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4 A terra que os acolheu
from Família Dirksen
Édifícil imaginar os sentimentos e as emoções que os imigrantes sentiram ao desembarcar em Santa Catarina. De um lado, o alívio em poder deixar o navio e ter, finalmente, chão firme debaixo dos pés. Por outro lado, a expectativa pelo novo lar. Desterro, assim se chamava naquela época a capital de Santa Catarina, era uma cidade pequena, com apenas algumas ruas nos arredores da praça central. Na falta de um porto adequado, os navios que traziam os imigrantes fundeavam, naquela época, na Baía Norte, donde eram transportados em barcos menores até o lugar chamado Praia de Fora, atual Beira Mar Norte. Ali havia dois barracões onde eram alojados os imigrantes enquanto aguardavam a continuação da viagem para a colônia Teresópolis.1
1 Não há informações precisas sobre o local de desembarque da leva de imigrantes com a qual vieram as duas famílias Dirksen. Naquela época, os navios fundeavam, em geral, na Baia Norte e os passageiros eram transportados de barcos menores até a Praia de Fora (atual
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Beira Mar Norte) onde havia dois galpões particulares que o governo requisitava para alojamento quando da chegada de um grupo de imigrantes. Existiam também alguns trapiches nas imediações do prédio da antiga alfândega. Todos esses ancoradouros desapareceram com os aterros da Baia Sul e da Baia Norte na década de 1970 e de 1980 respectivamente.
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Desterro. 1866. Pintura de Joseph Brüggemann. Acervo: Museu Histórico de Santa Catarina. Lado direito: baía norte. Lugar do provável desembarque dos imigrantes. Ao fundo, no centro da foto, no lado direito da alta montanha (morro do Tabuleiro) localizava-se Teresópolis.
Eram, ao todo, 79 colonos que, naquele dia 23 de julho de 1863, desembarcaram em Desterro. Entre eles, Hermann Dirksen, Agnes Horstmann, Johann Bernard Dirksen, Carolina Haverkamp e o pequeno Hermann, de 4 anos. Ali estavam eles, em Desterro, a milhares de quilômetros de distância da pátria, dos parentes e dos amigos. Ali estavam eles com a mudança, que não passava de alguns caixotes contendo seus modestos pertences. Podemos imaginar a mãe (Carolina) grávida de seis meses, cansada, aborrecida, quem sabe chorando, ou com lágrimas recolhidas, sentada num dos caixotes, com o menino no colo, enquanto o marido cuidava dos afazeres próprios do momento do desembarque tais como a documentação, a hospedagem, a alimentação. O que representava para eles,
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naquele momento, a cidade de Desterro? Estavam numa ilha e a terra que lhes era destinada ficava no outro lado do mar, no continente fronteiriço. Com que expectativa e ansiedade terão olhado para aqueles vales e montanhas cobertas de florestas! Estavam agora num país estranho onde se falava uma língua que eles não entendiam.2
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Antiga Desterro. Vista da baía sul. Final do século XIX. Acervo: Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina.
Quantos dias permaneceram em Desterro? Não o sabemos. De Desterro os imigrantes eram transportados, de barco, até Palhoça onde havia um ancoradouro no rio Passa-Vinte. De lá em diante, o percurso era feito por terra. A mudança era levada em lombo de cavalo ou em carro de boi, por pessoas contratadas para esta finalidade. Os imigrantes, por sua vez, iam a pé ou,
2 Em Desterro, os imigrantes podiam contar com um intérprete na pessoa de Júlio Melchior Trompowski.
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então, sobretudo as mulheres e as crianças, a cavalo.3 É provável que Carolina tenha feito o trajeto a cavalo e que o pequeno Hermann tenha ganhado carona com a mãe. O destino era a colônia Teresópolis, distante uns 35 quilômetros por estrada de chão. Há informações de que, a meio caminho do trajeto havia uma hospedaria de uma certa família Eller onde os forasteiros encontravam pouso para pernoite. Como seria a hospedagem, em termos de espaço, conforto, higiene e alimentação para tantas pessoas como as deste grupo de imigrantes?
Depois de dois dias de caminhada pela estrada poeirenta que era também percorrida por tropeiros que vinham de Lages ou para lá se dirigiam, o grupo chegou finalmente em Teresópolis onde já moravam muitas famílias de imigrantes procedentes da Vestfália. Era mais uma leva de imigrantes que chegava.
O que era Teresópolis quando eles lá chegaram? A colônia havia sido fundada há três anos e já contava com aproximadamente 1.500 habitantes espalhados pelas diversas linhas coloniais. Localizava-se no vale do rio Cubatão e se estendia pelos afluentes deste rio. A sede da colônia situava-se na confluência dos rios Cedro e Cubatão, numa pequena vargem cercada de altas e íngremes montanhas. Era um pequeno povoado onde, além de alguns casebres cobertos com folhas de palmeira, existia uma capela primitiva, a residência do padre, uma venda e, o que mais chamava a atenção, o barracão dos imigrantes. O que terá se passado na mente e no coração de nossos imigrantes ao chegarem em Teresópolis? Sem dúvida, um sentimento de alívio pelo fim da longa viagem de mais de
3 O imigrante devia ficar de olho atento nos seus pertences pois, não raro, ao chegar na sede da colônia, faltavam objetos que haviam sido desviados por algum transportador desonesto durante o percurso de
Palhoça a Teresópolis.
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três meses. Experimentaram também, com certeza, grande alegria ao encontrar gente da terra natal, capaz de lhes dar arrimo e primeiras orientações. A presença de padre Guilherme Roer deve ter sido fundamental para o conforto espiritual. Por outro lado, a impressão deve ter sido chocante. Que infraestrutura apresentava o povoado no meio do mato! E as altas e escarpadas montanhas circundantes! Finalmente nossos imigrantes podiam fazer o reconhecimento da nova terra no Novo Mundo! Durante um período de, no máximo, seis meses podiam ficar alojados no barracão a custas do governo. Era o tempo considerado suficiente para o imigrante fazer a derrubada de mato no lote a ele destinado e construir um rancho. Não se sabe quanto tempo Johann Bernard e Hermann permaneceram no barracão. Em 1863, as melhores terras e as mais próximas da sede, já estavam todas ocupadas. Mais de trezentas famílias já haviam se estabelecido na colônia. Aos recém-chegados restavam pirambeiras nos estreitos vales. Porém, naquele ano foi aberta uma nova linha colonial, a do Capivari. Para lá foram direcionados os imigrantes que chegaram a Teresópolis ao longo daquele ano de 1863. De Teresópolis até o Capivari eram mais uns 20 a 30 quilômetros pela floresta adentro, dependendo da localização do lote ao longo do rio. Não se tem notícia sobre o critério adotado para a distribuição dos lotes. Presume-se que tenha sido por sorteio.4 No mapa, confeccionado naquele ano de 1863, e que dimensiona os lotes com os respectivos
4 No mapa da colônia Teresópolis – Linha Capivari – de 1863, constam os nomes dos colonos imigrantes nos lotes a eles destinados. Sabe-se, porém, que vários desses lotes não foram ocupados porque a terra não é apropriada para o estabelecimento de um agricultor. Isso levar a crer que a distribuição foi feita por sorteio uma vez que o colono imigrante ao ver, in loco, o lote a ele destinado, desinteressou-se do mesmo e tomou outro rumo, à procura de terra melhor.
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proprietários, mostra que Johann Bernard recebeu o lote 142 e seu irmão Hermann o lote 22. No entanto, não se sabe por qual motivo, Johann Bernard acabou estabelecendo-se no lote 22 e seu irmão Hermann no lote 142. O primeiro, de número 22, situava-se na localidade de Santo Antônio e o segundo, de número 142, um pouco acima da atual cidade de São Bonifácio.
O choque deve ter sido sem precedentes ao chegar no lugar da localização do lote que lhe foi indicado para tomar posse. E agora, no meio do mato, o que fazer? Por onde começar nessa floresta de mata atlântica?
O que havia sido, ao emigrar, o grande sonho, isto é, ser proprietário de uma área de terra, começava a ser motivo de preocupação e desgosto. Para o imigrante, a terra era sinal de liberdade. Era a realização suprema de um sonho. A terra era sinônimo de segurança, pois nela podia morar, plantar e tirar o sustento para a família. Para a maioria dos imigrantes, o sonho da terra própria logo se transformou em pesadelo. Na Alemanha, planície a perder de vista; aqui, montanhas íngremes e difíceis de trabalhar. Tudo estava por fazer. O lote estava coberto de densa floresta com vegetação da mata atlântica. Era preciso construir um rancho para abrigar a família. Além da adaptação ao clima, era necessário adaptar-se à alimentação que, com certeza, era muito diferente daquela a que estavam acostumados na terra natal. Como preparar a terra coberta de mata fechada? O que plantar para o consumo imediato? Onde adquirir animais domésticos como vaca leiteira, cavalo, porcos e galinhas? Num relatório do governo do Estado, com data de 19 de dezembro de 1863, lê-se o seguinte: “Os terrenos que bordam os rios Cubatão e Cedro são pouco férteis e mal retribuem o trabalho dos colonos, que se mostram, por isso, descontentes. [...] Os colonos são obrigados a procurar fora da colônia os gêneros de primeira necessidade, que ali deveriam
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abundar”.5 Outro relatório complementa: “Em toda a extensão do vale observam-se grandes derrubadas e plantações, são visíveis os esforços que empregam os colonos; plantações de milho encontram-se, muitas vezes, quase despenhando-se de íngremes encostas e estendendo-se até o cume dos morros”.6
Não foi possível saber se Johann Bernard se estabeleceu imediatamente no seu lote no Capivari. Há uma tradição segundo a qual o imigrante teria sido acolhido temporariamente por Miguel Kehrig [Koerich] residente na foz do rio dos Bugres e proprietário de um curtume. Recordemos que Carolina Haverkamp estava no sexto mês de gravidez e não convinha levá-la longe na floresta, distante de qualquer recurso. Por outro lado, não muito distante dali morava a família Heinzen com quem Johann Bernard cedo estabeleceu laços de amizade a ponto de dois de seus filhos terem como padrinhos Peter Heinzen e sua esposa. Pode-se admitir, portanto, que Johann Bernard tenha morado algum tempo em Teresópolis antes de se estabelecer definitivamente no lote 22 situado na atual localidade de Santo Antônio, no município de São Bonifácio.
Também não se sabe se Hermann se estabeleceu imediatamente em São Bonifácio. Há documentos que indicam ter ele recebido o lote nº 6 da margem esquerda do rio Cubatão. No entanto, não há documento que registra haver ele chegado a residir no referido lote. No entanto, há uma tradição oral segundo a qual Hermann teria trabalhado, como carpinteiro, na construção da ponte de madeira sobre o rio Cubatão, em
5 SANTA CATARINA, Governo Provincial. Relatório apresentado pelo Presidente da Província de Santa Catarina Pedro Leitão da Cunha, em 19 de dezembro de 1863, p. 23-25. 6 GALVÃO, Ignácio da Cunha. Relatório sobre as colônias de São Paulo,
Paraná e Santa Catarina. Rio de Janeiro: Tipografia de J.I.da Silva, s/d [1867?]. p. 47-48.
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Teresópolis. Se esta tradição confere, então Hermann permaneceu algum tempo em Teresópolis antes de se estabelecer definitivamente no Capivari.
A situação de Hermann era mais confortável que a de seu irmão. O lote a ele destinado era menos montanhoso e mais fértil e também menos distante da sede da colônia, ao passo que o lote de Johann Bernard ficava uns dez quilômetros mais distante da sede da colônia e era muito montanhoso com encostas íngremes e, como tal, mais difícil de trabalhar.
Embora não se saiba quando, o fato é que, num dado momento, Hermann e seu irmão Johann Bernard encontram-se estabelecidos em seus lotes, na Linha Capivari, no atual município de São Bonifácio.
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