TRILOGIA DA SAUDADE ORAÇÃO PARA O MEU SEPULTAMENTO CONVERSANDO COM MEUS AMIGOS POETAS POEMA 20 DE PABLO NERUDA
VALDEZ JUVAL
ALGUMAS PALAVRAS (Uma espécie de apresentação)
Despretensiosamente, em forma de e_book, vou publicando alguns “escritos”, já publicados ou não, durante estes últimos anos de minha “existência literária”. Por favor, não considerem as minhas “obras” como valores mas, formas de dar expansão ao que a imaginação inspira e faz fazer já que não vive fazendo nada. Não sou um puritano e, embora também não sendo um imoral, prefiro sugerir que a leitura desses meus alfarrábios não seja feita por menores nem pudicos. Não me importam as críticas. Deletar é muito fácil. Podem fazer isto quando assim julgar.
Agradeço, contudo, pela curiosidade inicial de cada leitor. Que os imortais das Academias, não temam a concorrência. O mundo já sabe que não gosto de chá nem de farda. Um abraço para todos. VALDEZ JUVAL Para correspondência: vjuval@gmail.com
ORAÇÃO PARA O MEU SEPULTAMENTO VALDEZ JUVAL
Não tenham pressa, coveiros. Ainda não é tempo da putrefação. Deixem que o corpo fique mais um pouco aqui, para fazer sentir aos outros quanto inútil ele foi. Esperem que por certo jogarão flores, sinal da despedida e da saudade.
Poderá até haver choros, soluços. Tudo não passará do momento, para depois, por pouco tempo mais, existir apenas a recordação. Sepultem carne para alimentar os vermes que vivem na terra à nossa espera. Agora sim, coveiros. Terminem. Deem alimento aos vermes.
CONVERSANDO COM OS MEUS AMIGOS POETAS... Crônica de Valdez Juval
Quando cheguei à taverna já encontrei Omar (Kháyyám) e Pablo (Neruda). Bebo com eles uma taça de vinho. Já que tem de ser vinho, prefiro tinto. É da cor da vida. De Omar relembramos as Rubayyat e de Neruda os seus poemas.
Ressurgem sonhos. Será que ainda é tempo? Vou me embriagar do momento presente. Provoquei-os falando do amor e do ciúme. Mostrei para eles, sem me envergonhar, de um autor desconhecido, considerado "infame”, talvez pela simplicidade de seus versos:” “Tenho ciúmes do vento que acaricia a tua face, da veste que sente de perto o calor de teu corpo, da rosa que afagas.” Pablo parecia pensativo. Tinha um compromisso para o dia seguinte. Então lhe falei: - “Por que pensar no amanhã se ainda temos que viver hoje? Para que se preocupar com o que será se ainda não sabemos o que é? O passado passa, mas fica. Relembra-se, não se revive.
O passadista é um sofredor.” - Omar arrematou: “Procura ser feliz ainda hoje, pois não sabes o que te reserva o dia de amanhã. Toma uma urna cheia de vinho, senta-te no clarão do luar e monologa: "Talvez amanhã a lua me procure em vão“ - E continuou: “Os dias passam rápidos como as águas do rio ou o vento do deserto. Dois há, em particular, que me são indiferentes: o que passou ontem, e o que virá amanhã.” Pablo animou-se um pouco e disse que sua tristeza era amor. Pediu-me então para declamar a versão que fiz do seu POEMA 20. - Orgulhosamente acedi o pedido: “Posso escrever os versos mais tristes esta noite. Escrever, por exemplo: A noite está estrelada...”
- Quando cheguei ao final “e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo”, a vibração foi de todos que estavam na taverna. E eu que discordava de Omar e preferia chope, terminei embriagado, de vinho. Também pudera!
POEMA 20 de PABLO NERUDA VERSテグ LIVRE de VALDEZ JUVAL Posso escrever os versos mais tristes esta noite. Escrever, por exemplo: "A noite estテ。 estrelada, e tiritam, azuis, os astros ao longe". O vento da noite gira no cテゥu e canta.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite. Eu amei-a e por vezes ela também me amou. Em noites como esta tive-a em meus braços. Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito. Ela amou-me, por vezes eu também a amava. Como não ter amado os seus grandes olhos fixos. Posso escrever os versos mais tristes esta noite. Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi. Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela. E o verso cai na alma como no pasto o orvalho. Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo. Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe. A minha alma não se contenta com havê-la perdido. Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a. O meu coração procura-a, ela não está comigo. A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores. Nós dois, os de então, já não somos os mesmos. Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei. Esta voz buscava o vento para tocarlhe o ouvido. De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos. A voz, o corpo claro. Os seus olhos
infinitos. Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda. É tão curto o amor, tão longo o esquecimento. Porque em noites como esta tive-a em meus braços, a minha alma não se contenta por havê-la perdido. Embora seja a última dor que ela me causa, e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.
EB1 lemos.ed Brasil, Setembro, 29, 2015