2012, Editora Unijuí Rua do Comércio, 1364 98700-000 - Ijuí - RS - Brasil Fone: (0 55) 3332-0217 Fax: (0 55) 3332-0216 E-mail: editora@unijui.edu.br Http://www.editoraunijui.com.br Editor: Gilmar Antonio Bedin Editor-Adjunto: Joel Corso Capa: João Kons Responsabilidade Editorial, Gráfica e Administrativa: Editora Unijuí da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí; Ijuí, RS, Brasil) Conselho Editorial: Gilmar Antonio Bedin – Presidente, Arnildo Laurêncio Rockenbach, Darcísio Corrêa, Antonio José Grison, Otavio Aloisio Maldaner, Ligia Beatriz Bento Franz, Walter Frantz, Angela Patrícia Grajales Spilimbergo
Catalogação na Publicação: Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí
– 352 p. ISBN 978-85-419-0002-7
CDU : 347.243 332.021.8
SUMÁRIO Apresentação ...................................................................................... 9 Parte 1 – Tendências Institucionais na Extensão Rural ...... 17 Consensos e Dissensos da Cooperação Internacional Sobre a Atuação do Estado no Desenvolvimento ............................... 19 Benito Armando Solis Mendoza Vivien Diesel A Construção de Consensos Sobre o Futuro da Extensão Rural nas Organizações de Cooperação Internacional .................................. 35 Vivien Diesel Extensão Rural no Rio Grande do Sul: Evidências de Configuração Institucional Pluralista? ......................... 57 Rodrigo da Silva Lisboa Vivien Diesel Laurício Bighelini da Silveira Gustavo Friedrich Jaqueline Haas Benito Solis Mendonza Cleia Moraes Reforma Agrária e a Atuação do Estado na Oferta de Serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural para Assentados ................ 83 Pedro Selvino Neumann Vinícius Piccin Dalbianco
Parte 2 – Inovações Institucionais na Ates do Rio Grande do Sul ................................. 105
Rumos da Ates no RS: em Direção à Constituição de um Sistema Descentralizado? ........... 107 Vinicius Piccin Dalbianco Pedro Selvino Neumann Dilemas da Terceirização: Um Olhar Sobre a Estrutura Organizacional da Ates no RS ............ 131 Vinícius Claudino de Sá Jacir João Chies Vivien Diesel Dhonathã Santo Rigo Contratando Serviços de Ates: o Desafio da Elaboração das Metas Contratuais ............................... 159 Alisson Vicente Zarnott Vivien Diesel Luiz Eduardo Abbady do Carmo Cleia S. Moraes
Parte 3 – Agentes da Ates no RS.................................................. 187 Os Técnicos na Ates por Contrato ..................................................... 189 Vinícius Claudino de Sá Jacir João Chies
A Experiência do Projeto dos Articuladores no Rio Grande do Sul .......................................................................... 203 Pedro Selvino Neumann Alisson Vicente Zarnott Luiz Eduardo Abbady do Carmo Jacir João Chies Vinicius Piccin Dalbianco Dhonathã Santo Rigo Daiane de Mattos Taborda Agentes da Ates: a Atuação do Projeto Somar na Viabilização de Agroindústrias em Assentamentos Rurais no RS ......................... 231 Aline Weber Sulzbacher Paulo Roberto Cardoso da Silveira Agentes Privados de Assistência Técnica nos Assentamentos Rurais .................................................................. 251 Jaqueline Mallmann Haas Rodrigo da Silva Lisboa Vinicius Piccin Dalbianco Parte 4 – Reflexões em torno do método e da proposta da Ates para o desenvolvimento dos assentamentos .................................269 Transições Metodológicas: Atuação Extensionista na Elaboração dos PDA e PRA na Ates do RS .......................................................... 271 Vivien Diesel Jaqueline Mallmann Haas
Estratégias de Mercantilização em Assentamentos: Leituras Conflitantes dos Agentes da Assistência Técnica .............. 307 Laurício Bighelini da Silveira Rodrigo da Silva Lisboa Aprendizados de uma Ates em Busca do Desenvolvimento dos Assentamentos .......................................... 329 Vivien Diesel Pedro Selvino Neumann Autores .............................................................................................. 345
APRESENTAÇÃO Este é um livro diferente! Antes de começar a ler os textos nele incluídos, convém dedicar um tempo para a leitura desta apresentação, pois que, aqui, procuramos explicar nossas motivações e como o livro foi construído. Ao tratar das motivações para a elaboração deste livro devemos reconhecer que ele faz parte de um conjunto de iniciativas de investigação e intervenção em torno da temática do desenvolvimento dos assentamentos rurais da reforma agrária e, mais especificamente acerca das contribuições da assessoria técnica, social e ambiental. Dentre as iniciativas recentes destaca-se a importância da participação de um grupo de professores do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural (PPGExR) na primeira edição do Programa Residência Agrária – entre os anos de 2005 e 2007.1 Tal participação resultou numa maior aproximação com a realidade dos assentamentos rurais, com os movimentos sociais e organizações públicas relacionados à reforma agrária. A partir dessa relação foram gestadas outras iniciativas, destacando-se uma segunda edição do Residência Agrária, com oferta de um curso de Especialização em Agricultura Familiar Camponesa e Educação do Campo pelo PPGExR e estabelecimento de parceria entre UFSM e o Incra/RS em torno do Projeto dos Articuladores e Projeto Somar. Esse conjunto de iniciativas trouxe a problemática do desenvolvimento dos
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A experiência do Programa Residência Agrária encontra-se descrita na obra intitulada “Educação do Campo e Formação Profissional: A experiência do Programa Residência Agrária”, publicada pelo Nead em 2009.
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assentamentos rurais para dentro da Universidade e constituiu, sobretudo, uma oportunidade para realizar a almejada integração entre pesquisa e intervenção social, segundo a lógica da pesquisa-ação militante. Nesse contexto avaliou-se que o espaço acadêmico da disciplina “Experiências em Extensão Rural”, ofertada pelo Programa de PósGraduação em Extensão Rural aos alunos de Doutorado desse programa, constituiria um espaço privilegiado para sistematizar e discutir as práticas de Ates – que estavam se gestando de forma inovadora no Incra/RS. Considerou-se que os discentes matriculados na disciplina poderiam aproveitar os conhecimentos e contatos que vinham sendo facilitados pelos diferentes projetos da universidade em torno da temática para realizar o estudo de experiência inovadora previsto no programa da disciplina e, com suas análises, trazer contribuições para o processo de reflexão e intervenção em torno da assessoria técnica, social e ambiental nos assentamentos. A elaboração de documentos era considerada requisito nesse processo, uma vez que facilitava a sistematização e discussão das ideias, bem como constituía um instrumento de avaliação do aluno. Uma vez definida essa estratégia de inserção da disciplina no processo mais amplo de investigação e intervenção da UFSM em assentamentos da reforma agrária, foi realizado o planejamento das atividades didáticas, buscando-se contemplar os conteúdos teóricos previstos no programa, mas explorando suas interfaces com a realidade dos assentamentos rurais. Após uma primeira familiarização com as contribuições teóricas acerca das tendências institucionais de afirmação do pluralismo na extensão rural e realidade empírica dos assentamentos, discentes e docentes da disciplina de Experiências em Extensão Rural reuniram-se para definir eixos de problematização teórica – que se comportariam como orientadores dos estudos de caso empíricos. Esse foi, também, o momento de concepção desta obra, pois que o coletivo decidiu preparar um só documento – que incorporasse as diversas contribuições individuais. Uma vez que os eixos de problematização foram definidos, foi possível
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elaborar, também, uma primeira proposta de estrutura do documento a ser produzido coletivamente. Nessa ocasião discutiu-se a dinâmica que seria adotada para a produção do documento coletivo e defininiu-se que essa seria caracterizada pela formação de um banco de dados comum e pela alternância do trabalho individual e discussão no grupo. No decorrer do trabalho verificou-se que a preparação de papers para eventos acadêmicos poderia constituir motivação adicional na sistematização dos dados relativos aos estudos de caso. Assim, foi estimulada a preparação e discussão coletiva de papers, considerando que esses procedimentos qualificariam a reflexão do grupo. Ao final de 2010 havia se produzido um conjunto de artigos – alguns dos quais seguiam a problematização inicial proposta e outros eram inovadores – mas não se obteve um documento final de autoria coletiva. Diante desse quadro avaliou-se que os propósitos inicialmente estabelecidos pelo coletivo não haviam sido alcançados, posto que se dispunha somente de um corpo fragmentado de ensaios sobre a temática trabalhada. Surgiu, assim, o desafio de constituir uma obra a partir dos papers – sendo essa tarefa atribuída aos organizadores. Uma primeira reunião dos papers revelou que para que viessem a se tornar uma obra passível de publicação mereceriam uma revisão em dois aspectos: qualificação e atualização das informações apresentadas e adequação de conteúdos com vistas à eliminação de sobreposições temáticas e preenchimento de lacunas. Um cuidado tomado, então, por ocasião da organização desta obra refere-se à preocupação com a qualificação dos dados e interpretações sobre as iniciativas do Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental (Ates). Nesse sentido os papers que constituíam o primeiro subsídio para essa obra continham, principalmente, a visão dos alunos da disciplina Experiências em Extensão Rural que tiveram um contato relativamente breve com a problemática da Ates – tendo em vista que a disciplina tem apenas 45 horas de carga horária. Além disso, as saídas de campo realizaram-se durante o segundo semestre de 2009 e, dado
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o elevado dinamismo da política de Ates no RS, havia necessidade de atualização dos dados. Para contemplar essas preocupações os organizadores adotaram a estratégia de submeter os papers originais à análise dos articuladores de Ates – que vinham acompanhando a execução do Programa de Ates no RS desde 2008 – e que assumiram o compromisso de aferir e atualizar os dados, informações e interpretações referentes a essa política. Outro aspecto trabalhado refere-se à adequação de conteúdos. Como cada paper – como unidade independente – devia apresentar prévia contextualização do tema abordado, as características do Programa de Ates, por exemplo, eram referidas em todos os papers, mas sempre de maneira superficial, de modo que o leitor não tinha uma compreensão adequada dessa política governamental. Para adequada contemplação desse aspecto foi necessário incluir dois capítulos que não constavam no projeto original: um que se refere à evolução da Ates no Brasil e outro que diz respeito à evolução da Ates no Rio Grande do Sul. Nesse contexto ficou claro para os organizadores que a geração de uma obra a partir dos papers implicaria um tabalho que iria além de sua simples reunião. Foi necessário “redesenhar” a obra, ressaltando os possíveis links com discussão teórica, eliminando sobreposições temáticas, identificando lacunas que deveriam ser cobertas por novos capítulos, de modo que a obra gerada permitisse ao leitor uma compreensão adequada da evolução da política de Ates no Rio Grande do Sul. Dessa forma, a obra que ora se apresenta é diferente! Considera-se que uma das razões pelas quais a obra é diferente refere-se à questão das autorias. Tendo em vista as motivações que deram origem à presente obra e a forma como os dados e análises foram gerados e revisados, as relações de autoria e coautoria em muitos casos são mais difusas do que na produção acadêmica convencional. Temos de reconhecer que muitos aportes sobre a realidade empírica foram fornecidos pelos articuladores de Ates – que realizaram exposições para os discentes
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matriculados na disciplina – e que muitos insights surgiram de discussões no âmbito do curso de Especialização em Agricultura Familiar Camponesa e Educação do Campo, de seminários no âmbito do PPGExR ou em reuniões técnicas com o Incra. Assim, a maioria dos capítulos reflete avanços resultantes de um processo de discussão e reflexão coletiva, mais do que de investigação individual. Destaca-se, ainda, a diferenciação da contribuição dos organizadores da obra que, em geral, comportaram-se mais como revisores e colaboradores dos papers. Reconhecemos que apesar desse esforço muitos aspectos poderiam ter sido mais bem contemplados. Uma das advertências que devemos apresentar ao leitor é de que essa obra tem um caráter preponderantemente descritivo – buscamos expor, de forma relativamente detalhada, a evolução do Programa de Ates no RS e as discussões que ele suscita. Numa perspectiva mais acadêmica percebe-se que o Programa de Ates no RS implica a realização de experiências inovadoras em termos da operação por contrato, descentralização, participação, entre outras, e que desta experiência poderiam ser depreendidos aprendizados diversos – uma vez que se realizasse o confronto das situações empíricas com a discussão teórica internacional, que ora se estabelece em torno das mudanças institucionais da extensão rural. Não foi possível fazer essa exploração das contribuições dos estudos de caso para a discussão internacional. Qualquer leitor que tenha vinculação com as universidades federais sabe das dificuldades enfrentadas para despender o tempo necessário para um projeto dessa natureza. Assim, é com prazer que apresentamos a presente obra, possivelmente organizada segundo uma proposta “em vias de extinção”. Num contexto em que, institucionalmente, se persegue a garantia dos direitos de propriedade sobre as ideias e as ascensões profissionais são condicionadas a isso, propor um trabalho e reflexão coletiva para organizar um livro é “estar na contramão” da História e exige uma grande persistência devido a frequente incompreensão do sentido da proposta.
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Organizamos a obra em torno de quatro partes principais: tendências institucionais na extensão rural, inovações institucionais na Ates: o caso do RS, Agentes da Ates no RS e Reflexões em torno do método e da proposta de Ates para o desenvolvimento dos assentamentos. A parte 1, que trata das tendências institucionais da extensão rural, visa a contemplar a abordagem teórica contextualizadora trabalhada no início da disciplina de Experiências em Extensão Rural. É composta pelo texto “Consensos e Dissensos da Cooperação Internacional Sobre Atuação do Estado no Desenvolvimento” – que estava previsto na proposta original de estruturação da obra e corresponde a texto trabalhado na disciplina, pelo texto “A construção de consensos sobre o futuro da extensão rural nas organizações de cooperação internacional” – que foi redigido especificamente para este livro visando a cobrir uma lacuna identificada por ocasião de sua organização, o texto “Configuração atual da extensão rural no Rio Grande do Sul: evidências de pluralismo institucional” – elaborado coletivamente por discentes e docentes na disciplina de Experiências em Extensão Rural 2 – e o texto “Reforma Agrária e a atuação do Estado na oferta de serviços de assistência técnica e extensão rural para assentados” – que foi incluído no projeto original a partir da identificação de lacuna por ocasião da estruturação da obra.3 A parte II trata das Inovações Institucionais na Ates do Rio Grande do Sul. A parte II é composta pelos textos: “Ates no RS: Rumo à constituição de um sistema descentralizado de assistência técnica e extensão rural para assentados?” – que corresponde a um texto inserido para preencher lacuna identificada por ocasião da organização da obra – o texto “Dilemas da terceirização: um olhar sobre a estrutura organiza-
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Uma versão desse texto foi apresentada, originalmente, no VIII Congresso da Alasru, em 2010, sob o título: “Extensão Rural Pública para quem? A nova face institucional da orientação técnica no Rio Grande do Sul”. 3 Resulta da adaptação de um capítulo da dissertação de Mestrado de Vinicius Piccin Dalbianco, intitulada “A construção de uma extensão rural diferenciada para famílias assentadas: o Programa Assessoria Técnica, Social e Ambiental (Ates) no RS, orientada por Pedro Selvino Neumann, apresentada ao PPGExR em 2010.
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cional da Ates no RS” – que estava previsto na estrutura original 4 – e o texto “ Contratando serviços de Ates: O desafio da elaboração das metas contratuais – que, embora estivesse previsto na estrutura original, foi redesenhado para permitir uma melhor compreensão da dinâmica de elaboração de metas e sua atualização.5 A parte III trata dos Agentes da Ates no RS e é composta pelos seguintes textos: “Os técnicos na Ates por contrato” – que resulta de uma problematização singular proposta por discente da disciplina de Experiências de Extensão Rural6 –, “A experiência do Projeto dos Articuladores no Rio Grande do Sul” – que aborda temática que estava contemplada na estrutura original, mas cuja versão apresentada foi elaborada de modo independente da disciplina Experiências de Extensão Rural7 – o texto “Agentes de Ates: A atuação do Projeto Somar na viabilização das agroindústrias em assentamentos rurais no RS” – texto proposto pelos organizadores da obra com vistas a contemplar lacuna referente à caracterização dos agentes de Ates atuantes em assentamentos e elaborado pelo coordenador e por técnica do Projeto Somar – e o texto “Agentes Privados de Assistência Técnica nos Assentamentos Rurais” – que não estava previsto na estrutura original e foi proposta de discentes da disciplina de Experiências em Extensão Rural como derivação da análise do pluralismo institucional da extensão rural no Rio Grande do Sul.8
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Uma versão desse texto foi apresentada originalmente na XV Jornadas Nacionales de Extension Rural y VII del Mercosur, em 2010, sob o título “A estrutura organizacional no modelo de Ates no RS”. 5 Uma versao original foi apresentada no IV Simpósio sobre Reforma Agrária e Assentamentos Rurais, realizado em 2010, sob o título: “Contratos de Ates no Brasil: a elaboração das metas contratuais na prestação de serviços”. 6 Uma versão original foi apresentada no IV Simpósio sobre Reforma Agrária e Assentamentos Rurais, sob o título “Comprometimento com o programa de Ates: reflexões sobre o modelo utilizado no Rio Grande do Sul.” 7 Correspondendo ao conteúdo de um relatório parcial apresentado ao Incra em 2011, relativo ao Projeto dos Articuladores resultante de parceria UFSM – Incra/RS. 8 Foi publicado originalmente em 2010, como trabalho apresentado no IV Simpósio sobre Reforma Agrária e Assentamentos Rurais, sob o título “A Orientação Técnica Rural Pluralista em Assentamentos na Região Cento do RS.”
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A parte IV constitui-se como “Reflexões em torno do método e da proposta da Ates para o desenvolvimento dos assentamentos.” Esta parte é composta pelos seguintes textos: “Transições metodológicas: atuação extensionista na elaboração dos PDA e PRA na Ates do RS” – que aborda temática que estava contemplada na estrutura original9 –, “Estratégias de mercantilização em assentamentos: leituras conflitantes dos agentes da assistência técnica” – o qual estava previsto na estrutura original desta obra,10 e o texto “Aprendizados de uma Ates em busca do desenvolvimento”, preparado exclusivamente para esta obra, que retoma aportes dos diferentes trabalhos individuais com vistas a uma primeira aproximação a “aprendizados” e identificação de desafios. Esperamos que o leitor identifique, ao longo da obra, nossa intenção – como trabalhadores de uma instituição pública – de contribuir num processo que se julga socialmente necessário e justificável. Nossas limitações e condicionantes na elaboração do trabalho são muitos, mas ressalta-se a disposição de compartilhar nossos aprendizados para que outros – os leitores – possam dar continuidade a este trabalho, apenas iniciado.
Os organizadores
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Uma versão original foi apresentada no evento correspondfente a XV Jornadas Nacionales de Extension Rural y VII Del Mercosur, em 2010, sob o título: “Diagnósticos na Ates por contrato: priorizando produtos ou processos?” 10 Uma versão original desse trabalho foi apresentada no evento referente a XV Jornadas Nacionales de Extension Rural y VII del Mercosur, em 2010, sob o título “Matriz produtiva e acesso a mercados em assentamentos da reforma agrária no Rio Grande do Sul: uma análise crítica dos objetivos da Ates à realidade.”
PARTE 1
TENDÊNCIAS INSTITUCIONAIS NA EXTENSÃO RURAL
CONSENSOS E DISSENSOS DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL SOBRE A ATUAÇÃO DO ESTADO NO DESENVOLVIMENTO Benito Armando Solis Mendoza Vivien Diesel
Fritz e Rocha Menocal (2006) constataram que, em meados dos anos 2000, as agências de cooperação internacional reconheceram que seus esforços estavam tendo resultados limitados em termos de desenvolvimento dos países beneficiados pela ajuda, pois se constatava que enquanto em alguns países a ajuda contribuiu para incrementar a capacidade de lidar com questões do desenvolvimento, em outros gerou incentivos perversos ou negativos, muitos destes não intencionados. Perceberam, assim, a necessidade de discutir a conjuntura da cooperação internacional e revisar a orientação até então adotada. A análise da conjuntura da cooperação internacional para o desenvolvimento revelou que se vivenciava um momento de transição, com a passagem de uma estrutura concentrada (em que os Estados Unidos respondiam por quase 90% dos recursos) para uma estrutura pulverizada, marcada por um grande crescimento do número de doadores, que somavam – na época da avaliação – mais de 90 agências, com perspectivas de ampliação deste número no futuro. A análise de conjuntura revelava, também, que os doadores não mantinham fortes vínculos entre si, o que
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resultava numa indesejada fragmentação dos esforços da ajuda, com possibilidade de se verificar multiplicidade de propósitos e agendas da cooperação internacional em um mesmo país. Diante desse contexto, mais de cem doadores internacionais e representantes de países reuniram-se em Paris, em 2005, buscando o estabelecimento de consensos para reorientar a atuação dos doadores. Desta iniciativa surgiu a “Declaração de Paris”, que destaca a disposição à ação coordenada entre as agências de cooperação. Além da disposição à ação coordenada, foram acordados outros princípios norteadores da atuação das agências de cooperação, constantes na “Declaração de Paris”, e esses tratam, essencialmente, de uma reorientação das estratégias de atuação ante os governos dos países a quem se destina a ajuda. Para entender a ênfase dada à questão da relação com os governos é necessário considerar que a partir da década de 80, na tentativa de resguardar a ajuda dos efeitos perversos de governos ineficientes e corruptos, grande parte das agências de cooperação vinha canalizando seus recursos à margem dos governos – via Organizações Não Governamentais (ONGs), por exemplo. A avaliação posterior dessa estratégia revelou a restrição do alcance das iniciativas financiadas e problemas de sustentabilidade financeira dessas organizações. Com base neste cenário as agências de cooperação, por ocasião do encontro em Paris, discutiram sua posição com relação aos governos dos países receptores e acordaram um conjunto de novos princípios para balizar sua atuação, em que se destacam a disposição para direcionar parte significativa dos recursos internacionais à composição dos orçamentos nacionais, a ênfase no desenvolvimento de capacidades dos países receptores e o respeito à agenda de desenvolvimento própria dos países receptores. Uma análise dos princípios acordados revela que a nova orientação da cooperação internacional foi construída sobre o pressuposto de que a boa atuação do Estado mostra-se como uma condição essencial para o
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desenvolvimento de um país, de modo que as deficiências na sua atuação constituiriam a maior barreira para o desenvolvimento de países pobres. Assim, instala-se um debate sobre como a cooperação internacional poderia aumentar sua efetividade ao ajudar a construir Estados mais fortes, eficazes e bem governados em países em desenvolvimento. Fritz e Rocha Menocal (2006) reconhecem que os princípios eleitos na “Declaração de Paris” convergem no sentido de reforçar a capacidade e autonomia do governo do país receptor da ajuda e destacam que essa tomada de posição se fez num momento em que a academia vinha ressaltando a importância das instituições, e consequentemente do Estado, no desenvolvimento. Embora se verifique maior consenso em torno da necessidade de intervenção do Estado, para os autores não há consenso sobre como as agências de cooperação deveriam atuar para ajudar a construir Estados mais fortes, eficazes e bem governados em países em desenvolvimento. Perante a constatação dos dissensos acadêmicos, Fritz e Rocha Menocal (2006) desenvolveram um esforço investigativo com vistas a situar a posição assumida pelas agências de cooperação. Tal esforço está sintetizado na obra (Re)building Developmental States, na qual os autores apresentam, inicialmente, os modelos normativos sobre o papel do Estado no desenvolvimento recomendados pelas agências de cooperação internacional a partir do pós-guerra, seguem com a apresentação da discussão atual em torno às estratégias para fortalecimento dos Estados, situando e analisando criticamente a posição assumida na “Declaração de Paris”. Entendemos que a revisão do texto (Re)building Developmental States se torna oportuna, nesse momento, por que remete a questões centrais e recorrentes na discussão sobre desenvolvimento, a saber: Qual o papel do Estado? Quais as limitações enfrentadas para o bom exercício desse papel? Assim, neste texto não pretendemos apresentar uma ampla revisão ou uma reflexão original sobre o papel do Estado no desenvolvimento. Buscamos, tão somente, recolher subsídios suficientes para
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contextualizar as discussões que se estabelecem nos demais capítulos da presente obra, e que se referem à atuação do Estado – via assessoria técnica, social e ambiental – no desenvolvimento dos assentamentos de reforma agrária. Encontramos no texto de Fritz e Rocha Menocal (2006) subsídios considerados oportunos e, por isso, seu trabalho constitui a fonte majoritária das informações e reflexões aqui apresentadas.
EVOLUÇÃO DOS CONSENSOS E DISSENSOS ACERCA DA ATUAÇÃO DO ESTADO NO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Os autores Fritz e Rocha Menocal (2006) observam que especialistas e analistas políticos têm debatido muito, nos últimos 50 anos, sobre o papel do Estado na promoção do crescimento econômico e progresso social no mundo em desenvolvimento, observando-se ora a defesa e ora a crítica ao modelo de Estado Desenvolvimentista. A partir desta contextualização apresentam um relato da evolução da orientação normativa das agências de cooperação internacional nas décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial. Nas duas décadas que seguem a Segunda Guerra Mundial, quando diversos Estados da África e Ásia conquistaram sua independência, as agências de cooperação encorajaram e apoiaram a formação de Estados Desenvolvimentistas, buscando favorecer os processos de industrialização e investimento econômico. Ao final da década de 70 e início da década de 80, os Estados Desenvolvimentistas – criados nas décadas anteriores – entraram em crise na África, no Leste Europeu e na América Latina levando a um repensar sobre o modelo de Estado a ser apoiado pela cooperação internacional. Num contexto de crescente débito e instabilidade macroeconômica, os Estados Desenvolvimentistas passaram a ser percebidos como ineficientes e causadores de distorções econômicas. Argumentava-se que os governos de Estados Desenvolvimentistas mostravam-se esbanjadores
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de recursos (com criação e manutenção de empresas estatais altamente ineficientes), estavam sujeitos à captura por grupos de interesses privadose eram incapazes de administrar políticas protecionistas sem causar prejuízo ao abastecimento interno. Ou seja, em síntese, argumentava-se que os Estados Desenvolvimentistas mostravam-se incapazes de conduzir processos de crescimento econômico de modo sustentado. No começo da década de 80, num cenário de grandes críticas aos Estados Desenvolvimentistas, formou-se uma coalizão entre acadêmicos, elaboradores de políticas públicas e elites políticas defendendo o abandono deste modelo e retorno à economia baseada no livre mercado. Adotando esta postura, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM) impuseram a adoção de um conjunto de políticas econômicas de corte neoliberal que convergiram no que veio a ser conhecido como “Consenso de Washington”. No centro do ideário neoliberal estava a insistência de que países recebedores de ajuda externa deveriam adotar programas de ajuste estrutural criados para reduzir o tamanho e o alcance de atuação do Estado, e confiar no livre-mercado como a estratégia mais indicada para a alocação de recursos e promoção do crescimento econômico. Assim, as principais recomendações para a gestão macroeconômica incluíam desregulamentação, liberalização do comércio (eliminação de barreiras protecionistas) e fortalecimento do setor privado na economia. Apesar de a política de ajuste estrutural ter contribuído, em muitos casos, para o restabelecimento da estabilidade macroeconômica, as experiências históricas deixaram evidente que isso sempre foi alcançado em prejuízo da provisão e oferta de serviços sociais básicos – especialmente para os mais pobres – uma vez que ONGs e empresas privadas não foram capazes de substituir o Estado neste âmbito. Adicionalmente, em muitos casos a privatização de empresas estatais criou novos monopólios privados, não se alcançando a almejada concorrência na oferta de bens e serviços – com seus benefícios esperados em termos de redução de preços e incremento da qualidade.
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As evidências dos efeitos indesejados da privatização fez com que na metade da década de 90 a questão do papel do Estado fosse novamente posta em discussão, desta vez contando-se com as evidências e aprendizados propiciados pelas experiências bem-sucedidas dos Estados Desenvolvimentistas do Leste Asiático. Fritz e Rocha Menocal (2006) destacam que o “World Development Report”, de 1997, foi dedicado ao tema de “Repensar o Estado” e, neste, reconheceu-se que a atuação do Estado é central para o desenvolvimento econômico e social, passando a se considerar que a qualidade da atuação do Estado é chave na explicação de porque alguns países têm sucesso na promoção do desenvolvimento enquanto outros falham. Nesse mesmo período, segundo os autores, estudiosos da economia também passaram a evidenciar a importância das instituições no desenvolvimento. Tais discussões permitiram que se formulasse uma nova concepção normativa de Estado Desenvolvimentista, que propõe que este deve manifestar claro comprometimento com uma agenda nacional de desenvolvimento, deve ter sólida capacidade e alcance, deve promover o crescimento tanto quanto a redução da pobreza e assegurar a provisão de serviços públicos. Em meados da década de 90, ao mesmo tempo em que se restabelecia certo consenso quanto à importância do Estado e eram formulados novos modelos normativos com expectativas de ampliação da intervenção do Estado no âmbito econômico, a agenda da cooperação internacional passa a dar maior destaque à agenda da “boa governança”. Para Fritz e Rocha Menocal (2006), este novo foco no debate frustra certas expectativas porque se distingue por trazer ao centro da discussão a questão de “como” os Estados podem governar, ao invés de tratar de “o que“ os Estados podem (ou não podem) fazer (foco da discussão entre defensores do Estado Desenvolvimentista). Segundo Fritz e Rocha Menocal (2006), a priorização da agenda da boa governança teria sido favorecida pela onda de democratização e defesa de direitos humanos, que veio se fortalecendo desde a década de 80. Os autores consideram que, embora o conceito de “boa governança”
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permaneça relativamente vago e mal definido, significando diferentes coisas para diferentes pessoas, identificam que, na sua essência, remeteria a uma preocupação acerca das regras e práticas segundo as quais os governos são escolhidos, e como o poder e a autoridade são exercidos pelo Estado. Assim, os programas postos em prática sob a agenda da “boa governança” pelas agências de cooperação poderiam ser caracterizados a partir de suas três grandes linhas de atuação: i) relativos à capacidade burocrática do Estado: incluindo questões relacionadas à gestão financeira e administração pública, entre outras; ii) relativos à prestação de contas e controle: incluindo questões de participação, transparência, imprensa e sociedade civil, papel da lei, controle do Executivo, representação democrática, entre outros e iii) relativos a desempenho: incluindo questões relacionadas ao controle da corrupção, oferta de serviços e resultados das políticas, entre outros. Fritz e Rocha Menocal (2006) argumentam que a orientação da cooperação com vista ao estabelecimento de modelos ideais de “boa governança” visa à superação de problemas frequentes como a “captura” e falta de transparência de muitos governos, mas apresenta alguns pontos passíveis de crítica. Para os autores, muitas vezes as propostas das agências de cooperação são pouco realistas, posto que se exigem certos parâmetros com relação à qualidade dos governos que vão além do necessário ou mesmo são inalcançáveis por muitos países pobres. Além disso, as mudanças propostas não constituem necessariamente pré-requisitos do desenvolvimento, pois existiriam diversas evidências de que o desenvolvimento é possível mesmo com Estados com perfil não correspondente ao que é definido como “bom governo”. Um dos principais problemas da agenda da “boa governança” é de que ela estaria secundarizando a discussão sobre a atuação do Estado no âmbito do desenvolvimento econômico. Segundo estes autores tal secundarização estaria prejudicando a almejada consolidação de Estados democráticos.
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Um amplo levantamento realizado em países menos desenvolvidos quanto à atuação do Estado no âmbito econômico e político evidenciou que, em meados dos anos 2000, vivia-se um cenário muito distante do desejável. No âmbito econômico, embora tenham sido realizadas reformas privatizantes e adotadas outras políticas que contribuíram para a estabilidade macroestrutural, decresceu a efetividade do Estado no período de 1996 a 2004 (medida por índice criado pelo Banco Mundial) e diversas evidências apontam que o Estado não tem se mostrado um “bom regulador” da economia, como se almejava. No plano político, embora a maioria dos Estados venha realizando a transição para democracia formal, apresentam-se ainda como democracias frágeis, sendo mais bem caracterizados como Estados “híbridos”. Estes Estados “híbridos” encontrariam diversos desafios, tendo em vista que a democratização implicaria significativos riscos, pois na transição democrática geralmente são criadas expectativas que não podem ser satisfeitas sem prévio crescimento econômico. Tais circunstâncias estariam favorecendo a perpetuação de sistemas clientelistas, pois o controle social pelos cidadãos não se mostra suficiente para desarticular a concentração de poder previamente existente. Com base em suas reflexões, Fritz e Rocha Menocal (2006) apontam para a oportunidade de a cooperação internacional adotar perspectivas mais realistas, com proposição de modelos de Estados “suficientemente bem governados”, conferindo maior ênfase na discussão acerca da sua atuação no âmbito do desenvolvimento econômico.
DESAFIOS PARA FORMAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DE ESTADOS DESENVOLVIMENTISTAS Nas palavras de Fritz e Rocha Menocal (2006), a formação e consolidação de Estados Desenvolvimentistas requerem, num primeiro momento, o exame das contribuições da literatura no sentido de identificar os condicionantes que tornam o Estado mais ou menos efetivo em sua
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atuação na promoção do desenvolvimento. Ao refletir sobre a literatura, os autores reconhecem a importância das explicações aportadas na economia política, que apontam que Estados bem-sucedidos na promoção do desenvolvimento têm uma “burocracia autônoma, mas enraizada” e líderes qualificados. Estados bem-sucedidos geralmente dispõem de um serviço público competente e orientado para resultados, em que servidores são selecionados com base em princípios de meritocracia e com planos de carreira de longo prazo e que, por isso, são menos vulneráveis aos poderes de captura dos grupos orientados ao rent seeking. Ressalta-se, entertanto, que este serviço público deve ser, ao mesmo tempo, um serviço público permeável às demandas e necessidades da sociedade. A qualidade da liderança política, por sua vez, condiciona a qualidade e autonomia da burocracia e, por isso, espera-se desta um forte comprometimento com o desenvolvimento do país, mais do que uma orientação de governar para o benefício de uns poucos indivíduos ou grupos. Partindo dessas observações Fritz e Rocha Menocal (2006) questionam-se sobre as implicações dessas constatações para a atuação da cooperação internacional quando esta visa a fortalecer o Estado. Como a qualidade da liderança política revela-se um componente condicionante do sucesso dos Estados em sua atuação no desenvolvimento, os autores propõem-se a examinar como têm se comportado as agências nesse aspecto. Ao analisar a atuação das agências de cooperação no âmbito da política os autores consideram que estas têm sido relutantes em reconhecer explicitamente a importância dos aspectos políticos no desenvolvimento e, assim, têm optado por uma postura tecnocrática, limitando-se a se relacionar com tecnocratas do governo e de ONGs e fornecer o que
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consideram oportuno, sobretudo aconselhamento em questões técnicas. Este tipo de postura, no entendimento dos autores, traz um conjunto de limitações para a maior efetividade da ajuda: – ao abster-se de atuar no âmbito político, as organizações de cooperação estão propondo ações de caráter paliativo – que não atingem a raiz dos problemas e por isso não lhes garantem soluções efetivas; – a política de cooperação para o desenvolvimento, ao desconsiderar o cenário político onde atua, pode estar em dessintonia com a orientação do conjunto da política externa do país doador, uma vez que esta última orienta-se por interesses estratégicos num marco de competição geopolítica e – enquanto a ajuda pode ser efetiva para países que já têm capacidade administrativa, comprometimento com o desenvolvimento e cuja atuação não está prejudicada pela “captura” pelas elites, pode contribuir para reforçar o status quo ou para sustentar no poder maus governos. Diante desse quadro – que aponta o risco de que a ajuda internacional possa favorecer a sustentação de “maus governos” – a simples decisão de priorizar países com “bons governos” não constituiria, para os autores, uma saída recomendável. A estratégia de apoiar somente países com melhores governos ou mais comprometidos com reformas poderia ser inviável devido à dificuldade de construção de consenso entre agências de cooperação sobre quais seriam os países merecedores de ajuda e tal decisão também poderia levá-las a se afastar dos mais pobres que, frequentemente, têm “maus governos”. Assim, cria-se um dilema com relação a como proceder perante países pobres, muito dependentes da cooperação, mas com “maus governos”.1
1
Cabe considerar que são esses países que haveriam de constituir a prioridade das agências de cooperação para que se alcancem os MDG (Millenium Developmental Goals), mas ajudá-los significaria, também, canalizar recursos que mantém o status quo político, que não favorecem a capacidade de arrecadação e que não contribuem para a organização da sociedade civil no controle do Estado.
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Assim, o desafio posto para as agências de cooperação é o de distinguir formas de contribuir para a formação de Estados mais capazes, Estados Desenvolvimentistas. No entendimento dos autores tais propósitos poderiam ser alcançados se houvesse avanços nos seguintes aspectos: – contemplar a questão política na agenda da cooperação para o desenvolvimento; – ser mais realista com relação às estratégias de desenvolvimento de capacidades nos Estados receptores de ajuda e – construir mais incentivos no sistema de cooperação para melhorar a capacidade e qualidade dos governos. Para Fritz e Rocha Menocal (2006), contemplar a questão política supõe uma melhor compreensão sobre a influência da política nos processos de desenvolvimento, uma avaliação mais profunda da situação política dos Estados em que se intervém, adotando uma avaliação realista sobre os avanços que podem ser alcançados, um esforço de articular as ações de cooperação com a política externa dos países doadores em torno de um projeto de longo prazo para o país receptor e, sobretudo, apoiar processos de transição democrática onde estes se encontram limitados pelos grupos no poder. Ou seja, a atuação na área política haveria de perseguir o propósito de empoderar grupos domésticos e apoiar coalizões para realizar reformas e buscar incentivos para o fortalecimento de governos mais orientados ao desenvolvimento. Para avançar em relação à formação de capacidades de atuação dos Estados recebedores de ajuda caberia reconhecer, também, a tendência histórica das organizações de cooperação internacional de trabalharem com “receitas” e estabelecerem objetivos pontuais para os programas de ajuda. Esta lógica haveria de ser invertida procurando-se trabalhar com visão de médio prazo (investindo, por exemplo, na formação universitária em áreas importantes como Estatística, Contabilidade, Administração
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Comercial), estabelecendo-se sistema de avaliação dos impactos de médio prazo das políticas e considerando as capacidades das burocracias instaladas e oportunidades das inovações administrativas locais. Ao tratar das formas como a cooperação internacional poderia contribuir para a constituição de melhores governos sugere-se, ainda, flexibilizar a disponibilização de fundos (fornecendo fundos adicionais para governos transparentes e comprometidos com reformas pró-desenvolvimento e, eventualmente, apoiando financiamento de grandes projetos), buscar formas de estimular o esforço doméstico (mediante cofinanciamento das ações, por exemplo) e ajustar as políticas de cooperação em torno destes objetivos.
CONSIDERAÇÕES SOBRE A PROPOSTA DE REFORÇO AOS ESTADOS DESENVOLVIMENTISTAS NO CENÁRIO ATUAL Buscando desenhar o cenário futuro da cooperação para o desenvolvimento, Fritz e Rocha Menocal (2006) observam que as evidências indicam que Estados Desenvolvimentistas não emergem do dia para a noite onde nunca existiram, ou onde sua formação se viu prejudicada pela década perdida, e que fatores externos (entre eles a ajuda internacional) podem ter um papel muito limitado nesse sentido. Entendem, contudo, que o cenário aponta para um maior comprometimento das organizações de cooperação internacional com a resolução dos problemas de desenvolvimento de países pobres – que haviam sido esquecidos no passado – e que essas reconhecem a importância da atuação dos Estados Nacionais, criando-se, assim, um ambiente favorável às políticas de apoio à construção das suas capacidades.2
2
É necessário lembrar que o foco sobre a atuação do Estado traz à cena um conjunto de problemáticas relacionadas a esta agenda, como a questão da corrupção, dos Estados frágeis, da apropriação das políticas de cooperação pelos governos, da boa governança e da atuação do Estado no desenvolvimento econômico, entre outras, sobre os quais
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Em publicações posteriores do Overseas Development Institute (ODI), revela-se a persistência do debate em torno da questão da construção das capacidades dos governos recebedores de ajuda e o reconhecimento da importância dos aspectos políticos no desenvolvimento. No trabalho de Whaites (2008), por exemplo, ao reconhecer a importância do Estado no desenvolvimento, busca-se estabelecer consensos acerca de conceitos básicos relativos à temática, explicitando-se a noção de state building. Propõe-se interpretar o state building em termos genéricos compreendendo-o como um processo por meio do qual o Estado pode melhorar sua capacidade de desempenhar o papel dele esperado mediante o aprimoramento de suas estruturas para alcance dos objetivos do governo. Assim, considera-se que o papel a ser desempenhado pelo Estado variará (afetado pela cultura política e conjuntura) e pode, ou não, enfatizar questões relacionadas à geração de bens públicos. Para o autor, embora se destaque o desejo de que se persiga o caminho de reforço da capacidade de gestão econômica e inclusão social, isso nem sempre seria assim e como este é um processo nacional, interno, afetado por dinâmicas de políticas locais, a cooperação internacional tem de reconhecer o limite de sua capacidade de intervenção. O trabalho de Commins, Rocha Menocal; Othieno (2009), também do ODI, reforça a perspectiva de Whaites (2008) ao argumentar sobre a relevância da história política do país na explicação das configurações observadas em dado momento. Estas interpretações, ao mesmo tempo em que apontam para a relevância que vem assumindo a discussão em torno das estratégias para aprimoramento das capacidades de atuação dos Estados Nacionais, revelam também a importância atribuída à máxima, apontada por Maxwell (2005), que identifica um consenso entre agentes da cooperação
existem muitas controvérsias. São questões que, desde então, permanecem no centro do debate sobre o desenvolvimento, como pode ser observado na obra de Cornwall e Eade (2010).
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internacional em torno da negação de proposição de modelos universais e valorização de proposições particularistas, do tipo caso a caso. Isso poderia implicar uma relativização, inclusive, da recomendação de formação de Estados Desenvolvimentistas. No Brasil a discussão em torno do retorno do “Estado Desenvolvimentista” ainda não reassumiu grande vulto e pode aparecer transfigurada no debate sobre “o novo desenvolvimentismo” (Sicsu; Paula; Michel, 2007). Conforme Boschi (2010), no Brasil as reformas neoliberais foram atenuadas pela mobilização da sociedade, de forma que se manteve um modelo de Estado com traços desenvolvimentistas e as crises internacionais recentes, de 2009, teriam reforçado a percepção de oportunidade deste modelo. De qualquer modo, tais discussões em torno do modelo de Estado e da proposta de Estado Desenvolvimentista remetem ao relativo consenso em torno da ideia de que a transição para uma sociedade mais justa e ambientalmente adequada requer forte presença e intervenção do Estado. Os termos em torno dos quais os consensos são constituídos, no entanto, podem esconder muitos dissensos e, portanto, estar sujeitos a múltiplas interpretações de forma que mais estudos sobre esse tema parecem bem-vindos por que constituem o cenário que permite a consolidação de iniciativas como aquelas que serão objeto de estudo no presente livro – a questão da intervenção do Estado no desenvolvimento rural via assessoria técnica, social e ambiental e, mais especificamente, no âmbito da reforma agrária. Do mesmo modo, a discussão que foi aqui recuperada remete para um relativo consenso sobre a oportunidade de se aplicar a noção de “autonomia enraizada” na gestão pública. Se, por um lado, o Estado requer uma burocracia capaz, comprometida com o desenvolvimento e livre de captura pelas elites, esta burocracia deve estar a serviço de projetos de desenvolvimento construídos democraticamente. Tal reflexão torna-se
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relevante no contexto de elaboração deste livro que se justifica como um esforço de aprender com a experiência num processo de parceria entre universidade e organização pública.
REFERÊNCIAS BOSCHI, R. Estado desenvolvimentista no Brasil: continuidades e Incertidumbres. Ponto de vista, n. 2, fev. 2010. COMMINS, S.; ROCHA MENOCAL, A.; OTHIENO, T. States in Development: Testing the State Building Framework: Final Report. ODI/ HLSP, 2009. CORNWALL, A.; EADE, D. (Eds.). Deconstructing Development Discourse: Buzzwords and Fuzzwords. Rugby (UK): Practical Action Publisching/ Oxfam, 2010. FRITZ, V.; ROCHA MENOCAL, A. (Re)building Developmental States: From Theory to Practice. London: ODI, 2006. Working Paper 274. MAXWELL, S. The Washington Consensus is dead! Long live the Meta Narrative!. Londres: Overseas Development Institute, 2005. Working Paper n. 243. SICSU, J.; PAULA, L. F. de; MICHEL, R. Por que novo-desenvolvimentismo? Revista de Economia Política, v. 27, n. 4(108), p. 507-524, out./ dez. 2007. WHAITES, A. States in Development: Understanding State-Building: A DFID Workin Paper. DFID, 2008.
A CONSTRUÇÃO DE CONSENSOS SOBRE O FUTURO DA EXTENSÃO RURAL NAS ORGANIZAÇÕES DE COOPERAÇÃO INTERNACIONAL Vivien Diesel
Em 1995 um conjunto de organizações de cooperação internacional, financiadoras de iniciativas de desenvolvimento agrícola para a região da África Subsaariana reuniu-se em Neuchâtel, Suíça, e decidiu estabelecer um diálogo sobre a orientação de suas ações no âmbito da extensão rural.1 Constituiu-se, assim, a Iniciativa de Neuchâtel, 2 como grupo de discussão informal, com participação de representantes de importantes organizações de cooperação bilateral e multilateral.3
1
Conforme registros de SDC ([2007?]) representantes de várias agências não concordavam com a ênfase que o Banco Mundial dava, na época, ao enfoque Treino e Visita (T&V) e esta teria sido uma das motivações para a realização de um encontro para confrontar perspectivas para a extensão agrícola. 2 Em alguns documentos aparece denominada como Grupo de Neuchâtel. 3 Torna-se difícil estabelecer a composição exata do “Grupo Neuchâtel”, pois o grupo se estruturou valorizando a informalidade. Apesar dessas dificuldades, divulga-se um documento intitulado “Organisations engaged in the Neuchâtel Initiative” no site do GFRAS (www.g-fras.org). Nesse documento são incluídas como organizações engajadas na Iniciativa de Neuchâtel, organizações de cooperação bilateral e multilateral como ADA (Austrian Development Agency), AFD (Agence Française de Développement), DFID (Department for International Development), European Commission (DG Development), FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations), GTZ (Deutsche Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit mbH), Ifad (International Fund for Agricultural Development), Ministry of Foreign Affairs of Denmark, SDC (Swiss Agency for Development and Cooperation), Sida (Swedish International Development Cooperation Agency), Usaid (US Agency for International
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Desde sua formação a Iniciativa de Neuchâtel caracterizou-se pela criação de espaços de discussão sobre o futuro da extensão rural, almejando a construção de consensos entre as agências de cooperação. Essa iniciativa, entretanto, se distinguia por constituir um espaço para aprendizado compartilhado, em que os participantes não estariam presentes como representantes oficiais de suas organizações, mas como agentes que detêm experiências singulares no âmbito da promoção do desenvolvimento agrícola e rural e que buscam, por meio do estudo e discussão das mesmas, aperfeiçoar sua atuação. Assim, a Iniciativa foi idealizada como espaço no qual se poderiam delinear estudos estratégicos, construir consensos em torno de temáticas específicas e consolidar relações entre agências de cooperação de modo informal. Estimava-se, também, que esse processo poderia vir a facilitar futuras ações coordenadas entre as agências de cooperação (SDC, [2007?]). A proposta organizativa da Iniciativa de Neuchâtel buscou assegurar, então, sua informalidade, prevendo apenas a realização de um encontro anual, sem constituição de estrutura de secretariado permanente. O primeiro encontro anual realizou-se em Neuchâtel, Suíça, em 1995, e o último em 2009, em Assis, Itália. Nesse encontro de Assis os participantes reconheceram a necessidade de estabelecer um fórum global – com uma estrutura mais formal e com um secretariado – que pudesse fazer a defesa dos serviços de extensão em âmbito global. Decidiu-se, assim, pela estruturação do que veio a ser conhecido como GFRAS
(Global
Development), World Bank. Além disso menciona-se a participação de representantes de outras organizações de apoio ao desenvolvimento rural, como de Agridea (Swiss Centre for Agricultural Extension and Rural Development), Cirad (Centre de coopération internationale en recherche agronomique pour le développement), CTA (Technical Centre for Agricultural and Rural Cooperation ACP-EU), Danish Agricultural Advisory Centre, DIIS (Danish Institute for International Studies), Iram (Institut de recherches et d'applications des méthodes de développement), ISG (International Support Group), Inter-Réseaux Développement Rural, Natural Resources Institute, ODI (Overseas Development Institute), University of Natural Resources and Applied Life Sciences Vienna.
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Forum Rural Advisory Services),4 de modo que a Iniciativa de Neuchâtel dissolveu-se em 2010, para dar lugar a esse novo formato de organização (Rimisp; GRFAS; AFAAS, 2010). Para conhecer a contribuição da Iniciativa de Neuchâtel na discussão sobre o futuro da extensão rural é necessário considerar que cada encontro estruturou-se em torno de uma temática central e, quando necessário, os participantes organizaram-se previamente com vistas a reunir subsídios para discussão no evento (mediante formação de grupos de trabalho e realização de estudos de caso ou preparação de documentos normativos). Como resultado desse processo, no contexto da Iniciativa de Neuchâtel, foram produzidos documentos que revelaram as temáticas consideradas relevantes pelo grupo e que constituem, hoje, importantes referentes para a extensão rural. Os principais documentos produzidos pela Iniciativa de Neuchâtel foram: “Common Framework on Agricultural Extension” (1999), “Guidelines for Monitoring, Evaluation and Joint Analysis of Pluralistic Extension Support” (2000), “Common Framework for Financing Agricultural and Rural Extension” (2002), “Common Framework for Supporting Pro – Poor Extension” (2003), “Common Framework for Demand Driven Agricultural Advisory Services” (2006), e “Common Framework for Market Oriented Advisory Services” (2008). Dentre os diversos documentos, consideramos de especial relevância o “Common Framework on Agricultural Extension”, publicado em 1999. A esta publicação seguiu-se o “Guide for Monitoring, Evaluation and Joint Analysis of Pluralistic Extension Support”, documento elaborado por Ian Christoplos e Andrew Kidd, e publicado em 2000, que se propõe a traduzir os princípios colocados no “Common Framework...” com vistas a facilitar e monitorar a execução destes. Entendemos que esses documentos constituem a base da proposta do pluralismo institucional na
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Maiores informações podem ser obtidas pela consulta a Christoplos (2010) ou site (<www.g-fras.org>).
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extensão rural, uma proposta que será reforçada, mais tarde, em 2002, quando se realiza um amplo workshop, em Washington, sobre o futuro da extensão rural. O presente capítulo tem como objetivo caracterizar os consensos construídos no âmbito da Iniciativa de Neuchâtel acerca do futuro da extensão rural. No âmbito desses consensos, temos particular interesse naqueles que se referem ao modelo institucional, compreendendo o marco discursivo dentro do qual se justifica a proposta de pluralismo na extensão rural. Partimos do suposto de que o pluralismo institucional na extensão rural alcança significativa legitimidade política na medida em que remete a um consenso construído no âmbito da Iniciativa de Neuchâtel e, também, porque para ele converge a discussão sobre reforma institucional das organizações de extensão rural – que se realizava no âmbito do Banco Mundial desde o início da década de 90. Assim, visualizamos no pluralismo institucional uma convergência de propostas de duas referências importantes na discussão do futuro da extensão rural: Iniciativa de Neuchâtel e Banco Mundial. Com base nesses supostos, estruturamos o texto de forma a apresentar, inicialmente, o marco discursivo construído no âmbito da Iniciativa de Neuchâtel (tomando por base o “Common framework...”) para, na sequência, examinar como se chega ao pluralismo na discussão sobre reformas da extensão rural no âmbito do Banco Mundial para, por fim, detalhar alguns de seus pressupostos básicos. Reconhecemos, entretanto, que nos restringimos a uma abordagem genérica desse amplo tema, uma vez que pretendemos, apenas, criar contexto adequado para a exposição dos demais capítulos desta obra.
MARCO REFERENCIAL PARA A EXTENSÃO RURAL PROPOSTO PELA INICIATIVA DE NEUCHÂTEL O documento “Common Framework...” revela que os participantes da Iniciativa de Neuchâtel construíram um consenso em torno de seis compromissos e seis princípios para a extensão agrícola.
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Os compromissos tratam do comportamento que as agências de cooperação internacional haveriam de adotar no apoio à extensão rural. A postura sugerida para as agências de cooperação compreende: – negociar a construção das políticas nacionais de apoio à extensão com os atuais stakeholders dos países receptores; – considerar a viabilidade financeira no longo prazo das atividades de extensão propostas; – incluir estratégias de “retirada da ajuda” em todos os planejamentos; – facilitar o financiamento de iniciativas dos agricultores ou suas entidades; – assegurar que todas as atividades de extensão estejam amparadas pela capacitação agrícola, organização dos agricultores e pesquisa agrícola e – estabelecer íntima coordenação entre as agências de cooperação. Uma das possibilidades de interpretar estes princípios é considerar que dois deles se referem a questões do comportamento político a ser adotado pelas agências de cooperação, dois se referem à postura relativa à vigência das ajudas financeiras internacionais e outros dois dizem respeito a prioridades de financiamento. Com relação à questão do comportamento político das agências de cooperação, um dos compromissos assumidos refere-se ao reconhecimento da necessidade de adotar uma postura de “negociação” com os stakeholders locais quanto às ações a serem apoiadas. Tal compromisso desautoriza posturas de construção unilateral de propostas, implicando negociação em torno de propostas flexíveis, pois as ações que vão ser postas em prática devem ser definidas de comum acordo entre as partes interessadas. Questiona-se, consequentemente, a oportunidade de apresentação de modelos para a reforma da extensão rural nos países recebedores de ajuda internacional, pois, nestes casos, não haveria margem de negociação. Outro compromisso relativo aos aspectos políticos
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refere-se às relações das agências de cooperação entre si – que devem ser coordenadas – evitando-se dificuldades encontradas no passado: de ações pulverizadas, sobrepostas ou divergentes.5 O segundo conjunto de compromissos relaciona-se à concessão de recursos financeiros, evidenciando-se preocupação com a questão da sustentabilidade das iniciativas. Recomenda-se considerar a viabilidade financeira das iniciativas no longo prazo e planejar “estratégias de retirada” da ajuda financeira externa. Tal preocupação é justificada com base nas experiências pregressas de insustentabilidade das iniciativas promovidas pelas agências de cooperação após a retirada da ajuda financeira. O terceiro conjunto de compromissos diz respeito a condicionantes ao financiamento: preconiza-se a priorização do financiamento à iniciativa de agricultores ou suas organizações6 e recomenda-se que seja viabilizado o suporte necessário para alcançar os objetivos preconizados, em termos de capacitação, organização e pesquisa. Entende-se que esse rol de compromissos mencionados aponta para as motivações de constituição da Iniciativa de Neuchâtel – descontentamento das agências de cooperação com a diversidade de orientações sobre uma mesma temática – e, também, a disposição a adotar uma postura cautelosa, com priorização de financiamento de iniciativas de extensão rural que preencham um conjunto de requisitos como: assegurem o comprometimento e envolvimento dos stakeholders locais, mantenham vínculo com agricultores e com outras organizações de apoio (pesquisa, por exemplo) e evidenciem compromisso de continuidade após a retirada da ajuda financeira externa.
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Verifica-se que o conjunto desses princípios está de acordo com o que foi preconizado na Declaração de Paris (2005) – discutida no primeiro capítulo deste livro– revelando então que esses traduziam uma visão que já se manifestava em períodos anteriores. 6 A organização dos agricultores é considerada um componente fundamental para a viabilização de uma extensão orientada à demanda, por exemplo (Chipeta, 2006).
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Além dos compromissos – que tratam do comportamento das agências de cooperação – o “Common Framework...” expõe princípios norteadores da extensão rural. Os princípios para a extensão rural apresentados no “Common Framework...” são, também, em número de seis: – uma política agrícola favorável é indispensável; – extensão consiste em “facilitação” tanto quanto, senão mais, do que transferência de tecnologia; – produtores são clientes, patrocinadores e stakeholders, ao invés de simples beneficiários da extensão agrícola; – demandas de mercado criam disposição para novas relações entre agricultores e agentes privados de suprimento de bens e serviços; – são necessárias novas perspectivas com respeito às relações entre o financiamento público e a atuação dos atores privados na extensão e – pluralismo e atividades descentralizadas requerem coordenação e diálogo entre atores. Uma análise desses princípios revela que dois podem ser classificados como princípios gerais e os demais referem-se à configuração institucional para oferta dos serviços de extensão. Os dois princípios gerais serão tratados individualmente e os demais serão abordados em conjunto nesta seção e, dada sua importância, serão analisados mais detalhadamente na seção seguinte. O primeiro princípio geral refere-se à importância de uma “política agrícola favorável”. Entende-se que ao citar este princípio busca-se ressaltar a dependência da extensão agrícola a fatores relacionados ao contexto macroeconômico e às políticas agrícolas em geral. Partindo do suposto de que as ações de extensão agrícola têm lugar em economias de mercado, elas dependem da disposição do agricultor em investir na produção – que é altamente condicionada por variáveis macroeconômicas que afetam tanto a lucratividade (como taxa de câmbio no caso de culturas de exportação) quanto a segurança do investimento. As políticas agrícolas,
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por sua vez, afetam a disposição ao investimento na medida em que podem alterar condições de acesso ao mercado, os preços, disponibilidade e custo dos insumos, oferta e acesso ao crédito, segurança da propriedade, liberdade de associação dos produtores, entre outros aspectos. O segundo princípio geral relaciona-se à orientação metodológica do trabalho extensionista. Neste sentido, parte-se do reconhecimento de que a extensão agrícola tem uma tradição de trabalhar sob o referencial de transferência de tecnologia, percebida como forma de disseminação aos agricultores do progresso técnico-científico oriundo das organizações de pesquisa. Argumentam que, sob o enfoque da transferência de tecnologia, pressupõe-se a existência de uma única fonte de informações, conhecimentos e inovações úteis (as organizações de pesquisa) e que o agricultor é dependente dessa fonte para aperfeiçoamento de seus processos produtivos. Entende-se que este modo de compreender a dinâmica da inovação no meio rural está ultrapassado, pois as evidências atuais apontam que o agricultor é ativo na geração de inovações e que outras fontes (como agricultores inovadores, organizações de ensino ou empresas comerciais) podem ter um papel relevante na geração e disseminação de inovações no meio rural.7 Propõe-se, assim, que se considere que o extensionista intervém no âmbito de “sistemas de inovação e conhecimento” com múltiplos participantes ativos de modo que lhe compete “facilitar” os fluxos de informação e conhecimento dentro desse sistema, promovendo as interações entre produtores (como trocas de experiências) e destes com as organizações implicadas na geração de informações e conhecimentos úteis à resolução de seus problemas. Compreendendo, também, que os
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Tecnicamente, houve um deslocamento de um referencial teórico difusionista – que tinha como expoente Everett Rogers, com sua obra intitulada Diffusion of Innovations, para um referencial de sistemas de inovação e conhecimento, onde se destacam as contribuições de Niels Röling, com diversas publicações, entre as quais o livro Extension science: information systems in agricultural development. Essa aproximação ao referencial teórico de Niels Rolling fica evidenciada, também, pela realização, nos marcos da Iniciativa de Neuchâtel, de um encontro em Wageningen em junho de 1997 orientado a aprender com as experiências desse centro acadêmico no âmbito da promoção da inovação no meio rural.
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problemas enfrentados pelos agricultores são mais complexos do que o suposto nas abordagens difusionistas – pois envolvem, simultaneamente, fatores técnicos, econômicos, comerciais e ambientais – admitem que se encontram, no meio rural, uma diversidade significativa de tipos de problemas, o que requer a capacidade dos agricultores de tomar iniciativas individuais e coletivas na sua resolução. Os demais princípios referem-se à proposta de configuração institucional para oferta dos serviços de extensão. De modo geral há um entendimento de que os sistemas de extensão rural por muito tempo orientaram-se pela “oferta” – restringindo-se a apresentar aos agricultores as inovações e conhecimentos gerados pelas organizações de pesquisa. Esta orientação haveria de ser revista, buscando constituir sistemas de extensão mais atentos às demandas dos agricultores. No esforço de compreender as demandas dos agricultores e a melhor forma de atendê-las, tomou-se por base a realidade da África Subsaariana, observando-se que as mudanças macroeconômicas relacionadas à “liberalização econômica” criaram um novo contexto, no qual ao mesmo tempo em que se abriram novas oportunidades de participação no mercado, incrementou-se a competição entre fornecedores. Tais dinâmicas estariam implicando a crescente conversão de “agriculturas de subsistência” em “agriculturas orientadas ao mercado” e, nessas, as pressões de competitividade levariam à necessidade de contínuos investimentos de atualização tecnológica, maximizadores da eficiência técnico-produtiva. Nesse contexto conclui-se que não se justificaria a manutenção de serviços de extensão desatentos às demandas dos agricultores e, partindo do suposto de que este tipo de demanda é mais bem atendido por agentes privados, defende-se a tese de que há necessidade de se revisar o papel dos agentes privados no desenvolvimento e na extensão agrícola. Buscando compreender como favorecer a atuação dos agentes privados, constata-se que os agricultores não têm condições
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de arcar integralmente com o custo dos serviços de extensão agrícola fornecidos por agentes privados, propondo-se, então, a participação do Estado no financiamento.8 Por fim, há uma compreensão de que a viabilização de uma extensão orientada para a demanda tem outras duas implicações: – como as demandas dos agricultores são muito dinâmicas (variam segundo condições do mercado, tempo, mudanças de cultivo, entre outras) e os sistemas centralizados são, geralmente, pouco flexíveis, haveria necessidade de promover sistemas descentralizados de oferta de serviços de extensão rural e – uma vez que os produtores devem ter direito de escolha em termos de método, qualidade e custos, defende-se que é necessário eliminar monopólios – sejam públicos ou privados – na oferta dos serviços de extensão. Como isto implica a necessidade de favorecer a atuação de diversos provedores, para evitar sobreposições e conflitos na sua atuação, recomenda-se a criação de fóruns regionais e nacionais de coordenação destes serviços. Um exame crítico do conjunto de princípios revela que alguns são mais consensuais do que outros. Neste sentido, pode-se afirmar que há amplo consenso sobre a importância de uma política agrícola adequada e também com relação à necessidade de revisar a orientação metodológica da ação extensionista na promoção da inovação tecnológica no meio rural. A proposta de configuração institucional pluralista para oferta dos serviços de extensão rural, entretanto, vem motivando significativos debates, especialmente quanto ao papel dos agentes públicos diante dos agentes privados e, por isso, a argumentação que sustenta essa proposta será examinada com mais detalhes na seção seguinte.
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Explicando-se, assim, a inclusão de princípios referentes à revisão dos marcos referenciais acerca das relações entre financiamento público e atuação de agentes privados.
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BREVE EVOLUÇÃO DA DISCUSSÃO SOBRE REFORMAS INSTITUCIONAIS NO ÂMBITO DO BANCO MUNDIAL: do T & V ao Pluralismo Institucional A proposta do pluralismo na configuração institucional da extensão rural fundamenta-se numa revisão nos papéis que, historicamente, foram atribuídos aos agentes públicos e agentes privados na oferta desses serviços. Observa-se que a discussão em torno dos potenciais e limitações dos agentes públicos peante os privados na extensão teve significativo destaque no âmbito do Banco Mundial a partir de meados da década de 90 e, por isso, apresentaremos a proposta pluralista como a solução – encontrada no âmbito dessa organização – para conciliar propósitos privatizantes com reivindicações relacionadas à intervenção do Estado diante das preocupações de ordem social e ambiental. Segundo dados constantes no “Agricultural Investment Sourcebook” (World Bank, 2006), a participação do Banco Mundial no financiamento da extensão foi crescente desde o início da década de 80 até o ano 2000, apresentando queda no quinquênio posterior. De 1980 a 2005 o Banco Mundial destinou para a extensão US$ 3,9 bilhões e mobilizou outros US$ 2,9 bilhões dos governos. A destinação destes recursos a estas atividades veio acompanhada da realização de diversos estudos e elaboração de propostas para estruturação desses serviços, algumas das quais construídas em colaboração com a Iniciativa de Neuchâtel. Para entender a discussão acerca do papel dos agentes públicos e privados na extensão rural cabe reconhecer que nas três décadas seguintes à Segunda Guerra Mundial, os governos de grande parte dos países em desenvolvimento assumiram o compromisso de promover a modernização tecnológica da agricultura, e o fizeram mediante a criação de organizações públicas de pesquisa e de extensão. Em geral, previa-se a especialização funcional dessas organizações, criando-se uma organiza-
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ção para pesquisa e outra específica para extensão. Evidências quanto a problemas de articulação entre organizações de pesquisa e extensão – que comprometiam o alcance dos objetivos de desenvolvimento agrícola – levaram o Banco Mundial a propor o modelo do Treino e Visita (T&V), que era baseado, sinteticamente, na aproximação e sistematização das relações entre pesquisadores-extensionistas e agricultores (Benor; Harrison; Baxter, 1984). Esse modelo foi incentivado pelo Banco Mundial entre os anos de 1975 e 1998, sendo adotado em cerca de 50 países em desenvolvimento (Anderson; Feder; Ganguly, 2006). Na década de 80, num contexto de restrições de recursos públicos orçamentários, de escassez de créditos internacionais e de hegemonia de ideias neoliberais, um maior número de países passou a realizar reformas nas estruturas de apoio ao desenvolvimento da agricultura constituídas em décadas anteriores. A atuação tradicional do Estado na promoção do desenvolvimento agrícola – estruturada com base em organizações especializadas de pesquisa e extensão – passou a ser questionada, num ambiente em que se conferiu destaque a estudos que denunciavam que os sistemas públicos governamentais de extensão tinham seu desempenho limitado pela insuficiente oferta tecnológica, problemas de relação com as organizações de pesquisa, limitada participação dos agricultores e hegemonia de uma mentalidade do tipo top-down. Tendo em vista esse diagnóstico entendiase que, para muitos países, seria inapropriado continuar financiando os sistemas públicos nacionais de extensão. A aplicação do modelo de T&V, que vinha sendo proposto como uma alternativa pelo Banco Mundial, não era considerada, então, uma estratégia oportuna, tanto por razões de desempenho quanto por motivos econômicos. As avaliações de experiências com aplicação do modelo T&V estavam evidenciando que ele era efetivo em contextos específicos – em que pacotes tecnológicos poderiam ser introduzidos sobre extensas áreas agrícolas homogêneas, mas não se mostrava eficaz na resolução de problemas de áreas marginais (como ambientes sujeitos à seca, por
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exemplo) (World Bank, 2006). Do ponto de vista econômico, como o T & V implicava financiamento público, tinha perspectivas limitadas, dadas as crescentes restrições de recursos públicos orçamentários (Anderson; Feder; Ganguly, 2006).9 Nesse contexto, emergiram vozes que faziam a defesa da privatização de serviços públicos. A discussão sobre a viabilidade da privatização dos serviços de apoio ao desenvolvimento agrícola e, dentre esses, os de extensão rural, alimentou a elaboração e publicação de diversos documentos desde o início da década de 90 (World Bank, 1990; Ameur, 1994; Umali; Schwartz, 1994). Embora nem todos os estudos levassem a recomendações idênticas, indicavam a oportunidade de um grande avanço na participação dos agentes privados na oferta e financiamento dos serviços de extensão. A recomendação de maior participação dos agentes privados na oferta e financiamento dos serviços de extensão fundamentava-se, basicamente, em dois tipos de evidências: – de que parte significativa da atuação dos serviços de extensão promove benefícios privados, derivando-se a alegação de que, por isso, não seria justificável seu financiamento público e – de que há potencial e oportunidade de incrementar a atuação de agentes privados na oferta de serviços que trazem benefícios privados, pois estes agentes muitas vezes já vêm atuando, vêm sendo prejudicados pela concorrência com serviços públicos e são capazes de ofertar um serviço que tem maior conformidade com a demanda dos agricultores. Alguns países se anteciparam na realização de reformas privatizantes em seus serviços de extensão, como o Chile, que foi considerado um dos pioneiros nessas reformas, uma vez que as iniciou em 1978.
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Nessa mesma época, o departamento de avaliação de operações do Banco Mundial realizou um estudo em que concluiu que cerca de ¾ dos projetos de extensão do Banco corriam risco de insustentabilidade financeira.
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O acompanhamento da evolução do caso chileno forneceu evidências empíricas dos limites das reformas privatizantes, pois estas restringiram excessivamente o acesso à assistência técnica e extensão rural pelas classes de agricultores mais pobres (Cox; Ortega, 2004). Como a maioria dos países realizou reformas em seus serviços de extensão durante a década de 90 – ajustando seus sistemas às conjunturas sociais e econômicas internas –, o Banco Mundial tomou a iniciativa de promover estudos de caso sobre reformas dos sistemas de extensão para aprender com essas experiências. Foram realizados estudos de caso em 34 países e esses foram utilizados para subsidiar debates em um workshop realizado em conjunto com Usaid e a Iniciativa de Neuchâtel em 2002, em Washington. Este workshop reuniu cerca de 70 especialistas para revisar e identificar convergências nas propostas elaboradas para “revitalizar” os serviços de extensão. Deste workshop resultou um documento intitulado “Extension and Rural Development: Converging views on institucional approaches?” (World Bank; Usaid; Neuchâtel Group, 2002) que revela que a maior parte das deliberações do workshop trata da recomendação à formação de sistemas pluralistas de extensão. Uma análise mais detalhada desse documento revela um diagnóstico da conjuntura que justifica a oportunidade e detalha as características recomendadas para a estruturação de um sistema pluralista de extensão.
BASES DO PLURALISMO INSTITUCIONAL NA EXTENSÃO RURAL Compreendeu-se que as demandas rurais são diversificadas, e, por isso, encontram-se no meio rural os mais diversos tipos de agentes de desenvolvimento. Pressupõ-se que cada tipo de agente tem seu próprio espaço de atuação – “nicho” – para o qual apresenta vantagens comparativas em relação a outros agentes. Dentre as organizações privadas destacam-se, por exemplo, as empresas privadas de assessoria técnica, que são motivadas pelo lucro e tendem a atuar onde os mercados são
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competitivos e funcionam bem. As Organizações Não Governamentais – ONGs –, por sua vez, estão frequentemente envolvidas com programas relacionados à superação da pobreza rural.10 As organizações de produtores atuam na capacitação de seus membros, na expressão de suas demandas e na contratação de provedores que atendem suas necessidades. Nesse rol podem ser incluídas também agroindústrias, cooperativas, entre outras. Diante da constatação da heterogeneidade social – que repercute na heterogeneidade de demandas –, considerou-se que os sistemas maduros de extensão serão, necessariamente, pluralistas. Partindo desse cenário, a discussão sobre o pluralismo procura estabelecer consensos sobre o papel e forma de intervenção do Estado. Recomenda-se que o Estado deveria perseguir o papel que a sociedade lhe atribui levando em conta o cenário em que se insere. Uma vez que se reconhece que existem diferentes agentes ofertando serviços de extensão considerou-se que seria desejável restringir a atuação das organizações públicas, valorizando tanto quanto possível os agentes privados. Tal posição baseou-se na premissa de que o setor privado (sejam empresas privadas, ONGs, organizações de produtores ou empresas de consultoria) pode prover serviços de extensão de modo mais eficiente e eficaz do que organizações públicas (visto serem mais sensíveis à demanda do agricultor) e na premissa de que estas vantagens aumentam, também, a perspectiva de sustentabilidade financeira das iniciativas (dada a importância concedida à racionalização econômica de sua atuação e maiores perspectivas de cofinanciamento pelos beneficiários).
10
As ONGs são consideradas organizações bastante flexíveis, comprometidas com o trabalho com os pobres e excluídos, aptas para dar assistência intensiva e integrada em processos de organização comunitária e na adaptação de abordagens às situações locais.
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Uma das áreas tradicionais de intervenção do Estado é na assistência técnica, no apoio aos processos de desenvolvimento agrícola. Nesse âmbito diagnostica-se que as organizações públicas governamentais não têm conseguido atender às demandas por informações tecnológicas dos agricultores – que estão cada vez mais especializados. Assim, as organizações públicas têm perdido espaço para os agentes privados. A forma tradicional de financiamento de uma organização privada de assistência técnica – mediante prestação de serviços pagos pelo cliente – é considerada desejável na medida em que empodera o agricultor (ele poderá requisitar o serviço que melhor atende as suas necessidades). As experiências com privatização da assistência técnica, entretanto, revelaram que os agentes privados só se viabilizam economicamente em circunstâncias muito particulares (em regiões de agricultura dinâmica e lucrativa) e tendem a se especializar em determinados produtos – commodities. Os participantes do workshop realizado em 2002 partiram do reconhecimento de que a extensão enfrentava um grande desafio no sentido de apoiar agricultores comerciais em suas estratégias de posicionamento competitivo no mercado, mas que devia, ao mesmo tempo, preocupar-se em alcançar os agricultores pobres. Enquanto vinha atuando preferencialmente em questões relacionadas à transferência de tecnologia para incrementar a produção agrícola, as organizações de extensão não vinham percebendo sua importância e a oportunidade de atuarem no âmbito dos programas orientados para a superação da pobreza.11 Advertia-se, assim, que havia a obrigatoriedade de ampliar a agenda da extensão, revisando sua atuação no âmbito da produção (incluindo questões relativas a “marketing”, por exemplo), mas também conferindo maior destaque a temas de conservação ambiental, enfatizando a redução da pobreza e o apoio às atividades não agrícolas.
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World Bank; Usaid; Neuchâtel (Group, 2002, p. 2).
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O estudo do padrão de atuação de agentes privados diante de temáticas como a pobreza ou conservação ambiental revelou as restrições que eles enfrentam para atuar nesses âmbitos. Ou seja, os estudos sobre atuação de agentes privados confirmaram que nem todos os bens e serviços relevantes requeridos pela sociedade poderiam ser assumidos pela iniciativa privada, concluindo-se que a completa retirada do Estado não seria recomendável (Rivera, 1993; Van den Ban, 2000; Rivera; Alex, 2004; Diesel et al., 2008). Entre as áreas em que a atuação do Estado permaneceria indispensável mencionam-se: promoção do desenvolvimento agrícola em regiões deprimidas, combate a pobreza e conservação do ambiente. A atuação do Estado nesses setores deveria, entretanto, respeitar a máxima de valorização da ação dos agentes privados com potencial de intervenção na região ou temática em questão. A alternativa recomendada, para esses casos, é de que o Estado financie a execução de serviços por terceiros. Ou seja, ressaltou-se que o financianciamento com recursos públicos não requer, necessariamente, a estruturação de nova organização pública especificamente orientada para a oferta desse serviço, pois esses podem ser contratados de agentes privados. Para que se assegure a transparência desse processo, recomenda-se adoção da estratégia de instituir fundos competitivos para financiamento de projetos de intervenção.12 Assim, espera-se do Estado que intervenha de modo seletivo em regiões e temáticas não contempladas adequadamente pelo setor privado, assegurando a realização dos interesses públicos, com estratégias que aproveitem ao máximo a contribuição e participação dos agentes
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A desejabilidade do financiamento via fundos competitivos ou via contratação de provedores privados sustenta-se no pressuposto de que o financiamento de programas focalizados, temporários, se apresentaria como uma alternativa com perspectivas mais promissoras do que o financiamento de estruturas permanentes de provisão de serviços de extensão.
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privados.13 Além dessa atuação seletiva em regiões e temáticas não contempladas adequadamente pelo setor privado, espera-se que atue também na coordenação do sistema e capacitação dos provedores para que se alcance a adequada cobertura das populações rurais e qualidade dos serviços. Neste sentido, considera-se que o Estado manteria um papel central na definição da política de orientação, coordenação, facilitação e supervisão do sistema pluralista. Estas atividades geralmente requerem que o Estado seja ativo na formulação da política nacional, monitore a qualidade e ofereça formas de capacitação para aumentar a qualidade dos serviços dos agentes públicos e privados. No entendimento dos participantes do workshop de 2002, este desafio atualmente é prejudicado pela falta de informação confiável acerca da presença, natureza e qualidade dos serviços de extensão prestados por agentes privados. Como em cada região as realidades e prioridades da intervenção do Estado são diferenciadas não seria possível delinear um modelo único ou ideal em termos da natureza e participação relativa dos agentes públicos e privados no financiamento e execução dos serviços de extensão.
DOS CONSENSOS NO PRESENTE AOS DESAFIOS NO FUTURO Na trajetória percorrida neste texto observa-se que ao longo da história da cooperação internacional para o desenvolvimento houve momentos em que se conferiu maior destaque à discussão em torno das políticas para a extensão rural. Estes momentos, no mais das vezes, resultaram na busca da construção de novos consensos.
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Assim a organização pública deveria partir da identificação da organização que possui o perfil mais adequado. O segundo consenso parte do reconhecimento de que existem diferentes tipos de agentes (empresas privadas, agroindústrias, cooperativas, ONGs, representativas dos agricultores) que podem prestar serviços de extensão e que o sucesso de uma iniciativa pública depende, também, da escolha do perfil de organização mais adequado para a realização do serviço proposto.
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O presente texto focalizou a construção de consensos sobre a extensão rural no âmbito da Iniciativa de Neuchâtel, examinando documento referencial que apontou compromissos das agências de cooperação e princípios da extensão rural para depois caracterizar a evolução dessa discussão no âmbito do Banco Mundial. A aceitação das recomendações do Grupo Neuchâtel viria definindo as bases de um novo consenso sobre o futuro da extensão rural.14 Dentre os princípios da extensão rural consensuados pelo Grupo Neuchâtel observou-se que alguns são pouco contestados, como aqueles que evidenciam o condicionamento das políticas agrícolas e aqueles que apontam para a necessidade de atualização de referenciais teóricometodológicos na promoção da inovação no meio rural. Entre os princípios sujeitos a maior controvérsia incluem-se aqueles que recomendam a máxima valorização da participação dos agentes privados na oferta dos serviços de extensão. Se, por um lado, a maior participação dos agentes privados é dada como um fato – uma realidade resultante do desenvolvimento do capitalismo e globalização –, por outro lado mostra-se como um cenário que corresponde mais à realidade das regiões mais ricas. Considerar sua desejabilidade implica avaliar em que medida nesses cenários está assegurada a primazia dos interesses públicos sobre os privados. Questiona-se frequentemente a desejabilidade dessa máxima à luz de um conjunto de evidências que apontam para a necessidade da manutenção da intervenção do Estado para assegurar o alcance de interesses públicos como inclusão social e proteção ambiental.
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De modo geral, os consensos estabelecidos no contexto da Iniciativa de Neuchâtel direcionavam-se, inicialmente, a balizar a atuação das organizações de cooperação na região da África Subsaariana, mas logo se reconheceu que sua aplicabilidade era mais ampla de modo que, já em 1999, os participantes entendem que o consenso sobre orientação da extensão agrícola construído para a África – “Common Framework...” – pode se “descolar” de seu contexto de origem passando a constituir proposta orientadora para os serviços de extensão rural em diferentes países (SDC [2000?]).
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Nesse contexto a proposta do pluralismo institucional apresenta-se como um “meio termo” no qual o Estado é chamado a intervir, com papel nitidamente complementar – com vistas a assegurar a consecução dos interesses públicos. Como os interesses públicos podem ser diversos nos diversos territórios e, dadas as diferentes configurações da atuação dos agentes privados – a ser valorizada – pode variar a natureza da ação complementar requerida pelo Estado, de modo que na definição das políticas públicas para a área da extensão rural há necessidade de se definirem padrões de atuação mais locais do que gerais – aplicáveis a todo território nacional. O momento atualmente vivenciado no Brasil é caracterizado por intensa experimentação social no âmbito da formulação e instituição das políticas públicas para o desenvolvimento rural. Ao mesmo tempo em que o sentido das políticas federais para a extensão rural converge com princípios do pluralismo (seletividade da ação do Estado, financiamento via fundos concorrenciais à execução dos serviços por terceiros) ainda não se dispõe de avaliação consolidada sobre os avanços conquistados em termos da cobertura ou qualidade dos serviços. Igualmente, ao mesmo tempo em que se observam iniciativas pioneiras de coordenação de agentes de extensão rural em âmbito territorial, cabe avançar na avaliação se estas indicam caminhos da passagem do pluralismo institucional a sistemas pluralistas. Observa-se que até mesmo o conhecimento das configurações institucionais da oferta de extensão rural nos diferentes territórios é deficiente. Se tais circunstâncias fazem referência a limites enfrentados pelos gestores das políticas públicas, apontam também para as amplas possibilidades de contribuição dos estudos acadêmicos nesta área. O que os textos a seguir “revelam” é esta transição e as implicações que trazem...
REFERÊNCIAS AMEUR, C. Agricultural Extension: A Step beyond Next Step. Washington: World Bank, 1994. World Bank Technical Paper, n. 247.
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EXTENSÃO RURAL NO RIO GRANDE DO SUL Evidências de Configuração Institucional Pluralista? Rodrigo da Silva Lisboa Vivien Diesel Laurício Bighelini da Silveira Gustavo Friedrich Jaqueline Haas Benito Solis Mendonza Cleia Moraes
A discussão em torno do pluralismo na extensão rural tem chamado a atenção para a diversidade de agentes públicos e privados que contribuem para os processos de desenvolvimento agrícola e rural. No caso do Estado do Rio Grande do Sul, destaca-se a atuação da Ascar (Associação de Crédito e Assistência Rural) que foi criada em 1955 e que, a partir de 1977 passou a ser mais conhecida sob a denominação de Emater/RS1 (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural). Essa organização constituiu a principal referência no atendimento às demandas dos agricultores por orientação técnica especializada, atuando também como instrumento dos governos na instituição das políticas de desenvolvimento agrícola e rural. Inspirando-se nos moldes de atuação
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Em 1974 a Ascar/RS passa a integrar o sistema brasileiro de extensão rural, passando a ser reconhecida publicamente como Emater/RS.
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da extensão rural norte-americana, as ações da Ascar, desde sua criação, estendiam-se a questões de economia doméstica, da produção agrícola e organização comunitária passando, com o tempo, a enfatizar a execução das políticas públicas federais, estaduais e municipais para o meio rural (Diesel et. al., 2006). Para diversos autores, embora as organizações públicas governamentais de assistência técnica e extensão rural tenham diversificado sua atuação e alcançado alta capilaridade (com representação em mais de 90% dos municípios na Região Sul do Brasil), a partir de meados da década de 90 elas vinham perdendo importância perante outros agentes, que passaram a exercer as funções que elas monopolizavam (Caporal, 1993; Olinger, 1998; Muchagata, 2003).2 Embora se reconheça que outros agentes vêm ganhando importância na promoção do desenvolvimento no meio rural, há dificuldades de estimar, com precisão, sua participação. Muchagata (2003) realizou um levantamento das instituições de assistência técnica e extensão rural para agricultores familiares e assentados no Brasil mas, como destacam Neumann e Froehlich (2004), as dificuldades metodológicas para o alcance dos objetivos propostos no estudo fazem com que este forneça apenas uma aproximação dessa complexa realidade. Nesse contexto, a realização do Censo Agropecuário, em 2006, abre novas possibilidades para a pesquisa sobre o tema, pois uma das variáveis investigadas é a origem da orientação técnica especializada acessada nos estabelecimentos agropecuários. Embora se considere a orientação técnica apenas um dos
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Olinger (1998, p. 76), por exemplo, mencionava: “A força de trabalho do sistema brasileiro de extensão chegou a representar cerca de 80% do total dos técnicos ligados às ciências agrárias atuando no campo, diretamente nas propriedades e comunidades rurais. Isso lá pela década de 70. Hoje [1998], a força de trabalho do Sistema Brasileiro de extensão Rural representa menos de 20% no país. Os restantes 80% estão na prefeituras municipais, na cooperativas agropecuárias, em organizações privadas, nos serviços de fomento das agroindústrias e em outras instituições.”
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componentes da atuação extensionista, compreende-se que o exame de sua origem permite avançar na compreensão da configuração institucional da extensão rural no Rio Grande do Sul. Assim, num contexto de crescente interesse pelo conhecimento da configuração institucional específica da extensão rural nos diferentes territórios, o presente trabalho visa a contribuir para a melhor avaliação da cobertura e da participação das organizações públicas e privadas na oferta desses serviços no Estado do Rio Grande do Sul e em suas microrregiões. Partindo dos dados do Censo Agropecuário de 2006 avalia-se a cobertura, a importância relativa dos principais agentes de orientação técnica especializada no Estado e em cada microrregião.
METODOLOGIA Para avaliar a cobertura, a importância relativa dos principais agentes de orientação técnica especializada para o Estado e por microrregião, adotou-se classificação do IBGE vigente em 2006, que divide o Rio Grande do Sul em 35 microrregiões.3 Os dados primários sobre orientação técnica originaram-se do Censo Agropecuário de 2006, que incluiu o levantamento da variável orientação técnica especializada considerada, neste censo, como a assistência prestada ao estabelecimento agropecuário por profissionais habilitados, como engenheiros agrônomos, engenheiros florestais, veterinários, zootecnistas, engenheiros agrícolas, biólogos, técnicos agrícolas, tecnologistas de alimentos e/ou economistas domésticos, com a finalidade de transmitir conhecimento e orientar os produtores agropecuários (IBGE, 2006).
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São elas: Santa Rosa; Três Passos; Frederico Westphalen; Erechim; Sananduva; Cerro Largo; Santo Ângelo; Ijuí; Carazinho; Passo Fundo; Cruz Alta; Não-Me-Toque; Soledade; Guaporé; Vacaria; Caxias do Sul; Santiago; Santa Maria; Restinga Seca; Santa Cruz do Sul; Lajeado-Estrela; Cachoeira do Sul; Montenegro; Gramado-Canela; São Jerônimo; Porto Alegre; Osório; Camaquã; Campanha Ocidental; Campanha Central; Campanha Meridional; Serras do Sudeste; Pelotas; Jaguarão; Litoral Lagunar.
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Focando especificamente na origem da orientação técnica especializada nos estabelecimentos, o Censo Agropecuário discrimina como possíveis fornecedores deste serviço os agentes apresentados no Quadro 1. Quadro 1 – Tipologia de fornecedores de orientação técnica especializada adotada no Censo Agropecuário de 2006 Origem da orientação técnica Responsáveis por prestar a orientação técnica Governos – federal, estadual ou Embrapa, Universidades, Secretarias de Agriculmunicipal tura, Empresas de Extensão Rural como Emater, Empaer, Epagri, Casa da Agricultura e outras; Própria ou do próprio produtor Técnico, pessoa física ou consultor, contratado pelo produtor ou quando a pessoa que administra o estabelecimento, produtor ou administrador, possuísse habilitação técnica ou formação profissional legalmente autorizada a prestar assistência às atividades desenvolvidas no estabelecimento; Cooperativas Técnicos habilitados de cooperativas, desde que o produtor não tivesse contrato de integração com os mesmos; Empresas integradoras Técnicos habilitados de empresas com as quais o produtor tivesse contrato de integração; Empresas privadas de plane- Técnicos de empresas contratadas pelo produjamento tor; Organização não governamental Técnicos de organizações não governamentais. ONG Fonte: IBGE (2006).
Para obtenção dos dados quantitativos nas agregações requeridas, optou-se pela interação propiciada pelo sistema Sidra de recuperação automática de dados do IBGE, com construção das tabelas segundo os interesses da presente pesquisa. As tabelas geradas permitiam distinguir o número total de estabelecimentos (Estado e microrregiões), número total de estabelecimentos com orientação técnica especializada (Estado e microrregiões) e número total de estabelecimentos com orientação técnica por origem (agente) para o Estado e por microrregião. No levantamento de dados acerca da orientação técnica especializada, o IBGE considerou
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a possibilidade de um mesmo estabelecimento receber orientação de mais de um tipo de fornecedor de modo que o somatório das orientações prestadas – em uma unidade geográfica determinada – pode exceder o número total de estabelecimentos da microrregião ou Estado. Para cálculo da cobertura da orientação técnica no RS e em suas microrregiões considerou-se a proporção de estabelecimentos que declararam receber orientação técnica especializada sobre o número total de estabelecimentos agropecuários desta unidade geográfica. Para a identificação e avaliação da importância relativa de cada um dos agentes que fornecem orientação técnica especializada no Estado e em suas microrregiões, buscou-se mensurar o alcance de sua atuação, tanto em termos de proporção de agricultores atendidos quanto de abrangência geográfica da sua atuação – calculando-se a proporção de estabelecimentos atendidos pelo agente sobre o total de estabelecimentos na unidade geográfica analisada (Estado ou microrregião). Na análise da configuração institucional por microrregião procurouse identificar os agentes presentes, calculando a participação relativa de cada um deles nas unidades geográficas estudadas ( Estado e nas suas microrregiões). A avaliação da participação relativa do agente em cada microrregião considerou o número de menções a esta fonte sobre o número total de declarações de orientações técnicas recebidas (considerando-se o conjunto dos agentes) na unidade analisada.
COBERTURA DA ORIENTAÇÃO TÉCNICA NO RS E EM SUAS MICRORREGIÕES Para avaliação da cobertura da orientação técnica especializada observou-se o índice médio de cobertura para o Estado e sua variância entre as microrregiões situando-a, também, no espaço geográfico do Estado mediante elaboração de mapa temático.
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Índice médio de cobertura da orientação técnica para o RS Considerando-se o número de estabelecimentos assistidos sobre o total de estabelecimentos rurais do Estado do Rio Grande do Sul observa-se que 49,82% dos estabelecimentos declararam contar com alguma forma de orientação técnica especializada em 2006. As avaliações anteriores, realizadas sobre a oferta de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) nas décadas de 90 e 2000, tendem a considerar que o Estado do Rio Grande do Sul se destaca em relação aos demais Estados do país pela elevada cobertura e superior qualidade dos serviços. Ao comentar a situação da assistência técnica a agricultores familiares a partir dos dados do Censo Agropecuário de 1996, Buainain (2007) explicita: “No Rio Grande do Sul, por exemplo, quase a metade (46,6%...) [dos agricultores familiares] foi atendida por um sistema de Ater (oficial ou privado) que funciona relativamente bem.” Assim, os índices calculados para 2006 se aproximam das estimativas anteriores de acesso à assistência técnica por agricultores familiares, mas contrariam o senso comum que, partindo da observação da alta capilaridade do sistema Emater/Ascar – que cobre cerca de 97% dos municípios (atua em mais de 480 municípios) (Emater; Ascar,
2005)
– estima uma alta cobertura dos serviços de Ater públicos no RS. No estudo coordenado por Muchagata (2003), por exemplo, destacou-se a elevada cobertura das instituições governamentais de Ater na Região Sul do Brasil, mencionando-se que se encontram escritórios locais em 98,33% dos municípios da Região Sul, atendendo a 99,7% da totalidade dos municípios.4 Ressalta-se, então, que a presença de escritórios municipais não repercute, necessariamente, em alto índice de cobertura no
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Dados constantes na página 47 do Relatório da Região Sul da pesquisa “Perfil dos Serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural” (Muchagata, 2003).
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atendimento aos agricultores, uma vez que menos de 50% dos estabelecimentos rurais do Estado do Rio Grande do Sul recebeu, em 2006, algum tipo de orientação técnica especializada.5
Variações no índice de cobertura da orientação técnica no RS Muitas vezes um índice médio, calculado para um Estado, não traduz a realidade vivenciada em cada uma de suas microrregiões, especialmente se houver significativa heterogeneidade nas condições agroecológicas e socioeconômicas das diferentes microrregiões. Considerando tal pressuposto, calculou-se o índice de cobertura da orientação técnica especializada por microrregião e, para facilitar a visualização da variabilidade na cobertura no RS, foram criadas classes – níveis de cobertura – enquadrando cada microrregião nas seguintes faixas: menos de 20%, entre 20% e 40%, de 40% a 60%, 60% a 80% ou mais de 80% de estabelecimentos atendidos sobre o total. A Figura 1 apresenta o número de microrregiões para cada um dos níveis de cobertura da orientação técnica.
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Há necessidade de reconhecer dificuldades metodológicas no levantamento deste índice, que podem levar a que esteja subestimado, tendo em vista que se baseia na declaração de agricultores cuja resposta pode estar condicionada a uma conjuntura específica – do momento da entrevista.
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Figura 1 – Número de microrregiões por nível de cobertura da orientação técnica aos estabelecimentos rurais do Rio Grande do Sul
Fonte: Elaboração dos autores a partir de dados do Censo Agropecuário de 2006.
A Figura 1 evidencia tendência à distribuição próxima à normal. Isso significa que a maioria das microrregiões tem índices de cobertura de orientação técnica especializada próximo ao valor médio encontrado para o Estado do Rio Grande do Sul. Embora 17 microrregiões enquadrem-se na classe de 40% a 60% dos estabelecimentos com orientação técnica especializada, encontram-se duas microrregiões com cobertura abaixo de 20%, bem como uma com índice acima de 80%, o que indica uma significativa variabilidade no nível de cobertura da orientação técnica6 por microrregião no RS. Neste sentido, considerando que índices inferiores a 40% podem ser associados a situações socialmente críticas no amparo institucional ao desenvolvimento agrícola e rural, optou-se por localizar os diferentes níveis de cobertura no espaço geográfico para facilitar a explicação da variável identificada. Por outro lado, índices superiores a 80% podem
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Estima-se que se a análise fosse realizada para unidades político-administrativa menores (municípios) a variabilidade seria ainda maior.
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configurar situações socialmente desejáveis, despertando interesse pelo conhecimento das condições em que essa situação ocorre. Assim, optouse por localizar os diferentes níveis de cobertura no espaço geográfico para facilitar a explicação da variabilidade identificada.
Espacialização dos índices de cobertura da orientação técnica no RS A partir do exame da Figura 2 pode-se verificar como se comporta o acesso à orientação técnica especializada em cada microrregião no Rio Grande do Sul. Figura 2 – Níveis de cobertura da orientação técnica por microrregião no espaço geográfico do Rio Grande do Sul
Fonte – Elaboração dos autores a partir do Censo Agropecuário de 2006.
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Ressalta-se que as microrregiões que apresentam menor índice de cobertura de orientação técnica, segundo o Censo Agropecuário 2006, são as microrregiões de Osório, com 19,89%, e Litoral Lagunar, com 19,06%. Ambas estão localizadas na zona litorânea do RS. Índices relativamente baixos de cobertura são encontrados também na Serra do Sudeste (27,73%), Gramado-Canela (29,63%), Montenegro (32,11%), Porto Alegre (32,50%), Vacaria (33,24%), São Jerônimo (35,23%) e Campanha Central (36,69%). Por outro lado, os maiores índices de cobertura encontram-se nas microrregiões de Carazinho (60,30%), Caxias do Sul (60,52%), Ijuí (61,10%), Camaquã (61,89%), Sananduva (64,85%), Santa Cruz do Sul (67,09%), Passo Fundo (67,86%) e Cruz Alta (68,68%). A microrregião de Não-Me-Toque destacou-se do conjunto apresentando 86,49% de cobertura na orientação técnica. A espacialização dos índices de cobertura da orientação técnica especializada contraposta à investigação das características agroecológicas do meio rural de cada uma destas microrregiões permite identificar que as áreas com níveis de cobertura mais baixos têm fortes restrições naturais à intensificação da produção agrícola (como ocorre nas zonas litorâneas e serra do sudeste, por exemplo). Por outro lado, os níveis mais altos de cobertura encontram-se predominantemente em regiões com melhores condições agroecológicas, propícias à agricultura intensiva. As microrregiões que se encontram com porcentagem mais alta de orientação técnica são as tendencialmente microrregiões localizadas no planalto médio do RS (Cruz Alta, Ijuí, Passo Fundo, Carazinho e Sananduva), que têm condições agroecológicas mais propícias à produção agropecuária intensiva e tecnificada (leite e grãos). Assim, presume-se que haveria uma associação entre condições agroecológicas favoráveis à intensificação da agricultura, investimento de agentes econômicos na produção agropecuária, especialização territorial na produção de commodities com significativo investimento tecnológico e presença de agentes de apoio ao desenvolvimento agrícola (entre os quais agentes atuantes
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na orientação técnica especializada). 7 Embora se identifique essa tendência geral, há de se ressaltar a importância da natureza da atividade produtiva que pode demandar maior ou menor apoio em termos de orientação técnica especializada. Nesse sentido, encontram-se altos índices de cobertura em Camaquã e Santa Cruz do Sul, microrregiões que, embora não tenham condições agroecológicas tão favoráveis à intensificação, são relativamente especializadas na produção fumo sob regime de integração.8 Por outro lado, microrregiões com presença significativa de pecuária extensiva 9 e florestas apresentam baixa cobertura de orientação técnica especializada.10 A consideração das características socioeconômicas de microrregiões com índices de cobertura inferiores, além de remeter aos limites agroecológicos, à intensificação da produção agrícola e à natureza da atividade produtiva predominante, revela também a importância que assume a produção agropecuária para os estabelecimentos rurais. Nesse sentido, verifica-se que microrregiões com alta participação de rendas não agrícolas (microrregiões como de Montenegro, GramadoCanela e Porto Alegre ou mesmo na região litorânea) apresentam baixos índices de cobertura de orientação técnica.11 7
A porcentagem de estabelecimentos que recebem orientação técnica se justifica quando analisada a produtividade média de leite, podendo-se supor que existe uma correlação entre produtividade e tecnificação dos produtores. A microrregião de Não-Me-Toque – com o maior índice de orientação técnica especializada no Estado– apresenta uma produtividade média de aproximadamente 25.000 l/ano por estabelecimento (IBGE, 2006). 8 Essas microrregiões juntas respondem por 52,99% da área plantada e por 42,23% da quantidade de fumo produzido no Estado (IBGE, 2006, tabela 1612). 9 Esse seria o caso das microrregiões de Vacaria e Campanha Central, por exemplo. 10 Segundo o Censo Agropecuário (2006) as microrregiões de Serra do Sudeste e Vacaria contam com 185.923 ha e 119.468 ha de florestas plantadas respectivamente. Isso indica que pode existir uma correlação inversa entre a produção de madeira com a necessidade de orientação técnica. 11 Segundo o Censo Agropecuário do IBGE (2006), as microrregiões de Montenegro, Gramado-Canela e Porto Alegre estão entre aquelas que mais se destacam em relação à pluriatividade, pois 68,56%, 74,77% e 73,37%, respectivamente, dos produtores afirmam ter renda fora do estabelecimento rural.
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AGENTES DA ORIENTAÇÃO TÉCNICA E SUA IMPORTÂNCIA RELATIVA NO RS Ao observar-se a origem da orientação técnica especializada dos estabelecimentos agropecuários do Rio Grande do Sul, percebe-se que o governo, as cooperativas e as integradoras apresentam-se como principais fornecedores e que a orientação própria, de empresas privadas e de organizações não governamentais, têm importância secundária. Para avaliar melhor a importância relativa de cada um dos agentes, estimada pelo alcance de sua atuação, será examinada a cobertura – pela proporção de estabelecimentos atendidos (sobre o total de estabelecimentos) – e a abrangência geográfica de sua atuação. Governos, cooperativas, integradores serão analisados individualmente e os demais agentes serão avaliados em conjunto.
Governo Se forem observados os dados agregados para o Estado do Rio Grande do Sul, constata-se que o governo (federal, estadual ou municipal) é a fonte de orientação técnica mais importante, isso porque foi o mais mencionado no levantamento e tem a mais ampla distribuição geográfica. Tal observação confirmaria a avaliação constante no diagnóstico nacional, coordenado por Muchagata (2003), que argumenta que o governo se constitui no maior prestador de assistência técnica e extensão rural no país, com elevado grau de consolidação devido ao apoio oficial e experiência acumulada. O alcance da atuação das organizações governamentais no fornecimento de orientação técnica especializada, entretanto, pode ser relativizado, uma vez que os estabelecimentos que afirmam utilizá-la somam somente 17,64% do total dos estabelecimentos do Estado. Em
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contrapartida, ao observar-se a abrangência geográfica da atuação do governo evidencia-se sua presença em todas as microrregiões, mas com índices de cobertura bastante variáveis entre elas (Figura 3). Figura 3 – Indice de cobertura da orientação técnica governamental sobre o índice total de estabelecimentos atendidos por microrregião do RS
Fonte: Elaboração dos autores a partir do Censo Agropecuário de 2006.
A Figura 3 apresenta a proporção de estabelecimentos atendidos pelo governo sobre o total de unidades que contam com orientação técnica especializada por microrregião. A orientação técnica governamental tem sua cobertura mínima na microrregião de Camaquã, sendo mencionada como fonte de orientação técnica por 4,24% dos gestores dos estabelecimentos e máxima na microrregião de Cerro Largo, em que é mencionada por 39,46% do total de estabelecimentos. Assim
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evidencia-se que o governo encontra-se com presença significativa em algumas microrregiões e, em outras, com presença bastante baixa. Cabe fazer a ressalva, entretanto, de que estes índices não devem ser adotados como único parâmetro para avaliação do desempenho das agências governamentais de assistência técnica e extensão rural, pois que estas atuam em modalidades diversas de apoio ao desenvolvimento agrícola e rural (Diesel et al., 2006), e podem priorizar determinadas categorias de produtores ou localidades rurais. Cabe relativizar, ainda, que o governo, no levantamento do IBGE, inclui tanto orientação técnica prestada pelo governo federal, quanto estadual e municipal. No diagnóstico coordenado por Muchagata (2003) destaca-se a participação crescente dos municípios na oferta de assistência técnica e extensão rural, considerada desejável pelo fato de propiciar maior adequação às necessidades de seus munícipes e consideração das potencialidades e condicionantes locais. Apresentam-se, todavia, ressalvas ao processo de municipalização tendo em vista as dificuldades dos pequenos municípios de montar uma equipe de Ater multidisciplinar e qualificada e manter essa equipe, uma vez montada, trabalhando no município. Os dados do Censo de 2006, por sua vez, não permitem estimar a participação de cada esfera de governo na oferta de orientação técnica especializada.
Cooperativas No Rio Grande do Sul as cooperativas têm um desempenho quase equivalente ao do governo em termos de cobertura, quando se consideram os dados agregados em âmbito de Estado. As cooperativas são mencionadas como fornecedoras de orientação técnica por 14,61% dos estabelecimentos agropecuários. Esta participação coloca-se além da expectativa derivada de estudos anteriores. Segundo o diagnóstico coordenado por Muchagata (2003), por exemplo, a atuação das cooperativas na Ater no Brasil é tênue e tem como característica geral realizar esse trabalho para seus cooperados que, comumente, encontram-se fortemente inseridos no mercado.
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Ao avaliar-se a abrangência geográfica da atuação das cooperativas, os dados do Censo Agropecuário de 2006 revelam uma concentração geográfica de sua atuação, com uma elevada participação das cooperativas restrita a algumas microrregiões (Figura 4). Figura 4 – Índice de cobertura da orientação técnica das cooperativas sobre o índice total de estabelecimentos atendidos por microrregião do RS
Fonte: Elaboração dos autores a partir dos dados do Censo Agropecuário de 2006.
As cooperativas têm sua maior presença na microrregião de NãoMe-Toque, fornecendo orientação técnica especializada a 72,30% dos estabelecimentos agropecuários. Índices altos de presença das cooperativas são encontrados também em Ijuí, Cruz Alta, Sananduva e Carazinho, microrregiões conhecidas como “graneleiras”, nas quais o perfil dos cooperados condiz com a caracterização de Muchagata (2003). Sua menor presença é observada em Camaquã, com 0,54% de cobertura.
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Integradoras No Estado do Rio Grande do Sul as empresas integradoras aparecem como uma importante fonte de orientação técnica especializada, uma vez que 13,54% dos estabelecimentos rurais declaram acessá-las. As integradoras, enquanto categoria de prestadora de serviços de Ater, não receberam grande destaque no diagnóstico coordenado por Muchagata (2003). Observando-se a abrangência geográfica da atuação das empresas integradoras, constata-se que, no RS, a categoria encontra-se presente em todas as microrregiões (Figura 5) embora com presença mais destacada em algumas. Figura 5 – Índice de cobertura da orientação técnica das integradoras sobre o índice total de estabelecimentos atendidos por microrregião do RS
Fonte: Elaboração dos autores a partir de dados do Censo Agropecuário de 2006.
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Nas microrregiões de Santa Cruz do Sul e de Camaquã as empresas integradoras fornecem orientação técnica para, respectivamente, 51,86% e 50,70% do total dos estabelecimentos. Os menores índices de cobertura, por sua vez, estão presentes nas microrregiões do Litoral Lagunar, Osório, Campanha Central, Gramado-Canela e Santo Ângelo, ambas com cobertura inferior a 2%. Nas microrregiões do RS onde as integradoras têm destaque na orientação técnica, as principais atividades produtivas são as ligadas ao fumo, frango e suínos, entre outros. Em geral os integrados recebem das integradoras os insumos (sementes, adubos, venenos, pintos, leitões, vacinas) e assistência técnica e, no final do ciclo, as integradoras recebem a produção, restando ao estabelecimento integrado um percentual do valor da produção como pagamento pelo trabalho realizado. Neste contexto a orientação técnica fornecida por empresas integradoras encontra-se inserida em um “pacote” maior, ou seja, o agricultor não tem poder de decisão sobre querer ou não receber a orientação técnica. Acrescenta-se que as orientações fornecidas por integradoras destinam-se, quase que exclusivamente, às questões produtivas.
Demais agentes de orientação técnica Certos agentes que ofertam serviços de orientação técnica investigados pelo Censo Agropecuário apresentaram contribuição marginal ou geograficamente limitada ao atendimento da demanda dos estabelecimentos agropecuários. A participação da orientação técnica própria não se mostra muito expressiva. Somente 5,32% dos estabelecimentos do Estado declararam utilizar-se de orientação própria, contudo esta não pode ser desprezada, pois tem maior cobertura que a orientação de empresas privadas e está presente em todas as microrregiões, tendo seu menor índice de cobertura na microrregião de Santa Cruz do Sul, com 1,96% do total de estabelecimentos, e maior na Campanha Meridional, com 20,41%.
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Salienta-se sua presença significativa em outras microrregiões do RS onde há tradição relacionada à pecuária extensiva (Campanha Ocidental, Campanha Central, Jaguarão, Vacaria e Litoral Lagunar). Nestes espaços possivelmente o maior poder aquisitivo de grandes proprietários rurais determinou maior índice de escolarização formal de seus gestores, possibilitando certa autonomia dos proprietários em relação à orientação técnica de terceiros. A atuação da empresa privada12 no atendimento às demandas de orientação técnica no âmbito do RS é pequena: somente 3,32%de gestores de estabelecimentos declaram utilizar orientação técnicade empresas privadas. No que tange à abrangência geográfica de sua atuação, observa-se que está mais presente na microrregião de Passo Fundo, com 9,61% do total dos estabelecimentos, e menos presente em São Jerônimo, com 0,37% do seu total. Estes dados contrastam com as estimativas presentes no diagnóstico coordenado por Muchagata (2003) que, partindo do número de organizações identificadas no levantamento junto a gestores de projetos de crédito rural com recursos públicos, tendia a superestimar a importância relativa desta categoria. As Organizações Não Governamentais (ONGs) têm presença praticamente insignificante na prestação de serviço de orientação técnica especializada quando se analisa em âmbito agregado de Rio Grande do Sul. A menção às Organizações Não Governamentais é baixa, estimando-se cobertura de somente 0,11% e sua presença é irrisória em todas as microrregiões estudadas, sendo maior na microrregião Porto Alegre, onde alcança 0,41% do total de estabelecimentos, chegando a zero na microrregião de Não-Me-Toque. No diagnóstico conduzido por Muchagata (2003) esse agente é valorizado, pois considera-se que as ONGs trabalham com equipes multidisciplinares e são inovadoras do
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São constituídos por profissionais que se agrupam para vender serviços (via contrato). Segundo Muchagata (2003), atendem a produtores ou grupos de produtores que possuem facilidades de acesso ao crédito e consequentemente atendem aos setores mais capitalizados da agricultura familiar e agricultores patronais.
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ponto de vista metodológico (aplicam metodologias participativas no seu dia a dia). A baixa cobertura em termos de número de estabelecimentos atendidos por ONGs é justificável tendo em vista que, em tese, estas organizações foram criadas no intuito de atender públicos desamparados pelo governo e desprovidos de recursos para pagar por este serviço e, assim, desenvolvem seu trabalho de modo intensivo, em pequena escala e atendendo a um número limitado de estabelecimentos rurais. Constatou-se também uma discrepância em relação ao que se divulga sobre a localização das ONGs, uma vez que no RS seu público está localizado, prioritariamente, nas regiões metropolitanas e não nas regiões remotas, como propõe a literatura. Quanto à categoria “Outras”,13 destaca-se sua baixa presença e ausência de informações suficientes para subsidiar uma discussão sobre seu desempenho.
CONFIGURAÇÕES INSTITUCIONAIS MICRORREGIONAIS NA OFERTA DE ORIENTAÇÃO TÉCNICA NO RS A análise anterior, conduzida por agente, revela a diversidade de fontes de orientação técnica especializada acessadas pelos estabelecimentos agropecuários e indica que pode haver predominância de um ou outro agente conforme a microrregião. Diante dessa constatação realizou-se a agregação de dados de forma a que se revelasse a configuração institucional da orientação técnica especializada – dada pela singularidade em termos de composição e participação relativa de cada um dos agentes em cada microrregião (Figura 6).
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A atuação de outras entidades públicas fazendo Ater no Brasil, segundo Muchagata (2003), chega a 1%, incluindo-se nesta categoria algumas instituições como a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac) na Bahia.
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Figura 6 – Configuração institucional da orientação técnica por microrregião do RS e para o Estado
Fonte: Elaboração dos autores a partir de dados do Censo Agropecuário de 2006.
Se analisada a configuração institucional da oferta de serviços de orientação técnica especializada para o Estado do Rio Grande do Sul como um todo, sintetizada na última barra da Figura 6, identifica-se que o governo tem uma participação de 31,42% no somatório das declarações; cooperativas têm 26,03%; integradoras têm 24,12%; própria tem 10,37%; ONGs com 0,20% e as outras têm 1,94%. Pela Figura 6 evidencia-se, também, que cada microrregião apresenta uma configuração institucionais singular. As microrregiões, portanto, diferem entre si quanto aos agentes presentes e quanto à parti-
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cipação relativa de cada um deles no fornecimento de orientação técnica especializada.14 Diante desse quadro, busca-se comparar as configurações das microrregiões com maior e menor índice de cobertura de orientação técnica especializada. Dentro das cinco microrregiões em que se observam os maiores índices de cobertura, destaca-se a presença das cooperativas como o agente de orientação técnica com maior participação relativa. Na microrregião de Não-Me-Toque as cooperativas, sozinhas, atendem 72,78% do total dos estabelecimentos, respondendo pelos altos índices de cobertura naquela microrregião. Estas observações podem indicar que microrregiões nas quais as condições agroecológicas são favoráveis, em que a agricultura é intensiva, relativamente especializada e tecnificada, os produtores conseguem avançar na construção de uma rede social de cooperação para compra de insumos e venda da produção, além de mobilizar um quadro de profissionais para orientação técnica especializada.15 Altos índices de orientação técnica especializada são encontrados, também, em microrregiões especializadas onde as empresas integradoras coordenam o processo produtivo. Onde se fazem presentes, elas quase monopolizam o fornecimento de orientação técnica. As integradoras são, assim, as que mais se destacam em termos do índice de participação relativa nas microrregiões em que atuam, pois de acordo com os dados, as microrregiões de Camaquã (com 80,85%), Santa Cruz do Sul (com 75,02%), Cachoeira do Sul (com 64,76%) e Pelotas (com 64,54%) têm alta dependência das empresas integradoras para o acesso à orientação técnica especializada. Dentre as seis microrregiões de menor cobertura, quando analisada isoladamente esta variável, o governo se destaca por ser responsável por mais que 50% na oferta de orientação técnica em cinco delas (Osório, Serra do Sudeste, Gramado-Canela, Montenegro e Porto Alegre). A
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Pela natureza dos dados examinados não houve, entretanto, condições de diferenciar o tipo de trabalho que realizam ou especificar o público que atendem. 15 Entende-se que haveria de ser investigada a forma pela qual as cooperativas viabilizam acesso à orientação técnica para seus associados, uma vez que nem sempre há profissionais com esse perfil em seu quadro de recursos humanos.
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restrição da participação de agentes privados em Gramado-Canela, Montenegro e Osório pode estar relacionada às trajetórias de desenvolvimento destas microrregiões, que não apostam na intensificação da produção agropecuária. A exceção é a microrregião do Litoral Lagunar, a de menor cobertura total, com maior participação da orientação técnica própria (46,89%). Uma análise mais geral das configurações institucionais revela que é possível alcançar altos índices de cobertura de orientação técnica especializada mesmo sem presença de governo, como se verifica nas microrregiões de Camaquã, Santa Cruz do Sul e Não-Me-Toque. Para que isso ocorra, entretanto, parece necessário que a microrregião apresente uma produção agropecuária especializada e dinâmica – que desperte interesse e viabilize a atuação de agentes privados. Em contrapartida, em microrregiões de menor dependência das rendas agrícolas, agricultura menos dinâmica ou atividade pouco demandadora de orientação técnica, a presença governamental parece fundamental.
CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise dos índices de cobertura aponta que cerca de 50% dos estabelecimentos rurais do RS contam com algum tipo de orientação técnica especializada, mas considerando-se os índices de cobertura microrregionais constata-se que várias microrregiões apresentam deficiências ainda maiores na oferta e/ou uso de orientação técnica. Como já apontava o diagnóstico de Muchagata (2003), por maiores que estejam sendo os esforços políticos no sentido de viabilizar um maior acesso à orientação técnica, estes não têm sido suficientes, de modo que um número ainda considerável de agricultores encontra-se desassistido. Dentre as microrregiões com baixos índices de cobertura incluem-se: microrregião Lagunar, Osório, Serra do Sudeste, Gramado e Canela, Montenegro, Porto Alegre, Vacaria, São Jerônimo e Campanha Central. Tal realidade coloca em pauta a discussão sobre o índice ideal de cobertura nestas microrregiões, pois cabe reconhecer que parte significativa desses estabelecimentos rurais pode não depender da produção agropecuária, ao constituir exclusiva-
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mente local de moradia ou ter destinações outras que não a produção agropecuária intensiva, como vêm apontando estudos sobre o novo rural no RS (Schneider, 1999; Biolchi; Schneider, 2003; Anjos; Caldas, 2005).16 De todo modo, retomam-se as considerações de Buainain (2007, p. 55) ao comentar a cobertura da assistência técnica a partir de dados do Censo Agropecuário de 1996: “Ainda que se leve em conta que uma parcela dos estabelecimentos familiares minifundistas é, na realidade, mais local de moradia que de produção, e que, portanto, não demanda assistência técnica, o diagnóstico não mudaria: o número de agricultores que utilizou a assistência técnica é ainda muito pequeno”. Ao avaliar-se a importância relativa de cada um dos agentes fornecedores de orientação técnica especializada (governo, cooperativas, integradoras, própria, de empresas privadas ou ONGs) constata-se que o cenário construído com base nos dados do Censo Agropecuário de 2006 para o Rio Grande do Sul não guarda grande correspondência com as expectativas criadas a partir de levantamentos prévios. Encontram-se divergências com as estimativas oriundas do diagnóstico coordenado por Muchagata (2003), por exemplo. Enquanto cooperativas e integradoras alcançaram uma importância superior à esperada, governos e, especialmente ONGs, demonstraram um alcance inferior ao previsto. Entende-se que estas divergências, em parte, podem ter sua origem em diferenças metodológicas, uma vez que as estimativas de Muchagata (2003) basearam-se no número de instituições atuantes em Ater para agricultores familiares e assentados com base em dados secundários e informantes qualificados (Neumann; Froehlich, 2004) e o Censo de 2006 considerou a cobertura a partir de levantamento e declaração de gestores de estabelecimentos rurais, indiferenciadamente de sua categoria social. Ao se observar as configurações institucionais é possível afirmar que se identifica em cada microrregião do Rio Grande do Sul uma configuração particular quanto à diversidade e importância relativa de agentes
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O uso da expressão “novo rural” para indicar uma linha de pesquisa com objeto próprio tem forte influência do trabalho de Graziano da Silva (2001).
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fornecendo orientação técnica especializada aos produtores rurais. Assim, os cenários construídos neste trabalho reforçam a visão de uma Ater plural no Rio Grande do Sul.17 Uma das indicações claras resultantes deste estudo é de que o índice de cobertura das agências governamentais não constitui um indicador suficiente para avaliar o acesso à orientação técnica especializada por produtores de uma determinada microrregião. O que se identifica é que em locais nos quais se verifica baixa cobertura do agente governamental, outros podem assumir a orientação técnica quando há interesse econômico, como no caso de Camaquã e Santa Cruz do Sul, onde as integradoras respondem pelos altos índices de cobertura e Não-MeToque, em que se destacam as cooperativas. Nesse contexto, a atuação de outro agente pode ser tanto provocada pela “deficiência” da atuação governamental quando pode ser produto da história de acomodação entre os agentes – que leva os governos a minimizarem seus esforços quando outros agentes se fazem presentes. Cabe enfatizar, no entanto, que em algumas microrregiões do Estado do Rio Grande do Sul, a ação de outros agentes não é capaz de elevar significativamente o índice de cobertura de orientação técnica. Esse padrão da oferta de orientação técnica como um todo acaba por implicar uma cobertura reduzida em microrregiões com agropecuária menos dinâmica. Neste sentido, é preocupante a possibilidade de se estabelecer círculo vicioso no qual a fraca potencialidade dos recursos naturais desestimula investimentos na intensificação produtiva e a resultante estagnação produtiva não possibilita a consolidação de agentes privados de orientação técnica especializada. Neste contexto, os esforços de agentes individuais para reverter essa situação encontrarão um quadro institucional desfavorável, o que contribui para o insucesso de sua iniciativa. Entende-se que há necessidade de repensar a atuação
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Estudos conduzidos no Paraná apresentam esta mesma constatação (Torrens, 2004).
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do governo nestas microrregiões, o que deveria ser feito com base em projetos endógenos de desenvolvimento que considerassem o conjunto de agentes atuantes nele. Por fim, embora a configuração institucional aponte para um cenário de pluralismo institucional, ainda não se dispõe de uma política diferenciada de orientação técnica para cada microrregião. Ou seja, ainda não se atua politicamente em direção à conformação de sistemas verdadeiramente “pluralistas” de Ater. Para que se conformasse um sistema pluralista em cada microrregião teria o Estado refletir sobre seu papel verificando a diversidade social encontrada, as demandas de orientação técnica, as organizações atuantes e seu potencial e como operar para cobrir as lacunas em direção à concretização de um projeto de desenvolvimento territorial democraticamente definido.
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REFORMA AGRÁRIA E A ATUAÇÃO DO ESTADO NA OFERTA DE SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL PARA ASSENTADOS Pedro Selvino Neumann Vinícius Piccin Dalbianco
O Brasil é um país cuja história é marcada pela desigualdade na distribuição de recursos produtivos. Os altos índices de concentração da terra refletem a estrutura agrária criada pela Corte portuguesa e a orientação das políticas dos governos brasileiros, que optaram pela modernização conservadora da agricultura ao invés de realizar amplo programa de reestruturação fundiária como estratégia de desenvolvimento rural. Desigualdades na distribuição de terra estão associadas a dessemelhanças na distribuição de poder e conflitos no campo. Assim, a história social da agricultura brasileira registra a emergência de focos de movimentos sociais de luta pela terra em diferentes regiões do país e ao longo de sua História. Como resposta aos conflitos em torno da distribuição de terra, os governos vêm adotando medidas paliativas, criando projetos de colonização, projetos de assentamentos, bem como vêm reconhecendo direitos de comunidades tradicionais.
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Tanto os projetos de colonização como os de reforma agrária implicam o assentamento de famílias que, muitas vezes, ao migrarem de outras regiões, desconhecem o ambiente agroecológico e socioeconômico no qual estão sendo inseridas. Os quadros de escassez de recursos materiais, financeiros e de infraestrutura restringem, ainda mais, as possibilidades de desenvolvimento dos assentamentos. Reconhecendo estas dificuldades, tanto governos quanto organizações de representação dos movimentos sociais vêm buscando assegurar que as famílias tenham acesso a serviços públicos de assistência técnica e extensão rural adequados a sua realidade. Nesta perspectiva, o presente texto tem por objetivo contextualizar e caracterizar a atuação do Estado brasileiro no provimento de serviços públicos de assistência técnica e extensão rural para famílias assentadas em projetos de reforma agrária.
INCIATIVAS GOVERNAMENTAIS NO PERÍODO DE 1960-1997 Os serviços públicos de apoio ao desenvolvimento agrícola destinado aos assentados da reforma agrária já estavam previstos no Estatuto da Terra, em 1964. Além da assistência técnica para os assentados, o Estatuto da Terra previa, no artigo 73, a distribuição de sementes e mudas, a venda e a distribuição de reprodutores, a mecanização agrícola, o cooperativismo, a assistência financeira, o auxílio para a comercialização, a industrialização e beneficiamento dos produtos, a eletrificação e a capacitação rural.1 Logo após sua promulgação, o governo designou o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (Ibra) como órgão responsável pela coordenação deste serviço.
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De acordo com este documento, passa a ser obrigação da assistência técnica para os assentamentos: a) a planificação de empreendimentos e atividades agrícolas; b) a elevação do nível sanitário, através de serviços próprios de saúde e saneamento rural, melhoria de habitação e de capacitação de lavradores e criadores, bem como de suas famílias; c)
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Em 1970, o governo de Castelo Branco criou o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), ligado ao Ministério da Agricultura. Um dos objetivos buscados com a criação do Incra foi o de estimular a consolidação de unidades de produção por meio da organização social e econômica das comunidades nos assentamentos. Com essas medidas o governo pretendia integrar as populações marginalizadas ao processo de desenvolvimento em curso, utilizando, para tanto, a assistência técnica e extensão rural. Pimentel (2007) complementa a caracterização dessa proposta ao mencionar que se preconizava, na época, a participação dos beneficiários em todas as etapas do processo de prestação de assistência técnica, desde que o modelo de desenvolvimento a ser instituído seguisse as orientações gerais do governo. Embora fossem criadas instituições de apoio à reforma agrária e estabelecidas orientações normativas para sua atuação, na visão de Pimentel (2007) o serviço de assistência técnica preconizado para os assentados durante os governos militares não saiu do papel, tendo ficado restrito a ações pontuais, muitas vezes desarticuladas e executadas pelas entidades locais ou regionais. Com o fortalecimento da organização popular na década de 80, e com a criação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), voltaram à pauta as reivindicações de políticas públicas destinadas a atender os agricultores sem-terra e os assentados, entre elas encontravam-se as políticas de assistência técnica e extensão rural.
a criação do ensejo empresarial e a formação adequada em economia doméstica, indispensável à gerência dos pequenos estabelecimentos rurais e à administração da própria vida familiar; d) a transmissão de conhecimentos e acesso a meios técnicos concernentes a métodos e práticas agropecuárias e extrativas, visando à escolha econômica das culturas e criações, à racional efetivação e desenvolvimento, e ao emprego de medidas de defesa sanitária, vegetal e animal; e) o auxílio e a assistência para o uso racional do solo, a execução de planos de reflorestamento, a obtenção de crédito e financiamento, a defesa e preservação dos recursos naturais; f) a promoção, entre os agricultores, do espírito de liderança e de associativismo (Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964 – Estatuto da Terra).
86 Em 1985, no auge da abertura democrática do país, foi substituído o presidente da Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (Embrater) e as novas orientações propostas pareciam contemplar as reivindicações dos sem-terra e assentados. Assumiu o cargo Romeu Padilha de Figueiredo que, no seu discurso de posse, destacou a priorização que a empresa haveria de dar ao povo marginalizado do modelo desenvolvimentista dos governos militares e, entre eles, aos sem-terra e assentados da reforma agrária: A prioridade aos pobres no contexto brasileiro é uma exigência não só ética como também econômica, social e política... Sabem os que trabalham a terra e os que com eles convivem que, sem a reforma agrária não se consolidará a democracia e nem serão ampliados os espaços da liberdade. Por isso, é necessário que todos nós, extensionistas brasileiros, como cidadãos, comprometamo-nos com sua imediata implantação e, como técnicos não poupemos esforços para garantir o seu êxito (Embrater, 1986, p. 8).
Essa proposta de mudança de orientação das políticas governamentais de assistência técnica e extensão, no entanto, teve poucas repercussões. A partir das crises econômicas e políticas do governo Sarney e da extinção da Embrater pelo governo Collor, em 1990, a responsabilidade pela oferta dos serviços de assistência técnica e extensão rural aos agricultores foi repassada aos governos estaduais e municipais e às empresas privadas. Neste cenário, ganharam destaque várias Organizações Não Governamentais (ONGs) interessadas em prestar assistência aos agricultores familiares e assentados, muitas delas financiadas com recursos internacionais. Apesar do aumento da atuação de agentes privados e não governamentais, como as ONGs, a parcela de agricultores atendidos por serviços de assistência técnica e extensão rural passou a ser muito baixa. De acordo com Echenique (1998), neste período, mais de 80% dos agricultores familiares e assentados não dispuseram de qualquer tipo de assistência técnica.
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A pressão política dos movimentos sociais do campo, aliada à repercussão internacional do massacre dos sem-terra em Corumbiara e Eldorado dos Carajás,2 estimularam uma reação governamental no sentido de promover ações no âmbito da reforma agrária. Foi neste contexto que o governo federal, por intermédio do então presidente Fernando Henrique Cardoso, criou o Gabinete do Ministro Extraordinário de Políticas Fundiárias, retirando do Ministério da Agricultura a responsabilidade sobre a questão agrária. Uma das iniciativas então tomadas foi a criação do Projeto Lumiar, em 1997, com o objetivo de viabilizar acesso à assistência técnica e extensão rural às famílias em assentamentos de reforma agrária.
INICIATIVAS GOVERNAMENTAIS DE 1997-2000 E O PROJETO LUMIAR A pressão social por políticas públicas voltadas para os assentados, o diagnóstico de que a assistência técnica nos assentamentos de reforma agrária era praticamente inexistente e de que instituições como as Empresas de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ematers) estavam desmanteladas, no entender de Echenique (1998) foram os principais elementos para o governo federal tomar a iniciativa de criar um projeto específico para atender às demandas de assistência técnica e extensão rural em assentamentos de reforma agrária (que veio a ser conhecido como Projeto Lumiar). Dias (2004, p. 514) explica que o desenho do Projeto Lumiar partiu de um diagnóstico que apontava: a) a insuficiência ou a inadequação dos serviços oferecidos pelas empresas estaduais de Extensão Rural (Ematers e similares); b) a necessidade de um serviço de assistência técnica e de extensão rural específico para os agricultores
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Em Corumbiara (Rondônia), em agosto de 1995, a intervenção policial em uma ação de despejo resultou em várias mortes de trabalhadores rurais. Um ano depois, em Eldorado dos Carajás, no Pará, outra ação policial acabou com 17 trabalhadores mortos. As imagens do “massacre do Eldorado” provocaram reações em todo o mundo, reconduzindo o tema da reforma agrária à discussão pública.
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assentados, que desse suporte à execução dos projetos técnicos financiados com recursos dos programas públicos de crédito rural e c) a falta de capacidade operacional do Incra para dar conta da diversidade de tarefas que demandam os processos de assentamento. Essencialmente, o Projeto Lumiar visava a preencher a lacuna existente no âmbito da oferta de serviços públicos de assistência técnica e extensão rural aos assentados visando a sua consolidação no âmbito produtivo, como pode ser observado no seu objetivo, extraído do documento guia do Lumiar: “Viabilizar os assentamentos tornando-os unidades de produção estruturadas, inseridas de forma competitiva no processo de produção voltado para o mercado, integrado à dinâmica do desenvolvimento municipal e regional” (Incra, 1997, p. 4). Embora o objetivo geral do Lumiar pouco se distinguisse daqueles orientadores das iniciativas anteriores, para Pimentel (2007) o projeto inovou positivamente na forma de intervenção das políticas públicas ao colocar em discussão uma alternativa de prestação de serviços de assistência técnica e extensão rural mais adequada à realidade dos assentados.3 Dias (2004, p. 530) esclarece o tipo de inovação proposta pelo Lumiar: O Lumiar tanto inovava institucionalmente, quando propôs e colocou em prática, com todos os seus limites, um modelo descentralizado de co-gestão dos serviços de Ater, quanto no momento em que fez uma leitura peculiar do discurso crítico sobre a missão, os objetivos e os métodos tradicionalmente utilizados pelas entidades públicas de Extensão Rural, aplicando-a ao seu modo de intervenção social.
No aspecto da estrutura organizacional, o Lumiar foi formatado para que os serviços de assistência técnica e extensão rural fossem financiados com recursos públicos, mas fornecidos por equipes locais de organizações privadas ou de interesse público – ONGs, cooperativas
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Ou seja, o governo federal tentou, por meio desta iniciativa, incorporar, na prática, uma série de reivindicações dos movimentos sociais com relação à reorientação dos serviços de assistência técnica e extensão rural financiados pelo Estado.
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de trabalho, grupos de profissionais pertencentes à Emater – e outros (Incra, 1997) em processos gestionados pelas associações dos próprios assentados. Assim, o modelo organizacional proposto implicava a inovação do formato institucional da oferta desses serviços públicos mediante descentralização-terceirização de sua execução.4 Instituía-se, assim, uma experiência de aplicação de um modelo de gestão participativa e de coordenação compartilhada da assistência técnica e extensão rural entre governo, prestadoras de serviços e assentados (e suas organizações). Para que fosse este o formato organizacional adotado pelo Lumiar contribuíram influências diversas, próprias do contexto político e institucional de sua formulação. Inicialmente cabe situar que esse projeto foi formulado num contexto em que o governo federal priorizava uma reforma do Estado, com delegação da execução de serviços públicos não essenciais às organizações não governamentais de interesse público. Essa alternativa mostrava-se como especialmente interessante na conjuntura vivenciada pelo Incra, pois possibilitaria acesso a esses serviços pelos assentados,5 apesar dos limites em sua capacidade operacional (executiva). O Projeto Lumiar orientou as ações do Incra no âmbito da assistência técnica aos assentamentos de 1997 a 2000. Em análises posteriores, concluiu-se que o modelo de assistência técnica projetado no Lumiar trazia avanços importantes para a prática extensionista, a exemplo da gestão participativa e da coordenação compartilhada entre governo, prestadoras de extensão rural e assentados e desse modo abriu um leque de discussões acerca da necessidade de uma
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De acordo com Medeiros (2002), a criação do Projeto Lumiar foi uma das iniciativas adotadas pelo governo para limitar o poder dos movimentos sociais, criando, por meio de instrumentos legais, um processo de descentralização das ações do Estado. 5 De um lado, esta iniciativa se orientava pela necessidade de desonerar o Incra da tarefa de atender tecnicamente os assentamentos e, de outro, buscava a viabilidade econômica dos assentados, basicamente por meio da elaboração e execução dos projetos de crédito.
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extensão rural diferenciada aos assentados da reforma agrária. Apostando no envolvimento do órgão que ofertava o serviço (divisão de assentamentos do Incra) com a origem da demanda (os assentados), o Lumiar promovia, a seu modo, o controle social como forma de garantir agilidade às ações. Além disso, a proposta de vincular as ações extensionistas à realidade de cada região aproximava a política pública das demandas reais dos assentamentos. Embora inovador, o Projeto Lumiar apresentou um conjunto de limitações em sua operacionalização que acabaram por acarretar avaliações nem sempre positivas desta experiência. Um dos aspectos especialmente críticos na operacionalização do Lumiar refere-se à participação do Incra. Para Pereira (2004), a proposta foi adequada e instigante, mas exigia uma estrutura complexa para sua execução, fator que não encontrou correspondência na dinâmica organizativa do governo e das prestadoras de serviços. Marinho, Barbiero e Pereira (1999) contribuem para o entendimento das limitações estruturais enfrentadas pelo Incra ao expor que o Projeto Lumiar teve problemas relacionados ao Instituto: o Incra não possuía uma estrutura institucional adequada para atender às demandas do projeto e, na maioria dos Estados, a secretaria executiva do projeto se resumia à pessoa do secretário, tornando demasiado o volume de atividades e o acúmulo de tarefas. Isto fez com que, em determinadas situações, as ações do Projeto Lumiar fossem realizadas sem o controle e coordenação do Incra, resultando em responsabilidade exclusiva das prestadoras e das organizações dos assentados, o que comprometeu o cumprimento das diretrizes e objetivos propostos. Para outros autores o Projeto Lumiar foi visto pelos servidores do Incra como algo externo ao órgão, fazendo com que as atividades nele previstas ficassem em segundo plano e, nesse contexto, a gestão burocrática do Incra não permitiu a agilidade exigida pelo Projeto Lumiar, impedindo o desenvolvimento do fluxo proposto. Assim, o fato de o Incra não se colocar na condição de executor do projeto causou uma baixa responsabilização pelas ações de assistência técnica e extensão rural para
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os assentamentos no quadro técnico da instituição, o que comprometeu substancialmente o envolvimento do governo no Projeto (Echenique, 1998; Marinho; Barbiero; Pereira, 1999; Pereira, 2004). O desconhecimento dos assentados sobre a estratégia do Projeto Lumiar e da proposta de gestão compartilhada adotada neste modelo de assistência técnica e extensão rural foi outro fator que fez com que a operacionalização ocorresse, em muitas situações, sem o consentimento ou com o desconhecimento dos beneficiários. Ao avaliarem o Lumiar nos assentamentos do Distrito Federal, Altafin e Molina (2000, p.4) diagnosticaram que em nenhum momento os assentados demonstraram entendimento de qual seria a função deles no acompanhamento e avaliação das ações do projeto. O surgimento de inúmeras cooperativas para a prestação de serviços no âmbito do Lumiar proporcionou um aumento das dificuldades relativas à agilidade das ações, 6 tendo em vista que elas não tinham experiência acumulada e raramente possuíam uma estrutura administrativa de apoio à execução das ações: Em muitos casos, são as próprias entidades de representação dos assentados que criam cooperativas de técnicos para atender às demandas do Lumiar. Esta situação de quase monopólio tem provocado algumas distorções no trabalho em relação às Diretrizes do Projeto (Marinho; Barbiero; Pereira, 1999, p. 8).
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Para Echenique (1998), os principais problemas que se apresentam quando se faz uma análise do Projeto Lumiar referem-se à instabilidade institucional, que limitava a contratação de profissionais e especialistas qualificados, à estruturação física das prestadoras, bem como à garantia da continuidade dos trabalhos para os assentados. Segundo Guanziroli et al. (2003), a instabilidade institucional, a falta de experiência das equipes técnicas no trabalho de extensão rural e nos assentamentos, as denúncias de desvios de recursos públicos e o desvio de funções das equipes técnicas locais foram alguns dos fatores determinantes para o fim do Lumiar.
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Estudando o Projeto Lumiar no Estado do Rio de Janeiro, Pimentel (2007) observa que, devido à vinculação das cooperativas de prestação de serviço com a organização política do MST, os técnicos participaram ativamente de inúmeras manifestações sociais junto aos assentados, o que interferia no desenvolvimento dos trabalhos técnicos. Nessas circunstâncias, os técnicos ora agiam como mediadores, ora como agentes mobilizadores de ações de natureza política. No que se refere à concepção do trabalho do extensionista, embora o projeto tenha buscado diferenciar-se da orientação tradicional, na prática, segundo Guanziroli et al. (2003), a assistência técnica e extensão rural nos assentamentos, por meio do Projeto Lumiar, privilegiou a elaboração de projetos técnicos para liberação de crédito, configurando uma ação clássica, pontual e descontínua. Os autores destacam, também, que este caráter técnico produtivista instituiu o principal marco de referência do Projeto Lumiar, ficando em segundo plano as questões sociais e ambientais. Entre o fim do Lumiar e o atual programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental (Ates), vigente desde 2004, houve uma lacuna na oferta dos serviços de assistência técnica e extensão rural para os assentados da reforma agrária. Foram basicamente quatro anos em que os assentados ficaram à mercê das boas intenções das organizações não governamentais, empresas e agências governamentais estaduais e municipais.
O PROGRAMA DE ASSESSORIA TÉCNICA, SOCIAL E AMBIENTAL (ATES) PARA OS ASSENTADOS DA REFORMA AGRÁRIA Com o advento da nova Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pnater), promovida pelo governo federal a partir de 2003, o Incra passou a discutir, com base nas mesmas diretrizes constantes na Pnater, um programa para atender os assentados da reforma agrária. Dessa forma, além de sustentar politicamente a assistência técnica e extensão rural para os agricultores familiares, as diretrizes da Pnater
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serviram como base para o lançamento do Programa de Ates, destinado a atender exclusivamente o público da reforma agrária. A instituição desse programa ocorreu associada à criação de uma nova modalidade de crédito, o Pronaf A, desvinculando, de certo modo, o crédito para assentados daquele destinado aos agricultures familiares. Entre os fatores que contribuíram para um ambiente propício ao surgimento de um Programa de Assistência Técnica e Extensão Rural exclusivo aos assentamentos da reforma agrária, Dias (2004) destaca: o gradual aumento da tensão social entre proprietários rurais e agricultores sem-terra, diante da expectativa de realização de um processo amplo de reforma agrária mediante a formulação do II Plano Nacional de Reforma Agrária; a frustração crescente gerada pela excessiva morosidade governamental no que diz respeito à execução das políticas de reforma agrária; a contínua projeção do agronegócio e a legitimidade de suas propostas angariando adeptos na opinião pública e entre os formuladores de políticas públicas; o contexto político-administrativo criado com o início do novo governo, quando diversos simpatizantes ou parceiros do MST e da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) assumiram postos no aparato administrativo, especialmente no Incra e no Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e a paulatina retomada, em 2004, das mobilizações e ocupações, com o rompimento da “trégua” entre o governo e o MST, deflagrada pelo evento do “Abril Vermelho”. Neste cenário, é importante destacar que embora o processo de reforma agrária, posto em prática no país a partir da pressão popular, não tenha modificado significativamente a estrutura agrária, os dados disponíveis indicam que, como fruto de iniciativas realizadas em diferentes períodos históricos, encontram-se assentadas um número significativo de famílias, o que justifica ainda mais a necessidade de um programa nacional de assistência técnica e extensão rural exclusivo para as famílias assentadas. Os dados do Dataluta, por exemplo, apontam que até 2006 cerca de 913.000 famílias tinham sido contempladas com os diferentes
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projetos de assentamentos, incorporando uma área de 64,5 milhões de hectares. Destes, a grande maioria (711.839), consideradas como sendo assentadas de projetos federais (Girardi, 2008, Tabela 1)
Tabela 1 – Número de assentamentos e número de famílias assentadas por tipo de assentamento rural, de 1988 a 2006 no Brasil
Fonte: Girardi (2008).
Já os dados mais atualizados do Incra, relativos a 2010, informam que no Brasil encontram-se 924.000 famílias assentadas, em 8.773 projetos de assentamentos, incorporando 85,8 milhões de hectares (Incra, 2010). Apesar da divisão operacional entre o MDA e o Incra – o primeiro atendendo os agricultores familiares e o segundo os assentados – os marcos referenciais da política de Ater e Ates são os mesmos, compartilhando instâncias e espaços decisórios. De acordo com Dias (2004, p. 519), no entanto, o documento-guia da Pnater teria priorizado discursivamente os agricultores familiares, citando os assentados apenas quando definia o público beneficiário: “O termo ‘reforma agrária’ só apareceu para qualificar os assentados como beneficiários de programas de reforma agrária. Não foi feita qualquer relação entre extensão rural e reforma agrária ao longo do texto”. Apesar disto, já no início do texto do primeiro Manual
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Operacional do Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental,7 elaborado pelo Incra em 2004, está explicitada a consonância almejada entre as políticas do Incra e do MDA: Tanto a necessidade da realização de uma reforma agrária mais ampla e expressiva, como de um reordenamento da estrutura fundiária nacional sob o signo da função social que tem a propriedade da terra, direcionados ao desenvolvimento e consolidação da agricultura familiar, são condições imperativas a justificar o passo dado pelo governo na definição da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural, vinculada ao MDA (Incra, 2004, p. 4).
O Manual Operacional do Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental aponta detalhadamente as orientações básicas para os serviços da Ates do Incra (2004, p. 5): I – Compreende-se como atividades de Ates o conjunto de técnicas e métodos, constitutivos de um processo educativo, de natureza solidária, continuada, pública e gratuita, voltado à promoção da igualdade entre homens e mulheres, construção do conhecimento e das ações direcionadas à melhoria da qualidade de vida das famílias assentadas nos projetos de reforma agrária, tomando por base a qualificação das pessoas, das comunidades e de suas organizações, visando a sua promoção em termos ambientais, econômicos, sociais e culturais, no âmbito local, territorial e regional, dentro do que enseja o conceito de desenvolvimento rural sustentável; II – Entende-se, também, como atividades de Ates, a participação nas ações de natureza multidimensional, em termos técnico-ambientais, econômicos, culturais e sociais, voltadas para a construção do processo de desenvolvimento dos projetos de assentamento, criados e reconhecidos pelo Incra e a serem recuperados, segundo o contexto de desenvolvimento rural integrado, a envolver os diversos territórios e biomas, compreendidos pelos diferentes grupos sociais e culturais existentes no meio rural.
7
Além do Manual Operacional do Serviço de Ates, o documento de referência para análise desta proposta é a Norma de Execução n. 39 do Incra, publicada no Diário Oficial da União em 4/5/2004.
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A partir da elaboração do Manual Operacional do Programa de Ates, o governo federal passa a assumir a Ates como sendo um processo educativo continuado, incorporando os aspectos produtivos, ambientais e sociais. Seguindo as diretrizes da Pnater, a Ates passou a defender o desenvolvimento rural sustentável na busca pela qualidade de vida dos assentados. Além disso, a adoção da abordagem sistêmica, que passou a fazer parte do discurso da Ates, exigiria um processo mais complexo de planejamento da intervenção do que o adotado pela assistência técnica tradicional, requerendo um maior envolvimento dos técnicos com os assentados e com a dinâmica regional e local. Talvez um dos principais indicativos deste fato tenha sido a substituição da expressão “assistência técnica” por “assessoria técnica”, embora o documento-guia não explicite as razões de tal mudança. Cabe ressaltar que, do ponto de vista da estrutura organizacional, o Programa de Ates foi concebido prevendo-se o financiamento e coordenação do Programa pelo Estado e a execução por terceiros, com criação de instâncias de coordenação, supervisão e controle social. A coordenação do Programa de Ates está compartilhada entre duas unidades básicas: a Coordenação Nacional, por meio da Divisão de Desenvolvimento dos Assentamentos e a Coordenação Estadual, por intermédio das superintendências regionais8 do Incra. Devido à subordinação da Ates às diretrizes da Pnater, uma das competências da Coordenação Nacional foi compatibilizar e integrar os serviços de Ates do Incra às ações a serem desenvolvidas pelo Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural (Dater) da Secretaria da
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Agricultura
Na maioria dos Estados existe apenas uma superintendência do Incra, no entanto em alguns, como é o caso do Pará e do Amazonas, existem mais de uma, sendo estas divididas por regiões.
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Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário (Seaf) do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), principalmente por meio do fórum nacional da Ater.9 Como instância de gestão participativa, o Programa de Ates previu a realização de fóruns regionais (estaduais) e nacionais, de caráter consultivo e com participação paritária entre governo e sociedade civil, dentro do contexto da descentralização do poder decisório. Na execução das atividades de Ates, foi prevista a formação de equipes técnicas, organizadas em Núcleos Operacionais (NOs), além de equipes para o trabalho de articulação e de especialistas, se necessário. Aos articuladores coube a tarefa de dar suporte às equipes técnicas dos NOs, auxiliando no planejamento e execução das ações de Ates. Às equipes técnicas dos NOs coube a elaboração e acompanhamento da execução dos Projetos de Exploração Anual (PEA), do Plano de Desenvolvimento do Assentamento (PDA) e do Plano de Recuperação dos Assentamentos (PRA), que orientariam as posteriores ações continuadas de assessoria técnica, social e ambiental nos assentamentos, a serem executadas por elas mesmas. As equipes técnicas estariam vinculadas a organizações prestadoras de serviços que, mediante convênio ou contrato com o Incra, receberiam os recursos financeiros necessários para a execução dos serviços. Com este formato institucional, foi de certa forma reeditado o caráter descentralizado/terceirizado da execução da política pública de extensão rural já observado na experiência do Lumiar. O Estado passa a assumir o papel de financiador, fiscalizador, coordenador e supervisor
9
Além disso, cabe à coordenação alocar recursos da Ates; orientar e estimular a entidade representativa dos assentados para acompanhar e avaliar as atividades de Ates; constituir e coordenar o Fórum Estadual de Ates; articular-se com os Colegiados Territoriais, Conselhos Estaduais e Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável; promover articulação com entidades e instituições que trabalhem na temática da Reforma Agrária visando ao desenvolvimento do Programa; e construir e instituir, juntamente ao Fórum Estadual de Ates, um Plano Regional de Capacitação, voltado para os trabalhadores rurais assentados, das atividades de Ates (Incra, 2008).
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da Ates, as equipes técnicas das prestadoras de serviços e as equipes de articulação assumem o papel de execução e a organização social dos assentados participa do acompanhamento, definição de rumos e controle social do programa. Para Medeiros e Leite (2004), os convênios que passaram a ser estabelecidos com as prestadoras de serviços buscavam responder às demandas postas pela pressão social, mas eram baseados em preceitos neoliberais de terceirização de serviços e na precarização das relações de trabalho. Uma avaliação mais geral revela que o Programa de Ates permitiu avanços no acesso à assessoria técnica, social e ambiental por parte dos assentados de modo que, atualmente, o serviço de Ates apresenta-se relativamente consolidado, como se verifica pelos dados constantes na Tabela 2. Tabela 2 – Abrangência dos serviços de Ates no Brasil Assentamentos
Famílias Beneficiadas
Número de Prestadoras
Técnicos envolvidos
3.343
260.348
70
3.062
Fonte: Incra (2010).
Muito embora o número total de assentamentos e famílias atendidos pelos serviços de Ates seja elevado (260.348), ainda está longe de alcançar as 924.000 famílias assentadas em 8.773 projetos de assentamentos existentes em 2010, segundo o Incra. Na execução do Programa de Ates verificou-se necessidade de discutir a melhor maneira de formalizar as relações entre Incra – Prestadora de Serviços de Ates. Historicamente, as relações entre Incra e Prestadoras de Serviços de Ates era mediada por convênios mas, atualmente, a forma de contrato tem sido mais recomendada. A forma de contrato, embora numericamente significativa, é o instrumento mais recente, o que explica a situação expressa na Tabela 3, em que a maioria das famílias ainda é atendida pela modalidade de convênio.
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Tabela 3 – Tipos de instrumentos firmados com as prestadoras de serviços de Ates Tipos de instrumento Convênios e Parcerias* Contratos Total
Firmados
Famílias
Famílias PDA
Famílias PRA
47
181.060
55.253
32.489
72
79.288
12.454
16.227
119
260.348
67.707
48.716
Fonte: Incra (2010). * Somente 1 parceria
Diversos autores avaliam que a qualidade dos serviços de Ates operada por convênio fica comprometida pela instabilidade institucional a que a relação entre Incra-Prestadora de Serviços de Ates fica submetida (Dias, 2004; Silva; Araujo, 2008; Piccin, 2007). Estes autores alegam que as relações mediadas por convênio favorecem a instabilidade institucional das prestadoras de serviços de Ates, sendo frequentemente observadas dificuldades de operação, incertezas quanto à renovação dos convênios, preocupações quanto à disponibilidade futura de recursos para o programa, esforços permanentes de adequação da prestadora a novas regras, normas e decretos condicionantes de sua atuação. As dificuldades de cumprimento das regras criavam dificuldades na prestação de contas, atrasos nos repasses dos recursos e grande rotatividade de técnicos, prejudicando a continuidade do trabalho dos técnicos de Ates e a consolidação de um “processo de estabelecimento de relações duradouras” entre estes e os assentados.10 Além desses aspectos, a modalidade convênio foi muito criticada pelos órgãos de controle das contas do Estado. A falta de transparência sobre o gasto dos recursos públicos, a ausência de um sistema de controle
10
Piccin (2007, p. 97) destaca que o formato institucional do serviço de Ates tende a inviabilizar preceitos fundamentais de seu programa. A propalada “construção de processos duradouros e contínuos de interação” e o “estabelecimento de confiança mútua entre técnicos e agricultores-assentados” ficam, no mínimo, comprometidos.
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das ações desenvolvidas pelas equipes técnicas e a pressão social sobre as ações desenvolvidas pelo Incra foram os argumentos que sustentaram a necessidade de alteração em relação aos instrumentos jurídicos utilizados pelo Instituto para contratação das entidades prestadoras de serviço, substituindo os convênios pelos contratos estabelecidos, por meio de chamadas públicas. Mesmo com as dificuldades de ordem organizacional, destaca-se o esforço de busca de sintonia com os princípios da Ates, que se manifesta no sentido de se requerer que atue com equipe multidisciplinar, como pode ser observado na Tabela 4. Dos 3.062 técnicos atuantes na Ates, 2.50 possuem formação própria para atuar além das questões específicas da produção agrícola e foram designados para atuar na área social e/ou ambiental. Tabela 4 – Nível e tipo de formação dos técnicos da Ates Total
Nível Médio
Nível Superior
Social/Ambiental
Agrárias
3.062
2.042
1.020
2.050
1.012
Fonte: Incra (2010).
Assim, ficam evidentes avanços na cobertura e esforços para aprimoramento na qualidade destes serviços a serem ofertados às famílias assentadas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Compreende-se o atual Programa de Ates do Incra como um processo em construção, que vem trilhando um caminho inovador para consolidação de uma assistência técnica e extensão rural pública e de qualidade em áreas reformadas, e neste processo já é possível visualizar alguns avanços, entre os quais cabe destacar: – a definição clara do público a ser beneficiado: os assentados de reforma agrária;
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– avanços na cobertura da assessoria técnica, social e ambiental; – o estímulo à intervenção coletiva em contraposição à intervenção individual – que foi a orientação historicamente dominante na extensão rural; – a abertura de um campo de atuação profissional para técnicos politicamente mais próximos à reforma agrária; – a demarcação de uma visão mais integral dos processos educativos no meio rural, integrando as questões ambientais e sociais e – a oxigenação do debate sobre o papel do Estado no apoio aos assentados, intervindo nos interesses corporativos das prestadoras de assistência técnica e extensão rural por meio de diretrizes predeterminadas em contratos. Ao mesmo tempo que permite avanços, a nova política de extensão rural para os assentados da reforma agrária desafia a institucionalidade tradicional do Estado por dois fatores centrais. Primeiramente devido à reedição do modelo de gestão descentralizada, o qual atribui aos beneficiários e às prestadoras de Ates participação na gestão do Programa e, por essa via, a responsabilidade de pensar a política de extensão como um processo contínuo e duradouro, na perspectiva de se aproximar paulatinamente das demandas e exigências locais, desenvolvendo e ampliando a sustentabilidade dos assentamentos com autonomia. O segundo por exigir do próprio Estado uma postura de coordenação, fiscalização e de monitoramento da Ates, analisando e avaliando constantemente os produtos gerados e as ações desenvolvidas, a fim de aprimorar as metas e objetivos propostos. Papéis distintos e que exigem do Estado capacidade operacional e uma ampla sintonia para a sua plena execução. Nesse sentido, a substituição dos instrumentos que regem as relações com as prestadoras de serviços de Ates (de convênios para os contratos) ampliou o controle burocrático do Incra sobre o trabalho das prestadoras e o principal impacto deve-se refletir na quantidade dos serviços prestados (número
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de famílias atendidas, número de atividades realizadas), entretanto os avanços quantitativos podem não representar avanços significativos se for aplicada uma avaliação qualitativa do programa. Entende-se que a superação dos desafios atuais e futuros não é de exclusiva responsabilidade do Incra, eles devem ser enfrentados pelo conjunto dos agentes vinculados à Ates e passam, também, pela organização, planejamento e operacionalização das prestadoras de Ates, das equipes de articuladores e dos demais atores envolvidos com os assentamentos de reforma agrária. Partindo da percepção de que o programa da Ates é um processo que passa por constantes mudanças na busca por melhores serviços prestados as famílias assentadas, as entidades que compõem a estrutura de Ates no Estado do Rio Grande do Sul (RS) vêm discutindo um programa diferenciado, com base nos preceitos do desenvolvimento rural sustentável, da equidade social, bem como com a participação ativa de diferentes atores. Desta forma, orientados pelas normativas nacionais e buscando atender às especificidades regionais, a Ates gaúcha passou por importantes mudanças nos últimos anos. Tendo em vista a importância da experiência do RS para o programa nacional da Ates, estas e outras questões serão objetos de discussão e análise nos próximos capítulos.
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DOCUMENTOS CONSULTADOS Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964 – Estatuto da Terra.
PARTE2
INOVAÇÕES INSTITUCIONAIS NA ATES DO RIO GRANDE DO SUL
RUMOS DA ATES NO RS Em Direção à Constituição de um Sistema Descentralizado? Vinicius Piccin Dalbianco Pedro Selvino Neumann
No Rio Grande do Sul a luta pela terra se intensificou na década de 80 do século 20, levando o Estado a atender às reivindicações dos sem-terra com a criação de assentamentos rurais. Figura 1 – Assentamentos criados no Estado do RS durante o período de 1970 a 1980; 1981 a 1990; 1991 a 2001
Fonte: Seplag (2011).
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A formação de assentamentos veio acompanhada de iniciativas públicas diversas, visando à criação de condições de vida e produção nesses espaços. As iniciativas públicas para a viabilização dos assentamentos, no entanto, são frequentemente percebidas como insuficientes, fragmentadas ou descontínuas. Nesse contexto situam-se as iniciativas governamentais relativas à assistência técnica e extensão rural, que variaram significativamente ao longo do tempo, sendo o acesso a esses serviços ora facilitado, ora condicionado às parcerias forjadas pelas organizações ligadas aos assentados. Deste modo, considerando-se o acesso, os protagonistas e as orientações vigentes, distinguem-se cinco momentos na assistência técnica e extensão rural para assentados nas últimas três décadas no Rio Grande do Sul: – anterior à vigência do Lumiar; – sob vigência do Lumiar (1997/2000); – sob auspícios do governo do Estado, – primeira fase do Programa de Ates do Incra/RS 2004/2008) e – segunda fase do Programa de Ates do Incra/RS (pós/2008). O presente texto busca caracterizar cada uma destas fases da Ates no RS focando, mais especificamente, no programa de Ates após as reformas de 2008, período em que foi realizado um conjunto de inovações institucionais que consideramos merecedoras de análise. Ao mesmo tempo em que este texto caracteriza a organização da Ates no período atual no RS, confere ênfase à reflexão em torno da proposta de descentralização da Ates, uma vez que as outras inovações serão examinadas em outros capítulos desta obra.
A ASSISTÊNCIA TÉCNICA AOS ASSENTADOS ANTERIOR À VIGÊNCIA DO LUMIAR NO RS Na década de 80 o surgimento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o crescimento do número de assentamentos e o movimento do “repensar da extensão rural” influenciaram signifi-
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cativamente as entidades que prestariam os serviços de extensão aos assentamentos: a Emater/RS – e, nesta, o grupo de técnicos vinculados à questão agrária – e o Centro de Tecnologias Alternativas Populares (Cetap) – uma ONG com fortes vínculos com os movimentos sociais. Embora outras entidades tivessem desenvolvido ações pontuais nos assentamentos entre os anos de 1985 e 1996, a Emater/RS e o Cetap, motivados por seu quadro funcional ou por iniciativa dos movimentos sociais, com financiamento próprio ou de entidades internacionais, foram as entidades de maior atuação nos assentamentos da reforma agrária no Estado. No caso da Emater/RS, um movimento iniciado pelos funcionários da entidade na década de 80 abriu espaço para a construção de diretrizes e objetivos institucionais diferenciados daqueles praticados durante as décadas anteriores. Esse movimento provocou um importante “jogo de forças” na empresa, acompanhado de debates acerca do sentido da atuação extensionista, bem como sobre a determinação do público a ser beneficiado por este serviço (Caporal, 2003). Desse embate resultou a inclusão, em 1987, no Programa Estadual de Assistência Técnica e Extensão Rural da Emater, de diretrizes e premissas favoráveis à ampliação e valorização de novas frentes de ação, entre elas o atendimento prioritário ao pequeno produtor e a sua valorização como sujeito e agente do desenvolvimento por meio “da sua ativa participação na identificação de problemas e de respostas às suas necessidades reais” (Emater, 1987, p. 10). A partir destas bases a Emater/RS avançou no sentido de estabelecer bases alternativas para ação extensionista, que passou a ser orientada por perspectivas inovadoras, como foi o caso dos trabalhos voltados à produção de base ecológica e às áreas reformadas. A atuação nos assentamentos da reforma agrária deu-se por iniciativa dos técnicos locais ou por meio de ações estaduais vinculadas às demandas estabelecidas pelos projetos firmados com os governos federal e estadual. Em 1990 a Emater assumiu, por exemplo, a responsabilidade de executar o Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária (Procera) no RS.
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Sua atuação nesse âmbito, porém, carecia de perspectivas favoráveis de continuidade, pois se dava num contexto político crescentemente adverso à expansão da atuação do Estado e viabilização da universalização do acesso aos serviços públicos. As principais dificuldades que passam a ser enfrentadas pelas organizações de assistência técnica e extensão rural no RS para continuidade de seu trabalho nos assentamentos – principalmente a partir da extinção da Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (Embrater) no ano de 1990 – referem-se à falta de uma institucionalidade que garantisse financiamento público; a ausência de diretrizes nacionais que orientassem o seu trabalho; a insuficiência de alternativas técnicas perante a realidade e às demandas dos assentadoss; bem como o distanciamento entre as entidades prestadoras dos serviços de assistência técnica e extensão rural e o Incra. Já o Cetap teve sua origem, na década de 80, estreitamente vinculada com a preocupação de reprodução e manutenção das pequenas propriedades e com “a minimização da agressão ambiental causada pelo modelo tecnológico de produção predominante”, contribuindo para “a melhora de vida dos pequenos produtores” (Cetap, 2004, p. 2, 5). Desde o seu surgimento, esta ONG viabilizou sua atuação por meio de parcerias com entidades nacionais e internacionais, objetivando desenvolver ações junto aos assentados e agricultores familiares por meio de metodologias que permitiam a conjugação do saber do técnico-educador com o saber do agricultor, a fim de gerar um novo saber ou um saber melhorado, possibilitando, assim, o desenvolvimento de sua própria agricultura de maneira autônoma e liberta (Cetap, 2004). Segundo Souza e Foschiera (2004), no seu início o Cetap se caracterizou por fazer uma forte crítica ao modelo convencional de agricultura. Buscava conhecer a realidade da agricultura familiar e suas diferentes formas de reprodução nos distintos agroecossistemas e realizava ações
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de sensibilização dos agricultores em relação às tecnologias alternativas e à cooperação, mediante atividades de capacitação, com o objetivo de avançar na introdução da “agricultura alternativa”.1 O início da atuação do Cetap nos assentamentos caracterizou-se – em função dos problemas nas habitações, das precárias infraestruturas para a produção agrícola e das péssimas condições de fertilidade dos solos – pela priorização da elaboração de projetos de crédito – objetivando a liberação dos recursos do Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária (Procera).2 De acordo com Cetap (1997, p. 25) a partir de 1985, [...] a assistência técnica aos projetos foi assumida pelo Cetap, pois os órgãos oficiais (Secretaria da Agricultura e Emater/RS) se negaram a desempenhar esta tarefa alegando falta de recursos humanos, o que por pouco não deixou os assentamentos do RS sem acesso ao crédito. Para assumir esta tarefa, o Cetap precisou ampliar sua equipe de trabalho, o que foi viabilizado com os recursos previstos na regulamentação do Procera destinados à assistência técnica.
Por conta dessa prioridade, os assentados denominavam os técnicos de “homens do dinheiro”, por serem executores dos planos de crédito. Esta visão implicava a desvinculação do técnico à identidade de agente de educação e desenvolvimento. Desse modo, ficou praticamente neutralizada a participação do Cetap na discussão tecnológica e social nos assentamentos (Cetap, 1997). Como a partir de 1990 a Emater assumiu a responsabilidade de executar o Procera no RS, o Cetap deixou de ser a entidade técnica responsável pelos assentamentos. Por conta disso, o Cetap passou por uma Para o Cetap (1997, p. 32), agricultura alternativa é “aquela que, atendendo os interesses do pequeno produtor rural, reforça sua capacidade de resistência na terra, melhora sua organização, seu poder de enfrentamento das forças econômicas e políticas adversas, melhorando seu padrão de vida e segurança econômica". 2 Segundo o Cetap (1997), os recursos do Procera para os assentamentos do RS foram liberados em três parcelas: a primeira em 1987, a segunda em 1988 e a terceira em 1989. 1
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reestruturação, passando a realizar somente atividades mais pontuais nas áreas reformadas. Entre os anos de 1992 e 1993, por exemplo, as atividades nos assentamentos ficaram restritas à região de Sarandi, onde atuou em conjunto com a Emater/RS3. A atuação do Cetap em assentamentos de outras regiões do Estado, nesse período, deu-se mediante atividades denominadas de “laboratórios organizacionais”, nos quais a assessoria técnica consistia na realização de cursos específicos, em conformidade com a demanda e metodologia de cada laboratório. Este tipo de atuação ocorreu em Palmeira das Missões, Júlio de Castilhos e Bagé (Cetap, 1997). Entre os anos de 1993 e 1996 o Cetap atuou na consultoria à Cooperativa Agrícola Novo Sarandi Ltda. (Coanol),4 realizando cursos e formação sobre agricultura alternativa, adubação verde, gestão da propriedade rural, produção de sementes de milho, alimentação e manejo animal. Muitos desses cursos foram realizados em parceria com a Emater/RS, utilizando recursos do convênio que a empresa mantinha com o Incra. Além da região de Sarandi, entre 1991 a 1995 o Cetap atuou junto aos assentamentos da região de Bagé, onde desenvolveu o “Projeto Bagé” em conjunto com o “Centre International de Cooperation pour Le Développement Agricole” (Cicda) da França.
A ASSISTÊNCIA TÉCNICA AOS ASSENTADOS DURANTE A VIGÊNCIA DO LUMIAR Com a constituição do Projeto Lumiar em âmbito nacional os serviços de assistência técnica e extensão rural para os assentados da reforma agrária no RS foram ampliados. Cabe lembrar que o Lumiar foi
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As atividades foram divididas por assuntos e afinidades técnicas, ficando a cargo do Cetap uma atuação voltada ao atendimento clínico animal, principalmente relacionado à bovinocultura de leite e à introdução da criação de suínos ao ar livre (Cetap, 1997). 4 A Coanol foi criada para atender os assentados da região do município de Sarandi. Atuava na comercialização dos produtos da reforma agrária, bem como no atendimento técnico produtivo dos assentados. A Coanol foi uma das principais cooperativas dos assentados do Estado. Devido sua importância e consolidação junto aos assentados, ainda se mantém atuante.
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uma iniciativa do governo federal, datada de 1997, resultante, em parte, das pressões sociais por uma assistência técnica diferenciada para as áreas reformadas. Na sua concepção básica, o projeto foi pensado para que os serviços de assistência técnica e extensão rural fossem financiados pelo Estado, mas executados por terceiros, permitindo-se que os próprios assentados contratassem as organizações que prestariam esses serviços, a partir da formação de equipes técnicas locais ou mediante contratação de organismos privados como ONGs, cooperativas de trabalho, ou mesmo de estatais, como a Emater/RS. Num contexto de reconhecimento da importância da assistência técnica e extensão rural, em 1996 é fundada, no RS, a Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos (Coptec) a partir de uma decisão estratégica do MST e por demanda dos serviços técnicos do Projeto Lumiar. Inicialmente a Coptec tinha por objetivo oferecer serviços técnicos diferenciados daqueles desenvolvidos pelo Cetap e pela Emater. Preconizava, em suas ações, a agricultura sustentável, o campesinato, a agroecologia e uma relação mais próxima com a direção política dos assentamentos. Atualmente a Coptec é uma das principais entidades de assistência técnica aos assentamentos de reforma agrária no RS. A vigência do Projeto Lumiar entre os anos de 1997 e 2000 permitiu ao Incra firmar convênios com a Emater/RS para viabilizar sua atuação em alguns assentamentos e criou as condições para ampliação e consolidação do trabalho da Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos (Coptec) junto a outros assentamentos rurais. Ribeiro (2000) apresenta uma avaliação da experiência do Lumiar no RS que aponta tanto para seus avanços quanto para seus limites. Ao tratar dos avanços, a autora afirma que houve um reconhecimento, por parte dos assentados, acerca da contribuição da assistência técnica e extensão rural oferecida pelo projeto para a construção da sustentabilidade e autonomia dos assentamentos. Os assentados reconheceram que ocorreu uma maior aproximação do técnico com o agricultor e que, em muitos casos, os técnicos passaram, inclusive, a morar nos assentamen-
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tos – o que permitia o atendimento permanente às famílias. A autora afirma igualmente que o trabalho dos técnicos no Lumiar extrapolou a orientação voltada exclusivamente para a produção de valor econômico, a ponto de os assentados exigirem a ampliação do trabalho técnico envolvendo temas pertinentes aos assentamentos, especificamente na área social e ambiental. Em contrapartida, Ribeiro (2000) menciona que os assentados relataram que, em muitos casos, não encontravam no técnico a solução para os problemas de seus lotes, fossem eles na esfera produtiva ou ambiental. Para a autora, parte destas dificuldades dizem respeito à formação universitária dos mesmos e parte deve-se à grande rotatividade de técnicos nas equipes, devida à instabilidade institucional e à baixa remuneração proporcionada pelo projeto. Destaca-se, também, que a existência de falhas no planejamento das ações (causadas principalmente por se desconsiderarem as especificidades regionais e locais dos assentamentos) e que a insuficiente disponibilidade de supervisores do Incra, levaram a que o cronograma de trabalho previsto para ser executado pelo Lumiar nos assentamentos fosse apenas parcialmente cumprido (Ribeiro, 2000).
A ASSISTÊNCIA TÉCNICA SOB OS AUSPÍCIOS DO GOVERNO DO ESTADO DO RS Em 2000, o governo federal extinguiu o Projeto Lumiar e, novamente, os assentados passaram a depender mais do governo do Estado do RS e das iniciativas das ONGs e entidades privadas. Em contrapartida, durante a gestão do governo estadual no período de 1998 a 2003 o RS vivenciou um ambiente favorável à reforma agrária. De 1998 a 2002 foram assentadas 2.265 famílias em 62 assentamentos, representando um aumento de 47,32% dos projetos de assentamento sob a responsabilidade do governo do Estado do RS (Tabela 1) (RS, 2002).
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Tabela 1 – Projetos de assentamentos realizados no RS entre os anos de 1979 e 2002 pelos governos federal e estadual Período 1979-1998 1979-1998 Subtotal 1999-2002 1999-2002 1999-2002
Origem do projeto de assentamento Governo federal Governos estaduais Governo Federal Governo Estadual Convênio (União/Estado)
Subtotal Total geral
Número de Assentamentos 98 69 167 27 62 27
Área total em hectares 117,762 38.315,74 156.078,22 23.347,00 47.945,71 20.417,32
Número de famílias 5.039 1.941 6.980 995 2.265 910
116 283
92.103,87 248.258,46
4.170 11.150
Fonte: RS (2002).
Neste período foi também ampliado o quadro técnico da Emater/RS que, mediante uma orientação política de priorização do desenvolvimento sustentável, promoveu a extensão rural com base nos preceitos da agroecologia. Além disso, adotaram-se estratégias político-administrativas que permitiram a continuidade da atuação das equipes da Coptec nos assentamentos em que a entidade atuava, uma vez que a mesma não mais dispunha dos recursos provenientes do Projeto Lumiar. Assim, com o fim do Lumiar os assentamentos estaduais passaram a ser acompanhados pelo governo estadual, por intermédio dos técnicos do Gabinete da Reforma Agrária (GRA), da Emater/RS e da Coptec.5 Em alguns assentamentos verificou-se, também, atuação do governo federal, mediante execução do Programa de Consolidação e Emancipação (autossuficiência) de Assentamentos Resultantes da 5
Com o término do mandato do governo estadual que apoiou a reforma agrária, em 2003, o financiamento público da assistência técnica e extensão rural para os assentamentos estaduais do RS definhou, ficando estas restritas a algum atendimento pontual e fragmentado de organizações públicas ou ONGs de acordo com as principais demandas regionais. Em muitos assentamentos estaduais a assistência técnica só foi restabelecida a partir de 2009, quando o governo federal passou a financiar o serviço para os assentamentos federais, mas também para os assentamentos tutelados pelo governo do Estado do RS.
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Reforma Agrária (PAC), criado em 2000.6 O objetivo do programa era o de desenvolver e instituir um sistema para consolidação dos assentamentos resultantes da reforma agrária no Brasil, visando a alcançar sua independência com relação ao Incra e o fortalecimento das famílias assentadas enquanto agricultores/as familiares, proporcionando a sustentabilidade econômica, social e ambient al, bem como sua estabilidade social e conquista da cidadania (Incra, 2000). O PAC implicava que fossem selecionados assentamentos e, nesses, seriam realizadas ações baseadas na formulação dos Planos de Consolidação de Assentamento – PCAs – os quais haveriam de ser elaborados com a participação ativa das famílias assentadas. O PAC previa cobertura para as ações necessárias para o desenvolvimento e a consolidação do assentamento abrangendo a instituição de investimentos complementares em infraestrutura social, econômica, ambiental; a garantia, durante três anos, de assistência social e técnica, capacitação das famílias assentadas e apoio para o acesso ao crédito rural, disponibilizado pelo Pronaf, e o fortalecimento da organização e participação ativa das famílias assentadas nas tomadas de decisão, no planejamento das ações, na gestão de recursos financeiros e execução de obras, serviços e ações financiadas pelo PAC. Essa estratégia deveria minimizar o envolvimento do Incra e enfocar a autonomia das famílias assentadas com o apoio das municipalidades e demais parceiros locais. Esse programa criou distintas condições para financiamento de atuação de organizações de assistência técnica e extensão rural nos assentamentos selecionados pelo Programa. O estabelecimento de convênio nos marcos do PAC financiou, por exemplo, a atuação do Cetap nos assentamentos na região de Bagé entre 2000 e 2008. Este tipo de atuação também se 6
Esse Programa resultou de um acordo firmado entre a República Federativa do Brasil e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), mediante o Contrato de Empréstimo 1248 OC/BR, assinado no dia 7/12/2000.
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verificou junto a alguns assentamentos da região de Candiota, Hulha Negra e Pedras Altas, uma vez que o PAC limitava-se a financiar ações em uns poucos assentamentos “modelo”.
A ASSISTÊNCIA TÉCNICA NA PRIMEIRA FASE DO PROGRAMA DE ATES DO INCRA (2003-2008) O Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental (Ates) foi criado pelo governo federal em 2003 para atender especificamente o público beneficiado pela reforma agrária. Na impossibilidade de o próprio Incra executar estes serviços, fomentou um mercado de “prestadoras de serviços” para sua execução, bem como apresentou uma proposta de descentralização da gestão para favorecer o acompanhamento, definição de rumos e controle social pelos beneficiários do Programa de Ates. A criação do Programa de Ates 7 permitiu que, a partir de 2004, a Superintendência do Incra no RS passasse a executar ações de Ates em todos os assentamentos federais e estaduais8 por meio de convênios, que foram então firmados com a Emater e com a Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos (Coptec). Conforme as regras estabelecidas, as prestadoras tinham um único compromisso: prestar os serviços de Ates de acordo com o estabelecido no Manual Operacional publicado pela nota técnica n. 39 (Incra, 2004). O pagamento dos serviços de assessoria técnica, social e ambiental era feito mediante apresentação de relatórios semestrais e da comprovação das despesas realizadas. Não havia direcionamento dos serviços por parte do Incra – por meio de estabelecimento
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Atendia a Norma de Execução nº 39, baseada nas orientações do II Plano Nacional de Reforma Agrária. 8 Retoma-se o dado de que, de 2003 a 2008, os assentamentos tutelados pelo governo do Estado não foram atendidos pelos técnicos da Ates, a partir de 2009, o governo federal fez um acordo com o governo do Estado, assumindo a responsabilidade pelo financiamento da Ates para aproximadamente 4.800 famílias nos assentamentos estaduais.
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de metas para cumprir ou um cronograma de ações pré-estabelecido –, pois se partia do pressuposto de que as entidades parceiras conveniadas apresentavam plenas condições de estabelecer, no lugar do Incra, a concepção de Ates preconizada para as áreas reformadas no RS. Em alguns assentamentos a execução do Programa de Ates era concomitante a outras iniciativas do Incra. Destacavam-se, nesse âmbito, a continuidade da instituição do PAC, os convênios com fundações de pesquisa9 e programas estruturantes como “Leite Sul”.10 A execução do Programas de Ates, entretanto, mediante a modalidade convênio, não se mostrou adequada. Verificou-se que as equipes técnicas da Emater e da Coptec não seguiam uma única orientação, trabalhando de acordo com suas leituras particulares das demandas locais e
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Entre os programas desenvolvidos pelo Incra com foco no desenvolvimento de ações para qualificar as práticas produtivas dos assentados(as) de reforma agrária destaca-se aquele firmado em 2003 com a Fundação de Apoio à Pesquisa Edmundo Gastal (Fapeg) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). O convênio “Desenvolvimento Sustentável da Reforma Agrária no Rio Grande do Sul” teve por objetivo principal a transferência de tecnologias e capacitação de assentados(as) e de técnicos que atuam na Ates. Entre as ações previstas estavam oficinas, cursos, intercâmbios, criação de unidades de observação, dias de campo, publicações, etc. Além do envolvimento dos pesquisadores da Embrapa, previu a contração de seis técnicos para a execução das ações. Este convênio selecionou assentamentos-referência para o desenvolvimento das suas ações, que no entendimento da Embrapa, significavam um espaço de interação social no qual se qualificaria a atividade produtiva de forma sustentável, aproveitando-se de condições favoráveis de infraestrutura que possibilitassem trocas com outras bases de famílias assentadas. O trabalho foi organizado na forma de redes e buscava facilitar a informação de seus progressos para a sociedade. 10 O Programa Leite Sul refere-se a um convenio firmado entre Incra e Coptec, sua primeira versão foi de 2006 a 2008, e a segunda iniciou em 2009 e irá até março de 2012. O convênio Leite Sul tem por objetivo fomentar, mediante ações de assessoria técnica e capacitação dos agricultores, o desenvolvimento da cadeia produtiva do leite nas áreas de reforma agrária. Adota como modelo tecnológico o sistema de Pastoreio Racional Voisin (PRV), e nesta perspectiva, parte significativa de suas ações tem se referido à elaboração e execução de projetos de PRV em unidades produtivas familiares e coletivas. Além disso, foram previstos diversos cursos de capacitação, dias de campo, oficinas, seminários e reuniões entre agricultores e cooperativas. A meta inicial era atingir diretamente 1,5 mil famílias de agricultores. Para o desenvolvimento destas ações a previsão era a contratação de oito técnicos especialistas em agroecologia.
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regionais. Além disso, o atendimento seletivo a um conjunto de famílias assentadas foi um dos grandes problemas desta liberdade operacional. Por não haver obrigatoriedade de atendimento a todas as famílias, as equipes técnicas tendiam ao atendimento àquelas mais demandantes ou mais próximas das organizações de assessoria técnica, social e ambiental. Ainda outros problemas são frequentemente mencionados ao tratar-se da operacionalização da Ates mediante convênios: – a recorrente morosidade e o atraso do pagamento pelos serviços prestados prejudicavam o trabalho das equipes técnicas. Relatam-se situações em que as organizações de Ates ficaram mais de seis meses sem receber. Uma das consequências deste problema foi a grande rotatividade dos técnicos nas equipes;11 – a dissonância entre o trabalho das prestadoras de Ates com a realidade dos assentamentos; – a grande dificuldade em envolver os beneficiários na cogestão da Ates e – problemas relacionados à prestação de contas das prestadoras e as consequentes críticas dos órgãos de controle do Estado, que cobravam mais transparência sobre os gastos e um maior controle das ações desenvolvidas pelas prestadoras. Cabe registrar que esta pressão dos órgãos públicos, em grande medida, foi o resultado de um movimento político, liderado pelos meios de comunicação de massa, de forte pressão social sobre as ações do MST e do próprio Incra/RS, levando este a propor uma mudança no instrumento jurídico utilizado para mediar a relação com as prestadoras na execução dos serviços de Ates, passando de “convênios” para “contratos” a partir de 2008.
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Ao analisar os serviços de assistência técnica nos assentamentos no município de Joia, Piccin (2007) afirma que entre os anos de 2004 e 2006 houve a substituição de oito extensionistas da equipe técnica da Coptec neste local, ou seja, uma média de 2,66 técnicos por ano.
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A ASSISTÊNCIA TÉCNICA NA SEGUNDA FASE DO PROGRAMA DE ATES DO INCRA (PÓS 2008) Esse período é marcado por iniciativas de estabelecimento de novos convênios para apoio ao desenvolvimento dos assentamentos, destacando-se o convênio relacionado ao Projeto Somar, 12 mas, sobretudo, por uma profunda revisão na forma de operação do Programa de Ates do Incra tendo em vista as dificuldades verificadas em sua operação mediante convênio. As revisões na forma de operar a Ates implicaram inovações em diversos âmbitos: – no âmbito da coordenação13 e supervisão do Incra foi aumentado o controle do trabalho das equipes de Ates, com a definição de metas a serem alcançadas e aperfeiçoamento do sistema de acompanhamento, supervisão e fiscalização das ações em campo; – nas relações entre Incra com as prestadoras constituiu-se uma equipe “independente” de articuladores e
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Sistema de Orientação e Mobilização Assistida com Responsabilidade Técnica para o Desenvolvimento da Agroindustrialização de Produtos de Origem Animal e Vegetal em Assentamentos do RS (Somar). Foi um projeto de parceria entre o Incra e a UFSM no âmbito das ações desenvolvidas pelo Incra no programa Terra Sol. É um programa de fomento à agregação de valor à produção nos assentamentos, apoia o processamento e a comercialização por meio da elaboração de planos de negócios, pesquisa de mercado, consultorias, capacitação em viabilidade econômica e gestão instituição/recuperação/ ampliação de agroindústrias (Incra, 2010). Suas atividades tiveram início no ano de 2009 e tiveram duração até março de 2012. Entre os objetivos estiveram a realização do diagnóstico da situação da agroindustrialização dos produtos de origem animal e vegetal nos assentamentos; o mapeamento e estudo dos projetos a serem desenvolvidos pelo programa Terra Sol; ações de apoio às unidades já em funcionamento; um programa de formação básica para grupos de assentados e agentes de Ates nas atividades de agroindustrialização e o acompanhamento dos empreendimentos agroindustriais executados e em execução pelo programa Terra Sol. 13 No que se refere à coordenação geral da Ates, a mesma é desempenhada pela Divisão de Desenvolvimento do Incra/RS, que designa um técnico para coordenar esta tarefa, auxiliado por outros em dedicação parcial.
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– na execução da Ates, fortaleceu-se a estrutura descentralizada, organizada em núcleos operacionais, apontando para uma autonomia maior dos mesmos. A principal mudança realizada refere-se ao fato de que, a partir de 2008, os serviços de Ates passaram a ser executados mediante estabelecimento de contrato entre o Incra e as organizações de assistência técnica e extensão rural, que passam a ser consideradas como “prestadoras de serviços”. Julga-se essa experiência profundamente inovadora porque sua operacionalização implicou a explicitação de concepções de Ates e a criação de regramentos normativos que podem ter ampla aplicação em outros contextos. Ao optar pelo contrato como forma jurídica de relação com as prestadoras de serviços, o Incra passou a disciplinar e dirigir muito mais a execução do trabalho de Ates, definindo melhor o papel de cada organização e a natureza e quantidade de ações a serem executadas pelo técnico, criando as condições necessárias para a avaliação da execução das metas e avaliação da qualidade dos produtos gerados. Nesse contexto o Incra-RS procurou avançar também aperfeiçoando as estratégias e os instrumentos para controle da execução do Programa de Ates, gerando importantes inovações institucionais nesse âmbito. Entende-se que o aumento do controle do Incra/RS fundamentou-se na definição da natureza e intensidade do trabalho exigido das equipes técnicas. Isso se deu pela definição das metas. Assim, ao inovar, propondo a utilização da modalidade contrato, o Incra/RS teve o desafio de definir o teor das metas para a Ates. Na operação mediante convênio a prestadora de serviços havia de seguir as orientações constantes no Manual Operacional do Incra, de âmbito federal. Embora este definisse algumas atividades que haveriam de ser, obrigatoriamente, realizadas pelas prestadoras na execução dos
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serviços de Ates, essas referência eram bastante genéricas. Assim, para operar mediante contrato foi necessário detalhar a orientação a ser conferida em diferentes campos de atuação do técnico: produtivo, ambiental e social. Houve necessidade, ainda, de prever ações de Integração de Políticas Públicas e Programas do Incra e orientações para a elaboração dos PDAs e PRAs, conforme previsto no Manual Operacional (Incra, 2008).14 Essas orientações foram traduzidas em metas quantificáveis, a serem alcançadas pelas prestadoras. Houve necessidade, então, de elaborar um termo de referência geral para seleção pública de prestadoras de serviços de Ates, o qual recebeu a denominação “Projeto Básico...” (Incra-RS, 2008) e contempla a exposição detalhada da proposta estadual para a Ates. Uma vez preestabelecidas as ações a serem executadas, haveria de se buscar formas de assegurar-se de seu cumprimento. O acompanhamento das ações da Ates envolveu atribuição de responsabilidades de acompanhamento e avaliação a diversos agentes vinculados ao Incra – entre os quais gestores da Ates, articuladores, fiscais de contrato –, criação de sistema informatizado de acompanhamento da execução das metas e, complementarmente, fortalecimento de instâncias de controle social. Entre as inovações merecedoras de destaque ressalta-se a criação da figura dos “gestores da Ates”.15 Esses profissionais têm a responsa-
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Em relação a estes planos, o elemento principal de diferenciação entre os mesmos é o período de criação dos assentamentos. Os PDAs visam a apontar estratégias iniciais para a construção da viabilidade econômica e da soberania alimentar e nutricional das famílias assentadas em projetos de assentamento novos. Já os PRAs visam a apontar estratégias iniciais para a construção da viabilidade econômica e da soberania alimentar e nutricional das famílias assentadas em projetos de assentamento criados antes de 2003 ou que se encontram em estágios de estruturação ou em consolidação, revisando Planos de Desenvolvimento existentes e apontando novas estratégias de desenvolvimento, assegurando complementarmente a recuperação do passivo ambiental, social e econômico inerente às áreas de reforma e desenvolvimento agrário (Incra, 2008). 15 A figura dos gestores de Ates não esta presente no Manual Operacional de Ates. Foi uma iniciativa elaborada pela Superintendência do Incra/RS com o objetivo de ampliar a coordenação do programa. A equipe de gestores é composta por profissionais que
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bilidade de acompanhar a execução da Ates nos NOs, de acordo com as ações estabelecidas no contrato, e também de avaliar, monitorar e fiscalizar os serviços desenvolvidos pelas equipes técnicas, bem como avaliar os produtos contratados, a exemplo dos PDAs e PRAs. Outro aspecto a destacar refere-se ao Sistema de Acompanhamento das Ações (Sama). O princípio do sistema está no lançamento das atividades executadas, que cada técnico vinculado às prestadoras de serviços deve informar mensalmente. Por meio de consultas ao sistema informatizado, é possível acompanhar a execução das metas previstas no contrato, e é pelos relatórios gerados pelo Sama que o Incra/RS realiza os pagamentos às prestadoras, condicionados e proporcionais ao cumprimento das metas contratadas. Deste modo, as verificações realizadas no Sama têm por objetivo conferir quantitativamente o número de atividades realizadas, tendo como parâmetro o contrato firmado no início de cada ano. Ou seja, a diferença entre o que foi contratado e os relatórios do Sama compõe mensalmente o desconto a ser feito no pagamento das equipes de Ates. O Sama subsidia, também, a atuação dos asseguradores dos contratos de Ates do Incra, que mensalmente realizam um processo de verificação/ fiscalização a campo em cada um dos NOs.16 No que se refere à relação entre Incra/RS e as prestadoras de serviços, as mudanças realizadas em 2008 se fizeram a partir da alteração na atuação da equipe de articuladores. Com relação ao trabalho de articulação, o Manual Operacional de Ates (Incra, 2008) determina as seguintes atribuições: assessorar o planejamento dos NOs; proporcionar
ocupam funções administrativas na divisão de desenvolvimento de assentamentos no Incra. Atualmente é composta por cinco profissionais que se dividem para acompanhar a realidade da Ates nos 19 NOs. 16 Por meio de um questionário realizado com as famílias assentadas e da verificação da documentação nos escritórios das equipes técnicas, estes fiscais formulam um relatório que serve de apoio e referência para a coordenação da Ates efetuar o pagamento às equipes técnicas.
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suporte técnico e metodológico aos NOs; contribuir com a integração das ações desenvolvidas na sua área de abrangência; socializar as experiências exitosas; contribuir na divulgação das atividades de Ates junto aos assentados; identificar e articular as demandas de capacitação dos Núcleos Operacionais e contribuir no monitoramento e avaliação do Programa (Incra-RS, 2008). As mudanças realizadas pelo Incra-RS buscaram reforçar o apoio às equipes técnicas executoras da Ates e a comunicação do Incra com as prestadoras de serviços por meio da formação de uma equipe independente de articuladores, em que os articuladores não estão mais vinculados às prestadoras como ocorria no período anterior.17 Finalmente, o fortalecimento dos processos de descentralização da Ates se estabeleceu a partir da organização da execução dos serviços por Núcleos Operacionais. Embora a constituição de Núcleos Operacionais já estivesse prevista no Manual Operacional do Incra, as reformas realizadas em 2008 no RS implicaram inovações que convergem para constituição de um sistema descentralizado de Ates: a clara definição de critérios de delimitação territorial dos núcleos; o reforço à participação social nas ações de Ates em âmbito de núcleo e a perspectiva de conferir certa autonomia na definição das atividades de Ates a serem executadas no âmbito de abrangência de cada Núcleo Operacional. Dada a importância desta experiência na discussão de alternativas para organização institucional dos serviços de assessoria técnica, social e ambiental, elas serão descritas e analisadas com maiores detalhes na seção seguinte.
17
Com o objetivo de cumprir essas prerrogativas e qualificar o programa da Ates, o IncraRS firmou, em janeiro 2009, com a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), um termo de cooperação técnica denominado de “Programa de Acompanhamento, Planejamento e Articulação das Ações de Assessoria Técnica, Social e Ambiental – Ates”.
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A EXPERIÊNCIA NO RS: Rumo à Constituição de um Sistema Descentralizado de Ates? O RS é um Estado com significativa heterogeneidade em seus ambientes naturais, culturais e produtivos e essa heterogeneidade permeia a realidade dos assentamentos rurais, situados em distintas regiões. Neste contexto, para organizar os serviços de Ates, os assentamentos do RS foram agrupados regionalmente, formando os Núcleos Operacionais (NOs). Em conformidade com o Manual Operacional de 2008, os NOs foram constituídos considerando-se, inicialmente, as especificidades de cada região, como as características de clima e relevo. Adicionalmente considerou-se a proporção de número de famílias/tamanho da equipe técnica e o requerimento de que a base física do núcleo respeitasse a infraestrutura operacional mínima – com distância máxima de 200 quilômetros da sede da prestadora de serviços até os assentamentos a serem atendidos. Assim, a execução da Ates no RS está sob a responsabilidade das equipes técnicas dos Núcleos Operacionais (NOs) – que atuam segundo as normas nacionais previstas no Manual Operacional do Programa de Ates, complementadas por regulamentação específica da Superintendencia do Incra no RS. Desta forma foram inicialmente constituídos 18 núcleos e, em 2010, houve necessidade de formar mais um núcleo (São Gabriel) para atendimento aos assentamentos novos desta região. Dos 19 NOs, apenas três abrangem um único município, em razão de esse possuir um grande número de famílias assentadas. Os demais NOs abrangem mais de um município, chegando a 9 no caso do Núcleo de Vacaria, como mostra a Tabela 2.18
18
Mesmo assim Vacaria é o NO com o menor número de famílias.
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Tabela 2 – Divisão dos NOs de Ates no Estado do RS e características de cada Núcleo Nº
Núcleo Operacional
1 Julio de Castilhos 2 Tupanciretã 3 Joia 4 Sarandi 5 Palmeira das Missões 6 Vacaria 7 Nova Santa Rita 8 Eldorado do Sul 9 Santana do Livramento 10 Fronteira Oeste 11 Candiota 12 Hulha Negra 13 Canguçu 14 Pinheiro Machado 15 Piratini 16 Herval 17 São Luiz Gonzaga 18 São Miguel das Missões 19 São Gabriel Total Geral
Prestadora Emater Coptec Emater Emater Emater Cetap Coptec Coptec Coptec Emater Coptec Emater Emater Coptec Emater Emater Coptec Coptec Coptec 3
Nº de Municípios 8 1 1 8 8 9 6 8 1 6 2 2 2 2 3 4 5 6 5 87
Nº de PAs 17 17 8 11 13 11 9 15 30 8 30 24 22 12 17 16 15 16 12 303
Nº de Famílias 611 642 651 313 352 318 391 525 957 406 872 827 660 440 544 578 402 710 812 11.011
Fonte: Adaptado e atualizado pelos autores a partir do Projeto Básico da Ates (IncraRS, 2008).
Uma vez definidos os núcleos operacionais, ocorreu o processo de licitação para cada um desses, resultando na habilitação de três entidades distintas de prestadoras de serviços em âmbito de Estado do RS, cada qual responsável por um número variável de núcleos: a Coptec responsabilizou-se por 9 núcleos, a Emater também por 9 núcleos e o Cetap por apenas um núcleo. No conjunto essas prestadoras de serviços operam o Programa de Ates mediante contratação de 132 técnicos, a quem cabe o atendimento de 11.011 famílias, distribuídas em 303 assentamentos, em 87 municípios do Estado. A busca por estratégias que possibilitem a participação dos atores envolvidos no Programa de Ates também foi prioridade dos gestores no RS. Conforme o Manual Operacional, a participação tem como sua principal instância o Fórum Estadual, que é formado por representantes do
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governo federal, do governo estadual, universidades, entidades e órgãos de pesquisa em desenvolvimento rural sustentável e de representações sociais dos assentados, tendo por objetivo aperfeiçoar as diretrizes e as ações do Programa.19 No RS, todavia, instituíram-se os Conselhos Regionais, por Núcleo Operacional, que têm como função discutir as ações realizadas pela Ates e planejar as ações futuras. Originalmente estes conselhos eram compostos por um representante do Incra, um representante da prestadora do NO e um representante de cada assentamento. Para o ano de 2011 foi solicitado que cada assentamento com até 100 famílias elegesse um homem e uma mulher como representantes. Para os assentamentos acima de 100 famílias, dois casais. Além disto, foi previsto o custeio da alimentação e transporte de todos os representantes com o objetivo de ampliar a participação social no Programa de Ates. Além de criar e reforçar essa instância de participação social, observa-se um esforço de conceder-lhe maior poder decisório quanto à orientação a ser impressa ao serviço de Ates no âmbito do Núcleo. Com vistas à concessão de maior poder aos Conselhos Regionais na orientação dos trabalhos das equipes de Ates optou-se pela “regionalização” de parte das metas de Ates no exercício 2011. Assim, as metas de Ates para o exercício de 2011 compõem-se de dois grupos: metas estaduais – definidas em âmbito estadual e padronizadas para todos os NOs – e metas regionais, definidas com participação social em nível de Conselho Regional e específicas para cada NO. A formatação do contrato a partir desta composição é também submetida à aprovação pelo Conselho Regional de Ates. Ao se observar as mudanças introduzidas pelas reformas realizadas pelo Incra/RS na operacionalização do Programa de Ates em 2008 constata-se que estão sendo construídas, paulatinamente, as condições para maior regionalização da assessoria técnica, social e ambiental pública.
19
É de responsabilidade do Incra tanto a convocação dos Conselhos Regionais quanto a do Conselho Estadual. No caso do Conselho Estadual, não foi prevista uma periodicidade para as reuniões, cabendo ao Incra convocar os conselheiros sempre que achar necessário.
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Em uma avaliação comparativa com o período anterior – de vigência dos convênios – observa-se que a introdução da modalidade contrato levou, num primeiro momento, a uma concentração do poder decisório sobre os serviços a serem executados, em favor dos gestores do Incra/RS. A organização dos Núcleos, contudo, o fortalecimento da participação no Fórum Estadual e Conselhos Regionais e, por fim, a regionalização das metas de Ates, são processos que revelam que se persegue um projeto de longo prazo de democratização, pela descentralização e incremento do controle social sobre as políticas públicas.20 Neste sentido, observa-se que a Ates no RS vem perseguindo um modelo de organização que se constrói a partir da interação efetiva entre o contexto estadual e a realidade local, entre os sonhos e objetivos das famílias assentadas e as diretrizes do Incra, entre a dinâmica organizativa das equipes técnicas e a dos assentamentos, entre a Universidade e as entidades que atuam na reforma agrária. Esta interação, no entanto, deve ser entendida como um processo de construção, que não se dá de forma tranquila e nem perfeita. São vários os desafios que esta experiência deve enfrentar, como é o caso da incompletude da reforma na configuração institucional e a necessidade de avanços na proposta de desenvolvimento para os assentamentos. Estes e outros desafios serão mais bem abordados nos capítulos seguintes.
REFERÊNCIAS CAPORAL, F. R. Extensão Rural no Rio Grande do Sul: da tradição “made in USA” ao paradigma agroecológico. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL: EXTENSÃO RURAL E O NOVO ESPAÇO RURAL NO NORDESTE BRASILEIRO, 2003, Recife. Coletânea de Palestras... Recife: Prorenda, 2003. p. 109-120.
20
Neste mesmo sentido destacam-se, também, os demais esforços de articulação das ações estruturantes do Incra com os Núcleos Operacionais, como é o caso das ações relacionadas aos problemas de acesso (estradas) e da água potável nos assentamentos, planejadas e executadas em parceria com os poderes municipais e representação dos assentamentos.
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CETAP. Centro de Tecnologias Alternativas Populares. 1986-1996: Cetap 10 anos, auto-avaliação. Passo Fundo: 1997. 57 p. CETAP. Centro de Tecnologias Alternativas Populares. Subsídios metodológicos para atuação Cetap. Passo Fundo, 2004. 23p. Disponível em: <http://cetap.org.br/wp-content/uploads/2009/09/subsidios-metodologicos.pdf>. Acesso em: 15 jan. 2010. EMATER. Seminário de extensão rural: enfoque participativo. Porto Alegre: Emater, RS, 1987. 52 p. GOVERNO DO RIO GRANDE DO SUL. Gabinete da Reforma Agrária. Programa Estadual da Reforma Agrária: dados de 1999 a 2002. Porto Alegre, dez. 2002. INCRA. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Programa de consolidação e emancipação (auto-suficiência) de assentamentos. Brasília, 2000. Disponível em: <http://www.Incra.gov.br>. Acesso em: 20 mar. 2010. . Norma de execução n. 39, de 30 de março de 2004. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 8 maio 2004. Com anexos I, II e III. . Manual operacional 2008: norma de execução n. 78, de 31 de outubro de 2008. Boletim de Serviço do Incra. Brasília, DF, 2008. 142 p. INCRA-RS. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Superintendência 11/RS. Projeto Básico visando à licitação para a prestação de serviços de assessoria técnica, social e ambiental (Ates), e elaboração de PDA ou PRA para as famílias assentadas no Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2008. 66 p. PICCIN, M. B. Lógicas socioculturais e estratégias produtivas no assentamento menina dos olhos dos sem-terra. 2007, 199f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais, Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade) – CPDA, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica,
2007.
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RIBEIRO, M. Relatório final de avaliação: Projeto Lumiar/RS. Porto Alegre: Incra; Coceargs; Capa; UFRGS, fev. 2000. RS. Rio Grande do Sul. Gabinete da Reforma Agrária. Números gerais da reforma agrária e organograma. Porto Alegre, 2002. SEPLAG. Atlas socioeconômico Rio Grande do Sul. Atualizado em 23/9/2011. Disponível em: <www.scp.rs.gov.br/atlas>. SOUZA, M. S. de; FOSCHIERA, L. A. Pequenos agricultores, situação agrária e meio ambiente. Cetap, 2004. Disponível em: <http://cetap.org. br/wp-content/uploads/2009/09/subsidios-metodologicos.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2010.
DILEMAS DA TERCEIRIZAÇÃO Um Olhar Sobre a Estrutura Organizacional da Ates no RS Vinícius Claudino de Sá Jacir João Chies Vivien Diesel Dhonathã Santo Rigo
No bojo da proposição de uma política diferenciada de assistência técnica e extensão rural para áreas de assentamentos da reforma agrária, hoje denominada de Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental (Ates), configuram-se e (re) configuram-se, sucessivamente, estruturas organizacionais. Como expõe Marcelio de Paula (2007), não há um modelo ideal de estrutura organizacional, recomendável para qualquer situação. Ao invés disso, o desafio consiste em distinguir o modelo de distribuição de responsabilidades, competências e poderes entre os gestores e executores que melhor se adapta ao ambiente e estratégias da organização. Um dos traços marcantes da (re)configuração organizacional adotada no Programa de Ates é a “terceirização” da execução dos serviços de assessoria técnica, ambiental e social. A terceirização implica, nesse caso, o financiamento público e a execução por entidades independentes dos governos (organizações não governamentais, representativas ou privadas, por exemplo) e constitui uma estratégia amplamente recomendada para a realização de projetos de interesse público de assistência técnica e extensão rural (World Bank/Usaid/Neuchâtel Group, 2002). A justificativa para a “terceirização” remete ao reconhecimento de que, normalmente,
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existem agentes que já desenvolvem trabalhos com público rural que se beneficiam da proximidade e relações de confiança entre agricultores e profissionais locais. Considera-se, adicionalmente, que essa situação pode facilitar o sucesso das intervenções orientadas ao desenvolvimento. O apoio externo à atuação desses agentes seria bem recebido por eles, uma vez que, frequentemente, esses agentes atuam com uma infraestrutura escassa e inadequada. Nesse contexto, os contratos com financiamento público são percebidos como opções para qualificar a atuação de agentes que já se encontram inseridos no meio, junto aos agricultores, trazendo benefícios para os governos, os agricultores e aos prestadores de serviços.1 Embora a contratação de terceiros para a execução de serviços públicos se apresente como uma estratégia altamente recomendável na perspectiva das agências de cooperação internacional, encontram-se poucos estudos sobre as potencialidades e limites encontrados em sua aplicação no âmbito dos serviços de assistência técnica e extensão rural no Brasil.2 O presente texto busca refletir sobre a experiência do Programa de Ates no Rio Grande do Sul no ano de 2009 apontando potencialidades e limites dos processos de terceirização nos aspectos relacionados à gestão organizacional.3
1
Os contratos criariam, assim, condições para que esses agentes possam atuar de maneira mais eficiente, uma vez que vão permitir a tais profissionais acesso a recursos financeiros que possibilitam melhorias nas suas condições de trabalho. Os contratos celebrados podem prever, por exemplo, a aquisição de uma infraestrutura mínima, para que esses agentes possam prestar os serviços de maneira adequada para seus públicos. 2 Como esta estratégia vem sendo promovida pelo Banco Mundial e constitui uma das principais características da intervenção do Estado em sistemas pluralistas, identificam-se um conjunto de obras sobre o tema, como os trabalhos de Rivera, Zijp e Alex (2000), Anderson e Van Crowder (2000) entre outros. Foge ao escopo do presente texto, entretanto, fazer a comparação da experiência do Programa de Ates Rio Grande do Sul com outras experiências internacionais. 3 Metodologicamente o trabalho vale-se da pesquisa documental (consulta ao Manual Operacional do Programa de Ates, Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pnater) e Relatórios de Atividades do Programa de Ates no RS) e observações diretas – com anotações e registros em diários de campo. Estas observações ocorreram durante visitas a Núcleos Operacionais e participação em reuniões dos Conselhos Regio-
Dilemas da Terceirização
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CARACTERIZAÇÃO DA ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DO PROGRAMA DE ATES Segundo Maximiano (1986), a estrutura organizacional é o produto das decisões relativas à divisão e coordenação do trabalho, que definem não apenas as atribuições específicas, mas também o modo como devem estar interligados os diversos grupos envolvidos na organização. É comum encontrar em algumas organizações a presença de documentos que ilustram sua estrutura organizacional. O nível ou grau de formalização exigido, entretanto, depende de como as pessoas que compõem a organização constroem seus relacionamentos internos e externos e de como acontecem as comunicações e se conformam as estruturas de poder. Uma forma de representação documental da estrutura organizacional é o organograma, que define: A divisão de trabalho e da autoridade, delineando o sistema de comunicação da organização, segundo os vários processos necessários para o alcance de seus objetivos e metas, elencados conforme um horizonte temporal determinado (Lima; Guimarães, 1996 apud Santos; Mendonça, 2002, p. 2).
No caso do Programa Ates, de abrangência nacional, a estrutura organizacional preconizada está explícita no Manual Operacional.4 No Rio Grande do Sul, os serviços de Ates estão estruturados em conformidade com o regramento geral estabelecido em âmbito federal pelo Incra e apresentam algumas particularidades, desenvolvidas nesse Estado para o aperfeiçoamento da operação do sistema. O presente trabalho procura,
4
nais realizadas no segundo semestre de 2009, quando estavam presentes representantes do Incra/RS, representantes dos assentados, além dos técnicos da Ates. A interpretação dos processos foi, posteriormente, sujeita à revisão por parte de articuladores da Ates – que vêm executando a instituição dessas políticas no RS. Existem diversas versões do Manual Operacional da Ates: uma de 2004, uma de 2008 e uma posterior, sem data. Para o presente trabalho toma-se como referência a versão do Manual Operacional de 2008.
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então, apresentar a estrutura organizacional do Programa de Ates, posto em prática pelo Incra/RS, conforme se configurava no segundo semestre de 2009. A estrutura organizacional pode ser caracterizada a partir de seus elementos essenciais que são: sistemas de atividade, de autoridade e de comunicação.
CARACTERIZAÇÃO DO SISTEMA DE ATIVIDADES Com base em Santos e Mendonça (2002) compreende-se que o sistema de atividades é o resultado da alocação de atividades entre membros da organização, e deverá abranger as atividades que se esperam da cúpula da organização, dos níveis intermediários e dos níveis mais baixos da hierarquia, de tal modo que cada indivíduo ou agrupamento de indivíduos seja responsável por uma parcela das atividades da organização. Segundo estes autores, para o delineamento de um sistema de atividades, três áreas devem ser abordadas: departamentalização, especificação das atividades e linha de assessoria e determinação do nível adequado de especialização do trabalho. A departamentalização nada mais é que o processo por meio do qual as atividades desempenhadas pelos indivíduos que formam a organização são agrupadas em unidades administrativas; a assessoria tem por função básica facilitar o trabalho realizando atividades que o principal responsável não tem tempo ou conhecimento para executar e que podem ser delegadas, e a determinação do nível adequado de especialização do trabalho visa a fazer com que determinadas atividades sejam executadas mais rapidamente e com um nível de qualidade mais alto. Ao buscar identificar os diversos tipos de atividades envolvidas em um Programa de Ates torna-se evidente que a prestação de serviços de assessoria técnica, social e ambiental constitui a atividade que confere sentido à existência da organização, mas para que ela se viabilize a partir
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de financiamento público e com respeito a determinados princípios como (participação, transparência e accountability) há necessidade de constituir uma estrutura organizacional mais complexa e muito singular. Segundo os documentos do Incra, a estrutura da Ates está organizada com base em três instâncias: Sua estrutura é composta por instâncias de coordenação e supervisão, de participação social e de execução técnica em nível nacional e estadual, tendo como objetivo coordenar, executar e viabilizar a comunicação entre o público beneficiário e o Incra, promovendo a participação e o debate entre as diversas instituições atuantes na área da assessoria técnica no âmbito da reforma agrária, com vistas a conferir maior transparência no processo de planejamento, implementação e avaliação das atividades de Ates (Incra, 2008a, p. 19, grifo nosso).
Com relação à instância de coordenação e supervisão, destaca-se a centralidade do Incra na gestão do programa. Segundo os documentos do Incra, a coordenação da Ates no Brasil (Incra, 2008a, p. 19) está organizada conforme a seguinte estrutura: O Programa de Ates é coordenado e gerido pelo Incra, por intermédio da Diretoria de Desenvolvimento de Projetos de Assentamento (DD), em nível nacional, e pelas Superintendências Regionais (SR), em suas áreas de atuação, em estrita observância às diretrizes da Pnater do MDA.
As orientações apontam para a necessidade de estabelecer consonância e complementaridade entre as ações do Incra – sede e das superintendências regionais na coordenação do Programa de Ates. Em termos gerais, enquanto a instância nacional tem um papel importante no estabelecimento das articulações políticas, 5 as instâncias estaduais (superintendências regionais) assumem um papel de protagonista no encaminhamento da Ates nos Estados, pois lhes cabe:
5
“Caberá ao Incra, por intermédio da DD, no âmbito da Sede: a) apoiar o planejamento e a implementação das ações de Ates junto as SR; b) promover a articulação com entidades que trabalhem a temática da Reforma Agrária, visando o aperfeiçoamento do programa; c)
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a) constituir, mediante Ordem de Serviço do superintendente, Equipe de Coordenação e Supervisão do Programa de Ates, composta por servidores do Incra; b) efetuar o levantamento das demandas de Ates, com caracterização das diferentes fases dos Projetos de Assentamento; identificar os recursos a serem alocados para a assessoria técnica, relativos aos projetos de assentamento novos, em desenvolvimento e a serem recuperados; c) analisar, aprovar e/ou rejeitar as propostas referentes à execução das atividades de Ates e dos planos; e realizar as ações de monitoramento e fiscalização do objeto pactuado; c)[sic] celebrar convênios, contratos, termos de parceria e demais instrumentos congêneres com órgãos e entidades que trabalhem com a temática de desenvolvimento rural sustentável para execução das atividades de Ates, elaboração e implementação do Projeto de Exploração Anual (PEA), do Plano de Desenvolvimento do Assentamento – (PDA), do Plano de Recuperação do Assentamento (PRA) e do Relatório Ambiental Simplificado – RAS; d) coordenar e planejar as atividades do Programa, observando, sempre que possível, as diretrizes e prioridades discutidas no âmbito do Fórum Estadual de Ates, visando o pleno atendimento das famílias assentadas; e) monitorar e avaliar, juntamente com os beneficiários, as atividades de Ates, o processo de desenvolvimento das ações e a qualidade da assessoria executada, mediante o uso de instrumentos apropriados;
firmar parcerias com órgãos e entidades que trabalhem na área do Desenvolvimento Rural Sustentável, visando à capacitação de famílias assentadas e suas organizações, que abranjam mais de uma SR; d) monitorar, avaliar e supervisionar o programa, em nível nacional, visando ao aprimoramento de sua implementação; e) constituir e coordenar o Fórum Nacional de Ates, articulando a discussão de temas necessários ao aperfeiçoamento do programa; f) articular-se com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável, bem como seus comitês temáticos, tendo em vista a necessidade permanente de aperfeiçoamento do programa; construir, juntamente com o Fórum Nacional de Ates, estratégias de divulgação do programa em nível nacional junto aos(às) assentados(as) beneficiários(as) e demais atores envolvidos com a temática da Reforma Agrária; g) construir e implementar, juntamente com o Fórum Nacional de Ates, um Programa Nacional de Capacitação, voltado aos trabalhadores e trabalhadoras rurais assentados(as) da Reforma Agrária” (Incra, 2008a, p. 20).
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f) supervisionar e fiscalizar as atividades de Ates executadas, através dos instrumentos firmados, elaborar pareceres técnicos quanto ao cumprimento do objeto e aplicação dos recursos, de acordo com a legislação pertinente; g) orientar e estimular a entidade representativa dos assentados para acompanhar e avaliar as atividades de Ates, incluindo os PEA, PDA, PRA e RAS; h) constituir e coordenar os Fóruns Estaduais de Ates; i) articular-se com os Colegiados Territoriais, Conselhos Estaduais e Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável, bem como seus Comitês e Câmaras Técnicas tendo em vista a integração da Ates a esses colegiados; promover articulação com entidades e instituições que trabalhem na temática da Reforma Agrária visando ao desenvolvimento do Programa; j) construir estratégias de divulgação e internalização das atividades de Ates, junto aos assentados beneficiários, com vistas ao entendimento e participação desses atores para o adequado funcionamento do Programa; k) construir e implementar, juntamente com o Fórum Estadual de Ates, um Plano Regional de Capacitação, voltado para os trabalhadores e trabalhadoras rurais assentados (as), das atividades de Ates (Incra, 2008b, p. 20).
O exame das atribuições conferidas à Superintendência Estadual revela que esta deve constituir uma equipe de Coordenação e Supervisão da Ates. Ou seja, na gestão da Ates prevê-se conferir importância aos processos de supervisão – que implicam iniciativas de monitoramento e avaliação da Ates. Entende-se que o principal mecanismo utilizado para acompanhamento da execução do Programa de Ates é o Sama – um software desenvolvido para o Incra-RS que faz a interface entre os técnicos das prestadoras e a coordenação do programa. É por meio do Sama que ocorre o acompanhamento da realização das metas previstas, gerando um controle que influenciará, inclusive, no pagamento dos técnicos. O Sama apresenta-se como uma ferramenta interessante de gestão, mostrando ser uma forma eficiente e eficaz de controle e acompanhamento das atividades. Complementarmente, identifica-se a atuação dos gestores de Ates
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e fiscais de contrato do Incra-RS – que aferem, mediante amostragem, as informações postadas no Sama e geram outros dados relevantes para fins de monitoramento e avaliação da Ates. Do exposto, cabe à Superintendência Regional do Incra o protagonismo na gestão da Ates, entretanto esta haveria de se realizar privilegiando a participação da sociedade. Assim, foram previstas diversas instâncias de participação social, como o Fórum Nacional de Ates,6 Fórum Estadual de Ates7 e, no RS, também o Conselho Regional de Ates (por Núcleo Operacional). As funções do Conselho Regional abrangem participação no planejamento e avaliação da Ates no Núcleo Operacional: As reuniões do Conselho deverão ser mensais e terão duas importantes funções: 1. A primeira função é a de discutir as ações de Ates desenvolvidas durante o mês, trazendo contribuições das famílias e nivelando informações. É neste espaço que as avaliações serão feitas e as correções de rumo deverão ser discutidas e implementadas quando necessárias. 2.A segunda é a de gerar um documento, que chamaremos de “ATA da Reunião do Conselho Regional de Ates”, que ajudará a avaliar as atividades desenvolvidas pela prestadora. Esta ATA será mais um instrumento a constar no relatório de aceite dos serviços (Incra, 2008b, p. 27).
“O Fórum Nacional de Ates é um espaço destinado ao diálogo e à interação entre o público beneficiário e o Incra, com o objetivo de aprimorar a implementação do Programa nas diversas regiões. [...]Cada entidade ou órgão participante do Fórum Nacional deverá indicar um(a) (1) representante efetivo e um(a) 1 suplente para participar das reuniões de discussões promovidas pelo Incra. A composição do Fórum Nacional de Ates guardará paridade na representação entre sociedade civil e governo. Outras instituições poderão ser convidadas a participarem, eventualmente, de reuniões, a critério do Incra, para contribuir no debate de questões de interesse do programa” (Incra, 2008b, p. 21). 7 “O Fórum Estadual de Ates constitui-se em um espaço de diálogo e articulação entre os diferentes níveis de governo, os beneficiários do programa, movimentos sociais e organizações da sociedade civil, com o objetivo de discutir a implementação do Programa de Ates no estado, propor ações de melhoria e aperfeiçoamento das atividades do programa.O seu caráter é consultivo, sem vínculo institucional e remuneratório” (Incra, 2008b, p. 22). 6
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Ressalta-se, porém, o caráter consultivo, sem vínculo institucional, nem remuneratório, destas estruturas de participação social. As instâncias de execução técnica referem-se aos Núcleos Operacionais e Articuladores de Ates. Como principal instância executiva do Programa, no Manual Operacional de Ates, compete a cada Núcleo Operacional: a) executar as atividades de Ates, baseadas nos princípios e objetivos do Programa, junto as famílias assentadas dos Projetos de Assentamento criados e reconhecidos pelo Incra; b) elaborar, assessorar e acompanhar a implementação dos PEA, PDA, PRA e o RAS, observando os normativos existentes, especialmente a Resolução CONAMA nº 387/2006; c) adequar, assessorar e acompanhar a implementação do PDA e PRA já existentes, mesmo que elaborados por outras entidades; d) desenvolver estudos, em articulação com o Incra, para selecionar e identificar as áreas produtivas, de reserva legal e de preservação permanente, buscando viabilizar a elaboração do PEA; e) orientar a aplicação do Crédito Instalação, dentre outras linhas, com o envolvimento das famílias assentadas em todo o processo de elaboração e implementação dos planos e projetos; f) Divulgar as atividades de Ates, junto aos (as) assentados (as) beneficiários (as), buscando o pleno entendimento, sintonia e participação desses atores para o perfeito funcionamento do Programa; g) orientar e capacitar os (as) agricultores (as) para a elaboração e implementação dos projetos produtivos nas áreas de Reforma Agrária; h) elaborar projetos técnicos que viabilizem o acesso dos (as) agricultores (as) às diferentes modalidades de crédito produtivo; i) orientar e acompanhar a aplicação dos recursos e a implementação dos projetos e produzir relatórios técnicos, a serem encaminhados à SR, conforme preceitua o Manual de Crédito Rural; j) elaborar projetos técnicos que assegurem a recuperação das Áreas de Preservação Permanente (APP) e de Reserva Legal (RL) e dos recursos naturais dos assentamentos. Esses projetos ainda podem prever ações de gestão e educação ambiental;
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k) elaborar os projetos técnicos dos assentamentos que permitam o acesso ao Programa Terra Sol, bem como orientar e acompanhar sua execução. É vedada a contratação ou utilização dos Núcleos Operacionais de Ates para realização de atividades que constituam atribuições inerentes aos cargos do quadro de servidores do Incra; l) trabalhar os aspectos de beneficiamento e comercialização da produção dos assentamentos; m) estimular e orientar a organização social do assentamento apoiando o fortalecimento e qualificação das associações e outras formas organizativas dos assentados. n) estimular e promover ações afirmativas visando à eqüidade de gênero, geração, raça e etnia nos projetos de assentamento; o) orientar as famílias assentadas de forma a ampliar o seu conhecimento e as oportunidades de acesso aos direitos básicos de cidadania e às políticas públicas existentes (Incra, 2008a, p. 24).
Para a formação dos Núcleos Operacionais os assentamentos do Estado do Rio Grande do Sul foram agrupados em 18 conjuntos a partir de princípios gerais de homogeneidade de condições, proximidade física e tamanho (em termos de número de famílias). Em 2008 passou-se a preconizar a contratação de organizações prestadoras de serviços para a realização dos trabalhos de Ates relativos a cada Núcleo Operacional mediante concorrência pública, levando em consideração critérios de técnica e preço.8 No entendimento do Incra/RS, a consideração do critério técnica no instrumento “contrato” possibilita a ampliação da eficácia e eficiência do programa, mediante a seguinte justificativa: Levando-se em consideração que “a obtenção dos resultados esperados está subordinada ao efetivo comprometimento dos assessores técnicos”, a licitação do tipo Técnica e Preço é justificável, pois permite que o preço não seja o componente determinante do resultado da licitação (Incra, 2008b, p. 34).
8
Seguindo a composição dos custos de Ates discriminados na Norma de Execução do Incra de Nº 77/2008 e na Nota Técnica de Nº 03/DD/2008.
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No Rio Grande do Sul, por licitação, foram selecionadas três organizações que já vinham atuando em iniciativas de extensão rural junto aos assentados: – A Emater/RS-Ascar, que é uma organização que tem suas origens na criação da Ascar em 1955. Desde então, é a principal organização na oferta de serviços públicos de Ater no RS, e passou a responder por nove Núcleos Operacionais da Ates;9 – A Coptec, que é uma cooperativa de técnicos, vinculada ao MST, criada e atuante na assessoria técnica nos assentamentos desde o Projeto Lumiar (1997) e que passou a responder, em 2009, por nove núcleos operacionais da Ates,10 e – O Cetap, que é uma Organização Não Governamental (ONG), criada em 1986 com vistas a atuar na promoção da agricultura sustentável, com base em princípios da agroecologia e passou a responder por um núcleo operacional da Ates.11 Cada prestadora formou uma equipe técnica para a execução das atividades de Ates previstas para o(s) Núcleo(s) Operacional(ais) pelo(s) qual(is) se responsabilizou. A composição da equipe técnica foi condicionada por normas estabelecidas pelo Incra/RS que definiu proporção ideal entre número de técnicos e número de assentados atendidos pelo programa e formação profissional dos membros da equipe. Ao referir-se ao perfil dos membros das equipes dos Núcleos Operacionais coloca-se:
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Informações adicionais sobre histórico e atuação constantes no site da empresa <www. emater.tche.br>. 10 Informações adicionais sobre histórico e atuação constantes no site da empresa <www. coptec.org.br>. 11 Informações adicionais sobre histórico e atuação constantes no site da empresa <www. cetap.org.br>.
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As entidades prestadoras dos serviços de Ates deverão se organizar em Núcleos Operacionais, com infra-estrutura física adequada e equipe técnica de caráter multidisciplinar (preferencialmente, diversificada em termos de gênero), responsáveis pela execução da Ates junto as famílias assentadas (Incra, 2008b, p. 5).
No modelo organizacional adotado para a Ates, cada equipe técnica conta com assessoria dos Articuladores de Ates. O Manual Operacional define as características da equipe e do trabalho dos articuladores: A Equipe de Articulação é uma unidade constituída por profissionais de nível superior de formação multidisciplinar (ciências agrárias, sociais, econômicas, ambientais e outras). Essa equipe é responsável pela integração e assessoramento às equipes técnicas dos Núcleos Operacionais, em sua área de abrangência, visando garantir a qualidade dessa assessoria técnica, social e ambiental aos (às) beneficiários (as) da reforma agrária (Incra, 2008a, p. 23).
No caso do Estado do Rio Grande do Sul, o Incra estabeleceu convênio com a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) para constituição de equipe e coordenação do trabalho dos articuladores. Foram selecionados quatro articuladores para acompanhar o trabalho desenvolvido nos 18 Núcleos Operacionais.
CARACTERIZAÇÃO DO SISTEMA DE AUTORIDADE Segundo Santos e Mendonça (2002), o sistema de autoridade pode ser definido, de forma resumida, como o poder para tomar decisões e comandar pessoas, delegado pela organização ao indivíduo para o exercício de suas funções. O sistema de autoridade é a distribuição deste poder formal a todos os membros da organização, de tal forma que todos saibam as decisões que lhes competem e quais são os seus subordinados diretos.
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Os principais aspectos no seu delineamento são: amplitude administrativa e níveis hierárquicos (número de subordinados que podem ser adequadamente supervisionados por um chefe), determinação do nível adequado de descentralização da autoridade (processo pelo qual decisões passam a ser tomadas em níveis hierárquicos inferiores) e a delegação de autoridade (processo mediante o qual o chefe transmite a seu subordinado poder de decisão). De modo geral, no Programa de Ates as Superintendências Estaduais e, nessas, as equipes de Coordenação e Supervisão do Programa de Ates assumem um papel central no direcionamento ou no controle das ações de Ates. Tal orientação fica evidente quando consideradas as instâncias gerais do Programa de Ates – de coordenação e supervisão, de participação social e de execução técnica. Na base desta organização encontra-se uma divisão entre o planejamento (Incra), a assessoria e a execução (equipe técnica do Núcleo Operacional) e de decisão (Incra) e de aconselhamento (Conselhos). Ou seja, a estrutura normativa institui um sistema centralizado no Incra, ao mesmo tempo em que, contraditoriamente, lhe confere poderes inclusive para delegar poderes (sem que, no entanto, veja-se privado de suas responsabilidades). A consideração dessa ambivalência é necessária para se avaliar a importância ou o papel da participação social no Programa de Ates, pois no caso do RS, além do Fórum Estadual, foram criados e busca-se reforçar a atuação dos Conselhos Regionais de Ates – por Núcleo Operacional. Conselho Regional constituiria um fórum para confrontar percepções dos principais atores envolvidos no processo de Ates (Incra, prestadoras e assentados). Conforme previsto no Projeto Básico: Este Conselho será composto pelo Incra, através de seu fiscal de contrato do Núcleo Operacional, devidamente nomeado por Ordem de Serviço, de um membro da prestadora de Ates e de um representante dos beneficiários por assentamento, escolhido em assembléia.
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A coordenação do Conselho ficará a cargo do Incra e a representação deverá ser sempre de um titular e um suplente, garantindo assim a participação do conjunto (Incra, 2008b, p. 27).
CARACTERIZAÇÃO DO SISTEMA DE COMUNICAÇÃO Segundo Santos e Mendonça (2002), o sistema de comunicação em uma organização é a rede por meio da qual fluem as informações que permitem o funcionamento da estrutura de forma integrada e eficaz. Nos sistemas de comunicação, os seguintes pontos precisam ser bem definidos: o que comunicar, como comunicar, quando comunicar e de quem é a comunicação. A estrutura organizacional da Ates no RS implica a coordenação e supervisão do Incra/RS, o acompanhamento pela equipe de articuladores e a execução pelas prestadoras responsáveis pelos Núcleos Operacionais. Assim, há tanto um fluxo de informações que partem do Incra/RS para os demais atores, bem como àqueles que partem dos atores e chegam ao Incra/RS. O fluxo de informações que parte do Incra/RS refere-se, predominantemente, às orientações sobre a execução dos serviços e, neste caso, o fluxo nem sempre é direto do Incra/RS para as prestadoras e, destas, para os Núcleos. De modo geral, a comunicação dentro do Programa de Ates recorre a diferentes meios: reuniões, softwares para o controle das atividades, visitas de campo, preparação de documentos oficiais e por meio de modelos informais de transmissão da informação e comunicação. Com relação ao fluxo que parte dos Núcleos em direção ao Incra, uma ferramenta importante para a comunicação das atividades é o Sama – programa informatizado de registro e acessibilidade às ações da Ates.
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DESAFIOS DA GESTÃO NUM CONTEXTO DE TERCEIRIZAÇÃO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ATES: Reflexões a Partir do Caso do RS . Terceirização e a constituição de estruturas matriciais Com base em Mintzberg (1995) e Antunes (2003) propomos distinguir três modelos principais de estrutura organizacional: a funcional, a divisional e a matricial. Na estrutura funcional as pessoas que realizam atividades dentro da mesma área técnica são agrupadas na mesma unidade. Os técnicos de uma mesma especialidade trabalham juntos sob a orientação de um mesmo gerente funcional, permitindo um crescente aperfeiçoamento da equipe e evitando a duplicação de esforços (Antunes, 2003). Outra vantagem é que a supervisão torna-se mais fácil, pois o administrador precisa ter conhecimento somente de sua área de atuação. Na tentativa de superar um supercrescimento da instituição ou empresa, seja geograficamente ou nas linhas de produção, a estrutura funcional, antes a mais indicada, passa a apresentar desvantagens, exigindo uma estrutura divisional. Na ótica de Mintzberg (1995), uma estrutura do tipo divisional não constitui uma estrutura completa, que vai da cúpula estratégica até o núcleo operacional; ao invés disso possui várias divisões com estruturas próprias e completas. Para Mintzberg (1995), Antunes (2003) e Marcelio de Paula (2007), a forma divisional leva à descentralização do escritório central, dando poder para que cada divisão tome decisões concernentes as suas próprias operações. Embora este tipo de estrutura possibilite autonomia para as divisões, o escritório central estabelece o controle por meio do monitoramento do desempenho de cada divisão. O mecanismo-chave de coordenação, então, é a padronização dos resultados através do sistema de controle
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de desempenho. Ao escritório central cabe a formulação da estratégia global da organização; é a cúpula que estabelece quais produtos ou divisões devem se expandir, modificar e até fechar ou ser vendidos. Outras funções que a cúpula acumula são as alocações de recursos financeiros globais, a escolha dos membros gerenciais das divisões, assim como o controle de seu desempenho (Marcelio de Paula, 2007). No caso da estrutura do Programa de Ates no Incra, esta se aproxima de um modelo de estrutura divisional dada a autonomia concedida à Superintendência Regional, entretanto, ao considerarmos que o programa não se viabiliza sem a contratação de prestadoras de serviços e que cada prestadora pode ter um modelo de estrutura específico, há necessidade de reconhecer a tendência à constituição de estruturas matriciais. Nesse sentido fica evidente que cada uma das organizações contratadas para a execução do Programa de Ates apresenta sistemas de atividades, autoridade e comunicação próprios: – o caso do Cetap parece o mais simples, dada a aproximação ao modelo de autoridade idealizado pelo Incra. A organização possui uma coordenação mais alternativa, na qual há uma coordenação geral, um coordenador do Núcleo e os técnicos de campo, todos participantes nas tomadas de decisão; – o caso da Coptec caracteriza uma situação intermediária. É constituída por um Conselho Gestor, tomador de decisões, e um coordenador estadual, executor das decisões tomadas. No caso do contrato de Ates com o Incra/RS, estruturou-se de modo que os Núcleos são centralizados em uma sede, possuindo um coordenador. Assim, as decisões estaduais cabem ao Conselho Gestor e as decisões regionais cabem aos técnicos de campo, em conjunto com o coordenador do núcleo e – o caso da Emater/RS constitui situação particular. A Emater/RS organizou-se historicamente sobre uma estrutura na qual se distinguem a Coordenação Estadual, Escritórios Regionais e Escritórios Municipais.
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Tradicionalmente, a principal estrutura executora dos serviços são as equipes dos escritórios municipais. No caso da prestação de serviços de Ates para o Incra, a partir de 2009, há um coordenador estadual do contrato, responsável pela coordenação e centralização de todas as informações advindas do Incra e dos Núcleos Operacionais. Há, ainda, um supervisor regional, um coordenador para cada Núcleo do Programa de Ates – que pode acumular a função de coordenador de mais de um Núcleo –, e os chefes de Escritório Municipal, que também participam do planejamento para execução das metas da Ates. No caso da Emater/RS, então, os Núcleos Operacionais não são centralizados, ou seja, estes utilizam as estruturas e as equipes técnicas dos Escritórios Municipais para execução das atividades nos assentamentos. Segundo Mintzberg (1995), a ocorrência simultânea de duas ou mais formas de estrutura, sobre os mesmos membros de uma organização é denominada de estrutura matricial. O conceito remete à situação do técnico que, simultaneamente, exerce um determinado papel na estrutura do Incra/RS e outro papel na estrutura organizacional da prestadora de serviços que o contrata. Um aspecto importante, nesse caso, é a autoridade dual, ou seja, um determinado especialista responde a dois chefes, ao gerente funcional da área técnica na qual se encontra e ao gerente do projeto para o qual está prestando serviços (Mintzberg, 1995). É considerado um tipo de estrutura capaz de combinar diversas capacidades necessárias para solucionar um problema complexo (Antunes, 2003). Para a obtenção dos resultados esperados, os membros da equipe necessitam possuir capacidade de relacionamento interpessoal e flexibilidade (Vasconcellos, 1989). Desta forma, destaca-se a complexidade da gestão das pessoas neste formato. As dificuldades e conflitos identificados podem ser os mais diversos, como abordados a seguir.
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. Conflitos nos sistemas de atividade em torno à natureza dos serviços contratados Diversos fatores convergem para a existência de conflitos em torno do que necessitam os assentados, o que pode ser ofertado pelas prestadoras, o que almejam os técnicos e os objetivos do Incra/RS para a Ates. Inicialmente cabe reconhecer que a expressão extensão rural está associada a representações sociais das mais variadas, uma vez que se vincula a uma prática adotada em diferentes países, em contextos históricos muito diversos. Além disso, destaca-se a permanente revisão acadêmica de seus referentes com proposição de novos modelos de atuação. Nesse contexto o Programa de Ates do INCRA, embora se refira à assessoria técnica, social e ambiental, apresenta-se como identificado com os princípios e diretrizes gerais da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pnater), que apresentam uma proposta mais específica de orientação dos serviços de extensão rural. Além da identificação genérica com os princípios e diretrizes da Pnater o Incra procura detalhar seu entendimento sobre a natureza dos serviços a serem prestados ao tratar dessa questão no Manual Operacional. O direcionamento das atividades dos técnicos é formalizado, então, por uma concepção constante no Manual Operacional do Incra, a qual as prestadoras se comprometeram a respeitar quando se submeteram ao processo de licitação para oferta desses serviços. A contratação de instituições já estabelecidas, em alguns casos, pode dificultar um pouco a realização de um trabalho em conformidade com a concepção do Incra, especialmente quando os objetivos e filosofia adotados pelas prestadoras não são compatíveis com o almejado pelo contratante. E, nesse sentido, é muito relevante que o governo tenha claro quais são as suas intenções, dado que, como afirma Qmar (2005, p. 6), mudanças superficiais na extensão rural bem como a formação de pessoal para uma atuação em temáticas agrícolas estereotipadas serão de pouca
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utilidade. No caso do RS, ao mesmo tempo em que não se observam disparidades de orientação muito significativas, constata-se que nenhuma das três prestadoras foi criada exclusivamente para oferta de serviços de Ates ao Incra. Cada uma delas tem sua história, e potencialmente, sua identidade. A Emater/RS, por operar a instituição de políticas públicas e políticas de governo com diferentes orientações, talvez seja a organização que tem maior flexibilidade na execução de atividades heteronomamente definidas. Já Coptec e Cetap, por sua trajetória histórica e vínculos estabelecidos com movimentos sociais, estariam mais predispostas à construção de uma “identidade de projeto” que as tornaria menos flexíveis na execução de atividades heteronomamente definidas. Nessas circunstâncias, uma alternativa para estabelecer maior coerência entre o serviço almejado e o serviço realizado é a maior especificação das ações a serem executadas. No caso da Ates do RS as orientações definidas em âmbito federal serviram de base para o Incra/ RS especificar, em 2008, as metas a serem alcançadas pelos técnicos e pelas prestadoras. 12 A necessidade de estipular metas justifica-se pelo fato de que nos processos de gestão pública, e no caso específico da gestão da Ates, é imprescindível que haja ferramentas de acompanhamento, monitoramento e controle para que possam ser garantidos os princípios da administração pública, em especial a legalidade, a publicidade e a moralidade. Isto se torna importante devido às ações envolvendo recursos públicos serem observadas e fiscalizadas pelos órgãos de controle do patrimônio público, tais como: Controladoria Geral da União (CGU), Tribunal de Contas da União (TCU), visando a que os desvios sejam evitados e punidos quando identificados.
12
As metas do primeiro contrato foram elaboradas por meio de consultas aos bancos de dados do Incra sobre as atividades prioritárias nos assentamentos, bem como mediante consultas em reuniões com parceiros interessados em aperfeiçoar o modelo de Ates, tais como: Representantes dos Movimentos Sociais, Representantes das Prestadoras, Especialistas do Governo Federal e Estadual, Representantes do Incra.
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Tomando-se por referência a experiência do RS destaca-se que, se por um lado a relativa “especificidade” das metas contratuais parece atenuar a diversidade de orientações na execução dos serviços convergindo com os princípios propostos pelo Incra/RS, por outro pode causar conflitos internos no âmbito das prestadoras e/ou com seus apoiadores, uma vez que as atividades a serem desenvolvidas ou a forma de executá-las nem sempre é convergente com “a identidade de projeto” da organização. Avalia-se que a revisão das metas no sentido da sua “flexibilização” tem constituído elemento importante no enfraquecimento dos conflitos neste âmbito. De modo geral, a partir da observação do caso do RS constata-se que a terceirização implica incorporação de prestadoras de serviços que trazem consigo uma história, o que repercute potencialmente em falta de homogeneidade no âmbito da execução do Programa de Ates.13
. Conflitos no sistema de autoridade A estrutura organizacional da Ates no RS tende a se aproximar mais de uma classificação do tipo matricial, em que os agentes executores (técnicos) estão submetidos a uma autoridade dual, respondendo a uma estrutura organizacional interna da prestadora, bem como à estrutura do modelo proposto pelo Incra/RS. Este tipo de estrutura organizacional tende a criar situações de duplo comando, e os técnicos ao terem de optar, podem tirar o foco dos objetivos principais da Ates, resultando em perda de eficiência e eficácia. O conflito ocasionado pela interposição de organizações com estruturas diferentes manifesta-se, sobretudo, no caso da Emater/RS, dificultando uma clara percepção da estrutura de auto-
13
As diferenças nos referenciais teórico-metodológicos acessados pelas diferentes prestadoras ficaram evidentes, por exemplo, na definição da metodologia de diagnóstico para execução dos PDAs e PRAs, situação em que prevaleceu o respeito à competência da prestadora.
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ridade, pois a coordenação do projeto (de Ates por Núcleo) estrutura-se em paralelo com a supervisão regional e chefia de escritórios municipais. O NO de Palmeira das Missões, por exemplo, possui 352 famílias em 13 assentamentos distribuídos em 8 municípios. Isso implica que em um mesmo NO a Ates trabalha com 8 equipes diferenciadas. A situação fica ainda mais complicada onde o território de abrangência geográfica do NO da Ates é diferente das regionais da Emater. Na Região Norte do RS, este fato ocorre nos NOs de Julio de Castilhos, Palmeira das Missões e Sarandi. Nestes casos as equipes que compõem o NO da Ates fazem parte de mais de uma Regional da Emater, o que dificulta a articulação das equipes, o planejamento e a orientação dos trabalhos e a execução coletiva das metas nos assentamentos enquanto NO. A articulação entre os técnicos executores é necessária, pois a maioria das metas estabelecidas no contrato é mensurada levando em consideração a estrutura de todo o NO. Observa-se, assim, que o Incra/RS tem autoridade no sentido de definir a atividade a ser realizada, mas pouca ingerência sobre sistemas de autoridade internos das organizações, que são os mais diversos. Em outros casos há dificuldade de perceber como ocorre a distribuição de autoridade internamente na prestadora, como no caso do poder da coordenação estadual diante da coordenação por núcleo na Coptec, sendo passível de questionamento o real poder de comando daqueles a quem cabe a coordenação da execução dos serviços. Pelas considerações anteriores, evidencia-se que a estrutura matricial dificulta o exercício do sistema de autoridade previsto no Programa de Ates onde a definição das metas está nas mãos dos gestores do Incra/ RS. Outro questionamento que poderia ser feito, a partir dos conflitos observados na experiência do RS, refere-se à oportunidade de manter um sistema de autoridade tal qual foi constituído na proposta do Programa de Ates. Nesse caso colocar-se-ia em questão o poder dos técnicos, dos assentados e outros atores envolvidos no sistema de autoridade.
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Neste aspecto, observou-se que o sistema vigente traz um conflito potencial com a tradição de técnicos ou prestadoras que privilegiam a autonomia no direcionamento da Ates. Avalia-se que, neste contexto de conflitos de interesses, um dos fatores que assegura o cumprimento dos serviços previstos é o condicionamento, pelo Incra/RS, da liberação dos recursos proporcionalmente ao cumprimento das metas mensalmente. Tal poder – dado pelo condicionamento da liberação dos recursos – fez com que os técnicos, em 2003, se considerassem “empregados do Incra”.14 Assim, ao assumir uma característica de contratante de serviços, o Incra/ RS teve de estruturar mecanismos de monitoramento, avaliação e controle para poder acompanhar os avanços dos técnicos em seus Núcleos Operacionais. Este tipo de controle por vezes leva a que o trabalho do técnico perca a autonomia, pois os órgãos de controle passam a ter prioridade. Ou seja, primeiro deve ser atendido o órgão coordenador, pois ele “avalia” e paga o “serviço”, e depois consideradas suas próprias concepções ou as requisições dos assentados.15 Os conflitos com os assentados também são frequentes e ocorrem principalmente por que estes requerem priorização de suas demandas e o Incra/RS baliza sua atuação no cumprimento de ações previamente acordadas por contrato. Estes conflitos não são atenuados facilmente devido à natureza da participação dos assentados nas instâncias formais, pois essa tem caráter consultivo e restringe-se a uma participação por representação. Essa noção de “empregados do Incra” foi afirmada ao longo dos anos de 2009 e 2010 pelos técnicos que se viam apenas como executores de ações definidas pelo Incra e repassadas às equipes técnicas. A partir do momento em que os técnicos passam a ser responsáveis pela elaboração do contrato de trabalho que terão de cumprir no ano seguinte – o que ocorre a partir do contrato de 2011 – seu compromisso e envolvimento mudam de patamar. 15 Cabe reconhecer, entretanto, que a participação na Ates vem sendo valorizada, seja na orientação metodológica da intervenção, ou na necessidade de aprovação ou na concordância dos assentados mediante referendo de propostas formuladas pelos técnicos. 14
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. Conflitos nos sistemas de comunicação Por ser uma estrutura complexa, caracterizada pelo modelo matricial, é importante destacar que a comunicação é um dos pontos críticos do Programa de Ates, pois nem sempre a comunicação é feita diretamente entre o emissor e o receptor da informação. Com relação ao fluxo de informações entre a Coordenação do Programa de Ates e as prestadoras, os técnicos e os assentados, existem muitos pontos que podem representar ruídos para a comunicação, e para minimizar estes transtornos pensou-se na figura dos articuladores, que são especialistas ligados à Universidade Federal de Santa Maria e que assumem um papel importante neste processo. Frequentemente o Incra/RS solicita auxílio dos articuladores no processo de transmissão de informações para os Núcleos Operacionais relativos à execução da Ates. Cabe, então, aos articuladores discernir fluxos de comunicação eficazes segundo as particularidades de cada uma das prestadoras envolvidas e a realidade regional em questão. Observou-se, em 2009, que na Coptec tanto o fluxo de informações provindo do Incra/RS e direcionado aos Núcleos Operacionais quanto o inverso, não é, necessariamente, centralizado no coordenador estadual, promovendo a autonomia do coordenador do Núcleo Operacional ao proporcionar-lhe acesso direto ao Incra/RS. Já na Emater/RS há reivindicação de “respeito” à hierarquia da organização, de modo que a informação que parte do Incra/RS para o técnico executor da Ates fica condicionada ao fluxo e ritmo interno de comunicação da prestadora. Neste contexto as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) (Internet, celular) mostram-se muito oportunas para se realizar a troca de informações, entretanto a eficiência desta estratégia de comunicação nem sempre é máxima, pois o Programa de Ates necessita acessar agentes que estão nas áreas rurais remotas e, por isso, muitas vezes distantes dos serviços de Internet e inclusive de telefonia fixa e móvel. Esta dificuldade de comunicação é especialmente perceptível quando
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se busca articular os assentados para realizar algumas atividades. Como nem sempre a informação chega a todos, há redução no número de participantes nas ações da Ates e mal-estar entre os técnicos e assentados. Cabe registrar, no entanto, que ainda é possível verificar dificuldades de acesso à Internet também por parte de alguns técnicos que trabalham em regiões rurais mais afastadas ou em cidades com infraestruturas de comunicação mais precárias no que se refere aos serviços de Internet – o que prejudica, inclusive, o desempenho do sistema de acompanhamento das atividades – o Sama.
CONSIDERAÇÕES FINAIS O esforço realizado neste texto parte do suposto de que o conhecimento da estrutura organizacional torna-se pré-requisito para compreendermos os processos de comunicação, organização e de tomada de decisão que condicionam o desempenho destas organizações. Esta análise, então, mostra-se fundamental na construção de estratégias de maximização dos resultados para a sociedade, em especial para os assentados da reforma agrária. Entende-se que a estrutura organizacional proposta no modelo de Ates do Incra/RS é o embrião de um processo inovador a em âmbito nacional, que tende a induzir uma nova cultura e mentalidade organizacional na prestação desse serviço. A busca constante pelo aperfeiçoamento da estrutura organizacional leva à realização de contínuas mudanças na operacionalização do Programa de Ates, dificultando a realização de um trabalho acadêmico como o presentemente proposto. Considerando-se o constante aperfeiçoamento das estruturas o presente trabalho não constitui mais do que uma aproximação a essa estrutura em um momento dado do tempo – segundo semestre de 2009 – e desta forma não pode ser entendido como avaliação do Programa, constituindo,
outrossim,
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apenas uma contribuição para a reflexão sobre os desafios implicados na operacionalização de Programas de Ates mediante terceirização da prestação de serviços. Observa-se que a opção pela terceirização na execução dos serviços resultou na integração de três prestadoras que têm uma profunda heterogeneidade entre si (nas estruturas organizacionais) bem como internamente (entre equipes de mesma prestadora). Cada realidade é fruto das características das pessoas e da história organizativa de cada uma, bem como da inter-relação entre as estruturas do contratante e contratado, resultando em situações que dificultam potencialmente a realização das atividades e execução das metas segundo uma só concepção de Ates. Entende-se que as estruturas propostas pelo Programa de Ates são fruto da conjuntura histórica que define os condicionantes para a viabilização dos serviços públicos. Nesse sentido, identifica-se um potencial conflito entre modelos que asseguram máximo controle da aplicação dos recursos públicos e modelos descentralizados e participativos de gestão da Ates, de modo que o principal desafio a ser enfrentado parece consistir na conciliação das forças contraditórias implicadas nesses diferentes modelos. Destaca-se, por fim, que a experiência de Ates do RS tem pontos positivos e representa um importante serviço para a sociedade. É, no entanto, uma tarefa desafiadora para qualquer instituição pensar um tipo de serviço que possa atender, com recursos limitados e de forma homogênea, todas as famílias assentadas do Estado, complexas em sua formação cultural, na sua localização geográfica e nos seus objetivos de vida.
REFERÊNCIAS ANDERSON, J.; VAN CROWDER, L. The present and future of public sector extension in Africa: Contracting out or contracting in? Public Administration, v. 20, p. 373-384, 2000.
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ANTUNES, B. M. B. A estrutura organizacional frente as estratégias de aquisição: um estudo de casos em Minas Gerais. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPAD, 2003, Atibaia. Anais... Atibaia, SP, 2003. INCRA. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Superintendência 11/RS. Manual operacional 2008. Norma de execução n. 78 de 31 de outubro de 2008. Boletim de serviço do Incra. Brasília, DF, 2008a. 142p. INCRA. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Superintendência 11/RS. Projeto Básico visando a licitação para a prestação de serviços de Assessoria Técnica, Social e Ambiental (Ates) e elaboração de PDA ou PRA para as famílias assentadas no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Incra/RS, 2008b. MARCELIO DE PAULA, Geraldo. Estrutura organizacionais: o papel do gestor de nível intermediário. 2007. 148 f. Dissertação (Mestrado em Administração) – Faculdade de Ciencias Empresariais, Fumec, Belo Horizontem 2007. MAXIMIANO, Antônio. Introdução à Administração. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1986. MINTZBERG, Henry. Criando organizações eficazes: estruturas em cinco configurações. São Paulo: Atlas, 1995. QMAR, M. K. Modernizing national agricultural extensions systems: a practical guide for policy-makers of developing countries. Roma: FAO, 2005. RIVERA, W.; ZIJP, W.; ALEX, G. Contracting for extension: Review of Emerging Practices. Washington: WB, 2000. SANTOS, A. C.; MENDONÇA, M. C. A. Adequação de estrutura organizacional: uma análise em cooperativas. In: ENANPAD. ENCONTRO ANUAL DA ANPAD, 26, Salvador, 2002. Anais... Salvador, BA, 2002. CD-ROM.
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VASCONCELLOS, Eduardo. Estrutura das organizações. 2. ed. São Paulo: Pioneira, 1989. WORLD BANK/USAID/NEUCHÂTEL GROUP. Extension and Rural Development: Converging Views on Institutional Approaches? Washington: World Bank, 2002. Workshop Summary of a Workshop held November 12-15, 2002 in Washington DC. Disponivel em: <http://info.worldbank. org/etools/docs/library/51025/ZipAgExtension1/ag_extension1/Materials/additional/betts.pdf>.
CONTRATANDO SERVIÇOS DE ATES O Desafio da Elaboração das Metas Contratuais Alisson Vicente Zarnott Vivien Diesel Luiz Eduardo Abbady do Carmo Cleia S. Moraes
A criação do Programa de Assessoria Técnica Social e Ambiental pelo Incra, em 2004, constitui um fato importante porque demarca o início de um período caracterizado pelo claro comprometimento desta organização com a oferta desses serviços públicos para os assentados da reforma agrária. A partir daí inicia-se, também, um processo de experimentação de novos modelos operacionais na execução de programas de governo. Na experiência pregressa de oferta de serviços públicos de assistência técnica e extensão rural para assentados, realizada de 1997 a 2000 no contexto do Projeto Lumiar, o Incra já havia inovado ao separar as funções de financiamento e de execução de serviços. Naquele contexto o Incra se dispôs a financiar serviços ofertados por outras organizações (públicas ou privadas) estabelecendo convênios para regular a sua relação com as prestadoras dos serviços de assistência técnica e extensão rural. Ao criar o Programa de Ates, em 2004, o Incra decidiu adotar a mesma estratégia já experimentada com o Lumiar e estabeleceu convênios para a execução desse programa.
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No caso do Estado do Rio Grande do Sul (RS), o Incra/RS iniciou o Programa de Ates operando a execução dos serviços mediante convênio, mas enfrentou restrições tão fortes a essa modalidade de operação que teve de buscar alternativas. A modalidade convênio vinha sendo duramente criticada tanto por prestadoras de serviços quanto por responsáveis pela controladoria do uso dos recursos públicos da União. As prestadoras de serviços enfrentavam dificuldade em realizar a prestação de contas dos repasses financeiros, o que ocasionava atrasos nos repasses seguintes de recursos e os fiscais reclamavam da falta de controle por parte dos órgãos contratantes quanto à efetividade do serviço executado. Em tal contexto o Incra/RS passou a operar mediante a modalidade contrato para a execução dos serviços pelas prestadoras, sendo o contrato de Ates do RS a experiência pioneira nessa nova modalidade. Segundo Rivera, Zijpe e Alex (2000), o sucesso do uso de contratos na extensão requer uma clareza contratual na descrição de qual o serviço deve ser executado, da qualificação necessária aos profissionais de extensão rural e demais integrantes da equipe prestadora, das principais características do público a ser envolvido, das metodologias de trabalho a serem adotadas, das metodologias de avaliação, dos direitos e deveres do contratante e contratado, seus papéis e dos valores e formas de pagamento dos serviços prestados. Estas questões foram contempladas no documento “Projeto Básico visando Licitação para prestação de Serviços de Assessoria Técnica, Social e Ambiental (Ates) e elaboração de PDA ou PRA para as famílias assentadas no Estado do Rio Grande do Sul”, de outubro de 2008 (Incra; Superintendência Regional 11/RS, 2008), que explicitou a normatividade orientadora das contratações para Ates no Incra/RS. Como se tratava de experiência pioneira de utilização de contrato no âmbito do serviço público na área de assistência técnica e extensão rural, os gestores do Programa de Ates tiveram de enfrentar diversos desafios, entre os quais se destaca a especificação da natureza dos serviços a serem contratados. A especificação da natureza dos serviços a
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serem contratados mostra-se mais complexa do que em outras áreas em virtude de que não se aplica facilmente a mesma normatividade aplicada à contratação de “produtos”. Ou seja, o Programa de Ates foi constituído com o objetivo geral de “Prestar assessoria técnica, social e ambiental às famílias dos Projetos de Assentamento, criados ou reconhecidos pelo Incra, tornando-os unidades de produção estruturadas, com segurança alimentar e nutricional, inseridas no processo de produção, voltadas para o desenvolvimento rural sustentável e solidário.” (Incra, 2008, p. 16). Cabe destacar, nesse caso, que os impactos desejados do programa de Ates se manifestam no longo prazo e são altamente dependentes de outras condições que não só da qualidade do serviço de assessoria técnica, social e ambiental ofertado. Nesse caso o pagamento dos serviços executados em curto prazo não pode estar condicionado à efetivação dos impactos almejados no longo prazo, pois não está ao alcance da prestadora a gestão dos diversos condicionantes que influenciam no seu alcance.1 O clima, por exemplo, pode ser uma variável interveniente que pode impedir que se alcancem objetivos de segurança alimentar ou geração de renda mediante produção agrícola e não está sob controle da prestadora de serviços. Nessas condições, os contratos de Ates podem recorrer à contratação de produtos (como no caso da elaboração de Planos de Desenvolvimento de Assentamentos (PDAs) e Planos de Recuperação de Assentamentos (PRAs)), mas quando essa possibilidade não está dada, vêm contratando a execução de ações predefinidas. Cientes de que os impactos do serviço de Ates são, em parte, condicionados pelas ações executadas, e que essas devem estar predefinidas em contrato, os gestores do Programa de Ates no RS têm empreendido um grande esforço para especificá-las e adequá-las. Uma análise do Programa de Ates no RS mostra uma intenção da Superintendência Regional do Incra em dialogar com os demais agentes envolvidos e qualificar o
1
Para uma maior aproximação acerca dos condicionantes de impacto dos serviços de assistência técnica extensão rural ver Anderson (2008).
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Programa. Essa disposição é comprovada pelas diversas vezes em que a Superintendência se reuniu com prestadoras, equipes técnicas, equipe de articuladores de Ates e discutiu os rumos do Programa e o desdobramento desse diálogo é que em três anos foram elaboradas cinco versões de contrato, revisando-se as metas contratadas visando a qualificar o Programa de Ates. A primeira versão de contrato para os serviços de Ates é de 2009, e é a que veio substituir os convênios. Essa foi reformulada dois meses após o início do trabalho gerando uma segunda versão, ainda em 2009. Nova reformulação foi proposta para o ano de 2010 (3ª versão) e novamente mudanças foram propostas para 2011 (4ª versão). Para o contrato vigente no ano de 2011 foi prevista antecipadamente a possibilidade de mudanças e adaptações nas metas contratadas em junho e julho de2011 gerando um novo rol de metas para o segundo semestre de 2011 (5ª versão). O presente ensaio tem por objetivo descrever as diferentes propostas de metas formuladas no contexto do Programa de Ates no RS no período de 2009 a 2011 e identificar aprendizados nesse processo de revisão das metas contratuais para os contratos de Ates. A composição deste trabalho deriva da experiência acumulada pelo Projeto Articuladores de Ates – que acompanhou o processo de elaboração e revisão dos contratos nesse período – e das observações realizadas por estudantes de Doutorado da turma de 2009 do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural (PPGExR) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). A pesquisa utilizou-se, então, de dados e informações provindas da vivência do Projeto Articuladores de Ates, do estudo de documentos, participação em seminários sobre o tema, visitas de campo, reuniões com equipes técnicas, reuniões de avaliação dos Núcleos Operacionais (NOs), reuniões entre Incra e equipes técnicas, atividades de campo para a elaboração de PDAs e PRAs.
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METAS DO CONTRATO PARA 2009: Definindo o Desenvolvimento Sustentável e a Universalização da Ates Como um Ponto de Partida A elaboração das metas do contrato para o ano de 2009 foi realizada pela Equipe de Coordenação e Supervisão da Ates do Incra/RS com base nas orientações do Manual Operacional (Incra, 2008), exame de relatórios de exercícios anteriores de prestação de serviços de assistência técnica no Rio Grande do Sul e na experiência pessoal daqueles envolvidos no processo. Uma análise do teor das metas revela que estas foram definidas almejando a superação de uma orientação exclusivamente produtivista (incluindo questões sociais e ambientais), preconizando a universalização do acesso aos serviços de Ates dentre os assentados e uma atuação padrão em todos os assentamentos do RS. Isso implicou a adoção de um só modelo de contrato, firmado com as diferentes prestadoras, com vigência de cinco anos, mas possibilidade de revisão anual nas metas. A primeira versão contratual, de 2009, apresentava-se como uma proposta para um período de transição uma vez que, segundo a normatividade estabelecida no Manual Operacional (Incra, 2008), a Ates haveria de se embasar nos PDAs e PRAs e, como estes ainda não estavam disponíveis, foi necessário definir os serviços de Ates para esse primeiro exercício de contrato de modo independente destes planos de desenvolvimento dos assentamentos. Nesse contexto, o primeiro serviço a ser contratado foi a elaboração de Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos (PDAs) ou Planos de Recuperação dos Assentamentos (PRAs), de acordo com a data de criação ou reconhecimento de cada assentamento. A elaboração de PDAs deveria ser realizada em assentamentos criados ou reconhecidos pelo Incra pós 2003 e os PRAs em assentamentos criados ou reconhecidos antes de 2003 e que já possuíam PDA.2
2
A metodologia para elaboração dos PDAs e PRAs está presente em outro capítulo desta obra, intitulado “Transições metodológicas na atuação extensionista: o caso da elaboração dos PDA e PRA na Ates do RS”.
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Além da elaboração dos planos de desenvolvimento para os assentamentos, previu-se a contratação de serviços continuados de assessoria técnica, social e ambiental. Dada a impossibilidade de operar, nesses casos, mediante contratação de produto, buscou-se identificar ações a serem realizadas pelas equipes técnicas que viabilizariam o alcance dos objetivos perseguidos com a Ates. Os propósitos de universalização do acesso à Ates entre assentados resultaram na inclusão de meta de ações individualizadas, relativas a visitas às famílias, evitando-se viéses de concentração da oferta de serviços à famílias próximas geograficamente da sede da prestadora ou com as quais os técnicos mantêm melhores relações. Os propósitos de universalização do acesso à Ates manifestam-se, também, no desenho das ações coletivas ao estabelecer que essas devem ser realizadas em todos os assentamentos, independentemente do número de famílias assentadas. O propósito de superação de orientações produtivistas reflete-se na inclusão de outras “frentes de trabalho”, objetivando contemplar a esfera ambiental, social e as ações de Integração de Políticas Públicas e Programas do Incra, cada qual com metas específicas a serem alcançadas. Com vistas a atender os diferentes propósitos perseguidos, os contratos contemplaram, além das visitas individuais, as atividades de cunho coletivo e um tempo para atividades não previsíveis – caracterizadas como ações que não são possíveis de ser programadas previamente como atividades de organização, ações que constituem desdobramento de outras, planejamento interno e articulação territorial.3 Reconhecendo que o exercício da Ates requer ações não planejadas ou complementares,
3
No Contrato 2010 as ações não previsíveis passam a ser denominadas de ações complementares devido ao entendimento de que as ações das equipes devem ser planejadas e de que as atividades eventuais desempenhadas pelas equipes são (ou devem ser) complementares às atividades planejadas. Para o Contrato 2011, organização e planejamento da equipe e das ações a serem desenvolvidas passam a compor o rol das ações planejadas.
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foi necessário estabelecer o tempo máximo que poderia ser alocado a elas, gerando-se proposta de distribuição do tempo da equipe técnica exposta no Quadro 1. Quadro 1 – Distribuição percentual do tempo de trabalho das equipes técnicas de Ates em três frentes de atuação Ação
Porcentagem
Atendimento da unidade familiar através de visitas técnicas;
40%
Ações de caráter coletivo de modo a contemplar as atividades na esfera ambiental, produtiva e social;
40%
Ações não previsíveis e complementares;
20%
Total
100%
Fonte: Incra; Superintendência Regional 11/RS, 2008.
O contrato foi além da especificação de “frentes de trabalho”, identificando as ações específicas que deveriam ser realizadas para contemplar os objetivos da assessoria técnica social e ambiental em cada uma delas. Isso envolveu o desdobramento da concepção de Ates presente no Manual Operacional em ações específicas. Para ações de assessoria técnica na esfera produtiva, o Projeto Básico de Ates (Incra; Superintendência Regional 11/RS, 2008) aponta como princípios gerais a adoção, pelas equipes técnicas, dos preceitos do desenvolvimento rural sustentável, da economia popular e solidária, da agroecologia na orientação dos processos produtivos, a adequação das técnicas produtivas às características regionais e a promoção de trocas de experiências entre agricultores. Tais orientações se materializaram, no contrato 2009, em ações que buscavam valorizar a biodiversidade e autonomia no manejo de sementes, segurança alimentar e recuperação de solos. Objetivando ampliar os trabalhos das equipes de Ates na área social, o Projeto Básico de Ates (Incra; Superintendência Regional 11/ RS, 2008) estabeleceu um leque de ações possíveis relacionadas a esta temática, entre as quais são mencionadas as ações sobre a documentação
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da família, a redução da pobreza, o estímulo à compreensão dos direitos especiais das crianças, dos idosos e dos jovens, o estímulo às boas práticas alimentares, o saneamento básico, lazer, educação e organização social. Como ações específicas incluíram-se, no contrato 2009, o levantamento das formas organizativas encontradas nos assentamentos, campanha de documentação das famílias, palestras nas escolas e oficinas de boas práticas de higiene e outros assuntos. Em relação às ações de assessoria técnica na esfera ambiental, o Projeto Básico de Ates (Incra; Superintendência Regional 11/RS, 2008) estabeleceu a priorização de espaços de capacitação, objetivando a conscientização dos assentados acerca dos problemas ambientais apontados nas Licenças de Instalação e Operação (LIOs) dos assentamentos, previu reuniões com a Patrulha Ambiental e orientou para que os técnicos viabilizassem o licenciamento ambiental de atividades produtivas realizadas nos lotes, discutissem o manejo dos recursos naturais e encaminhassem para avaliação os projetos a serem licenciados, a fim de obter a anuência do Incra. Para tanto, o Incra/RS exigiu que todas as equipes técnicas mantivessem, de forma permanente, um engenheiro agrônomo como responsável pela área ambiental nos NOs. Em relação às ações de Integração de Políticas Públicas e Programas do Incra, o Projeto Básico (Incra; Superintendência Regional 11/ RS, 2008) estabeleceu que as equipes haveriam de auxiliar no controle da documentação e identificação das famílias assentadas, acompanhar as atividades de campo do Incra/RS bem como das demais entidades conveniadas, executar e orientar a aplicação dos créditos de acordo com os Planos de Desenvolvimento e Recuperação dos Assentamentos e potencializar o Programa Terra Sol,4 sensibilizando os assentados para a importância do processamento dos alimentos em busca da agregação de valor e renda para as famílias.
4
O Programa Terra Sol é uma ação de fomento a agregação de valor à produção nos assentamentos. Apoia a agroindustrialização e a comercialização por meio da elaboração de planos de negócios, pesquisa de mercado, consultorias, capacitação em viabilidade
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No contrato 2009, além de prever as ações a serem realizadas, o Incra/RS indicava também a época de execução de cada uma. As metas propostas e sua distribuição no ano de vigência do contrato são apresentadas no Quadro 2. Quadro 2 – Resumo das Metas do Incra/RS para Ates no contrato do ano de 2009 Metas
D J Marco Zero – Reunião geral e nos assentamentos X X Elaboração de PDA X Elaboração de PRA Reuniões bimestrais Capacitação para instalação de Unidade DemonsX trativa Capacitação nas escolas X Formação de catálogo de sementes Ciclo de palestras sobre linhas produtivas Capacitação sobre manejo de pomar Campanha documentação da família X Oficinas de boas práticas de higiene e outros assuntos Oficinas sobre saneamento e destino do lixo Levantamentos das estruturas organizativas Engenheiro agrônomo para área ambiental X Palestras nas escolas sobre fontes de água X Elaboração de projeto de recuperação de solos Reuniões sobre licenças ambientais Pesquisa continuada de saneamento e destino do lixo Atividade com a Patram Planilha quadrimestral de acompanhamento dos X lotes Seminário sobre matriz produtiva principal PDA/ PRA Relatório trimestral sobre ações do Terra Sol
Período de Realização F M A M J J A S O N X X X X X X X X X X X X
X
X
X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X
X
X X X X X X X X X X X
X
X
X X
X
X
Fonte: Projeto Básico visando à licitação para a prestação de serviços de assessoria técnica, social e ambiental (Ates), e elaboração de PDA ou PRA para as famílias assentadas no Estado do Rio Grande do Sul, 2008.
Como se vê, na primeira versão do contrato, para o ano de 2009, foram contratadas ações visando à universalização do acesso aos serviços de Ates e à superação de orientações exclusivamente produtivistas, o
econômica e gestão e instituição/recuperação/ampliação de agroindústrias. Atividades não agrícolas – como turismo rural, artesanato e agroecologia –, também são apoiadas (Incra, 2010).
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que implicou a previsão de ações em diversas “frentes de trabalho”. Da mesma forma, procurou-se assegurar que os PDAs e PRAs alcançassem boa qualidade técnica e que as equipes facilitassem a participação dos assentados na sua elaboração. A colocação em vigência desse contrato mostrou que ele mesmo mostrava muito ambicioso na medida em que não considerava adequadamente a efetiva capacidade de trabalho das equipes técnicas. Ou seja, as equipes passaram a reclamar das exigências contratuais, afirmando que não conseguiam cumprir o conjunto de ações exigidas pelo contrato de Ates. Constatada a pertinência da crítica, em abril e maio foi proposta uma readequação do contrato referencial para 2009, visando a adequá-lo, fundamentalmente, à capacidade de trabalho das equipes. As alterações então realizadas nas metas são apresentadas no Quadro 3. Quadro 3 – Comparativo entre as metas da Ates originalmente propostas e após reformulação para o ano de 2009 Metas 2009 – formulação original
Metas 2009– formulação ajustada
Marco Zero – Reunião geral e nos assentamentos Visitas – previsão de realização de três Visitas – previsão de duas visitas por família ao ano visitas/família ao ano Normatização e ampliação do prazo de execução Elaboração de PDA Normatização e ampliação do prazo de execução Elaboração de PRA Reuniões bimestrais em cada assentamento do NO Reuniões bimestrais para avaliar e planejar os trabalhos da Ates Capacitação para instalação de Unida- Construir uma unidade demonstrativa ou área que já se de Demonstrativa encontra em experiência/trabalho a cada 85 famílias Viabilizar a interação efetiva com as escolas localizadas nos assentamentos do Núcleo Operacional por meio da Capacitação nas escolas proposição de atividades multidisciplinares Estudos coletivos para a formação de um catálogo de sementes crioulas pertencentes à região do assentaFormação de catálogo de sementes mento e da região de origem das famílias; Realizar, no ano, um ciclo de palestras sobre a linha proCiclo de palestras sobre linhas produtiva predominante identificada pelo assentamento dutivas na elaboração do PDA/PRA Realizar, nos meses de junho, julho e agosto, em cada Capacitação sobre manejo de pomar assentamento do Núcleo Operacional, um curso sobre manejo profilático de pomares Realizar a campanha “Documentação da Família Campanha documentação da família Assentada”, com reuniões nas escolas e em todos os assentamentos
Contratando Serviços de Ates
Realizar, no primeiro semestre do ano, uma oficina para cada 30 famílias sobre doenças infectocontagiosas, Oficinas de boas práticas de higiene e boas práticas para a preparação higiênica dos alimentos, outros assuntos proteção de fontes de água e manejo do entorno da residência Realizar, no segundo semestre de cada ano, uma oficina para cada 30 famílias sobre saneamento básico, Oficinas sobre saneamento e destino destinação final dos resíduos sólidos (lixo doméstico), do lixo destinação das embalagens de agrotóxicos, compostagem e encaminhamento para reciclagem de resíduos sólidos cumulativos Realizar o levantamento de todas as associações, cooLevantamentos das estruturas orgaperativas, grupos coletivos ou de interesses presentes nizativas no Núcleo Operacional Manter um engenheiro agrônomo responsável pelas Engenheiro agrônomo para área am- ações produtivas e ambientais, cujo plano de trabalho biental será baseado nas condições e restrições da LP e/ou LIO do assentamento Realizar palestras em cada escola localizada nos assenPalestras nas escolas sobre fontes de tamentos do Núcleo Operacional sobre a utilização das água fontes de água existentes no assentamento Elaborar um projeto por assentamento para recuElaboração de projeto de recuperação peração de solos degradados, por meio de unidades de solos demonstrativas Realizar uma reunião para cada 30 famílias em cada Reuniões sobre licenças ambientais Núcleo Operacional, com o tema legislação ambiental (Licenças) Realizar, em um assentamento de até 50 famílias em cada Núcleo Operacional, uma pesquisa continuada Pesquisa continuada de saneamento e sobre saneamento básico e destinação final dos resíduos destino do lixo sólidos (lixo doméstico) coletando dados a cada 3 meses e apresentando-os no Relatório de Atividades Realizar uma atividade por assentamento com representantes da Patrulha Ambiental (Patram) sobre prevenção, controle e combate a incêndios rurais, bem Atividade com a PATRAM como sobre Legislação Ambiental e responsabilidades administrativas e civis cabíveis a quem comete danos ambientais Gerar uma planilha a cada 4 meses, para cada assentaPlanilha quadrimestral de acompanha- mento do Núcleo Operacional, contendo informações mento dos lotes sobre todas as famílias assentadas Realizar um Seminário em cada assentamento do NúSeminário sobre matriz produtiva cleo Operacional sobre a Matriz Produtiva apontada principal PDA/PRA pelo PDA ou PRA
Relatório trimestral sobre ações do Terra Sol
Produzir um relatório técnico trimestral sobre as atividades desenvolvidas pela Ates nos investimentos realizados pelo Programa da Ação de Fomento a Agroindustrialização e a Comercialização e Atividades Pluriativas Solidárias (Programa Terra Sol).
Fonte: Contrato Ates 2009, readequação de maio de 2009.
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Dentre as várias adequações realizadas na proposta original do contrato de 2009, as mais significativas dizem respeito aos PDAs e PRAs e às visitas. Com relação aos PDAs e PRAs, embora os prazos estabelecidos originalmente tenham sido acordados com as prestadoras de serviços numa oficina realizada em junho de 2009 no Incra em Porto Alegre – ocasião em que também foi estabelecido o roteiro de elaboração dos Planos – houve necessidade de prorrogação dos prazos de entrega dos diferentes produtos, que se estenderam ao final do primeiro semestre de ano de 2010.5 Outra meta revisada refere-se à realização das visitas. Originalmente foram previstas três visitas individuais para cada família assentada, no entanto, tendo em vista o cronograma estabelecido para as atividades coletivas e o tempo efetivo exigido para realização das visitas individuais (condicionado às dificuldades de deslocamento), foi acordado com as prestadoras de Ates a redução da meta para duas visitas anuais por família.
CONTRATO DE ATES PARA 2010: em Direção à Flexibilização das Metas Na previsão inicial, a formulação das metas de Ates para o exercício de 2010 haveria de contemplar os subsídios fornecidos pelos PDAs e PRAs, entretanto, como ao final de 2009 os Planos não estavam finalizados, não se contou com a possibilidade de utilizá-los no processo de formulação dos novos contratos. Houve necessidade, então, de prorrogar o período de “transição”.
5
Esta decisão se baseou nas inúmeras reclamações das equipes técnicas sobre a dificuldade de elaborar os PDAs e PRAs nos moldes solicitados considerando-se o exíguo prazo determinado inicialmente.
Contratando Serviços de Ates
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Para entender o teor da proposta de metas para o exercício de 2010 é necessário considerar que no início desse ano muitas equipes técnicas dos NOs ainda se encontravam envolvidas com a formulação dos PDAs e PRAs, que havia forte pressão por parte das prestadoras para que a carga de trabalho proposta pelo Incra/RS não excedesse a capacidade das equipes e, sobretudo, reconhecer que ganhava força um movimento de crítica à legitimidade das metas estaduais propostas para o exercício anterior. Nesse contexto, entende-se que as mudanças realizadas nas metas para o ano de 2010 constituem, basicamente, uma resposta às críticas que questionavam a legitimidade das metas estaduais em vigor. As críticas colocavam em questão o princípio de homogeneização das ações específicas de Ates para todo o Estado do Rio Grande do Sul e, também, questionavam a oportunidade da repetição anual de determinadas ações junto as mesmas famílias de assentados. Argumentava-se que a realização de um mesmo conjunto de ações em todos os assentamentos do Estado implicava intervenções descontextualizadas e fragmentadas, que pouco contribuíam para o desenvolvimento dos assentamentos. Nesse contexto, para o exercício de 2010 foi adotada uma estratégia de dar maior autonomia às equipes para definição das ações a serem realizadas. Isso envolveu a utilização de metas mais “genéricas” no contrato de 2010. Numa análise comparativa, pode-se observar (Quadro 4) que as metas de 2010 ficaram mais abrangentes e genéricas em relação àquelas presentes no contrato de 2009, atribuindo-se às equipes de Ates maior responsabilidade na determinação dos conteúdos específicos a serem abordados em cada uma das “frentes de trabalho”. As metas do contrato de Ates para 2010 são apresentadas a seguir, no Quadro 4, em comparação com as metas revisadas de 2009.
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Quadro 4 – Comparativo das metas da Ates vigentes no ano de 2009 e 2010 Metas 2009 – formulação revisada
Metas 2010
Visitas – previsão de duas visitas por família ao ano
Realizar duas visitas técnicas para 100% das famílias assentadas
Elaboração PDA– Normatização e ampliação do prazo de execução Avaliar, atualizar e/ou adequar os PDAs ou PRAs dos assentamentos do Núcleo Elaboração PRA – Normatização e ampliação do prazo Operacional de execução Reuniões bimestrais em cada assentamento do NO Contemplar quadrimestralmente os para avaliar e planejar os trabalhos da Ates assentamentos do Núcleo Operacional com uma reunião de avaliação e planejamento da Ates Estudos coletivos para a formação de um catálogo de sementes crioulas pertencentes à região do assentamento e da região de origem das famílias Elaborar um projeto por assentamento para recu- Realizar quadrimestralmente atividaperação de solos degradados, por meio de unidades des de formação em agroecologia nos demonstrativas assentamentos do Núcleo Operacional Construir uma unidade demonstrativa ou área que já se encontra em experiência/trabalho a cada 85 famílias Realizar, no ano, um ciclo de palestras sobre a linha Realizar atividades mensais em grupos produtiva predominante identificada pelo assenta- de interesse existentes nos Núcleos mento na elaboração do PDA/PRA Operacionais Realizar um Seminário em cada assentamento do Nú- Realizar bimestralmente atividades cleo Operacional sobre a Matriz Produtiva apontada de capacitação nas linhas produtivas pelo PDA ou PRA estabelecidas como prioritárias nos assentamentos do Núcleo Operacional Realizar, nos meses de junho, julho e agosto, em cada Realizar quadrimestralmente atividades assentamento do Núcleo Operacional, um curso sobre de formação sobre soberania e segumanejo profilático de pomares rança alimentar nos assentamentos do Núcleo Operacional Realizar a campanha “Documentação da Família Assentada”, com reuniões nas escolas e em todos os assentamentos Realizar, no primeiro semestre do ano, uma oficina para cada 30 famílias sobre doenças infectocontagiosas, boas práticas para a preparação higiênica dos alimentos, proteção de fontes de água, e manejo do entorno da residência
Realizar quadrimestralmente ações de promoção do bem-estar social das famílias, eqüidade social e valorização da cidadania nos assentamentos do Núcleo Operacional
Contratando Serviços de Ates
Realizar, no segundo semestre de cada ano, uma oficina para cada 30 famílias sobre saneamento básico, destinação final dos resíduos sólidos (lixo doméstico), destinação das embalagens de agrotóxicos, compostagem e encaminhamento para reciclagem de resíduos sólidos cumulativos Realizar uma reunião para cada 30 famílias em cada Núcleo Operacional, com o tema legislação ambiental (Licenças) Realizar, em um assentamento de até 50 famílias em cada Núcleo Operacional, uma pesquisa continuada sobre saneamento básico e destinação final dos resíduos sólidos (lixo doméstico) coletando dados a cada 3 meses e apresentando-os no Relatório de Atividades Realizar uma atividade por assentamento com representantes da Patrulha Ambiental (Patram) sobre prevenção, controle e combate a incêndios rurais, bem como sobre Legislação Ambiental e responsabilidades administrativas e civis cabíveis a quem comete danos ambientais Realizar o levantamento de todas as associações, cooperativas, grupos coletivos ou de interesses presentes no Núcleo Operacional Viabilizar a interação efetiva com as escolas localizadas nos assentamentos do Núcleo Operacional mediante a proposição de atividades multidisciplinares Realizar palestras em cada escola localizada nos assentamentos do Núcleo Operacional sobre a utilização das fontes de água existentes no assentamento Gerar uma planilha a cada 4 meses, para cada assentamento do Núcleo Operacional, contendo informações sobre todas as famílias assentadas
Produzir um relatório técnico trimestral sobre as atividades desenvolvidas pela Ates nos investimentos realizados pelo Programa da Ação de Fomento a Agroindustrialização e a Comercialização e Atividades Pluriativas Solidárias (Programa Terra Sol)
Manter um engenheiro agrônomo responsável pelas ações produtivas e ambientais, cujo plano de trabalho será baseado nas condições e restrições da LP e/ou LIO do assentamento
Realizar ações de educação ambiental nos assentamentos do Núcleo Operacional
Realizar atividades mensais em escolas do Núcleo Operacional
Realizar a coleta de dados do monitoramento de resultados nos assentamentos, por meio do desenvolvimento da “Pesquisa sobre Qualidade de Vida, Produção e Renda nos Assentamentos” Acompanhar mensalmente as ações das diversas políticas públicas para o desenvolvimento dos assentamentos Realizar atividades nos assentamentos atendidos pelos convênios do PAC. Envolve os Núcleos Operacionais Santana do Livramento, Candiota, Pinheiro Machado e Piratini Elaborar os projetos e laudos demandados, atender as famílias nos escritórios da Ates e realizar outras atividades não previstas Realizar mensalmente duas ações complementares para cada 85 famílias do Núcleo Operacional
Fonte: Adaptado dos Contratos Ates 2010 e Contrato Ates 2009, readequação de maio de 2009.
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No exame mais detalhado das modificações realizadas nas metas para o exercício 2010, em relação ao exercício 2009, destaca-se um conjunto de tendências: – flexibilização das temáticas e estratégias de trabalho no âmbito da questão produtiva. Se anteriormente definiam-se as temáticas a abordar, no Contrato 2010 não se definem temáticas, conferindo-se maior atenção ao potencial dos grupos de interesse existentes nos assentamentos e reconhece-se a oportunidade de recorrer a modalidades diversas de intervenção extensionista; – no campo da questão ambiental e social, se num primeiro momento se justificava a realização de ações específicas em todos os assentamentos do Estado (como campanhas de documentação, por exemplo), no Contrato de 2010 foi necessário conceder-se à prestadora maior liberdade no sentido da escolha da temática a ser abordada levando-se em consideração as especificidades locais dos assentamentos trabalhados; – maior consideração das demandas do Incra/RS e de atuação em outros programas vinculados a políticas públicas e – no que se refere à participação social, no contrato da Ates de 2009 foi prevista a realização de um Conselho Regional da Ates por NO a cada dois meses, no entanto, devido a inúmeros problemas operacionais que ocasionaram o não cumprimento desta meta, para 2010 foi prevista a realização de uma reunião do Conselho Regional de Ates a cada quatro meses.
METAS DO CONTRATO DE ATES PARA 2011: Adequando-as à Capacidade Operacional das Equipes e “Enraizando-as” Regionalmente A renovação do contrato de Ates para o ano de 2011 promoveu importantes mudanças na quantificação e teor das metas, uma vez que houve necessidade de ajustar os processos em curso no RS às novas nor-
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mativas que se estabeleciam em âmbito federal a partir da promulgação da Lei de Ater e da decisão federal de recomendar a operação da Ates via contrato. Paralelamente ao processo de revisão do teor das metas para o ano de 2011 confirmava-se que a contratação de serviços de assessoria técnica deveria se dar por meio de chamadas públicas em que um dos quesitos para definição das ações a serem contratadas seria a consideração da capacidade de trabalho da equipe, medida em horas técnicas. Por outro lado, ao final de 2010 o Incra/RS já dispunha dos PDAs e PRAs dos assentamentos de reforma agrária do Rio Grande do Sul, colocando-se a possibilidade de utilizá-los efetivamente como subsídio na formulação das metas dos contratos para 2011. Assim, as revisões realizadas por ocasião da formulação dos contratos para 2011 são fruto de duas diretrizes: de adequação das metas à capacidade operacional das equipes técnicas e de utilização de estratégias inovadoras para incorporação dos subsídios dos PDAs e PRAs nos contratos de Ates.
Adequação da estimativa da capacidade operacional das equipes técnicas Como exposto anteriormente, uma das primeiras críticas ao contrato de 2009 foi o fato de não ter estimado de forma adequada a capacidade operacional das equipes técnicas, o que acarretou em uma revisão das metas contratuais ainda naquele ano. O contrato de 2010 avança significativamente no quesito envolvimento das equipes técnicas e dos assentamentos na definição das atividades a serem realizadas, mas não introduz mudanças significativas na questão da adequação das metas à capacidade operacional das equipes técnicas. Para entender as dificuldades então vivenciadas pelas equipes técnicas é necessário considerar que o contrato de 2010 tem quase todas as suas ações coletivas com base nos assentamentos e, por conta disso, os NOs com maior número de assentamentos tem maior número de
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ações coletivas a realizar. Enquanto o NO Joia, por exemplo, possui 650 famílias assentadas distribuídas em 8 assentamentos, o NO Canguçu possui 660 famílias assentadas distribuídas em 22 assentamentos. Assim, a equipe de Joia deve realizar em uma mesma “frente de trabalho” oito atividades coletivas, enquanto a equipe de Canguçu deve realizar 22. Este quadro se agrava se forem consideradas as distâncias entre a sede da equipe técnica e os assentamentos. No NO de Joia, por exemplo, os 8 assentamentos estão localizados no mesmo município e próximos a sua sede; já em Canguçu os 22 assentamentos estão localizados em dois municípios e um grande número de assentamentos localiza-se a 70 quilômetros por estrada de terra do escritório da equipe técnica. Assim, apesar de contarem com o mesmo número de técnicos, o NO Canguçu tinha uma carga de trabalho muito maior. Ciente da necessidade de promover a alteração dos contratos considerando as reais implicações da execução das metas para a equipe técnica segundo a realidade de cada NO, havia disposição para revisar a metodologia de estimativa da capacidade operacional das equipes e tal disposição foi favorecida pela decisão, em âmbito federal, de utilizar o cálculo das horas técnicas como balizador do estabelecimento de metas. Nesse contexto foi necessária apenas a realização de ajustes na metodologia de cálculos que já vinha sendo desenvolvida no Incra/RS. O Quadro 5 apresenta a metodologia adotada para o cálculo de estimativa de horas técnicas para o contrato de 2011. Para sua elaboração tomou-se um exemplo hipotético de um Núcleo Operacional (NO) composto por 550 famílias distribuídas em 14 assentamentos e assessoradas por seis técnicos. Quadro 5 – Cálculo do banco de horas de um NO Nome do Núcleo Operacional nº assentamentos nº famílias nº técnicos nº horas por técnico nº horas Total
Fonte: Incra; Superintendência Regional 11/RS, 2011.
14 550 6 1.744 10.464
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Para o exemplo em questão foi calculado um banco de horas técnicas que determina a capacidade de trabalho de cada equipe técnica. Considerando que cada técnico trabalha oito horas por dia por um período total de 218 dias6 chega-se ao valor referência de 1.744 horas técnicas/ técnico/ano. Multiplicando-se 1.744 horas pelo número de técnicos temse o banco de horas de cada equipe para que se faça o planejamento das ações ao longo do ano. A metodologia proposta pelo Programa de Ates prevê que se identifique um conjunto de atividades características da Ates (realização de visita, por exemplo) e se calcule o número de horas demandadas para executá-la considerando o tempo de execução da atividade em si, mais o tempo de preparação e de sistematização da atividade e que se considere, também, o tempo de deslocamento implicado na execução da atividade. O reconhecimento do tempo de deslocamento até os assentamentos como parte do trabalho da equipe contribui para minimizar as disparidades que existiam entre equipes em razão de diferentes distâncias entre a sede das prestadoras e os assentamentos. Assim, como ilustra o Quadro 06, cada atividade está associada a uma determinada carga de horas técnicas composta por parâmetros fixos e variáveis (dependentes das condições locais, como distância dos assentamentos, por exemplo). Quadro 6 – Constituição da carga horária de uma ferramenta metodológica de um turno do Contrato Ates 2011 Ferramentas de 1 turno Tempo de preparação (horas) Deslocamento – ida e volta (horas) Tempo da atividade (horas) Sistematização da atividade
Número de técnicos na atividade Tempo total despendido por atividade
1,50 2,18 3,00
0,50 1 7,18
Fonte: Incra; Superintendência Regional 11/RS, 2011.
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O número de 218 dias foi obtido partindo-se do número de dias do ano (365) descontados sábados e domingos, feriados e um período para que cada prestadora propicie formação aos seus técnicos e realize atividades de acompanhamento das suas equipes. O Contrato Ates prevê reposição de técnicos para que o atendimento seja permanente.
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Definição do teor das metas para Ates Esperava-se que, no decorrer do ano de 2010, todos os Planos fossem finalizados e, visando a dar continuidade ao intento de transformar os PDAs e PRAs na base de trabalho das equipes técnicas, colocou-se o desafio de se pensar e de como se faria a incorporação dos subsídios dos PDAs e PRAs nos contratos de Ates. Do ponto de vista operacional seria mais simples para o Incra/RS continuar trabalhando com um só modelo geral de contrato para todo o Estado. Esse contrato poderia se referir a metas genéricas, apresentando um conjunto de opções de atividades a serem desenvolvidas em cada “frente de trabalho”, sendo a composição do plano anual da equipe em cada Núcleo Operacional dependente de suas escolhas metodológicas e das condições locais que interferem no cálculo de horas técnicas para execução da Ates. Tal alternativa implicaria considerar os PDAs e PRAs instrumentos de consulta do Incra-RS e das equipes técnicas, mas sem influência obrigatória na definição das metas para o exercício 2011. Outra alternativa que se colocava era potencializar as contribuições dos PDAs e PRAs para a definição das metas para o exercício 2011. Julgou-se que, por coerência com a concepção do Programa de Ates este seria o caminho a ser perseguido. Tal intento implicaria, necessariamente,a diferenciação das metas por região (NO) ou por assentamento (uma vez que os PDAs e PRAs são referentes a um assentamento). Avaliou-se que, naquele momento, não haveria condições operacionais de promover uma diferenciação das metas por assentamento e que, talvez, tal esforço não fosse justificável por implicar na excessiva fragmentação das ações de Ates. Nesse contexto optou-se por promover diferenciação das metas por Núcleo Operacional.
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Por fim, reconheceu-se que o Incra/RS tem demandas próprias para a Ates e que, por isso, as metas do contrato de Ates deveriam contemplar tanto as demandas regionais quanto as do Incra/RS, além de respeitarem as demandas por ações complementares (frequentemente não previsíveis), usuais na atuação extensionista.
O ajuste das metas para o contrato de 2011 Tendo em vista a normatividade estabelecida para o contrato de 2011, as horas técnicas da equipe deveriam ser alocadas no alcance de metas estaduais, metas regionais (por NO) e em ações complementares.7 Por meio desse processo foram construídos contratos diferentes (na parte regional) para cada assentamento do RS considerando-se a realidade regional e a capacidade técnica (em horas) de cada equipe. Esse esforço visa a qualificar a ação da assessoria técnica na medida em que ela responde à realidade dos Núcleos Operacionais e que o esforço requerido não está além da capacidade operacional das equipes. Inicialmente foi realizado um esforço para definir as metas de alcance estadual (comuns a todos os NOs). O rol de ações consideradas de caráter estadual foi acordado em reunião do Conselho Estadual de Ates e foi composto por atividades consideradas pelo Conselho como indispensáveis para todos os NOs,8 o que não impede que sua execução se adapte à realidade local, caso das visitas individuais (que devem ser direcionadas à realidade de cada família) e das ações ambientais (que devem ser focadas nas peculiaridades de cada assentamento). O Quadro 7 apresenta as metas de caráter estadual do contrato de 2011.
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Refere-se a atividades que surgem no decorrer do trabalho ao longo do ano e que não podem ser previstas no planejamento por se tratarem de atividades esporádicas, desdobramentos de ações realizadas, convocatórias e convites enviados por outros agentes à equipe técnica, entre outros. 8 Esse tema foi debatido longamente em reuniões com as prestadoras e no Conselho Estadual de Ates visando a construir coletivamente a melhor configuração para o Contrato de 2011.
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Quadro 7 – Metas estaduais do contrato de 2011, RS Metas 2011 Meta 1 Duas visitas técnicas para 100% das famílias assentadas Meta 2 Realizar atividades de Educação Ambiental em todos os Assentamentos do Núcleo Operacional, levando em consideração os elementos constituintes dos Relatórios Ambientais da UFRGS, das Lios e dos PDAs / PRAs Meta 3 Avaliar, atualizar e/ou adequar os PDAs ou PRAs dos assentamentos do Núcleo Operacional Meta 4 Realizar dois conselhos regionais da Ates durante o ano Meta 5 Realizar uma capacitação para os conselheiros da Ates Meta 6 Realizar atividades mensais nas escolas do Núcleo Operacional Meta 7 Participar de três capacitações técnicas a serem realizadas no Incra Meta 8 Realizar atividades de estímulo ao PAA, PNA e ao Programa do Terra Sol Meta 9 Realizar duas reuniões de avaliação do programa de Ates durante o ano em cada assentamento
Fonte: Adaptado do Contrato Ates, 2011.
As metas regionais visavam a contemplar as prioridades estabelecidas nos PDAs e PRAs. A efetivação da incorporação dos subsídios colhidos nos PDAs e PRAs para elaboração das metas para o contrato de 2011 requeria a definição de uma metodologia que indicasse como isso poderia ser feito. As alternativas consistem em tratar esse problema como questão técnica (com a proposição de metas diferenciadas partindo dos técnicos do Incra-RS a partir do estudo dos PDAs e PRAs) ou como questão política (com a proposição de metas feita pelos Conselhos Regionais de Ates). Buscando a coerência com a concepção de Ates constante no Manual Operacional (Incra-RS) entendeu-se que a definição das metas “regionalizadas” haveria de ser feita pelos Conselhos Regionais. A existência de uma meta específica no contrato de 2010 (Meta 6) de revisão dos PDAs e PRAs permitiu que o Incra-RS convocasse as equipes técnicas para discutir, com os assentados, a formulação das metas regionais a partir dos PDAs e PRAs dos assentamentos de cada Núcleo Operacional. Cada tema priorizado no âmbito do Núcleo Operacional foi convertido em ações que, por sua vez, foram programadas de acordo com uma lista de ferramentas metodológicas construídas pelo contrato de 2011. A lista de ferramentas disponíveis é composta por: ferramentas de um turno (reuniões, oficinas, cursos), ferramentas de dois turnos
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(cursos, oficinas, dias de campo), unidades pedagógicas e intercâmbios. Cada ferramenta corresponde a uma carga horária composta pelo tempo necessário para o planejamento da atividade, o deslocamento da equipe técnica, a execução da ação e a sua sistematização, ou seja, a elaboração das metas regionais também equacionou a disponibilidade de tempo de trabalho das equipes com a quantidade de horas de trabalho necessárias para realizar cada atividade. A adequação das metas regionais se viu, também, condicionada pelo banco de horas técnicas disponíveis, uma vez que do banco de horas total foi deduzido o tempo reservado para ações complementares (um percentual fixo, equivalente a 15% do banco de horas total) e o tempo destinado para as metas estaduais (variável de núcleo para núcleo). Assim, o montante de horas técnicas disponível para as metas regionais variou de núcleo para núcleo. O Quadro 8 mostra um exemplo hipotético para distribuição do banco de horas de uma equipe em um NO. Quadro 8 – Exemplo hipotético de distribuição do banco de horas da Ates entre ações complementares, metas estaduais e regionais Nome do Nucleo Operacional nº horas total
10.464,00
nº horas para ações complementares
1.569,60
15%
nº horas das metas estaduais
5.346,21
51,09%
Saldo para metas regionais
3.548,19
33,91%
TOTAL
100%
Fonte: Incra; Superintendência Regional 11/RS, 2011.
Para o exemplo hipotético citado o conjunto de ações de caráter estadual totalizou mais de 51% do tempo de trabalho da equipe, restando às ações regionais 33,91% do banco de horas. Esse exemplo, entretanto, não seria representativo dos NOs do RS, pois que as metas estaduais ocuparam um percentual do tempo de trabalho das equipes que oscilou entre 40% e 45%.
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IDENTIFICANDO APRENDIZADOS NA ELABORAÇÃO DAS METAS DE ATES Um olhar retrospectivo e interpretativo sobre a experiência do Incra/RS na elaboração das metas no período 2009-2011 revela muito sobre possíveis disputas em torno de concepções e projetos de Ates. Em 2009, a necessidade de elaborar, de modo relativamente emergencial, uma proposta de contrato que viabilizasse a continuidade de acesso aos serviços pelos assentados, levou o Incra/RS a revelar uma proposta de Ates centrada na universalização do acesso a serviços educativos básicos integrais (contemplando dimensão produtiva, social e ambiental). A disposição à universalização se revelava, sobretudo, na ênfase dada às visitas individuais (três por ano na proposta inicial) e atividades coletivas por assentamento – contemplando todos os assentamentos. Esse modelo de “universalização” dos serviços educativos integrais básicos de Ates foi questionado logo no início de sua execução. Um dos aspectos críticos da proposta de universalização refere-se à carga de trabalho técnico implicado na sua execução. No caso do Programa de Ates do RS, as prestadoras de serviços argumentaram, basicamente, que não estava sendo adequadamente considerada sua capacidade operacional. Os ajustes feitos, numa primeira revisão das metas, significaram redução da carga de trabalho (redução do número de visitas, especificação do número de atividades coletivas e ampliação de prazos para entrega de produtos) sem prejuízo significativo, entretanto, aos propósitos de universalização do acesso aos serviços de Ates (garantido pelas duas visitas e atividades coletivas nos assentamentos). Se analisarmos, no entanto, as mudanças introduzidas posteriormente nas metas de Ates constata-se claro condicionamento das metas à capacidade operacional das equipes técnicas. Cria-se, assim, um dilema entre manejar o tamanho da equipe conforme a demanda do Núcleo Operacional ou manejar a demanda do Núcleo Operacional conforme o tamanho da equipe. Ainda não é possível identificar-se uma tendência geral quanto a esse aspecto, mas cabe ter
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claro que a proposta de universalização requer que se maneje o tamanho da equipe em função da demanda e não o inverso, como parece ocorrer mais frequentemente. Outro aspecto questionado no projeto de universalização de serviços básicos e integrais de Ates refere-se à natureza da intervenção técnica considerada oportuna nos assentamentos de reforma agrária. A proposta que embasava o contrato de 2009 previa metas homogêneas para todo o Estado do Rio Grande do Sul. A análise dessas metas revela a intenção de seus formuladores de superar uma orientação meramente produtivista, inserindo a Ates nos processos de melhoria das condições sociais e ambientais básicas dos assentamentos. A colocação em execução de um serviço de Ates com uma orientação à atenção básica e integral encontrou muita oposição. Cabe reconhecer, inicialmente, que se pressupõe que grande parte dos técnicos incorporados às equipes de Ates das prestadoras de serviços já tinham significativa experiência prévia de atuação e, portanto, referências próprias sobre a natureza da intervenção considerada conveniente nos assentamentos rurais e que estas nem sempre convergiam com aquela constante na proposta do Incra/RS. Os assentados e suas organizações, muitas vezes também se veem pressionados por demandas urgentes e imediatas e criam expectativas em torno da possível contribuição do técnico no seu atendimento e frustram-se caso o técnico refira a necessidade de se orientar exclusivamente pelas metas contratuais. Do ponto de vista da concepção, segundo o Manual Operacional (Incra, 2008), há expectativa de que o Programa de Ates vincule-se aos planos de desenvolvimento dos assentamentos. Nesse contexto, a proposta de uma Ates fundamentada na oferta de serviços educativos básicos e integrais passou a carecer de sustentação e legitimidade política por ser questionada por técnicos, pelas prestadoras, por assentados e por seu vínculo frágil com a concepção norteadora do Programa de Ates.
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Em contrapartida ao projeto inicial de uma Ates de oferta de serviços educativos básicos integrais vem se afirmando um projeto de Ates que a concebe como uma ação mais direcionada, especializada e orientada à superação dos condicionantes específicos do desenvolvimento nos assentamentos. Como a realidade vivenciada pelos assentamentos é muito diversa, o foco do trabalho de Ates deve ser negociado entre as partes envolvidas mais diretamente no processo (Incra, prestadoras de serviços, assentados e suas organizações) e, se possível, incluindo outros agentes que são parceiros potenciais no desenvolvimento dos assentamentos. A forma como esse projeto vem se consolidando, entretanto, desperta preocupações. A instituição de um projeto de Ates mais voltado às demandas específicas do desenvolvimento dos assentados vem se realizando, especialmente, pela definição de metas regionais, por Núcleo Operacional. Na maioria dos casos, contudo, essas metas são executadas em âmbito de assentamento, por que os PDAs e PRAs foram elaborados dessa forma e por que em muitos NOs a organização dos assentamentos em âmbito regional é bastante falha. Esse tipo de estratégia pode ser considerada passível de revisão por duas razões principais, a seguir expostas. Em núcleos nos quais há relativa homogeneidade entre assentamentos essa estratégia pode ser considerada inadequada, por que não favorece a construção de estratégias regionais de desenvolvimento dos assentamentos, mesmo quando existem grandes semelhanças entre eles. Em núcleos em que há significativa heterogeneidade entre assentamentos, tal estratégia implica que alguns serão contemplados e outros não. Levando em conta a sistemática adotada para definição de prioridades (discussão de âmbito regional para as ações da equipe técnica) e levando-se em conta os limites do banco de horas dos técnicos (a necessidade de priorizar as ações), muitos assentamentos, especialmente aqueles com representação política menos influente no NO, podem ficar à margem no planejamento das ações coletivas regionais beneficiando-se, quase que exclusivamente, das visitas e das ações
Contratando Serviços de Ates
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estaduais. Tais apontamentos refletem a necessidade de que os processos sejam continuamente repensados com vistas a assegurar a maior contribuição e a maior abrangência possível dos serviços de Ates.
REFERÊNCIAS ANDERSON, J. R. Agricultural Advisory Services. Washington: WB, 2007. Background paper for the World Development report 2008. BRASIL. Lei Federal n. 12.188 de 11 de janeiro de 2010. Institui a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária – Pnater, e o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária, Pronater. INCRA; SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL 11/RS. Projeto Básico visando à licitação para a prestação de serviços de assessoria técnica, social e ambiental (Ates), e elaboração de PDA ou PRA para as famílias assentadas no Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Incra/RS, 2008. Arquivo Digital. INCRA. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Manual Operacional 2008 – Norma de Execução n. 78, de 31 de outubro de 2008. Boletim de Serviço do Incra, Brasília, DF, 2008, 142 p. INCRA. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Balanço 2003-2010. Brasília, 2010. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/ portal/images/arquivos/jornal_incra_27_01_2011.pdf>. Acesso em: maio 2011. INCRA; SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL 11/RS. Contratos de Ates. 2011. mimeo. RIVERA, W. M.; ZIJP, W.; ALEX, G. Contracting for extension: Review of emerging practices. Washington: World Bank, 2000. Agricultural Knowledge e Information System (Akis).
PARTE3
AGENTES DA ATES NO RS
OS TÉCNICOS NA ATES POR CONTRATO Vinícius Claudino de Sá Jacir João Chies
O novo modelo de Assessoria Técnica, Social e Ambiental (Ates) proposto pelo Incra/RS e instituído em 2009, sugere a adoção da gestão dos serviços onde os processos racionais de elaboração de contratos, determinação de normas, escolha de agentes de prestação de serviço e controle das atividades sejam suficientes para determinar sua qualidade. Nesse contexto emerge as perguntas: O que se espera do técnico vinculado às prestadoras de serviços que atua no âmbito dos Núcleos Operacionais? Que tipo de desempenho se espera dele? As condições em que realiza seu trabalho favorecem a que seu desempenho atenda às expectativas? O presente trabalho tem cunho exploratório e consiste em reflexões sobre a condição dos técnicos na Ates por contrato.1
1
Para elaboração do trabalho realizou-se consulta a documentos e entrevistas com técnicos e articuladores no segundo semestre de 2009 em que os autores principaisl acompanharam os Conselhos Regionais de Ates, com presença do Incra/RS, de articuladores, de técnicos que estavam executando a Ates e representantes de assentados em Núcleos Operacionais da Região Sul do Estado do Rio Grande do Sul. Após o término das reuniões era realizado um registro em diário de campo, para futuras análises e discussão destas observações com colegas que estavam acompanhando outros Núcleos Operacionais no contexto da disciplina Experiências em Extensão Rural do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural da Universidade Federal de Santa Maria. O coautor também mantém vínculo com a problemática por atuar na equipe de articuladores de Ates no Programa de Ates executado pelo Incra/RS.
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Vinícius Claudino de Sá • Jacir João Chies
O PAPEL DOS TÉCNICOS NA ATES POR CONTRATO Em 2008 o Incra/RS passou a executar o Programa de Ates mediante estabelecimento de relação contratual com prestadoras de serviços. Para tanto, realizou um processo licitatório por Núcleo Operacional,2 em que as prestadoras qualificadas haveriam de assinar um contrato pelo qual se responsabilizavam pelo atendimento de Ates nesse Núcleo Operacional, declaravam que disporiam da infraestrutura básica, comporiam as equipes segundo regras predefinidas pelo Incra/RS e realizariam as atividades previstas nos planejamentos e nas metas predefinidas. No primeiro ano de vigência da Ates sob contrato trabalhou-se com um conjunto de metas definidas pelo Incra/RS, homogêneas para todo o Estado do Rio Grande do Sul (Quadro 1).
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Como forma de distribuição da área de atuação de cada prestadora e equipes, foram organizados os núcleos operacionais, em que: “Em conformidade com o Manual Operacional de Ates, os Núcleos Operacionais foram constituídos em função das especificidades de cada região, como as características de clima e relevo, o número de famílias da região, o desenvolvimento das ações de crédito, o tamanho da equipe técnica, e considerando-se que a base física do Núcleo respeitasse a infraestrutura operacional mínima, bem como a distância máxima de 200 Km até os projetos de Reforma Agrária. Soma-se a isso, a regionalização utilizada pelo Setor de Desenvolvimento de Projetos desta Superintendência” (Incra; Superintendência Regional 11/RS, 2008b, p. 26-27).
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Os Técnicos na Ates por Contrato
Quadro 1 – Formulação original das metas do Programa de Ates para o ano de 2009 no RS Metas Marco Zero – Reunião geral e nos assentamentos Elaboração de PDA Elaboração de PRA Reuniões bimestrais Capacitação para instalação de Unidade Demonstrativa Capacitação nas escolas Formação de catálogo de sementes Ciclo de palestras sobre linhas produtivas Capacitação sobre manejo de pomar Campanha documentação da família Oficinas de boas práticas de higiene e outros assuntos Oficinas sobre saneamento e destino do lixo Levantamentos das estruturas organizativas Engenheiro agrônomo para área ambiental Palestras nas escolas sobre fontes de água Elaboração de projeto de recuperação de solos Reuniões sobre licenças ambientais Pesquisa continuada de saneamento e destino do lixo Atividade com a Patram Planilha quadrimestral de acompanhamento dos lotes Seminário sobre matriz produtiva principal PDA/PRA Relatório trimestral sobre ações do Terra Sol
Período de Realização D J F M A M J J A S O N X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X
X X X X
X
X X X X X X X X
Fonte: Incra; Superintendência Regional 11/RS (2008b).
A execução do Programa de Ates implicava, para o técnico vinculado as prestadoras de serviços, a elaboração dos Planos de Desenvolvimento e de Recuperação dos Assentamentos (PDAs e PRAs), 3 a execução dos serviços de assessoria técnica, social e ambiental (atuando nas “frentes de trabalho” e realizando as ações específicas previstas nas metas estabelecidas pelo Incra/RS) e atuação em instâncias de participação social (Conselhos Regionais da Ates). Nessa atuação destaca-se a prioridade conferida à execução dos serviços de assessoria técnica, social e ambiental aos assentados do Núcleo Operacional, visando ao cumprimento das metas estabelecidas
3
Algumas prestadoras de serviços podem ter designado uma equipe de técnicos especializados para a execução dessa meta, o que leva a considerar que o grau de envolvimento dos técnicos vinculados à Ates com essa meta pode ser diferenciado.
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pelo Incra/RS, o que condicionava o repasse dos recursos financeiros às prestadoras de serviços. Como o contrato previa ações específicas e homogêneas para todo o Estado, esperava-se do técnico que utilizasse os recursos teórico-metodológicos e materiais disponíveis para executar a ação prevista na meta da melhor forma possível diante das especificidades do contexto em que atua. Assim, esperava-se que o técnico fosse dotado das qualificações necessárias para a boa execução da meta prevista pelo Incra/RS. A questão da qualificação da entidade e da equipe técnica foi um critério fundamental na seleção das prestadoras de serviços. Na composição da equipe técnica preconizou-se a formação de equipes multidisciplinares com a participação de técnicos de nível médio e superior, como mostra o Quadro 2. Quadro 2 – Critérios orientadores da composição da equipe técnica para os núcleos operacionais da Ates Variável
Referência
Numero de famílias atendidas por técnico
1:85 famílias
Proporção técnicos de nível superior
1/3
Proporção Ciências Agrárias
1:125 famílias
Proporção Ciências Sociais, Ambientais e Econômicas 1:250 famílias Proporção de profissionais com experiência comprovada de mais de 2 (dois) anos em trabalhos técnicos com agricultura familiar, preferencialmente em 1/3 Projetos de Assentamento de Reforma Agrária.
Fonte: Incra; Superintendência Regional 11/RS (2008b).
Estabeleceu-se que, atendidos os demais requisitos básicos, na seleção da prestadora seriam avaliados os seguintes itens: a experiência da empresa licitante, a proposta técnica da empresa e a qualificação da equipe técnica.4 Esta última seria avaliada seguindo dois parâmetros: o
4
Os estágios para contratação das prestadoras levam em consideração os parâmetros determinados pelos órgãos de controle público, tais como: o Tribunal de Contas da União e Controladoria Geral da União.
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grau de especialização e o tempo de experiência profissional e conhecimentos de ações de campo aplicáveis nas diretrizes do Programa de Ates. Ao justificar o estabelecimento desta normatividade expressa-se: “Para o Incra, o mais importante é que a prestadora do serviço tenha um quadro técnico composto por profissionais capacitados para desenvolver a atividade proposta, além de prezar pelo preceito da economicidade do erário público.” (Incra; Superintendência Regional 11/RS, 2008b, p. 33) Evidencia-se, então, um cuidado em compor equipes qualificadas para assegurar a execução da Ates. Embora tenha selecionado equipes qualificadas, o Programa de Ates não tem dado condições de autonomia para os técnicos assumirem a responsabilidade de atuar na solução de problemas dos assentados, ou seja, o Incra/RS os contratou para realizar ações específicas previstas no contrato, sendo estas as que deveriam ser cumpridas, pois a partir delas é que o pagamento das prestadoras, e consequentemente dos técnicos, seria feito.
AS CONDIÇÕES DO EXERCÍCIO DA ASSESSORIA TÉCNICA SOCIAL E AMBIENTAL PELO TÉCNICO NOS NÚCLEOS OPERACIONAIS Segundo as observações feitas no segundo semestre de 2009, na Região Sul do Rio Grande do Sul os técnicos trabalhavam sob forte pressão e enfrentavam diversas dificuldades na execução dos serviços de assessoria técnica, social e ambiental no âmbito dos Núcleos Operacionais. Observou-se em campo situações caracterizadas por forte pressão das prestadoras e do Incra/RS para que as metas fossem alcançadas e para que o contrato fosse cumprido. Uma das dificuldades mais salientes no cumprimento das metas refere-se ao esforço necessário para atender os diversos assentamentos de um mesmo NO, tendo em vista que esses podem distar até 200 quilômetros da sede da prestadora e que as condições das estradas e
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os meios de transporte disponíveis muitas vezes são precários. Nesse sentido, muitos questionam essa forma de organização do espaço de atuação – por Núcleo Operacional –, considerando que ela gera uma série de transtornos, em que a distância e as precárias condições de acesso a determinados assentamentos, por vezes, tornam penosos e demorados os deslocamentos, além da existência de Núcleos que cobrem realidades muito heterogêneas. Outra dificuldade observada refere-se à receptividade dos assentados ao trabalho do técnico na execução das metas propostas pelo Incra/RS. Nesse aspecto considera-se que as reuniões de avaliação assistidas foram reveladoras da conjuntura vivenciada no segundo semestre de 2009. As reuniões assistidas eram concebidas como momentos de avaliação do Programa de Ates, um espaço no qual os assentados poderiam avaliar as metas propostas para os técnicos e estimar o andamento das atividades do programa de Ates, sendo dessa forma um “feedback” para avaliação das prestadoras contratadas. Um profissional do Incra/RS geralmente conduzia a reunião. Nestas reuniões, contrariando as expectativas, as falas dos assentados se referiam, mais frequentemente, à avaliação da atuação do Incra/RS – “lato sensu” – e não especificamente ao Programa de Ates. Dos depoimentos dos representantes dos assentados ficou a impressão de que estes esperavam uma maior receptividade do Incra/RS às suas demandas e que pretendiam aproveitar este espaço de avaliação – que permitia contato direto com representantes do Incra – para reforçar a reivindicação de soluções para suas outras necessidades – que iam desde a regularização do lote ao fornecimento de água, passando por questões de criminalidade dentro dos assentamentos, até as questões ambientais e de comercialização da produção. Nessas reuniões de avaliação, nas raras ocasiões em que se referiam ao trabalho de Ates, os assentados avaliavam positivamente o trabalho dos técnicos e reconheciam seus esforços. As falas dos assentados, porém, revelavam, também, que as atividades previstas nas metas eram vistas como obrigações a serem cumpridas e que elas, além de não trazerem
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benefícios diretos, tomavam o tempo do técnico – que poderia ser ocupado com outra atividade, considerada mais importante. Complementarmente, reconheciam que, mesmo com um direcionamento voltado para o alcance de metas, os técnicos [ainda] conseguiam realizar serviços de modo a contemplar [minimamente] necessidades dos assentados. Tais considerações revelam o contexto em que o técnico trabalha, no qual, diariamente, pode ter questionada a legitimidade e o sentido de sua atuação.
CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CONDIÇÕES DE SUSTENTABILIDADE DA ATES POR CONTRATO A partir das observações de campo levantou-se a hipótese de que o técnico se encontrava numa posição pouco confortável na estrutura do Programa de Ates e que isso poderia ameaçar o bom desempenho e, inclusive, a sustentabilidade do Programa. A principal vulnerabilidade identificada no modelo da Ates por contrato residiria na sua incapacidade de motivar a identificação afetiva do técnico com seu trabalho, resultando num baixo comprometimento. O estudo do comprometimento vem ganhando força dentre os pesquisadores que procuram entender as relações entre as pessoas e os objetivos organizacionais. Estes estudos partem do pressuposto de que, conhecendo a realidade das relações numa organização, torna-se possível otimizar os esforços e maximizar os resultados, atendendo melhor às necessidades do público interno e externo às organizações. Para entender a importância do comprometimento convém partir de seu conceito. Para Porter e Smith (apud Sá, 2004, p. 2) comprometimento refere-se a [...] uma relação forte entre um indivíduo identificado e envolvido com uma organização, e pode ser caracterizado por três fatores: estar disposto a exercer um esforço considerável em benefício da organização; a crença e a aceitação dos valores e objetivos da organização e um forte desejo de se manter como membro da organização.
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Vinícius Claudino de Sá • Jacir João Chies
O comprometimento pode ser alcançado levando-se em conta três enfoques distintos: o afetivo, o instrumental/calculativo e o normativo. Steil e Sanches (1998, p. 10) ao se referirem ao enfoque afetivo observam que Nesta perspectiva analítica, consolidada nos estudos de Mowday, Porter e Seteers (1998), a natureza afetiva do processo de identificação do indivíduo com os objetivos e valores da organização é enfatizada. As três dimensões utilizadas pelos autores para a definição do contexto, além da noção de identificação, são: os sentimentos de lealdade, o desejo de permanecer e de se esforçar em prol da organização.
Para Mowday et al., citados por Steil e Sanches (1998, p. 10), o comprometimento instrumental e o calculativo não têm conceitos distintos e que o grau de cada um deles contém elementos dos outros enfoques. Alertam que são suficientemente distintos para permitir comparações entre suas relações com outras variáveis de interesse. Porém, segundo Meyer et al. (1990), a diferença entre os dois enfoques é a de que os indivíduos que permanecem na organização porque desejam, estariam comprometidos mais no nível instrumental, e os que permanecem porque necessitam, estariam com forte comprometimento calculativo.
O enfoque normativo, por sua vez, é Oriundo da interseção entre a Teoria Organizacional de Etizioni e Psicologia Social, especialmente baseada nos trabalhos de Azijem e Fishbein, centra-se na estrutura das atitudes e do seu poder preditivo em relação ao comportamento, em que as pressões normativas preparariam o trabalhador para se comportar conforme os padrões internalizados. Controle normativo é baseado nos símbolos puros cuja utilização não constitui nem ameaça física nem possibilidade de recompensas materiais. Existem símbolos normativos (prestígio e de estima) e sociais (amor e aceitação). É controle moral e ético, por excelência e baseia-se na convicção, na fé, na
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crença e na ideologia. A utilização do controle normativo corresponde ao poder normativo – social, ou simplesmente poder normativo (Steil; Sanches, 1998, p. 11).
A comparação das abordagens afetiva, instrumental e normativa é possível ao caracterizar os indivíduos da seguinte maneira: empregados com um forte comprometimento afetivo permanecem na organização porque eles querem; aqueles com comprometimento instrumental permanecem porque eles precisam; e aqueles com comprometimento normativo permanecem porque eles sentem que são obrigados (Medeiros, 2002, p. 2).
Tradicionalmente os extensionistas são percebidos como trabalhadores com forte motivação afetiva para desenvolvimento de seu trabalho. Em estudo realizado na regional da Emater/RS de Santa Maria, Souza e Fossa (2006), por exemplo, identificaram a predominância de comprometimento afetivo entre os extensionistas e a organização. No caso das demais prestadoras de serviços de Ates no RS (Coptec e Cetap) destaca-se, também, uma trajetória histórica de forte idealismo na atuação das organizações, de modo a pressupor-se forte vinculação afetiva entre técnicos e organização. Tendo em vista as características do trabalho extensionista presume-se que a atuação dos técnicos na Ates também pressuporia elevado comprometimento afetivo, entretanto as observações de campo indicam que os conflitos vivenciados diariamente podem estar mudando esse quadro. Embora sejam percebidos como “técnicos do Incra” pelos assentados, não há evidência de identificação dos técnicos com as metas de Ates, então vigentes. Tal suposição baseia-se em observações feitas em algumas reuniões que foram acompanhadas na pesquisa, quando os técnicos puderam expor suas opiniões, inclusive expressando algum descontentamento, principalmente pelo “engessamento” do trabalho de Ates em função das metas a serem cumpridas. Segundo eles, a necessidade de
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observância destas metas nem sempre permite o apoio às necessidades mais urgentes dos assentados. Neste contexto, apresentou-se o exemplo de um veterinário, que compunha a equipe técnica e que não teve como realizar procedimentos requeridos nos animais dos assentados, em parte por limitação de recursos e, em parte, pelas orientações normativas considerando-se que cabe a esses profissionais trabalhar, basicamente, com a prevenção. Desta forma, os técnicos estão em campo, pagos pelo Incra, cumprindo metas propostas pelo Incra, que não são consideradas pelos assentados e também pelos técnicos como atendendo às prioridades. Neste contexto: Qual a identificação do técnico com o Incra e, especificamente , com a concepção do Programa de Ates?5 Os indícios existentes acerca das condições de trabalho e remuneração revelam que, possivelmente, estas não constituirão motivações suficientes para manter técnicos qualificados vinculados ao Programa. Por outro lado, as observações de campo relativas à forte pressão das prestadoras para que as metas sejam alcançadas e para que o contrato seja cumprido indicam que a atuação do técnico pode estar sendo motivada principalmente ao cumprimento de normas. Em situações em que o vínculo do trabalhador com a organização é basicamente normativo pode haver estímulo à burocratização dos processos, ao engessamento das atividades e adoção de atitudes no sentido de se restringir à execução de ações, caracterizando o cumprimento de metas, mas secundarizando aspectos relativos à qualidade do serviço prestado.6 Nesse contexto depreende-se, também, que há risco de se perderem bons profissionais, tendo em vista que a remuneração salarial
5
Para que se observe maior comprometimento todas as partes interessadas devem ter uma proximidade de objetivos, sendo mais difícil acontecer um comprometimento afetivo em uma situação onde não há concordância entre objetivos organizacionais e individuais. 6 Pela revisão efetuada, parte-se do pressuposto de que quanto mais uma pessoa se identifica com os valores da organização, mais ela se torna comprometida. O contrário também é verdadeiro, ou seja, uma pessoa não identificada culturalmente com a organização pode, consciente ou inconscientemente, fazer menos esforço ou esforço contrário aos
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dos profissionais que trabalham com este tipo de prestação de serviço pode não ser tão atrativa ao longo do tempo e as frustrações, dificuldades e exposições a situações adversas – frequentes no trabalho das equipes de Ates – podem levar ao desestímulo pela continuidade neste tipo de trabalho. Assim, se o comprometimento das pessoas depender apenas de bases normativas e dos ganhos salariais diretos, a probabilidade de perda de profissionais é grande e isso compromete, no longo prazo, a sustentabilidade do Programa de Ates. Esta observação é preocupante, pois um bom profissional forma-se com o tempo e encontrar um substituto capaz de, em pouco tempo, dar respostas iguais ou superiores ao antecessor, é tarefa difícil. Logo, a rotatividade é um prejuízo para qualquer organização, e especialmente para uma iniciativa que precisa de empatia e conquista da comunidade para romper as barreiras necessárias ao alcance dos objetivos maiores do Programa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho procurou problematizar a condição do técnico na Ates por contrato tomando como referência a experiência do Programa de Ates no Rio Grande do Sul, conforme executado na Região Sul do Estado no segundo semestre de 2009. Com a análise da forma de operacionalização do Programa de Ates observou-se a tendência de considerar o técnico como executor de metas predefinidas pelo Incra/RS. O exame das condições de trabalho revelou forte pressão normativa para o cumprimento de metas, necessidade de realizar esforço considerável para sua execução e dificuldades de valorização de seu trabalho por parte
objetivos organizacionais. Entende-se que a questão do comprometimento constituise em um requisito para a eficácia, logo haveria de ser problematizada, no mínimo, a prática de definição unilateral das metas contratuais.
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dos assentados. Nessas condições há prejuízo à identificação do técnico com o Incra/RS, com possíveis implicações indesejadas no âmbito de seu comprometimento afetivo com o trabalho de Ates. Entende-se que tais observações revelam os riscos implicados na adoção de modelos de operacionalização de Programas de Ates verticalizados e, portanto, com significativo distanciamento social e geográfico entre quem planeja e quem executa. Se, por um lado, o forte controle e o planejamento técnico, detalhado e rigoroso sobre as atividades executadas, favorecem as organizações públicas em termos de prestações de contas, por outro lado podem não contribuir para a sustentabilidade do Programa e o alcance dos impactos sociais desejados. Assim sendo, o desafio refere-se ao entendimento de como é possível satisfazer as exigências dos órgãos de controle públicos e ainda assim estruturar um programa de Ates capaz de atender as necessidades dos assentados. Esta questão remete às reflexões deste trabalho: Um contrato que foi elaborado pelo Incra, e que pode ser considerado um avanço na gestão eficiente dos recursos públicos, pode ser eficaz na contribuição ao desenvolvimento dos assentamentos? A observação das mudanças na forma de operar o Programa de Ates no RS introduzidas posteriormente ao segundo semestre de 2009 revela uma tendência à atribuição de maior autonomia aos técnicos e prestadoras – seja por meio da proposição de metas mais genéricas (caso do contrato de 2010) ou mesmo pelo envolvimento do técnico no processo de definição das metas (caso da definição das metas regionais no contrato de 2011). Entende-se que tais condições favorecem a maior identificação afetiva dos técnicos com o Programa de Ates e que isso pode reverter em maior comprometimento, com benefícios em termos da qualidade do trabalho e sustentabilidade. Para alguns autores tais condições poderiam ser consideradas pré-requisitos para que o Programa de Ates alcançasse os impactos sociais desejados, tendo em vista o que ele propõe:
Os Técnicos na Ates por Contrato
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Um instrumento do Incra para desenvolver os assentamentos criados ou reconhecidos pela Autarquia, tornando-os unidades produtivas com garantia de segurança alimentar, inseridas no processo de produção sob o viés do desenvolvimento sustentável, integradas à dinâmica do desenvolvimento municipal e regional (Incra; Superintendência Regional 11/RS, 2008a, p. 10).
Mesmo o documento orientador das licitações no Incra/RS evidencia o reconhecimento da importância do comprometimento, pois seus elaboradores transcreveram para esse documento o seguinte trecho da Pnater: No processo de desenvolvimento rural sustentável atualmente desejado, o papel das instituições, bem como dos agentes de Ater, do ensino e da pesquisa, deverá ser exercido mediante uma relação dialética e dialógica com os agricultores e demais públicos da extensão, que parta da problematização sobre os fatos concretos da realidade. Dessa forma, é necessário adotar-se um enfoque metodológico que gere relações de co-responsabilidade entre os participantes, suas organizações e as instituições apoiadoras ou prestadoras de serviços, tanto na fase de planejamento como na execução, monitoramento e avaliação das ações. Logo, a obtenção de resultados esperados estará subordinada ao efetivo comprometimento dos assessores técnicos com as dinâmicas sociais locais, e dos diversos públicos da extensão, e suas organizações, com os objetivos individuais e coletivos que venham a ser estabelecidos (Incra; Superintendência Regional 11/RS, 2008a, grifo nosso).
Pelo conjunto de considerações apresentadas neste texto, entendese que o tema do comprometimento merece destaque na reflexão sobre modelos futuros de Ates.
REFERÊNCIAS INCRA; SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL 11/RS. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Superintendência 11/RS. Manual operacional 2008: norma de execução n. 78 de 31 de outubro de 2008. Boletim de Serviço do Incra. Brasília, DF, 2008a. 142 p.
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INCRA; SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL 11/RS. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Superintendência 11/RS. Projeto Básico visando a licitação para prestação de serviços de assessoria técnica, social e ambiental (Ates), e elaboração de PDA ou PRA para as famílias assentadas no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Incra/RS, 2008b.
MEDEIROS, C. A. F. et al. Comprometimento organizacional: o estado da arte da pesquisa no Brasil. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPAD, 2002, Atibaia/SP, 2002. SÁ, V. C. Comprometimento em organizações do terceiro setor – um estudo de caso em duas organizações não governamentais In: ENAPG – Encontro de Administração Pública e Governança. Rio de Janeiro: Encontro de Administração Pública e Governança, 2004. SOUZA, L. E. M. de; FOSSA, M. I. T. Comunicando com Relações Públicas – uma proposta de comunicação estratégica para o fortalecimento do comprometimento organizacional. UNIrevista, v. 1, n. 3, jul. 2006. STEIL, Andréa Valéria; SANCHES, Elizabeth Navas. Comprometimento Organizacional como uma Estratégia de Controle. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPAD, 1998. Foz de Iguaçú. Anais... Foz do Iguaçu, v. 7, n. 22, p. 1-15, 1998. CD-ROM.
A EXPERIÊNCIA DO PROJETO DOS ARTICULADORES NO RIO GRANDE DO SUL Pedro Selvino Neumann Alisson Vicente Zarnott Luiz Eduardo Abbady do Carmo Jacir João Chies Vinicius Piccin Dalbianco Dhonathã Santo Rigo Daiane de Mattos Taborda
Este texto é uma sucinta sistematização da experiência do “Programa de Acompanhamento, Planejamento e Articulação das Ações de Assessoria Técnica, Social e Ambiental – Ates”, denominado sinteticamente de “Projeto dos Articuladores” coordenado pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), com o objetivo de contribuir com a discussão e reflexão do papel dos articuladores no Programa de Ates no Rio Grande do Sul (RS). Em 2008, ao propor uma forma inovadora de operar o Programa de Ates, o Incra/RS alterou, também, o formato que vinha utilizando para viabilizar o trabalho dos articuladores na Ates. Tendo em vista a especificidade dessa experiência e, da mesma forma, os resultados positivos alcançados, o presente texto enfatiza a descrição do modelo organizacional e atividades desenvolvidas pelos articuladores no RS. Não é objetivo, porém, neste momento, abordar toda a riqueza desta
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Pedro S. Neumann • Alisson V. Zarnott • Luiz E. Abbady do Carmo J a c i r J . C h i e s • V i n í c i u s P . D a l b i a n c o • D h o n a t h ã S . R i g o • D a i a n e d e M. T a b o r d a
experiência, que ainda está em andamento, mas de fazer um recorte de aspectos que julgamos importantes no âmbito das questões discutidas na presente obra.
CONSTITUIÇÃO DA EQUIPE DE ARTICULAÇÃO E DEFINIÇÃO DE SEU PLANO DE TRABALHO Segundo o Manual Operacional da Ates, a Equipe de Articulação deveria ser uma unidade constituída por profissionais de nível superior, de formação multidisciplinar (Ciências Agrárias, Sociais, Econômicas, Ambientais, entre outras), que teria a função de assessorar as equipes técnicas dos Núcleos Operacionais em sua área de abrangência, visando a garantir a qualidade da assessoria técnica, social e ambiental fornecida aos beneficiários da reforma agrária. Com relação à entidade responsável pelo serviço de articulação, o documento afirma que esta deveria apresentar base física e infraestrutura operacional adequada para a prestação desses serviços (Incra, 2008b). Em sua primeira experiência com a constituição de equipe de articuladores, o Incra/RS estabeleceu dois convênios com a Fundação de Apoio à Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário Edmundo Gastal (Fapeg). Esses convênios foram firmados prevendo-se a assessoria do trabalho das equipes da Coptec e da Emater, que prestavam serviços de Ates em 147 e 139 assentamentos respectivamente. Por se tratar de convênios distintos, para prestar os serviços de articulação individualmente para cada uma das prestadoras, as ações desenvolvidas por esses profissionais não foram planejadas com os demais atores participantes do Programa de Ates. Além disso, em algumas situações, observou-se a vinculação direta do articulador com as tarefas que eram de responsabilidade das equipes de Ates das respectivas prestadoras.
A Experiência do Projeto dos Articuladores no Rio Grande do Sul
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Com o intuito de alterar a forma de executar este serviço e no sentido de cumprir as prerrogativas estabelecidas pelo Manual Operacional da Ates, em 2008 o Incra/RS firmou um termo de cooperação técnica com a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) denominado de “Programa de Acompanhamento, Planejamento e Articulação das Ações de Assessoria Técnica, Social e Ambiental – Ates”. O objetivo geral do termo de cooperação era de que a UFSM coordenasse o trabalho de articulação, formando uma equipe de profissionais não vinculados às prestadoras de Ates, em condições de fornecer suporte técnico e gerencial para acompanhamento, planejamento e articulação das equipes nos 18 Núcleos Operacionais (NOs), proporcionando uma articulação e integração entre as várias linhas e políticas de atuação, conforme estabelecido no Manual Operacional da Ates (Incra, 2008a). O Projeto dos Articuladores (UFSM, 2008, p. 6) – que originou o Termo de Cooperação entre UFSM e Incra – estabeleceu o marco de referência para a orientação da atuação dos articuladores no RS, uma vez que definiu os objetivos específicos para seu trabalho: 1 – Promover, através do uso de metodologias participativas, a compreensão do propósito de um grupo, introduzindo técnicas de planejamento, execução e monitoramento da evolução das propostas de desenvolvimento individual, coletivo e comunitário (produtivas e de crédito); incentivar a melhoria nas comunicações e atividades da Ates, tornando-os eficazes nas ações conjuntas pela prática do compartilhamento de conhecimentos e experiências, gerando aprendizado mútuo, valendo-se da manutenção de registros e anotações; 2 – Promover a articulação e organização das políticas de Ates nas diferentes regiões do Estado do RS articuladas nos 18 Núcleos Operacionais; 3 – Assessorar a realização de planejamento estratégico e operacional das atividades desenvolvidas pelos Núcleos Operacionais de Ates, em face do diagnóstico territorial e local, tomando como base as diretrizes de planejamento apresentadas pelo Programa de Ates;
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4 – Confeccionar relatórios, diagnósticos e outros materiais com o intuito de sistematizar as informações e experiências geradas pelo trabalho de Ates; 5 – Assessorar na elaboração e implantação de proposta estratégica de integração e articulação das atividades desenvolvidas nos assentamentos, considerando os diagnósticos apresentados pelos Núcleos Operacionais; 6 – Assessorar na construção de instrumentos de divulgação das atividades de Ates junto aos beneficiários da reforma agrária, envolvendo-os como participantes ativos na formação e implantação de programas de Ates; 7 – Oferecer suporte para capacitação e formação dos técnicos nos Núcleos Operacionais, proporcionando apoio técnico e metodológico; e 8 – Promover e estimular espaços sociais de articulação entre as equipes técnicas dos 18 Núcleos Operacionais de Ates, os agentes e entidades locais.
Firmado o Termo de Cooperação, a UFSM contratou, mediante seleção pública, quatro profissionais com formação interdisciplinar,1 com capacidade de atuar nos diferentes temas relacionados à extensão rural e reforma agrária. Constituída a equipe, esta organizou-se territorialmente, cabendo a cada articulador um conjunto específico de NOs, formando quatro regiões, como mostra o Quadro 1.
1
A equipe foi composta por três engenheiros agrônomos, sendo um mestre em Agroecossistemas, um mestrando em Extensão Rural e um especialista em Educação do Campo e um zootecnista, mestre em Desenvolvimento Rural.
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Quadro 1– Distribuição das Regiões de Abrangência dos Articuladores, 2010 Articulador 1: Região Centro – Norte Núcleo Operacional Número de Técnicos NO Júlio de Castilhos 7 NO Tupanciretã 8 NO Jóia 8 NO Sarandi 4 NO Palmeira das Missões 4 Articulador 2: Região Centro Norte, Metropolitana e Sul Núcleo Operacional Número de Técnicos NO Vacaria 4 NO Nova Santa Rita 5 NO Eldorado do Sul 6 NO Canguçu 8 NO Piratini 6 Articulador 3: Região Sul Núcleo Operacional Número de Técnicos NO Candiota 9 NO Hulha Negra 10 NO Pinheiro Machado 4 NO Herval 7 Articulador 4: Região Fronteira Oeste e Missões Núcleo Operacional Número de Técnicos NO Livramento 9 NO Fronteira Oeste 5 NO São Luiz Gonzaga 5 NO Miguel das Missões 8
Número de famílias 611 642 651 369 352 Número de famílias 350 391 525 660 493 Número de famílias 765 827 373 578 Número de famílias 789 406 402 710
Fonte: UFSM, 2008.
CARACTERIZAÇÃO GERAL DA ATUAÇÃO DOS ARTICULADORES NO PROGRAMA DE ATES NO RS A partir dos desafios estabelecidos pelo Manual Operacional da Ates e “Projeto Básico da Ates...”, o trabalho da equipe de articuladores foi projetado sobre dois eixos: o assessoramento periódico em todos os NOs e a reflexão sistemática sobre o Programa de Ates, para seu aperfeiçoamento como política pública. No atendimento ao primeiro eixo, a proposta de trabalho consistia em apoiar o planejamento das ações de Ates junto as equipes de cada NO, auxiliando-as a alcançar as metas propostas no contrato e realizar um trabalho qualificado com as famílias assentadas. Nesta perspectiva
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a equipe deveria dedicar-se na busca de soluções para as demandas pontuais das equipes de campo, bem como auxiliar na elaboração de instrumentos de suporte para a realização dos PDAs e PRAs. Em relação ao segundo eixo de trabalho, a proposta consistia em sistematizar as experiências desenvolvidas pela Ates, buscando apontar os avanços e limites da operacionalização do programa. Esta atuação pretendia formular elementos para qualificar a execução de cada contrato anual, bem como o conjunto do Programa de Ates. Para atender a esses dois eixos o Projeto dos Articuladores estabeleceu um formato básico de organização do trabalho distinguindo: – Ações de planejamento do trabalho da equipe de articuladores. A UFSM, por meio de seus representantes, ficou encarregada de elaborar uma proposta metodológica para orientar o trabalho dos articuladores ao longo da vigência do projeto (contemplando priorização de tarefas, dinâmica de trabalho em equipe, etc.); – Ações de planejamento junto as equipes do Núcleo Operacional de Ates. Definiu-se que a partir de uma estratégia previamente discutida pela equipe, cada articulador deveria desenvolver atividades de acompanhamento, planejamento e articulação, gerando relatórios de cada uma das atividades desenvolvidas; – Participação no Conselho Regional de Ates do Núcleo Operacional com o objetivo de avaliar o programa da Ates; e – Participação nas ações de planejamento junto a equipe técnica do Incra/RS. Tendo em vista as dificuldades organizativas e operacionais do Programa de Ates, associadas à alteração da modalidade de relação com as prestadoras – de convênios para os contratos –, o trabalho dos articuladores voltou-se a atender demandas diversas que o processo de execução desse programa colocava. O Quadro 2 expõe o conjunto de atividades desenvolvido pela equipe dos articuladores, no período de janeiro de 2009 a setembro de 2011.
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Quadro 2 – Relação das atividades desenvolvidas pelo projeto dos articuladores no período de janeiro de 2009 a setembro 2011 SÍNTESE DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS PELA EQUIPE DOS ARTICULADORES (2009-2011) EIXOS DE TRABALHO
PERÍODO
ATIVIDADES DESENVOLVIDAS
1 – Organização e plaReuniões de organização, planejamento e de nejamento da equipe capacitação técnica de articuladores Discussão e elaboração de metas contratuais e outros documentos Organização de oficinas de capacitação para os técnicos de Ates 2 – Apoio e assessoria Participação nos Conselhos Estaduais de Ates ao Incra Elaboração do roteiro base para construção dos documentos dos PDA/PRA Análise dos PDA/PRAs Atualização e adequação dos PDA/PRAs Reuniões de planejamento e organização com as equipes técnicas de Ates e apoio na elaboração 3 – Acompanhamento dos PDA/PRAs do trabalho nos NúParticipação nos Conselhos Regionais de Ates cleos Operacionais Reunião com entidades/atores locais Atividades em assentamentos Participação das etapas do curso residência agrária 4 – Capacitação da e educação do campo equipe de ArticulaParticipação em congressos, seminários e outros dores eventos Intercâmbios Técnicos (Udelar/UY e programa de PPGExR/UFSM) 5 – Promoção de Participação e vivência no espaço acadêmico da conhecimento e fortalecimento da UFSM relação entre a Uni- Reuniões com a coordenação estadual e nacional versidade e os demais da Ates atores envolvidos no Reuniões com a coordenação das prestadoras de desenvolvimento dos Ates e convênios assentamentos Contribuição para elaboração e organização do Estágio Interdisciplinar de Vivência– EIV Elaboração de relatórios das ações dos articula6 – Sistematização e dores elaboração de docuPublicação de artigos mentos Publicação de dissertações e monografias
(*) Dados parciais até setembro 2011 Fonte: Elaborado pelos autores.
2009 2010 2011* 18
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AS ATIVIDADES DE ORGANIZAÇÃO E PLANEJAMENTO DA EQUIPE DOS ARTICULADORES As reuniões periódicas da equipe dos articuladores (incluindo coordenador, articuladores, bolsistas e, eventualmente, outros professores da UFSM), foram espaços permanentes de discussão, formação e de nivelamento. Foram debatidos temas vinculados à extensão rural, ao planejamento das ações desenvolvidas pelos articuladores nos Núcleos Operacionais, além das avaliações do trabalho como um todo, buscando elementos para aprimorar as ações da equipe e do Programa, principalmente nos seus aspectos operacionais e metodológicos.
ATIVIDADES DE APOIO E ASSESSORIA AO INCRA/RS Discussão, elaboração e repactuação de metas contratuais e elaboração de documentos do Programa de Ates Inicialmente as atividades da equipe foram dirigidas para o trabalho de análise dos elementos críticos do contrato de Ates em sua operacionalidade a campo, investigando os ajustes necessários e contribuindo para o replanejamento das metas de trabalho, bem como na instituição do sistema de monitoramento das atividades realizadas pelas equipes técnicas. A partir do segundo ano, a equipe envolveu-se diretamente na discussão, elaboração e gestão das metas contratuais, além da elaboração de Notas Técnicas com as diretrizes de operacionalização do Programa de Ates. A adequação das metas dos contratos de Ates para os anos de 2010 e 2011 exigiu um grande esforço de trabalho da equipe, visto que além das metas estaduais definidas pela Coordenação Estadual de Ates foram incorporadas às demandas locais apontadas pelas famílias assentadas, convertidas em metas regionais, sendo necessária a elaboração de
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contratos diferenciados em virtude das particularidades dos NOs. Com a incorporação de nova lógica de planejamento do trabalho das equipes técnicas, baseada nas horas técnicas, foi necessário dimensionar a carga horária disponível e ajustar as ações para cada Núcleo Operacional, considerando suas diferentes realidades. Estas mudanças exigiram também um esforço no sentido de adaptar o sistema de acompanhamento e monitoramento das atividades já existentes (Sama).
Organização de oficinas de capacitação para os técnicos de Ates O Programa de Ates prevê a realização de espaços de capacitação para as equipes de assessoria ambiental, social e produtiva dos NOs com periodicidade anual, visando a proporcionar espaços qualificados de discussão e formação nas temáticas do Programa. As oficinas são importantes espaços de nivelamento das informações dos procedimentos preconizados pelo Incra e para intercâmbio técnico entre as equipes de Ates. A ação da equipe dos articuladores nestes espaços esteve voltada ao auxílio à Coordenação Estadual na proposição de conteúdos e metodologias para esses eventos. Além de contribuir no planejamento e organização das capacitações, foram realizadas ações de divulgação com as equipes técnicas, bem como ações posteriores de socialização dos conteúdos discutidos nos eventos.
Participação no Conselho Estadual de Ates O Conselho Estadual é um espaço de discussão e encaminhamentos que tem por objetivo buscar o aperfeiçoamento das diretrizes e ações do Programa de Ates. O espaço desse Conselho garante a participação de atores envolvidos no processo, com destaque para as prestadoras de Ates, Universidades, governo do Estado, Embrapa e movimentos sociais. Neste espaço a equipe de articulação assessorou o Incra na elaboração da pauta, na condução e na sistematização dos encaminhamentos do
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Conselho. O conteúdo das discussões e encaminhamentos do Conselho Estadual sempre foram discutidos com os articuladores, visando a um nivelamento permanente das informações.
Elaboração do Roteiro Base para construção dos documentos de PDA e PRA Conforme previsto no contrato de Ates, as equipes técnicas deveriam elaborar os Planos de Recuperação ou de Desenvolvimento dos Assentamentos (PRA/PDA). Para tanto foi necessário realizar um estudo das normativas estabelecidas pelo Incra para a preparação desses documentos, adaptando uma proposta para a realidade local com grau de detalhamento suficiente para orientar o trabalho das equipes e a elaboração do produto requerido pelo Incra/RS. Foi necessário, assim, assessorar a Coordenação Estadual na construção de um roteiro base, que tornasse possível o atendimento mínimo aos requisitos destes Planos. Resultou deste processo de adaptação a definição da proposição de que as prestadoras deveriam apresentar três produtos: o primeiro seria um diagnóstico individual dos assentamentos, o segundo os planos e programas baseados na contextualização das limitações e potencialidades diagnosticadas e o terceiro produto seria composto pelo georreferenciamento das unidades produtivas, habitações, poços e açudes e os mapas dos assentamentos.
Análise dos PDAs e PRAs Assim que os PDAs/PRAs foram entregues ao Incra, a equipe dos articuladores, em conjunto com a Coordenação Estadual de Ates, definiu uma série de critérios que resultaram em uma matriz de análise para avaliação desses documentos. Após analisados pela coordenação de Ates do Incra/RS, os articuladores estudaram detalhadamente os documentos e as solicitações do Incra visando a auxiliar as equipes técnicas a qualificarem os documentos com o intuito de que, em sua versão final,
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alcançassem o padrão de qualidade requerido pelo Incra. Na sequência, coube à Coordenação da Ates do Incra/RS a tarefa de avaliar e aprovar os documentos.
Atualização e adequação dos PDA e PRAs Anualmente as equipes (como meta contratual) atualizam as informações diagnosticadas no ano anterior e desenvolvem um processo de discussão nos assentamentos buscando revisar e adequar as prioridades das famílias assentadas, que serão transformadas em metas contratuais para o ano seguinte. Estas atividades garantem a continuidade no processo de planejamento do desenvolvimento do assentamento e a equipe dos articuladores atua no suporte às equipes técnicas, visando a garantir uma intervenção metodologicamente adequada, que garanta a participação efetiva das famílias de forma que os documentos traduzam suas reais necessidades.
ATIVIDADES DE ACOMPANHAMENTO AOS NÚCLEOS OPERACIONAIS Reuniões de planejamento e organização das equipes técnicas de Ates e apoio na elaboração dos PDA/PRAs Conforme as informações apresentadas no quadro-síntese sobre as atividades dos articuladores observa-se que esta atividade foi muito frequente, mostrando a aproximação entre as equipes técnicas dos NOs e a equipe dos articuladores. As reuniões com as equipes técnicas foram espaços importantes e estratégicos na operacionalização do Programa de Ates. O diálogo com os técnicos e as reuniões tornaram-se os principais meios para a discussão, capacitação e socialização das informações, bem como para a sistematização e o encaminhamento dos principais problemas e demandas apresentadas pelas equipes junto a Coordenação Estadual de Ates.
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As reuniões com as equipes técnicas também se revelaram importantes momentos para a discussão e elaboração dos planejamentos operacionais e metodológicos em nível de NO, conciliando as ações definidas pelas metas estaduais e pelas demandas regionais. Nestes espaços, a equipe dos articuladores buscou oportunizar a troca de informações e experiências relativas a ações desenvolvidas nos demais Núcleos Operacionais, divulgando as experiências exitosas. Esses encontros também foram importantes para acompanhamento e nivelamento técnico necessário para a elaboração dos PDAs/PRAs. Mesmo após o domínio das ferramentas e dos processos, ainda se fizeram necessárias readequações e ajustes de forma e de conteúdo, que também demandaram o apoio permanente da equipe dos articuladores.
Participação nos Conselhos Regionais de Ates A partir de 2009 fortaleceu-se a percepção de que estes espaços poderiam colaborar com o processo de avaliação dos trabalhos desenvolvidos pelas equipes de Ates, bem como possibilitar a descentralização das decisões do planejamento e promover a organicidade do Programa de Ates. Assim, esses espaços têm se caracterizado pelo intenso debate em torno da Ates e também de outros temas que permeiam o dia a dia dos assentamentos, além de constituir um espaço que permite o contato direto entre o Incra/RS e os representantes dos assentados. A atuação dos articuladores nas reuniões dos Conselhos Regionais foi no sentido de ouvir as avaliações dos assentamentos a respeito da execução do contrato de Ates, com a perspectiva de (re)formular estratégias que atendam às necessidades das famílias assentadas e as demandas do Incra, visto que em algumas situações os interesses e prioridades desses atores nem sempre estão em sintonia. Outra tarefa dos articuladores nestes espaços é o esforço para que o Programa de Ates se desenvolva em consonância com as ações regionais, buscando a otimização dos resultados nas ações propostas.
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Reunião com Entidades/Atores locais A equipe atuou estrategicamente, participando, viabilizando ou mediando diálogos entre entidades e atores locais, potencializando assim a ação da Ates. A ação de articulação sempre primou pela aproximação de todas as entidades públicas e privadas que desenvolvem algum tipo trabalho e que poderiam apoiar o desenvolvimento dos assentamentos. Nesse sentido, é importante destacar que inúmeras ações foram estimuladas pelos articuladores, com o objetivo de inserir e beneficiar as famílias assentadas em programas e políticas públicas desenvolvidas a âmbito local ou regional, como é o caso do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), ambos do governo federal e do Programa Terra Sol, do Incra.
Atividades em Assentamentos Buscando auxiliar o trabalho das equipes técnicas dos NOs, os articuladores acompanharam algumas atividades nos assentamentos. Com esse acompanhamento, os articuladores tiveram a oportunidade de ter uma relação mais direta com as famílias assentadas, no sentido de perceber e avaliar a impressão delas sobre o trabalho desenvolvido pelos técnicos da Ates. Da mesma forma, estas iniciativas auxiliaram na análise dos procedimentos metodológicos e das estratégias de trabalho utilizadas pelos técnicos de Ates.
ATIVIDADES DE CAPACITAÇÃO DA EQUIPE DE ARTICULADORES Participação no Curso de Especialização em Agricultura Familiar Camponesa e Educação do Campo – Residência Agrária A equipe participou e integrou o curso de Especialização intitulado “Educação do Campo e Agricultura Familiar Camponesa”, organizado pela Universidade Federal de Santa Maria por meio do Programa de Pós-
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Graduação em Extensão Rural (PPGExR). O curso utilizou como prática pedagógica a alternância acadêmica, com realização de 17 encontros presenciais (com intervalos médios de 30 dias entre eles) e atividades práticas de vivência dos estudantes nos assentamentos. A presença de agricultores assentados, representantes dos movimentos sociais, recém egressos da universidade, bem como de técnicos de todos os Núcleos Operacionais do Estado do RS, favoreceu o debate em torno do processo de desenvolvimento dos assentamentos e da qualificação do serviço de Ates, de modo que as discussões realizadas nas etapas presenciais acabavam sendo problematizadas nos encontros dos articuladores com as equipes nos NOs, contribuindo para a qualificação da intervenção técnica nos assentamentos.
Participação em Congressos e Seminários A partir da compreensão de que o trabalho desenvolvido pela equipe necessita permanentemente de elementos relacionados à capacidade de elaboração teórica e de sistematização dos temas vinculados ao Programa de Ates, a participação em eventos foi considerada uma forma estratégica de ampliar a visão sobre o tema, possibilitar a criação de uma rede de contatos com outras instituições e de aproveitar os espaços para apresentar e discutir os trabalhos, fruto da reflexão da equipe, sob a forma de artigos.
AÇÕES DE PROMOÇÃO DE CONHECIMENTO E FORTALECIMENTO DA RELAÇÃO ENTRE A UNIVERSIDADE E OS DEMAIS ATORES ENVOLVIDOS NO DESENVOLVIMENTO DOS ASSENTAMENTOS Intercâmbios com a Universidade da República do Uruguai (Udelar) Com o apoio da Pró-Reitoria de Extensão da UFSM, e com o propósito de ampliar o debate a respeito da temática agrária e da extensão rural, foram desenvolvidas ações em conjunto com a Universidad de la
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República del Uruguai (Udelar), visando ao melhor conhecimento e ao debate sobre a realidade agrária nos dois países. Inicialmente foram visitadas algumas experiências de assentamentos rurais no Uruguai, enfatizando as estruturas existentes e os atores envolvidos no processo. Posteriormente uma equipe de profissionais e docentes da Udelar e representantes de outras entidades participantes do intercâmbio visitaram o Rio Grande do Sul, quando tiveram a oportunidade de conhecer vários assentamentos, nas mais diversas regiões do Estado, além do contato com as instituições como o Incra-RS e a Coordenação das Prestadoras de Ates. Durante a realização do encontro de socialização das experiências foi oportunizado aos acadêmicos da UFSM participarem da discussão dos relatos e impressões sobre as atividades desenvolvidas durante os intercâmbios. Neste âmbito está prevista a continuidade das atividades de intercâmbio, com o propósito de viabilizar novas ações de trocas de conhecimentos e capacitação técnica, visando a qualificar e ampliar os conhecimentos, metodologias e técnicas direcionadas para as ações de extensão rural nos assentamentos de reforma agrária.
Participação e vivência nos espaços acadêmicos da UFSM O Projeto dos Articuladores, como projeto de extensão da UFSM, está inserido nas atividades desenvolvidas pelo Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural. Neste sentido, foi frequente a presença dos articuladores no cotidiano da Universidade, proporcionando um espaço permanente de troca de informações e experiências com professores e estudantes. A realização do Projeto pela UFSM possibilitou que o tema da Ates se tornasse recorrente nos espaços de sala de aula, nas conversas de corredor e nos seminários. Importante destacar a presença dos articuladores na formação dos alunos do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural (Mestrado e Doutorado), utilizando a experiência da Ates como campo empírico para que os estudantes realizassem suas aprendizagens acadêmicas.
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Troca de experiências com a Coordenação Estadual e Nacional da Ates O número de ações destinadas ao trabalho de assessoria à Coordenação Estadual de Ates, conforme pode ser visualizado no quadrosíntese apresentado anteriormente (Quadro 2) representa o empenho da equipe de articulação no sentido de promover um permanente debate sobre o Programa de Ates, consolidando a figura do articulador como o ator que viabiliza um importante espaço de mediação entre os Núcleos Operacionais e a Coordenação do Programa, à medida que mantém contato permanente com as equipes técnicas. Esta condição permitiu que o fluxo de informações fluísse com rapidez, possibilitando uma dinâmica de trabalho que oportunizou um espaço permanente de discussão, mediante reuniões sistemáticas entre a equipe de articulação e o Incra. Este processo permitiu a obtenção constante de elementos e informações, que retroalimentaram a proposição, o planejamento, a crítica e o replanejamento no Programa de Ates.
Reuniões com a Coordenação das Prestadoras de Ates e Convênios Os articuladores se empenharam na construção de espaços de discussão com a coordenação das prestadoras e com a coordenação dos demais convênios do Incra para o desenvolvimento dos assentamentos. Da mesma forma, foi realizado um esforço para vincular as ações destes convênios com o planejamento regional das equipes nos NOs, sendo esta uma questão que ainda requer maiores avanços.
Contribuição para elaboração e organização do Estágio Interdisciplinar de Vivência – EIV Os Estágios Interdisciplinares de Vivência são iniciativas dos estudantes da UFSM, organizados no Núcleo de Apoio à Reforma Agrária e Urbana (Narua). Estes estágios têm por objetivo aproximar os estu-
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dantes universitários da realidade do campo, com enfoque para as áreas reformadas. Tendo em vista a relação com a UFSM e com a realidade dos assentamentos, o projeto dos articuladores auxiliou na organização e realização do EIV, participando ativamente das reuniões da comissão organizadora e das atividades desenvolvidas pelos estagiários nos assentamentos. Avalia-se que este estágio é uma importante ferramenta para a qualificação da formação profissional nas universidades.
ATIVIDADES DE SISTEMATIZAÇÃO E ELABORAÇÃO DE DOCUMENTOS Elaboração de relatórios das ações dos articuladores O trabalho da equipe dos articuladores é sistematizado trimestralmente em um relatório de atividades no qual constam todas as ações desenvolvidas com a descrição da atividade, o público participante, o local da atividade, os objetivos e os encaminhamentos resultantes. Também são sistematizadas e detalhadas as ações coletivas realizadas pela equipe dos articuladores. Nos anexos dos relatórios são incluídos todos os documentos elaborados pela equipe.
Elaboração de artigos Coerentemente com a proposta de reflexão crítica sobre o Programa de Ates, a elaboração de artigos foi uma das tarefas da equipe dos articuladores. Parte desta reflexão está sistematizada nos inúmeros textos apresentados pela equipe do projeto em congressos nacionais e internacionais.2
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Entre as publicações relacionadas ao Programa de Ates no RS com participação dos articuladores incluem-se: “A Política de Extensão Rural Para os Assentamentos da Reforma Agrária: Uma Análise da Ates no Rio Grande do Sul” (IV Jornada de Estudos
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Elaboração de dissertações e monografias O curso de Especialização em Educação no Campo e Agricultura Camponesa (Residência Agrária) foi um importante espaço de formação que oportunizou o aprofundamento teórico-prático da temática relacionada à Ates e à reforma agrária. A participação dos articuladores e o esforço de reflexão e elaboração teórica nos diferentes eixos temáticos resultaram na apresentação de três monografias: “Participação Social e Empoderamento no Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental (Ates) – RS”; “O Processo de Avaliação e Monitoramento no Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental (Ates) para as Famílias Assentadas no RS” e “A Importância dos Mercados Alternativos na Geração de Renda dos Assentamentos de Pedras Altas – RS”.
em Assentamentos Rurais Unicamp-SP); “Planos de desenvolvimento e recuperação dos assentamentos do Rio Grande do Sul: O processo de elaboração, da proposta à execução” (IV Simpósio sobre reforma agrária e assentamentos rurais. Uniara-SP); “Reflexões sobre o novo programa de assessoria técnica social e ambiental para os assentamentos do RS” (IV Simpósio sobre reforma agrária e assentamentos rurais. Uniara-SP); “Limites, avanços e desafios da nova proposta de Ates aos assentamentos de reforma agrária do RS” (IV Simpósio sobre reforma agrária e assentamentos rurais. Uniara-SP); “O Processo de Construção e Elaboração dos Planos de Desenvolvimento e Recuperação dos Assentamentos no Estado do Rio Grande do Sul” (VIII Congresso Latino Americano de Sociologia Rural. UFRPE-PE); “Dos Convênios aos Contratos: O papel do Estado na Assessoria Técnica aos Assentamentos de Reforma Agrária” (VIII Congresso Latino americano de Sociologia Rural. UFRPE-PE); “Controvérsias e Alternativas de Desenvolvimento Rural nos Assentamentos do Uruguai” (V Jornada de Estudos em Assentamentos Rurais Unicamp-SP); “Evolução do Programa de Assistência Técnica, Social e Ambiental no RS” (V Jornada de Estudos em Assentamentos Rurais Unicamp-SP); “Monitoramento e Avaliação do Programa de Assistência Técnica para Assentamentos de Reforma Agrária” (XXVIII Congresso Internacional da Associação Latino-Americana de Sociologia. UFRPE-PE); “Assentamentos Rurais: Controvérsias e Alternativas de Desenvolvimento no Território Uruguaio” (XXVIII Congresso Internacional da Associação Latino-Americana de Sociologia. UFRPE-PE) .
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APRENDIZAGENS DO PROJETO DOS ARTICULADORES Com base no conhecimento acumulado e na avaliação parcial do trabalho realizado durante os três anos de vigência do Projeto dos Articuladores UFSM-Incra/RS, serão abordados a seguir alguns elementos que julgamos importantes para as reflexões acerca do papel desses agentes na execução da política de Ates do Rio Grande do Sul. Nesta perspectiva, serão abordados elementos pertinentes à dinâmica organizativa e estrutural adotada, apontando sugestões de alterações consideradas necessárias para a qualificação da atuação dos articuladores de Ates.
O papel de Coordenação e de Articulação Considerando que o Projeto dos Articuladores de Ates, enquanto termo de cooperação entre Incra e UFSM, foi criado no contexto das alterações substanciais efetuadas no programa de Ates no RS (a principal delas refere-se à mudança dos convênios para os contratos), o início da atuação dos articuladores esteve fortemente relacionado com a tarefa de “colocar em funcionamento” a nova sistemática da prestação dos serviços aos assentamentos, baseada num regramento mais rigoroso das atividades de Ates, mediante o mecanismo das metas contratuais. A mudança ocorrida em 2009 colocou em prática um sistema de Ates muito diferenciado do que vinha sendo desenvolvido. Por um lado passou-se a exercer um maior controle e orientação do trabalho dos técnicos; por outro, criou-se a necessidade de se desenvolver novos instrumentos de apoio e suporte às equipes de campo. Nesse contexto ganha sentido o trabalho de articulação, num esforço de facilitar a comunicação e dar certa homogeneidade ao trabalho das equipes contratadas para os 18 NOs.
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De maneira geral, no novo formato da Ates são realizadas chamadas públicas para cada território (os Núcleos Operacionais) ao qual podem concorrer distintas prestadoras. No caso do RS a licitação pública realizada em 2009 resultou na contratação de 18 equipes técnicas (referente aos 18 NOs), vinculadas a três prestadoras distintas (organizações de extensão). Esta diversidade de equipes técnicas exigiu dos articuladores ações diferenciadas, para possibilitar entendimentos semelhantes sobre o programa de Ates. Exemplo disto foi o trabalho realizado para que os produtos dos PDAs e PRAs, elaborados por esta diversidade de equipes, pudessem ter características e um padrão de qualidade semelhante. A nova dinâmica organizativa e operacional do programa de Ates no RS mostrou-se mais complexa do que a do formato anterior, exigindo a definição clara e objetiva de papéis por parte dos sujeitos envolvidos e implicou um conjunto de novas tarefas para a instituição contratante (Incra/RS), que passou a exercer uma maior orientação e controle sobre as prestadoras. Conforme relato dos servidores do Incra/RS, no modelo anterior a dedicação de uma só pessoa era suficiente para cuidar de um conjunto grande de convênios com as prestadoras. Nesta nova perspectiva, foram inúmeras as dificuldades enfrentadas pelo Incra/RS, principalmente relacionadas ao escasso número de servidores para se ocuparem desta nova função, visto que a estrutura interna de divisão de responsabilidades praticamente não se alterou e se agregaram novas atribuições, como a fiscalização e o monitoramento das ações contratadas. Agrega-se a isso o pouco envolvimento das coordenações das prestadoras na orientação e no acompanhamento de suas equipes técnicas nos NOs, transferindo essa responsabilidade para o Incra/RS e aos articuladores. Na fase inicial da instalação do novo sistema a equipe dos articuladores desempenhou um importante papel junto a cada NO, no sentido de promover a compreensão dos instrumentos legais do programa, dentre os quais a dinâmica do cumprimento das metas, o uso do sistema
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Sama e a adaptação dos técnicos a uma nova realidade da constituição territorial dos NOs, muito distinta daquela operacionalizada na época dos convênios. Em relação ao apoio no cumprimento das metas, cabe destacar a assessoria para o aprimoramento e adequação das metodologias participativas utilizadas pelas equipes técnicas, como também no planejamento, execução e avaliação das atividades de Ates nas equipes. A relação dos articuladores com as diferentes equipes possibilitou também o compartilhamento de conhecimentos e de experiências, gerando aprendizado mútuo. Cabe mencionar que as coordenações das prestadoras, de um modo geral, tinham consciência do conflito de papéis da equipe de articulação: o conflito entre o papel de coordenação-supervisão e o de apoio metodológico e operacional às equipes de campo. Por diversas vezes manifestaram a avaliação crítica de que a equipe dos articuladores estaria muito vinculada ao Incra, preocupada em resolver as demandas da coordenação da Ates, e, portanto, dedicando menos tempo ao trabalho de apoio às equipes técnicas e ao Programa como um todo. Diante da falta de condições objetivas para que o Incra/RS desenvolvesse plenamente as novas tarefas – surgidas com a nova forma de operar o Programa de Ates –, a equipe dos articuladores fez uma opção consciente de auxiliar e apoiar as ações de coordenação da Ates. Esta decisão, embora considerada no momento essencial para o início da operacionalização do novo sistema, trouxe duas consequências negativas: diminuiu o tempo disponível para a atuação no apoio metodológico às equipes nos NOs e passou para as prestadoras e assentados uma imagem dos articuladores como um braço do Incra/RS. Assim, se antes, no período dos convênios, a crítica referia-se ao vínculo prioritário dos articuladores às demandas das prestadoras, agora parecia acontecer o contrário, pois a equipe estaria submetida às demandas do Incra/RS.
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Pedro S. Neumann • Alisson V. Zarnott • Luiz E. Abbady do Carmo J a c i r J . C h i e s • V i n í c i u s P . D a l b i a n c o • D h o n a t h ã S . R i g o • D a i a n e d e M. T a b o r d a
O critério da distribuição das funções na equipe dos articuladores O critério utilizado para a divisão e organização do trabalho da equipe dos articuladores foi territorial, ou seja, o Estado do RS foi dividido em regiões, e cada articulador responsabilizou-se pelo conjunto de atividades de um determinado número de NOs. Este critério permitiu construir uma relação mais próxima do articulador com cada equipe técnica atuante na região, estabelecendo uma referência clara a quem deveriam recorrer na busca de apoio ao cumprimento das metas e ao processo de planejamento das ações a serem desenvolvidas. Esse critério também levou ao uso mais racional e econômico dos recursos e do tempo, pois a divisão territorial possibilita que cada articulador percorra menores distâncias nas atividades de acompanhamento. A divisão por território, no entanto, exige uma abordagem de assessoria generalista por parte dos articuladores, pois se tornam responsáveis por contemplar todo o conjunto de temas demandados em seu território. Para contornar esta questão e dar um tratamento
adequado
a determinadas demandas específicas (na esfera ambiental, social, de metodologias participativas, etc.) foi utilizada uma divisão interna de funções (aprofundamento de cada articulador em determinados temas) para que, assim, cada articulador pudesse encontrar, na própria equipe, a assessoria que necessitava. Nesse sentido, baseando-se na experiência do Projeto de Articuladores do RS avalia-se que a estratégia da divisão territorial com atuação de assessoria generalista por parte dos articuladores mostra-se adequada, pois resulta numa atuação mais próxima a realidade de cada NO, possibilitando e dando continuidade a uma relação mais direta e sistemática entre os atores do Programa de Ates.
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A necessidade de respostas mais qualificadas a determinados temas específicos (ambiental, agroindústrias, social, etc.) pode ser atendida pela distribuição interna de funções ou pela incorporação de profissionais especialistas para darem suporte e assessoria às atividades desenvolvidas pelos articuladores. Como, entretanto, os temas específicos podem ser demandados com intensidades distintas nas regiões de articulação ou nos diversos NOs, a divisão territorial não seria nem racional e nem funcional em se tratando do trabalho dos especialistas.
Sobre o Papel da Universidade A formatação do atual projeto apoiou-se, por um lado, na experiência do Incra/RS na composição de equipes de articuladores e, por outro, nas novas normativas nacionais do programa de Ates. Desta forma, o Incra/RS optou pela celebração de um termo de cooperação técnica com a UFSM para que a Universidade constituísse uma equipe e coordenasse o trabalho dos articuladores, em consonância com as tarefas definidas pelo Manual da Ates. Quando surgiu a proposta do termo de cooperação entre o Incra/ RS e a UFSM, seus propositores tinham consciência de que a atribuição da coordenação da equipe de articuladores à UFSM somente se justificaria se o propósito da iniciativa fosse o de apoiar metodologicamente as equipes técnicas e de realizar a reflexão crítica da experiência que se iniciava. O apoio metodológico era compreendido a partir da experiência da Universidade com a temática da Assistência Técnica e da Reforma Agrária, pois a UFSM tem um programa de Pós-Graduação em Extensão Rural (Mestrado e Doutorado) e um curso de especialização voltado para os quadros técnicos da Ates (Especialização em Agricultura Familiar Camponesa e Educação do Campo – Residência Agrária).
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Já a reflexão se daria em razão do interesse da Universidade em gerar novos conhecimentos e referências teóricas numa área na qual vem produzindo e se destacando academicamente. Nesse sentido, a participação da UFSM no Projeto e o envolvimento ativo dos articuladores em atividades da Universidade permitiram o desenvolvimento de um perfil crítico, reflexivo e de formulação de soluções aos problemas colocados. Os inúmeros momentos em que esta equipe esteve reunida com professores da UFSM com a tarefa de elaborar propostas para a qualificação das ações de Ates influenciaram de maneira direta a definição das diretrizes e as melhorias do programa. Da mesma forma, a participação dos articuladores em espaços acadêmicos, como o curso de Especialização Residência Agrária, a participação em congressos onde foram apresentadas, em forma de artigos, reflexões sobre o Programa de Ates, a participação em seminários e eventos dedicados a refletir a realidade do campo e as práticas da extensão rural, resultaram numa significativa qualificação da equipe, o que se refletiu, por sua vez, no trabalho realizado. Acredita-se que estes mecanismos só foram possíveis graças ao vínculo direto da equipe de articuladores com a Universidade. Neste cenário, avalia-se que houve um importante avanço ao se integrar uma instituição acadêmica ao programa da Ates no RS. Esse progresso manifesta-se no sentido de propiciar um processo de reflexão acerca da sistemática das ações de Ates desenvolvidas nos assentamentos e assim contribuir na geração de conhecimentos e na qualificação da temática no cenário nacional. Uma instituição com vasta experiência na temática de extensão rural isenta e autônoma em relação às prestadoras de Ates e ao próprio Incra/RS proporcionou ao Programa de Ates um ambiente de discussões privilegiado, não só do trabalho desenvolvido pelos articuladores, mas dos diversos temas vinculados à Ates. Essas reflexões dirigiram-se à realidade dos assentamentos de reforma agrária, à natureza e características metodológicas das ações de Ates, às condições técnicas e estruturais das equipes de Ates, à situação
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estrutural e organizativa do Incra, às condições e perspectivas de desenvolvimento dos assentamentos, entre outros temas, proporcionando assim um processo permanente de qualificação dos pesquisadores, dos articuladores e do próprio programa de Ates. Avalia-se que este ambiente institucional de discussão/formação, associado ao acompanhamento e à presença constante da equipe de articuladores no cotidiano dos atores envolvidos na Ates desempenhou um importante papel na reflexão e na proposição das melhorias e avanços do programa da Ates/RS.
DESAFIOS.... O trabalho dos articuladores mostrou-se elemento essencial na experiência de transição de convênio para contrato do Programa de Ates no RS. O apoio na elaboração e análise dos PDAs e PRAs, a participação ativa nos processos de elaboração das metas anuais da Ates, o suporte na metodologia de fiscalização, a sistematização de informações, o suporte para a instituição do sistema de avaliação e monitoramento do programa, o envolvimento com o planejamento das ações regionais da Ates, o auxílio na formação e organização dos Conselhos Regionais de Ates são algumas das ações que marcam a atuação dos articuladores no RS. Na experiência em questão a atuação com as equipes de campo caracterizou-se, por um lado, pelo apoio operacional relacionado à nova dinâmica burocrática do sistema, e, de outro, pelo apoio metodológico no desenvolvimento das metas contratadas. Assim, uma primeira questão que se coloca é sobre a necessidade de imprimir uma homogeneidade e identidade do trabalho de Ates para o conjunto do Estado do RS, pois as características distintas das equipes, independentemente dos vínculos com as prestadoras, pode resultar numa significativa diferenciação na qualidade do serviço prestado entre os NOs. Desta forma uma tarefa importante é a atuação e o apoio específico dos articuladores a cada uma das equipes técnicas.
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Na atual conjuntura do sistema inaugurado no RS, após três anos de funcionamento, considera-se fundamental para a qualificação do trabalho de campo que os articuladores dediquem maior atenção ao trabalho mais direto e próximo aos NOs, atuando de uma forma mais ativa no cotidiano das equipes. Esta possibilidade poderá criar as condições reais de ampliação do acompanhamento às atividades desenvolvidas nos assentamentos, com o objetivo de analisar, refletir e agir de forma mais efetiva no aprimoramento das metodologias utilizadas pelas equipes e no apoio ao planejamento das ações futuras. Nesta perspectiva torna-se importante a diminuição do número de NOs para cada articulador, pois permitirá desenvolver um número maior de ações em âmbito local, inclusive nos assentamentos. Esta questão também está intimamente relacionada ao aprimoramento do trabalho da coordenação da Ates e da coordenação das prestadoras, pois sua participação mais efetiva possibilita a ampliação do tempo de atuação dos articuladores junto aos NOs. De maneira geral, avalia-se também como importante, para além da divisão territorial, a manutenção do processo organizativo e do trabalho em equipe, pois possibilita a constante reflexão sobre as ações desenvolvidas e a definição de estratégias comuns para as ações dos articuladores. Muito embora a discussão do momento refira-se à formulação de uma nova dinâmica para a equipe dos articuladores, a experiência do Projeto UFSM/Incra aponta para necessidade de uma redefiniçãoclara dos papéis de cada ator que compõe o sistema. Consideramos que seja oportuna a discussão mais ampla acerca dos papéis na atual estru- tura institucional do programa de Ates no RS, em especial o papel da coordenação da Ates (Incra/RS), da coordenação das prestadoras e dos articuladores. Sobre os papéis da coordenação da Ates, para além das questões já abordadas, avalia-se ser necessária, para qualificação do programa, uma atenção especial aos processos de monitoramento e avaliação; a definição
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de uma estratégia clara para a corresponsabilização dos diferentes sujeitos com o Programa; a responsabilização da coordenação das prestadoras na solução dos problemas referentes às equipes técnicas nos NOs; a aproximação e o vínculo das demais ações do Incra/RS com o trabalho da Ates nos assentamentos, como é o caso das ações desempenhadas pelos convênios com a Embrapa, Somar e Leite Sul. No que respeita ao papel das coordenações das prestadoras, é necessário que estas assumam, com maior intensidade, a mediação entre a coordenação da Ates (Incra/RS) e suas equipes nos NOs; estabeleçam um vínculo mais forte na definição dos objetivos e nas orientações de planejamento da Ates; destinem atenção especial à qualificação metodológica e organizativa das equipes técnicas, e assumam maior responsabilização na qualidade das ações desenvolvidas pelas suas equipes nos assentamentos.
REFERÊNCIAS INCRA. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Manual Operacional de Ates 2004a. Norma de Execução n. .39, de 30 de março de 2004a. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 8 maio 2004. Com anexos I, II e III. . Norma de Execução n. 39, de 30 de março de 2004b. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 8 maio 2004. Com anexos I, II e III. . Manual Operacional da Ates 2008: norma de execução n. 78, de 31 de outubro de 2008. Boletim de Serviço do Incra. Brasília, DF, 2008a. 142 p. INCRA. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Balanço 2003-2010. Brasília, 2010. Disponível em: <http://www.Incra.gov.br/ portal/images/arquivos/jornal_Incra_27_01_2011.pdf>. Acesso em: maio 2011.
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INCRA. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Superintendência 11/RS. Projeto Básico visando à licitação para a prestação de serviços de assessoria técnica, social e ambiental (Ates), e elaboração de PDA ou PRA para as famílias assentadas no Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, out. 2008b. 66 p. UFSM. Projeto Básico do Programa de Acompanhamento, Planejamento e Articulação das ações de Assessoria Técnica, Social e Ambiental (Ates) nos projetos de assentamento do Rio Grande do Sul. Santa Maria, dez. 2008. PICCIN, Marcos B.; DALBIANCO, V. P.; TREVISAN, M.; PICCIN, Maurício B. Serviços de Ates e poderes assimétricos em assentamento rural. Cadernos de Ciência e Tecnologia, Brasília, v. 26, n. 1/3, p. 59-92, jan./ dez. 2009.
Documentos Consultados Lei n. 8.666/93, de 21 de junho de 2993 – Lei de Licitações. Lei n. 12.188/2010, de 21 de janeiro de 2010 – Lei da Pnater.
AGENTES DA ATES A Atuação do Projeto Somar na Viabilização de Agroindústrias em Assentamentos Rurais no RS Aline Weber Sulzbacher Paulo Roberto Cardoso da Silveira
Neste texto, a partir de uma contextualização sobre a agroindustrialização dos produtos dos assentamentos rurais de reforma agrária no Rio Grande do Sul (RS), apresentamos a estratégia que vem sendo construída para viabilização desse processo no âmbito do Programa Terra Sol (Ação de Fomento à Agroindustrialização, Comercialização e a Atividades Pluriativas Solidárias). Mais especificamente, buscaremos enfocar a experiência de um grupo de assessoria constituído no RS para potencializar a atuação dos agentes envolvidos na viabilização da agroindustrialização – o Projeto Somar (Sistema de Orientação e Mobilização Assistida com Responsabilidade Técnica).1 O Programa Terra Sol foi criado em 2004 e passou a viabilizar acesso a recursos federais para fomentar a diversificação produtiva nos assentamentos, seja por meio de intervenções no âmbito do processamento, da comercialização ou mesmo pela criação de novas linhas produtivas. O Programa tem por objetivo “propiciar o incremento de renda nos Projetos de Assentamento, através de atividades socioeconômicas sustentáveis, valorizando as características regionais, experiências e potencialidades
1
Outras informações: <http://www.terrasolrs.com/acoes_somar/acoes_somar.html>.
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locais” (Incra, 2008). O Projeto Somar, por sua vez, constituiu-se pela criação de um núcleo de assessoria (a Equipe Somar) para orientação e qualificação de agricultores assentados e agentes de Ates envolvidos em projetos de agroindustrialização dos produtos de origem animal e vegetal nos assentamentos de reforma agrária do Rio Grande do Sul. Esse núcleo de assessoria foi criado a partir de convênio firmado no final de 2008 entre a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e a Superintendência Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra – SR 11) do Estado do Rio Grande do Sul. Uma investigação da história produtiva dos assentamentos revela que mesmo antes dos investimentos do Programa Terra Sol, os assentamentos rurais do RS já contavam com apoio de políticas públicas federais e desenvolviam iniciativas voltadas tanto para produção quanto para processamento e comercialização de forma coletiva. Algumas experiências de investimento no processamento de produtos de origem animal e vegetal constituem referência de iniciativas de desenvolvimento bem-sucedidas, pela significativa organização e capacidade de gestão que alcançaram. Assim, embora o Programa Terra Sol não possa ser considerado o desencadeador da agroindustrialização nos assentamentos do Rio Grande do Sul, ele permitiu um acréscimo significativo nos investimentos dessa natureza. De acordo com o último detalhamento do Programa, estima-se que tenham sido atendidas (direta e indiretamente) cerca de 60% (8.291) das famílias2 assentadas no Estado, identificando-se, atualmente, mais de 20 empreendimentos em fase de construção ou de instituição – frutos desse trabalho – sem incluir nesse montante as ações localizadas (como investimentos em resfriadores e tanques estacionários – equipamentos para qualificação da atividade leiteira). Avalia-se, porém, que esse Progra-
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No Estado do Rio Grande do Sul, de acordo com últimos dados do Incra (2009), há 330 projetos de assentamentos (inclui-se assentamentos estaduais, federais, reassentamentos por atingidos por barragens, particulares), com área total cerca de 286.514 mil hectares e com capacidade estimada em 13.591 mil famílias.
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ma está longe de manifestar todo seu potencial e, por isso, esse trabalho se dedicará a explicitar os “entremeios” – processos intermediários que vêm condicionando o alcance dos objetivos gerais do Terra Sol. A construção do trabalho terá por base as vivências e reflexões da equipe Somar, geradas ao longo do trabalho desenvolvido nos assentamentos, aos grupos familiares, às cooperativas, às lideranças do MST, ao Incra/RS, às prefeituras, à assistência técnica, social e ambiental (Ates), aos representantes dos demais convênios mantidos pelo Incra/RS, dentro do escopo da assessoria prestada aos empreendimentos financiados pelo Programa Terra Sol no Estado do Rio Grande do Sul.
DA INDÚSTRIA PARA A AGROINDÚSTRIA: Concepção dos Projetos Os assentamentos de reforma agrária no RS vêm apostando numa estratégia produtiva diferenciada nos últimos anos. Esse processo nasce a partir do reconhecimento, por parte do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST –, de que a agregação de valor aos produtos agropecuários provenientes dos assentamentos não passa somente pela criação de uma estratégia de processamento e/ou beneficiamento centralizado (com grande aporte de recursos financeiros, tecnológicos e humanos); e de que a unidade de produção familiar, ao se restringir à produção e comercialização de produtos agrícolas “in natura”, acaba por ter comprometida sua reprodução. Assim, o movimento reconheceu que o processamento em pequena escala dos produtos agropecuários, de origem animal e/ou vegetal, pode-se colocar como uma alternativa para a reprodução das unidades familiares e, para tanto, há necessidade de resgatar uma atividade que foi, historicamente, apropriada pela indústria.
234 Cabe iniciar a discussão da temática situando a especificidade do debate sobre a questão das “agroindústrias” nos assentamentos, pois que este está um tanto desconectado do debate que se faz em torno da “agroindústria familiar” no âmbito das políticas de fortalecimento da agricultura familiar. No âmbito das políticas de fortalecimento da agricultura familiar a agroindústria familiar resguarda características que geralmente estão imbricadas com o “saber-fazer” e a “tradição familiar” de processamento ou beneficiamento de determinado produto (Sulzbacher; Silveira, 2009; Sulzbacher; David, 2008; Guimarães; Silveira, 2007; Silveira et al., 2006; Zimermann, 2006). As agroindústrias familiares envolvem, então, o manejo de um conhecimento construído e mantido de forma intergeracional e no qual a coevolução com o agroecossistema permitiu desenvolver técnicas e saberes que possibilitam agregar aos produtos uma característica diferencial ou, em muitos casos, típica àquele território. Poderíamos citar, aqui, muitos exemplos, sendo os mais tradicionais o caso dos queijos, salames, vinhos, cachaça, melado, “cucas”, etc..., considerados produtos típicos deste perfil de empreendimentos. Ao deslocar o debate para a questão da “agroindústria” nos assentamentos rurais, a primeira constatação refere-se à desconexão entre o saber da “agri-cultura”3 e o saber compatível com as estruturas de processamento de alimentos estabelecidas via projetos – geralmente baseadas nas recomendações técnico-científicas da área de tecnologia de alimentos e na legislação sanitária. Deste modo, muitas vezes os projetos de agroindústrias em assentamentos colocam as famílias diante de uma atividade desconhecida por elas, o que acarreta a necessidade de múltiplas aprendizagens: nos aspectos de processar,
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Este termo “agri-cultura” foi utilizado por Balen e Silveira (2002), para fazer referência ao saber construído pelos agricultores em seu fazer agrícola cotidiano. Busca-se diferenciar deste saber daquele introduzido pelo processo de modernização da agricultura baseado na pesquisa agrícola e trazido ao rural pelos agentes externos.
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comercializar e, frequentemente, sendo necessário também aprender a produzir as matérias-primas requeridas, visto que estas, até então, muitas vezes não faziam parte do cotidiano dos assentamentos. Discutir as dificuldades de viabilização das agroindústrias nos assentamentos implica, então, reconhecer que o processo de assentamento geralmente está associado à migração populacional, ao deslocamento de famílias – com um determinado perfil produtivo – para regiões distintas de sua região de origem – em que o conhecimento acumulado pela experiência anterior não pode ser utilizado. Assim, os assentamentos frequentemente estão associados a um distanciamento entre a agricultura das famílias e o agroecossistema local. Um exemplo clássico dessa situação é o das famílias rurais oriundas da porção norte do Estado do RS que, dada a política de aquisição de terras adotada pelo Incra/RS, foram assentadas na porção sul, que apresenta condições agroecológicas totalmente diversas daquelas imperantes no meio em que habitualmente viviam, e onde desenvolveram seu saber ou o receberam como legado intergeracional. A observação do processo de adaptação das famílias assentadas revela que, em muitos casos, as famílias levaram, ao menos, dez anos para se adaptar ao novo ambiente. Frequentemente as famílias, ao chegarem ao novo ambiente, tentam realizar a produção das culturas conhecidas com as práticas agrícolas a que estão acostumadas. Dada a frequente inadequação dessas práticas às condições ambientais dos seus lotes, verifica-se ocorrência de sucessivas frustrações, até que seja reconhecida a necessidade de mudança, de domínio de novas técnicas produtivas.4
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Esse tipo de situação é muito frequente quando as famílias são assentadas em áreas com características agroecológicas aptas à produção de arroz – áreas de várzea, identificandose que, embora não tenham essa tradição, as famílias se veem obrigadas a se dedicar ao domínio das técnicas de produção de arroz dadas as restrições agroecológicas que essas áreas apresentam a outros cultivos.
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Tais considerações revelam a dificuldade de viabilizar um processo de agroindustrialização que tenha conexão com o saber-fazer ou tradição cultural das famílias assentadas. Além das dificuldades relativas ao domínio dos processos técnicos relativos à produção agrícola, outros condicionantes se fazem presentes, influenciando nas possibilidades de sucesso das iniciativas de agroindustrialização. As experiências mostram que deve ser dada especial atenção às restrições impostas pelos condicionantes geográficos, sejam de localização (áreas isoladas e de difícil acesso) ou de aptidão da terra para grande parte das atividades agrícolas ou pecuárias (restrição hídrica, solos arenosos ou pedregosos, etc...) e também às restrições de ordem política (como a falta de coesão política e social em áreas de assentamento). Mesmo com as restrições anteriormente apontadas, entende-se que é fundamental viabilizar a agroindustrialização nos assentamentos como estratégia para garantir a agregação de valor (especialmente às matérias-primas), pelos benefícios esperados em termos de viabilização das unidades de produção familiar e, também, pelos benefícios em termos de segurança alimentar, pois que esta permite ganhar “tempo” entre produção-consumo (fator fundamental quando trabalhamos com produtos altamente perecíveis). Diante do reconhecimento do conjunto de restrições existentes, entretanto, a concepção e, principalmente, a proposição de projetos de agroindustrialização, devem levar em conta a complexidade dos fatores intervenientes. Na trajetória histórica da agroindustrialização no Rio Grande do Sul observa-se que, ciente dessas dificuldades e visando à agroindustrialização, o MST, em suas primeiras propostas de organização produtiva nos assentamentos, idealizou o estabelecimento de unidades agroindustriais para fazer frente às grandes empresas do setor, com investimento em áreas estratégicas (como a região metropolitana de Porto Alegre) e onde as condições políticas permitiam consolidar um processo de gestão condizente. Uma motivação importante nesse caso foi, mais uma vez, a busca por manter um distanciamento do capital agroindustrial, investindo em
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estruturas produtivas que permitissem atender demandas da sociedade e assegurassem um relativo grau de autonomia para as famílias assentadas. Os recursos financeiros necessários aos investimentos eram frequentemente negociados a partir da exploração das possibilidades permitidas pelas emendas parlamentares, por reivindicação de recursos ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) – via Programas Especiais para Reforma Agrária – e pelo acesso a recursos a fundo perdido, concedidos na instalação dos assentamentos por conta dos investimentos destinados ao estabelecimento de estruturas produtivas. Tal conjuntura de acesso a financiamento mudou com a criação do Programa Terra Sol. Tradicionalmente o Terra Sol vinha se colocando como um programa que pensa e viabiliza as infraestruturas necessárias aos processos de diversificação produtiva nos assentamentos, mas esse tipo de atuação mostrou-se insuficiente. A origem de uma proposta de agroindustrialização remete, geralmente, a sua trajetória no âmbito interno ao movimento social, condicionada à especificidade de sua dinâmica organizativa. O movimento, mediante sua estrutura organizacional (liderada pela Coceargs – Cooperativa Central dos Assentamentos de Reforma Agrária do RS), frequentemente estabelece as demandas e as prioridades para cada ano fiscal. As demandas propostas pelo movimento, até a criação do Projeto Somar, eram logo discutidas com o Grupo Gestor do Programa Terra Sol que, então, as avaliava quanto às condições de viabilidade socioeconômica de modo que os projetos passavam somente pelo crivo interno do Incra, com sua aprovação ou refutação. Com a aprovação de determinada proposta pelo Incra/RS, iniciase um processo de negociação com as prefeituras para firmar convênio, envolvendo a negociação das contrapartidas e responsabilidades. Uma vez estabelecidos os acordos necessários, os investimentos passam a ser executados a partir da ação e mediante controle das prefeituras, com supervisão direta do Incra/RS. As determinações legais fazem com que o Incra/RS tenha de repassar os recursos para prefeituras, sendo estas encarregadas de licitar as obras civis e a aquisição de equipamentos.
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Nesse contexto nasceu o Projeto Somar, o qual se consolidou oficialmente ao final do ano de 2008, que se orientou à identificação e resolução dos entraves encontrados no processo de agroindustrialização nos assentamentos.
DIFICULDADES NA INSTALAÇÃO DAS UNIDADES AGROINDUSTRIAIS E AS ESTRATÉGIAS DO SOMAR A partir do entendimento de que muitos dos problemas enfrentados para a consolidação dos empreendimentos agroindustriais estavam associados ao fato de que foram propostas introduzidas a partir de avaliação de agentes externos aos assentamentos, sem atender ao interesse da população beneficiada, o Incra-SR11 buscou assessoria da UFSM, no Departamento de Educação Agrícola e Extensão Rural (Deaer), entrando em contato com professores que vinham desenvolvendo ações na área de agroindustrialização em unidades de produção familiar. O Projeto Somar iniciou suas atividades com as metas de (1) acompanhar os convênios em execução (firmados com as prefeituras); (2) realizar diagnóstico da situação das unidades de processamento já existentes; (3) assessorar as unidades já existentes e aquelas em fase de instalação; (4) elaborar projetos para unidades futuras e (5) formação continuada dos assentados, equipes técnicas, lideranças locais e regionais. Para sua execução, realizou-se seleção pública para compor a equipe Somar, prevendo-se contratação de dois técnicos de nível superior e um de nível médio para as áreas de qualidade de alimentos, planejamento e gestão, comunicação e marketing. Além disso, previu-se a seleção de um quadro de bolsistas (dois de Pós-Graduação e um de Graduação) para dar suporte à equipe.5
5
No decorrer do trabalho foi percebida a necessidade de inclusão de um arquiteto para elaboração das plantas dos empreendimentos e um administrador para atuar na questão da viabilidade econômica dos empreendimentos.
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No trabalho da equipe Somar definiu-se como metodologia orientadora das ações junto aos empreendimentos Terra Sol a construção coletiva do conhecimento em espaços denominados de “Grupos de Trabalho”. Nestes espaços, coordenados pela equipe Somar, reúnem-se as lideranças dos assentamentos, quando se encontram os empreendimentos Terra Sol, os futuros gestores e operadores destes, os profissionais de Ates, os representantes das prefeituras e dos demais convênios de assessoria ao Programa de Ates. Esse convívio com diferentes agentes tem propiciado muitos aprendizados quanto à estratégia de viabilização da agroindustrialização nos assentamentos, a seguir comentados. Um dos pontos trabalhados pela equipe do Somar refere-se à preparação dos projetos de agroindústrias. As prefeituras acabavam operando com projetos deficientes – por desconhecimento da área de agroindustrialização por parte de seus profissionais ou por falta de condições de realizar análises mais criteriosas das propostas recebidas das organizações demandantes, seja Incra/RS ou das Cooperativas filiadas à Coceargs. Nesse contexto, muitos convênios enfrentaram problemas em sua execução devido a deficiências de natureza técnica e legal nos projetos. A constatação dessas deficiências, que ficavam evidentes no decorrer do processo de implantação da proposta, implicava a necessidade de realizar adequações nos projetos de engenharia e/ou equipamentos e acrescentar aditivos de prazo ou de valor aos convênios estabelecidos, devido à defasagem entre investimento projetado e o realmente necessário para legalizar estes empreendimentos. Assim sendo, as prefeituras acabavam por encontrar dificuldades na operação dos convênios – dada a falta de estruturas administrativas com capacidade e agilidade nas esferas municipais, suficientes para assegurar o cumprimento dos trâmites legais relativos aos investimentos e apresentar prestações de contas adequadas. Ainda, problemas frequentes no âmbito da prestação de contas por parte dos poderes públicos municipais diante das instituições federais acabam atrasando o repasse de recursos, com prejuízo para os cronogramas dos investimentos. Diante das dificuldades constatadas na operação do pro-
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Aline Weber Sulzbacher • Paulo Roberto Cardoso da Silveira
grama pelas prefeituras, coube à equipe Somar contribuir para superar um dos “gargalos” do processo. Em 2009, quando se iniciaram as atividades no Projeto Somar, as primeiras orientações foram no sentido de assessorar as prefeituras, na busca de garantir a execução das licitações (da obra e dos equipamentos) tendo em vista a necessidade de encerrar os convênios. Nesse caso houve um investimento total de R$ 1.906.537,64, distribuídos em seis empreendimentos. Destes, quatro estão localizados na porção sul do RS e foram construídos a partir da avaliação interna do movimento e da perspectiva de atender à demanda regional (ou seja, localizaram-se estrategicamente em assentamentos “centrais”). Outra ênfase do Somar nesse mesmo âmbito refere-se ao esforço do Projeto Somar no sentido de qualificar a demanda junto aos beneficiários, fornecendo elementos para que o Incra/RS possa decidir pela concessão ou não de recursos para viabilizar o projeto de instalação do empreendimento agroindustrial. Além de atuar no âmbito mais formal e técnico-burocrático, o Projeto Somar teve uma forte atuação junto as famílias assentadas e suas organizações. A experiência do Somar junto aos moinhos coloniais na região sul do RS permitiu significativos aprendizados sobre as dificuldades e estratégias de viabilização de agroindústrias em assentamentos. A experiência evidencia que, devido às inúmeras dificuldades anteriormente relatadas, entre a aprovação de um projeto, sua instalação e inauguração, decorre algum tempo, que em alguns casos alcança mais de 4 anos. Ainda, a viabilização das estruturas físicas (alicerçadas na concepção de que a infraestrutura é fator essencial e suficiente para o desenvolvimento) não se coloca, de fato, como o fim dos problemas. A partir da finalização das estruturas constata-se a necessidade de dar início a um processo de mobilização nos assentamentos para assegurar a produção de matéria-prima e reverter o clima de desconfiança diante da viabilidade dos empreendimentos.
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A viabilização das agroindústrias requer, então, uma atuação em âmbito de assentamento que, muitas vezes, deve desenvolver-se em meio a uma situação de descrédito, desconfiança e falta de perspectivas para as famílias assentadas. Então, em um segundo momento, o Projeto Somar iniciou a constituição de Grupos de Trabalho,6 a fim de promover um processo de discussão e organização para encaminhamento de ações em torno dos diferentes problemas que condicionam a consolidação dos empreendimentos (planejamento e gestão, do fluxo de produção, das implicações e necessidades em razão das licenças ambientais e sanitárias). É a partir da consolidação do Grupo de Trabalho que são tomadas as decisões estratégicas sobre a gestão dos empreendimentos, em um processo de planejamento participativo.
PROPOSTA METODOLÓGICA DE ORGANIZAÇÃO PARA VIABILIZAÇÃO DE PROJETOS AGROINDUSTRIAIS EM ASSENTAMENTOS A discussão de viabilidade das propostas junto aos assentados é um dos pontos mais delicados do processo de planejamento e gestão dos empreendimentos agroindustriais, inclusive em virtude da expectativa que as famílias criaram em torno da atividade. Num contexto marcado por experiências frustrantes, tanto produtivas quanto de organização social, o empreendimento agroindustrial se coloca como uma nova alternativa e, para que aconteça a adesão efetiva das famílias à proposta, será necessário superar as barreiras do medo e da baixa autoestima. Sendo assim, a “viabilidade” dos empreendimentos passa a ter um importante condicionante socioeconômico do sucesso
6
Os Grupos de Trabalho (GT), nesse caso, são formados a partir da participação das diferentes entidades envolvidas com o empreendimento (Prestadoras de Serviço da Ates, outros convênios do Incra, prefeitura, ONGs, etc.), a comissão do assentamento responsável pelo empreendimento, articuladores de Ates e a Equipe Somar. É no GT que são realizadas as discussões, planejamento, definição de metas, prazos e dos responsáveis. O GT reúne-se mensalmente, ou de acordo com a evolução das discussões.
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das propostas, pois implica a necessidade de reorganização social, de construção de um ambiente de coesão política, de consolidação de um grupo gestor, dentre outros. Diante desse cenário, é preciso tornar o processo de discussão o mais democrático e participativo possível, partindo-se do suposto de que o planejamento é um processo orientado a “antever” as dificuldades e de se organizar para superá-las, para atingir os objetivos e metas pretendidas. A realização de um planejamento participativo requer a adesão a determinados princípios e, também, a seleção de técnicas e ferramentas adequadas ao tipo de trabalho a ser realizado em grupo. Na experiência do Somar a utilização da técnica de moderação com apoio visual móvel mostrou-se muito adequada em diversas circunstâncias (Figura 1 e 2). Figura 1 e 2 – Imagens da sistematização da discussão a partir da metodologia de moderação visual móvel
Fonte: Registros de atividades de campo, Progerama Somar, 2010.
Cabe destacar, também, a importância concedida à reflexão sobre a realidade local, realizada com apoio na ferramenta “Fraquezas x Oportunidades e Fortalezas x Ameaças” (conhecida como Fofa). 7 Esse
7
Trata-se de adaptação de método desenvolvido pelo norte-americano Michael Porter, sendo amplamente empregado na área de planejamento empresarial e também em planejamento estratégico voltado à gestão pública.
Agentes da Ates
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processo é realizado com vistas a que se identifiquem, coletivamente, os pontos de estrangulamento internos e externos, bem como as potencialidades locais. Na discussão da viabilidade econômica do empreendimento, vem sendo utilizada a técnica desenvolvida pela ONG Cooperação e Apoio a Projetos de Inspiração Alternativa (Capina), que propicia que a questão da viabilidade passe a ser discutida de forma ampla. Como lembra o material didático da Capina, busca-se “Na avaliação antecipada das condições que precisam ser cumpridas para que um empreendimento econômico atinja os resultados que dele se esperam”. Além de valorizar a tomada de consciência da situação (por meio da Fofa) e promover a análise da viabilidade socioeconômica, a metodologia do Somar propõe que se discutam amplamente as decisões estratégicas relativas ao circuito espacial de produção em torno do empreendimento, centrando-as nos seguintes pontos: matéria-prima, mão de obra; escala e mercado. A discussão desses pontos tem aspectos delicados e polêmicos, especialmente quando se adentra na questão logística e, por outro lado, eles estão interconectados, de modo que não é possível decidir sobre algo de forma isolada. Na discussão da viabilidade dos empreendimentos, é recorrente e necessária a discussão da questão da escala. Um ponto que geralmente “assusta” as comunidades é o “tamanho da obra”. As estruturas dos empreendimentos são, em muitos casos, superdimensionadas e os equipamentos geralmente não possuem capacidade operacional condizente com a estrutura de produção dos assentamentos. O caso dos moinhos coloniais nos assentamentos da região sul no Rio Grande do Sul é muito típico, pois o moedor tem capacidade de duas sacas de milho por hora (para produção de farinha de milho) e de uma saca de trigo por hora (para produção de farinha de trigo). Como a matéria-prima disponível em termos de sacas de milho e trigo é limitada, as instalações da agroindústria devem ter outras destinações, sendo então
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necessário adequar estes equipamentos de pré-limpeza, de secagem de grãos para que possam ser utilizados, também, para a secagem de outros grãos, como o feijão, milho, pipoca, chás, etc. De qualquer forma, esses ajustes operacionais só serão possíveis após a discussão e planejamento coletivos. As discussões darão as condições mínimas para se iniciar o processo de gestão e, também, o processo de operação, mas haverá necessidade de, progressivamente, ajustarem-se os saberes, as técnicas de operação e as linhas produtivas para que se possa aproveitar plenamente a estrutura disponível. Assim, a questão da escala de produção perpassa por todos os debates, aparece sempre como pano de fundo das decisões e constitui um condicionante da forma de organização social necessária para garantir bom fluxo de produção-processamento-comercialização. Além disso, a escala também é uma questão que recebe atenção especial durante a discussão da viabilidade socioeconômica do empreendimento porque está intimamente condicionada pelas relações que se pretende estabelecer com o mercado. Nesse aspecto, nem sempre os assentados revelam expectativas positivas com relação à comercialização dos produtos. Se lembrarmos que esses empreendimentos estão localizados em regiões interioranas e que há um histórico de frustrações relacionadas a dificuldades de deslocamento e comunicação entre assentamentos e destes com os centros comerciais, torna-se fácil compreender essa postura. Nesse momento, porém, destaca-se a importância do papel do extensionista como mediador, trazendo à discussão o potencial do empreendimento, considerando-se o número de famílias assentadas no entorno8 e as suas demandas em termos de soberania e segurança alimentar dos grupos familiares. Além desse mercado interno, outras possibilidades já se fazem presentes e têm se mostrado alternativas promissoras, como é o caso dos mercados institucionais (Conab e Merenda Escolar), das feiras municipais e regionais, e dos espaços de comercialização gestados pela
8
No município de Canguçu, por exemplo, são 470 famílias.
Agentes da Ates
245
Coceargs – como é o caso da banca dos produtos da Reforma Agrária no Mercado Público de Porto Alegre/RS. A discussão sobre o mercado, no entanto, envolve, também, outras nuances, como a necessidade de consolidação de um padrão de qualidade e as vantagens de se constituir uma articulação em rede entre empreendimentos, posto que são seis unidades na linha de grãos que estão sendo instituídas nos assentamentos no RS. Esse processo já tem sido contemplado nos debates, ainda que de forma incipiente, mas derivando em alguns planos já alicerçados em conjunto.9 Outro ponto que envolve decisões estratégicas é a questão da mão de obra necessária ao funcionamento do empreendimento. Nesse sentido, revela-se a importância da formação continuada, em virtude de que muitos assentados não têm experiência prévia na área de beneficiamento ou processamento das matérias-primas, o que implica muitas dificuldades técnicas na operação dos materiais, equipamentos e, também, na falta de conhecimento sobre a gestão das agroindústrias. Entende-se que a formação deve fazer parte de uma estratégia maior de construção coletiva de conhecimentos e ter como princípios orientadores a valorização de cada um e o respeito à realidade específica de cada região onde se encontra o empreendimento. Apesar das dificuldades, esse processo de discussão e organização social para a viabilização dos empreendimentos agroindustriais nos assentamentos do sul do Estado tem evoluído de forma positiva na medida em que a discussão promoveu a criação de comissão responsável pelo empreendimento. Como os empreendimentos são regionais, essa comissão é composta por duas lideranças de cada assentamento e elas assumem o dever de discutir internamente, em cada assentamento, as questões relativas ao empreendimento e a responsabilidade de difundir o debate realizado no Grupo de Trabalho. São essas lideranças, por exemplo, que fazem o levantamento das famílias interessadas em dedicar uma pequena
9
Principlamente no tocante à compra de embalagens e parceira de comercialização.
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Aline Weber Sulzbacher • Paulo Roberto Cardoso da Silveira
área para produção de matérias-primas voltadas ao empreendimento ou que reúnem os núcleos de base para socializar os debates e tomar as decisões necessárias. A partir da constituição e articulação dessa rede interna, o processo ganha legitimidade e tem como evoluir com base em princípios de democracia e de transparência. No debate sobre produção de matéria-prima, por exemplo, define-se um planejamento e organização da produção para cada estação do ano e para cada cultura que pode atender à linha de produção da agroindústria. Nesse trabalho a ação em parceria com outras instituições, como a Embrapa 10 e as prestadoras de serviço de Ates tem sido fundamental, principalmente pelos aportes que propiciam na discussão sobre custos de produção e sobre as possibilidades de uso dos recursos da unidade de produção familiar.11 Por fim, como apontamento conclusivo, poder-se-ia frisar que todo processo tem seu tempo e seu espaço específico. Assim, entre o papel (mundo das possibilidades) e o avanço concreto há um “sem fim” de desafios, muitos deles imprevisíveis durante o planejamento, mas que estarão concretamente presentes, condicionando a gestão, o fluxo de produção e a operação do empreendimento em seu cotidiano. Por outro lado, participar desse processo de superação de desafios exige do profissional, além da responsabilidade, um compromisso com a causa social e com a sociedade, pois afinal são investimentos públicos e há um
10
Incra/RS tem convênio com Embrapa-RS, intitulado Confie (Convênio Incra-FapegEmbrapa). 11 A título de exemplo, cabe citar caso do Projeto de Assentamentos (PA) Glória, no município de Pedras Altas/RS, onde a pauta de discussão sobre matéria-prima proporcionou aos assentados a oportunidade de comparar custos de produção da lavoura de trigo em sistema de cultivo convencional e com uso de insumos orgânicos, como é o caso de compostos elaborados na propriedade a partir dos resíduos disponíveis. No caso do PA Conquista do Jaguarão, no município de Aceguá/RS, a discussão sobre produção de trigo motivou os assentados a formarem grupos de produção, otimizando uso da infraestrutura necessária para produção e, também, a partir da participação da prefeitura no GT foi possível articular processo em que os assentados que vão produzir para o moinho colonial terão prioridade no atendimento realizado pela patrulha agrícola (conjunto de equipamentos para preparo do solo e plantio de propriedade da administração municipal).
Agentes da Ates
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conjunto significativo de famílias cuja sobrevivência está condicionada à viabilização desta alternativa (empreendimentos financiados com recursos Terra Sol).
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES PERTINENTES EM UM PROCESSO INCONCLUSO A partir do histórico da agroindustrialização nos assentamentos e da análise das ações realizadas no período de 2009 a 2011 pelo Projeto Somar, pode-se observar que o processo de definição e construção dos empreendimentos ainda está relativamente descolado das realidades locais. Em virtude desse descolamento verificam-se descompassos relativos ao tamanho da infraestrutura, sua localização ou conflitos em relação ao papel que esses empreendimentos têm no desenvolvimento regional e sua adequação às condições dos grupos familiares. É nesse complexo cenário que se colocam os desafios de consolidar uma estratégia de agroindustrialização para agregação de valor nos assentamentos, que tem elevado potencial, mas que está longe de alcançá-lo, tendo em vista as questões discutidas aqui. Por outro lado, o Programa Terra Sol do Incra representa, para os assentamentos rurais do Estado do Rio Grande do Sul, a possibilidade de garantir apoio – suporte financeiro e também assessoria técnica – para a construção e consolidação de atividades complementares à atividade agrícola, como é o caso das agroindústrias rurais. Nos últimos quatro anos, o Programa Terra Sol tem ampliado seu leque de ação atendendo às demandas colocadas pelo público assentado, visando à consolidação das estratégias que resultam em agregação de valor, mas que também contribuem para qualificar e aumentar a disponibilidade de alimentos, garantindo a segurança alimentar e nutricional das famílias. Outro aspecto importante do Programa Terra Sol é sua capacidade de articular a produção de alimentos, tanto para subsistência familiar quanto para inserção em cadeias produtivas com orientação comercial, visando a aperfeiçoar uso das estruturas instaladas.
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Há muito para avançar, no entanto. Para além do saldo positivo, temos também várias dificuldades e pontos em que o Programa Terra Sol precisa aprimorar. Nesse caso, pode-se enumerar questões como a necessidade de revalorizar o trabalho cooperativo, de fomentar a organização das famílias assentadas, de consolidar o circuito espacial de produção-processamento-comercialização, de investir em produtos e subprodutos diferenciados, etc. Nesse cenário, uma das propostas que vem se construindo em âmbito institucional são as ações colaborativas. Para que possamos avançar e qualificar a ação do Programa Terra Sol no Estado do Rio Grande do Sul avalia-se que atualmente há necessidade de articular o trabalho de forma que se possam envolver todas as entidades vinculadas e comprometidas com o desenvolvimento dos assentamentos rurais e, portanto, com a reforma agrária. Desta forma, há um desafio de consolidação dos Grupos de Trabalho. A ação colaborativa há de ser construída a partir das contribuições desses atores no processo, mediada pela elaboração de um plano de ação conjunto, que será fruto da interação de diferentes concepções, ações e responsabilidades. Além do mais, está em curso no ano de 2011 um vigoroso processo de formação que tem como linhas centrais a gestão dos empreendimentose a capacitação em Boas Práticas de Fabricação, elementos fundamentais para imprimir um caráter construtivista ao processo de elaboração dos planos de gestão e operação de cada empreendimento, a ocorrer de forma coletiva (espaços que unem os empreendimentos Terra Sol) e nos espaços individuais de cada empreendimento, nos GTs.
REFERÊNCIAS BALEM, T. A.; SILVEIRA, P. R. C. Agroecologia: além de uma ciência, um modo de vida e uma política pública. In: SIMPÓSIO LATINOAMERICANO SOBRE INVESTIGAÇÃO E EXTENSÃO EM SISTE-
Agentes da Ates
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MAS AGROPECUÁRIOS – IESA, 5.; ENCONTRO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE SISTEMAS DE PRODUÇÃO – SBSP, 5., 2002, Florianópolis. Anais... Florianópolis: Epagri, 2002. GUIMARÃES, G. M.; SILVEIRA, P. R. C. da. Por trás da falsa homogeneidade do termo agroindústria familiar rural: indefinição conceitual e incoerências das políticas públicas. In: ENCONTRO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE SISTEMAS DE PRODUÇÃO, 6., 2007, Forteleza. Anais... Fortaleza: SBSP, 2007. INCRA. Instituto de Colonização e Reforma Agrária. Norma de Execução n. 76. Estabelece critérios e procedimentos referentes à implantação de fomento à agroindustrialização, à comercialização e a atividades pluriativas solidárias. Terra Sol, 2008. p. 1-4. Disponível em: <http://www.incra. gov.br/portal/index.php?option=com_documan&Itemid=255>. Acesso em: 10 jun. 2011. SILVEIRA, P. R. C. da et al. O turismo e a recriação das agroindústrias rurais tradicionais. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE TURISMO RURAL E DESENVOLVIMENTO, CITURDES, 5., 2006, Santa Maria. Anais.... Santa Maria: UFSM, 2006. SULZBACHER, A. W.; DAVID, C. de. Alternativas para o Espaço Rural: importância de compatibilizar políticas públicas com saberes locais. In: Campo-Território: Revista de Geografia Agrária, v. 3, p. 14-37, 2008a. SULZBACHER, A. W.; SILVEIRA, P. R. C. da. Os conflitos na gestão das Agroindústrias Familiares Rurais em função das diferentes concepções de risco ambiental. In: ENCUENTRO DE GEOGRAFOS DE AMERICA LATINA, 12., 2009, Montevideo. Anais… Montevideo: Universidad de La República, 2009. v. XII. p. 1-15. ZIMERMANN, S. A. Universo alimentar e qualidade do alimento: uma construção social. Rio de Janeiro: CPDA, 2006.
AGENTES PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA NOS ASSENTAMENTOS RURAIS Jaqueline Mallmann Haas Rodrigo da Silva Lisboa Vinicius Piccin Dalbianco
Os mais diversos levantamentos sobre as condições de vida realizados em assentamentos rurais fornecem evidências de insuficiências, seja na infraestrutura, seja nas condições sociais ou produtivas. Nesse contexto assume grande importância a discussão sobre estratégias de desenvolvimento dos assentamentos. O debate sobre estratégias de desenvolvimento tem enfatizado a importância da coordenação das ações dos diferentes agentes com atuação em um mesmo território. Ao ler as normativas elaboradas pelo Incra observa-se que o Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental (Ates) trata diretamente de questões relativas ao desenvolvimento dos assentamentos, pois visa Prestar assessoria técnica, social e ambiental às famílias dos Projetos de Assentamento criados ou reconhecidos pelo Incra, tornando-os unidades de produção estruturadas, com segurança alimentar e nutricional, inseridas no processo de produção, voltadas para o desenvolvimento rural sustentável e solidário (Incra, 2008, p. 16).
Um olhar mais atento a estes objetivos evidencia que o Incra chama para si a responsabilidade de atuar em favor da consolidação das unidades produtivas dos assentados e do desenvolvimento dos assentamentos.
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Jaqueline Mallmann Haas • Rodrigo da Silva Lisboa • Vinícius Piccin Dalbianco
Ao se levar em conta exclusivamente a perspectiva do Incra delineia-se um cenário em que o desenvolvimento e, especialmente, o acesso aos serviços de assistência técnica e extensão rural parece depender exclusivamente de sua presença, de sua intervenção. Os cenários observados no Rio Grande do Sul (RS) acerca do atendimento às demandas dos agricultores por orientação técnica especializada, no entanto, evidenciaram que existe uma significativa diversidade de agentes atuando nesse âmbito e que, nesse contexto, a organização pública governamental de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) tem importância variável de microrregião a microrregião (Lisboa; Silveira; Diesel, 2010). Nesse contexto o presente texto propõe-se a discutir as seguintes questões: Quem seriam os outros agentes (além do serviço de Ates do Incra/RS) que estariam presentes no espaço dos assentamentos e atuando no âmbito da assistência técnica e extensão rural? Como interferem nos processos de desenvolvimento dos assentamentos? Sua atuação é convergente com a atuação do Incra /RS? Para gerar subsídios à discussão proposta, recorreu-se à realização de um estudo de caso, abordando a realidade encontrada no Núcleo Operacional de Joia, RS, composto por oito assentamentos. A pesquisa envolveu a busca de dados secundários no IBGE e FEE-RS para a caracterização da realidade produtiva da região, pesquisa em Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos (PDAs) e Planos de Recuperação de Assentamentos (PRAs) para identificação dos agentes de assistência técnica e extensão rural presentes nos assentamentos, e acompanhamento aos articuladores de Ates no segundo semestre de 2009 para reconhecimento da realidade local e realização de entrevistas exploratórias com técnicos e assentados.
O MUNICÍPIO DE JOIA E SEU CONTEXTO O município de Joia faz divisa com Eugênio de Castro, Augusto Pestana, Boa Vista do Cadeado, Tupanciretã e São Miguel das Missões. Localizado geograficamente na região do Planalto Rio-Grandense, o mu-
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nicípio encontra-se numa área originalmente caracterizada pela transição entre terras de mata e terras de campo (Piccin, 2007). De acordo com este autor (2007, p. 43), apoiado em Ruckert (1985) e Zarth (1997): [...] essa região pode ser considerada uma espécie de síntese das contradições de ocupação, formação e desenvolvimento do território gaúcho, devido ter ocorrido a implantação de colônias nas áreas de mata, relativo a pequenos lotes de terra destinados aos colonos imigrantes europeus, e de estâncias nas áreas de campo, relativo a grande fazenda pastoril extensiva.
O retrato apresentado por Piccin (2007) pode ser ilustrado com observação do mapa relativo aos sistemas agrários do Rio Grande do Sul (Figura 1) Figura 1 – Mapa dos sistemas agrários do Rio Grande do Sul com destaque ao município de Joia e seus vizinhos
Fonte: SCP-RS.
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Jaqueline Mallmann Haas • Rodrigo da Silva Lisboa • Vinícius Piccin Dalbianco
Conforme ilustra a Figura 1, Joia situa-se numa área de transição entre o sistema agrário das Colônias Novas e o sistema agrário do Planalto.1 De acordo com a estimativa da FEE (2009), o município de Joia abrange uma área total de 1.235,9 Km² e tem uma população total de 8.348 pessoas, alcançando densidade demográfica de 6,75 habitantes por Km². Ao contrário da maioria dos municípios da região, Joia tem aumentado sua população, especialmente no meio rural. O aumento da população rural pode ser considerado uma consequência da instalação de assentamentos rurais, o que também explica o aumento do número de estabelecimentos rurais (FEE, 2009). A matriz produtiva do município de Joia aproxima-se do padrão regional da zona de Planalto. Isso fica particularmente evidente quando são analisados os dados sobre produção agrícola de lavouras temporárias no município, pois, de acordo com o IBGE (2006), a soja, o trigo e o milho em conjunto são responsáveis por 94% do valor da produção das lavouras temporárias, com a soja respondendo por quase 80% desse valor (Tabela 1). Tabela 1 – Valor da produção das lavouras temporárias em reais e em porcentagem para o município de Joia-RS Lavoura temporária
Valor da produção/R$
Participação na produção em %
Trigo (em grão)
14.477.000
10,3
Milho (em grão)
8.353.000
6
108.777.000
77,7
8.381.000
6
139.988.000
100
Soja (em grão) Outros Total
Fonte: IBGE (2006)
1
Maiores detalhamentos de caracterização de cada uma dessas zonas podem ser obtidos mediante consulta a Silva Neto e Basso (2005).
Agentes Privados de Assistência Técnica nos Assentamentos Rurais
255
O leite, outra fonte importante de renda agrícola para essa região, gerou, no ano de 2006, uma renda de R$ 9.048.000,00 para o município de Joia (IBGE, 2006), um montante pequeno em relação ao valor gerado pela soja, mas suficiente para constituí-lo na principal fonte de renda da produção animal.
A MATRIZ PRODUTIVA DOS ASSENTAMENTOS RURAIS DO NÚCLEO OPERACIONAL DE JOIA Composto por oito assentamentos em um só município – Joia –, o Núcleo Operacional de Joia,2 tem 651 famílias assentadas. Para identificação dos agentes privados com atuação no âmbito da assistência técnica realizou-se, inicialmente, uma análise dos PDA e PRAs dos assentamentos com vistas a identificar as características da matriz produtiva de cada assentamento. A Tabela 2 apresenta um resumo dos principais produtos agropecuários dos assentamentos.
2
O Núcleo Operacional refere-se à área delimitada pelo Incra-RS para atendimento por uma mesma prestadora de serviços de Ates. Constitui, portanto, a unidade básica na organizacao dos serviços de Ates, de acordo com o previsto no Manual Operacional (Incra, 2008).
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Jaqueline Mallmann Haas • Rodrigo da Silva Lisboa • Vinícius Piccin Dalbianco
Tabela 2 – Principais produtos agropecuários dos assentamentos do Núcleo Operacional de Joia em 2009 Assentamento
Barroca
Área ha
515,91
Ceres
1.951,66
Novo Amanhecer
Rondinha
973,7
4.193,08
Santa Tecla
Simon Bolívar
Tarumã
1.154,01
1.116,04
1.053,85
Nº famílias
29
120
48
234
98
85
56
Trinta e Um de Maio
759.43
34
Produtos mais produzidos
Famílias inseridas
H a Produção 60kg/sc
Milho Soja
25 29
08 300
200 8.700
Feijão
29
8
100
Leite
24
Milho Soja
110 118
99 955
3.069 25.997
Feijão
55
11
132
Leite
79
Milho Soja
48 48
96 539
3.840 16.170
Feijão Leite
24
2,5
50
36
15.694 31.028 320
Milho Soja
23167
169
413 1014
Feijão
189
56
Leite
175
Milho Soja
50
500
15.000
Nº de animais produzindo leite
Litros L/dia
78
780
562
4.400
252
2.071
1030
9.270
Feijão Leite
14
Milho Soja
83 83
170 250
8.750
560
Feijão Leite
83
21
125
74
Trigo
5
30
900
Milho Soja
56 47
80 450
2.400 10.350
Feijão
56
20
285
Leite
48
Milho Soja
28 33
56 462
1.960 12.012
25
8
125
Feijão Leite
18
288
2.592
164
1.148
Fonte: Elaboração dos autores com base em dados constantes na Planilha resumo dos PDAs e PRAs dos assentamentos de Joia (Emater, 2009a, b, c, d, e, f, g, h).
Notou-se que os produtos mais produzidos nos assentamentos são: soja, leite, milho e feijão. Apesar dos PDAs e PRAs registrarem a presença de hortas e pomares, voltados ao autoconsumo dos assentados, a commodity soja é um componente de destaque entre as lavouras,
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Agentes Privados de Assistência Técnica nos Assentamentos Rurais
pois corresponde disparadamente à maior área plantada em todos os assentamentos do NO, destacando-se, também, no âmbito da geração de renda (Tabela 3). Tabela 3 – Recursos gerados com os principais produtos agropecuários nos assentamentos do NO de Joia, RS Nº de famílias
ha
produção (sc/60kg)
Milho
600
1.018
31.153
Renda bruta (R$)* 436.142,00
Soja
589
5.346
147.029
5.146.015,00
Feijão
443
1.020
81.600,00
Leite
465
136,6 Nº de animais produzindo leite 2.726
Produto
Nº litros/dia 22.684
5.381.779,00
Fonte: Elaboração dos autores com base em dados de Emater (2009a, b, c, d, e, f, g, h) * Baseado em valores médios de mercado
A observação da Tabela 3 evidencia que os outros produtos de lavouras temporárias, considerados em conjunto, não alcançam 1/5 do total do valor gerado pela soja. Assim, destaca-se a inserção do assentamento em linhas e cadeias produtivas características da região, embora seja pequena a contribuição dos assentamentos quando considerado o total de valor gerado com a soja no município. Por outro lado, destaca-se a importância do valor gerado na produção leiteira, praticamente equivalente ao valor gerado pela soja nos assentamentos.
MATRIZ PRODUTIVA E AGENTES PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA NOS ASSENTAMENTOS DE JOIA Para responder à questão central colocada nesse trabalho acerca da presença de outros agentes – além daqueles contratados pelo Incra/ RS – com atuação no âmbito do desenvolvimento dos assentamentos, foi necessário estabelecer uma estratégia metodológica adequada.
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Na consulta aos PDAs e PRAs verificou-se que os seus elaboradores citavam, frequentemente, no item relativo aos agentes que atuavam no apoio à produção, os mesmos agentes que haviam sido mencionados ao se tratar da comercialização da produção. Assim, buscou-se compreender as estratégias de produção e comercialização encontradas nos assentamentos, identificando-se os principais agentes que atuam no “apoio à produção”, e especialmente na assistência técnica. Ademais, avaliou-se que, numa primeira aproximação, seria conveniente agrupálos sob uma mesma categoria, aqui denominada de “agentes privados”, correspondente a todo aquele agente com atuação na assistência técnica que opera nos assentamentos sem subsídio direto por parte do Incra/RS. Assim, os PDAs e PRAs foram reexaminados com vistas à identificação desses agentes. Apresenta-se, no Quadro 1, uma síntese das características da matriz produtiva e identificação de agentes privados atuando em cada um dos assentamentos. Quadro 1 – Sistemas de produção e agentes de assistência técnica privada presentes em assentamentos rurais em Joia, RS Assentamentos Principais sistemas de produção1 Barroca3 Grãos x leite em produção individual com pequena es(29 famílias) cala; leite x grãos em grupos; grãos.
Ceres4 (128 famílias)
Agentes de comercialização da produção2
Para comercialização do leite existem várias empresas tais como: Perdigão, Copermis (Cooperativa Mista dos Pequenos Produtores de Joia) e, também, com sede em Cruz Alta, a CCGL (Cooperativa Central Gaúcha Ltda). Na comercialização dos grãos várias empresas privadas e cooperativas estão envolvidas, entre elas a Agropan, a Marasca, a Campo e Lavoura e a Fazenda Tarumã. Estas mesmas empresas são buscadas pelos assentados para prestarem serviços necessários à realização das atividades agropecuárias nos lotes, ou seja, inclusive para orientação técnica. Leite em escala maior x Grãos; A produção de leite é comercializada junto a Leite em escala menor x grãos; Cooperativas Central Gaúcha Ltda. (CCGL) grãos e autoconsumo. e Coopermis. Já para comercialização de grãos há uma diversidade de empresas compradoras, as quais são vinculadas a grandes grupos oligopolistas de compra.
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Rondinha5
Leite escala maior x grãos; leite em escala menor x grãos; (234 famílias) grãos; leite x grãos x agroindustrialização colonial; pomar comercial; autoconsumo Novo Amanhe- Leite x fumo x grãos; leite x cer6 grãos; fumo x grãos; grãos x gado de corte. Autoconsumo (49 famílias) Santa Tecla7 (98 famílias)
Leite e grãos; soja; autoconsumo.
Simon Bolívar8 Soja x milho; soja x milho x leite; soja x milho x gado corte; (85 famílias) leite x milho; autoconsumo
Tarumã/25 de Novembro9 (55 famílias) Trinta e Um de Maio10
Leite x grãos; policultivo para autoconsumo. Leite x grãos; fumo x e; grãos.
(36 famílias)
grãos
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A comercialização dos produtos ocorre por meio das mesmas empresas que atuam nos assentamentos anteriormente caracterizados.
O fumo é comercializado diretamente com empresas fumageiras da região de Santa Cruz do Sul. A produção de grãos e leite é adquirida pelas mesmas empresas e cooperativas atuantes nos demais assentamentos do município. A produção de leite é comercializada junto a Central de Cooperativas Gaúcha (CCGL) e Copermis. Já a comercialização de grãos ocorre via Cotrijuí, Cocevil, Agropan, Marasca, que também são os fornecedores de insumos e orientações técnicas necessários aos cultivos. Os grãos são comercializados nas cooperativas locais Agropan (Cooperativa Agrícola Tupanciretã Ltda), Cotrijuí ou vendidos para outros compradores da iniciativa privada do município. A produção leiteira é comercializada com a Coopermis e a CCGL. As formas de comercialização, neste assentamento, assemelham-se muito às dos demais assentamentos já caracterizados Com exceção das famílias produtoras atendidas pelas empresas fumageiras, as demais afirmam serem desassistidas, não contarem com assistência para produção.
Fonte: Relatórios de PDAs e PRAs dos assentamentos do NO de Joia, elaborados pela Emater-RS em 2009. Informações baseadas no item “Sistemas de Produção” constante nos PDAs e PRAs consultados, elaborados pela Emater em 2009. 2 Informacoes baseadas nos itens relativos aos canais de comercialização da produção e serviços de apoio à produção, constantes nos PDAs e PRAs elaborados pela Emater em 2009. 3 O assentamento denominado Barroca localiza-se a cerca de 30 km da sede do município de Joia, a sudeste. Criado em dezembro de 1997, com área total registrada de 515,91 hectares. As 29 famílias instaladas são originárias, na sua maioria, da região norte do Estado, especialmente dos municípios de Palmeira das Missões, Planalto e Alpestre. Estas famílias conquistaram seus lotes por meio da organização denominada de Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). 4 O assentamento Ceres foi criado em dezembro de 1996, com área total registrada de 1.951,66 hectares e capacidade de assentamento para 117 famílias, no entanto atualmente residem 128 famílias, com área média dos lotes de 15,25 hectares. Este assentamento está situado a 6 Km ao sudeste da cidade de Joia. 5 Rondinha é o terceiro assentamento a ser caracterizado e está situado cerca de 20 km a sudeste da cidade de Joia. Criado em junho de 1995, a área total registrada do assentamento é de 4.193,08 hectares. 1
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Criado em outubro de 2000, o assentamento Novo Amanhecer localiza-se cerca de 20 km da sede do município de Joia. A área total registrada é de 973,44 hectares, com capacidade de assentamento de 49 famílias, onde hoje residem famílias originárias dos municípios de Arroio do Tigre, Pinhal Grande e de Estrela Velha, desalojados pela construção da barragem Dona Francisca e pertencentes ao Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB. 7 Santa Tecla é o assentamento localizado a cerca de 30 km da sede do município de Joia, ao sul. Criado em 30 de setembro de 1988, com área total registrada de 1.154,01 hectares, com capacidade para assentar 64 famílias. Atualmente residem na área do assentamento 98 famílias, originárias dos municípios de Salto do Jacuí, Espumoso, Ibirubá, Cruz Alta, Campos Borges, Boa Vista do Incra e Quinze de Novembro, também desalojados pela construção de uma barragem. 8 Mais recente e localizado cerca de 14 km da sede do município de Joia, o assentamento Simon Bolívar foi criado em dezembro de 2006 com área total registrada de 1.116,04 hectares. 9 O assentamento Tarumã está localizado a 36 km da sede do município de Joia. Criado em novembro de 2001, com área total registrada de 1.053.85 hectares. 10 Trinta e Um de Maio é o oitavo assentamento que compõe o Núcleo Operacional de Joia, e localiza-se cerca de 38 km da sede do município. Este assentamento, criado em dezembro de 2000, possui área total registrada de 759,43 hectares, com capacidade de assentamento para 36 famílias, com área média dos lotes de 18,8 ha. As famílias assentadas na origem do assentamento vieram de regiões inundadas por barragens, pertencendo ao Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB.
O levantamento realizado evidencia que os assentados encontramse relativamente integrados nos circuitos comerciais regionais, seja nos relativos à produção de grãos, de leite ou de fumo. Cooperativas e empresas privadas ligadas à comercialização de insumos ou agroindustrialização das matérias-primas produzidas pelos agricultores despontam como os principais agentes privados presentes nos assentamentos. Diante desse quadro um aspecto a ser considerado refere-se à cobertura e, em decorrência, possível seletividade social da atuação das empresas privadas e grandes cooperativas com orientação empresarial. Nos dados examinados nos PDAs e PRAs, relativos aos assentamentos, por exemplo, há indícios de diferenças na cobertura de assistência técnica, ressaltando-se o caso do assentamento Trinta e Um de Maio que, segundo informações constantes no relatório, não recebeu serviços de assistência técnica nem das empresas particulares que fornecem os insumos e compram seus produtos e nem das cooperativas – as quais também atuam no fornecimento de insumos ou na compra
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de seus produtos. A hipótese principal para explicar tal fato refere-se a questões de acesso, dada a localização mais afastada desse assentamento em relação à cidade de Joia. Entre as grandes cooperativas presentes nos assentamentos de Joia mencionam-se Agropan – Cooperativa Agrícola Tupanciretã – e Cotrijuí – Cooperativa Agropecuária & Industrial. Estas cooperativas propiciam diversos serviços aos sócios, entre os quais acesso à assistência técnica. Nos assentamentos atua, também, a Coopermis – Cooperativa Mista de Pequenos Produtores de Joia –, que, segundo Frantz e Schonardie (2006), tem um perfil diferenciado, pois surgiu visando a intermediar a relação com grandes empresas e cooperativas no setor leiteiro. Entre as empresas privadas atuantes no espaço local destacam-se a Perdigão (representando um dos maiores grupos industriais do mundo – Brasil Foods);3 a Marasca (grupo com forte atuação regional) e a Agropecuária Campo e Lavoura, entre outras de atuação mais local. O exame da história destas empresas manifesta que algumas vêm perseguindo a estratégia de conquistar a fidelidade de seus parceiros mediante atuação diferenciada e, neste contexto, responsabilizam-se pelo fornecimento de assistência técnica, possivelmente muito valorizada pelos agricultores. No site de uma das empresas, por exemplo, observa-se que: Dedicada inicialmente à produção de sementes e à comercialização de cereais e insumos para a agricultura, a seriedade e a transparência levaram a [empresa] tornar-se, em um curto espaço de tempo, uma referência em qualidade e apoio aos produtores da região, que encontram na empresa uma linha completa de produtos e serviços, atendimento especializado e consultoria técnica. A experiência profissional somada ao aprimoramento pessoal e tecnológico constante levou a uma filosofia única: a importância de se trabalhar e conviver em parceria, onde todos são respeitados e beneficiados.
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O grupo “Brasil Foods” é resultante da fusão entre Perdigão e Sadia e tem diversas divisões como Batavo, Elegê, entre outras.
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A empresa sempre procurou estar à frente no mercado, e desbravou novos caminhos, abrindo filiais dentro de um projeto que busca desenvolver a região e oferecer uma nova opção para os produtores, facilitando-lhes o trabalho e agregando qualidade a suas vidas (texto constante no site na rede web de empresa presente nos assentamentos de Joia).
Revela-se, também, que empresas privadas percebem a si mesmas como agentes de desenvolvimento regional, como declara o trecho transcrito: Assim, procurando praticar um humanismo sadio, onde o econômico e o social caminham juntos, a [empresa] sente-se uma organização promotora do desenvolvimento econômico e geradora de bem-estar social, colaborando para tornar o mundo melhor e para dar à vida uma outra dimensão, certos de que estamos nesse mundo para dividir e promover o bem entre todos. Visando também sustentabilidade a [empresa] preocupa-se com o equilíbrio econômico, social e ambiental (texto constante no site na rede web de empresa presente nos assentamentos de Joia).
A observação do discurso em torno de seus programas de responsabilidade social deixa claro que a empresa tomada como exemplo tem uma atuação diversa, desenvolvendo ações, inclusive, relativas a questões ambientais e de gênero. A partir do exposto compreende-se que a presença de agentes privados no apoio à produção agropecuária nos assentamentos haveria de ser mais bem investigada no futuro porque sua atuação no âmbito da assistência técnica e extensão rural não é bem conhecida. Tradicionalmente estes agentes restringem sua atuação de assistência técnica a um pequeno conjunto de produtos agropecuários de seu interesse – deixando a descoberto a assistência técnica aos cultivos e criações de autossustento, por exemplo. Existem, contudo, evidências que apontam que, sob certas circunstâncias, essas empresas podem ampliar seu campo de atuação – como revelado pelo discurso da empresa privada mencionada anteriormente. Por outro lado, cabe reconhecer que mesmo a lista apre-
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sentada nos PDAs e PRAs pode ser restrita, uma vez que outros agentes públicos e privados também podem estar eventualmente presentes nos assentamentos para desenvolvimento de ações pontuais de caráter social ou ambiental.
A ATUAÇÃO GOVERNAMENTAL DE ATES EM JOIA A luta social que deu origem à maioria dos assentamentos do NO de Joia foi muito intensa, o que resulta na manutenção, até hoje, de uma forte organicidade política das famílias. Esse fator, na maioria das vezes, favorece significativamente o trabalho da prestadora de serviços de Ates, principalmente as atividades que implicam a mobilização de coletivos sociais, de capacitação e formação nos assentamentos. Na trajetória recente da assistência técnica nos assentamentos do NO destaca-se a importância que, historicamente, teve a Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos (Coptec)4 que vinha atuando nesses assentamentos mediante convênio com o Incra/RS. Com a licitação pública, que acompanhou a substituição da modalidade convênio por contrato, a Emater passou a ser a prestadora de serviços responsável pela instituição do Programa de Ates nesse NO, a partir do final de 2008. Como era de se esperar, no primeiro semestre do ano de 2009 a prestadora enfrentou grandes dificuldades na execução das metas da Ates nesse NO por se tratar de uma empresa com técnicas e metodologias diferenciadas das praticadas até então pela Coptec. De acordo com relatos dos técnicos dessa equipe, colhidos em entrevista
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A Coptec foi criada em 1996 para atender às demandas de assistência técnica aos assentamentos de reforma agrária do projeto Lumiar. Sua coordenação é ligada à organização política dos assentados. Tem como principal característica o alinhamento político/ ideológico e a aproximação das demandas e planejamento elencados pelas famílias assentadas.
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em 2009, esta dificuldade inicial foi superada e a integração com os assentados pode ser considerada adequada para o desempenho dos trabalhos da Ates. O trabalho desenvolvido pela Emater balizou-se, em 2009, pelas metas estaduais que determinavam as ações a serem realizadas nos assentamentos. Embora em 2010 houvesse certa flexibilização das metas, somente em 2011 pôde-se definir, no NO, parte das metas a serem perseguidas pelo serviço de Ates. Além do cumprimento das metas estabelecidas no contrato de Ates com o Incra, a Emater desenvolve trabalhos em parceria com outros agentes que atuam no sistema de informação e conhecimento na região. Nesse sentido, é comum que a prestadora realize atividades de capacitação para os assentados de Joia conjuntamente com cooperativas e com os escritórios da empresa de outros municípios. Da mesma forma, tem sido uma prática da Emater de Joia a realização de atividades nos assentamentos em parceria com a Embrapa, entidade que possui convênio firmado com o Incra/RS com o objetivo de promover a transferência de tecnologias e capacitação de assentados (as) e de técnicos que atuam na Ates.
AGENTES PÚBLICOS E PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA: Atuações Complementares? Ao iniciar uma reflexão sobre a presença de agentes privados de assistência técnica em assentamentos cabe considerar que o caso do NO de Joia pode não ser muito representativo. Isso por que, diante da heterogeneidade de condições dos assentamentos no RS, o NO de Joia consistiria num dos assentamentos com maior identificação com a produção de commodities que resulta em maior predisposição à presença
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de agentes privados com interesses comerciais. 5 De qualquer modo, os indícios de presença de agentes privados apontam para a oportunidade de conhecer melhor a configuração institucional da assistência técnica nos demais assentamentos rurais, de diferentes regiões do Estado e, inclusive, identificar os agentes que têm atuação nos campos social e ambiental. Um segundo apontamento remete ao fato de que as evidências reunidas no presente estudo revelam que as prestadoras de serviços de Ates, contratadas pelo Incra/RS, não atuam num contexto livre de outras influências, pois se comprova a presença de agentes privados atuando no âmbito da assistência técnica aos assentados no NO de Joia. Assim, seria oportuno investigar em que medida a atuação desses outros agentes favorece ou dificulta o trabalho da Ates. Ao analisar-se a interação entre agentes de orientação técnica e, sobretudo, a existência de convergências em suas propostas identifica-se um quadro de possíveis conflitos, como será exposto. Entende-se que, geralmente, os assentados enfrentam restrições de diversas naturezas, de modo que seu comportamento produtivo pode ser explicado mais pelas restrições que enfrentam do que pelas opções que fazem. No caso da importância dada à soja, por exemplo, ela pode ser explicada pela maior facilidade que os assentados têm de escoar sua produção, pois a comercialização da soja não implica a necessidade de atuar no sentido de criar mercados, pois que podem ser explorados os já existentes. Além disso, inserir-se em cadeias estruturadas em âmbito regional – como é o caso da soja – favorece o acesso a insumos, maquinários e serviços e, inclusive, à orientação técnica privada. Esse conjunto de fatores pode influenciar significativamente a tomada de decisão de famílias assentadas, reforçando a configuração produtiva atual do espaço agrário dos assentamentos. Ou seja, atores privados agem nos espaços
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Reflete, assim, a configuração regional que aponta a microrregião de Ijuí como uma das de maior cobertura da orientação técnica especializada (índices superiores a 60% de cobertura) com forte atuação de cooperativas.
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dos assentamentos, facilitando acesso a insumos e fornecendo orientação técnica “casada” à comercialização da produção de soja, o que influencia diretamente no sentido de reforçar a matriz produtiva adotada. Em contrapartida, tanto o movimento social que dá origem ao assentamento quanto a prestadora de serviços para o Incra/RS reconhecem os limites de viabilidade econômica, para as famílias assentadas, de uma estratégia produtiva centrada na produção especializada de commodities – como a soja – em pequena escala. Como no caso da Ates esta haveria de trabalhar – por princípio – com o intuito de promover a viabilidade econômica, a segurança alimentar, nutricional e a sustentabilidade socioambiental dos assentamentos, teria de elucidar os limites da produção de commodities, opondo-se aos interesses dos agentes privados. Além disso, faz parte do projeto educativo da Ates ressaltar os limites do modelo tecnológico da agricultura industrial e a potencialidade da agroecologia no alcance de um desenvolvimento sustentável. Em contrapartida, os principais agentes privados têm interesse na manutenção do padrão tecnológico vigente. Se considerarmos que atores públicos e privados têm interesses distintos, os dados relativos à matriz produtiva evidenciam a disputa que se estabelece com a lógica do mercado – assumida pelos atores privados – de produção de commodities, como a soja. Tais constatações trazem implicações para a discussão em torno da oportunidade de utilizar o referencial pluralista para balizar a constituição dos sistemas de Ates. Segundo o referencial pluralista, sistemas maduros de extensão são caracterizados por uma diversidade de agentes, cada qual atuando num nicho. Pressupõe-se, assim, atuações complementares ou convergentes e não a disputa de orientações entre os diferentes agentes, como se verifica no caso analisado.
REFERÊNCIAS EMATER-RS-ASCAR. Plano de Desenvolvimento do Assentamento Simon Bolívar. Joia, setembro de 2009a. Arquivo digital.
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EMATER-RS-ASCAR. Plano de Recuperação do Assentamento P.A. Santa Tecla. Joia, setembro de 2009b. Arquivo digital. EMATER-RS-ASCAR. Plano de Recuperação do Assentamento Barroca. Joia, setembro de 2009c. Arquivo digital. EMATER-RS-ASCAR. Plano de Recuperação do Assentamento Novo Amanhecer. Joia, setembro de 2009d. Arquivo digital. EMATER-RS-ASCAR. Plano de Recuperação do Assentamento Trinta e Um de Maio. Joia, setembro de 2009e. Arquivo digital. EMATER-RS-ASCAR. Plano de Recuperação do Assentamento Tarumã. Joia, setembro de 2009f. Arquivo digital. EMATER-RS-ASCAR. Plano de Recuperação do Assentamento Rondinha. Joia, setembro de 2009g. Arquivo digital. EMATER-RS-ASCAR. Plano de Recuperação do Assentamento Ceres. Joia, setembro de 2009h. Arquivo digital. FEE. FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA. Estimativa da população por município e situação de domicílio Rio Grande do Sul. 2009. Disponível em: <www.fee.tche.br/sitefee/pt/content/estatisticas/pg_populacao_tabela_03.php?ano=>. Acesso em: maio 2010. FRANTZ, W.; SCHONARDIE, P. A. A organização cooperativa como caminho de resistência à exclusão social: Limites e possibilidades. Esac, Economia Solidária e Ação Cooperativa, v. 1, n. 1, p. 5-12, jul./dez. 2006. IBGE. Censo Agropecuário 2006. Resultados preliminares. Disponível em: <ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Agropecuario_2006>. Acesso em: abr. 2010. INCRA. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Manual Operacional de Assessoria Técnica, Social e Ambiental à Reforma Agrária – Ates. Brasília: MDA; Incra, 2008.
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PARTE4
REFLEXÕES EM TORNO DO MÉTODO E DA PROPOSTA DA ATES PARA O DESENVOLVIMENTO DOS ASSENTAMENTOS
TRANSIÇÕES METODOLÓGICAS Atuação Extensionista na Elaboração dos PDA e PRA na Ates do RS Vivien Diesel Jaqueline Mallmann Haas
Vários textos desta obra tratam do sentido e dos desafios da adequação da estrutura institucional para viabilizar o acesso dos assentados da reforma agrária a serviços públicos de assessoria técnica, social e ambiental (Ates). Este texto aborda de uma questão distinta, uma vez que se refere aos desafios implicados na transição metodológica da ação extensionista na promoção do desenvolvimento. A mudança na orientação metodológica é considerada, atualmente, um requisito para o alcance de um desenvolvimento verdadeiro, tendo em vista que a ação extensionista tradicional tem caráter heterônomo, reforçando processos de desenvolvimento exógenos, que não consideram a realidade local, não correspondem às aspirações e não favorecem a participação das pessoas na construção de sua história. Uma nova ação extensionista deveria contribuir para processos de desenvolvimento endógenos, em que as ações a serem promovidas em nome do desenvolvimento corresponderiam às necessidades, aspirações e projeto de futuro das pessoas no lugar onde vivem. Uma nova ação extensionista requer, portanto, que se investigue e aplique formas de viabilizar a participação das pessoas no planejamento do desenvolvimento.
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A incorporação das pessoas no planejamento do desenvolvimento do lugar onde vivem representa uma mudança em relação aos procedimentos tradicionais de planejamento do desenvolvimento, pois que se considerava que essa seria uma atribuição de especialistas. Atualmente preceitua-se que os protagonistas sejam as pessoas do lugar, mas o envolvimento das pessoas nesse processo frequentemente não ocorre de forma espontânea, razão pela qual requer-se o trabalho de um agente de desenvolvimento, de um extensionista. No mais das vezes os extensionistas foram formados na velha ótica – de que o planejamento do desenvolvimento é atribuição de especialistas –, assim a mudança na orientação metodológica na atuação extensionista é uma necessidade para que o protagonismo da ação em prol do desenvolvimento seja das pessoas implicadas, e não do extensionista. Uma mudança na atuação extensionista requer tanto a incorporação de novos princípios quanto a utilização de novas referências operacionais. A realização de uma transição metodológica implica, assim, a formulação de novas concepções e um processo de aprendizagem constante em sua tradução operacional. Desde que se reconheceu a necessidade de adotar novas abordagens no planejamento do desenvolvimento, discutem-se como haveria de ser a atuação extensionista e, dessa discussão, deriva a proposição de novos modelos de referência operacional. Os diagnósticos são considerados momentos essenciais no desencadeamento dos processos endógenos de desenvolvimento, pois que são momentos nos quais as pessoas devem reconhecer suas necessidades e aspirações, considerando a desejabilidade, possibilidades e viabilidade de contemplá-las. Assim, muitas das novas referências operacionais propostas referem-se ao processo de diagnóstico. O presente texto busca identificar os avanços na transição metodológica na atuação extensionista na Ates, abordando esta problemática no âmbito da construção dos Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos (PDAs) e dos Planos de Recuperação dos Assentamentos (PRAs). Após
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uma sucinta contextualização sobre a evolução das referências adotadas na intervenção do Estado no planejamento do desenvolvimento e do desenvolvimento rural, especificamente, exploram-se as novas concepções e as traduções operacionais que vêm sendo adotadas para reorientar a ação extensionista na realização de estudos da realidade – diagnósticos. Por fim, descreve-se e discute-se a experiência do Incra/RS com a elaboração dos PDAs e PRAs com foco na realidade observada na região central do Rio Grande do Sul (RS) no ano de 2009.
VELHOS E NOVOS MODELOS DE INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO A ideia de que o planejamento do desenvolvimento é tarefa de especialistas vem de longa data, representando as grandes expectativas que a sociedade colocava na ciência. Quando a promoção do “desenvolvimento econômico” passou a constituir o objetivo da intervenção estatal no Brasil do pós-guerra, por exemplo, buscou-se colocar o conhecimento dos especialistas a serviço do mesmo, configurando o modelo de planejamento tecnocrático, que se manifestou numa infinita proliferação de planos, programas e projetos, de alcance geográfico e abrangência temática dos mais variados: de local passando a regional e nacional, ou de setorial a integrado. Nos processos tecnocráticos de planejamento os estudos de realidade, componente principal dos “diagnósticos”, constituiriam o ponto de partida de qualquer iniciativa de intervenção. Classicamente, os diagnósticos tendiam a requisitar estudos de realidade muito abrangentes, tendo em vista que se considerava a qualidade da proposta de intervenção altamente dependente da profundidade no “conhecimento científico da realidade”. A forte influência da orientação tecnocrática, aliada à disposição de maior intervencionismo nos processos de desenvolvimento resultou no surgimento de “indústrias de diagnósticos e de planos de desenvolvimento”.
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Esta orientação geral, relativa ao padrão de intervenção do Estado nos processos de desenvolvimento, teve sua legitimidade política fortemente abalada na década de 80 do século 20. No caso brasileiro, durante a década de 80 vários fatores contribuíram para a perda de legitimidade do padrão intervencionista até então adotado, destacando-se o forte questionamento sobre a adequação da trajetória de desenvolvimento perseguida desde o pós-guerra diante das evidências de endividamento externo e recessão econômica. Entre as alternativas apresentadas na época mencionam-se a proposta de reduzir a intervenção do Estado por sua incapacidade de planejar e gestionar o desenvolvimento e, uma segunda alternativa, a proposta de adoção de estratégias para assegurar a legitimidade da atuação do Estado, o que requeria democratização e descentralização. Como fruto da mobilização política em prol da democratização – que se fortaleceu ao longo da década de 80 – a Constituição Federal de 1988 incorporou princípios de participação popular na gestão pública, remetendo à esperança de que a democracia viesse acompanhada de um desenvolvimento mais justo – atendendo aos interesses nacionais e beneficiando a maioria da população brasileira, e não só as elites. Desde então a participação passou a ser perseguida, com maior ou menor ênfase, com introdução de novas formas de elaboração de propostas (projetos e programas) de desenvolvimento.
NOVOS E VELHOS MODELOS DE INTERVENÇÃO EXTENSIONISTA NO PLANEJAMENTO DO DESENVOLVIMENTO RURAL O planejamento, dentro da tradição tecnocrática do Estado intervencionista, preconiza a participação de especialistas (cientistas) no estudo da realidade e elaboração de propostas de desenvolvimento. Desse modo, pressupõe uma separação entre o formulador da proposta de desenvolvimento (os especialistas), o seu executor (os técnicos per-
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tencentes às organizações públicas governamentais vinculadas ao poder Executivo) e o beneficiário. Esse padrão de intervenção pode ser considerado tecnocrático e foi seguido, por exemplo, na atuação do governo brasileiro no âmbito da promoção do desenvolvimento agrícola e rural. Assim, especialmente durante as décadas de 60 e 70 foram elaborados diversos planos e programas, de caráter acentuadamente tecnocrático, para o desenvolvimento da agricultura e do meio rural. As organizações públicas governamentais de extensão rural foram tratadas, nesse contexto, como órgãos executivos das propostas de desenvolvimento agrícola e rural elaboradas em outras instâncias do governo federal. O texto a seguir é ilustrativo das implicações dessa orientação para as ações da extensão rural: Assim, na ação planejada para o desenvolvimento, que constitui tarefa do poder público, insere-se o Planer [Plano Nacional de Extensão Rural], entendido como a ordenação de um trabalho de natureza educativa que se realizará através da assistência técnica, econômica e social, para promoção do homem e sua integração no processo. Na execução desse trabalho, o Sistema de Extensão Rural levará ao meio rural programas de governo, como agente da preparação do povo para o desempenho da parte que lhe cabe no processo de desenvolvimento, contribuindo para a formação de uma consciência ativadora deste processo.1
O fragmento transcrito revela que os extensionistas desempenhavam um papel de executores dos planos e programas elaborados pelo governo federal e, do povo, esperava-se que cumprisse a parte que lhe cabia no processo de desenvolvimento. Muitas das propostas do governo para a agricultura visavam a assegurar que esta cumprisse seu papel de fornecedora de matériasprimas, alimentos baratos e bens exportáveis e, por isso, estimulava-se o aumento da área plantada de produtos selecionados e aumento da
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Excerto de artigo publicado na página 15 da revista intitulada “Extensão Rural”, edição ano iii e n. 36 de dezembro de 1968.
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produtividade via modernização tecnológica – entendida como incorporação de inovações geradas pelas organizações de pesquisa agrícola. Como o extensionista teve um papel de destaque tanto no estímulo para adoção quanto no ensino das novas tecnologias, ficou conhecido como “difusor de tecnologia”.2 Essa forma de atuação centrada na execução dos planos de governo e difusão de tecnologia foi questionada no início da década de 80, em consonância com as reivindicações pela democratização da sociedade. Paulo Freire sintetiza a crítica ao caracterizar a ação extensionista difusionista como prática de dominação cultural e não de libertação, como seria desejável.3 O reconhecimento da pertinência da crítica de Paulo Freire deu origem a um processo conhecido como “repensar da extensão rural” que, entretanto, teve influência institucional limitada por mudanças de conjuntura política. Desde o final da década de 80 até meados dos anos 2000, o governo federal restringiu sua intervenção no desenvolvimento agrícola e rural por meio da extensão rural.4 Em meados dos anos 2000, quando a extensão rural volta a ser valorizada pelo governo federal, formula-se a Política Nacional de Ater (Pnater), a qual revela plena disposição à valorização da ampla participação popular nos processos de planejamento do desenvolvimento,5 como se evidencia no seguinte excerto:
2
Com atuação inspirada na teoria de Difusão de Inovações (Rogers, 2003). Esta questão encontra-se abordada na obra “Extensão ou Comunicação” (Freire, 1983). 4 Referimo-nos, aqui, especialmente à extinção da coordenação nacional da extensão rural – que promovia o “repensar extensionista”. 5 O interesse em se reverter a orientação metodológica da extensão no Brasil segue uma tendência internacional que, segundo Packham (2001, p.19), deve-se a diversos fatores, entre os quais a preocupação com a questão da segurança alimentar mundial, com a formação de capital social nas zonas rurais; a necessidade de repensar a evolução agrícola, extensão rural e suas práticas pelo reconhecimento de que a ciência e a tecnologia não podem fornecer as respostas para todos os problemas, especialmente questões de sustentabilidade no longo prazo; pela mudança de paradigma quanto à forma como a 3
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[...] os serviços públicos de Ater (realizados por entidades estatais e não estatais) devem ser executados mediante o uso de metodologias participativas, devendo seus agentes desempenhar um papel educativo, atuando como animadores e facilitadores de processos de desenvolvimento rural sustentável. Ao mesmo tempo, as ações de Ater devem privilegiar o potencial endógeno das comunidades e territórios, resgatar e interagir com os conhecimentos dos agricultores familiares e demais povos que vivem e trabalham no campo em regime de economia familiar, e estimular o uso sustentável dos recursos locais. Ao contrário da prática extensionista convencional, estruturada para transferir pacotes tecnológicos, a nova Ater pública deve atuar partindo do conhecimento e análise dos agroecossistemas e dos ecossistemas aquáticos, adotando um enfoque holístico e integrador de estratégias de desenvolvimento, além de uma abordagem sistêmica capaz de privilegiar a busca de eqüidade e inclusão social, bem como a adoção de bases tecnológicas que aproximem os processos produtivos das dinâmicas ecológicas (Brasil, 2004, p. 6).
A TRADUÇÃO DE PRINCÍPIOS DE PARTICIPAÇÃO EM ORIENTAÇÕES OPERACIONAIS PARA O DIAGNÓSTICO NO PLANEJAMENTO DO DESENVOLVIMENTO Desde que a democratização passou a ser valorizada nas intervenções em prol do desenvolvimento, discutem-se as formas de viabilizar a participação popular. No âmbito do planejamento do desenvolvimento, por exemplo, verifica-se profunda e sustentada renovação nas concepções e nos modelos de referência operacionais para a realização de diagnósticos que se distinguem entre si quanto ao grau de sistematicidade preconizado e distribuição de poder entre as partes envolvidas.6
sociedade confere sentido ao mundo, com emergência de uma perspectiva multidisciplinar (construtivista), valorização de abordagem holística (sistêmica) e mudança para uma abordagem de aprendizagem. 6 Recorremos a esses critérios de distinção das metodologias de diagnóstico para facilitar a presente exposição.
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Um dos autores que tem trabalhado na análise das renovações teórico-metodológicas nos diagnósticos em iniciativas de desenvolvimento rural é Robert Chambers e, por isso, este autor será tomado como referência básica na caracterização das referências operacionais para realização de diagnósticos.7 A questão do grau ótimo de sistematicidade na realização de diagnósticos para fins de elaboração de propostas de desenvolvimento foi amplamente discutida por Chambers em textos da década de 80 e início de 1990. Entende-se que o autor procurou explicitar os prejuízos de abordagens extremas (muito sistemáticas e assistemáticas), defendendo a oportunidade de se adotar postura intermediária – que dá origem as propostas de metodologias e RRA (“Rural Rapid Appraisal”), ARR (Avaliação Rural Rápida) ou DRR (Diagnóstico Rural Rápido). Para Chambers (1995), o estudo da realidade mediante a aplicação de questionários exaustivos e sua posterior análise estatística seria característico da orientação de máxima sistematicidade e não é considerada uma estratégia recomendável do ponto de vista da eficiência, tendo em vista que há tendência a que o questionário seja excessivamente extenso (buscando contemplar a diversidade de aspectos da realidade considerados relevantes) de modo que, frequentemente, se é aplicado não chega a ter dados colhidos totalmente registrados, se os dados são registrados, no mais das vezes não são analisados ou interpretados e se isso é feito, demora-se tanto para se chegar a um produto que se perde a oportunidade da intervenção pela mudança de conjuntura. Além disso, muitas vezes os questionários geram visões errôneas da realidade local (Chambers, 1995). O extremo oposto à máxima sistematicidade estaria representado pela prática comum do “turismo do desenvolvimento rural”. Chambers e Guijt (1995) caracterizam e expõem os limites desse método. Segundo
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Referimo-nos aqui, particularmente aos trabalhos do autor mencionados nas referências bibliográficas: Chambers (1994a, 1994b, 1995, 2007) e Chambers e Guijt (1995).
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os autores: “Os técnicos de fora recolhiam a informação sobre a realidade rural, visitando localidades próximas aos centros urbanos e às estradas principais, muitas vezes em áreas de projetos bem-sucedidos, durante a época mais próspera do ano, conversando com os agricultores mais prudentes, quase sempre com os homens.” Tendo em vista esses procedimentos o principal limite desse método – especialmente das visitas rápidas ao campo – é seu viés antipobreza. Diante dos limites das estratégias extremas, propõe-se um método com grau de sistematicidade intermediário. Esse método apresenta-se como resultado de um esforço de identificação de estratégias que assegurassem a geração de informações válidas e confiáveis, superando os vieses dos métodos “rápidos” – a exemplo do “turismo do desenvolvimento rural” e que improvisassem e adaptassem em favor da “oportunidade e da rentabilidade”. A validade e confiabilidade do conhecimento da realidade gerado seriam garantidas pelo fato de o pesquisador adotar uma série de controles do seu comportamento durante a investigação. Esses controles visariam a evitar que se incorresse nos vieses típicos dos métodos assistemáticos. Buscava-se, assim, propor um método que permitisse geração de informações “suficientemente exatas”, de forma “rápida”. Trabalhava-se com a perspectiva de alcançar “um nível de ignorância ótimo” – propiciando um conhecimento nem tão detalhado como aquele gerado pelos questionários convencionais e nem tão superficial e enganador como aquele oriundo do “turismo de desenvolvimento rural”. Uma outra característica distintiva desse método é a valorização do conhecimento das pessoas do lugar: As deficiências [...do turismo do desenvolvimento rural] ajudaram muitos pesquisadores e profissionais de desenvolvimento a reconhecer que nós, como agentes externos à comunidade para a qual se pretende alcançar o desenvolvimento e nossa confiança em nossos próprios conhecimentos, constituímos a maior parte do problema e que a população local, com seus conhecimentos, é o fundamento da solução (Chambers; Guijt, 1995).
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A ampla aceitação e permanente adaptação desses princípios gerou uma “família de métodos”, reunidos sob o rótulo de métodos de avaliação rural rápidos, e distintos quanto a sua ênfase e abrangência temática, por exemplo. Uma análise mais apurada desses métodos rápidos revela que eles se diferenciam pela maior ou menor sistematicidade em relação ao diagnóstico tradicional, mas não modificam substancialmente as relações entre os agentes envolvidos, pois que mantêm o técnico – especialista – como protagonista na geração de conhecimentos sobre a realidade. No processo de permanente busca de referências operacionais mais coerentes com os princípios da democratização, alguns agentes de desenvolvimento rural propuseram estratégias de incorporação da população nos processos de diagnóstico, dando origem a uma família de métodos de diagnóstico “participativos”.8 Num esforço de sistematização distinguem-se dois grandes grupos de diagnósticos participativos: diagnósticos ao estilo PRA (Participatory Rural Appraisal – frequentemente considerado equivalente ao DRP – Diagnóstico Rural Rápido) e diagnósticos ao estilo PLA (Participatory Learning Appraisal – aqui considerado equivalente aos processos de Aprendizagem Participativa). Os DRPs são resultantes dos esforços por promover o envolvimento da população nos processos de diagnóstico. Chambers e Guijt (1995, grifo nosso) esclarecem: No final dos anos 1980, o DRP começou a evoluir na busca de enfoques práticos para a investigação e planejamento que pudessem prestar apoio a um planejamento mais descentralizado e uma tomada de decisão mais democrática, valorizando a diversidade social, trabalhando para a sustentabilidade, aumentando a participação e reforçando o poder da comunidade. O DRP pode ser descrito como um conjunto crescente de enfoques e métodos para permitir que a população local partilhe, aperfeiçoe e analise seus conhecimentos sobre sua vida e condições
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Como nem sempre a população foi incorporada da mesma forma no diagnóstico e como se geraram referências específicas para trabalhar com diferentes temáticas, pode-se afirmar que foi gerada uma ampla família de métodos de diagnóstico participativo.
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com o fim de planejar e agir. Na maioria dos casos, o uso do DRP se inicia com a participação de profissionais externos. Mas, quando bem utilizado, o DRP pode capacitar a população local (rural ou urbana) para empreender seu próprio diagnóstico, análise, ação, seguimento e evolução.
Chambers apresenta o DRP como uma metodologia que inverte a posição dos atores tradicionalmente participantes de um diagnóstico. Enquanto num diagnóstico tradicional quem aprende sobre a realidade é o agente externo – especialista –, em um DRP quem aprende é o agente local (o agricultor ou assentado). Ou seja, tomando-se Chambers e a proposta do DRP como referência, considera-se que se busca estabelecer um protagonismo da população local nos processos de diagnóstico e planejamento do desenvolvimento, cabendo ao extensionista o papel de animação e facilitação. A singularidade dos diagnósticos participativos estaria, então, em sua possibilidade de unir geração de conhecimento (sobre a realidade), formação/aprendizagem da população local e, simultaneamente, mobilização para a ação. Cabe destacar que, para muitos, a proposta de DRP mostrava-se insuficiente. As motivações para tais insatisfações deviam-se ao fato de que o DRP refere-se unicamente a um momento nas intervenções em prol do desenvolvimento – de diagnóstico. Entendeu-se que a radicalização democrática requeriria que as pessoas do lugar tivessem controle sobre todo o processo de desenvolvimento e aprendessem com sua experiência. Com base nessa compreensão constituiu-se a proposta da “Aprendizagem Participativa”,9 em diálogo com a tradição da pesquisaação. Trata-se, então, de incentivar grupos de autogestão que se constituirão como comunidades de aprendizagem sobre o desenvolvimento, para que descubram seus próprios desafios, metas e objetivos.10
9 10
A proposta é também conhecida como “Participatory Learning Appraisal”. Trata-se de estratégias que procuram avançar no inter-relacionamento entre conhecimento e ação, dando origem aos métodos de diagnóstico e aprendizagem por meio da ação. Recupera-se, assim, uma tradição da pesquisa-ação (Thiollent, 1985).
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AS TRADUÇÕES DOS PRINCÍPIOS DAS METODOLOGIAS PARTICIPATIVAS PELO INCRA – ORIENTAÇÕES PARA REALIZAÇÃO DOS DIAGNÓSTICOS NOS PDAS E PRAS A concepção do Programa de Ates, no âmbito do Incra fez-se num ambiente de consenso quanto à necessidade de reorientação metodológica da atuação extensionista e com a determinação de seguir as diretrizes da Pnater, de modo que no Manual Operacional do Incra se expõe: Assim, a metodologia de Ates tem um caráter educativo, buscando promover a geração e apropriação coletiva de conhecimentos, a construção de processos de desenvolvimento sustentável e a adaptação de tecnologias voltadas para a construção de agriculturas sustentáveis. Deste modo, a intervenção dos agentes de Ates deve ocorrer de forma democrática, adotando metodologias participativas por meio de um enfoque pedagógico construtivista e humanista, tendo sempre como ponto de partida a realidade e o conhecimento local (Incra, 2008, p. 12, grifo nosso).
Assim, a Pnater e o Programa de Assessoria Técnica Social e Ambiental (Ates) definem princípios gerais que devem ser perseguidos pelo extensionista, e neles há evidente valorização da participação. 11 Embora se identifique um amplo consenso em torno da desejabilidade da utilização de metodologias participativas na promoção do desenvolvimento, e a Pnater e o Programa de Ates preconizem o seu uso, discute-se o nível de detalhamento operacional necessário nos documentos normativos oficiais.12 O Manual Operacional da Ates, por exemplo, contém algumas orientações que podem ser consideradas mais genéricas e outras que são bem específicas. Numa orientação operacional genérica sobre o processo participativo de planejamento do desenvolvimento, consta:
11 12
Para maiores informações sobre concepção do Programa de Ates ver Dias (2004). O Manual Operacional reconhece a existência de uma significativa diversidade de opções metodológicas para diagnóstico e planejamento participativo.
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Isso se traduz, na prática, pela animação e facilitação de processos coletivos capazes de resgatar a história, identificar problemas, estabelecer prioridades e planejar ações para alcançar as soluções compatíveis com os interesses, necessidades e possibilidades dos atores envolvidos. Esta metodologia deve permitir, também, a avaliação participativa dos resultados e do potencial de replicabilidade das soluções encontradas, para situações semelhantes em diferentes contextos (Incra, 2008, p. 12).
No Manual Operacional constam, também, orientações mais específicas sobre como potencializar os processos de planejamento do desenvolvimento nos assentamentos, sobretudo quando da elaboração dos Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos (PDAs) e Planos de Recuperação dos Assentamentos (PRAs). 13 Ao referir-se aos PDAs e PRAs, o Incra expõe que este deve ser amplo e construído de forma participativa: [...] deve considerar todas as fases do processo de evolução do assentamento, da instalação das famílias nas áreas, passando pela participação e capacitação das mesmas na construção e elaboração das propostas de desenvolvimento para o PA, estendendo-se até a sua completa consolidação e emancipação. Deverá ser elaborado com a participação dos beneficiários e lideranças locais, assessorados pelas equipes de Ates, fundado em diagnóstico que retrate a atual situação do assentamento, em seus aspectos físicos sociais, econômicos, culturais e ambientais, objetivando posteriores mensurações qualitativas e quantitativas sobre a evolução dos projetos de assentamento, através do monitoramento e avaliação, com o uso de indicadores, onde seja possível examinar o grau de intervenção e a promoção dos órgãos governamentais e não governamentais envolvidos no processo de reforma agrária (Incra, 2008, p. 50, grifo nosso).
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Além dos PDAs e PRAs o Incra se refere aos PEAs. O Projeto de Exploração Anual, para o Incra, “consiste em um documento elaborado pelas equipes técnicas onde consta o conjunto de ações destinadas a dar suporte aos projetos de assentamentos – PA – em seu primeiro ano de instalação, em termos de orientação e assistência às famílias no que tange ao desenvolvimento de atividades essenciais ou básicas, e a conseqüente aplicação do Crédito de Instalação. O instrumento que sistematiza um plano de ações para atender este objetivo é o PDA” (Incra, 2008, p. 49).
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Ao tratar dos PRAs o Incra destaca que este: [...] é um documento que sistematiza um conjunto de ações de ordem complementar, definidas com base em diagnósticos prévios e aplicadas aos projetos de assentamento que se encontrarem nas fases de estruturação ou consolidação [...] Enfim, o PRA se traduz num conjunto de ações planejadas complementares ao PDA, ou de reformulação ou substituição deste, voltadas para garantir ao Projeto de Assentamento, o nível desejado de desenvolvimento sustentável, a curto e médio prazo, proporcionando crescimento da renda aos seus beneficiários, geração de empregos, aumento da produção e melhores condições de vida e cidadania, através do atendimento de itens considerados básicos para esse fim possibilitar o monitoramento e a avaliação de suas diversas ações pelas equipes de Ates (Incra, 2008, p. 51).
Apesar da existência desse conjunto de orientações, muitas vezes os gestores consideram oportuno promover iniciativas de formação metodológica. Em 2009, por exemplo, para subsidiar o processo de elaboração de diagnósticos, o Incra-sede promoveu uma capacitação de representantes de diversos Estados com o uso da metodologia Inpa.14 Furtado (2009, p. 33) esclarece que esta metodologia teve sua origem em 1993 e vem sendo aperfeiçoada ao longo do tempo. Em Furtado e Furtado (2000, p. 157) são expostos os seus princípios orientadores: A proposta pedagógica da Inpa implica um processo educativo no qual cada um, individualmente, e todos, no coletivo, tenham clara a sua posição de sujeitos da História. A abordagem e os métodos pedagógicos proporcionam a conscientização e compreensão da própria realidade dos técnicos e dos agricultores e ajudam a desenvolver o sentido da
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Cabe reconhecer, entretanto, que foram desenvolvidas outras referências para diagnóstico em contexto de assentamentos rurais. Destaca-se, por exemplo, o esforço empreendido por pesquisadores da Embrapa para desenvolvimento de referenciais metodológicos, o que resultou no “Método Participativo de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável de Assentamentos de Reforma Agrária” (Gastal et al., 2002), que se mostra ancorado na estratégia de estudos de sistemas de produção.
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busca de transformação dessa realidade. As interações oferecidas aos membros do grupo, na forma de investigação sobre a realidade, ajudam a transformar as pessoas envolvidas ou mesmo as organizações, em um grupo com perspectivas e objetivos comuns, com tarefas e responsabilidades definidas no coletivo. A troca de experiências, ideias e conhecimentos entre técnico e agricultores ocorre num clima de respeito mútuo, de forma que, dependendo de suas experiências e dos temas tratados, um ou outro terá uma maior ou menor participação na relação dialógica. Aí se estabelece o compromisso que resulta do trabalho conjunto e do desejo de agir sobre a realidade, o que constitui a base para as ações de mudanças.
Um exame mais detalhado dessa proposta revela que os princípios manifestos no texto apontam o diálogo com referenciais da educação popular, em que assentados e técnicos são percebidos como sujeitos da História que, por meio da ação e reflexão, promovem a transformação social. Entende-se que tais opções metodológicas envolveriam uma concepção particular da atuação extensionista, que evidenciariam a oportunidade de aplicar, nas iniciativas de planejamento do desenvolvimento implicadas no Programa de Ates, estratégias metodológicas do tipo “aprendizagem participativa”. Se confrontarmos, entretanto, as orientações genéricas da Pnater, orientações genéricas e específicas constantes no Manual Operacional e orientações derivadas das metodologias abordadas nos cursos de formação percebe-se que essas nem sempre podem coincidir entre si quanto à referência operacional preconizada. Entende-se que, de modo geral, as orientações específicas constantes no Manual Operacional da Ates revelam grande valorização do planejamento, preconizando a geração de documentos formais balizadores da intervenção dos agentes que possam subsidiar, também, esforços formais de avaliação e, por isso, devem conter dados objetivos que permitam comparação de situações antes e depois da intervenção. Tenderia, assim, a se apresentar como um método no qual se valoriza a sistematicidade no estudo da realidade e
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que aufere papel de protagonista ao técnico na elaboração do documento de referência de diagnóstico. Compreende-se que essas características estão presentes, sobretudo, nas tradições tecnocráticas de planejamento e nem sempre se fazem presentes em iniciativas que adotam uma orientação a aprendizagem participativa.
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Numa situação extrema, a
própria possibilidade de gerar conhecimento objetivo seria questionada pelos adeptos da perspectiva da aprendizagem participativa. Ou seja, na aprendizagem participativa a abordagem da realidade pode ser mais seletiva (restringindo-se a uma temática socialmente relevante), menos sistemática e seguir o princípio de claro protagonismo da população no planejamento do desenvolvimento. Entende-se que tais contradições potenciais entre as concepções e os referentes operacionais propostos revelam os desafios implicados nas “traduções”, pois que estas – além de considerarem os princípios constantes nas concepções –, devem considerar os condicionantes de viabilidade de execução em contextos específicos. Assim, tendo em vista o exposto, interpretamos que se vivencia um contexto de transição em que o ideário concebido para atuação no âmbito de um programa específico pode não ser compatível com as exigências formais derivadas da tradição tecnocrática e burocrática das instituições públicas que promovem os processos de planejamento do desenvolvimento.
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Horácio Martins de Carvalho, por exemplo, propõe um método de planejamento no contexto dos assentamentos rurais que secundariza a importancia dos diagnósticos formais. Propôs um método de planejamento que veio a ser denominado MVP (Método de Validação Progressiva) (Carvalho, 2004). Em sua reflexão sobre o planejamento do desenvolvimento em assentamentos Carvalho reconhece que um dos principais desafios enfrentados é o estabelecimento de um “projeto coletivo” e, sobretudo, a criação de um comprometimento dos assentados com este “projeto coletivo”. Partindo da premissa de que o projeto coletivo requer mudanças em nível das práticas familiares, propõe o recurso à validação âmbito macro (assentamento). Assim, entende-se que o método proposto por Carvalho (2004) está centrado, sobretudo, na “negociação de projetos coletivos” entre as partes envolvidas.
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ESTRATÉGIAS E ORIENTAÇÕES ADOTADAS PELO INCRA/RS PARA ELABORAÇÃO DE PDAS E PRAS Para entender a experiência do Rio Grande do Sul com a elaboração dos Planos de Desenvolvimento e de Recuperação dos Assentamentos há de se contextualizar que esse processo foi desencadeado simultaneamente à passagem da operação do Programa de Ates de convênio para contrato. É, portanto, nessas circunstâncias – em que se definiam as metas para orientar o trabalho das prestadoras de serviços de Ates –, que se inicia a discussão sobre a elaboração dos PDAs e PRAs. Segundo entrevistados, o processo de elaboração dos PDAs e PRAs foi motivado por uma normativa institucional que definia que o diagnóstico e planejamento é um requisito da ação de Ates. Assim, avaliava-se que não havia muita possibilidade de não realizar ou de adiar a elaboração dos PDAs e PRAs. Do mesmo modo, a abrangência temática no estudo da realidade para fins de diagnósticos estava relativamente predefinida pelo Manual Operacional. Assim, os PDAs e PRAs apresentaram-se como “produtos” com contornos relativamente bem definidos. E eram esses “produtos” que eram, em síntese, requeridos ao gestor do Programa de Ates e às prestadoras. Uma das principais preocupações do Incra/RS ao tratar da contratação dos PDAs e PRAs referia-se à necessidade ou conveniência de definir uma única referência metodológica, a ser adotada por todas as prestadoras. Na avaliação então procedida julgou-se que, embora fosse conveniente definir uma referência metodológica única, haveria dificuldade de selecionar uma referência apta a ser aplicada nas diversas situações de assentamentos e de conduzir em prazo hábil a capacitação das equipes técnicas dos Núcleos Operacionais (NOs) para aplicá-la. Tais considerações levaram os gestores a conceder certa autonomia à prestadora na escolha da estratégia de diagnóstico a ser posta em prática. Isso não implicou, entretanto, que o Incra/RS não tivesse papel importante no condicionamento do processo, como a seguir exposto.
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Apesar da decisão de conceder relativa autonomia às prestadoras para definição da metodologia a ser utilizada, o Incra/RS ao tratar da questão da elaboração dos PDAs e PRAs teve de definir alguns parâmetros adicionais, pois a operação mediante contrato condiciona o pagamento à realização de ações ou entrega de produtos predefinidos. No caso da elaboração de PDAs e PRAs, definiu-se que as metas seriam consideradas cumpridas caso fossem apresentados os produtos exigidos. Na Nota Técnica de 02-2009, de 28 de agosto de 2009, do Incra-RS, consta que o processo implicaria a geração de três produtos: Diagnóstico (produto 1), Planos e Programas (produto 2) e Mapas (produto 3). A especificação do conteúdo do documento final baseou-se numa norma estabelecida em âmbito nacional, que propõe a estrutura do documento final de PDA e PRA, a qual se encontra detalhada nos anexos II e III da norma de execução n. 71 do Incra, de 12 de maio de 1988. O Incra/RS também propôs um mecanismo para assegurar a participação dos assentados no processo de planejamento do desenvolvimento dos assentamentos – que se baseou na exigência da apresentação de atas de reuniões assinadas pelos assentados. Levando em conta os princípios constantes no Manual Operacional, as considerações das prestadoras e a realidade dos assentamentos do RS estabeleceu-se uma “expectativa” de que o processo de estudo da realidade – correspondente ao início da fase de diagnóstico no planejamento do desenvolvimento –16 seria realizado na forma exposta no Quadro 1.
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O presente trabalho refere-se, especialmente, à metodologia adotada no “estudo da realidade” (diagnóstico) tendo em vista que esta era a fase em decurso quando realizados os trabalhos de campo (em 2009 e início de 2010).
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Quadro 1 – Síntese da proposta do Incra/RS para elaboração do diagnóstico FASES PREVISTAS Sensibilização dos assentados para o planejamento do desenvolvimento do assentamento Estudo da realidade do assentamento
Devolução
OBJETIVOS ESTRATÉGIA PRODUTO PERSEGUIDOS PROPOSTA REQUERIDO PELO Incra/RS PELO Incra/RS PELO Incra/RS Assegurar que os as- Mobilização e realização Ata com assinatura das sentados conheçam e de reunião de “diagnós- famílias participantes apoiem a iniciativa de tico participativo” com da reunião elaboração dos PDAs as famílias e PRAs Geração do conjunto das Realização de levanta- Relatório parcial, relainformações requeridas mento de campo com tório final e mapa conforme tipo de plano metodologia de preferên(PDA – PRA) cia da prestadora orientando-se por um roteiro dado pelo Incra/RS Assegurar que as famí- Realização de reunião de lias conheçam os re- devolução sultados do estudo de realidade
Fonte: Elaboração dos autores a partir de Incra (2008).
O exame da sequência de procedimentos proposta para elaboração dos PDAs e PRAs evidencia a centralidade do produto – documento requerido pelo Incra e a responsabilidade do técnico na sua elaboração. Ou seja, na tradução operacional adotada a elaboração do diagnóstico tende a ser concebida como um trabalho de natureza técnica. A participação aparece, potencialmente, mais como um mecanismo de controle social, assegurando mais a gestão do processo de planejamento do desenvolvimento do assentamento do que a mobilização e aprendizagem coletiva.
CARACTERIZAÇÃO DA ATUAÇÃO DAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS DE ATES NA ELABORAÇÃO DOS PDAS E PRAS NA REGIÃO CENTRO-NORTE NO RS O estudo das referências metodológicas e práticas instituídas pelas prestadoras de serviços de Ates se restringiu a três NOs (Tupanciretã, Joia e Palmeira das Missões) da Região Centro-Norte no Rio Grande
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do Sul. 17 Na Região Centro-Norte atuam duas prestadoras de serviços: os Núcleos de Joia e Palmeira das Missões são atendidos pela Emater, enquanto o Núcleo de Tupanciretã é atendido pela Coptec.18 Na caracterização da atuação das prestadoras de serviços examinase, inicialmente, os referentes metodológicos que elas declaram utilizar para, num segundo momento, confrontá-los com os procedimentos efetivamente adotados na realização dos estudos de realidade, no contexto de elaboração dos PDAs e PRAs.
Referentes metodológicos preconizados pelas prestadoras de serviços de Ates Tendo em vista que o Incra/RS não definiu um método específico de referência para a realização dos diagnósticos, as prestadoras de serviços tiveram de exercer um papel ativo na “tradução operacional” das concepções do Programa de Ates. Entende-se que um dos momentos importantes desse processo foi a reunião entre o Incra/RS e as prestadoras para a discussão sobre a elaboração dos PDAs e PRAs. Esse encontro teve a finalidade de realizar um nivelamento de informações e estabelecimento de normatividade acerca da elaboração dos PDAs e PRAs. Os documentos resultantes desta reunião revelam que havia uma grande preocupação das prestadoras acerca de sua capacidade de realizar a mobilização dos assentados para elaboração dos PDAs e PRAs tendo em vista a precariedade da organização social preexistente em muitos
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Optou-se por realizar uma delimitação de abrangência do universo a ser estudado tendo em vista o grande número de assentamentos existentes no Estado e a estratégia de acompanhar o trabalho de um dos articuladores de Ates para facilitar as saídas de campo e familiarização com o tema. 18 Deste modo o estudo contempla as duas principais prestadoras de serviços de Ates atuantes no Rio Grande do Sul. Uma terceira prestadora contratada pelo Incra/RS atende somente um Núcleo Operacional.
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assentamentos, experiências prévias de frustração de expectativas dos assentados com este tipo de trabalho, realização recente de trabalho com o mesmo objetivo (diagnóstico e planejamento) ou dificuldades de mobilização dos assentados tendo em vista que a entidade prestadora de serviços estava iniciando sua atuação nos assentamentos do NO. Além disso, embora a execução de diagnósticos e planejamentos se justificasse, em termos gerais, como requisito da orientação da atuação futura do Incra/ RS e da Ates nos assentamentos, a descrença com relação à efetivação dessa possibilidade parece ter levado cada prestadora a buscar justificativas adicionais que pudessem legitimar esse esforço junto ao corpo técnico da prestadora e aos assentados e suas lideranças. A prestadora X, por exemplo, manifestou que trabalhava com a expectativa de que o diagnóstico constituísse um instrumento para subsidiar o conhecimento da realidade dos assentados, o que permitiria o estabelecimento de metas futuras de atuação mais adequadas à realidade específica de cada assentamento. Ao se manifestar, contudo, sobre a referência operacional preconizada, menciona o Diagnóstico Rural Participativo – DRP. Entende-se que ao fazer referência ao DRP a prestadora remete a um histórico de capacitação de seus técnicos na utilização dessa metodologia, ocorrido em meados dos anos 2000. A referência operacional usual para o DRP é a proposta de Verdejo (2006).19 O confronto do discurso sobre o sentido do diagnóstico, nesse caso, com o referencial operacional preconizado revela que estes não se coadunam perfeitamente. A prestadora X, embora manifestasse o entendimento de que o diagnóstico serviria, sobretudo, para orientar a atuação dos técni-
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O DRP, basicamente, é um conjunto de técnicas e ferramentas que permitem que as comunidades façam o seu próprio diagnóstico e a partir daí comecem a autogerenciar o seu planejamento e desenvolvimento (Verdejo, 2006). Entre as características deste método destaca-se que é um processo que procura incluir as perspectivas de todos os grupos de interesse, impulsionar mudanças nos papéis tradicionais de técnicos e de agricultores, reconhecer o valor dos conhecimentos dos/as comunitários/as. Já como princípios básicos a metodologia de DRP traz o respeito à sabedoria e à cultura do grupo, a análise e entendimento das diferentes percepções e a escuta a todos da comunidade (Verdejo, 2006).
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cos, preconiza a adoção de uma metodologia que, idealmente, implica maior mobilização e envolvimento dos assentados, incorrendo assim num risco de frustrações de expectativas – que aparentemente estava buscando evitar. A prestadora Y, por sua vez, declarou que percebia um conjunto de potenciais na elaboração de estudos do tipo diagnóstico, enfatizando as contribuições do estudo sistemático da realidade do assentamento na qualificação da pauta reivindicatória dos assentados e de suas lideranças. Ao manifestar-se sobre o referencial operacional preconizado, a prestadora Y declarou que utiliza como referência a Análise Diagnóstico de Sistemas Agrários (DSA), que se aproxima da proposta de Garcia Filho (1995).20 O referente selecionado pela prestadora Y talvez não constituísse a melhor escolha tendo em vista os objetivos de subsidiar a pauta de reivindicações do assentamento, uma vez que, na metodologia selecionada, confere-se clara ênfase aos aspectos relacionados à produção agropecuária, quando as pautas de reivindicação dos assentados tendem a ser mais amplas, muitas vezes priorizando serviços sociais. Ao analisar essas escolhas de referentes operacionais para os diagnósticos, revela-se a dificuldade enfrentada na realização das traduções. Tais considerações remetem a que as condições de operação do Programa de Ates favorecem as iniciativas de incorporação de referentes
20
Essa metodologia parte do princípio de que o diagnóstico deve dar conta da complexidade e da diversidade que, em geral, caracterizam a atividade agrícola e o meio rural. Os princípios gerais do método, segundo Garcia Filho (1995), são cinco: baseia-se em passos progressivos, partindo do geral para o particular; a busca da explicação e não somente da descrição dos fenômenos observados; a estratificação da realidade, estabelecendo conjuntos homogêneos e contrastados (pode ser realizado por intermédio do zoneamento agroecológico, da tipologia de produtores, da tipologia de sistemas de produção); enfoque sistêmico e amostragens dirigidas. Trata-se de um referencial que além de apontar a heterogeneidade produtiva, instrumentaliza a análise da capacidade de reprodução econômica das unidades de produção. Em geral o primeiro momento (de coleta e análise dos dados) é realizado pelo técnico e a participação do agricultor é maior num segundo momento – quando são “devolvidos” os dados ao coletivo e discutidas suas implicações.
Transições Metodológicas
293
operacionais mais do que criação de novos referentes e a incorporação de referentes pode implicar contradições, uma vez que as referências incorporadas muitas vezes foram desenvolvidas para outros contextos.
As práticas das prestadoras de serviços de Ates na elaboração de diagnósticos Para conhecer as práticas adotadas na realização dos diagnósticos recorreu-se à análise do primeiro documento apresentado pelas prestadoras ao Incra/RS – referente ao diagnóstico na elaboração dos PDAs e PRAs. Mais especificamente, foram analisados os documentos referentes a cada um dos 35 assentamentos dos Núcleos Operacionais de Joia, Palmeira das Missões e Tupanciretã.21 Nos documentos consultados, além das informações básicas sobre o assentamento (ano de criação e numero de lotes), observou-se a descrição dos procedimentos adotados para realização do diagnóstico. A leitura da descrição dos procedimentos adotados na elaboração dos diagnósticos revelou que as equipes “adaptaram” os referentes operacionais preconizados pela prestadora de serviços às suas circunstâncias. Desse modo, o referente operacional serviu de balizamento, mas não condiz perfeitamente com os procedimentos efetivamente adotados. Assim, houve necessidade de estudar os procedimentos de diagnóstico efetivamente adotados, buscando explicitar sua lógica interna e verificar, então, em qual referente operacional ele se inspira (tomando por base a diferenciação de orientações dos diagnósticos apresentada em seção anterior). Ou seja, procedeu-se uma avaliação das práticas adotadas buscando
21
Complementarmente, para atingir os propósitos do presente estudo, realizou-se o acompanhamento, durante o segundo semestre do ano de 2009, do trabalho desenvolvido pelo “Articulador de Ates” que atuava na região centro. Esse acompanhamento possibilitou a participação in loco em eventos como reuniões da prestadora com assentados de reforma agrária, reuniões internas das prestadoras – entre técnicos envolvidos diretamente com Ates e reuniões dos Núcleos Operacionais, entretanto, em virtude da grande diversidade de situações encontradas considera-se o trabalho de campo restrito, de modo que a principal fonte de informação para essa análise é de cunho documental.
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aproximá-las a uma das seguintes referências operacionais de diagnóstico no desenvolvimento rural: Diagnóstico Rural Rápido (DRR), Diagnóstico Rural Participativo (DRP) e Aprendizagem Participativa (PLA), segundo as concepções anteriormente apresentadas neste trabalho. A análise dos procedimentos adotados pelas equipes técnicas na realização dos diagnósticos em assentamentos em NOs na Região Centro-Norte do Rio Grande do Sul gerou o Quadro 2. Quadro 2 – Comparativo dos métodos de diagnóstico adotados por diferentes prestadoras para elaboração de PRAs
2001 1983 2001
NÚMERO DE LOTE 12 S 12 27
PRA PRA PRA
A
1986
22
PRA
5
A
2002
37
PRA
6
B
1996
117
PRA
7
B
2000
54
PRA
8
B
1995
234
PRA
9
A
1997
36
PRA
10 A
2001
5
PRA
11 A
2000
15
PRA
12 A
2000
11
PRA
13 A
2002
40
PRA
14 A
1996
66
PRA
NO
ANO DE CRIAÇÃO
1 2 3
A A A
4
TIPO
MÉTODO DE DIAGNÓSTICO Descrição Insuficiente Descrição Insuficiente Descrição Insuficiente Revisão do PDA de 2001 (reuniões – atualização das informações + caminhada transversal + entrevista a 30% das famílias) Com base em “repactuação” dos resultados do curso de Gestão Rural realizado em 2007 Entrevistas semiestruturadas sistemas de produção e modo de vida – orientado por hipóteses Entrevistas semiestruturadas sistemas de produção e modo de vida – orientado por hipóteses Entrevistas semiestruturadas e grupos focais sistemas de produção e modo de vida – orientado por hipóteses Reunião (sensibilização + estudo de situação + demandas) + visitas (Reunião + visitas – ênfase em sistemas de produção) + Dados secundários EM (Reunião + visitas – ênfase em sistemas de produção) + Dados secundários EM (Reunião + visitas), (Dados secundários + lideranças) + Reunião devolução (Reunião + visitas – ênfase em sistemas de produção/segurança alimentar) + Dados secundários secretarias + reunião de validação (+ Fofa) (Reunião + visitas – ênfase em sistemas de produção/ segurança alimentar) + Dados secundários secretarias + reunião de validação (+ Fofa)
TIPO -
-
DRR
DRR
DRR DRR DRR DRR DRR com devolução DRR com devolução DRR com devolução/ analise
295
Transições Metodológicas
15 A
2000
46
16 C
2001
54
17 C
2002
06
18 C
1999
15
19 C
2001
70
20 C
2002
14
21 C
1985
60
22 C
1991
30
23 C
2000
42
24 C
1998
129
25 C
2000
22
26 C
2002
6
27 C
1996
65
28 C
2001
18
29 C
2000
56
30 A
2000
13
31 32 33 34 35
1997 2000
29 49
2007 2000
83 34
B B B B B
(Reunião + visitas – ênfase em sistemas de produção/ segurança alimentar) + Dados secundários secretarias + reunião de validação (+ Fofa) Reunião (Sensibilização e constituição de uma coordenação para PRA) + reunião equipe + Coord. Para levantamento de PRA dados situação atual + levantamento de sistemas de produção (visita) + reunião devolução (R+CG+V+D) (R+CG+V+D) (SISTEMAS DE PROPRA DUÇÃO) (R+CG+V+D) (SISTEMAS DE PROPRA DUÇÃO) (R+CG+V+D) (SISTEMAS DE PROPRA DUÇÃO) (R+CG+V+D) (SISTEMAS DE PROPRA DUÇÃO) (R+CG+V+D) (SISTEMAS DE PROPRA DUÇÃO) (R+CG+V+D) (SISTEMAS DE PROPRA DUÇÃO) (R+CG+V+D) (SISTEMAS DE PROPRA DUÇÃO) (R+CG+V+D) (SISTEMAS DE PROPRA DUÇÃO) (R+CG+V+D) (SISTEMAS DE PROPRA DUÇÃO) (R+CG+V+D) (SISTEMAS DE PROPRA DUÇÃO) (R+CG+V+D) (SISTEMAS DE PROPRA DUÇÃO) (R+CG+V+D) (SISTEMAS DE PROPRA DUÇÃO) (R+CG+V+D) (SISTEMAS DE PROPRA DUÇÃO) Visita exploratória às famílias + reunião PRA problematização + caminhada + reunião discussão temáticas PRA Curso de Gestão – adaptado PRA Curso de Gestão – adaptado Curso de Gestão – adaptado PDA Curso de Gestão – adaptado PRA Curso de Gestão – adaptado PRA
DRR com devolução/ análise
DRR/DRP
DRR/DRP DRR/DRP DRR/DRP DRR/DRP DRR/DRP DRR/DRP DRR/DRP DRR/DRP DRR/DRP DRR/DRP DRR/DRP DRR/DRP DRR/DRP DRR/DRP DRP DRP DRP DRP DRP
R= reunião, CG= reunião do Conselho Gestor, V= visita às famílias, D= reunião de devolução Fonte: Elaboração dos autores a partir de Incra (2010a, 2010b, 2010c).
Pelo estudo dos procedimentos adotados verifica-se que em um conjunto significativo de assentamentos, a partir das informações levantadas em visitas e oficinas realizadas ao longo do primeiro semestre de 2009,
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Vivien Diesel • Jaqueline Mallmann Haas
os técnicos estabeleceram hipóteses sobre os sistemas socioprodutivos existentes. Buscaram, então, realizar uma sistematização prévia desses dados recorrendo à definição de tipologia de sistemas de produção. A partir disso realizaram uma amostragem intencional, selecionando famílias representativas dos diferentes tipos de sistemas de produção e as entrevistaram com o objetivo de ter uma visão dinâmica da evolução da unidade de produção (lote) e verificar as oportunidades de mudanças, além de definir os objetivos da família. A partir destas informações, obtidas individualmente, em alguns casos, realizaram-se encontros coletivos para a validação dos resultados. Em alguns casos examinados há menção à criação de um comitê gestor do processo de planejamento, que interagiu com a equipe técnica na formulação dos diagnósticos.22 Dividida em quatro etapas, a metodologia adotada iniciou-se com um processo de sensibilização das famílias assentadas e de constituição de uma coordenação do Plano de Recuperação do Assentamento (PRA), levando em consideração as lideranças locais já constituídas além de novos atores que mostraram interesse em contribuir com o êxito do trabalho. Num segundo momento, reuniu-se a coordenação do assentamento e a equipe da prestadora a fim de fazer o levantamento de dados da situação atual do assentamento como também identificar as potencialidades e as limitações a serem tratadas na sequência. No terceiro momento realizou-se levantamento de dados junto às famílias representativas, agora já identificadas a partir de “tipologias”, que refletiam a diversidade produtiva do assentamento. No quarto momento foi realizado um trabalho de retorno dos apontamentos realizados pela equipe de sistematização da prestadora junto as famílias dos assentamentos.
22
Esta seria a situação dos diagnósticos realizados pela prestadora Y, em que se almeja uma mobilização das famílias assentadas, por meio do estímulo ao pensar e repensar do processo de luta pela terra, suas conquistas, potencialidades e limitações. Além da coleta e problematização de dados, existe, segundo o diagnóstico, a previsão da construção conjunta de uma nova pauta de ação, consolidada mediante a elaboração de um conjunto de planos e programas que visam a potencializar a caminhada de luta do presente e da nova realidade que se quer construir.
Transições Metodológicas
297
Em outros assentamentos utilizou-se de uma “adequação”, assim denominada pela instituição, de um curso que une conhecimento da realidade, formação e planejamento. A proposta utilizada, que prevê estudo de várias dimensões da realidade local parece tender a perseguir uma maior aprendizagem das famílias sobre sua realidade (Quadro 3). Quadro 3 – Resumo dos módulos adotados pela prestadora X, para realização do diagnóstico Módulo Temática Abordagens Modulo 1 Percepção Desenho do local onde vivem: como enxergam os espaços circundantes (propriedade, família, comunidade, sociedade). Discussão e provocações questionadoras. Modulo 2 Leitura da Construção de roteiro da caminhada observando aspectos econômicos, paisag em sociais, ambientais, segurança alimentar (sustentabilidade). Sistematipor meio de zação das visitas; apresentação e discussão. Caminhadas de leitura da caminhada paisagem são a base para os temas e debates de todo o processo. coletiva Modulo 3 Gestão dos Visualização do ambiente: caminhada com observação e questionarecursos na- mentos sobre ciclo da água (microbacias hidrográficas), desmatamentos turais (solo, e eliminação de campos naturais (perda de biodiversidade, APPs, água, flora situação dos rios e córregos). Formação do solo X sucessão vegetal e fauna) (plantas indicadoras). Sistema de avaliação da qualidade do solo (roteiro prático), ressaltando a importância de atributos físicos, químicos e biológicos para a qualidade do solo.
Modulo 4 Gestão econômica e administração Módulo 5 Segurança e soberania alimentar
Modulo 6 R e l a ç õ e s humanas
Perda de biodiversidade: animais e plantas, incluindo sementes crioulas. Perda de segurança e soberania alimentar. Organização da propriedade, uso racional dos meios de produção. Informação como insumo fundamental da produção. Tipo de informação. Sistemas de produção nos assentamentos. Planejamento dos fatores de produção. Cálculo de custos de produção, depreciações, margem bruta. Planilhas de custos. Sensibilização para o alimento (o que é alimento), valorização do agricultor produtor de alimentos. Valoração da produção de subsistência: quanto custa o que produzimos para comer? Consideramos isso como renda? O que compramos de comida na cidade? Quanto custa? Trabalho individual ou por família. Apresentação e discussão. Teoria: O que é segurança alimentar e o que ela implica. Soberania: poder decidir o que plantar e comer. O que é alimento de qualidade? Como deve ser produzido? Fazemos isso? Sensibilização do EU, exposição participativa do EU, família, comunidade, sociedade e meio ambiente. Associativismo e cooperativismo (princípios). Avaliação final do diagnóstico com a construção de proposições de melhorias.
Fonte: Elaboração dos autores
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O que se verificou, no entanto, é que dos cinco assentamentos em que esta metodologia foi aplicada, em quatro deles somente foram realizadas três etapas (das seis previstas) até o momento da conclusão do produto de diagnóstico apresentado ao Incra/RS. Tal desempenho pode ser devido à restrição de prazo, mas indicações de campo apontam que nos primeiros módulos havia uma participação significativa e que, com o decorrer das etapas, a participação diminuiu ao ponto de inviabilizar a realização dos demais módulos. Para contornar tal problema e cumprir com a meta de elaborar os PDAs/PRAs, realizaram-se encontros finais, com abordagem de todas as etapas, de forma resumida, e a apresentação e apreciação do diagnóstico desenvolvido pela prestadora, que normalmente era aprovado sem restrições pelos assentados. Uma análise geral das práticas revela a existência de diferença de orientação metodológica entre prestadoras e dentro de uma mesma prestadora e, além disso, diferença entre o referente operacional recomendado e aquele efetivamente adotado na realização dos diagnósticos. A proposição metodológica apresentada pela prestadora X foi de utilização de Diagnóstico Rural Participativo – DRP; entretanto, os dados analisados evidenciam que o procedimento adotado em alguns assentamentos não se aproxima à proposta de Verdejo (2006) como seria esperado, e que nem todas as equipes da prestadora X adotam o mesmo método.23 No caso da prestadora Y indica-se que foi utilizado um mesmo método em todos os assentamentos; tal método se aproxima do DSA, mas não representa a fiel aplicação do modelo de Garcia Filho (1995), como seria esperado. Tais considerações apontam para a existência de novas “traduções” das concepções, com recriação de referentes operacionais em âmbito de equipe técnica – muitas vezes com vistas à adequação
23
Os diagnósticos realizados pela prestadora X, de forma geral, apresentam uma reflexão sobre os problemas e falhas de diagnósticos e planejamentos realizados anteriormente. Basicamente a preocupação retratada é sobre o comprometimento dos beneficiários com os projetos em execução, sobre a falta de sentimento de pertencimento/participação, sentimento de se sentir realmente parte do projeto.
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às restrições locais. Ou seja, nesse nível interferem as características do assentamento, histórico da intervenção anterior no assentamento, preferências do técnico, entre outros fatores.24
APROXIMAÇÕES À PARTICIPAÇÃO DOS ASSENTADOS NOS DIAGNÓSTICOS A tipologia de diagnósticos, baseada nas contribuições de Chambers, anteriormente caracterizada, pode ser empregada como referência para refletir sobre a participação nos diagnósticos da Ates realizados em assentamentos dos NOs da Região Centro-Norte do RS. Observa-se que os diagnósticos apresentam uma significativa variabilidade com relação às possibilidades de participação das famílias. Um conjunto significativo de diagnósticos aproxima-se ao modelo de Diagnóstico Rural Rápido (DRR). No Diagnóstico Rural Rápido (DRR) há um esforço por “escutar” as famílias, mas estas participam especialmente como fonte de informações, por isso esta é definida, por Chambers, como uma abordagem extrativa, pois quem aprende sobre a realidade local é o agente externo. Assim, no máximo, temos a participação por consulta. Como no DRR recorre-se frequentemente à entrevista individual pode-se concluir que há possibilidade de estabelecimento de um fluxo unilateral de informações do agricultor para o técnico em que “quem aprende” é o técnico. Quando a consulta se faz em reuniões coletivas o fluxo de informações se diversifica na medida em que cada participante, além de fornecer, recebe informações (prestadas pelos
24
Nos casos em que se manteve a prestadora, possivelmente esta já trabalha com um “pacto social” sobre sua atuação, mesmo que este seja informal, ou pode ter redefinido o mesmo recentemente (como num dos casos examinados). Metodologias de DRP, que mobilizam para o desenvolvimento, em geral implicam o estabelecimento de um “novo pacto social” entre as partes envolvidas. O cumprimento deste “pacto” por cada uma das partes passa a ser um requisito do trabalho conjunto. Neste contexto pergunta-se: pode a prestadora comprometer-se (estabelecer um pacto sobre seus serviços futuros junto ao grupo), se seu trabalho atual é regulado por metas predeterminadas?
300
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outros assentados), mas não necessariamente identificam-se procedimentos sistemáticos orientados a promover, coletivamente, o confronto ou síntese destas informações – qualificando o conhecimento gerado.25 A realização de atividades de “devolução” (casos 12 e 13) significa um avanço no sentido de compartilhamento dos aprendizados do processo e a previsão de realização de análises coletivas com a aplicação da ferramenta Fofa, como ocorre nos casos 14 e 15, por exemplo, possibilita ainda maior interação de aprendizagem dentro deste modelo geral sem, entretanto, desconfigurá-lo. Em outros casos realiza-se um procedimento que se inspira no DRR, mas incorporam-se lideranças na “equipe técnica” – que gerará o diagnóstico sobre a realidade local. Embora os dados disponíveis não sejam suficientes para avaliar a qualidade das interações entre equipe e lideranças locais, este modelo tenderia a se aproximar um pouco mais de um modelo de DRP na medida em que prevê participação de representantes dos assentados nas decisões relacionadas à formulação do diagnóstico. Alguns casos (31 a 35) apresentam maior aproximação ao modelo do DRP, mas são processos que, normalmente, não se completaram. A problematização da participação revelou que a grande maioria das prestadoras optou pela realização de diagnósticos tomando por referência princípios do DRR (Diagnóstico Rural Rápido), entretanto em um núcleo observou-se a utilização de princípios mais próximos aos do DRP (Diagnóstico Rápido Participativo). Compreende-se que o fato de ocorrerem situações de uso de DRP revela que esta era uma possibilidade. Neste contexto cabe questionar por que o DRP não foi a orientação dominante.
25
Entende-se que os casos de 6 – 11 tenderiam a se enquadrar nesta categoria.
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301
Pelas declarações das prestadoras na reunião com o Incra/RS previamente ao início dos trabalhos de elaboração dos PDAs e PRAs, observa-se que estas buscaram justificar a realização dos diagnósticos pelos aportes que poderiam dar às equipes de Ates (pelo melhor conhecimento da realidade em que iriam atuar) e às lideranças dos assentados (qualificando suas demandas perante o Incra/RS). Estas avaliações indicam que os diagnósticos poderiam estar sendo percebidos como aportes para subsidiar o trabalho do técnico ou qualificar e legitimar reivindicações das lideranças. Embora esses usos sejam importantes, cabe salientar que não se concebeu o diagnóstico, nesse caso, como relevante num processo de aprendizagem coletiva sobre sua realidade social, como parte e referência de um processo de mobilização e confronto de visões e aspirações para estabelecimento de um consenso e um projeto coletivo sobre ações de desenvolvimento local. De modo geral, entende-se que as prestadoras optaram por não criar expectativas demasiadas nas famílias para evitar frustrações que poderiam prejudicar o trabalho futuro da Ates. 26 Entende-se que a explicação para o uso restrito de metodologias de DRP pode remeter, ainda, a outros aspectos como: insegurança do técnico na aplicação desta orientação, baixa mobilização e predisposição inicial à participação por parte dos assentados, entre outros.27 Convém reconhecer que as orientações do Incra também podem ter colaborado nesta preferência dos métodos de DRR em detrimento do DRP. Inicialmente cabe destacar que o prazo inicial para elaboração dos PDAs e PRAs foi restrito,
26
Segundo Kreutz e Pinheiro (2004), em muitos municípios a proposta do DRP não foi bem aceita por algumas lideranças como os prefeitos, os secretários de Agricultura e alguns sindicalistas. Dentre outras coisas, se alegava que se perdia muito tempo com a atividade, que o custo era muito elevado, que não adiantava planejar se não existiam recursos financeiros, que seriam criadas muitas expectativas nas comunidades e que se aumentariam as demandas para as prefeituras que não contavam com os recursos necessários para atender tais reivindicações. 27 Tendo em vista a complexidade das interações políticas envolvidas nos processos participativos (Delville; Mathieu; Sellamna, 2001), a disposição à democratização da intervenção em prol do desenvolvimento requer um profundo e contínuo processo de avaliação e renovação das práticas extensionistas, com criação de novas concepções e sua tradução em modelos de referência operacionais.
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de modo que a equipe que optou pela realização da modalidade de DRP, por exemplo, teve dificuldade de completar o processo, mesmo com o prazo prorrogado. Assim, entende-se que tanto a conjuntura política quanto as orientações gerais do Incra/RS para a realização da primeira fase de elaboração dos PDAs e PRAs tendiam a estimular a adoção de um procedimento do tipo DRR. Por fim, o tipo de produto requerido, o relatório de PDA e PRA, é um documento formal que tem características acadêmicas típicas da adoção de pressupostos positivistas, incompatíveis com os pressupostos adotados quando se trabalha com perspectivas mais radicais nas metodologias participativas. Por exemplo: a maior parte dos itens do roteiro requer respostas objetivas – obtidas mediante consulta bibliográfica ou obtenção de dados secundários – e não um levantamento da relatividade das percepções locais.28 Assim, a situação vivenciada pelos técnicos pode ser a da necessidade de optar entre produtos (relatório requerido pelo Incra/RS) e processos (de mobilização participativa). Cada equipe parece ter operado no sentido de definir uma estratégia que assegurasse a obtenção do produto almejado segundo as condições de cada assentamento, dentro do prazo estabelecido, com a melhor relação custo-benefício visualizada. Em assentamentos onde já se dispunha de informações prévias, estas foram revalidadas/atualizadas com o uso de procedimentos de amostragem, evitando-se processos de mobilização social mais intensivos, que poderiam demandar maiores esforços, tempo ou conflitos pela geração de expectativas que não seriam atendidas, por exemplo.29
28
Não é possível a identificação nos diagnósticos das visões dos diversos atores sociais envolvidos no processo, ou seja, não é possível perceber as distinções entre as visões dos técnicos e assentados, parecendo assim que todos compartilham de uma visão única sobre a realidade que se discute. 29 Cabe considerar que a participação mais efetiva requer redistribuição de poder. As experiências iniciais – que visavam a incrementar a participação popular – mostraramse frequentemente muito limitadas. As análises conduzidas sobre essas experiências revelaram que avanços na participação popular requerem redistribuição de poder e que, constantemente, os agentes mais poderosos envolvidos nos processos não estão dispostos a repartir o poder de que dispõem. Assim, o termo participação vem sendo reconhecido
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PERSPECTIVAS DE AVANÇO NA CONVERGÊNCIA DE CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DE ATES O presente texto propôs tratar da questão da transição metodológica. Como ponto de partida considerou-se que a transição requer nova concepção e suas traduções operacionais. O foco do trabalho centrou-se nas traduções operacionais dadas à noção de diagnóstico participativo. Se forem consideradas as observações sobre a participação dos assentados nos diagnósticos na prática das prestadoras, pode-se inferir a priorização da extração de informações e não da capacitação/mobilização dos assentados de forma a gerar apropriação coletiva de conhecimento e mobilização, como seria esperado a partir do discurso normativo da política de Ates. Assim, fica evidente a pouca relação existente entre os processos e produtos efetivamente obtidos e as expectativas criadas ao se propor a realização de uma intervenção segundo concepção participativa na promoção do desenvolvimento. Entende-se que tal constatação não caracteriza uma anomalia, pois que a tradução de princípios em práticas é um aprendizado e não há como querer que não haja descompasso entre concepções e práticas. A aproximação destas requer avaliação crítica e aprendizado permanente! Por outro lado, a tradução de princípios em práticas é mediada pelas condições concretas. Para que haja maior coerência entre as concepções e práticas é necessário que os condicionantes concretos não se sobreponham aos princípios no desenho das propostas de intervenção.
como termo polissêmico, sendo usualmente distinguidos tipos de participação conforme a distribuição de poder entre as partes na tomada de decisão. Com base nesses critérios identificam-se diferentes possibilidades de participação, como participação por consulta, por incentivos materiais, funcional, interativa e por mobilização autônoma do grupo.
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Entende-se que as alterações realizadas no ano de 2011, que conferem maior poder às equipes e aos assentados na definição da orientação do trabalho de Ates, favorecem a superação de um dos principais limitantes à participação nos diagnósticos: o descrédito com relação à importância dos planos. Para que essas possibilidades se concretizem, no entanto, outros condicionantes precisam ser, também, considerados. A possibilidade de uma “nova” extensão para assentamentos de reforma agrária, preocupada com a complexidade do meio rural, com questões sociais e ambientais, ainda parece bastante distante diante da realidade que identificamos neste estudo e avanços podem requerer, inclusive, que o Incra/RS reveja os condicionantes políticos da adoção de metodologias participativas e formato dos produtos solicitados, pois que sua formatação pode condicionar as opções metodológicas das equipes.
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Vivien Diesel • Jaqueline Mallmann Haas
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ESTRATÉGIAS DE MERCANTILIZAÇÃO EM ASSENTAMENTOS Leituras Conflitantes dos Agentes da Assistência Técnica Laurício Bighelini da Silveira Rodrigo da Silva Lisboa
Um dos aspectos tratados nas discussões internacionais acerca da reorientação dos serviços de extensão rural refere-se a sua atuação diante da questão da inserção dos pequenos agricultores nos mercados.1 De modo geral, tende-se a diagnosticar que os pobres rurais têm relação débil com os mercados e, por isso, propõe-se que, para superar a pobreza, é necessário reforcar as relações dos pobres com os mercados. Para o Neuchâtel Group (2008), o acesso a mercados por agricultores pobres é dificultado devido à falta de “know-how” comercial, de informação, restrições em termos das quantidades e qualidade de sua produção, falta de capital, incapacidade de assumir riscos, pequena margem de renda para a sobrevivência, relações de desconfiança entre atores das cadeias oligopolistas, fraca articulação em áreas rurais e baixos investimentos públicos
1
Esse tema foi abordado em diversas publicações da Iniciativa de Neuchâtel destacando-se,por exemplo, o “Common Framework for Market Oriented Agricultural Advisory Services” (Chipeta; Christoplos; Katz, 2008).
308
Laurício Bighelini da Silveira • Rodrigo da Silva Lisboa
no desenvolvimento. Nesse contexto sugere-se reforçar a extensão rural e atribuir a esta um importante papel no sentido de fortalecer a relação dos agricultores com os mercados. Este texto tem por objetivo confrontar distintas visões sobre a questão da inserção de pequenos agricultores no mercado, no contexto dos assentamentos rurais no RS. Para tanto caracterizam-se, num primeiro momento, as proposições de um grupo de estudiosos, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e do Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental (Ates) do Incra para, num segundo momento, problematizar essas proposições à luz de um estudo de caso – dos assentados do Núcleo Operacional (NO) de Joia, RS.
PROPOSIÇÕES ACADÊMICAS ACERCA DAS RELAÇÕES DOS “PEQUENOS AGRICULTORES” COM O MERCADO Parte significativa da discussão acadêmica sobre a questão da relação dos “pequenos agricultores” com o mercado, no Brasil, remete aos aprendizados com a política de modernização da agricultura, instituída nas décadas de 60, 70 até meados da década de 80. A política de modernização da agricultura do governo federal propôs a intensificação da relação dos pequenos produtores com o mercado. Havia o entendimento de que a produção diversificada orientada à subsistência da família era característica das sociedades tradicionais e que a modernização requeria crescente especialização, aumento da produção e produtividade e profissionalização dos agricultores, com intensificação das relações com o mercado. Nesse processo houve forte intervenção estatal com vistas a promover uma mudança estrutural na produção agropecuária em que unidades produtivas diversificadas com baixa produtividade haveriam de se tornar mais produtivas e especializadas no atendimento às demandas de mercado.
Estratégias de Mercantilização em Assentamentos
309
Para viabilizar tecnicamente o aumento da produtividade foram gerados, também, pacotes tecnológicos, que foram ofertados – pela extensão rural – aos pequenos agricultores. Os pacotes tecnológicos propostos tinham como referência geral um modelo de agricultura industrial – demandador de insumos industriais – reforçando os vínculos do pequeno agricultor com o mercado, também como consumidor de produtos industriais. A conjuntura recessiva da década de 80 e estudos acadêmicos diversos ressaltaram os limites desta proposta enquanto referência para um desenvolvimento sustentável nas dimensões sociais, econômicas e ambientais. A partir de mobilização política em meados de 1990, a discussão sobre políticas públicas de desenvolvimento, adequadas à realidade dos “pequenos agricultores”, se reestabelece. Maluf (2004) afirma que, ao observar-se a realidade rural brasileira, constata-se a continuidade da concentração do processamento agroindustrial para fazer frente aos requisitos da produção em grande escala e que uma das consequências dessa tendência tem sido o comprometimento da sobrevivência da agricultura familiar nas regiões e nas cadeias produtivas onde ela tem presença tradicional. Neste contexto incentivar os pequenos agricultores e assentados a se tornarem produtores de commodities parece um contrassenso, uma vez que esses agricultores têm, geralmente, problemas de eficiência econômica relacionados à escala de produção, uma base tecnológica menos intensiva e, em geral, uma menor capacidade de captar e processar a informação tecnológica, mercadológica e gerencial do mercado de commodities com rapidez. Isso é responsável por estimular, na maioria das vezes, acúmulos de perdas significativas, que são absorvidos via descapitalização da propriedade ou via aviltamento da remuneração do seu trabalho e dos membros de sua família, ou ainda pela sua exclusão
310
Laurício Bighelini da Silveira • Rodrigo da Silva Lisboa
do mercado. Essa seria a situação vivenciada por um enorme contingente de produtores, cuja agricultura se organiza em torno de pequenas propriedades de gestão e força de produção familiar (Vieira, 1997). Reconhecendo a tendência à crescente segmentação do mercado, de valorização de produtos com atributos diferenciados e de qualidade propõe-se, para os agricultores familiares, a alternativa de inserção diferenciada no mercado. Maluf (2004), por exemplo, discute a conveniência de explorar as potencialidades dos circuitos regionais e da agregação de valor à produção agrícola. Essas novas oportunidades abarcam desde a inserção desses agricultores em mercados locais, regionais, nacionais e internacionais, como se verifica nos produtos artesanais, nos com denominação de origem e nos orgânicos, até o aprimoramento dos circuitos regionais de produção, distribuição e consumo de alimentos (Maluf, 2004) Avalia-se que, muitas vezes, nesses mercados alternativos as oportunidades são mais acessíveis aos agricultores de pequeno e médio porte devido à possibilidade e facilidade de operar mudança nos processos produtivos sem custos adicionais demasiados. Ressalta-se, também, que os enfoques econômicos convencionais baseiam-se numa concepção de “acesso a mercados” existentes, ou que são considerados como um dado externo ao âmbito do empreendimento em questão. Segundo Maluf (2004), somente quando os agricultores passarem a considerar os mercados como resultado de construção social, eles passarão a ganhar relevância nos processos que levam à construção do próprio valor dos produtos. Assim, as novas possibilidades de inserção dos pequenos agricultores nos mercados agroalimentares, com base em estratégias autônomas, requerem uma ótica de construção de mercados adequada à realidade dos agentes econômicos de pequeno porte (Maluf; Wilkinson, 1999 apud Maluf, 2004), pois os mercados agrícolas convencionais são pouco propícios a uma ascensão social como desejado por muitos agricultores (Abramovay, 1999).
Estratégias de Mercantilização em Assentamentos
311
A QUESTÃO DA RELAÇÃO COM O MERCADO NA VISÃO DO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA O MST é reconhecido por sua posição crítica em relação à orientação adotada pelo governo brasileiro na modernização da agricultura, questionando a oportunidade de determinados padrões tecnológicos (como o uso de transgênicos), dos modelos de organização social da produção que vinha sendo recomendada (dependentes de grandes grupos agroindustriais oligopolistas) e mesmo a orientação da produção que vinha sendo promovida (ao atendimento das demandas do mercado internacional). Assim, para entender as posições do MST acerca da relação dos pequenos agricultores com o mercado convém retomar seu projeto de sociedade.2 A proposta de reforma agrária do MST faz parte dos anseios da classe trabalhadora brasileira de construir uma nova sociedade: igualitária, solidária, humanista e ecologicamente sustentável. Desta forma, as propostas relativas à orientação e organização da produção agropecuária fazem parte de uma projeto mais amplo de mudanças na sociedade e, fundamentalmente, de alteração da atual estrutura de organização da produção e da relação do ser humano com a natureza. Espera-se que todo processo de organização e desenvolvimento da produção no campo aponte para a superação da exploração, da dominação política, da alienação ideológica e da destruição da natureza. Busca-se, assim, valorizar e garantir trabalho a todas as pessoas, como condição para a emancipação humana e a construção da dignidade e da igualdade entre as pessoas e no restabelecimento de relações harmônicas do ser humano com a na-
2
Reconhecemos que uma melhor caracterização da posição do MST com relação à questão da inserção dos assentados nos mercados requereria um estudo mais aprofundado, de um conjunto mais diverso de documentos e apoio em entrevistas. Mesmo reconhecendo os limites de uma caracterização que toma como fonte somente o discurso público constante em seu site, julga-se importante apresentá-la por que possibilita identificar convergências e divergências entre agentes de desenvolvimento dos assentamentos.
312
Laurício Bighelini da Silveira • Rodrigo da Silva Lisboa
tureza. Tais orientações se traduzem nos objetivos perseguidos com a reforma agrária que, de acordo com “Nossa Proposta de Reforma Agrária Popular” (MST, 2009), visa a: • eliminar a pobreza no meio rural; • combater a desigualdade social e a degradação da natureza que tem suas raízes na estrutura de propriedade e de produção no campo; • garantir trabalho para todas pessoas, combinando com distribuição de renda; • garantir a soberania alimentar de toda população brasileira, produzindo alimentos de qualidade, desenvolvendo os mercados locais; • garantir condições de participação igualitária das mulheres que vivem no campo, em todas as atividades, em especial no acesso à terra, na produção e na gestão de todas as atividades, buscando superar a opressão histórica imposta às mulheres, especialmente no meio rural; • preservar a biodiversidade vegetal, animal e cultural que existem em todas as regiões do Brasil, que formam nossos biomas; e • garantir condições de melhoria de vida para todas as pessoas e acesso a todas oportunidades de trabalho, renda, educação e lazer, estimulando a permanência no meio rural, em especial a juventude.
O MST apresenta, ainda, algumas medidas para mudar o cenário da produção agrícola no Brasil, separando-as em medidas fundamentais e complementares, cada qual compreendendo um rol de ações a serem tomadas e que visam a atingir os objetivos gerais e específicos do movimento. No Quadro 1 foram selecionadas e capturadas as medidas que se julgou tratarem da produção de produtos agrícolas e da relação com o mercado (MST, 2009).
Estratégias de Mercantilização em Assentamentos
313
Quadro 1 – Medidas promovidas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST)
Medidas fundamentais
• A produção agrícola será orientada com prioridade absoluta para a produção de alimentos saudáveis para todo o povo brasileiro, garantindo-se assim o princípio da soberania alimentar. • A produção será organizada com base ao desenvolvimento de todas formas de cooperação agrícola, como: mutirões, formas tradicionais de organização comunitária, associações, cooperativas, empresas públicas, empresas de prestação de serviços, etc. • Organizar agroindústrias próximas ao local de produção agrícola, na forma de cooperativas, sob controle dos agricultores e dos trabalhadores na agroindústria. Realizar programas de capacitação técnica dos trabalhadores, na gestão das empresas cooperativas agroindustriais. • Promover uma agricultura diversificada, rompendo com a monocultura, buscando promover uma agricultura sustentável, em bases agroecológicas, sem agrotóxicos e transgênicos, gerando uma alimentação saudável. Que este novo modelo produtivo gere também uma nova base alimentar e novas formas de consumo, equilibrada e adequada aos ecossistemas locais e culturalmente adequada.
Medidas complementares
• Os trabalhadores assalariados de empresas agropecuárias e agroindústrias deverão se organizar em cooperativas, associações, conselhos, comitês, movimentos, etc... de acordo com sua experiência, tradição e realidades locais, para que por meio da organização popular participem da gestão, recebam por sua produção e tenham garantidos seus direitos sociais; • Não será permitida atuação de empresas estrangeiras no controle da produção e comércio de alimentos e sementes. • Será organizado o desenvolvimento da biotecnologia, visando à produtividade do trabalho, dos produtos, respeitando o meio ambiente, a saúde dos agricultores e do consumidor. Impedindo o uso de sementes transgênicas, árvores transgênicas e técnicas de esterilização de sementes como a “terminator”. • Estimular a realização de feiras permanentes de produtos agroecológicos (orgânicos), em todos os municípios do país. E o Estado deve priorizar a compra de produtos dos assentamentos e das comunidades camponesas para hospitais, creches, quartéis e outras instituições públicas ou de assistência social, bem como para os programas populares de abastecimento alimentar.
Fonte: (MST, 2009).
Observa-se que as orientações do MST estendem-se a questões relativas à organização social, modelo tecnológico da produção agrícola e estratégias de agregação de valor.
314
Laurício Bighelini da Silveira • Rodrigo da Silva Lisboa
A questão do mercado não é tratada especificamente, entretanto define-se claramente orientação à produção de alimentos para o mercado interno (soberania alimentar) e, também, encontram-se referências ao fortalecimento do mercado local reconhecendo-se a necessidade de diferenciar padrões de consumo com vistas a se adaptar às possibilidades dos ecossistemas locais e especificidades culturais. Em pronunciamento realizado no segundo semestre de 2009, por ocasião do lançamento do Programa Residência Agrária na UFSM, representante do MST manifestou sua avaliação de conjuntura sobre as alternativas colocadas aos assentados. Para o representante a viabilização econômica dos assentamentos requer geração de renda – o que pode ser considerada posição questionadora das teses em defesa da priorização da produção para subsistência da família. A geração de renda, no entender do representante, supõe produção em escala (e, para tanto, coletivização de recursos) e intensificação tecnológica. Reconhece, também, que há necessidade de adoção de uma nova referência tecnológica, valorizandose os possíveis aportes da agroecologia, mas esclarece que não se trata de preconizar “uma agroecologia de canteirinho”. Em síntese, entende-se que os pronunciamentos do MST apontam para um projeto de sociedade (idealizado) no qual os interesses sociais se sobrepõem aos interesses de mercado. A organização social da produção agropecuária possivelmente implicaria especialização e aperfeiçoamento tecnológico dos processos produtivos (com consideração dos condicionantes ambientais) em âmbito territorial. Para além de um projeto ideal, entretanto, coloca-se a necessidade de leituras de conjuntura e, nesse contexto, compreende-se a valorização da produção de alimentos, a agroecologia e participação em feiras (venda direta) e mercados institucionais.
A QUESTÃO DA RELAÇÃO COM O MERCADO NA ATES O objetivo geral da Ates, conforme apresentado em seu Manual Operacional (Incra, 2008, p. 16) é:
Estratégias de Mercantilização em Assentamentos
315
Prestar assessoria técnica, social e ambiental às famílias dos Projetos de Assentamento criados ou reconhecidos pelo Incra, tornando-os unidades de produção estruturadas, com segurança alimentar e nutricional, inseridas no processo de produção e voltadas para o desenvolvimento rural sustentável e solidário.
O mesmo documento explicita os objetivos específicos da Ates e alguns deles também estão ligados à área da produção, dentre os quais são destacados: – contribuir na viabilização do desenvolvimento econômico, socioambiental e solidário dos assentamentos; – apoiar as ações destinadas à qualificação e ao aumento da produção agropecuária, pesqueira e extrativista, com ênfase na produção de alimentos; – assegurar que as ações de Ates contemplem todas as fases das atividades econômicas, da produção à comercialização e abastecimento, observando as peculiaridades das diferentes cadeias produtivas; – desenvolver ações de assessoria técnica e educação ambiental que levem à preservação, conservação e recuperação dos recursos naturais dos assentamentos; – viabilizar o acesso dos agricultores(as) às diferentes modalidades do crédito instalação, bem como aos demais programas de crédito produtivo, mediante a elaboração dos Projetos de Exploração Anual (PEA), Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos (PDA), Planos de Recuperação dos Assentamentos (PRA) e Relatório Ambiental Simplificado (RAS) e – orientar estratégias que permitam a construção e valorização de mercados locais e a inserção não subordinada dos(as) assentados(as) no mercado globalizado, visando a gerar novas fontes de renda.
316
Laurício Bighelini da Silveira • Rodrigo da Silva Lisboa
Pelo exposto, o que se percebe é uma priorização da Ates em promover a produção de alimentos para garantir segurança alimentar das famílias e interação com mercados locais e regionais diferenciados, desta forma afastando os assentados de mercados como o das commodities.
A QUESTÃO DA RELAÇÃO COM O MERCADO NOS ASSENTAMENTOS DO NÚCLEO OPERACIONAL DE JOIA O Núcleo Operacional (NO) de Joia está situado na microrregião tritícola de Cruz Alta, no município que dá o seu nome, Joia. Este município faz vizinhança com Eugênio de Castro, Augusto Pestana, Boa Vista do Cadeado, Tupanciretã e São Miguel das Missões, todos localizados na região do Planalto Rio-Grandense. Esta região é caracterizada pelas culturas da soja, trigo e milho e pela criação de bovinos corte e leite. Isso fica evidente quando são analisados os dados sobre produção agrícola para o município, pois de acordo com o IBGE (2008), somente o trigo, o milho e a soja são responsáveis por 94% da renda bruta das lavouras temporárias, com destaque para a soja com 77,7% deste total (Tabela 1). Tabela 1 – Valor da produção das lavouras temporárias em reais e em porcentagem para o município de Joia – RS em 2008 Lavoura temporária
Valor da produção/R$
Participação na produção em % 10,3
Trigo (em grão)
14.477.000,00
Milho (em grão)
8.353.000,00
6,0
108.777.000,00
77,7
Soja (em grão) Outros Total
8.381.000,00
6
139.988.000,00
100
Fonte: Elaboração dos autores a partir de dados do IBGE.
Estratégias de Mercantilização em Assentamentos
317
O leite, outra fonte de renda agrícola para essa região, gerou, no ano de 2008, para o município de Joia, uma renda de R$ 9.048.000,00 (IBGE, 2008), destacando-se como a principal fonte de renda da produção animal. O Núcleo Operacional de Joia é composto por oito assentamentos: Barroca, Ceres, Rondinha, Novo Amanhecer, Santa Tecla, Trinta e Um de Maio, Tarumã/Vinte e Cinco de Novembro e Simon Bolívar e compreende 651 lotes de famílias assentadas e 713 famílias residentes ao todo (para essa análise é este segundo o número de famílias considerado). Qualquer abordagem sobre a trajetória socioprodutiva dos assentamentos do NO de Joia deve partir do reconhecimento de que os assentamentos desse Núcleo foram, inicialmente, referência no desenvolvimento bem-sucedido de matriz produtiva distinta da orientação regional. Enquanto predominava na região o cultivo de grãos e pecuária extensiva, os assentamentos de Joia consolidaram-se na produção leiteira, alcançando nível tecnológico relativamente avançado. Essa matriz produtiva, entretanto, foi quase inviabilizada como consequência de um surto de febre aftosa que levou ao abate de parte considerável dos rebanhos (Andreatta, 2003). Relatórios diversos e informações colhidas em entrevista com assentados revelam o desgosto destes ao verem perdidos os esforços de melhoria genética de seus rebanhos e investimentos em infraestrutura. Pressionados pelas dificuldades da conjuntura daquele momento, os assentados tiveram de seguir a opção apresentada pelos governos da época, que propuseram sua integração ao complexo de produção de grãos. Tomando-se por base os dados constantes nos PDAs e PRAs dos assentamentos do NO de Joia, que se referem ao ano-base de 2008, observa-se a importante presença que a commodity soja tem, atualmente, dentre os cultivos agrícolas nos assentamentos, manifestada por sua abrangência geográfica, pelo número de famílias envolvidas na produção
318
Laurício Bighelini da Silveira • Rodrigo da Silva Lisboa
e área destinada ao cultivo.3 A Tabela 2, que apresenta uma síntese da produção agrícola nos assentamentos, permite visualizar a importância da soja. Tabela 2 – Resumo da produção agrícola nos oito assentamentos do NO Joia em 2008 BARROCA
Produto Nº famílias Total
Área total (ha)
Área semeada (ha)
31 de MAIO
Total núcleo
48
33
713
974
759
11.718
30
6
21
33
14
36
13
28
-
29
110
189
50
83
47
48
33
589
100
86
81
51
98
81
100
100
83
290
955
1.900
500
250
450
539
462
5.346
49
45
43
22
43
55
61
46
25.997
51.300
15.000
7.500
10.350
16.170
12.012
147.029
Nº famílias
25
85
217
64
83
50
48
28
600
Nº de famílias em %
86
66
93
65
98
86
100
85
84
Área semeada (ha)
8
99
413
96
170
80
96
56
1.018
Área semeada %
2
5
10
8
15
8
10
7
9
200
3.069
15.694
2.250
1.740
2.400
3.840
1.960
31.153
29
55
135
45
83
47
24
25
443
Nº famílias Nº de famílias em %
100
43
58
46
98
81
50
76
62
Área semeada (ha)
8
11
27
45
21
14
3
8
137
Área semeada %
2
1
1
4
2
1
0
1
1
Produção total (sc)
100
132
243
45
125
200
50
125
1.020
Nº comercial
-
-
1
3
-
-
Nº de famílias em %
-
-
Nº autoconsumo Nº de famílias em % Hortas autoconsumo
AMANHECER
58 1.054
56
Produção total (sc)
Pomares
25 DE NOV.
85 1.116
8.700
Produção total (sc)
Feijão
BOLÍVAR
98 1.154
Área semeada %
Milho
TECLA
234 4.193
Nº famílias Soja
RONDINHA
128 1.952
Distância da sede (Km) Nº de famílias em %
CERES
29 516
Nº famílias Nº de famílias em %
-
-
-
-
-
4
0
3
29
90
209
35
42
45
37
33
520
100
70
89
36
49
78
77
100
73
1
29
105
213
40
83
45
37
33
585
100
82
91
41
98
78
77
100
82
Fonte: PDAs e PRAs dos assentamentos do NO de Joia (Emater, 2009a, b, c, d, e, f, g, h).
Pode-se ainda observar, com relação à commodity soja, que esta está presente em todos os assentamentos do Núcleo, com maior presença proporcional no assentamento 31 de Maio, no qual corresponde a 60,84% (462 ha) da área total, e menor presença proporcional no assentamento Simon Bolívar, em que corresponde a 22,40% (250 ha) do total da área. Ainda com relação à soja nota-se que 82,61% das famílias do Núcleo têm presente esta atividade, podendo-se destacar três assentamentos com 100% de suas famílias com esta atividade: Barroca, Novo Amanhecer e 31 de Maio. O assentamento Santa Tecla, com 51,02% das famílias, é o que apresenta o menor número de famílias produzindo esse grão – cabe destacar que esse assentamento encontra-se em uma região
3
Com relação à produção obtida nas diferentes atividades agrícolas, observa-se o destaque para a soja, com 147.029 sacas produzidas, o milho com 31.153 sacas e o feijão com 1.020 sacas.
Estratégias de Mercantilização em Assentamentos
319
com condições edafoclimáticas desfavoráveis para a produção agrícola. Segundo o PDA desse assentamento, “há áreas de afloramento e rochas que dificultam qualquer manejo, sendo utilizadas com pastagens cultivadas ou campo nativo”.
Ao se calcular a receita obtida pela produção de soja, considerando os preços médios praticados no ano de 2008, constata-se que a soja com preço médio de R$ 42,94 a saca (Teichmann; Teichmann; Miorin, 2010) ao produzir 147.029 sacas, é responsável por uma receita de R$ 6.307.544,10 para o NO como um todo. Além da soja, foram observadas duas outras culturas relevantes: a do milho e a do feijão. O milho é cultivado por 84,15% do total de famílias assentadas (600 famílias), e apresenta uma área plantada total de 1.018 ha, correspondendo a 8,69% da área total dos assentamentos do NO. O feijão é cultivado por 62,13% das famílias assentadas (443 famílias) e ocupa uma área menor, com cerca de 136,5 ha, correspondendo a somente 1,16% da área total dos assentamentos do NO Joia. Com relação aos pomares, observou-se que existem apenas quatro pomares comerciais, um no assentamento Rondinha e três no Santa Tecla, entretanto os pomares de autoconsumo estão presentes em todos os assentamentos, somando cerca de 520, o que corresponde a 73% do total das famílias assentadas. As hortas para autoconsumo estão presentes em apenas 585 famílias, o que corresponde a 82% do total de assentados.4 Quanto à produção animal, pode-se destacar como principal atividade, a produção de leite, a qual envolve 65,22% das famílias assentadas (465 famílias), destacando-se a maior presença proporcional no assen-
4
Referir-se a este índice com o termo “apenas” pode parecer preciosismo, todavia é uma forma de chamar a atenção para algo que deveria ser tratado, diante dos objetivos do MST e da Ates, como algo fundamental e necessariamente presente em 100% das famílias assentadas, ou algo bem mais próximo a isto.
320
Laurício Bighelini da Silveira • Rodrigo da Silva Lisboa
tamento Simon Bolívar, com 87,06% do total de famílias assentadas (74 famílias) e menor presença proporcional no assentamento 31 de Maio, com 54,55% do total de famílias (33 famílias) (Tabela 3) Tabela 3 – Resumo da produção animal nos oito assentamentos do NO Joia, 2008 Nº famílias Total
Leite
Área total (ha)
29
128
234
98
85
58
48
33
713
516
1.952
4.193
1.154
1.116
1.054
974
759
11.718
28
Distância da sede (Km)
30
6
21
33
14
36
13
Nº famílias
24
79
175
11
74
48
36
18
Nº de famílias em %
83
62
75
11
87
83
75
55
65
Nº de animais em prod. Prod. (L/dia) no ass.
78
562
1.030
56
296
288
252
164
2.726
2.592
2.071
1.148
22.684
50
24
30
350
280
304
83
2.713
780
4.400
9.270
560
1.863
Ovelhas
Nº de animais
21
18
117
90
-
Suínos
Nº de animais
90
250
936
640
Bovinos de corte Nº de animais Aves
Nº de animais
130
465
65
158
468
192
50
60
225
75
1.293
290
3.250
8.170
1.200
850
1.400
2.250
1.320
18.730
Fonte: Elaboração dos autores.
Já em termos de produção total, pode-se destacar o assentamento Rondinha com 9.270 litros/dia e com menor produção o assentamento Barroca, com 780 litros/dia, perante um total de produção no NO Joia de 22.684 litros/dia. A produção de leite, com este volume total relatado, configura-se na segunda maior fonte de renda para os assentados do NO Joia. Considerando-se essa produção diária nos 365 dias do ano chegamos a um total anual de 8.279.660 litros, que a preço médio de R$ 0,64 (Tonello et al., 2009) para o ano de 2008, soma uma receita bruta de R$ 5.298.982,40. Quanto às demais atividades de produção animal, pode-se deduzir que são predominantemente destinadas ao autoconsumo, pelo reduzido número de animais presentes de cada espécie em relação ao número total de 713 famílias vivendo no assentamento, com eventual venda de excedentes. Observou-se a presença de 350 ovelhas, 2.713 suínos, 1.293 bovinos de corte e 18.730 aves. Pode-se concluir, portanto, que a matriz produtiva dos assentamentos do NO Joia é baseada principalmente na produção de soja e leite, tendo como atividades secundárias destacadas o milho e o feijão,
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registrando-se também a presença de pomares comerciais e domésticos, criações de aves, bovinos de corte, ovinos e suínos como atividades de autoconsumo. Em síntese, as evidências sobre a importância da soja nos assentamentos do NO de Joia apontam para a integração dos assentados aos circuitos comerciais de commodities coordenados pelo capital agroindustrial – algo distante tanto da proposta de inserção diferenciada nos mercados quanto da proposta de reforço à autossuficiência alimentar dos agricultores.
DILEMAS DOS AGENTES DE DESENVOLVIMENTO NA QUESTÃO DA RELAÇÃO COM O MERCADO NOS ASSENTAMENTOS DO NO DE JOIA Os dados examinados sobre a matriz produtiva dos assentamentos do Núcleo Operacional de Joia revelam que a questão do grau de integração ao mercado merece ser mais bem estudada porque não se pode pressupor que os assentamentos se comportem como “ilhas isoladas” em relação à economia regional, mas também deve-se reconhecer que pode ser encontrada grande heterogeneidade entre eles nesse aspecto. Os assentamentos de Joia revelam-se, numa primeira aproximação, espaços bem integrados nos circuitos regionais de comercialização da produção.5 A partir dessa constatação, a questão posta aos agentes de desenvolvimento possivelmente desloca-se da busca de maior integração para a busca por qualidade de integração ao mercado. Ao colocar-se essa perspectiva, evidencia-se que os agentes de desenvolvimento atuantes
5
Cabe reconhecer, porém, que as evidências indicam que essa pode não ser a regra dos assentamentos rurais do RS.
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no NO de Joia estudados (MST e Prestadora de Serviços de Ates) tendem a manifestar uma avaliação negativa sobre a principal estratégia de integração no mercado – mediante produção da commodity soja. A avaliação negativa em relação à integração no mercado pela via da produção de soja fundamenta-se na divergência em relação ao projeto político de sociedade no qual se ancora (caso do MST) ou mais diretamente numa avaliação crítica quanto as suas potencialidades enquanto estratégia de reprodução social e econômica de agricultores familiares (caso das prestadoras de Ates). Examinando as argumentações apresentadas nessa segunda perspectiva revela-se que as estratégias que vêm sendo adotadas pelos assentados para assegurar sua inserção no complexo de produção de grãos têm sido as mais diversas. Tendo em vista a dificuldade de adquirirem as máquinas agrícolas necessárias para a produção destas culturas, e por estarem relativamente sem acesso a crédito de custeio, famílias acabam fazendo parcerias (dividindo sua produção com outros agricultores que têm acesso aos insumos e possuem as máquinas necessárias para a produção). Em decorrência, não é possível definir de forma precisa a quantidade de renda que, realmente, permanece com as famílias assentadas, mas o que se pode afirmar é que parte da produção de milho e de soja apresentadas na Tabela 3 é compartilhada entre assentados e com atores externos aos assentamentos. O endividamento dos agricultores pode indicar, também, os limites de viabilidade dessa proposta de orientação da produção. Observa-se que, embora a conjuntura regional ainda seja favorável para o incentivo à produção da cultura da soja em larga escala nos assentamentos, na percepção dos agentes de desenvolvimento estudados o leite vem se apresentando como uma importante alternativa. Assim, cabe registrar o esforço histórico dedicado pelos agentes de desenvolvimento ao fortalecimento da produção leiteira nos assentamentos desse Núcleo. Entende-se que tal esforço se materializa na maior importância que tem o leite na economia dos estabelecimentos dos assentados ante a economia do município de Joia. Constata-se que, em 2008, a soja foi
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responsável por 54,34% e o leite por 45,66% do total da receita, ao se considerar somente estes dois produtos principais da matriz produtiva dos assentamentos. Ou seja, a matriz produtiva dos assentados, embora se assemelhe à matriz produtiva regional, distingue-se, sobretudo, pela maior importância do leite na renda das famílias, posto que no município o valor gerado pelo leite não atinge 10% do valor gerado pela soja. Assim, parte dos esforços históricos da Ates podem ser relacionados a iniciativas de consolidação da cadeia produtiva do leite nos assentamentos, buscando interferir tanto no âmbito da organização social da produção quanto no modelo tecnológico com vistas a uma maior compatibilização com os princípios e objetivos da Ates. 6 No que se refere à questão tecnológica, por exemplo, o incentivo para a produção leiteira no NO de Joia busca a ampliação das áreas com pastagens perenes (o que aumenta significativamente a produtividade e promove a redução dos custos de produção) e maior apoio técnico no manejo dos rebanhos. As iniciativas nesse âmbito, contudo, nem sempre são bem-sucedidas diante da priorização da soja nas estratégias produtivas das famílias. Na maioria dos casos, a área destinada à produção leiteira ainda está condicionada à variação do preço de mercado das outras culturas. Ou seja, quando o preço de mercado, principalmente do milho e da soja, estão baixos, os agricultores ampliam a produção leiteira. Quando o preço destas commodities melhora, a produção leiteira diminui, reduzindo-se significativamente a área destinada para pastagens. Principalmente por este motivo é que os agricultores não investem em pastagens perenes. O remanejo das áreas com pastagens anuais segundo as variações dos preços das commodities torna-se muito mais fácil, ao contrário do que ocorreria se houvesse uma quantidade maior de espécies perenes.
6
Neste contexto, tradicionalmente a Ates tem operado também com temáticas não contempladas adequadamente pelos agentes privados: trabalhando a conservação do solo, segurança alimentar e reforço à autonomia (pelo incentivo à diversificação das fontes de renda). Notando-se também, a presença em grande parte das unidades produtivas de atividades voltadas ao autoconsumo, tais como: feijão, pecuária de corte, aves, suínos, ovelhas, pomares e hortas não comerciais.
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O reconhecimento da presença de agentes privados de orientação técnica nos assentamentos, de que eles propõem facilidades diversas para a produção da commodity visada e de que, em certas circunstâncias, as políticas públicas contribuem ao favorecer os interesses de agentes do capital agroindustrial7 mostram a complexidade e dificuldade de uma intervenção da Ates quando esta procura a consolidação de um modelo que não se apresenta como tendência hegemônica no território trabalhado. Assim, fica evidente o conflito de projetos políticos para os assentamentos e suas implicações para o trabalho de Ates. Em 2009 houve mudança na prestadora de Ates para os assentamentos do NO de Joia e, como nos primeiros tempos a atuação ficou condicionada às metas estaduais, entende-se que nova proposta de intervenção passou a ser delineada somente a partir de 2011, quando suas ações foram construídas participativamente a partir dos PDAs e PRAs. Cabe refletir sobre as possíveis consequências desta mudança. Se uma das propostas principais da política de Ates é desenvolver a definição participativa das prioridades da assistência técnica, ambiental e social, então conhecer os reais objetivos dos assentados é fundamental. Ao serem considerados os interesses dos assentados, as demandas relativas às tecnologia para produção de commodities poderiam passar a fazer parte do debate e vir a ser consideradas prioridades. Estariam os agentes da Ates preparados para enfrentar essa realidade?
7
Ao discutir as razões da dificuldade de consolidação de linhas de produção alternativas, Chies (2007) identificou a importância das políticas públicas de crédito rural no direcionamento da produção no NO de Sarandi. Em contexto de realidade regional semelhante, a Ates do núcleo de Sarandi se destacou pela trajetória de criação de oportunidades para inserção em circuitos alternativos destacando-se articulações para produção de hortigranjeiros em matriz tecnológica da agroecologia e participação em feiras, criação e dinamização de agroindústrias (para beneficiamento de erva-mate, por exemplo). A maior parte destas iniciativas não conseguiu se consolidar devido à opção dos assentados pela matriz produtiva de grãos e leite e as facilidades do crédito ofertado pelos governos influenciou nessa escolha.
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Nesse contexto, é urgente que seja reconhecida a importância da questão dos conflitos de projetos entre agentes atuantes no assentamento e destes com os assentados, sobretudo com relação à questão das formas de inserção no mercado. Entende-se que tal discussão pode qualificar, inclusive, a compreensão sobre o que se espera das metodologias participativas e o caráter educativo das atividades de Ates.
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APRENDIZADOS DE UMA ATES EM BUSCA DO DESENVOLVIMENTO DOS ASSENTAMENTOS Vivien Diesel Pedro Selvino Neumann
DESENVOLVIMENTO COMO PRINCÍPIO NORTEADOR DAS AÇÕES DE ATES A colocação em pauta da questão do desenvolvimento remete à iniciativa de definição de um projeto coletivo de futuro. Desde que os ideários evolucionistas perderam força, percebeu-se que o futuro das sociedades não é predeterminado e pode ser construído coletivamente. Aqueles, porém, que estão em melhor posição nas estruturas socioeconômicas e políticas vigentes, podem não ter interesse em mudanças, em colocar em questão as tendências atualmente em curso. Assim, são frequentes os embates sobre as possibilidades do desenvolvimento e, sobretudo, sobre as possibilidades de modelos alternativos de desenvolvimento. No âmbito do desenvolvimento rural as discussões geralmente partem das iniciativas de promoção do desenvolvimento realizadas pelo governo brasileiro no pós-guerra, das experiências de “modernização da agricultura”, ainda fortemente influenciadas pelo ideário evolucionista. À medida que os ideários evolucionistas perderam força e ressaltou-se
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a importância das decisões políticas na definição do rumo da história de uma sociedade, visualizaram-se novas possibilidades, como a definição e execução de projetos nacionalistas de desenvolvimento ou de projetos de desenvolvimento que atendem aos interesses da maioria da população. Um projeto mais ousado foi formulado por ocasião da defesa do “outro desenvolvimento”, pois se partia da negação ampla do modelo das sociedades capitalistas e urbano-industriais como referência para um futuro a ser buscado. Entre as noções que, naquele momento, eram apresentadas como alternativas, figurava a ideia de “ecodesenvolvimento” desenvolvida por Ignacy Sachs. Uma das contribuições importantes, introduzida pela discussão em torno do “ecodesenvolvimento”, também compartilhada pelos propositores do “outro desenvolvimento”, refere-se ao questionamento da finalidade do desenvolvimento, questionamento este que levou ao reconhecimento da relatividade dos projetos de futuro idealizados pelas diferentes sociedades e, neste mesmo sentido, à valorização da diversidade (ambiental e cultural) que passa a ser percebida mais como uma potencialidade do que como um limite. A valorização da diversidade implica, também, um projeto de futuro que prevê sua manutenção, e não sua negação. Neste contexto a ideia de coevolução proposta por Richard Norgaard tem se constituído num insight fértil para pensar estas modalidades de desenvolvimento. Embora sem referência às expressões “outro desenvolvimento” ou “ecodesenvolvimento”, muitos destes princípios estão presentes em noções atuais de desenvolvimento endógeno, desenvolvimento local ou desenvolvimento territorial. O consenso constituído em torno da noção de desenvolvimento sustentável, por sua vez, remete à disposição de comprometimento político com estratégias que busquem melhorias tanto na dimensão social e ambiental quanto econômica. Governos recentes, no Brasil, têm fomentado a discussão e construção de referências para o desenvolvimento a ser buscado para o meio rural. As elaborações do Conselho Nacional de Desenvolvimento
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Rural Sustentável (Condraf), por exemplo, são produto destes esforços e têm referendado propostas de desenvolvimento sustentável – atentas às questões sociais e ambientais – convergindo com princípios gerais propostos na Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pnater). Assim, entende-se que pensar a atuação da Ates nos assentamentos enquanto política pública requer considerar suas potenciais contribuições para o alcance de um modelo alternativo de desenvolvimento rural. Implicaria, então, a construção coletiva de projetos particulares, distintos em razão dos objetivos, potencialidades e limitantes encontrados em cada realidade de assentamento.
APROXIMAÇÕES AOS CONFLITOS EM TORNO DO DESENVOLVIMENTO EM DIFERENTES REALIDADES DE ASSENTAMENTOS DO RS Foge ao escopo deste texto apresentar uma leitura sistemática sobre a problemática do desenvolvimento nos diversos assentamentos do Rio Grande do Sul. Embora tenham se realizado estudos acadêmicos sobre a realidade dos assentamentos do RS, estes são condicionados por seus objetivos, distintos dos aqui apresentados. Em contrapartida, diversos atores com os quais se conviveu no período de acompanhamento das ações de Ates (2008/2011) – e que atuam nos assentamentos – desenvolveram “sistemas classificatórios” que, ao mesmo tempo que são genéricos, mostram-se úteis para as reflexões aqui perseguidas sobre a problemática do desenvolvimento nos assentamentos. Representantes de movimentos sociais trabalham com a noção de assentamentos como territórios em disputa e, nesse sentido, distinguem territórios (assentamentos) dominados pelo capital e “assentamentos do movimento”. Cabe considerar que a “dominação do capital” manifestase especialmente pela integração ao mercado, produção individualizada, com orientação para commodities, mediante utilização de modelo tecno-
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lógico convencional. Este seria o caso dos assentamentos nos quais há condições agroecológicas propícias e orientação à produção de grãos (soja), por exemplo. Estas condições se verificariam, tendencialmente, também em assentamentos do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), quando as condições agroecológicas são favoráveis, tendo em vista a tendência à maior capitalização inicial dos agricultores. Nestes assentamentos, porém, podem ser encontrados altos graus de endividamento e existem potenciais conflitos de projetos entre assentados e organizações do movimento, e/ou entre assentados e Incra/RS. Os conflitos com o Incra/RS dizem respeito, frequentemente, a questões de regularização da área e, sobretudo, a questões relativas à política do Incra de coibição de parcerias e arrendamentos – que impossibilitam a adoção de estratégias econômicas percebidas como convenientes pelos agricultores para acesso à recursos necessários a produção. Um grupo restrito de assentamentos corresponderia ao modelo de organização social e produtiva idealizado pelas representações políticas dos assentados, pois mesmo quando apresenta produção significativa de commodities, o faz sob modelo de produção coletiva e com maior atenção aos condicionantes ambientais. Nestes casos geralmente a produção de commodities é combinada com outras linhas produtivas, assegurando uma maior sustentabilidade econômica das famílias assentadas. As dificuldades porventura encontradas referem-se a demandas de parcerias e apoio do Incra/RS a estratégias de intensificação técnico-produtiva e agregação de valor perseguidas pelos assentados. Um grupo restante de assentamentos, que possivelmente configura a maioria numérica, enquadra-se como “assentamentos com problemas de desenvolvimento”. Numa parte significativa destes assentamentos as restrições agroecológicas à intensificação da produção agropecuária, a distância ao mercado ou restrições de infraestrutura e acesso a recursos materiais e financeiros vêm criando dificuldades para a consolidação socioprodutiva das famílias assentadas. A produção de leite tem sustentado muitas destas famílias, observando-se, também, algumas experiências inovadoras de inserção em nichos de mercado locais. No caso desses
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assentamentos com muitas restrições, pode se verificar conflitos diversos com o Incra relativos à criação e manutenção de infraestrutura, acesso a recursos materiais e financeiros, regularização de lotes (tendo em vista a alta rotatividade) ou conflitos em torno de ações e estratégias adotadas pelos assentados (prestação de serviços temporários fora do lote, parcerias, exploração de recursos naturais protegidos por lei, entre outros). Dentro deste amplo grupo de assentamentos com restrições diversas, incluem-se assentamentos do governo estadual do RS (carentes de apoio do poder público). A consideração destas distintas realidades dos assentamentos remete a divergências nas condições, trajetórias históricas e, consequentemente, na natureza dos projetos de futuro – e demandas – portadas e verbalizadas pelos assentados. Reconhecendo, então, que se configuram diversas realidades quanto ao desenvolvimento dos assentamentos, busca-se investigar como a Ates tem atuado, desde 2008 perante elas. Constata-se que desde a criação da política de Ates houve inúmeras inovações institucionais e metodológicas e este texto propõe-se a tecer considerações iniciais sobre os avanços que estas inovações propiciaram em termos de facilitação dos processos de desenvolvimento endógeno.
PRIMEIROS TEMPOS: Ação Educativa em Temáticas Predeterminadas e Elaboração dos Planos de Desenvolvimento Entende-se que a atuação da Ates nos assentamentos do Rio Grande do Sul, nos primeiros tempos, pode ser compreendida se considerarmos que esta se manifestou de duas frentes: uma de prestação de serviços e outra de criação de espaços de diálogo. A frente de prestação de serviços buscou assegurar aos assentados acesso à assessoria técnica social e ambiental em temáticas consideradas relevantes que seriam abordadas em âmbito estadual. Como no primeiro
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contrato foi o Incra/RS que determinou as metas orientadoras do trabalho de Ates, é a sua visão de prioridade que se reflete na natureza dos serviços prestados. Os espaços de diálogo do Incra/RS com prestadoras e técnicos revelaram que a proposta de intervenção de Ates traduzida no contrato de 2009 não era consensual. Há evidências de divergências de perspectivas sobre quais seriam as temáticas que constituiriam prioridade de intervenção nos assentamentos e sobre como deveria ser a atuação da assessoria técnica, social e ambiental para que fosse eficaz. Observam-se críticas, também, quanto às condições dadas para realização das ações propostas pelo Incra/RS considerando-se, sobretudo, os limites de capacitação e os prazos insuficientes para realização de um “bom trabalho”. Ao contextualizar essas críticas cabe ponderar que dificilmente se constituem amplos consensos entre técnicos e entidades em casos nos quais esses agentes têm experiências muito distintas – como é o caso do Rio Grande do Sul. Muitas das críticas expostas nos espaços de diálogo, entretanto, foram reconhecidas como pertinentes, levando a uma revisão da proposta do Incra/RS. As dinâmicas sociais nos espaços de diálogo, nas relações entre prestadoras, assentados e o Incra/RS nos Conselhos Regionais – revelam que, nesses espaços, foram postas em discussão muitas das demandas dos assentados, que remetiam ao seu projeto de desenvolvimento. Além disso, frequentemente mencionou-se que os assentados solicitavam que o técnico de Ates se constituísse seu porta-voz na reivindicação e encaminhamento de demandas diversas perante o Incra/RS.1 Tais circunstâncias criaram um conflito potencial quanto à natureza da intervenção do agente de Ates que haveria de se comportar ora como responsável por
1
Nas reuniões dos Conselhos Regionais acompanhadas por discentes da disciplina experiências em Extensão Rural, no segundo semestre de 2009, revelou-se que os assentados não criticaram o trabalho dos técnicos, muito embora alguns os classificaram como trabalhos que não teriam prioridade no atendimento de suas necessidades mais urgentes.
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orientação técnica especializada, ora como educador – que corresponderia à postura mais condizente com os termos do contrato do Incra/RS – ora como representante dos assentados diante do Incra/RS. Entende-se que a impotência do técnico no encaminhamento de demandas relativas à infraestrutura e de pendências legais (visto que não tem atribuições neste âmbito), a necessidade do cumprimento de metas de formação estaduais e a desarticulação entre ações da Ates com outras intervenções nos assentamentos contribuíram para afastar o técnico dos assentados e, também, para gerar um certo descrédito acerca da contribuição potencial da Ates no desenvolvimento dos assentamentos. Em sua concepção os PDA e PRA foram pensados como um importante espaço de diálogo que propiciaria uma aproximação entre técnicos e famílias assentadas e que poderia resultar na almejada sintonia entre o projeto institucional de intervenção do Incra/RS e o das famílias assentadas. Assim, a elaboração participativa dos PDAs e PRAs poderia ser considerada uma contribuição significativa na ótica da promoção de um desenvolvimento alternativo no âmbito dos assentamentos, dado seu potencial na mobilização de atores, aprendizagem sobre a realidade local e planejamento coletivo de ações futuras. Ao longo dos anos de 2009 e 2010 as equipes técnicas criaram espaços de diálogo nos assentamentos para elaboração dos Planos de Desenvolvimento ou de Recuperação de cada assentamento, como estava previsto. Uma análise mais detalhada dos procedimentos adotados na elaboração dos PDAs e PRAs na Região Centro-Norte do Rio Grande do Sul revelou que os atores participantes (equipes técnicas, lideranças e assentados) não dispunham de total liberdade para sua realização. Ou seja, os procedimentos adotados pelo técnico, embora diversos, estavam fortemente norteados pela necessidade de elaboração de um documento técnico (os planos) dentro de um prazo determinado. O documento técnico em si, a ser apresentado como produto da ação de Ates, requeria um conjunto de informações técnicas que haveriam de ser obtidas em outras fontes, simultaneamente à mobilização dos grupos.
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Entende-se que, assim, as equipes conferiram prioridade à elaboração do documento, consultando os grupos de assentados prioritariamente sobre questões que não constavam na literatura (dados sobre a situação atual dos assentamentos, por exemplo). 2 Assim, uma iniciativa que poderia ser o embrião de processos de diálogo orientados à formulação de um projeto de desenvolvimento endógeno, foi proposta num ambiente e de tal forma que prejudicava sua legitimidade, e tal fato pode ter limitado seu potencial.
AÇÃO EDUCATIVA EM TEMÁTICAS OPORTUNAS E AÇÕES COMPLEMENTARES Após o primeiro ano de execução, os contratos causavam um certo grau de insatisfação às prestadoras, aos técnicos e aos assentados. Uma constatação recorrente foi que as reuniões dos Conselhos Regionais de Ates, que tem como objetivo principal a avaliação do trabalho de Ates por parte dos assentados, acabavam revelando a insatisfação destes em relação à falta de atendimento as suas demandas mais imediatas. Sendo assim, as reuniões acabavam tendo como pauta principal a reivindicação dos assentados ao Incra quanto ao encaminhamento de suas demandas diversas e também a colocação, por parte dos técnicos, da impossibilidade de atendimento a algumas dessas demandas – relativas à atuação da Ates –, em razão da obrigatoriedade do cumprimento das metas preestabe-
2
Em entrevistas a técnicos da Ates ficou claro que em muitos assentamentos a participação foi baixa durante a realização de algumas metas – como o levantamento dos dados para a elaboração dos PDAs e PRAs. Essa falta de participação era identificada, pelos técnicos, como derivada de um desinteresse em realização de algo que terá resultados distantes no tempo A disposição para participação, de acordo com os técnicos, também está relacionada com o tempo de existência do assentamento. Nos assentamentos mais novos a participação era maior, em razão da novidade na elaboração dos planos de desenvolvimento, enquanto nos assentamentos mais antigos a participação diminuía, pois os assentados já participaram de processos similares e, segundo os técnicos, estes não trouxeram resultados efetivos para os assentamentos.
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lecidas, cujo prazo se expirava. Ficava, assim, evidente o descompasso entre as ações propostas pelo Incra/RS e os projetos de desenvolvimento dos quais os assentados eram portadores. Entende-se que a heterogeneidade da situação dos assentamentos e a natureza do desenvolvimento enquanto processo em que “problemas superados colocam novos problemas a superar – de naturezas distintas e frequentemente imprevisíveis” – indica a dificuldade de viabilização de uma Ates eficaz por meio de metas predefinidas, rígidas e homogêneas, de alcance estadual. Ao se pensar em termos processuais de desenvolvimento e modelos de atuação participativos, acentuam-se as contradições potenciais entre as concepções discursivas e as práticas baseadas em metas preestabelecidas e pouco flexíveis. Neste contexto, discutiram-se as alternativas de avanço na orientação do trabalho de Ates com vistas a potencializar suas contribuições para o desenvolvimento dos assentamentos. Havia uma clara percepção sobre a necessidade de “enraizar” as metas na realidade dos assentamentos. Por não se dispor, ainda, da possibilidade de embasar as metas nos PDAs e PRAs – pois que estavam inconclusos – as alterações propostas pelo Incra/RS para 2010 se restringiram a conceder maior autonomia às prestadoras por meio de duas estratégias: maior liberdade na escolha das temáticas a serem abordadas nas atividades coletivas e maior tempo para “atividades não previsíveis”, significando a possibilidade de realizar ações de articulação e outras necessárias ao efetivo apoio na resolução dos problemas dos assentados. Numa avaliação retrospectiva constatou-se que, esse contrato, de modo geral, embora possibilitasse maior adequação da temática à realidade socioprodutiva dos assentamentos, manteve o formato de trabalho da Ates baseado em ações individuais e coletivas, esparsas e todas de caráter formativo, em que a escolha das temáticas dependeu, basicamente, da equipe técnica. Constatou-se, assim, que as equipes tiveram dificuldade em articular as ações em torno de uma proposta específica de desenvolvimento para cada assentamento (com priorida-
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des e objetivos claros). Desse modo, as ações propostas nesse contrato pouco se diferenciaram das do contrato anterior quanto a sua natureza (enfatizando-se ações centradas na “sensibilização”) e também não se mostraram significativamente mais articuladas entre si. Avaliava-se que maiores avanços dependeriam de uma elaboração mais colaborativa das metas em espaços de discussão amplamente democráticos. Tal procedimento poderia garantir aos assentados a resolução de alguns de seus problemas mais urgentes e, como o diálogo permitiria a manifestação de todos, as possibilidades e dificuldades para o desenvolvimento das atividades demandadas ficariam evidentes, possibilitando uma priorização consensual de metas viáveis, a serem atendidas durante o desenvolvimento das atividades de Ates. Esse processo seria facilitado uma vez que se dispusesse dos PDAs e PRAs, pois que subsidiariam uma leitura mais sistemática da realidade dos assentamentos, de modo que maiores avanços na contemplação da regionalização das metas dependeriam de sua conclusão .
AÇÃO EDUCATIVA NORTEADA PELOS PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO LOCAIS Ao se optar pela “regionalização” de parte das metas no contrato para 2011 avaliou-se que seria estratégico reforçar simultaneamente a organização dos assentados. Isso seria possível mediante a abertura de espaço nos contratos para a inclusão de metas que atendessem à demandas priorizadas pelas famílias em conjunto com as equipes técnicas (e em consonância com os PDAs e PRAs e capacidade de trabalho de cada equipe). Tal iniciativa foi operacionalizada inserindo-se na pauta dos Conselhos Regionais da Ates a discussão sobre as metas regionais. O Quadro 1 faz um comparativo entre as ações produtivas constantes no Contrato Ates 2009 e no Contrato Ates 2011.
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Aprendizados de uma Ates em Busca do Desenvolvimento dos Assentamentos
Quadro 1 – Quadro comparativo das ações produtivas dos Contratos Ates 2009 e 2011 em assentamentos selecionados do RS Assentamento
Padre Reus
Contrato 2009 Tema Instalação e manejo de unidades de- Solos monstrativas de adubação verde e adubação orgânica Formação de um catálogo de sementes crioulas Curso sobre manejo profilático de pomares Elaborar um projeto por assentamento para recuperação de solos degradados Arroz sequeiro Peixe Pastagem
Contrato 2011 Temática Ferramenta Período Adubação Unidade Anual Verde pedagógica
Manejo da cultura Criação de peixes de água doce Pastagens de inverno
Palestra 1 turno Curso 1 turno
Agosto
Curso 1 turno
Maio
Elaboração de silagem Pastagem de verão Pastagem de inverno Adubos orgânicos
Oficina 1 turno Curso 1 turno Curso 1 turno Curso 1 turno
Fevereiro
Produção sementes crioulas
Palestra 1 turno
Agosto
Plantio direto Manejo apiário Manejo cultura
Oficina 1 turno Curso 1 turno Palestra 1 turno
Março
Dezembro
Instalação e manejo de unidades demonstrativas de adubação verde e adubação orgânica Formação de um catálogo de sementes crioulas Curso sobre manejo profilático de pomares Elaborar um projeto por assentamento Vassoural para recuperação de solos degradados Leite Leite Leite Horta Instalação e manejo de unidades demonstrativas de adubação verde e adubação orgânica Formação de um catálogo de sementes Milho crioulas Arroio das Pedras
Setembro Abril Março e Novembro
Curso sobre manejo profilático de pomares Elaborar um projeto por assentamento para recuperação de solos degradados Milho Apicultura Feijão
Maio Agosto
Fonte: Adaptado de Zarnott, A. V. et al. Evolução do Programa de Assistência Técnica, Social e Ambiental (Ates) no RS. In: JORNADA DE ESTUDOS EM ASSENTAMENTOS RURAIS, 5., 2011, Campinas. Anais... 2011. v. CD.
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No Quadro 1 observa-se que as quatro ações relativas à produção no contrato de 2009 no assentamento Vassoural não foram julgadas oportunas ou priorizadas no contrato de 2011 para o mesmo assentamento. No caso dos assentamentos de Arroio das Pedras e Padre Reus, apenas uma das ações de 2009 teve sequência em 2011. Entende-se que esse Quadro ilustra a heterogeneidade dos assentamentos e de suas demandas e a tendência à inadequação entre ações propostas e a realidade dos assentamentos quando estas são homogêneas em âmbito estadual – como ocorreu no contrato de 2009. Assim, a iniciativa de discutir e definir, no âmbito dos Conselhos Regionais, ações que deveriam ser priorizadas no Núcleo Operacional, revela um avanço no sentido do enraizamento das ações da Ates na realidade regional. Esse avanço, entretanto, ainda não se traduziu no enraizamento com a realidade de cada assentamento, como seria desejável. Quando examinada a metodologia proposta para intervenção do extensionista diante da temática priorizada, constata-se que, na maioria das vezes, é prevista apenas uma ou duas atividades de formação ao longo de um ano de trabalho. Esse aspecto constitui, então, um dos pontos críticos da proposta de Ates atualmente vigente, a ser discutido no futuro.
PREOCUPAÇÕES ATUAIS APONTANDO PARA PERSPECTIVAS FUTURAS As constantes mudanças nos contratos de Ates revelam que não existe clareza sobre como o programa deve ser executado, mas mostram também a disposição em construir conjuntamente esse caminho. Naturalmente que esse processo de construção coletiva é influenciado por demandas e limites institucionais que demarcam as posições da Superintendência do Incra no Rio Grande do Sul, da mesma forma que guiam as posições dos demais agentes.
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Pensar o desenvolvimento – em uma perspectiva de desenvolvimento endógeno – exige considerar os processos de mobilização social e política em torno da construção de um projeto coletivo. Trata-se de se definir que tipo de organização social teria a legitimidade de propor um projeto em nome do coletivo e como ela haveria de ser construída nos assentamentos. Em uma visão retrospectiva sobre os processos de organização social nos assentamentos desponta o esforço histórico realizado pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) no sentido de alcançar a organicidade e a complexidade da estrutura organizativa proposta pelo mesmo. Ao mesmo tempo, evidenciam-se as dificuldades enfrentadas para a materialização e consolidação das estruturas organizativas propostas e a diversidade das formas associativas informais encontradas nos assentamentos. Assim, uma primeira questão que precisa ser enfrentada pela Ates caso se proponha a promover processos de planejamento participativo refere-se à unidade social básica de planejamento do desenvolvimento. Enquanto o MST toma por base os núcleos3 de famílias, os PDAs e PRAs tomam como referência os assentamentos e os processos de regionalização de metas da Ates do RS estão adotando planejamento por Núcleo Operacional. Cabe considerar, ainda, que sempre que o planejamento é realizado em coletivos amplos há necessidade de instituir mecanismos de representação que trazem, por sua vez, limitações em termos de envolvimento e comprometimento das bases com os projetos acordados coletivamente. Essa questão já foi enfrentada por alguns teóricos de forma que, atualmente, dispõe-se de estratégias alternativas que poderiam favorecer a legitimidade dos processos de planejamento do desenvolvimento em coletivos mais amplos. Entende-se que, no caso da Ates, esta ainda é uma questão em aberto, merecedora de maior atenção.
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Conhecidos também por “bolsões” ou “grupos de interesse” nucleados ao MST.
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A segunda questão a ser discutida aqui refere-se ao “planejar para quê?” Quando se trabalha com concepções participativas de planejamento a elaboração de um plano é também um momento de aprendizagem, mobilização, construção de consensos e comprometimento das partes envolvidas. Caso o planejamento seja percebido como a elaboração de um documento técnico a ser consultado eventualmente pela visão sistemática da realidade que proporciona, suas contribuições para o desenvolvimento podem ser muito pequenas. Tal argumentação parte do pressuposto de que as mudanças sociais – desenvolvimento – geralmente têm condicionantes e prerrequisitos diversos, requerendo apoio (e mudanças de comportamento) de diversos agentes, de modo que a mudança será mais provável se todos reconhecerem a necessidade de realizá-la e se comprometerem com ela. Os textos que compõem esta obra revelam as múltiplas dificuldades enfrentadas pelos assentados e a presença de diversidade significativa de agentes de assistência técnica e de desenvolvimento no espaço dos assentamentos. Nesse contexto, os avanços que vêm sendo adotados no âmbito do planejamento do desenvolvimento ainda são percebidos como insuficientes por duas razões principais, a seguir expostas. Entende-se que há um impasse subjacente entre o planejamento do desenvolvimento do assentamento e o planejamento da atuação da Ates no assentamento. Tendo em vista as dificuldades estruturais existentes em muitos assentamentos torna-se importante reconhecer a necessidade de planejar o desenvolvimento do assentamento prevendo as ações estruturantes e estabelecendo compromissos para sua realização com as partes implicadas. Tendo em vista que os conflitos de desenvolvimento não se restringem a questões relativas ao trabalho de formação a cargo de uma assessoria técnica, social e ambiental, possivelmente seria necessário ampliar a base social envolvida na construção dos planos de desenvolvimento, visando ao comprometimento dos mais diversos agentes sociais implicados com as mudanças necessárias e propostas. Ainda, caberia valorizar os aportes dos processos de planejamento em termos de mobilização social. Ou seja, explorar o potencial do planejamento como mecanismo de mobilização
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e comprometimento de agentes em torno de um projeto coletivo, o que traz implicações importantes do ponto de vista da distribuição do poder, pois, nesse caso, as partes devem ter autonomia para executar aquilo a que se comprometeram por ocasião da elaboração dos planos – que assumem, então, características de “pactos sociais”. A terceira e última questão a ser abordada neste texto refere-se a: “controle para quê?” Observa-se que houve diversos avanços no âmbito dos mecanismos de controle sobre a execução do Programa de Ates. Até o presente momento esse controle serviu, basicamente, para contemplar requisitos colocados ao Incra com vistas a assegurar a necessária transparência na utilização de recursos públicos. Entende-se que, num contexto em que há necessidade de assegurar a legitimidade dos investimentos feitos no âmbito da reforma agrária perante a opinião pública, esses dados gerados pelos sistemas de controle poderiam gerar, também, leituras mais precisas sobre as ações e os resultados desses programas. Isso implicaria o trabalho especializado sobre esses dados, o que requer um tipo de estrutura que ainda não está ativa no âmbito do Incra. Por outro lado, os dados podem facilitar aprendizagem sobre a Ates, que são utilizados pelos Conselhos (regionais e estaduais) para embasar suas tomadas de decisão. Assim, avanços nesse âmbito também parecem favorecer as perspectivas futuras da Ates. Por fim, entendemos que o Programa de Ates revela um esforço de traduzir concepções em práticas, em contextos muitas vezes muito restritivos do ponto de vista das opções operacionais disponíveis. Implica um contínuo esforço de procurar “brechas”, visualizar novos horizontes e construir alternativas. E nesse sentido se percebe a riqueza da experiência estudada.
AUTORES Aline Weber Sulzbacher – Licenciada em Geografia (UFSM). Especialização em Agricultura Familiar Camponesa e Educação do Campo (Residência Agrária – UFSM). Mestre em Extensão Rural (UFSM). Doutoranda pelo Programa de PósGraduação em Geografia (FCT/Unesp). e-mail: sulzba@hotmail.com
Alisson Vicente Zarnott – Engenheiro agrônomo (Ufpel), mestre em Agroecossistemas (UFSC). Especialização em Agricultura Familiar Camponesa e Educação do Campo (Residência Agrária – UFSM). Articulador de Ates no RS. e-mail: alissonae@yahoo.com.br
Benito Armando Solis Mendoza – Mestre em Extensão Rural (UFSM), doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural (UFSM). e-mail: benito_sol_1968@ hotmail.com
Cléia Moraes – Engenheira agrônoma (UFSM), mestre em Extensão Rural (UFSM). Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural (UFSM). Extensionista Rural da Emater/Ascar/RS. e-mail: cleiasm@ gmail.com.
346 Daiane de Mattos Taborda – Estudante do curso de Agronomia da UFSM e participante do Projeto dos Articuladores de Ates. E-mail: daianemtt@yahoo.com.br
Dhonathã Santo Rigo – Engenheiro agrônomo (UFSM), mestrando do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural (UFSM). Participante do Projeto Articuladores de Ates. e-mail: rigoufsm@gmail.com
Gustavo do Nascimento Friedrich – Engenheiro agrônomo (UFSM), mestre em Extensão Rural (UFSM). Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural (UFSM). e-mail: gnfriedrich@hotmail.com
Jacir João Chies – Engenheiro Agrônomo (UFPel), especialização em Agricultura Familiar Camponesa e Educação do Campo (Residência Agrária – UFSM). Articulador da Ates no Rio Grande do Sul. e-mail: jacirchies@yahoo.com.br
Jaqueline Mallmann Haas – Bacharel em Desenvolvimento Rural e Gestão Agroindustrial (Uergs). Mestre em Extensão Rural (UFSM), doutoranda pelo Programa de PósGraduação em Extensão Rural (UFSM). e-mail: jaquelinehaas@yahoo. com.br
Autores
Lauricio Bighelini da Silveira – Médico veterinário (UFSM), especialista em Administração Rural (UFV). Mestre em Extensão Rural (UFSM). Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural (UFSM). Professor do Instituto Federal Farroupilha – São Vicente do Sul. e-mail: lauriciosvs@ibest. com.br
Luiz Eduardo Abbady do Carmo – Zootecnista (UFSM), mestre em Desenvolvimento Rural (UFRGS). Articulador de Ates no RS. e-mail: abbady@ibest.com.br
Paulo Roberto Cardoso da Silveira – Doutorando pelo Programa Interdisciplinar em Ciências Humanas (UFSC). Professor do Departamento de Educação Agrícola e Extensão Rural (UFSM). Coordenador do Projeto Somar (Incra/RS – UFSM) email: prcs1064@yahoo.com.br
Pedro Selvino Neumann – Doutor em Engenharia de Produção (UFSC). Professor do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural (UFSM). Coordenador do Projeto Articuladores de Ates Incra/RS – UFSM). e-mail: neumannsp@yahoo. com.br
Rodrigo da Silva Lisboa – Engenheiro florestal (UFSM). Mestre em Extensão Rural (UFSM). Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural (UFSM). E-mail: rodrigoslisboa@gmail.com.
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348 Vinícius Claudino de Sá – Administrador (UFPB). Mestre em Administração (UFPB). Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural (UFSM). Professor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. e-mail: viniciusclaudino@gmail.com.
Vinicius Piccin Dalbianco – Engenheiro Agrônomo (UFSM), mestre em Extensão Rural (UFSM). Articulador da Ates no RS. e-mail: vinidalbianco@yahoo.com.br
Vivien Diesel – Doutora em Desenvolvimento Socioambiental (Ufpa). Professora do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural (UFSM). e-mail: viviendiesel@yahoo.com.br
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