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TEREZINHA MALAQUIAS
Terezinha Malaquias
Poeta e escritora, autora de sete livros. Do Jeito da
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Gente/Our Way (2021), Teodoro (2019), Menina
Coco/Das Cocosmädchen (2018), Modelo Vivo (2005). É artista visual, performer, multiatista. Tem um canal: TereMalaquias no youtube. Criou os projetos: Brasileirxs Estrangeirxs como Eu, Proseando: Arte e Literatura, Chácomigo/Teemitmir. Foi a performer e produtora executiva do filme Na Pose/In der Pose (2017). Direção: Alex Mello e Vitor Kruter. Mora na Alemanha desde 2008. sempre tinha alguém que comia mais rápido.
Hoje, mulher adulta, recordo com amor e carinho dos doces da minha mãe feitos no fogão a lenha. E, se eu fechar os olhos, por um instante, até vejo mamãe à beira do fogão, e, nós, crianças outra vez, enchendo a casa com as nossas risadas bobas e longas. Era tão bom... tão gostoso... Ozita, minha mãe. Uma fazedora de doces. Ozita, minha mãe. Fazedora de sonhos.
*Tachada: término do processo de produção dos doces. Autora: Terezinha Malaquias
Na Minha Casa Café Tinha Gosto de Pai.
FAZEDORA DE DOCES SONHOS
Autora: Terezinha Malaquias
Do tacho de cobre lindo, de cor ferrugem e grande, saiam os doces da minha mãe.
Doce de goiaba, doce de leite, arroz-doce, pé de moleque, doce de manga, doce de abóbora e tantos outros doces sonhos, sonhos doces recheados de amor e carinho.
No final de cada “Tachada,”* lá estávamos, nós, crianças felizes com as nossas colheres mágicas, raspando todo o restinho bom.
Era sempre uma festa entre minhas irmãs, meus irmãos e eu. Às vezes, brigávamos também, e,
TEODORO
Autora: Terezinha Malaquias
Era ainda de manhã, e, estávamos todos na fazenda. Depois de tomar café com leite quentinho, vindo diretamente do curral, e ter comido bolo de fubá e pão caseiro, feitos no forno de barro, com manteiga também caseira, mamãe e a cozinheira se preparavam para fazer o almoço dos peões e o nosso, quando chegou um moço num carro preto e, com ar de tristeza, dirigiu-se até papai, e disse que tinha ido buscar-nos, porque vovô Teodoro, pai de mamãe, havia falecido de madrugada na pequena cidade mineira de Campina Verde.
Eu era apenas uma menina e foi a primeira vez que eu ouvi a palavra morte e não entendi. Mamãe banhou a todos,
fez as nossas malas e partimos no carro preto. O carro foi correndo pela estrada e a gente via uma poeira muito vermelha.
Na casa da minha avó havia muita gente e meu avô estava deitado no caixão, tendo à sua volta todos os seus filhos e a sua esposa. Mamãe juntou-se à sua mãe e aos seus irmãos.
Eu não entendia de morte, não entendia de dor, nem de perda ou tristeza. Eu era apenas uma menina, tão pequenina... e só entendia de boneca e brincar de casinha.
E eu, menina, pensava que a morte fosse como o sono, depois do descanso, a pessoa acordava, nos abraçava, sorria para nós e tudo ficava bem outra vez. Mas não era bem assim.
Mais tarde apareceu alguém, não me lembro mais quem era, e fechou o caixão do meu avô. Voltamos para casa e já era hora do jantar.
Como na casa da minha avó ainda havia muita gente, nós, as crianças, pegávamos os nossos pratos feitos e íamos para o quintal sentar debaixo da mangueira.
Comemos arroz com feijão, salada de alface com tomate e carne moída. Depois do jantar... Ah, depois do jantar, que gostoso... tudo virou brincadeira de meninas e meninos. Brincadeira de roda, de pular corda, passar anel, jogar peteca e até brincadeira de contar lindas histórias.
PARA CAROLINA MARIA DE JESUS
Autora: Terezinha Malaquias
Recolho papel e papelão nas ruas de São Paulo.
O papelão eu vendo para comprar comida e alimentar as bocas dos meus filhos e a minha.
O papel eu guardo. E toda noite depois do banho eu me sento e escrevo vidas.
Escrever é libertar-me das amarras que insistem em querer prender os meus sonhos.
diretora e roteirista do meu viver. Na escrita sou mulher livre e dona de mim; sou protagonista,
Do livro Teodoro de Terezinha Malaquias. (Poesias e contos), em português-inglês. Olimalabo Verlag Editora - 2019