N IIL ISMO: INIM IG O ÍNT IM O Em entrevista exclusiva, a inaudita artista Vanessa Girardi conta como o niilismo influencia sua pesquisa: “O ser humano é patético e busco retratar isso em minha obra.”
#01
TODO MUNDO É UM CRÍTICO: crítica especializada de quem não entende nada do assunto
PORTFÓLIO: A aquarelista Sofia Tiatimesmo pinta com suas próprias lágrimas
CURADORIA MASTERCHEFE: Receitas incríveis com três pitadas de imagem e dois dedos de prosa. E muito +
O FORMIDÁVEL HOMEM DE TRÊS PERNAS INFORMA:
Equipe IMBIGOzine Editora-Chefe Vanessa Girardi Redator-Chefe Castor Ancelmo Estagiária Symbol
*Nenhum outro animal além de Vanessa Girardi foi diretamente machucado na execução deste zine, então tudo bem. **Ouça no volume máximo.
índice
procure aqui a página de sua preferência
IMBIGOstatement
04
cartas aos leitores
05
em cartaz
06
todo mundo é um crítico
10
portfólio #01
12
coluna da esquerda
14
a piada é você
16
portfólio #02
18
poster central
20
trocando em miúdos
24
coluna do meio
32
curadoria masterchefe
33
inclassificáveis
40
coluna da direita
41
IMBIGOstatement de onde viemos? para onde vamos?
IMBIGOzine é uma publicação que nasceu com o intuito de dar vazão a múltiplas inquietações que consomem a energia vital da artista Vanessa Girardi. Como tudo no universo tem camadas decidiu fazer uma espécie de revista que nada mais é do que um bloco de papeis empilhados e colados em uma das laterais que são quatro, mesmo que fictícias mas não qualquer revista e sim uma revista de fã. Fã que é diminutivo de fanático que significa pessoa inebriada das próprias ideias e cega por uma certeza tautológica que por sua vez quer dizer que a única fonte de verificação factual dessa certeza são as vozes da cabeça dela - ironicamente o mesmo pode ser dito de todo conhecimento produzido pela humanidade até hoje. Mais ou menos exatamente nessa hora surgiu na mente da atormentada artista a palavra imbigo que existe ipso facto mas não ipso jure o que por sua vez quer dizer que é um jeito de falar que não consta nos dicionários dessa forma celebrando o erro que em arte é apenas um sinônimo de improviso enquanto ao mesmo tempo introduz a figura do doppelgänger ou impostor ou fake isto é aquele que joga o platonismo na lata do lixo com uma brincadeira de criança: imitar. A capacidade de mimetizar é algo importante não só na arte mas também na sobrevivência do ser humano que imitava as feras para parecer o que não é, uma fera, isso lá no início na época em que o cérebro da gente era tudo mato. Assim num processo intrincado de dobragens e desdobragens a incompreendida artista criou todo o fanzine as artes os textos as diagramações tudo tudo tudo tendo feito inclusive as pessoas fictícias que compõem a equipe da revista aparentando ser um quadro clássico de egotrip ou Síndrome de Deus não por acaso a pessoa fictícia mais famosa de todos os tempos grande referência artística para o trabalho mas como eu ia dizendo o fanzine foi feito pelas inquietações da artista para dar vazão a múltiplas energias vitais que consomem a publicação e era isso mesmo.
cartas aos leitores
de imbigo para imbigo
VISÃO ACURADA
Caros (duplo sentido intencional) curadores, A vida de artista já não era fácil antes de vocês um belo dia brotarem na face terra como mais um intermediário prolixo entre a arte e o público. Já houve até o caso alarmante de um curador que retorceu qualquer lógica, aristotélica ou não, para afirmar do alto de sua autointitulada autoridade que se instalação é arte então curadores são artistas. Isso seria o mesmo que dizer que se o homem é bípede então frangos implumes são homens. E se eu me apegar à palavra curadoria aí é que a coisa fica mesmo ofensiva: é sinônimo de curatela, um termo jurídico que designa a função de representar incapazes. A verdade é que, com instalação ou não, se todos os curadores desaparecessem tão repentinamente quanto surgiram, os artistas continuariam seus afazeres. Não se pode dizer o contrário. PORTUGUÊS EXCLUSIVO
em cartaz
em algum lugar dentro de você
Título em português: Amante das Sombras | Gênero: Drama, romance, comédia | Duração: 136 min Sinopse: Karen leva uma vida de aparências - famosa na internet por ser uma mulher empoderada, ativista das causas sociais e digital influencer, entre quatro paredes ela é outra pessoa. Vaidosa, bajuladora, preguiçosa e auto-indulgente, Karen está sobrecarregada com tantas mentiras e tem um colapso nervoso seguido de depressão. Mas no abismo de seu isolamento ela acaba se apaixonando pela própria sombra e juntas vão trilhar um caminho de aceitação, amor e muitas trapalhadas.
Gênero Aventura | Duração 160 min Sinopse Conhecida no bairro como Palmatória do Mundo, Maria das Dores é uma mulher idealista, cheia de força e de si, sempre disposta a estender a mão e apontar a arma para qualquer um que fira sua moral e seus bons costumes. Jesus Ressuscitado, por outro lado, é o mesmo cara do bem, paz e amor, mas que por uma falha na matriz voltou com algumas dificuldades. Juntos, eles formam um par improvável e prestes a ficar famoso, já que Maria está decidida a revelar ao mundo seu importante segredo.
To d o s o s a n o s, m i l h a re s d e p e s s o a s f i c t í c i a s s ã o t r a t a d a s d e f o r m a d e g r a d a n t e e o b j e t i f i c a n t e. N ã o s o m o s m e ro s p ro d u t o s d a i m a g i n a ç ã o h u m a n a ! Muitas pessoas não-ficcionais quando c o n f ro n t a d a s c o m a d u r a re a l i d a d e d o s f i c t í c i o s c o s t u m a m re s p o n d e r : “a h m a s e l e s n ã o s ã o d e ve rd a d e, n ã o e x i s t e m , n ã o s e n t e m d o r, n ã o m o r re m ! ”. Co n f u n d e m f i c ç ã o c o m m e n t i r a , c o m o n o c a s o d o a t e n t a d o a o p re s i d e n t e. Basta. N ó s, d a A s s o c i a ç ã o I n t e r p l a n e t á r i a d o s Fi c t í c i o s - A I F, n ã o v a m o s m a i s a c e i t a r e s s a s i t u a ç ã o e d e c i d i m o s l u t a r p o r n o s s o d i re i t o a u m a e x i s t ê n c i a d i g n a a t r a vé s d a c a m p a n h a :
#somostodosficticios
SOMOS FICTÍCIOS M A S TA M B É M E X I S T I M O S !
Co n h e ç a n o s s o t r a b a l h o e m w w w. s i t e f i c t i c i o. c o m . b r e a p o i e vo c ê t a m b é m a n o s s a c a u s a
todo mundo é um crítico
crítica especializada de quem não entende nada do assunto O dono da Galeria Egolá, Luctor Deidade , e sua esposa e sócia Lica, estão chegando com tudo no mercado da arte contemporânea. De olho no que é tendência nos lobbys das mansões de luxo, eles cederam um pouquinho de sua ocupada agenda para avaliar o trabalho do artista Ivan Caradasó: “Eu não sou crítico nem nada, ainda tenho muito o que aprender. Mas sou filho de uma comerciante
de abajures, sempre estive nesse meio de arte, decoração, então adquiri um olho bom. Esse é um trabalho denso, né? É triste, sugere sofrimento. Isso é meio complicado de vender, as pessoas geralmente preferem coisas mais alegres, mas poderia interessar a algum cliente mais descolado. Já as cores, achei muito vibrantes, muito coloridas, cores que não se encontram na natureza, entende? Também complicado de vender, os arquitetos que
Ivan Caradasó | cidade, cidades | 2020 | colagem sobre papel | díptico | 297 x 420 mm (cada)
frequentam minha galeria preferem mostrar aos clientes deles artes em tons pastéis, tons bebê, sabe? Ou então umas aguadas assim quase invisíveis, com paisagens, temas marítimos ou algo assim mais espiritual, sagrado feminino, conexão com a natureza. Ou abstratos. Manchas de cor suaves, nada berrante, texturas. Isso vende como água. Até porque abstrato cada um vê o que quer, não tem risco da pessoa não entender o que está vendo, é só
uma questão de combinar ou não com a decoração da casa, né? Se o artista fizesse algo mais assim como eu falei seria ótimo, eu até consideraria colocar algum trabalho menorzinho dele lá na minha galeria, estamos sempre à procura de jovens talentos. Mas é minha esposa que decide, ela é quem responde pelo acervo. Eu só pago as contas”.
SOBRE O ARTISTA Ivan Caradasó tem 38 anos e é bacharel em artes visuais. Primeiro quis ser escritor, ainda criança. Depois quis ser amado, então entrou na faculdade de Direito, mas acabou abandonando o curso e as esperanças cinco anos depois para se dedicar à arte. Gosta de utilizar técnicas e linguagens diversas em seu trabalho, valorizando mais seu conteúdo do que a busca por uma estética que lhe identifique. Participou de algumas exposições coletivas, nada relevante, nunca fez uma individual ou ganhou prêmios ou seleções de editais.
portfolio #1 promessas da arte brasileira
Inspirado pelo apreço do próprio pai a peças de madeira, o artista visual Sávio Dirtre traz para a contemporaneidade a temática do derrubador brasileiro - já desbravada por Almeida Jr. em fins do século 19 -, ao contrapor a figura do derrubador com a do construtor civil. Na visão do artista, “os trabalhos podem parecer opostos à primeira vista mas na realidade se complementam, já que o construtor reocupa com concreto armado o espaço deixado pelas árvores derrubadas. Além disso, a madeira acaba sendo reincorporada ao lugar na forma de móveis, esculturas, utensílios domésticos e tantas outros objetos do cotidiano”. O díptico busca dialogar, através de um jogo visual de confrontos e contrastes, com as tradições laborais de uma socieade capitalista, ora louvadas ora tão duramente criticadas, ao sabor dos ventos ideológicos. “A verdade é que, não fossem esses trabalhadores, as pessoas estariam morando em péssimas condições e no lugar onde hoje elas vivem teria um monte de bicho solto no mato”. •
Sávio Dirtre | Yin | 2021 | díptico | desenho sobre fotografia digital (acima) Sávio Dirtre | Yang | 2021 | díptico | desenho sobre fotografia digital (à esquerda)
coluna da esquerda direções no espaço sem direção
A Grande Onda Quero sobre mim a grande onda. Que ela me alcance, me envolva e me receba, eu que sou toda composta de gotas. Gotas d’água. E na dimensão líquida desse abraço me recompor, matéria espaçosa e vacilante. Quero ser rocha para a grande onda. E pelos séculos travar-lhe luta, e em cada luta perder um grão. Ser então tão-só tapete para a grande onda, a me lamber os cacos, a me tragar em cura, a me pedir perdão. Quero ser tronco para a grande onda. Que ela me dobre e me contorça e me permita ser o fundo tão profundo de minhas raízes. Mas que depois ela recue longe e eu permaneça, desértica alga marinha fincada em terra, na espera serena da fatalidade da maré.
Hoje é dia de pedir a conta, de ir pra casa sob a chuva fina. Dia de trancar a porta e fechar as cortinas. De ficar no silêncio das guitarras distorcidas, dia de dizer não. Hoje é dia de machucar os nós dos dedos e depois chorar soluços. Dia de olhar no espelho e perguntar: por quê? e perguntar: para quê? e perguntar: qual é a saída? e ver a resposta muda do reflexo. Dia de querer dividir e não poder, massa compacta atravessada no que pulsa. Hoje é pressão baixa, desencontro, desengano, desamor. Hoje é dia de precisar de ajuda sem poder aceitá-la, e desligar o telefone. Dia de reler Alice e esquecer que o tempo passa. De ir comprar cigarros e nunca mais voltar: rumo a um plano B, um caderno novo, um canteiro de obras. Hoje eu quero desistir do que nem comecei e do que já vai terminar. Hoje é pós-anestésico. Hoje é alhures, é toque de recolher. Hoje é só. Só hoje.
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PORQUE A MORTE É PARA OS TROUXAS
a piada é você homo inscius gratia aeterna
- Own, que bonitinho! Qual é o nome dele? - Hipocrisia
ARTISTAS FIGURATIVOS X ARTISTAS ABSTRATOS
ARTISTAS ACADÊMICOS X ARTISTAS AUTODIDATAS
ARTISTAS MODERNISTAS X ARTISTAS CONTEMPORÂNEOS
portfolio #2 promessas da arte brasileira
Sofia Tiatimesmo | Da série milágrimas:10012021 | 2021 | aquarela sobre papel de alta gramatura
Em um processo íntimo e solitário, a artista Sofia Tiatimesmo pinta aquarelas com suas próprias lágrimas, resultando num trabalho que ela mesma chama de expressionista egocêntrico. Ao usar apenas as próprias experiências como fonte poética ela acredita atingir em cheio “o objetivo de toda arte, que é o de universalizar a intimidade do artista deixando à vista o paradoxo existencial de sermos únicos e múltiplos ao mesmo tempo”.
Quando transfere suas lágrimas para o suporte papel e pinta com elas, a artista transubstancia a materialidade de sua dor e sofrimento tornando-a algo belo e acessível. Sua inspiração para a série, intitulada milágrimas (uma referência à canção de Itamar Assumpção) é uma sentença que aparece no início do filme Oldboy, do cineasta sul-coreano Park Chan-Wook que diz: “Sorria, e o mundo inteiro sorrirá com você. Chore, e chorará sozinho”.
Sofia Tiatimesmo | Da série milágrimas: 01022021 | 2021 | aquarela sobre papel de alta gramatura
Sofia Tiatimesmo | Da série milágrimas: 06012021 | 2021 | aquarela sobre papel de alta gramatura
poster central
Cassandra Vegirard | série berço #101 | 2021 | pintura digital
poster central clássicos não morrem
A artista Cassandra Vegirard estampa o nosso poster central com uma pintura digital que é parte da série Berço, em que utiliza técnicas artísticas variadas mas sempre a mesma modelo: a vagina. A artista conta que começou a produzir a série em 2015: “Nessa época buceta estava em alta nas ditas Belas Artes, feitas com diversas técnicas, suportes, bi, tridimensionais, pingente de buceta cerâmica pra pendurar no pescoço, tinha pra todos os gostos. Então aproveitei. Mas o tempo passou e, ironicamente, a buceta foi novamente banida, dessa vez não só pelos tartufos recalcados, mas também por alguns setores do ativismo social que a estigmatizaram como representação genitalista de gênero. Me pergunto de que buraco essas pessoas saíram”. Os trabalhos refletem sobre a relação de nossa sociedade, de forte inclinação patriarcal e falso-moralista, com o órgão sexual feminino, que é também símbolo da capacidade de gerar vida. De acordo com Cassandra, “os homens tem uma inveja ancestral de tamanho poder e por isso sempre subjugaram a vagina, ao ponto de fabularem uma tal de inveja do falo que não tem qualquer embasamento na realidade”. E completa: “não me considero uma mulher feminista, apenas uma mulher sensata”.
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trocando em miúdos órbitas ao redor do imbigo
O local escolhido para esta paradoxal entrevista foi o
quarto e sala/home office/ateliê pouco iluminado da artista soteropolitana Vanessa Girardi, que divide o espaço com a namorada e uma gata. Depois de me receber com desconforto, nos encaminhamos para o quarto e paramos em frente a um espelho quebrado preso assim de propósito na parede, ela me conta, “para ser mais fiel à realidade, que é fragmentada como nossas percepções”. Enquanto nos preparamos para começar, acho familiar a música instrumental que começa a tocar e os versos que abrem a canção, ausentes nessa versão sem voz, invadem minha mente: “I’m so happy, ‘cause today I found my friends, they’re in my head...”. “Deve ter sido de propósito”, penso. Logo depois pergunto: Por que fazer um zine sobre niilismo? Você se considera niilista? VG: Hum, vamos direto ao ponto, gosto disso. Conheci melhor o termo através do [filósofo e ensaísta argelino, nascido em 1913 e morto prematuramente num acidente de carro em 1960, aos 46 anos de idade] Camus, que fala sobre o assunto em O Mito de Sísifo e em O Homem Revoltado, e ele diz o seguinte, que muitas vezes entramos em contato com o absurdo da existência - sem sentido e sem próposito, cujo fim inescapável é a morte - e, sobrecarregados por ele, temos apenas duas saídas: o suicídio ou a revolta. No primeiro livro ele se atém mais ao suicídio e aqui preciso abrir um parêntese pra dizer como ele salvou minha vida. Eu fui uma dessas pessoas que caiu na teia do absurdo e pensava constantemente em suicídio. Eu não queria morrer, mas não encontrava alento e procurava respostas para esse ímpeto. Sou cética, não acredito em deuses, então me sentia desamparada nesse sentido que não vou chamar de espiritual, mas de metafísico. Até topar com O Mito de Sísifo, aí entendi que o que eu sentia, claro, tinha a ver com minha história pessoal mas também era algo maior, que envolve muita gente.
Vanessa Girardi | prequela | 2021 | acrílica + colag
gem sobre papel | 320x240mm
E o nome desse ‘algo’ é niilismo, que é um desejo de autoaniquilação, o entendimento de que a humanidade deveria deixar de existir. Então, fazendo um paralelo, suicídio é singular e niilismo é coletivo. Não tenho formação em filosofia, não sou especialista no assunto (não ainda pelo menos, risos), então não vou entrar em detalhes. Mas me dei conta de que o niilismo, que [Friedrich Wilhelm Nietzsche, filósofo e escritor alemão, 18441900] Nietzsche anunciou que tomava conta da Europa católica ainda no século 19, se espalhou por toda a sociedade ocidental e se tornou parte de nossa cultura. E é uma coisa muito paradoxal porque sabemos que se tem uma coisa que o ser humano como espécie não quer é deixar de existir, muito pelo contrário, ainda vivemos sob o paradigma do direito à vida. Mas essa cult... (Interrompendo) fale mais sobre o paradigma do direito à vida; VG: Certo. O paradigma do direito à vida é um sistema de crenças de inclinação católica, que entende a vida como um direito-dever, ou seja, tendo sido concebido você tem o direito de nascer e, tendo nascido, você tem o dever de continuar vivo para cumprir uma série de outros deveres que lhe garantirão outros direitos até o dia
de sua morte, amém. O suicídio, o aborto, o assassinato, todo atentado contra a vida é um atentado contra o sistema capitalista, fundado com a graça de Deus. O homem é um ser que consome. Somos os vampiros do universo: queremos viver para sempre, sempre às custas das vidas de outros - e não é essa uma boa definição de capitalismo? Essa sanha consumidora, exploradora, gananciosa é niilista porque leva à extinção dos recursos que precisamos para continuar vivos. Quando isso deixa de ser uma inclinação atávica e passa a ser uma ideologia, a coisa se enraíza, corpo e mente. Então Deus disse que o mundo e tudo que tem nele é para o usufruto do homem. Então a digital influencer disse: #carpediem, aproveita agora que daqui a pouco acaba. Ou, como diria o Millôr: roube hoje, amanhã pode ser ilegal. Voltei pro ponto onde eu estava antes de você me interromper: Essa cultura da vida, da saúde, do bem-estar, do bem viver, a cultura do bem, está encharcada de niilismo porque ela valoriza apenas o que é humano, em detrimento do que é mundano. Então respondendo sua primeira pergunta: decidi fazer um fanzine sobre niilismo porque ele já se tornou o grande paradigma a ser derrubado, o obstáculo no caminho tortuoso da sobrevivência de nossa espécie: como garantir um futuro se nos comportamos como se esse futuro já nos tivesse sido garantido? E é nesse sentido que somos todos niilistas. Usa a internet? Niilista. Usa energia elétrica? Niilista. Consome produtos de plástico e demais derivados do petróleo? Niilista. Vanessa Girardi | visão de si | 2020 | acrílica sobre cartão | 210x295mm
Anda de carro? Niilista. Teve um filho? Antes dois, agora três niilistas. Não há escapatória, estamos fazendo TUDO errado. Mas até ter filho é niilista? E se estamos fazendo tudo errado, você acredita então que a raça humana vai extinguir a si mesma? VG: O ser humano não consegue se colocar como parte do mundo, não medimos as repercussões de nossos atos no ambiente em que vivemos e, acima de tudo, não queremos fazer nenhum sacrifício. A prova está aí: hoje vivemos uma pandemia. Desde que estou viva, foi a mensagem mais gritante que a natureza nos mandou pedindo: parem, e assistimos bestificados como é demais pedir às pessoas que usem máscara. Ficam revoltadas, desobedecem sob o argumento de que estão sendo privadas de seus direitos, de sua liberdade. E são essas mesmas pessoas que apontam os dedos sujos para a mulher que faz um aborto, para o suicida, para o assassino cruel. Não se vêem assim. O Vanessa Girardi | visão de mundo | 2020 | acrílica sobre cartão | 210x269mm inferno são os outros, Sartre botou o dedo bem em cima. Não sei se vamos nos extinguir, apesar dos evidentes esforços. Mas acho seguro dizer que a vida na terra vai ficar cada vez mais insalubre. Tem um filme muito bom chamado Ponto de Mutação, um desses com muitos diálogos e poucas cenas de ação. Nele, uma das personagens diz em dado momento que não adianta mudar isso ou aquilo, precisamos derrubar todo nosso sistema de valores de uma vez, tudo tem que mudar ao mesmo tempo. Me diga você: acha que conseguiremos? Vamos mudar um pouco de assunto! Como foi o processo criativo do fanzine? De onde veio a ideia? Por que escolheu esse formato?
VG: Foi um mês e meio de transe, em que me desdobrei em não sei quantas pessoas fictícias pra compor o fanzine - quase todas com nomes que são anagramas do meu, imitando uma revista de variedades. Chamei de fanzine porque ele é sobre mim, sobre expor minhas mágoas, minhas fragilidades, meus fracassos, meus aprendizados, meu ponto de vista, ou o que fiz deles todos, esse processo de transubstanciação que é fazer arte; e ao mesmo tempo sou uma ilustração de algo que é sobre todos nós, mimetizo essa pessoa autocentrada, que projeta pro mundo uma persona, quem ela gostaria de ser, e reserva ao(s) íntimo(s) quem ela é. A internet foi um grande catalisador dessa tendência que perpetua relações sociais hipócritas: vitórias públicas, fracassos privados; elogios públicos, críticas privadas, sorrisos públicos, lágrimas privadas. Então decidi pela publicação digital, mas existe a vontade de fazer a versão impressa. A ideia veio de uma série de fatores e necessidades que, combinados a um momento aleatório, culminaram nela (risos), como nasce uma ideia... Tem muita coisa autobiográfica também, dá pra imaginar. Agora você vai ter que revelar algumas dessas histórias pra gente. VG: São muitas, mas o objetivo do zine é brincar com o que estamos habituados a chamar de real e de falso, é um jogo de espelhos. Mas quero contar duas histórias. A primeira é a que usei para ilustrar a capa: conta minha mãe, e digo assim porque não fiz um fact check, (risos) é a palavra dela. Conta minha mãe que nasci duas semanas depois da data prevista e que eu estava com duas voltas do cordão umbilical no pescoço. Nasci de cesárea, claro. Sempre gostei dessa história porque ela é uma ponte entre meu eu inicial e meu eu tardio, me reconheço a mesma pessoa lenta, pessimista e irreverente que sou até hoje e achei que essa imagem do feto seria uma comunicação forte de um niilismo inato. A segunda história é a da frase “pra vocês é tudo festa!” que está na seção “a piada é você”. Originalmente, essa frase foi dita a mim por meu pai quando saí do armário. Lembro que logo quando contei ele pareceu reagir bem, mas uma duas semanas depois ele me saiu com essa, já não me lembro da circunstância, sei que tinha a ver com festa, afinal eu tinha 19 anos. Hoje acho muito engraçada essa frase, estapafúrdia beirando o nonsense, porque ele não disse que PRA MIM era tudo festa, ele disse PRA VOCÊS. Foi o clássico comentário preconceituoso que diz mais sobre quem fez. O tempo passou, ele melhorou bastante a visão dele sobre esse assunto, mas a frase icônica ficou e percebi que ela se aplica a muitas situações da vida sem perder a graça, então tive que usar. Vamos ter outra edição do IMBIGOzine? VG: Oxe nem acabei de parir a primeira! Mas pode ser que tenha, que será será. •
Já se perguntou que mundo vai deixar para as próximas gerações?
Cartão da Praça: o único com Green Seal™, selo de excelência em sustentabilidade reconhecido em mais de 70 milhões de galáxias.
as baratas estão contando com você
coluna do meio
levemente deslocado para dar dinâmica
TODO DIVINO DEVE MORRER. EM UM MUNDO DE GRUNHIDOS TODA HARMONIA DEVE SER CALADA. TODA BELEZA DEVE MORRER. TODO MEIO-DIA DEVE DURAR NÃO MAIS DO QUE UM MINUTO. TODA EPIFANIA DEVE SER ESQUECIDA. TODA MUSA DEVE SER MUTILADA. a tradição é a ilusão da permanência. TODO DIVINO É ESTANQUE. PRECISA PORTANTO SA N G R A
R
curadoria masterchefe discursos bem temperados
Na seleção de imagens a seguir, produzidas pela artista Edite Vancassa, podemos perceber suas preocupações, causadas especialmente pelos rumos e pela ética perversa que organiza o mundo como o conhecemos, num exercício reflexivo inescapável para reposicionarmos o debate sobre o papel das visualidades na manutenção das assimetrias. Fantasia e ficção são ferramentas que podem nos ajudar a analisar e compreender a realidade, em uma forma de confronto e crítica, mas também como forma de evasão e idealização. Os trabalhos são formas de refletir sobre o deslocamento, o pertencimento, a ancestralidade e os modos de produção populares da contemporaneidade.
Sobre a curadora Ana Vereda é doutora em Filosofia da Arte pela Gallaxies Dick University com a tese: “Colagens textuais: a curadoria de curadorias como linguagem do artista-curador”, adaptada e publicada pela Editora Vis e que lhe rendeu o disputado prêmio Éhonté por sua contribuição ao mundo das artes visuais. Ana é como qualquer outra curadora de sua geração: acredita que o que está fazendo é arte. O que a distingue dos demais é seu processo, ousado e inovador. Quando é convidada para curar o trabalho de algum artista, tem início um transe imersivo e de intensa pesquisa para encontrar os trechos certos de textos de outros curadores sobre obras de outros artistas, num trabalho árduo e minucioso de copiar e colar até que esteja perfeito. Uma curiosidade: sempre que termina uma obratexto, Ana ritualisticamente diz em voz alta: “parla!”, uma espécie de oração minimalista, em que se reconecta com sua ancestralidade artística.
Edite Vancassa | mapa | 2020 | técnica mista sobre papel
Edite Vancassa | mão cheia de dedos | 2018 | pintura digital
Edite Vancassa | tecnofósseis ou futuro do pretérito | 2021 | colagem digital
Edite Vancassa | uma breve história da humanidade | 2021 | colagem digital
inclassificáveis não há descrição disponível
Venha para a casa mais desejada do brasil! PARA MUDAR O MUNDO: DANCE.
Todo mundo quer estar na casa porque todo
NÓS, DA CIA DE DANÇA ASDANCAP COMPANHIA DE DANÇA DA ASSOCIAÇÃO DE DANÇARINOS ANARCOCAPITALISTAS, CONCLAMAMOS A TODOS OS HABITANTES DA TERRA QUE SE JUNTEM A NÓS NO PASSO DA DANÇA REVOLUCIONÁRIA ANCAP.
mundo quer estar na casa!
VAMOS BATER COM FORÇA E EM UNÍSSONO NOSSOS PÉS NO CHÃO, EM UM SÓ RITMO CELEBRAR A VIDA E TRANSFORMAR O MUNDO EM UM LUGAR MAIS LIVRE E CAPITALISTA. PORQUE SÓ DESTRUINDO TUDO PODEREMOS RECONSTRUIR A SOCIEDADE NOVAMENTE SÓ QUE DO NOSSO JEITO! VAMO METER FEBRE DA DANÇA!
ESTÃO ABERTAS AS INSCRIÇÕES PARA O CURSO ARTE PANFLETÁRIA: TEORIA E PRÁTICA
O curso ministrado pelo prof. Cândido Gravet visa fornecer uma visão ampla e contextualizada da história e dos processos artísticos utilizados no desenvolvimento do panfletarismo, por meio de aulas expositivas e práticas, onde os estudantes poderão adaptar suas poéticas à estética do tema. Vagas limitadas! Saiba mais em: artepanfletaria.org.br
Cândido Gravet é doutor em Artes Visuais pela Heyokah University de Cassilândia e autor do livro A Dor do Outro - Uma História da Arte Panfletária no Brasil publicado em 2020 pela Editora NósPorNós.
Sou comerciante de arte barra artista frustrado nas horas vagas e procuro artista visual com disponibilidade para esboçar minhas ideias de graça até que eu decida o que quero encomendar; aceite receber pelo trabalho final um valor pateticamente baixo e em contrapartida me permita manter a narrativa de que estou lhe valorizando e lhe fazendo um grande favor. Interessados/as/es enviar currículo artístico resumido com no máximo duas laudas, minibio (máximo de 300 caracteres com espaço), portfólio de seu trabalho recente com até 15 imagens e demais arquivos que julgar relevantes para: deartistaparaartista@gmail.com
E você, o que está esperando? Vem pra casa! Filha de dono de renomada Galeria de Arte busca assistente pessoal que leia e fiche seus livros da pós, revise seus trabalhos acadêmicos, profissionais e particulares, gerencie suas redes sociais e seja capaz de oferecer, em todas as suas atribuições, sugestões inteligentes, criativas e engajadas e que, por último mas não menos importante, esteja disposta a abrir mão da autoria de suas próprias ideias em favor da contratante. Preferível fluência em inglês e iorubá, além do português. Interessadxs favor enviar currículo para: sejaminhassistente@gmail.com Artista pobre troca obras de arte de sua autoria por tratamento dentário completo. Se você tem interesse em me ajudar comprando uma arte minha ou me dando qualquer trocado, acesse: w w w. v a k i n h a . c o m / s a l v e m m e u s d e n t e s
I Salão dos Requentados A S e c r e t á r i a M u n i c i p a l d e C u l t u r a e Tu r i s m o informa que desde o dia 17 de fevereiro de 2021 está aberta uma chamada permanente para brasileiros e estrangeiros que desejem participar do Primeiro e Único Salão dos Requentados de Piracica da Serra. Serão aceitas apenas releituras de outros trabalhos, famosos ou não, que já tenham sido feitos, mas se quiser mandar outra coisa pode. Não serão aceitas cópias, apenas imitações mal feitas. Para saber mais acesse: instagram.com/salaodosreq
coluna da direita
onde os extremos se encontram, os opostos são iguais
Tema para um Salão de Artes que não aconteceu, 2017 Crise existencial, crise política, crise de fé, crise nervosa, crise de ciúmes, crise ambiental, crise de consciência, crise de identidade, crise nuclear, crise criativa. Quebra da bolsa, barco à deriva, corte de gastos, fatores de risco, nó na garganta, mão na cabeça, taxa de juros, dupla jornada, corpo estendido, tapa na cara, aperto no peito, aguarde na linha, estilhaço de bomba, sono atrasado salário atrasado mente atrasada, grito contido, poder de compra, ferida aberta, remédio amargo, sabor artificial paraíso artificial inteligência artificial, viagem que segue, dorme que passa, fica pra próxima. As infinitas mortes no percurso de uma vida. A beleza dos ciclos. Poéticas da crise.
Vânia Sertris de Sá | barca furada | 2015 | técnica mista sobre papel
PORQUE A MORTE É PARA OS TROUXAS
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