O MARÁ | JUNHO DE 2021
O MARÁ MÃOS VAZIAS EM RUAS VAZIAS
A pandemia agravou a situação dos moradores de rua em São Luís. Evidenciou a fome e a vulnerabilidade desse grupo diante do vírus da covid-19.
VIOLÊNCIA AOS MORADORES DE RUA Os moradores de ruas são vítimas de preconceito da sociedade, da negligência do Estado e de agressões verbais e físicas, p.04.
DESAFIOS DOS VENEZUELANOS NAS RUAS DE SÃO LUÍS Refugiados venezuelanos no Brasil, tem dificuldades para se adaptar a uma nova cultura e lidar com a pandemia da Covid-19, p. 04.
SOLIDARIEDADE ONGs de São Luís realizam ações solidárias a moradores de rua. Porém, as entidades têm enfrentado dificuldades com alta da inflação na capital, p.05.
DOSES DE ESPERANÇA Moradores de rua de São Luís, já receberam a primeira dose da vacina contra a Covid-19. Ao todo, foram aplicadas 100 doses da vacina da AstraZeneca, p.06.
“As pessoas falam para ficar em casa, mas como vou ficar em casa se eu moro na rua”, p.03 (Josias, morador de rua) 1
MARÁ EXPEDIENTE Reitora da Universidade CEUMA Cristina Nitz Coord. do Curso de Comunicação Prof. Emílio Ribeiro Orientação Prof. Clauberson Correa Carvalho Editor-Chefe Vando Maciel Produção Amanda Farias, Rafaela Ferreira e Suzana Ribeiro
Equipe de Redação Amanda Farias, Felipe Matos, Hiago Matos, Rafaela Ferreira e Suzana Ribeiro Fotografias Hiago Matos e Rita Cardozo Ilustração: Vando Maciel Design Gráfico Vando Maciel Revisão Final Prof. Clauberson Correa Carvalho
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Pandemia evidencia vulnerabilidade dos moradores de rua em São Luís Com menos pessoas circulando pela cidade, ficou mais difícil conseguir ajuda. Para quem vive as ruas falta alimentos, emprego e produtos de higiene.
A pandemia tornou mais evidente a vulnerabilidade dos moradores de rua. Com menos pessoas circulando nas ruas, ficou mais difícil conseguir doações de alimentos, roupas e produtos de higiene. Além disso, a crise sanitária contribuiu para o fechamento de empresas e, portanto, conseguir um emprego ficou mais difícil. Nas ruas faltam alimentos, emprego, habitação e produtos de higiene. Além da chuva, do frio e a violência, os moradores têm que enfrentar o vírus. Segundo Jhonata, 30 anos, artesão mineiro que foi parar na rua por causa da arte e para poder viajar pelo Brasil, “É difícil porque o governo quer isolar todo mundo, mas as pessoas não conseguem se manter. Vai ficar dentro de casa esperando a morte chegar? O isolamento é a coisa certa, desde que a pessoa possa se manter isolada. Quem tem dinheiro consegue, mas quem não quem como faz? ”, indagou Jhonata.
Além da necessidade de itens de prevenção, é preciso habitação. Sem uma casa para morar, é quase impossível fazer isolamento social. “Essa pandemia não teve nenhum impacto na minha vida, as pessoas falam para ficar em casa, mas como vou ficar em casa se eu moro na rua? ”, interrogou Josias, morador que foi parar na rua após conflitos familiares. A pandemia contribuiu para o aprofundamento das desigualdades, aumento da pobreza e a volta da fome. A crise econômica elevou o índice de desemprego e causou o empobrecimento da população brasileira. O auxílio emergencial que visa diminuir o impacto na economia, não chegou na mão de todos. Há famílias que estão pela primeira vez em situação de rua. “Não fui aceito e passei essa pandemia todinha e não recebi nada. Nunca recebi
Vando M
Morador de rua no centro de São luís Foto: Hiago Matos
um centavo! Eles alegaram que meu CPF não foi aceito. Aí fica difícil, pois o cara não tem como correr atrás. É aquele negócio, a corda só quebra do lado mais fraco e assim eu vou levando a vida”, disse José Carlos, 50 anos, vulgo Sombra, piauiense que por causa das drogas, vive nas ruas há 26 anos. A diminuição na circulação de pessoas nas ruas de São Luís, dificulta para conseguir ajuda. José Carlos, o Sombra, lembra que antes da pandemia trabalhava como flanelinha. A falta de eventos, afetou fortemente o trabalho dele. “O movimento caiu e acabou diminuindo o fluxo de pessoas que vinham aqui para o Reviver. As boates todas fechadas, bares têm horários e limites de gente e até mesmo por segurança da gente é melhor mesmo manter distância. Em dias normais era show o movimento, por noite eu fazia 3
80 reais só vigiando os carros das boates”, declarou. Apesar da pandemia, ONGs ajudam os moradores de rua. Distribuem itens de prevenção contra a covid-19,
como máscaras e álcool em gel. Se proteger do vírus é uma batalha diária, nas ruas é mais difícil fazer isolamento ou distanciamento social. “Ninguém tem na cara es-
Violência aos moradores de rua
Moradores de rua dormem no Centro Histórico de São Luís - Foto: Hiago Matos
Para quem vive nas ruas, às vezes falta comida, água e dinheiro para se manter. São vítimas de preconceito, de olhares que julgam, da negligência do Estado e da ignorância da sociedade. São pessoas sem voz e que estão à margem da sociedade. Soraia, 52 anos, é ludovicense, mora nas ruas de São Luís há 36 anos. Hoje ela tem o próprio barraco e vive do artesanato que produz. Ela contou como a pandemia afetou a vida dela e as
dificuldades que passa nas ruas. “A pandemia veio mostrar para nós que temos que ter fé, acreditar na palavra. Depois dessa vem mais outra, e mais outra, a pessoa tem que ter fé em Deus”, afirmou. Morar na rua é um desafio diário. É viver com a incerteza se terá comida no outro dia ou se vai estar vivo depois de passar a noite dormindo em um lugar onde tudo pode acontecer, tendo que conviver com os riscos que a rua traz.
crito ‘eu ‘tenho coronavírus’ ou ‘eu já tive coronavírus’. Temos que manter o padrão, ficar com máscara e na distância correta”, desabafou Sombra. “Viver na rua é um risco. Você corre risco de morrer, de estar dormindo e alguém chegar, dar uma pedrada, uma facada, te jogar água quente. Tudo isso você corre risco, por mais que você tenha uma barraca de campo, você corre risco de alguém chegar e tocar fogo. Não é fácil. Eu já passei por tudo isso, e tenho queimaduras. Eu tive uma discussão com uns moradores, não os que trabalham com nós, os moradores mesmo. Na madrugada estava dormindo quando chegaram e me tacaram álcool e jogaram fogo. Era para eu passar seis meses no hospital, mas aí a força de viver foi mais forte, só passei só três meses”, disse. Conseguir comida, água, higienização adequada, se proteger da chuva e do frio, são dilemas diários. Eles procuram achar uma forma de todo dia se manterem vivos. Na rua você tem que se virar como pode. Fazer do pouco que tem, o necessário para sobreviver.
Desafios dos Venezuelanos nas ruas de São Luís Além das dificuldades para se adaptar a um novo idioma, a uma nova cultura, os refugiados venezuelanos buscam lidar com a pandemia da Covid-19 no Brasil. O vírus provocou uma crise na saúde e na economia. Produtos alimentícios e itens de prevenção ao coronavírus se tornaram mais caros. Além disso, a diminuição de pessoas dificulta para obter ajuda nas ruas.
Domar, indígena venezuelano da etnia Warao, morava na cidade de Tucupita, capital do estado de Delta Amacuro. Contou que com a crise econômica na Venezuela resolveu imigrar para o Brasil, onde está há dois anos. Entrou no país pelo Estado de Roraima, passou pela cidade de Manaus – AM, Santarém-PA, Açailândia-MA, e por fim, chegou em São Luís. “Vim de ôni-
bus, paguei o transporte com o dinheiro que consegui pedindo nos sinais, pedindo na rua todo dia”, declarou. Domar afirmou que sente saudades dos pais, tias e avós, porém não pretende retornar à Venezuela. “Prefiro ficar aqui que é mais seguro do que lá. Fui embora da Venezuela por conta das condições de vida que são precárias e aqui no Brasil 4
as condições são melhores do que lá” disse.
Venezuelano Dormar - Foto: Felipe Matos
Em agosto de 2020 foi implantado em São Luís o Centro de Referência para Atendimento de Imigrantes e Refugiados. O Centro faz parte da Secretaria Municipal da Criança e Assistência Social (SEMCAS), e tem como objetivo ajudar pessoas de diferentes países que chegam à capital. Segundo Cláudia Nunes, coordenadora do Centro de Refugiados, há mais de 160 usuários cadastrados. Estes não estão em si-
tuação de rua, e recebem todo o apoio e ajuda que precisam para se estabelecer melhor na cidade. “Somos um Centro especializado responsável pelo acolhimento, sendo uma porta desses usuários para o sistema de assistência básica. Temos uma equipe formada por diversos profissionais que buscam atender as necessidades destes imigrantes da melhor forma. Eles estão em constante movimento, não buscando apenas um lugar para morar, mas procurando recursos para se manter, e também mandar dinheiro para seus parentes na Venezuela”, declarou a coordenadora.
Solidariedade Atualmente, São Luís conta com ONGs que trabalham com moradores de ruas. Entidades que realizam ações solidárias em diversas regiões da Grande Ilha. Doam alimentos, roupas, calçados, produtos de higiene e parte do tempo para ouvir histórias dos moradores de ruas, como é o caso da Anjos das Ruas. A ONG através de projetos, realiza ações sociais destinadas à creches, orfanatos, hospitais, asilos e moradores de rua. A entidade surgiu em 2015, criada por Bruno Mendes e os amigos. “Lembro que na época vi uma publicação de um orfanato, e rapidamente encaixei as ideias. E então, corajosamente, esses 7 Anjos foram até esse orfanato e fizeram a ação mais bonita do mundo. E a partir daquele momento eu vi o caminho certo, o caminho que deveríamos seguir. E estamos aqui até hoje” comentou Bruno Mendes. O grupo realiza diversos projetos e atende em média 100 pessoas por ação. Aos mora-
Membros da Anjos das Ruas conversam com morador de rua - Foto: Divulgação
dores de ruas, doam alimentos e roupas. “Para os moradores de rua, nós temos como principal atividade a entrega de alimentos, como suco, pão, sopa e água mineral. Em algumas épocas do ano, fazemos também entregas de roupas e cobertores para esses moradores”, disse Bruno Mendes. Em razão do cenário pandêmico, novas medidas foram adotadas para se adaptar ao contexto atual. De acordo com Bruno Mendes, todas as atividades realizadas pela ONG destinada aos moradores de ruas,
seguiu todos os protocolos de prevenção à covid-19, como a higienização das mãos dos moradores antes das refeições e o distanciamento social. As ações da Anjos das Ruas, se concentram no Centro de São Luís, onde geralmente há maior concentração de pessoas em situação de rua. São realizadas nas proximidades do Mercado Central e o Complexo Deodoro, locais que apresentam maior presença de moradores de rua. Entre os principais desafios enfrentados pela entidade, estão questões financeiras. A alta 5
nos preços dos alimentos e bebidas, tem dificultado a ONG realizar grandes ações. Segundo Bruno Mendes, as ações da Anjos das ruas são custeadas por doações dos coordenadores e membros do grupo. Ele contou que possui muitas ideias e projetos, porém muitos são barrados por questões financeiras. “Eu tenho muitas ideias para realizar, muitos projetos para nossa cidade, até mesmo para os interiores do estado, mas sei
também que tudo tem um custo e não posso deixar tudo nas costas dos membros do grupo. Eles já nos ajudam muito, e infelizmente não posso fazer isso” enfatizou. Anjos das Ruas A Anjos das Ruas realiza um processo seletivo com a finalidade de escolher pessoas que melhor se adequam ao objetivo da ONG. O processo seletivo acontece uma vez por ano, geralmente entre os meses de março a junho. Para mais informações acesse o perfil do Instagram da ONG: @grupoanjosdasruas
Morador recebe ajuda da Anjos das Ruas- Foto: Divulgação
Dificuldades das ONGs Atualmente as ONGS em São Luís têm encontrado dificuldades na compra de alimentos e bebidas para as ações, depois do aumento da inflação na Capital. Das 16 regiões pesquisadas pelo IBGE, São Luís e Fortaleza registraram a segunda maior alta, ambas capitais com uma elevação de 1,10% em maio. Alimentação e bebidas é o grupo com maior peso na inflação de São Luís, com alta de 1,34%. A variação do grupo acu-
mulada nos últimos 12 meses foi de 16,94%, acima do IPCA em
Pessoas em situação de rua de São Luís, já receberam a primeira dose da vacina contra a Covid-19. Toda população cadastrada nos Centros de Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua (Centro Pop) da
capital receberam o imunizante. Ao todo, foram aplicadas 100 doses da vacina da AstraZeneca e a segunda dose ficou para o dia 12 de agosto. A ação é uma realização da Secretaria Municipal da Saúde
geral, que para o mesmo período de tempo foi de 9,64%.
Os itens do grupo de alimentação que registraram maior alta em maio foram: Carnes Tomate Cheiro Verde Leite em pó Café Moído Feijão mulatinho 0%
5%
10%
15%
*Esses produtos acabaram por impulsionar o movimento ascendente dos preços do grupo de alimentação e bebidas.
Doses de Esperança
O MARÁ Em caso de dúvidas, sugestões críticas ou elegios, entre em contato conosco. email: ma.omara.com.br
(SEMUS) em parceria com a Secretaria Municipal da Criança e Assistência Social (SEMCAS). A vacinação se estenderá, às pessoas em situação de rua que não procuram os serviços ofertados dos Centros POP.
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