEB Uma possível solução para implementação de uma casa inteligente pode ser agrupada em três módulos distintos (Figura 1). Essa possível solução trata de um controle de uma casa inteligente através da web, onde Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 103-116, jan./dez. 2005


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um usuário irá entrar com seu login e sua senha e a página será montada dinamicamente pelo servidor. O primeiro módulo é o desenvolvimento de um sistema operacional para um microcontrolador (SOUZA, 2002). O segundo módulo será o desenvolvimento de sistema para o servidor da casa, que irá comunicar-se com o sistema operacional do microcontrolador e montar a página web. A confecção da página web será o terceiro e último módulo da casa inteligente.

Figura 1 – Descrição do agrupamento entre os módulos

3.1

PÁGINA WEB

A página web deve ser dinâmica. Páginas dinâmicas são páginas montadas diferentemente de acordo com alguma condição. As vantagens de usar esse tipo de página é que ela será montada de acordo com o usuário que estará utilizando o sistema, não precisando criar assim uma página para cada usuário. Uma outra vantagem de usar páginas dinâmicas é que ela pode ser alterada quando um dispositivo da casa for acionado. Através de uma planta 2D desenhada na página montada o usuário irá visualizar todos os dispositivos controlados na casa. As cores dos desenhos dos dispositivos indicarão o estado do periférico na casa (ligado, desligado). Para alterar o estado dos dispositivos o usuário irá clicar no desenho do periférico na página que, por sua vez, irá chamar o servidor passando como parâmetro a alteração a ser feita. A página também responderá a mensagem do servidor passada como parâmetro, tomando a decisão do que fazer quando recebê-la. A vantagem de utilizar a web para o controle da casa inteligente é facilitar seu o monitoramento, tornando prático o acionamento dos dispositivos de qualquer lugar do mundo, possibilitando até mesmo uma interface para celulares, com um servidor WAP. Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 103-116, jan./dez. 2005


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3.2

SERVIDOR WEB INTELEGENTE

O servidor web inteligente, instalado no interior da casa inteligente, através de sua conexão banda-larga com a Internet, recebe comandos advindos da página web e aciona através da porta serial o módulo microcontrolado. Além dessas, também poderão ser funções do servidor: 1. Cadastrar usuários no sistema que integra e controla a casa; 2. Autenticar o usuário quando acessar a página da casa inteligente; 3. Passar parâmetros para montar a planta da casa na página, conforme o usuário que estará acessando; 4. Receber a interação passada como parâmetro pela página web, interpretá-la e repassar ao sistema do Módulo microcontrolado. 5. Receber o estados dos dispositivos através de parâmetro do módulo microcontrolado interpretá-los e repassar para a página, alterando a planta conforme a ação tomada anteriormente pelo usuário; 6. Cadastrar previamente os horários para acionar e desligar os dispositivos controlados na casa inteligente. Um bom ambiente para o desenvolvimento desse servidor é o Java, pois possui muitos pacotes para a comunicação serial e TCP/IP, reduzindo o processo de implementação. Outro motivo para a utilização dessa linguagem é a sua portabilidade para os diversos sistemas operacionais. 3.3

MÓDULO MICROCONTROLADO

As principais funções desse modulo é de gerenciar diretamente os dispositivos que serão automatizados na casa, podendo assim receber uma mensagem do servidor através da comunicação serial e tomar uma decisão dependendo da mensagem recebida. Nesse módulo pode ser implementado todo o controle dos periféricos, ligar (acionar um dispositivo), desligar, verificar o estado dos dispositivos finais. Pode fazer parte desse modulo o desenvolvimento de um protocolo para a comunicação com o servidor da casa, criando assim uma interface entre o servidor e o microcontrolador. Para realizar esse desenvolvimento, uma boa solução seria o uso de um microcontrolador (PEREIRA, 2003).

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A utilização desse dispositivo possibilita uma fácil interface para o acionamento dos aparelhos de eletrodomésticos, podendo assim utilizar o X-10 como o protocolo de interface entre o módulo microcontrolado (PEREIRA, 2002) e os eletrodomésticos.

4 CONCLUSÃO Casas inteligentes monitoráveis pela web são o resultado da integração e da expansão da Internet com a automação, permitido o controle e o monitoramento dos eletrodomésticos e a segurança de uma residência e de seus ambientes remotamente, proporcionando maior segurança e conforto aos seus proprietários. É uma forma futura de tudo estar conectado a todos, garantido cada vez mais maior rapidez e facilidade das informações.

WEB CONTROL TO INTELLIGENT HOUSE ABSTRACT Presents a bibliographical revision of industrial and residential automation concepts and the main system employed to their implement. The article still emphasize a possible solution for the problem of an intelligent house controlled by the web, employing accessible and cheap technology for the house environment and house-hold equipment integration. Keywords: Automation. Monitoring system. Warning system. Integration. Intelligent house.

REFERÊNCIAS PEREIRA, F. Microcontroladores PIC: programação em C. São Paulo: Érica, 2003. ______. Microcontroladores PIC: técnicas avançadas. São Paulo: Érica, 2002. SOUZA, D. J. de S. Desbravando o PIC. São Paulo: Érica, 2002.

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SITES PARA PESQUISA http://geocities.yahoo.com.br/saladefisica7/funciona/barcovapor.htm http://www.senaiformadores.com.br http://www.showplace.com.br/automacao.htm http://www.eesc.sc.usp.br/nomads/automa.htm http://www.idealhome.com.br/site/?id=noticias&idnoticia=401 http://www.aureside.org.br/temastec/?file=protocolos.asp

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ENERGIA DIGESTÍVEL E METABOLIZÁVEL DO ÓLEO DE SOJA E DA GORDURA DE COCO DE BABAÇU DETERMINADOS COM SUÍNOS EM TERMINAÇÃO

PAULO CESAR BRUSTOLINI1 FRANCISCO CARLOS DE OLIVEIRA SILVA2 JOÃO LUÍS KILL3 JUAREZ LOPES DONZELE4

1

Doutor em Zootecnia pela Universidade Federal de Viçosa. Professor da Universidade Federal de Viçosa. E-mail: cesarbrustolini@ufv.br. 2 Doutor em Zootecnia pela Universidade Federal de Viçosa. Pesquisador da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais. E-mail: fcosilva@epamig.br. 3 Doutor em Zootecnia pela Universidade Federal de Viçosa. Professor do Centro Universitário Vila Velha. E-mail: kill@uvv.br. 4 Doutor em Zootecnia pela Universidade Federal de Viçosa. Professor da Universidade Federal de Viçosa. E-mail: donzele@ufv.br.

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RESUMO Apresenta os resultados na condução de um ensaio de metabolismo com o objetivo de determinar os valores de energia digestível, energia metabolizável do óleo de soja e da gordura de coco de babaçu. Os animais foram distribuídos em delineamento de blocos ao acaso, com três tratamentos e quatro repetições. Os tratamentos constituíram-se de uma ração referência com 17% de proteína bruta (PB) e duas rações compostas de 90% da ração referência e 10% do alimento testado. As rações experimentais foram fornecidas duas vezes ao dia com os animais recebendo a mesma quantidade diária de ração por unidade de peso metabólico (P0,75). O período experimental foi de treze dias, sendo que as fezes e urina foram coletadas durante cinco dias utilizando-se do método de coleta total, sem uso de marcador. Os resultados obtidos para os valores de energia digestível, energia metabolizável, coeficientes de digestibilidade e metabolizabilidade da energia bruta do óleo de soja foram 7.992kcal/kg; 7.651kcal/kg; 86,32%; e 82,63%; enquanto os obtidos para gordura de coco de babaçu foram 8.475kcal/kg; 7.809kcal/ kg; 94,20 % e 86,79%, respectivamente. Palavras-chave: Fontes lipídicas. Valores energéticos. Nutrição animal.

1 INTRODUÇÃO A produção de suínos representa um importante segmento da indústria de alimentos no mundo. Os suínos são uma importante fonte de proteína, energia, minerais e vitaminas, e, além de ser a carne mais consumida no mundo, gera emprego e movimenta grandes indústrias como fábricas de rações etc. Por outro lado, a formulação correta de rações é fundamental para o sucesso da produção, já que a alimentação é o componente mais caro do custo de produção de suínos. Para reduzir o custo e aumentar a eficiência de produção dos suínos, muitas vezes são utilizadas técnicas e/ou alimentos alternativos durante o processo de formulação de suas rações. O aumento da densidade energética das rações, por exemplo, já é uma técnica utilizada em muitas granjas na época de calor. Por outro lado, a fonte de energia tem se mostrado importante no desempenho produtivo e reprodutivo dos suínos. No entanto, em porcas em lactação, a substituição de

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gordura por açúcar nas dietas pode prejudicar seu desempenho reprodutivo (FAKLER et al., 2000). Entretanto, a grande amplitude de variação encontrada na literatura, em relação à digestibilidade e composição nutricional de alimentos com alta concentração de energia, podem resultar em rações incorretamente balanceadas. De acordo com Fialho e outros (1996), o conhecimento correto dos valores de composição química, digestibilidade e disponibilidade dos nutrientes constituem basicamente a melhor maneira de balancear, técnica e economicamente, as rações para suínos em diferentes etapas do ciclo de produção. As tabelas estrangeiras de composição e digestibilidade dos alimentos utilizados pelos pesquisadores de nutrição animal podem apresentar grandes variações nos valores dos alimentos empregados na elaboração das rações para suínos (FIALHO et al., 1982). Segundo Lodhi, Singhi e Ichhponani (1976), a origem dos alimentos e o processamento, entre outros fatores, podem ser responsáveis pela variação de sua composição química. Assim, torna-se necessário fazer avaliações periódicas. Pesquisas realizadas por Rezende e outros (1980) e Albino (1980) já mostraram que existem diferenças nas análises proximais e nos valores energéticos dos alimentos, quando comparados com os estabelecidos em tabelas estrangeiras utilizadas no Brasil para o balanceamento de rações de monogástricos (NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 1998). Visto que algumas fontes alternativas de alimentos para suínos estão pouco estudadas, objetivou-se com este trabalho determinar a energia digestível (ED), a energia metabolizável (EM) e os coeficientes de digestibilidade e metabolizabilidade do óleo de soja e da gordura de coco de babaçu para suínos na fase de terminação.

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2 MATERIAL E MÉTODOS O ensaio de metabolismo foi realizado no setor de suinocultura do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Viçosa. Foram utilizados nove suínos, machos castrados, da raça Landrace, com peso médio de 71,23 ± 3,48kg, alojados individualmente em gaiolas de metabolismo, conforme descrito por Pekas (1968), em galpão de alvenaria, com piso de concreto e pé-direito de 2,90m e cobertura de telha de amianto. Os animais foram distribuídos em delineamento de blocos ao acaso, com três tratamentos e três repetições (blocos). Para a formação dos blocos, levou-se em consideração o grau de parentesco e o peso dos animais. As temperaturas médias diárias, máxima e mínima, no interior do galpão, foram registradas utilizando-se um termômetro, de máxima e mínima, colocado na mesma altura dos animais. Os tratamentos constituíram-se de uma ração referência com 17% de proteína bruta (PB) e duas rações testes, que foram compostas de 90% da ração referência e 10% do alimento testado (óleo de soja e gordura de coco), conforme apresentado na Tabela 1, e foram formuladas para atender às exigências nutricionais dos animais, segundo Rostagno e outros (1994), exceto para a energia. A ração referência foi formulada à base de milho, farelo de soja, óleo de soja ou gordura de coco e amido, suplementados com minerais e vitaminas. As rações foram fornecidas duas vezes ao dia, às 7 e 15h, com os animais recebendo a mesma quantidade diária por unidade de tamanho metabólico (P0,75). Utilizou-se o procedimento de umedecer a ração, para facilitar o consumo e evitar eventuais perdas. O período experimental foi de 13 dias, sendo os cinco dias iniciais para adaptação dos animais às gaiolas e determinação do consumo; três dias para a regularização do fluxo da digesta no trato gastrintestinal, e cinco dias para a coleta total de fezes e urina. As fezes foram pesadas e homogeneizadas, e uma amostra de 20% foi retirada, acondicionada em saco plástico, identificada e armazenada em freezer a 10°C negativos. Após o período de coleta, as amostras foram descongeladas em temperatura ambiente (por, aproximadamente, 12 horas), novamente homogeneizadas, retirando-se em seguida uma amostra das fezes de cada animal.

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Tabela 1 – Composição centesimal das rações experimentais Ingrediente % Milho Farelo de soja Amido Óleo de soja Gordura de coco de babaçu Inerte Suplemento vitamínico-mineral1 BHT Total

Ração Referência (RR) 65,30 25,60 3,00 3,00 3,00 0,10 100,00

90% RR + 10% de óleo de soja 58,77 23,04 2,70 10,00 2,70 2,70 0,10 100,00

90% RR + 10% de gordura de coco de babaçu 58,77 23,04 2,70 10,00 2,70 2,70 0,10 100,00

Composição Calculada2 Proteína Bruta, % Lisina total, % Metionina, % Triptofano, % Treonina, % 1

2

17,00 0,885 0,277 0,224 0,678

15,30 0,797 0,249 0,201 0,610

15,30 0,797 0,249 0,201 0,610

Cada 1000g contém: 250 000 UI de vit. A, 42 000 UI de vit. D3, 500mg de vit. E, 67mg de vit. K3, 50mg de vit. B1, 67mg de vit. B6, 400mg de vit. B12, 667mg de ácido nicotínico, 417mg de ácido pantotênico, 10 000mg de colina, 245g de cálcio, 75g de fósforo, 5mg de selênio, 20mg de iodo, 15,33mg de cobalto, 2333mg de ferro, 333mg de cobre, 1333mg de manganês, 2667mg de zinco, 1000mg de flúor. Segundo Rostagno e outros (1994).

As amostras de fezes foram colocadas em pratos de alumínio, pesadas em balança analítica e, em seguida, colocadas em estufa de ventilação forçada a 60ºC, por um período de 72 horas. Após serem retiradas da estufa e entrado em equilíbrio com a temperatura ambiente, as amostras foram pesadas, moídas e acondicionadas em frascos de vidro com tampa, para a realização das análises de matéria seca (MS) e energia bruta (EB). A urina eliminada pelos animais foi filtrada através de uma tela de nylon de malha fina, fixada na saída do coletor de urina, localizado sob o piso ripado da gaiola, e recolhida em baldes plásticos contendo 20ml de HCl Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 117-127, jan./dez. 2005


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1:1, com finalidade de se evitar a perda de nitrogênio e proliferação bacteriana. O volume excretado em um período de 24 horas foi medido e homogeneizado, e uma alíquota de 10% foi retirada, colocada em recipiente de vidro com tampa e armazenada em geladeira (-4°C). No final do período de coleta, a urina armazenada foi novamente homogeneizada e uma outra amostra retirada e mantida sob refrigeração para posterior determinação da energia. As análises químicas dos alimentos, rações, fezes e urina foram efetuadas no Laboratório de Nutrição Animal do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Viçosa, de acordo com Silva e Queiroz (2004). Os valores de ED, EM, coeficientes de digestibilidade da EB (CDEB) e o coeficiente de metabolizabilidade da EB (CMEB) foram determinados segundo metodologia proposta por Matterson e outros (1965).

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados obtidos de energia bruta (EB), energia metabolizável (EM), coeficiente de digestibilidade (CDEB) e metabolizabilidade (CMEB), e relação energia metabolizável: energia digestível (EM/ED) do óleo de soja e da gordura de coco de babaçu obtidos neste trabalho são apresentados na Tabela 2. Tabela 2 – Valores de energéticos, coeficientes de digestibilidade (CDEB) e metabolizabilidade (CMEB) e relação EM/ED do óleo de soja e da gordura de coco de babaçu EB kcal/kg Óleo de soja 9.259 Gordura de coco de babaçu 8.997 Ingrediente

ED kcal/kg 7.993 8.475

EM kcal/kg 7.651 7.809

CDEB % 86,32 94,20

CMEB % 82,63 86,79

EM/ED 95,72 92,14

Os valores de ED e CDEB do óleo de soja foram superiores aos determinados por Fialho e outros (1996) e inferiores aos listados por Rostagno e outros (2000) e National Research Council (1998). Para a gordura de coco de babaçu os resultados obtidos, de ED e CDEB, foram superiores aos encontrados por Fialho e outros (1996) e similares aos relatados pelo National Research Council (1998) e por Rostagno e outros (2000). As variações nos valores de ED e nos CDEB das fontes lipídicas observadas entre os trabalhos citados podem estar relacionadas a fatores como nível Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 117-127, jan./dez. 2005


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de inclusão da fonte lipídica da ração-referência, presença de ácidos graxos livres e a possível ocorrência de oxidação ou possíveis danos técnicos durante o processamento no preparo das fontes lipídicas. Whittemore (1998), fazendo uma comparação entre gordura bovina de alta qualidade contendo menos de 5% de ácidos graxos livres, com uma de baixa qualidade (mais de 40% de ácidos graxos livres), relatou que pode ocorrer uma redução de até 23% no valor da ED da gordura bovina em razão do aumento da concentração dos ácidos graxos livres, para suínos adultos. Whittemore (1998) relatou que o valor da ED efetiva das gorduras pode reduzir com o nível de inclusão, e essa redução é mais acentuada em fontes lipídicas menos digestível e, segundo Wiseman (1991), fontes lipídicas com altos índices de ácidos graxos livres são menos digestíveis e apresentam valores mais variados de digestibilidade. Este autor inferiu que o processo de hidrólise industrial não é idêntico ao que ocorre no intestino dos leitões, sendo esta a razão para a diminuição linear no valor da ED com o aumento do conteúdo de ácidos graxos livres. Considerando que os ácidos graxos saturados, devido ao seu menor grau de polarização, são menos eficientemente incorporados nas micelas e, em conseqüência disso, menos absorvidos em relação aos ácidos graxos insaturados (WISEMAN, 1991). A princípio, o valor energético da gordura de coco de babaçu, por possuir maior concentração de ácidos graxos saturados, não deveria apresentar coeficientes de digestibilidade de energia maiores do que os encontrados para o óleo de soja. No entanto, como os ácidos graxos saturados da gordura de coco de babaçu são predominantemente de cadeia média (12:0), torna-se essa gordura mais solúvel e digestível devido ao seu menor ponto de fusão, menor tamanho molecular e alta ionização (ODLE, 1997). De acordo com Bach e Babayan (1982), fontes lipídicas com alta concentração de ácidos graxos de cadeia média têm certas propriedades que podem torná-las mais eficientemente absorvidas em relação às com altas concentrações de ácidos graxos de cadeia longa, e, mais recentemente, Soares e Lopez-Bote (2002), com base numa revisão de literatura, relataram que a digestibilidade aparente de ácidos graxos saturados é menor que a digestibilidade aparente de ácidos graxos insaturados para leitões. A diferença no coeficiente de digestibilidade da energia do óleo de soja verificada especificamente ente os resultados obtidos neste trabalho (86,32%) com aquele encontrado por Fialho e outros (1982), correspon-

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dente a 77,55%, pode estar relacionado, entre outros fatores, à idade dos animais utilizados nos estudos. Enquanto no presente trabalho foram utilizados animais em terminação, com peso médio de 70kg, no estudo de Fialho e outros (1982) utilizaram-se animais mais leves (24 e 61,4kg). De acordo com Pettigrew e Moser (1991), na fase de crescimento a eficiência de utilização da gordura da dieta é influenciada pela idade do animal e pelo tipo de gordura fornecida. Apesar do valor de EM do óleo de soja encontrado neste trabalho ter sido inferior àquele contido em Rostagno e outros (2000), a eficiência de utilização da ED apresentou valores equivalentes (95,7 x 96,4%). De maneira geral, a eficiência de utilização da ED (92,14%) doa gordura de coco de babaçu, ficou abaixo dos relatados por Rostagno e outros (2000) e National Research Council (1998), que corresponderam, aproximadamente a 96%. Para o valor de EM do óleo de soja, verificou-se que o resultado obtido foi semelhante ao encontrado por Fialho e outros (1996), e inferiores aos referendados em Rostagno e outros (2000) e no National Research Council (1998), contudo, para a gordura de coco de babaçu o valor de EM foi inferior ao determinado por Fialho e outros (1996), Rostagno e outros (2000) e National Research Council (1998). Pode-se inferir que, provavelmente, essas diferenças constatadas entre as fontes energéticas avaliadas, em relação ao referenciado na literatura, nacional e estrangeira, podem estar associadas ao processo de obtenção destes produtos (FIALHO et al., 1996), à metodologia utilizada ou ainda ao peso e idade dos animais utilizados no experimento.

4 CONCLUSÃO Os valores de energia digestível (ED), coeficiente de digestibilidade da energia bruta (CDEB), energia metabolizável (EM) e coeficiente de metabolizabilidade da energia bruta (CMEB) foram de: 7.993kcal/kg; 86,32%; 7.651kcal/kg e 82,63% para o óleo de soja e de: 8.475kcal/kg; 94,20%; 7.809kcal/kg e 86,79% para a gordura de coco de babaçu.

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DIGESTIBLE AND METABOLIZABLE ENERGY OF SOYBEAN OIL AND BABASSU COCONUT OIL DETERMINED FOR FINISHING SWINE ABSTRACT This research present the resulted of a metabolism assay was carried out determine the values of the digestible energy, metabolizable energy, digestibility coefficient of de gross energy and the metabolizability coefficient of the soybean oil and babassu coconut oil. The animals were distributed indo a randomized block experimental design with three treatments and three replications. The treatment consisted in reference ration with 17% de PB and two test rations composed by 90% reference ration and 10% tested food. The experimental rations were supplied twice a day, and the animals were given the same daily amount of ration per metabolic unit weight (P0,75). The experimental period totalized thirteen days, and the feces and urine were collected for live days by using the total collection method without marker. The values obtained for digestible energy, metabolizable energy, digestibility coefficients of the gross energy, and soybeam oil metabolizability were 7.993kcal/kg e 86,32%, 7.651kcal/kg, 82,63%, while for babassu coconut oil they were 8.457kcal/kg, 94,20%, 7.809kcal/kg and 86.79%, respectively. Keywords: Lipids sources. Energetic values. Animal nutrition.

REFERÊNCIAS ALBINO, L. F. T. Determinação de valores de energia metabolizável e triptofano de alguns alimentos para aves em diferentes idades. 1980. Dissertação (Mestrado em Zootecnia) – Universidade Federal de Viçosa. BACH, A. C.; BABAYAN, V. K. Medium-chain triglycerides: an up tape. Animal Journal Cilm. Nutrition, v. 36, p. 950, 1982 FAKLER, T. M. et al. Nutrition an sow prolificacy. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE SUINOCULTURA, 5., 2000, São Paulo. Anais... São Paulo, Gessulli, 2000. p. 25-36.

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FIALHO, E. T. et al. Determinação dos valores energéticos de alguns alimentos através de ensaios de metabolismo com suínos. In: REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ZOOTECNIA, 33., 1996, Fortaleza. Anais... Fortaleza: Sociedade Brasileira de Zootecnia, 1996. p. 160. FIALHO, E. T. et al. Valores de composição química, balanço energético e protéico de alguns alimentos determinados com suínos. Revista da Sociedade Brasileira de Zootecnia, v. 11, n. 43, 1982. LODHI, G .N.; SINGH, D.; ICHHPONANI, J. S. Variation in nutrient content of feedingstuffs rich in protein and reassesmen of the chemical method for metabolizable energy estimation of poutry. Journal of Agricultural Science, v. 86, n. 2, p. 293-303, 1976. NATIONAL RESEARCH COUNCIL. Committee on Animal Nutrition. Nutrient requirements of swine. 9. ed. Washington: National Academies, 1998. ODLE, J. N. Now insights into the utilization of medium-chain triglycerides by the neonato: observations from a piglet model. Journal of Nutrition, v. 127, p. 1067, 1997. PEKAS, J. C. Versatile swine laboratory apparatus for physiologic and metabolic studies. Journal of Animal Science, v. 27, n. 2, p. 1303-1306, 1968. PETTIGREW, J. E.; MOSER, R. L. Fat in swine nutrition. In: AUSTIN, J. L. (Ed.). Swine nutrition. London: Butterworths, 1991. p. 133. ROSTAGNO, H. S. et al. Composição de alimentos e exigências nutricionais de aves e suínos (tabelas brasileiras). Viçosa: Universidade Federal de Viçosa, 1994. ROSTAGNO, H. S. et al. Composição de alimentos e exigências nutricionais de aves e suínos (tabelas brasileiras). Viçosa: Universidade Federal de Viçosa, 2000. SOARES, M.; LOPEZ-BOTE, C. J. Effects of dietary lecitin and fat unsaturation on nutrient utilization in weaned piglets. Animal Feed Science and Technology, v. 95, p. 169-177, 2002.

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PRÁXIS TRANSVERSAL

DARCILIA MOYSÉS BORGES1 MARIA CRISTINA DADALTO2

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Mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Espírito Santo. Professora e orientadora pedagógica do Curso de Comunicação Social do Centro Universitário Vila Velha. E-mail: darcilia@uvv.br. Doutoranda em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professora e coordenadora do Curso de Comunicação Social do Centro Universitário Vila Velha. E-mail: dadalto@uvv.br.

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RESUMO Apresenta a proposta do projeto pedagógico do Curso de Comunicação Social do Centro Universitário Vila Velha, elaborado em 2004 e em implantação desde então, fundamentado em dois eixos epistemológicos essenciais: humanístico-cultural e técnico-científico específico das áreas de Jornalismo e Publicidade e Propaganda. Os temas transversais – cidadania e ética – estruturam os eixos epistemológicos como geradores da ação pedagógica do curso, sob a ótica do empreendedorismo, concretizando uma práxis integralizadora, interdisciplinar, intermediada pela produção do conhecimento, pesquisa e extensão. Objetiva preparar, pedagogicamente, o corpo docente, por meio da realização de oficinas e encontros para leitura, debates e discussões a respeito do fazer pedagógico, com base nas diretrizes conceituais e metodológicas do projeto pedagógico e do processo ensino-aprendizagem, cujos resultados, desde sua implantação, têm sido relevantes. Palavras-chave: Comunicação – interdisciplinaridade. Comunicação – transversalidade.

1 INTRODUÇÃO Diante do colar - belo como um sonho admirei, sobretudo, o fio que unia as pedras que se imolava, anônimo, para que todos fossem um... D. Hélder Câmara Pensar um novo projeto significa pensar um processo de continuidade e rupturas. Como afirma Gadotti (1994, p. 579): Todo projeto supõe rupturas com o presente e promessas para o futuro. Projetar significa tentar quebrar um estado confortável para arriscar-se, atravessar um período de instabilidade e buscar uma nova estabilidade, em função da promessa que cada projeto contém de estado melhor que o presente. Um projeto educativo pode ser tomado como promessas frente a determinadas rupturas. As promessas tornam visíveis os campos de ação possível, comprometendo seus atores e autores.

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Entretanto, se nos remetermos a uma cena do filme O conde de Monte Cristo (THE COUNT..., 2002), que retrata o início do século XIX, e apresentarmos uma cena de diálogo entre o abade Farias e Dantès na cela do velho abade, na prisão, poderemos constatar que durante muito tempo, o processo educacional não tinha esse caráter. Educar significava transmitir um conhecimento pronto, acabado, fechado. Senão, analisemos o teor do diálogo entre Farias e Dantès: “- Ajuda-me a cavar o túnel. Em troca, te darei o mais precioso dos bens. O único que não te poderão tomar. - A liberdade? - Não, responde o abade. Já a tiveste e já não a tens. Dou-te o conhecimento. Desse, ninguém conseguirá te privar.”

Analfabeto, Dantès mergulha nos ensinamentos do velho abade, aprende a ler, devora livros, desvenda o mundo e nele se situa: século XIX, período em que a sociedade é ainda estruturada de forma linear, marcada pelo determinismo, pela certeza, pela lenta veiculação da informação. O conhecimento, dado bancariamente, como diria Paulo Freire, foi depositado na cabeça de Dantès. Não havia, nesse tempo, a percepção do imprevisível. A vida era previsível. Tudo era previsível, como se fora passado de boca a orelha. Tudo que é sólido ainda não se desmanchava no ar. Não se sabia, ainda, que o imprevisível acontece (MORIN, 2002). O século XX trouxe em sua bagagem uma grande certeza: a da impermanência das coisas e dos conceitos. Fragmentação do mundo. Fragmentação da vida. Conseqüentemente, fragmentação do Conhecimento. Mas trouxe também, em suas últimas décadas, a percepção de que os fragmentos da humanidade estão unidos, seja por vínculos econômicos, de telecomunicações ou outros (MORIN, 2002). Ainda segundo Morin (2002), tal fato levou a humanidade a se perceber inserida em um contexto mais que global, planetário, o que veio tornar o homem consciente de que faz parte de um universo que, apesar de antagônico, não é compartimentado. Ao refletir sobre esta questão, podemos nos remeter a Calvino (2003, p. 138) que, mais que pergunta, define a visão de homem que resulta desse contexto:

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132 Quem somos nós, quem é cada um de nós, senão uma combinatória de experiências, de informações de leituras, de imaginações? Cada vida é uma enciclopédia, uma biblioteca, um inventário de objetos, uma amostragem de estilos, onde tudo pode ser continuamente remexido e reordenado de todas as maneiras possíveis?

Daí, a compreensão do Curso de Comunicação Social de que era necessário se buscar uma nova consciência, novos princípios para nortear a vida, em todos os seus âmbitos. É, pois, para essa dimensão que nos aponta o século XXI.

2 REPENSANDO A EDUCAÇÃO Dos princípios que norteiam a Educação neste início de século XXI, dois deles são, sem dúvida, dos mais importantes: a não-fragmentação do Conhecimento e uma visão holística do homem, considerado em sua integridade: um ser “[...] a um só tempo físico, biológico, psíquico, cultural, social, histórico” (MORIN, 2003b, p. 15). Tais princípios levam a uma reflexão aprofundada em relação à formação profissional e humanístico-social desse ser complexo; a uma reflexão em relação à sua inserção no mundo - social e do trabalho-, considerando a Educação sob a ótica de uma visão de mundo que inclua valores éticos, políticos e estéticos, bem como uma visão empreendedorística de sua formação profissional específica. Tendo em vista um mundo que se reestrutura, contínua e paradoxalmente, na perspectiva de uma visão integralizante, global, e no qual o homem e sua relação consigo próprio, com o mundo e com o outro tendem a assumir nova dimensão, novos contornos, é fundamental que a Educação, em qualquer de seus níveis, assuma seu desafio. Necessário é, pois, que, se repense a pertinência do trabalho educacional, objetivando minimizar os efeitos da transitoriedade cada vez mais vertiginosa dos conceitos de uma sociedade indeterminista, na qual “tudo [...] cai sob o golpe da relação de incerteza [...]” (BAUDRILLARD, 2002, p. 24), mas onde tudo tende, também, a ser global, planetário, complexo e inter-relacionado; no qual todos os seres partilham a mesma condição – humana – que se estrutura no espaço existente entre vida e morte.

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Há, portanto, a necessidade de se repensar uma práxis integralizadora, que viabilize a construção do conhecimento numa perspectiva de contexto, de conjunto, em uma palavra, holística; uma práxis que considere a necessidade de utilizar “[...] métodos que permitam estabelecer as relações mútuas e as influências recíprocas entre as partes e o todo em um mundo complexo” (MORIN, 2003b, p. 14); que considere a complexidade do ser humano – um ser capaz de perceber e apreender o mundo, pensar sobre si e em sua relação com o mundo e agir, ou seja, construir conhecimento, construir uma visão do mundo ampla e complexa e promover alterações sociais, uma vez que se constrói como cidadão crítico e consciente. Dessa tomada de consciência, surgiu o reconhecimento da necessidade de se repensar uma Práxis Transversal para o Curso de Comunicação Social do Centro Universitário Vila Velha (UVV).

2.1

O PROJETO PEDAGÓGICO

Contrariamente ao mundo de Dantès, hoje, o conhecimento que não se constrói na dinâmica da interdisciplinaridade,3 da transversalidade e da contextualização não mais prepara para assumir o estar no mundo como ser histórico-social. Já nos alertava Unamuno (apud ALVES, 2004, p. 35) para o fato de que todo conhecimento tem uma finalidade. Saber por saber, por mais que se diga em contrário, não passa de um contrasenso. Há, pois, de se pensar uma Práxis Transversal.4 Em se tratando do Curso de Comunicação Social, repensou-se, inicialmente, a pertinência do projeto pedagógico das habilitações Publicidade e Propaganda e Jornalismo, elaboradas, respectivamente em 1998 e 2000, à época da autorização de cada uma delas. Decidiu-se pela construção de um novo projeto. Já de início, objetivando maior integração entre ambas as habilitações, optou-se por um único projeto pedagógico, que considerasse a base comum da área, bem como as especificidades de cada uma das profissões, realizando, ainda, a passagem de uma visão especificamente técnica para uma visão mais humanística da profissão. Enfrentou-se, então, o desafio de construir e, posteriormente, implantar um projeto pedagógico que não formasse, como afirma Lichnerowicz (apud MORIN, 2003a, p. 13) Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 129-139, jan./dez. 2005


134 [...] uma proporção demasiado grande de especialistas em disciplinas predeterminadas, portanto, artificialmente delimitadas, enquanto uma grande parte das atividades sociais, como o próprio desenvolvimento da ciência, exige homens capazes de um ângulo de visão muito mais amplo e, ao mesmo tempo, de um enfoque dos problemas em profundidade, além de novos progressos que transgridam as fronteiras históricas das disciplinas,

mas que fosse um projeto que objetivasse a formação de um profissional ético, capaz de interagir com o mundo como pessoa, cidadão e profissional, de visão empreendedora, conforme o perfil do egresso pretendido pelo Centro Universitário Vila Velha, especificado em seu Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), que objetiva a transformação social, cultural, política e econômica do Espírito Santo, [por meio de um fazer educacional que viabilize agregar] [...] valores à formação ética, humana, científica e tecnológica do cidadão, por meio de práticas que permitam ao profissional identificar oportunidades de trabalho e transformá-las em realidade (CENTRO UNIVERSITÁRIO VILA VELHA, 2004, p. 13).

Foram consultadas, ainda, as Diretrizes Curriculares para a área de Comunicação Social, bem como a proposta da Avaliação de Cursos do Ministério da Educação. A nova proposta curricular do Curso de Comunicação Social do Centro Universitário Vila Velha prevê a formação do Bacharel em Comunicação Social em duas habilitações – Jornalismo e Publicidade e Propaganda – e atribui à integralização do Curso o mínimo de oito e o máximo de dezesseis semestres, devendo o aluno cumprir, respectivamente, uma carga horária de 2.800 horas, para ambas as habilitações. Em termos conceituais, a formação do bacharel em Comunicação Social da IES constitui-se em torno de dois eixos fundamentais: humanístico-cultural, que abrange uma formação teórico-conceitual a respeito da filosofia, da sociologia, da ética, da estética, da antropologia e das diferentes linguagens que viabilizam a comunicação; e técnico-científico específico da área, estruturado em torno das tecnologias específicas dos meios e veículos de comunicação. Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 129-139, jan./dez. 2005


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Permeando todas as disciplinas, perpassando ao longo dos oito períodos do curso, os conceitos de comunicação, educação, cultura, cidadania, ética e empreendedorismo são, essencialmente, os eixos transversais em torno dos quais se estrutura a ação pedagógica do curso, por meio de uma abordagem interdisciplinar dos conteúdos, considerando, ainda, a exigência contemporânea de permanente atualização no domínio das tecnologias de produção e difusão de informações e mensagens, juntamente com uma visão empreendedora da Comunicação, imprescindível no mundo hodierno. Considerou-se, também, a integração essencial da pesquisa e da extensão à construção do conhecimento. Dessa forma, pretende-se uma visão de mundo menos fragmentada, um olhar de alcance mais amplo, que se traduz em conceitos e atitudes que viabilizam a construção do conhecimento e, em decorrência, a do cidadão. Tal proposta, entretanto, para que viesse a se concretizar efetiva e eficazmente, previa, nesse percurso, a constante atualização de seus professores, por meio de encontros pedagógicos, a elaboração de projetos de extensão e de pesquisa, bem como de diferentes projetos de atividades complementares, conjugando o desenvolvimento das respectivas disciplinas ao projeto pedagógico e à análise dos planos de ensino. Era preciso, além de repensar a reforma, reformar o pensamento, para que professores e alunos, dialética e interdisciplinarmente, construíssem a cabeça bem-feita (MORIN, 2003a). Dessa constatação foi repensado, então, o projeto de formação continuada, cujo maior objetivo é dar sustentabilidade às atividades acadêmicas. Tal projeto se concretiza na realização de diferentes oficinas, que fundamentam uma prática docente pautada na transversalidade e na interdisciplinaridade, de forma a que os eixos temáticos transversais exponham as [...] inter-relações entre os objetos do conhecimento”, [promovendo, dessa forma,] [...] uma compreensão abrangente dos diferentes objetos de conhecimento, bem como a percepção da implicação do sujeito de conhecimento na sua produção, superando a dicotomia entre ambos” (BRASIL, 1997, p. 40),

uma vez que perpassam todas as atividades das disciplinas que compõem a grade curricular das habilitações do Curso de Comunicação Social. Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 129-139, jan./dez. 2005


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Além do desenvolvimento das atividades do projeto de oficinas pedagógicas, os professores realizam atividades interdisciplinares, direta ou indiretamente, fundamentadas nos temas transversais, objetivando, assim, ampliar o sentido social de procedimentos e conceitos próprios das áreas e disciplinas específicas. Também é para esses temas que se voltam as atividades de pesquisa e extensão do curso, estruturando, dessa forma, junto ao processo de construção do conhecimento, a base tríplice que deve sustentar o ensino superior, conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

3 DO PROJETO ÀS CONCLUSÕES PARCIAIS O projeto pedagógico aqui apresentado começou a ser implantado em 2005/1. Entretanto, como resultou de um processo participativo, em que professores e coordenadores integravam a equipe e, por ter sido, ainda, uma mudança desejada pelo corpo docente, desde o começo de sua elaboração foi possível perceber alguns reflexos da nova proposta, o que vem se intensificando já no primeiro semestre de 2005. A interdisciplinaridade, aliada à transversalidade, vem se colocando como resultante de um processo natural no planejamento das atividades docentes; os produtos laboratoriais, cada vez mais, se constroem em torno dos eixos temáticos; a leitura de obras literárias está presente em várias disciplinas - é bom lembrar, aqui, que Barthes (2001) nos alerta para a importância da literatura na construção do conhecimento. Atividades extraclasses, envolvendo professores, alunos e palestrantes têm sido realizadas com participação efetiva dos públicos a que se destinam; os temas de monografias e de trabalho de conclusão de curso vêm se constituindo, cada vez mais, em torno de questões que integram o fazer jornalístico e publicitário aos temas transversais. Ponto essencial desse resultado é a integração total da rede do Núcleo de Atividades do Curso de Comunicação Social: TV, jornal, rádio, jornal digital e agência experimental. Em seus resultados, a qualidade do trabalho de alunos que fazem a produção dos programas da TV; de alunos que elaboram projetos de patrocínios para os programas já são vislumbrados. Acrescenta-se a isso o número bastante considerável de alunos que participam das atividades como voluntários, o que é bastante significativo, se considerarmos que até há bem pouco tempo, o voluntariado era pouco representativo no Curso. Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 129-139, jan./dez. 2005


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A função do professor que atua no Núcleo de Atividades do Curso de Comunicação Social – outro dado bastante significativo - configura-se, efetivamente, na orientação, cabendo ao aluno a organização e produção dos programas. Outro ponto que faz prever resultados positivos dessa prática é o fato de a produção laboratorial das disciplinas específicas das habilitações estarem inteiramente interligadas à programação da Rede de TV, rádio e jornalismo impresso, bem como às atividades próprias da área de Publicidade e Propaganda. Tais dados apontam, evidentemente, para resultados cada vez mais positivos em relação ao alcance dos objetivos propostos no Projeto Pedagógico que está, atualmente, em implantação no Curso de Comunicação Social do Centro Universitário Vila Velha. A práxis transversal vem, efetivamente, sinalizando – já em seus primeiros momentos – a formação de um profissional capaz de desempenho com excelência de qualidade, comprometido com a realidade que o cerca, apto a provocar mudanças sociais significativas.

TRANSVERSAL PRAXIS ABSTRACT Presents the Pedagogic Project proposal´s of the Social Communication Course of Centro Universitário Vila Velha, elaborated in 2004 and established since that date. It was based on two essencials epistermologic axis: cultural- humanistic and cientific-technological, specific to Journalism and Publicity and Advertisement areas. The transversal themes- Ethics and Citizenship- structure the epistermologic axis as generators of the pedagogic action of courses, from the empreendorism view, consummating on integralized and interdisciplined praxis, intermediated by knowledge production´s, research and extension. It aims to prepare the teaching staff pedagogically through workshops and meetings for reading, debates and discussions about the pedagogical action, based on concepted and methodologic rules of the pedagogical project and the learning-teaching process, whose results, since its establishment have been relevants. Keywords: Communication – interdisciplinality. Communication – transversality.

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NOTAS EXPLICATIVAS 3

Os temas transversais “[...] tratam de processos que estão sendo intensamente vividos pela sociedade, pelas comunidades, pelas famílias, pelos alunos e educadores em seu cotidiano. São debatidos em diferentes espaços sociais, em busca de soluções e de alternativas, confrontando posicionamentos diversos tanto em relação à intervenção no âmbito social mais amplo quanto à atuação pessoal. São questões urgentes que interrogam sobre a vida humana, sobre a realidade que está sendo construída e que demandam transformações macrossociais e também de atitudes pessoais, exigindo, portanto, ensino e aprendizagem de conteúdos relativos a essas duas dimensões” (GARCIA, 2002, p. 82).

4

O Projeto Pedagógico foi realizado pela coordenação do Curso de Comunicação Social do Centro Universitário Vila Velha, juntamente com o Conselho de Curso e demais professores.

REFERÊNCIAS ALVES, R. Filosofia da Ciência: introdução ao jogo e a suas regras. 8. ed. São Paulo: Loyola. 2004. BARTHES, R. Aula. 9. ed. São Paulo: Cultrix, 2001. BAUDRILLARD, J. A troca impossível. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: apresentação dos temas transversais. Brasília, 1997. CALVINO, I. Seis propostas para o próximo milênio. 3. ed. São Paulo: Cia. das Letras, 2003. CENTRO UNIVERSITÁRIO VILA VELHA. Plano de desenvolvimento institucional. Vila Velha, 2004. GARCIA, L. A. M. Transversalidade. Presença Pedagógica, Belo Horizonte, v. 8, n. 45, p. 82-84, 2002.

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MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma e reformar o pensamento. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003a. ______. Ninguém sabe o dia que nascerá. São Paulo: Ed. UNESP, 2002. ______. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2003b. THE COUNT OF MONTE CRISTO. Direção: K. Reynold. Produção: R. Birnbaum; G. Barber; J. Glickman. [S.l.]: Buena Vista Home Entertainment, 2002. 1 DVD.

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REDE DE ACESSO MICROCONTROLADO

MARCELO BRUNORO1 EDMAR EDILTON DA SILVA2

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Mestre em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal do Espírito Santo. Professor do Centro Universitário Vila Velha. E-mail: brunoro@uvv.br. Mestre em Ciência da Computação pela Universidade Estadual de Campinas. Professor do Centro Universitário Vila Velha. E-mail: edmar@uvv.br.

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RESUMO Apresenta a implementação de uma rede de controles de acesso, cujos nós serão controlados por um software servidor. Um controle de acesso é um equipamento utilizado para controlar, restringir e automatizar o acesso de pessoas a locais específicos, baseado em alguma informação pessoal, como uma senha ou um cartão. Quando for necessário controlar o acesso a vários ambientes é desejável que todos os usuários sejam cadastrados e que as políticas de acesso possam ser implementadas em um único banco de dados, centralizando a administração das políticas de acesso. Palavras-chave: Microcontrolador. Rede de computadores. Servidor de acesso.

1 INTRODUÇÃO Um controle de acesso inteligente é um produto utilizado para controlar, restringir e automatizar o acesso de pessoas a locais específicos. Este controle ocorre pela autenticação de alguma informação pessoal do usuário, a qual pode ser uma senha, um cartão, leitura da digital, leitura da retina, reconhecimento da voz, e também por técnicas avançadas como as que utilizam o reconhecimento da face ou reconhecimento do andar, através de um mapeamento com infravermelho. Tais métodos ainda poderão ser combinados, dificultando uma possível violação desautorizada do local. Atualmente a indústria mundial de segurança está valorizando o uso de sensores menos evasivos, abrindo um grande campo de pesquisas. Quando a aplicação exigir o controle de acesso a vários ambientes, tornase necessária a administração das políticas de acesso de forma centralizada. Assim, é desejável que todos os usuários sejam cadastrados em um único local e, também, que as políticas de acesso possam ser implementadas em um único banco de dados. Para incorporar estas características ao produto, de forma que atenda ao anseio dos usuários, é necessária uma rede de controles de acesso para conectá-los a um servidor centralizado, que possibilitará toda a administração necessária. O objetivo deste projeto é implementar a rede de controles de acesso, cujos nós são os controles de acesso. Isto permite o desenvolvimento de um software servidor para operacionalização desta rede de controles

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de acesso. Este aplicativo será executado em um computador do tipo PC ou compatível e implementará as facilidades supracitadas.

2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS Para possibilitar a implementação de um controle de acesso em rede, algumas definições deverão ser estabelecidas, visando à delimitação do escopo de projeto, buscando custos reduzidos e um maior número de funcionalidades. Para isto os seguintes elementos devem ser estabelecidos: a informação pessoal a ser autenticada, a interface com o usuário, o microcontrolador, a rede e o protocolo de comunicação. Foi estabelecida uma senha, como informação pessoal a ser autenticada, para liberar o acesso do usuário a determinados ambientes. A interface com o usuário será feita por meio de um teclado, para informar a senha, um display tipo LCD, para apresentar mensagens, e um buzzer, para emitir sons de confirmação. O Microcontrolador que fará a gerência de todos os periféricos, além de atender às solicitações dos usuários e do servidor da rede, deverá ter um número reduzido de pinos, ter memória suficiente para comportar o software que funcionara como um sistema operacional, ter interrupções necessárias para o controle dos diversos periféricos, além de ser barato. O microcontrolador escolhido foi o PIC16F628, que reúne as características supracitadas. O padrão escolhido para transmissão de informações pela rede foi o RS-485, que será abordado posteriormente neste trabalho, assim como o protocolo de comunicação. 2.1

MICROCONTROLADOR PIC16F628

O PIC16F628 é um microcontrolador CMOS de 8 bits e 18 pinos da Microchip®, que contém as seguintes características (MICROCHIP, 2003): • 35 instruções; • Clock de 20 MHz; • Memória Flash de 2.048 x 14 bits, para armazenamento do programa; • Memória RAM de 224 bytes, para registradores e variáveis de programa; • Memória EEPROM de 128 bytes, para dados não voláteis; Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 141-155, jan./dez. 2005


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• Interrupção externa, do timer, de transição de bits da porta B e de término de escrita na EEPROM; • 16 registradores especiais; • 8 níveis de pilha; • Modos de endereçamento direto, indireto e relativo; • 16 pinos de entrada e saída em 2 portas de comunicação; • 2 comparadores analógicos; • 3 timers; • Saída com modulação da largura de pulsos; • Watchdog Timer. 2.2

PADRÃO RS-485

Para transmitir informações é necessário estabelecer o meio físico para transferência dos sinais, bem como a taxa de transmissão, distância entre os elementos interconectados, conectores, níveis de tensão, entre outros. Todos estes parâmetros são definidos como um padrão de transferência de dados. O RS-485 é um padrão para transferência de dados em uma rede halfduplex multidrop, ou seja, uma rede que contém múltiplos transmissores e receptores conectados ao mesmo barramento, possibilitando somente a um elemento transmitir de cada vez. Trata-se de um padrão que utiliza sinais em modo diferencial (balanceado) aplicados em um par de condutores, definindo o estado lógico a partir da diferença de potencial entre os dois cabos, e não em relação ao terra (GOLDIE, 1998). Isto anula o efeito provocado por ruídos eletromagnéticos induzidos nos condutos. Além das características já mencionadas podem-se citar outras características importantes: • Operação com somente uma fonte de alimentação de +5 V; • Barramento com faixa em modo comum de -7 V a +12 V; • Até 32 transceptores (carga unitária); • Taxa máxima de 10 Mbps para transferência de dados (com condutores de aproximadamente 12 m); Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 141-155, jan./dez. 2005


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• Comprimento máximo dos condutores de aproximadamente 1.200 m (com taxa de 100 kbps).

Comprimento dos cabos (pés)

Como pode ser observado pelas informações acima a taxa de transferência depende do comprimento dos condutores (GOLDIE, 1996), como pode vista na Figura 1.

Taxa de transferência (bps)

Figura 1 - Dependência entre o comprimento dos cabos e a taxa de transferência de dados

Este padrão está documentado na publicação TIA/EIA-485-A - Electrical Characteristics of Generators and Receivers for Use in Balanced Digital Multipoint Systems, desenvolvido pela Telecommunications Industry Association (TIA) associada à Electronic Industries Alliance (EIA). Este documento estabelece todas as características eletromecânicas do padrão, porém não especifica protocolos de comunicação. 2.3

CIRCUITO INTEGRADO DS3695

O circuito integrado DS3695 da National Semiconductor é um transceptor compatível com o padrão RS-485, que converte o sinal presente no barramento RS-485 em um sinal de 0 a 5 V, que poderá ser aplicado aos pinos de comunicação do microcontrolador. Além dos pinos para conexão ao barramento RS-485 (pinos 6 e 7) e da alimentação do circuito integrado, com +5 V (pinos 5 e 8), o chip contém pinos para transferência (pino 4) e recebimento (pino 1) de sinais, com os respectivos sinais de habilitação (pinos 2 e 3). A Figura 2 mostra a pinagem completa e o diagrama de blocos deste chip (NATIONAL SEMICONDUCTOR, 1998).

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Barramento RS-485

Figura 2 - Pinagem e diagrama de blocos do DS3695

Para simplificar o hardware, as entradas complementares de controle (pinos 2 e 3) podem ser curtocircuitados, criando-se uma única entrada de habilitação para transmissão ou recepção. A saída para o barramento RS-485 é do tipo tri-state, o que possibilita ao circuito integrado desconectar-se de forma que libere o barramento para outro transmissor.

3 DESENVOLVIMENTO DE UM CONTROLE DE ACESSO EM REDE 3.1

MEIO FÍSICO

Inicialmente o projeto possibilitará a conexão de 32 elementos no barramento de comunicação, sendo 1 servidor e 31 dispositivos para controle de acesso a ambientes. O barramento será construído seguindo-se o padrão RS-485, considerando suas especificações. O servidor utilizará uma porta de comunicação serial RS-232 para se comunicar com o barramento, onde será necessário o emprego de um conversor RS-232 para RS-485 de modo a adequar os sinais elétricos. A estrutura descrita pode ser vista na Figura 3.

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Figura 3 - Estrutura do barramento de comunicação

3.2

HARDWARE

Alguns elementos importantes do hardware foram estabelecidos na delimitação do projeto. Com base nestes dados e nas informações dos manuais dos fabricantes, foi possível definir o circuito completo do controle de acesso. O diagrama esquemático do controle de acesso pode ser visto na Figura 4.

Figura 4 - Diagrama esquemático do controle de acesso

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3.3

PROTOCOLO DE COMUNICAÇÃO

3.3.1 Sintaxe do protocolo de comunicação A transferência de informação entre os elementos da rede poderá ocorrer com ou sem dados anexados. A necessidade de existência de dados será estabelecida pelo tipo de serviço envolvido na comunicação. Veja o formato das informações para cada caso na Figura 5.

Figura 5 (a) - Formato das informações sem transferência de dados

Figura 5 (b) - Formato das informações com transferência de dados

Endereço: endereço do destino. O servidor terá o endereço 0x00. Os endereço de 0x01 até 0xfe (25410) poderão ser utilizados pelos dispositivos (a quantidade máxima de elementos no barramento está limitada em 32). O endereço 0xff (25510) está reservado para broadcast. Serviço: este campo será utilizado para especificar a pergunta ou o comando do servidor para um determinado dispositivo ou a resposta do dispositivo ao servidor. Dados: para determinados tipos de serviços será possível o envio de dados. Vários bytes de dados poderão ser enviados. Como a quantidade de bytes de dados não foi estabelecida, um finalizador de dados deverá ser inserido (‘\0’) ao final dos bytes de dados. Checksum: byte de verificação de erros. Se o dispositivo de destino receber uma informação cujo checksum acuse um erro, toda a informação será descartada.

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Nota: Cada byte transferido será acompanhado de um start bit e um stop bit, conforme estabelecido pela comunicação serial RS-232. 3.3.2 Ciclo de varredura A iniciativa de comunicação será sempre do servidor (mestre) e só então o dispositivo destino (escravo) poderá responder à solicitação. Desta maneira não ocorrerão colisões no barramento. O servidor fará, continuamente, uma varredura (scan) em todo o barramento, perguntando a cada dispositivo se existe alguma informação a ser transferida. O dispositivo destino responderá imediatamente à solicitação do servidor com uma resposta negativa, caso não exista a necessidade de comunicação, ou com o serviço que está necessitando, incluindo os dados pertinentes. Nesta última situação o servidor recebe o serviço solicitado pelo cliente e o encaminha à thread responsável, continuando a varredura nos outros dispositivos. Quando a tarefa do servidor (thread) concluir a execução do serviço solicitado pelo cliente, o servidor envia, na varredura subseqüente, a resposta no time slot destinado ao dispositivo solicitante. Caso o servidor não obtenha uma resposta de um certo dispositivo em um determinado tempo (10 ms?), isto será interpretado como um time out e o servidor então fará a pergunta ao próximo elemento da rede. Se um dispositivo deixar de responder ao servidor uma certa quantidade de vezes (5 vezes?), será gerado um alarme no software de gerenciamento do servidor, informando ao administrador qual dispositivo está fora de comunicação. Até que o problema seja solucionado o dispositivo ficará fora da lista de varredura, sendo verificado com período maior (1min?) e reconhecido caso seu funcionamento seja restabelecido. O sincronismo de caractere será possibilitado pelo start bit e pelo stop bit, porém o sincronismo do quadro de varredura deverá ser feito. O sincronismo de quadro será feito por 3 bytes de sincronismo no início do quadro de varredura, isto pode ser visto na Figura 6. O caractere utilizado para o sincronismo será o ‘U’ que corresponde a 0x55 (010101012).

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Figura 6 - Estrutura do ciclo de varredura

Para que o sincronismo de quadro não seja perdido, cada dispositivo deverá analisar o tipo de informação que está sendo aplicada ao barramento, mesmo que esta informação seja para outro dispositivo. Isto deverá acontecer, pois o tamanho do time slot é variável em função da necessidade da transferência de dados. Se o serviço não necessita de dados o time slot terá 3 bytes, caso contrario terá vários bytes. Se o dispositivo que está, simplesmente, monitorando o barramento não proceder conforme mencionado, poderá interpretar um byte de um dado qualquer como um endereço ou um serviço, perdendo o sincronismo. Portanto, o dispositivo que está observando o barramento deverá, ao detectar serviços que exijam dados, esperar o caractere finalizador de dados e seguido do checksum, para só então buscar o próximo endereço. Cada elemento do barramento (servidor ou dispositivos para controle de acesso) deverá analisar as informações que está enviando, visando não enviar três caracteres consecutivos de sincronismo no interior de sua mensagem, ou seja, estes caracteres de sincronismo só poderão ser aplicados ao barramento pelo servidor, no início de cada quadro. Isto poderia tirar de sincronismo de quadro todos os dispositivos do barramento. O mesmo cuidado deverá ser tomado com o caractere de finalização de dados (‘\0’), de tal forma que ele não seja interpretado erroneamente. 3.3.3 Serviços Toda informação aplicada ao barramento, seja pelo servidor seja pelo dispositivo remoto, deverá conter um serviço, conforme mostrado na sintaxe do protocolo de comunicação. Simplesmente para distinguir qual serviço pertence ao servidor e qual pertence ao dispositivo, foi definido que o bit mais significativo (bit 7) do serviço será igual a 0 para serviços do servidor e 1 para serviços dos dispositivos. Para facilitar a identificação, pelo dispositivo, remoto sobre a existência de dados no serviço Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 141-155, jan./dez. 2005


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solicitado, esta informação será atribuída ao bit 6 do serviço, onde 1 especifica a existência de dados para aquele serviço. O formato do serviço pode ser visto na Figura 7. Bit ? 7 6 5 0 Serviço ? S D x x x x x x Onde: • S - Bit 7. Identifica se o serviço é do servidor (0) ou do dispositivo remoto (1). • D - Bit 6. Identifica existência de dados no serviço solicitado (1 - existe dado e 0 - não existe dado). • X - Bits de 0 a 5. Identificam o serviço solicitado. Figura 7 - Formato do serviço

Baseado nestas definições o servidor utilizará os seguintes serviços: • 0x00 – Verificação se dispositivo necessita comunicar. Neste caso o servidor está perguntado ao dispositivo se há necessidade de transferência de informação. • 0x01 – Abertura de porta autorizada. O servidor informa ao dispositivo para que a porta seja aberta. • 0x02 – Abertura de porta negada. O servidor informa ao dispositivo que sua solicitação para abertura da porta foi negada. • 0x03 – Erro de checksum. O servidor solicita o reenvio das informações devido ao erro de checksum. • 0x04 – Processando. O servidor informa ao dispositivo que está processando sua solicitação. Caso este erro ocorra uma determinada quantidade de vezes o servidor deverá alterar o status do dispositivo como offline, gerando um alarme para o administrador. • 0x55 – Reservado para sincronismo de quadro. Este código não poderá ser utilizado como serviço, pois está reservado para sincronismo de quadro.

Os dispositivos poderão utilizar os seguintes serviços: • 0x80 – Resposta indicando que não há informações a serem transferidas. O dispositivo informa ao servidor que não necessita utilizar o barramento. Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 141-155, jan./dez. 2005


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• 0xc1 – Solicitação de autenticação de senha de usuário para abrir porta. O dispositivo solicita ao servidor a autenticação de senha de usuário para efetuar a abertura da porta. • 0x82 – Serviço executado. O dispositivo informa ao servidor que o serviço enviado foi recebido e será executado (por exemplo: a porta será aberta). Os outros valores possíveis para serviços poderão ser utilizados em aplicações futuras. 3.3.4 Máquina de estados A Figura 8 apresenta a máquina de estados do servidor.

Figura 8 - Máquina de estado do servidor Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 141-155, jan./dez. 2005


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A Figura 9 mostra a máquina de estados do dispositivo cliente.

Figura 9 - Máquina de estado do dispositivo cliente

4 CONCLUSÃO Inicialmente foi definido o microcontrolador a ser utilizado na construção do controle de acesso e as características da rede, constituída por um barramento RS-485. Em seguida, foi modelado o protocolo de comunicação utilizado no tráfego de mensagens entre os diversos nós da rede, ou seja, os dispositivos de acesso e o servidor. Este servidor de controle é um software multi-threaded (RUMBAUGH, 1999; FURLAN, 1998), implementado em Java, com três threads: o primeiro é responsável pela sincronização e verificação de serviços, o segundo é responsável pelo processamento dos serviços requisitados pelos dispositivos e o terceiro thread é responsável pelo envio das respostas dos serviços processados. Um protótipo da rede de dispositivos de controle de acesso foi construído, bem como um servidor de autenticação e controle de usuários. Resultados obtidos possibilitaram a troca de informações entre dispositivos Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 141-155, jan./dez. 2005


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e servidor, comprovando o funcionamento do protocolo de comunicação. Com o desenvolvimento deste projeto o controle de acesso é facilitado devido à centralização das informações no servidor. Com a rede de controle de acesso é possível que os dispositivos microcontrolados estejam distribuídos em uma rede com até 1.200 metros, atendendo às necessidades de pequenas, médias e grandes empresas. Com o uso de um microcontrolador da Microchip foi possível construir um controle de acesso com características desejáveis como tamanho reduzido e baixo custo.

MICROCONTROLLED ACCESS NETWORK ABSTRACT This article presents the implementation of a network of access controls, where its nodes will be controlled by a server software. An access control is the equipment used to control, to restrict and to automate the people’s access at specific places, based in some personal information, such as a password or a card. When it is necessary to control the access to several places it is desirable that all the users are registered and that the access politics can be implemented in an only data base, centering the administration of the access politics. Keywords: Microcontroller. Network of computers. Access server.

REFERÊNCIAS FURLAN, J. D. Modelagem de objetos através a UML-the unified modeling language. São Paulo: Makron Books, 1998. GOLDIE, J. Summary of well known interface standards: application note AN-216. California: National Semiconductor, 1998. ______. Ten ways to bulletproof RS-485 interfaces: application note AN-1057. California: National Semiconductor, 1996. MICROCHIP. PIC16F62X: FLASH-Based 8-Bit CMOS Microcontrollers. Arizona: Datasheet, 2003.

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NATIONAL SEMICONDUCTOR. DS3695/DS3695T/DS3696/DS3697 Multipoint RS485/RS422 transceivers/repeaters. California: Datasheet, 1998. RUMBAUGH, J. Modelagem e projetos baseados em objetos. Rio de Janeiro: Campus, 1999.

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INSTRUÇÕES EDITORIAIS AOS AUTORES

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INSTRUÇÕES EDITORIAIS AOS AUTORES1 1 PROPOSTA EDITORIAL Neste momento em que a acessibilidade à informação se tornou uma questão central no ambiente científico e acadêmico é fundamental que professores, pesquisadores, alunos e demais profissionais disponham de canais de informação adequados que viabilizem e estimulem a difusão de questões vinculadas ao saber científico. Nessa perspectiva, Scientia: Revista do Centro Universitário Vila Velha é uma publicação interdisciplinar editada pela Diretoria de Pós-Graduação e Pesquisa do Centro Universitário Vila Velha, instituição de ensino superior mantida pela Sociedade Educacional do Espírito Santo, com vistas à divulgação semestral de produções científicas e acadêmicas inéditas nos formatos: editorial, artigo original, artigo de revisão, relato de experiência ou de técnica, resenha e/ou resumo de tese, de dissertação e de monografia de pós-graduação. Na avaliação dos originais é adotada a prática do peer review, conjugada com o blind review, com a submissão a dois ou mais membros do Conselho Editorial e/ou a assessores ad hoc, especialistas na temática da contribuição recebida, procurando assegurar isenção, agilidade e objetividade no processo de julgamento dos originais. A visibilidade da produção científica publicada na revista Scientia tem se consolidado a partir da indexação de seu conteúdo na base de dados IRESIE (UNAM/México) e da disponibilidade no site do Centro Universitário Vila Velha (<www.uvv.br>).

2 PÚBLICO-ALVO REAL E POTENCIAL Pesquisadores, professores, alunos de graduação e pós-graduação e demais profissionais do Centro Universitário Vila Velha, da Faculdade de Vitória, da Faculdade Guaçuí e de outras instituições de ensino superior do

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Versão aprovada em 10 de outubro de 2005.

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Brasil e do exterior, associações de estudantes e de profissionais de ensino e pesquisa, além de dirigentes de agências de fomento e de política em Ciência e Tecnologia. Com uma tiragem de 1.000 exemplares, Scientia é distribuída como doação para parte do público interno do Centro Universitário Vila Velha e como permuta para instituições de ensino superior, inclusive bibliotecas, do Brasil e de outros países.

3 ORIENTAÇÕES GERAIS As contribuições para publicação, redigidas em português, espanhol ou inglês, com a devida revisão lingüística, podem ser enviadas por pesquisadores, professores e alunos do Centro Universitário Vila Velha e de outras instituições de ensino superior, bem como por outros profissionais, independente de vinculação institucional, do Brasil e do exterior. Os conceitos e opiniões expressos nas contribuições publicadas são de total responsabilidade dos autores (Anexo B), que deverão providenciar permissão, por escrito, para uso de qualquer tipo de ilustração publicada em outras fontes. Os autores poderão retirar o original enviado, segundo seus critérios de conveniência, a qualquer momento antes de ser selecionado pelo Conselho Editorial. Os originais aprovados poderão sofrer alterações de ordem normativa, ortográfica e/ou lingüística, a serem executadas pela equipe da revista, com vistas a manter o padrão culto do idioma e adequação às normas adotadas por Scientia, respeitando, porém, o estilo dos autores. Os originais publicados não serão devolvidos aos autores nem as provas finais serão reapresentadas, exceto em caso de extrema necessidade. As contribuições recusadas ficarão à disposição do autor responsável pelo contato com Scientia pelo prazo de 90 dias, a contar da data de comunicação do resultado da avaliação. Após esse prazo, as contribuições serão eliminadas, garantindo-se nesse processo a total destruição do suporte (papel, disquete, CD-ROM, etc.)

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As contribuições publicadas passam a ser propriedade de Scientia (Anexo C), ficando sua reimpressão, total ou parcial, sujeita à autorização expressa dos Editores da revista. A transferência de direitos autorais mencionada refere-se, única e exclusivamente, à contribuição encaminhada para publicação na revista Scientia. Cada autor receberá, gratuitamente, dois exemplares do fascículo que inclui sua contribuição. As contribuições enviadas deverão se enquadrar em uma das seguintes seções: • Editorial: comentário crítico e aprofundado dos editores ou profissionais convidados com reconhecido domínio sobre o tema. • Artigos originais: relatos inéditos e completos de estudos e pesquisas científicas, representando 60% das contribuições publicadas. • Artigos de revisão: estudos que fornecem visão sistematizada e crítica de avanços do conhecimento em determinadas áreas/temáticas, a partir da literatura disponível. • Relatos de experiência ou de técnica: descrições criteriosas de práticas de intervenções e vivências profissionais que possam interessar à atuação de outros profissionais. • Resenhas: revisões críticas de livros, artigos, teses ou dissertações, com opiniões que possam nortear interesse para leitura ou não da publicação na íntegra. • Resumos: descrições sucintas e de caráter informativo do conteúdo de teses, dissertações ou monografias de pós-graduação. Dentre as tipologias anteriormente descritas, exceto para os artigos originais, as contribuições podem ser produzidas por pesquisadores/profissionais de renome, a convite da UVV. Excepcionalmente serão aceitas contribuições que já tenham sido publicadas em periódicos estrangeiros, condicionadas aos mesmos critérios de avaliação dos trabalhos inéditos e à apresentação, por parte do autor, da autorização por escrito do editor da revista em que o texto tenha sido publicado como original.

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A critério do Conselho Editorial de Scientia, poderão ser publicados números especiais e/ou temáticos com objetivo de atender à demanda das linhas de pesquisa implantadas nos cursos oferecidos pelo Centro Universitário Vila Velha.

4 CORPO EDITORIAL A estrutura editorial de Scientia está constituída pelos editores, conselho editorial e assessores científicos ad hoc com as seguintes responsabilidades e representatividade: 4.1 EDITORES Responsáveis pelo gerenciamento da revista, incluindo seus aspectos administrativos, financeiros e controle de qualidade. Sua representatividade envolve o Vice-Reitor, o Diretor de Pós-Graduação e Pesquisa, o Coordenador de Pesquisa – todos do Centro Universitário Vila Velha –, além de um profissional, a convite da UVV, que possa contribuir para o aprimoramento das variáveis intrínsecas e extrínsecas da publicação. 4.2 CONSELHO EDITORIAL Sua constituição evidencia a participação de colaboradores do Centro Universitário Vila Velha e da comunidade científica nacional e, dentro do possível, estrangeira, a saber: • Diretor de Pós-Graduação e Pesquisa, membro nato e seu presidente; • Coordenador de Pós-Graduação Lato Sensu, membro nato; • Coordenador de Pesquisa, membro nato; e • Diretor da Biblioteca Central, membro nato. • Cinco membros da comunidade acadêmica, representando diferentes áreas do saber com, no mínimo, o título de mestre. Tais representantes, com mandato de dois anos, devem ser indicados pelos membros natos do Conselho Editorial. Suas responsabilidades envolvem a discussão da política editorial de Scientia; a avaliação da adequação das contribuições ao escopo e ao formato da revista, o que envolverá o parecer de dois a três membros; e a indicação dos assessores científicos ad hoc.

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4.3

ASSESSORES CIENTÍFICOS AD HOC

A adequação da contribuição, além de ser atestada pelo Conselho Editorial, pode ser comprovada por um processo de avaliação realizado por assessores científicos ad hoc, especialistas na área de conhecimento das contribuições recebidas, que desempenham a função de emitir pareceres elucidativos das questões e/ou pareceres conflitantes que possam ter emergido no processo de avaliação dos membros do Conselho Editorial, bem como de avaliar as contribuições que não sejam de pleno domínio daquele Conselho.

5 ACEITAÇÃO E PUBLICAÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES A publicação da contribuição está condicionada ao parecer favorável do Conselho Editorial e/ou dos assessores científicos ad hoc. Do resultado da avaliação podem derivar três situações, a saber: • contribuição aceita, sem restrições; • contribuição aceita, com restrições passíveis de revisão, que deverão ser atendidas/cumpridas pelo autor; • contribuição recusada, o que não impede sua reapresentação para nova avaliação, exceto se a recusa tiver ocorrido por duas vezes.

6 ENCAMINHAMENTO A contribuição deve atender ao disposto no item 7 destas Instruções (Estrutura das contribuições) e ser encaminhada aos editores da revista, acompanhada de: • Carta de encaminhamento (Anexo A) assinada por todos os autores, explicitando: a concordância com as condições e normas adotadas pela revista; e a indicação de apenas um autor como responsável pelo contato com Scientia, incluindo seu endereço completo, inclusive telefones e endereço eletrônico; • Declaração de Responsabilidade (Anexo B); • Termo de Transferência de Direitos Autorais (Anexo C); • Procedência do artigo com entidade financiadora; Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 157-171, jan./dez. 2005


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Considerando sua periodicidade semestral, far-se-á o esforço para que as contribuições recebidas, depois de submetidas ao processo de avaliação, revisão e de possíveis adaptações, sejam publicadas com base no seguinte cronograma: • Contribuições recebidas até setembro de cada ano – publicação no 1º número do ano seguinte; • Contribuições recebidas até abril de cada ano – publicação no 2º número do ano. Essa proposta de cronograma poderá ser modificada levando-se em conta a necessidade de alterações pelos editores e/ou autores. Endereço para envio das contribuições: Centro Universitário Vila Velha – Scientia Diretoria de Pós-Graduação e Pesquisa Rua Comissário José Dantas de Melo, 21 CEP 29102-770 - Vila Velha - ES - Brasil Telefone: (27) 3314-2525 ou 3314-3996 E-mail: scientia@uvv.br ou renataf@uvv.br

7 ESTRUTURA DAS CONTRIBUIÇÕES É recomendável que a contribuição enviada esteja de acordo com as normas da ABNT referentes a artigos em publicação periódica científica impressa (NBR 6022:2003); citações em documentos (NBR 10520:2002); numeração progressiva de documentos (NBR 6024:2003) e resumo (NBR 6028:2003), bem como com a norma de apresentação tabular do IBGE, publicada em 1993 (última edição). A contribuição deve ser redigida em português, espanhol ou inglês, com estilo de redação claro e coerente na exposição das idéias, observando o uso adequado da linguagem. Deve ser digitada em extensão “.doc” (Word, versão 6.0 ou superior) ou “.rtf” (Rich Text Format), impressa em três vias e gravada em disquete (3½) ou CD-ROM. Na etiqueta do disquete ou CDROM deverão constar: título do trabalho, autoria e versão do software. Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 157-171, jan./dez. 2005


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O texto deve estar configurado para papel A4, digitado em fonte Arial 11, com margens superior, inferior, direita e esquerda de 3cm, folhas devidamente numeradas no canto superior direito, alinhamento justificado, parágrafo em bloco e entrelinha com espaço 1,5. Na primeira lauda do texto devem ser informados: a) título, em português e inglês, expressando de forma concisa, clara e precisa o conteúdo da contribuição. O título deve ser centralizado, em negrito e todo em letras maiúsculas; b) nome completo dos autores, titulação e vinculação institucional (somente um título acadêmico e uma afiliação por autor); c) endereço postal completo, telefones e endereço eletrônico dos autores; d) resumo, em português e inglês (abstract), explicitando objetivo(s), metodologia, resultados e conclusões, mesmo que parciais, deve ser redigido com o verbo na voz ativa e terceira pessoa do singular, com um mínimo de 150 e um máximo de 250 palavras. Não será permitido o uso de expressões tais como “Este artigo apresenta...”; “O objetivo deste estudo foi...” e similares (Anexo D); e) palavras-chave, em português e inglês (keywords), que representem o conteúdo da contribuição. Apresentar de três a cinco palavras-chave. A Biblioteca Central do Centro Universitário Vila Velha (tel.: (27) 3320-2022; e-mail: biblioteca@uvv.br) deve ser consultada para orientar a adoção das palavras-chave. O autor deve entrar em contato com a Biblioteca com antecedência e enviar uma cópia do trabalho, juntamente com sugestões de palavras-chave. O prazo para entrega é de 48 horas a contar da data de solicitação. Na segunda lauda deverá ser iniciado o texto da contribuição propriamente dita, com identificação apenas do título, o que garantirá a prática do blind review. A estrutura das contribuições deverá atender aos seguintes requisitos: • Artigos originais deverão apresentar introdução, objetivos, metodologia, resultados, discussão e conclusão (ou seções similares) e sua extensão estará limitada, no máximo, a 30 laudas.

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• Artigos de revisão, com exceção da introdução, discussão e conclusão, terão sua estrutura a critério do autor. Sua extensão estará limitada, no máximo, a 30 laudas. • Relatos de experiência ou de técnica terão sua organização a critério do autor, mas deles deverão constar, no mínimo, introdução, descrição da experiência ou da técnica e discussão. Sua extensão estará limitada, no máximo, a 10 laudas. • Resenhas devem ser breves, ter título próprio e diferente do da obra resenhada, sendo desnecessária a apresentação do resumo na primeira lauda. Sua extensão não deve ultrapassar 4 laudas e é obrigatória a inclusão da referência completa da obra objeto da resenha, como cabeçalho. • Resumos devem ser iniciados com a referência completa da obra na estrutura de cabeçalho e ter, no máximo, 1 lauda de extensão. Os artigos encomendados deverão, de acordo com sua tipologia, atender a uma das estruturas definidas anteriormente. Nas citações diretas devem ser observados os seguintes critérios de estrutura: • com até 3 linhas, devem estar incluídas no corpo do texto, respeitando o tamanho da fonte do texto e entre aspas; • com mais de três linhas, devem vir em parágrafo isolado, recuado da margem esquerda em 2cm, fonte tamanho 9, sem aspas e com entrelinha espaço simples. Na identificação da fonte da qual foram retiradas as citações diretas ou indiretas deve ser adotado o sistema de chamada autor-data (sobrenome do autor, seguido do ano de publicação da obra e paginação, se for o caso), que poderá estar incluída no texto (ex.: Segundo Severino (2000, p. 23) ou no final da frase (SEVERINO, 2000, p. 23). As notas de rodapé ou notas no final do texto devem ser evitadas. Somente na primeira lauda recomenda-se o uso de nota de rodapé para indicar origem de apoio financeiro ou logístico e indicação de apresentação em eventos, quando necessários. Não é permitido o uso de notas de rodapé de referências.

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As ilustrações devem ser numeradas consecutivamente com algarismos arábicos, na ordem de citação no texto e de acordo com sua tipologia (tabelas, gráficos, quadros, desenhos, etc.) e apresentar título conciso. Devem ser utilizadas somente quando indispensáveis à compreensão e clareza do texto e na sua legenda deve ser usada fonte Arial tamanho 9 e entrelinha simples. A lista de referências deve ser estruturada atendendo às regras da NBR 6023:2002, sendo de inteira responsabilidade do autor sua exatidão e adequação, devendo constar da lista apenas as obras que foram citadas no corpo do texto. Na indicação de autoria das obras citadas, o sobrenome dos autores deve ser em caixa-alta, com os nomes e prenomes apresentados de forma abreviada. As referências poderão sofrer alterações de ordem normativa, com vistas a manter o padrão mínimo exigido pela NBR 6023:2002 e deverão estar à disposição da revista para caso de consulta pela equipe de normalização. Exemplos de referências: a) Livros QUINET, A. Um olhar a mais: ver e ser visto na psicanálise. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2002. b) Capítulos de livro ou partes de coletânea CARVALHO, I. C. L. A tecnologia e sua expansão no espaço-tempo. In: ____. A socialização do conhecimento no espaço das bibliotecas universitárias. Niterói: Intertexto, 2004. p. 45-76. WEFFORT, F. Nordestinos em São Paulo: notas para um estudo sobre cultura nacional e classes populares. In: VALLE, E.; QUEIROZ, J. J. (Org.). A cultura do povo. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1984. p. 12-23. c) Artigos em periódicos CHAUÍ, M. Ética e universidade. Universidade e Sociedade, São Paulo, ano 5, n. 8, p. 82-87, fev. 1995.

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d) Textos da Internet CHANDLER, D. An introduction to genre theory. Disponível em:<http://www. aber.ac.uk/~dgc/intgenre.html>. Acesso em: 23 ago. 2000. Para acessar o site da Biblioteca, digitar <http://www.uvv.br/biblioteca/>, e em seguida, clicar em: Normalização de Trabalhos Acadêmicos.

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Anexo A – Carta de Encaminhamento e Declaração de Concordância Aos Editores de Scientia: Revista do Centro Universitário Vila Velha Encaminhamos, em anexo, o artigo intitulado (indicar o título do artigo), por nós produzido, ao mesmo tempo que declaramos nossa concordância com as condições e normas adotadas por essa revista, e indicamos o(a) Sr(a). (nome do indicado) como responsável pelo contato com Scientia.

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de

Nome e assinatura do autor 1

Nome e assinatura do autor 2

Nome e assinatura do autor 3

Nome e assinatura do autor 4

Endereço do representante dos autores: Rua/Av. nº

- complemento

CEP:

-

- Bairro - Município

Estado/País Telefones:

E-mail:

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Anexo B – Declaração de Responsabilidade Título da contribuição: Autores:

(informar o nome de todos os autores)

Certificamos a participação na concepção do trabalho a ser publicado por Scientia para tornar pública nossa responsabilidade pelo seu conteúdo, pela não-omissão de quaisquer ligações ou acordos de financiamento entre os autores e empresas que possam ter interesse na publicação deste artigo. Certificamos ainda que a contribuição é original e que seu conteúdo, em parte ou na íntegra, não foi enviado a outra publicação e não o será enquanto estiver sendo avaliado por Scientia, quer no formato impresso quer no eletrônico. ,

de

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Assinatura(s):

Anexo C – Termo de Transferência de Direitos Autorais Título da contribuição: Autores:

(informar o nome de todos os autores)

Declaramos que caso o trabalho em anexo seja aceito para publicação, Scientia passa a ter os direitos autorais a ele referentes, tornando-se sua propriedade exclusiva. Sua reprodução, total ou parcial, em qualquer outra fonte ou meio de divulgação impressa ou eletrônica dependerá de prévia e necessária autorização por escrito dos editores de Scientia. Nesse caso, deverá ser consignada a fonte original, com identificação da edição, respectiva data de publicação e devidos agradecimentos. ,

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Assinatura(s):

Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 157-171, jan./dez. 2005

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Anexo D – Exemplo de um Resumo Investiga se as bibliotecas universitárias têm contribuído para o processo de socialização do conhecimento. Alicerça sua metodologia no enfoque qualitativo e emprega o questionário como instrumento de coleta de dados. Resgata o caminho percorrido pela tecnologia, inclusive a ampliação de seu conceito e reflexos em nosso cotidiano. Evidencia a biblioteca universitária como instituição partícipe do processo que concebe a escola e a universidade em uma postura crítico-reflexiva e focaliza o conhecimento e os espaços para sua socialização, destacando a biblioteca como fórum de interatuação e comunicação do saber e como espaço de múltipla comunicação com a missão de buscar alternativas para compartilhar informações e contribuir para que, nas comunidades de troca (salas de aula e laboratórios), haja realmente produção e socialização do conhecimento. Numa perspectiva que procura evidenciar os campos de possibilidades sugeridos pela temática, toma como referencial teórico as concepções de Pierre Lévy, Michel Authier e Manuel Castells para articular discussões nas categorias socialização do conhecimento e tecnologias da informação; e de Gilles Deleuze e Félix Guattari para construir a imagem de rizoma como forma de organização mais apropriada às bibliotecas no enfrentamento das transformações que emergem e modelam a Sociedade da Informação. Sintetiza os resultados reconhecendo que as bibliotecas universitárias brasileiras devem se revestir como catalizadoras, como espaços de comunicação pedagógica para promover a cooperação entre pessoas e grupos, canalizando o potencial das tecnologias da informação e comunicação no sentido de acelerar a socialização do conhecimento estocado em seus ambientes, quer no tradicional, quer no virtual. Palavras-chave: Socialização do conhecimento. Bibliotecas universitárias – automação.

Scientia, Vila Velha (ES), v. 6, n. 1/2, p. 157-171, jan./dez. 2005


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