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ANGELI ROSE
Angeli Rose (Delégué RJ) É escritora, pesquisadora, carioca, geminiana, é cultivadora, delegué RJ, Ph.D. em Educação (UFRJ), Educadora para a Paz, terapeuta holística (UNIPAZ e CIT-RJ);recentemente foi agraciada com o título de Embaixadora da Paz pela OMDDH; é membro de diversas associações e academia; idealizadora e coordenadora do “Coletivo Mulheres Artistas”; colunista do Jornal Clarín Brasil (digital),entre diversas outras atividades que exerce, sempre no campo cultural. Autora, entre outros, de Biografia Não autorizada de uma Mulher pancada. angeliroseescritora@gmail.com
ESTANTE CULTIVE
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“A linguagem nomeia o mundo e é parte construtora da realidade. É por meio da linguagem que se constroem imagens de terras e povos”
Nesta coluna trimestral, voltamos este mês com a resenha crítica do livro de uma de nossas cultivadoras do Rio de Janeiro (Br), Prof.Dra. Luciana Marino Nascimento, que atua na pesquisa e na docência universitária na Faculdade de Letras da centenária Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mês passado, estreia da coluna, nos dedicamos a comentar um livro de poemas, mas este mês apostamos num livro que transita entre o ensaístico e o didático e muito será útil para aqueles e aquelas que desejam atualizar-se na historiografia literária brasileira. Principalmente, para brasileiros e brasilianistas que vivem no exterior será de grande valia investir numa leitura atenta de Vozes Consonantes da Cultura Literária Brasileira. A Origem.
O volume lançado em 2020, o primeiro de uma série, conforme noticiou a coautora em entrevista (2021), foi escrito em parceria com o Prof. João Carlos de Souza Ribeiro, docente da Universidade Federal do Acre e conta com 148 páginas apenas. Embora seja um compêndio de tamanho reduzido em número de páginas, se considerarmos o assunto vasto de que trata a iniciação, ora didática, ora ensaística, das reflexões propostas e a condensação das complexidades envolvidas a cada capítulo,pode-se dizer que o livro cumpre muito bem um de seus propósitos: apresentar um panorama sob olhar crítico de pesquisadores e professores sobre a historiografia e a cultura literárias. Os autores estruturaram o trabalho em duas grandes unidades que tematizam e desenvolvem dois eixos fundamentais nos estudos de Literatura e Cultura Brasileiras, também disciplinas fundadoras dos estudos no campo das Letras. São eles: a terra recém-descoberta que foi interpretada à luz do tema do Éden, o Novo Eldorado, a “Terra Brasilis”; e o tema da Identidade Nacional que carrega junto a especulação sobre uma cultura local. Vários autores elaboraram estudos sobre a “visão do paraíso”, tanto reafirmando tal percepção, como desconstruindo essa representação para o Brasil e a cultura brasileira. Então, por que valeria insistir numa leitura sobre uma questão tão discutida? Primeiro pela inesgotabilidade dos estudos sobre as representações atribuídas ao Brasil, à cultura brasileira e mais especificamente à literatura brasileira. Segundo, porque uma boa formação consistente nos estudos introdutórios sobre Cultura Brasileira e a historiografia literária exigem olhares diversos e atualizações. Os dois professores e pesquisadores fazem muito bem tal empreitada ao incluírem no volume a cada tópico tratado a seção “Atividade”. Assim, o leitor ,ou a leitora, encontrarão em cada “unidade” uma apresentação crítica do tema em questão, alguns textos de
fonte documental e de referência sobre o assunto ,fragmentos de textos teóricos de outros autores e especialistas estudiosos do tema e por fim a atividade relativa ao assunto. As seções trazem diagramação diferenciada, o que confere certo dinamismo à experiência de leitura, alimentada pelo rigor com que tratam a proposta do livro.
Nesse sentido, a epígrafe que escolhemos para esta resenha e para traduzir e condensar o espírito que move o desenvolvimento dos aspectos abordados no livro dá a ver o quanto o conhecimento da Linguística Crítica perpassa as análises apresentadas. Além do que se pode nomear como “clássicos” desse tipo de estudo, por exemplo, as cartas de viajantes estrangeiros, precedidas pela carta fundadora de Pero Vaz de Caminha e excertos de Sérgio Buarque de Hollanda,autor de “Visões do Paraíso”, o trabalho apresenta, tanto pela seleção compendiada, como pelos textos de abertura dos tópicos, uma percepção crítica apoiada em autores hoje fundamentais nos estudos literários e historiográficos. A atualização das abordagens inclui Michael Bakhtin, Tzvetan Todorov, Walter Benjamin, entre outros, tendo na Linguística e na Filosofia da linguagem um aparato relevante que constitui a consistência dada às discussões. Nesse sentido, noções caras a alguns desses autores citados, como “dialogismo”, “origem”, “relato”, estão forjando um subsolo dos textos autorais que mostram o labor dos professores-pesquisadores e escritores que como intelectuais têm uma visão bastante singular dos vetores e fatores que têm convergido para a construção da cultura brasileira e para a organização da historiografia literária.
Vale comentar que para o não especialista, o livro também é objeto de interesse, tanto pela linguagem utilizada, escorreita, porém, sem afetações, como também pela leveza com que as cartas e as apresentações de textos jornalísticos de época carregam as informações rigorosamente selecionadas, de maneira que o tom conversacional, por vezes, pode tomar conta do leitor, ao se deparar em pensamento com interrogações do tipo: - Como não havia posto tal olhar sobre isso? Ou: - Acho que não li José de Alencar ou Machado de Assis com tais elementos... Perguntas assim não surgem somente na sala de aula das universidades em formações iniciais, mas também em debates densos que as pós-graduações são capazes de provocar, estando muito distantes da “balbúrdia” que alguns desavisados possam imaginar. A cultura literária dos autores, professores João Carlos (UFAC) e Luciana Nascimento (UFRJ), vai se evidenciando à medida que discorrem sobre esse objeto de estudos ,a cultura literária, num cruzamento de discursos filosófico, histórico, literário e jornalístico, sem com isso perderem o rigor necessário para a empresa do livro.
A “Unidade I” dedica pouco mais da metade de “Vozes Consonantes” às questões relacionadas ao “Deslumbramento na Terra Brasilis, ao “Mundo Novo”, aos “Primeiros Cronistas-viajantes estrangeiros” e oferece ao leitor(e à leitora) trechos de comentários do jornalista Eduardo Bueno, por exemplo, o que para alguns historiadores poderia ser motivo para se torcer o nariz. Entretanto, o vigor do discurso de Bueno renova o olhar sobre esse material documental e histórico em certa medida. Os autores de “Vozes Consonantes” souberam compreender a pegada desse hoje pesquisador, ensaísta e escritor, como é Eduardo Bueno; do mesmo modo que compreenderam a importância de Alfredo Bosi na organização da cultura literária. Aqueles que acham estarem em pontos opostos, tais referências, podem ter a grata surpresa ao perceberem o quanto a erudição pode estar acessível sem tornar-se a dama opressora dos estudos da historiografia literária. E como conclusão, a leitura desta unidade brinda a subjetividade leitora com um poema de Oswald de Andrade sobre o bicho Preguiça na “Festa da raça” e com trecho da narrativa de Jean Lery. E quem foi tal personalidade? Ah! Certamente o leitor lembrará da expedição do Almirante Villegagnon de 1557,ponto obrigatório de estudos em algum momento da Educação Básica. Então, a referência utilizada pelos autores de “Vozes Consonantes” é um dos componentes dessa expedição que acompanhou a lidernça.
Todavia, o leitor, ou a leitora, podem estranhar que o aparato das imagens na função ilustrativa,principalmente, no livro não corresponda em qualidade ao texto apresentado. De fato, as reproduções em preto e branco deixam um pouco a desejar em relação às referências originais, como também em relação à nitidez, mas o volume de fato não investe nesse aspecto, porque, acredito que a carestia do livro no Brasil ainda seja um impedimento para termos edições mais harmonizadas entre imagem e texto. E a finalidade do livro também fica clara que é predominantemente discorrer com criticidade sobre os diálogos até então estabelecidos sobre a cultura literária. Contudo, não é nada que desmereça a leitura do livro.
Há muitos méritos no volume, mas, dentre eles, vale citar que “Vozes Consonantes” procura valorizar o diálogo entre vozes, ora consonantes, ora dissonantes da cultura literária que foi sendo forjada no transcurso da história do Brasil. Se é possível se deparar com Pero Vaz de Caminha, Oswald de Andrade, Murilo Mendes, por exemplo, tematizando a história e elementos constituidores da
nossa história em seus textos, o que seria consonante até certo ponto; é possível também encontrar a dissonância com que tais vozes líricas ou não abordam os mesmos elementos ao serem transformados em objeto de suas poéticas.
Na “Unidade II”, sem ter esgotado a primeira, podemos explorar o vigor do livro ao apresentar um Brasil Imperial, através de imagens traçadas nas obras de José de Alencar e de Machado de Assis. Sem quererem dar conta de todas as obras desses autores de referência, os professores-pesquisadores, João Carlos e Luciana Nascimento, levam-nos pelas novas “trilhas” sugeridas no Império que vislumbram transformações e mudanças que posteriormente desembocarão na cidade do Rio de Janeiro como ponto capital de mudanças e planos para certo mimetismo instalado a fim de fazer a capital do Império uma réplica de Paris, Londres, por exemplo. No entanto, nessa “Unidade” é interessante destacar que Roland Barthes surge como um pressuposto teórico que empreende força e potência ao trabalho apresentado no livro. A certa altura, ao tratar da ficção de José Alencar e em Alencar, dos autores lê-se: “O contrato da ficcionalidade, estabelecido como um momento de um mundo possível, aceito em relação à construção da obra não exige uma ruptura com a realidade extratextual e acaba por remeter ao mundo real.”(pp 112). Deste modo, não só estudantes ou curiosos serão beneficiados com “Vozes consonantes da Cultura Literária Brasileira. A Origem”, mas também escritores que precisam se aprimorar e se atualizar para além de ler literatura, claro! E as questões discursivas propostas em cada “atividade” ao final dos tópicos podem passar a constar como reflexões que personagens certamente fariam sobre este ou aquele episódio de nossa história, ou de nossa literatura. E tal dica não vem desacompanhada, há no livro a preocupação de encaminhar o leitor a outros textos que estão redimensionando a cultura literária, através de releituras de episódios históricos e de personalidades brasileiras nos diversos vínculos estabelecidos. A historiadora Lilian Schwarcz é uma das indicações de leitura que podem dar sustância ao leitor que se inicia. E não param por aí, saber que o rigor estabelecido como linha mestra de construção do livro inclui Eric Hobsbawm, Roberto da Matta, Marilena Chauí, Alcmeno Bastos, além dos periódicos como documentos de época, é apostar numa leitura necessária para compreender não só a cultura literária constituída até aqui, mas é preparar-se para melhor compreender o Brasil de agora e sua literatura, que aliás, vai muito bem obrigada! ESTANTE CULTIVE fica por aqui desejando boas leituras e a indicação de “Vozes Consonantes da Cultura Literária Brasileira. A Origem”, editora Telha, disponível para compra no site da editora e na Amazon.com, entre outras livrarias. A doutora em Teoria e História Literária pela UNICAMP Luciana Nascimento, também autora de literatura (Manual da Mulher Pós-Moderna),,cultivadora do Rio de Janeiro, honra a afiliação a que se propôs na Associação Cultive ao tomar parte como coautora dessa aventura narrativa e didática que é mais este livro em sua biografia, com a parceria luxuosa do crítico literário, ensaísta e também professor doutor em Ciência da Literatura e PhD em Poética (UFRJ), João Carlos de Souza Ribeiro.
Angeli Rose é professora, pesquisadora, escritora e ativista cultural e feminista. Cultivadora, delegué do Rio de Janeiro, também coordena o Coletivo Mulheres Artistas(CMA) que idealizou e hoje promove em sistema de cogestão, além de ser articuladora do coletivo cultural Mulherio das Letras Portugal no Brasil,como também é colunista do Jornal Clarín Brasil e pertencer a várias agremiações de Letras, Artes e Ciências, pelas quais tem obtido reconhecimento com títulos honoríficos e premiações,como o de Embaixadora da Paz (OMDDH). É autora de Biografia não autorizada de uma mulher pancada, entre outros. E possui coautoria em diversas antologias nacionais e internacionais,principalmente, do cenário lusófono. Há alguns anos pauta suas ações em prol do direito à literatura e à arte e para além do direito. @angeliroseescritora