Prova Final

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PREFÁCIO O trabalho seguinte resulta do culminar do curso de Arquitectura da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto. O curso tem, segundo o seu programa de estudos, um carácter generalista. Entendi a prova final, englobada neste contexto como uma oportunidade de confirmar este carácter generalista, escolhendo um dos múltiplos e vastos temas de estudo o contexto físico da arquitectura. Neste caso, a cidade. A globalização económica tem levado recentemente à discussão sobre a globalização cultural, a cultura de massas e o fim das identidades locais, regionais e nacionais. Simultaneamente assistimos a reacções contrárias a estes movimentos que têm levado à afirmação cada vez mais vincada de determinados valores culturais próprios. Após as ideias de uma arquitectura internacional, defendidas pelo Movimento Moderno, por exemplo, surgiram uma série de regionalismos mais ou menos críticos que não são de forma alguma movimentos únicos da arquitectura, mas transversais às outras artes. Defendiam a valorização da cultura popular e da identidade local enquanto fonte de inspiração à produção cultural. Não é possível hoje criar sem uma profunda consciência do nosso contexto específico, seja ele geográfico, físico ou cultural. Não é igualmente possível compreender esse contexto sem ser à luz daquilo que se passa em todos os outros contextos, ou seja, no contexto global. O contexto é assim hoje um elemento fundamental de estudo em diversas áreas. O contexto imediato da arquitectura é, normalmente, a cidade. Compreender a cidade enquanto reflexo de uma determinada sociedade é também uma forma de conhecermos o nosso contexto. Este trabalho assenta assim num estudo do contexto urbanístico, simultaneamente global e local, como ferramenta essencial para uma formação em arquitectura. O contexto global traduz-se pela primeira parte do trabalho no estudo da cidade e sociedade contemporâneas, tendo como ponto de vista específico os fenómenos de urbanização difusa. O contexto local traduz-se pela segunda parte no estudo de um fenómeno urbano específico. Como conclusão ensaia-se uma terceira parte onde se procura retirar algumas reflexões sobre os temas apresentados.

Docente Acompanhante: Prof. Cat. Manuel Fernandes de Sá Seminário de urbanismo realizado no período de Setembro a Fevereiro de 2006, sob a responsabilidade do Porf. Cat. Manuel Fernandes de Sá Agradece-se a colaboração da Câmara Municipal de Paços de Ferreira



Estrada Mercado e Edifício Montra no concelho de Paços de Ferreira

Prova Final para Licenciatura em Arquitectura

Vasco Guimarães Cortez Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto – Outubro de 2006 Palavras-chave: tipologia, tipo, cidade, difusa, edifício, montra, estrada, mercado, comércio, simbolismo, arquitectura

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ABSTRACT Este trabalho surge na sequência da investigação efectuada no âmbito do seminário de urbanismo do 6º ano da FAUP, orientado pelo Prof. Cat. Manuel Fernandes de Sá, sobre a problemática da cidade contemporânea e da cidade difusa. O trabalho procura compreender as novas formas de cidade existentes, analisando para isso um fenómeno particular: a estrada mercado com os seus tipos arquitectónicos específicos – os edifícios montra. Partindo da investigação efectuada no seminário, procurou-se por um lado contextualizar e por outro aprofundar e sistematizar o estudo realizado e, em consequência, produzir uma reflexão sobre a condição da arquitectura e dos tipos arquitectónicos na nova realidade territorial. O trabalho organiza-se em três partes, que nos pareceram corresponder a uma sequência natural de investigação. São as seguintes: compreensão da actualidade, análise de uma realidade concreta e finalmente a reflexão. Na primeira parte, introduz-se o panorama da nova realidade territorial (cidade difusa e cidade contemporânea), e apresentam-se outros temas que permitem a sua compreensão e contextualização: as alterações económicas, sociais, políticas e tecnológicas que a determinam. A cidade contemporânea na sua complexidade e heterogeneidade é assim o assunto de estudo. Como manifestação mais clara desta realidade aparecem os fenómenos de dispersão urbana, estudados inicialmente de uma forma genérica, e posteriormente na especialidade – no caso concreto da rurbanização (ou urbanização rural difusa) e dos distritos industriais. A segunda parte do trabalho debruça-se sobre a análise do objecto de estudo – a estrada mercado e o edifício montra – enquadrando-o para isso na análise do contexto territorial: o distrito industrial do Vale do Sousa na sua relação

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com a cidade região do Porto. O concelho de Paços de Ferreira por ser a envolvente ao objecto de estudo, é também alvo de um exame ao nível geográfico, histórico, económico, social e finalmente, territorial. Os conceitos: estrada rua, estrada urbanizada e estrada mercado; enquadram a análise da estrada em estudo (EN207). Finalmente para o estudo tipológico, introduziu-se algum enquadramento teórico sobre o tema e uma breve definição do tipo «edifício montra». Seguem-se a caracterização arquitectónica do fenómeno e finalmente a sua classificação e distribuição tipológica. A terceira parte do trabalho procura fazer, como conclusão, uma reflexão geral sobre: a condição da arquitectura na cidade difusa, o funcionamento desta ao nível das relações entre edificado e espaço livre e o papel do edifício montra na disciplina.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO......................................................................................................................... 11

I – DA CIDADE AO URBANO 1. CIDADE CONTEMPORÂNEA ....................................................................................... 17 1.1. Sociedade: globalização e informação ............................................................................18 1.2 Cidade: dispersão e compressão .....................................................................................20 2. CIDADE DIFUSA ........................................................................................................... 27 2.1. Dispersão urbana ..............................................................................................................27 2.2. Rurbanização e distritos industriais..................................................................................43

II – ESTRADA MERCADO E EDIFÍCIO MONTRA 3. CONTEXTO ................................................................................................................... 47 3.1 Vale do Sousa ....................................................................................................................47 3.2 Paços de Ferreira ...............................................................................................................55 3.3 Território de estudo ............................................................................................................65 4. ESTRADA MERCADO................................................................................................... 81 4.1 Definição de conceitos.......................................................................................................81 4.1 Caso de estudo ..................................................................................................................88 5. TIPOLOGIA DO EDIFÍCIO MONTRA ............................................................................ 93 5.1. Tipo e estudo tipológico ...................................................................................................93 5.2. Definição do tipo «edifício montra»...................................................................................98 5.3. Caracterização do fenómeno..........................................................................................100 5.4. Classificação tipológica ..................................................................................................117

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III – CONDIÇÃO DA ARQUITECTURA 6. ARQUITECTURA E CIDADE DIFUSA......................................................................... 149 6.1. Relações.......................................................................................................................... 149 6.3. O edifício montra............................................................................................................. 158 6.2. O lugar do projecto......................................................................................................... 160 CONCLUSÕES...................................................................................................................... 163 ANEXOS Inquéritos os proprietários ........................................................................................................... 167 Inventário de todos os edifícios montra estudados .................................................................... 171 ÍNDICE DAS IMAGENS E TABELAS .................................................................................... 175 BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................................... 179

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(…) não se pode observar uma onda sem ter em conta os aspectos complexos que concorrem para a sua formação e aqueles outros, igualmente complexos, a que essa mesma onda dá lugar. Estes aspectos variam continuamente, pelo que uma onda é sempre diferente de uma outra onda; mas também é verdade que cada onda é igual a uma outra onda, mesmo que não seja aquela que lhe é imediatamente contígua ou sucessiva; em resumo, existem formas e sequências que se repetem, ainda que irregularmente distribuídas no espaço e no tempo. Italo Calvino, Palomar, Planeta de Agostini, Lisboa, 1985

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INTRODUÇÃO As sociedades contemporâneas introduziram novas práticas de ocupação do espaço que conduziram a uma maior complexidade e especialização nas formas e no funcionamento da cidade. A cidade difusa é uma expressão disto. Surge com a explosão das cidades e a invasão das zonas tradicionalmente rurais pela vida urbana. Criam-se novas condições e novos tipos urbanos, com diferentes modos de funcionamento. O campo de estudo deste trabalho é a cidade difusa enquanto área da investigação urbanística. A complexidade resultante das novas formas urbanas da era pós-industrial (por contraponto à unidade, clareza e continuidade da cidade antiga e moderna) incita por vezes certos discursos, que acusam tais tipos de cidade de representarem o caos, a falta de ordem ou mesmo a má forma urbana. Este discurso é proveniente da incompreensão dessa mesma complexidade. O que acontece na verdade é o assomar de uma outra espessura urbana e de diferentes modos de organização, ainda pouco compreendidos. Quando se estima que mais de metade da população do planeta viva em cidades1, os territórios periféricos de dispersão urbana tornam-se cada vez mais representativos e importantes, reclamando uma maior atenção. Paralelamente a isto, assistimos na sociedade em geral a uma crescente consciencialização para os proble-

1. João Ferrão, «Intervir na Cidade: Complexidade, Visão e Rumo», in João Cabral, Álvaro Domingues e Nuno Portas, Políticas Urbanas: tendências estratégias e oportunidades, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2003

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mas do planeamento urbano e do ordenamento do território (uma vontade de controlar, prevenir, planear e projectar o ambiente urbano), associada a um despertar para a valorização e reabilitação do património edificado. Esta atenção para com o, já amplamente reconhecido, património – as cidades antigas e os centros históricos – provoca normalmente o desprezo pela outra cidade – a «cidade emergente». A consequência é visível: má qualidade do ambiente urbano nos espaços onde vive a maioria da população. Compreender a cidade contemporânea, quer pela complexidade que esta demonstra, quer pela possibilidade de intervenção (mesmo que seja só no campo do projecto arquitectónico), torna-se portanto essencial para quem estuda arquitectura. O objecto deste estudo é a estrada mercado, enquanto fenómeno urbano emblemático da cidade difusa, e os seus tipos arquitectónicos (particularmente os edifícios montra), como sua parte constituinte e enquanto fenómenos arquitectónicos e urbanísticos em si. O caso particular, aqui seleccionado, é a Estrada Nacional 207 (EN207) no concelho de Paços de Ferreira, devido à anormal concentração destes edifícios. Porquê estudar a estrada mercado e a sua arquitectura comercial em Paços de Ferreira? Qual o âmbito e pertinência deste tema? A via em geral, mas particularmente a estrada, é a grande estrutura da cidade difusa. Estudar a via é estudar a própria cidade difusa. É a ela que tudo se agarra e é com ela que tudo se relaciona. É ela que explica o polvilhar aparentemente caótico e disperso da edificação no território. E a estrada mercado em particular é a expressão da sua força estruturadora, ao transformar a simples via, em verdadeiro espaço público. O mercado é, na história das cidades, um elemento fundamental na constituição dos espaços urbanos e dos centros cívicos. A troca, a compra e a venda foram razões da própria formação das cidades, e simbolizam encontro, despoletar de animação e vida urbana, mas simultaneamente potencial de transformação e renovação. A estrada mercado ganha assim uma importância urbana fulcral para este tipo de território e é um tema importante a analisar. A EN207, fenómeno peculiar no género, desencadeia facilmente uma série de questões: porquê tantos tipos diferentes de edifício, servindo todos para a mesma e simples função: venda de móveis? Como surgiu um fenómeno destes e porquê aqui? O que justifica este tipo de expressão urbana? Como e quem o terá começado?

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Estudar este fenómeno implica, antes de mais, uma compreensão do seu enquadramento territorial, social e económico. Para isso, o estudo do fenómeno urbano é introduzido por uma reflexão alargada a propósito desse enquadramento territorial, mas também por uma observação histórica e socio-económica (do Vale do Sousa e Paços de Ferreira). Como complemento à análise, alargou-se a investigação às outras duas estradas nacionais do concelho (EN209 e a EN319) e respectivas envolventes próximas, pela semelhança de fenómenos e pela proximidade geográfica. Considerou-se como território de estudo a envolvente à EN207 no concelho de Paços de Ferreira. São apresentados em anexo, os inquéritos aos comerciantes realizados durante o seminário que contribuíram para uma mais completa compreensão do fenómeno. A metodologia utilizada foi o estudo tipológico. Ou seja: a comparação intensiva entre edifícios e a sua posterior classificação em famílias, segundo critérios predeterminados. Este é um processo de sistematização da informação, recolhida de forma empírica, que permite formular conclusões mais objectivas. Estudar a cidade difusa através da tipologia do seu edificado representa compreender a lógica que rege a sua formação espontânea, encontrar padrões e regras na aparente desordem. Dar nomes aos fenómenos, classificando este tipo de via como estrada mercado permite-nos aumentar e consolidar o conhecimento da realidade complexa que é a cidade difusa. A própria estrada mercado constitui-se como um tipo urbano e esta classificação é um contributo para a compreensão dos fenómenos actuais da cidade difusa. Organizar a realidade em tipos permite assim entender padrões, características comuns, organizar a informação. Representa para além disto uma forma de ler a cidade de um ponto de vista particular: a tipologia. Qual o objectivo da investigação teórica em arquitectura e urbanismo? Na análise ao campo de estudo da cidade difusa enquanto fenómeno urbano espontâneo constituem-se como objectivos: por um lado a compreensão exaustiva do fenómeno (objectivo comum às ciências), e por outro a construção de pressupostos teóricos que orientem estratégias de intervenção (objectivo comum às artes). Seja esta feita pela definição de programas (papel do urbanismo) seja pela sua materialização (papel da arquitectura).

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Para cumprir o primeiro pressuposto – compreensão e explicação de uma determinada realidade – é requerido um olhar intrigado, mas também imparcial e descomplexado sobre esta2. Segundo Venturi “a suspensão do juízo pode usar-se para formar logo um juízo mais sensato”. À complexidade das cidades contemporâneas (que as torna de difícil compreensão), têm de responder os estudos urbanos com maior profundidade e densidade. O conhecimento da realidade é fundamental sobretudo no campo da intervenção. É necessário, segundo Távora, conhecer o existente “tão intensamente que conhecer e ser se confundem”3. Para ele, na intervenção “a dificuldade da posição a tomar está exactamente em saber que porção da circunstância haverá que seguir e que porção haverá que esquecer ou mesmo contrariar”. Isto é, “o espaço organizado não é apenas condicionado, mas é também condicionante”. Só a atitude mais descomprometida possível (mas não insensível) pode levar ao conhecimento. E é só com base neste conhecimento que podemos alcançar o segundo pressuposto – a definição de objectivos operativos. Isto é, a tomada de posição. O objectivo geral do trabalho é então, por um lado compreender o funcionamento da cidade contemporânea e da cidade alargada através de um exemplo particular, e por outro, retirar algumas conclusões sobre a condição contemporânea da arquitectura nesta forma de cidade. Do particular pode-se explicar o geral. A compreensão da origem e funcionamento destes tipos pode permitir perceber melhor o funcionamento da cidade difusa em geral. Procura-se portanto dar um contributo à compreensão desta realidade, através do estudo de um fenómeno particular. Adicionar a toda investigação desenvolvida sobre a matéria, a documentação de mais um fenómeno (pouco estudado) e a aproximação à escala da arquitectura e da sua relação com os espaços livres (públicos e privados). Tendo esperança de que o mesmo contribua para a compreensão do todo, que é a cidade actual. A estrada mercado comporta um forte potencial de intervenção, pelo que o seu estudo serve não só para compreende-la, como também para alimentar futuras propostas de intervenção. Por outro lado, procura-se estudar de que modo é que os tipos

2. “Aprender da paisagem existente é a forma de ser um arquitecto revolucionário (…) de um modo distinto, mais tolerante: pondo em questão a nossa maneira de ver as coisas (…) Os arquitectos perderam o hábito de olhar à sua volta imparcialmente, sem pretender juízos de valor”. Robert Venturi, Steven Izenour e Denise Scott Brown, Aprendiendo de Las Vegas – el simbolismo olvidado de la forma arquitectónica, Editorial Gustavo Gili, Barcelona, 2004 (tradução livre) 3. Fernando Távora, Da organização do espaço, Publicações FAUP, Porto, 1999

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arquitectónicos excepcionais são responsáveis pelo novo formato de cidade, que novidades trazem estes programas à disciplina da arquitectura e de que maneira podem ser geradores de alguma urbanidade. A compreensão do fenómeno edifício montra implica o estudo da arquitectura da cidade difusa em geral, levantando algumas questões: que influência tem a cidade difusa na arquitectura? Há uma arquitectura própria desta? Que implicações tem este modelo urbano no modo de fazer arquitectura contemporânea e de que maneira isto pode implicar considerações no método projectual? Isto é, de que forma pode a arquitectura responder a este contexto diferente – a uma envolvente não só híbrida, mas em constante mutação?

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1. CIDADE CONTEMPORÂNEA Passámos da era industrial à era digital. Na era da globalização, da liberalização e abertura dos mercados, da informação e do marketing, as novas formas de vida e de organização económica e social trazem inevitavelmente novas formas de organização do espaço. A comunicação global e a aceleração da mobilidade são provavelmente as marcas mais importantes na transformação das sociedades de hoje. São responsáveis directos pela transformação radical das formas urbanas e revolucionaram as relações entre as pessoas, destruindo as distâncias e aproximando virtualmente os pontos no mapa. No mundo de hoje, as distâncias já não se medem em metros e quilómetros mas em minutos e horas. É cada vez menos importante o sítio concreto onde estamos, e mais os meios de deslocação ou de comunicação a que temos acesso. Toda esta revolução tecnológica vai ter efeitos importantes na forma de organização dos espaços urbanos. Assistimos a uma transformação urbana historicamente inédita. A relativização do lugar geográfico e a crescente urbanização do mundo fazem com que a cidade esteja em todo lado. Depois de séculos de êxodos rurais para as cidades, dá-se uma transformação que inverte o ciclo. É a cidade que vai ao campo. As cidades começam por crescer para fora dos antigos e estabelecidos limites. Dáse a chamada explosão das cidades. Propagando-se de forma espontânea pelo espaço circundante e pelas suas vias de acesso, elas vão ocupando cada vez mais território até se unirem em conurbações que se vão tornando cada vez maiores. Perde-se a noção de limite – aparecem os chamados territórios de urbanização difusa. E, da cidade que cresce inicialmente por continuidade, em substituição ao campo passamos à uma urbanização de outros territórios, como é o caso dos territórios rurais, já

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não por substituição, mas por mutação. Mantendo-se virgens por séculos, ou numa ocupação rural dispersa que servia especialmente o sector primário, estas áreas vão rapidamente industrializar-se e transformar-se também elas em espaços urbanos, se bem que de outro tipo. E a velha estrutura rural passa a servir uma função completamente diferente. Esta cidade que se forma nem é cidade como a conhecemos, nem é campo: é um novo tipo de espaço. Uma cidade difusa, expandida, alargada. Que não foi feita do nada, mas que é o resultado da urbanização do campo e da expansão da outra cidade, e que mistura os velhos hábitos seculares e tipos rurais com as particularidades mais recentes do mundo pós-industrial. Esta mistura cria um novo estado que não é já nem uma coisa nem outra. É um modelo diferente. A cidade foi ao campo, e este acontecimento é irreversível. Nunca mais teremos os estados anteriores: “sem dúvida que a urbanização não é contínua e que pôde e poderá conhecer pausas e retomas. No entanto, não existe exemplo histórico de sociedades ou de civilizações que tenham sobrevivido a uma «desurbanização».”4

1.1 Sociedade: globalização e informação A globalização, a informatização da sociedade, a revolução tecnológica e a economia neoliberal caracterizam o mundo de hoje. Os sistemas económicos tornaramse mais complexos e especializados, numa continuada divisão do trabalho (iniciada no passado), as actividades fragmentaram-se, dispersaram-se e as sociedades também se complexificaram. Hoje comunica-se muito mais, viaja-se muito mais. Vivemos numa sociedade da informação e numa sociedade da imagem. Nunca a imagem foi tão importante como é hoje no dia-a-dia das pessoas. Jornais, Revistas, Outdoors, Fotografia, Televisão, Internet, Videojogos, Telemóveis. A imagem é uma constante da vida contemporânea, ela está em todo lado. E o excesso de imagem e a abundância de comunicação podem provocar entropia – a não comunicação. O exagero de comunicação pode servir para não comunicar. Segundo Baudrillard5 vivemos também na sociedade da simulação. Através da alienação causada pelas inúmeras formas dos media, a realidade virtual está sempre presente na vida quotidiana con-

4. François Ascher, Metapolis – Acerca do futuro da cidade, Celta Editora, Oeiras, 1998 5. Jean Baudrillard, Simulacros e simulação, Relógio d’Água, Lisboa, 1991 – 1ª Edição 1981

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temporânea. Em contacto com esta realidade não experimentamos o real mas o virtual, o simulacro, aquilo a que ele chama o «hiper-real». Na «hiper-realidade» vivemos de certa forma alienados pelo consumo e pela publicidade. Numa etapa de capitalismo avançado e de liberalismo económico, a sociedade torna-se cada vez mais numa sociedade do consumo. A sedução da publicidade é cada vez mais forte e violenta. Na sociedade contemporânea é imperativo consumir. O consumo não advém de uma determinada necessidade, passa a ser necessidade e, de certa forma, condição de felicidade. Vivemos assim também, segundo Guy Debord6, na sociedade do espectáculo, onde os media cumprem o seu papel alienador. A sociedade do consumo tem como materialização espacial urbana uma série de diferentes edifícios comerciais, sendo as catedrais contemporâneas os shoppings. Ícones da era, homenagens ao consumo, fascinam e atraem para ele. A diversidade e originalidade de produtos, as cores, as imagens, a publicidade, exercem poder sobre as pessoas, atraindo e alienando. Como uma crença, consumir torna-se não só uma condição de felicidade como de aceitação social, sendo quase impossível viver sem consumir. O consumo já não segue as necessidades, ou pelo menos as mesmas de antes, (pois até aquilo que é uma necessidade é algo de difícil definição). Consumir torna-se uma necessidade. Os shoppings, hipermercados, grandes armazéns, lojas especializadas, e outro tipo de equipamentos comerciais concentrados tornam-se assim, necessariamente os novos espaços públicos, neste caso colectivos, uma vez que são de propriedade privada, apesar de serem de uso público. O individualismo e a competitividade são explícitos nas novas formas de vida urbana – a imensa procura pela habitação de tipo unifamiliar isolada e a fuga a modelos de vida mais colectiva e partilhada com os vizinhos. Os novos modos de vida, e sobretudo a sua diversidade (são disto exemplo os novos tipos de família), são características fundamentais da cidade hoje. Actualmente as relações sociais são feitas por razões de interesses comuns e não de vizinhança ou proximidade geográfica. A população das cidades já não é a mesma:

6. Guy Debord, A sociedade do espectáculo, Contraponto, 2004 – 1ª Edição 1967

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A cidade está cada vez menos habitada por uma população homogénea e estável que nasce e morre nela, e cada vez mais por uma população instável e com raízes culturais diversas e distantes: invadem-na grupos nómadas, como por exemplo os turistas nas suas diferentes categorias, uns grupos que adaptam o seu ciclo de vida e as suas exigências ao lugar de residência. Desta maneira, em toda a Europa foram criadas imensas áreas de negócios, bairros com conotação étnica, cidades de ócio ou, nas regiões favorecidas por climas temperados, imensas áreas geriátricas. Do mesmo modo, muitas cidades antigas foram transformadas em grandes parques temáticos.7

1.2 Cidade: dispersão e compressão A abertura dos países aos mercados globais e à informação planetária, terá começado embrionariamente com os Descobrimentos e o conhecimento do novo mundo, o início das trocas comerciais a nível mundial, o fim do modelo feudal e o início do capitalismo comercial. Esta alteração de paradigma tem impacto na transformação das cidades, sobretudo a partir da década de 50 do século XIX. É, sobretudo, graças à Revolução Industrial que começa a acontecer a transformação do espaço urbano que ainda hoje se processa. A técnica tem um papel preponderante nesta transformação, tendo, segundo Françoise Choay8, essencialmente três elementos principais: a construção (com os novos materiais - ferro, betão e vidro que permite “a industrialização do edifício que estandardiza o marco edificado e favorece não só o crescimento da periferia da cidade, como supõe uma ocupação difusa do território inteiro disponível para a construção”); os transportes (aparecimento do comboio, em seguida o eléctrico e o metro, e mais tarde o aparecimento do automóvel que “devolveu às redes viárias o papel perdido na expansão das cidades e incrementou ainda mais a mobilidade geral, enquanto que a aeronáutica contribuía para fixar os grandes nós urbanos”); e as telecomunicações (telégrafo, rádio, telefone, internet que “multiplicaram directamente os intercâmbios de informação entre os cidadãos, estendendo o seu campo de acção, transformando a sua experiência do espaço e do tempo e, com isso, a estrutura dos seus comportamentos”). Finalmente caem as muralhas medie-

7. Bernardo Sechi, «La cuidad contemporánea y su proyecto», in AAVV, Planeamiento urbanístico – de la controversia a la renovación, Deputació Barcelona, Barcelona, 2003 (tradução livre) 8. Françoise Choay, «El reino de lo urbano y la muerte de la ciudad», in AAVV, Lo urbano : en 20 autores contemporáneos, Ediciones UPC, Barcelona, 2004 – 1ª Edição 1994 (tradução livre)

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vais, as cidades abrem-se e crescem: “a cidade tradicional estalava debaixo da pressão demográfica e as parcelas sem fim dos subúrbios «londinenses» simbolizavam a expansão selvagem da cidade.”9 Cerdà, Wagner e Haussman, salvas as diferenças, procuram higienizar as cidades tradicionais, mas também abri-las, rasgá-las, romper o isolamento dos bairros, fazer comunicar pontos-chave da cidade, procurando conectá-la com o resto do território. Procuram relacionar o centro histórico, livre das muralhas, com o resto da cidade que se está a expandir. Contribuíram assim para o início do crescimento além limites das cidades na época. É interessante que já Cerdá previa aquelas que viriam a ser as grandes transformações características da cidade contemporânea: “Os rasgos distintivos da nova civilização são o movimento e a comunicação” e “a cidade não é mais que uma espécie de estação, ou de um eixo do grande sistema viário universal”10. Outras ideias anunciavam também a previsível desconstrução da cidade tradicional, dentro da convicção de Cerdá de que a comunicação em todas as suas formas seria o futuro do mundo e de que a cidade iria fazer parte de uma rede universal. A cidade linear, defendida por Soria y Mata e também pelos «desurbanistas» soviéticos, tenta precisamente responder ao novo contexto em que as comunicações e o transporte, assim como a expansão indefinida das cidades começam a revolucionar o espaço urbano. Soria imagina uma cidade linear contínua de Cádiz a São Petersburgo e põe pela primeira vez a questão do assentamento humano à escala mundial. Também a «Ville Radieuse» de Le Corbusier se apresenta (numa visão mais utópica) como a desconstrução das anteriores formas de cidade contínua, sendo que o Movimento Moderno concede também um privilégio exclusivo à escala territorial quando trata a cidade. Segundo Nuno Portas, o planeamento e a arquitectura deste período foram, de alguma forma o pivot nesta mudança de paradigma na cidade11.

9. Françoise Choay, «El reino de lo urbano y la muerte de la ciudad», in AAVV, Lo urbano : en 20 autores contemporáneos, Ediciones UPC, Barcelona, 2004 – 1ª Edição 1994 (tradução livre) 10. Ildefonso Cerdà, citado por Françoise Choay em «El reino de lo urbano y la muerte de la ciudad», in AAVV, Lo urbano : en 20 autores contemporáneos, Ediciones UPC, Barcelona, 2004 (tradução livre) 11. Nuno Portas, «Ciudad contemporánea y gobernabilidad», in Lo urbano : en 20 autores contemporáneos, Ángel Martín Ramos, Barcelona, 2004 (tradução livre)

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Há, apesar de tudo, ideias de contraponto, e reacção, sobretudo em relação à desagregação das cidades, como sejam as pequenas cidades de periferia para a população trabalhadora, de Bruno Taut, ou mesmo a ideia de «cidade-jardim» de Ebenezer Howard. Esta, que Le Corbusier considerava como o extremo oposto da sua Cidade Radiante, responde à explosão das cidades europeias com um processo de reconstrução. Procura, ao mesmo tempo preservar a cidade e o campo, procurando que se complementem em defesa da qualidade de vida, considerando a disseminação das construções de alto risco social e cultural. Segundo Choay remete para a ruralidade da cidade medieval. A referida desagregação no entanto, deu-se. E as cidades explodiram. Hoje, assistimos a dois tipos de fenómenos, no que toca à forma de implantação dos conjuntos urbanos – a compressão e a dispersão: Por um lado, uma tendência à concentração focaliza os fluxos humanos em direcção aos pólos de atracção que continuam a ser as metrópoles nacionais e regionais, mas as actividades instalam-se nas periferias cada vez mais amplamente irradiadas, cuja expansão, ligada à saturação progressiva das redes de serviços, coincide com o despovoamento geral e progressivo do centro e dos núcleos urbanos históricos. Por outro lado, uma tendência à dispersão provoca uma desconcentração que pode ser linear ou pontual.12

Esta é uma das mais importantes características da cidade contemporânea. Ao mesmo tempo que as cidades crescem de forma difusa sobre espaços rurais e florestais, transformando-os em territórios mistos e unindo-se em conurbações, dá-se o fenómeno contrário, ou seja, o chamado retorno ao centro. Os antigos centros urbanos, normalmente denominados de centros históricos que até agora estavam em declínio são cada vez mais procurados (ainda que por outra tipologia social) e adquirem um prestígio único, fruto também, da crescente valorização do património e do aparecimento do chamado turismo cultural. Dá-se assim um processo de gentrificação dos centros urbanos tradicionais que se transformam em espaços comerciais, de lazer, turísticos, de hotelaria e habitação das classes mais elevadas, completamente

12. Françoise Choay, «El reino de lo urbano y la muerte de la ciudad», in AAVV, Lo urbano : en 20 autores contemporáneos, Ediciones UPC, Barcelona, 2004 – 1ª Edição 1994 (tradução livre)

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Fig. 1 – Os dois modelos de funcionamento da cidade: rede christalleriana (em cima) e rede em hubs e spokes (em baixo)

distintos do que foram. Ao mesmo tempo crescem os territórios periféricos, extraurbanos, periurbanos, rururbanos, etc., produtos da explosão das cidades, possíveis por que se acentua a utilização do automóvel individual. Com este processo dá-se uma das maiores transformações já ocorridas nas cidades até então: as cidades que eram até aqui monocêntricas, com um centro mais ou menos definido rodeadas por uma periferia, passam a policêntricas, e zonas anteriormente periféricas ganham conotações de centralidade. A cidade contemporânea é, assim, um conjunto de condensações pontuais, de polaridades, organizadas em rede. Com a globalização das economias surgem também as cidades globais, as chamadas megacities, termo utilizado no início do século por P. Geddes, e mais recentemente por Peter Hall para designar as grandes cidades de carácter metropolitano ligadas globalmente ao mundo. Segundo François Ascher13, passámos da fase da «metropolização» à fase da «metapolização»: as metrópoles evoluem para outro estado a que ele chama a «metápolis». Aqui já não existe o tradicional centro rodeado por uma periferia cada vez mais complexa, mas um sistema urbano em rede, que funciona em rede com outros sistemas semelhantes também à escala global – num sistema único de cidade global. Passa-se do modelo «christalleriano» (em que as cidades se relacionam por uma hierarquia em função da dimensão) ao sistema «metapolitano» onde só as cidades maiores mantêm relações directas entre elas, estando as mais pequenas apenas ligadas às principais (Fig. 1). Os meios de transporte e comunicação fazem com que isto seja possível, originando um aumento brutal da mobilidade sobretudo no interior das grandes cidades, e um pouco por todo o território; fomentando o «zapping urbano»14 como “condição óptima de usufruto das possibilidades da conurbação alargada”15. O automóvel individual ganha uma importância crescente no funcionamento das cidades contemporâneas. O aumento da mobilidade tem também efeitos de segregação social, dividindo a população em «hipermóveis» (aqueles que se deslocam facilmente tendo

13. François Ascher, Metapolis – Acerca do futuro da cidade, Celta Editora, Oeiras, 1998 14. CEFA, Cidade Difusa do Noroeste Peninsular, Centro de Estudos da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Porto, 2002 15. Idem, Ibidem

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acesso aos meios de transporte colectivos e individuais) e «sedentários à força»16 (aqueles que não têm acesso aos meios de transporte). A crise do espaço público tradicional é consequência do modo de viver contemporâneo – da crescente mobilidade, e do policentrismo – que ao descentralizar as cidades, acaba com a tradicional concentração das pessoas nos centros e nos seus espaços públicos: A mobilidade individual crescente, a multiplicação e especialização de «novas centralidades» e a força das distâncias que parece querer impor-se à intenção de dar continuidade formal e simbólica aos espaços públicos concorrem para a construção de um território onde a crise do espaço público é bem patente.17

Bernardo Sechi18 defende que a cidade contemporânea é feita de rupturas e de fragmentos, por contraponto à cidade antiga e à cidade moderna que eram feitas por continuidade. É consensual que a cidade contemporânea atingiu, acima de tudo, uma complexidade inédita, e uma forma de organização aparentemente caótica. Segundo Choay, “não existe modelo, sequer dissipador, que aclare a flutuação e as incertezas inerentes aos novos estilos de povoamento.” 19 Interpretar esta espécie de «caos organizado» não é fácil, e muito menos unívoco. Várias são as opiniões acerca deste tema. Rem Koolhas20 defende que a cidade contemporânea cresce de uma forma genérica, sempre igual e sem identidade própria. Solá Morales21 (tendo como exemplo a cidade mediterrânea) rejeita qualquer modelo de metrópole universal, pois defende que a explosão da cidade e a formação das cidades globais não implica a perda de características próprias de cada região. Os sistemas urbanos que formam as cidades contemporâneas, engolem e misturam, justapõem e complexificam. Cidade e campo, habitação e indústria, infra-estruturas e monumentos, praia e montanhas, tudo faz

16. François Ascher, Metapolis – Acerca do futuro da cidade, Celta Editora, Oeiras, 1998 17. Jordi Borja, El espacio publico: ciudad y ciudadanía, Electa, Barcelona, 2003 (tradução livre) 18. Bernardo Sechi, «Ciudad moderna, cuidad contemporánea y sus futuros», in AAVV, Lo urbano: en 20 autores contemporáneos, Ángel Martín Ramos, Barcelona, 2004 (tradução livre) 19. Françoise Choay, «El reino de lo urbano y la muerte de la ciudad», in AAVV, Lo urbano : en 20 autores contemporáneos, Ediciones UPC, Barcelona, 2004 – 1ª Edição 1994 (tradução livre) 20. Rem Koolhas, «La ciudad genérica»,in AAVV, Lo urbano : en 20 autores contemporáneos, Ediciones UPC, Barcelona, 2004 (tradução livre) 21. Manuel de Solà-Morales, «Contra el modelo de metrópolis universal», in AAVV, Lo urbano : en 20 autores contemporáneos, Ediciones UPC, Barcelona, 2004 (tradução livre)

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parte da mesma realidade. Não há fronteiras, nem mesmo dos países. As urbes funcionam hoje, sobretudo, em rede e interdependência destinando às antigas cidades apenas uma fracção do novo tecido urbano. A cidade espartilhou-se, deixando de ser um elemento produtor de sentido, dotado de unidade e lógica: A cidade-ponto (o território compacto, com limites reconhecíveis, distintos e envolvente rural) transformou-se no urbano-superfície, um mosaico complexo de padrões de urbanização que contém a cidade canónica, mas que sobretudo, se declina numa infinitude de morfologias urbanas onde convivem novas e velhas formas de aglomeração e dispersão.22

O espaço urbano contemporâneo é heterogéneo – pela abundância de opções, possibilidades e modos de vida. Explicar a cidade contemporânea através dos tradicionais métodos de estudo torna-se assim complicado. É difícil usar critérios simples para explicar e regulamentar um fenómeno tão complexo e engendrado por tantos actores diferentes. A divergência de interesses destes agentes transformou a planificação urbana rígida em um conjunto de intenções a negociar – no sentido de conciliar o poder político, os interesses económicos e as aspirações dos cidadãos.

22. Álvaro Domingues e Luís Pedro Silva, «Formas recentes de urbanização no Norte Litoral», in Sociedade e território – 20 anos de Actualidade, Junho de 2004

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2. CIDADE DIFUSA 2.1 Dispersão Urbana É no contexto das dinâmicas de dispersão/concentração e de aumento de mobilidade da cidade contemporânea que surge o fenómeno de difusão territorial e organização urbana a que se chamou cidade difusa. O termo é sugerido por Francesco Indovina23 ao estudar e interpretar as transformações urbanas e a organização do território da região italiana de Veneto. Neste estudo procura sistematizar algumas características generalizáveis ao resto do país e mesmo a outros países. Como diz Françoise Choay24, “a Europa é hoje triunfalmente urbana”. Isto significa que as cidades cresceram para fora dos seus limites tradicionais, expandiram-se, explodiram: “O espaço rural e as populações rurais reduzem-se dia a dia, ao mesmo tempo que se multiplica o número de megalópolis, conurbações, comunidades urbanas, tecnópolis e pólos tecnológicos.” Esta conquista do urbano sobre o rural é característica da reconfiguração do espaço europeu (e não só) a partir da Revolução Industrial, e reflecte-se em Portugal sobretudo nas últimas décadas. Traduz-se em formas de urbanização complexas e diferenciadas, mas de forma geral dispersas, estendidas ou difusas. Ou seja, a cidade ou o urbano crescem sobre o campo, não se substituindo a

23. Francesco Indovina, «La ciudad difusa», in AAVV, Lo urbano : en 20 autores contemporáneos, Ediciones UPC, Barcelona, 2004 (tradução livre) – 1ª Edição 1990 24. Françoise Choay, «El reino de lo urbano y la muerte de la ciudad», in AAVV, Lo urbano : en 20 autores contemporáneos, Ediciones UPC, Barcelona, 2004 – 1ª Edição 1994 (tradução livre)

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ele, mas interpenetrando-o, vivendo em coexistência. Criam-se territórios mistos, uma nova forma de urbanização difícil de definir ou catalogar mas que genericamente podemos intitular de cidade difusa. Dá-se a mutação no sentido da extinção da dicotomia cidade-campo – dois conceitos que, “lógica e fenomenologicamente, existiam um para o outro.25 Sprawl26, «cidade difusa», «território urbano», «urbanização difusa», «cidade alargada», «cidade dispersa»…, são só alguns dos inúmeros termos usados para definir a cidade nova. Só no livro Ville Emergente são referidas “seis definições diferentes para as quais se encontram vários sinónimos: «1. Ville-Mobile; 2 Ville-Terriroire: ou Ville illimitée; Ville-pays; Ville-archipel; Région urbaine; Ville région; Ville diffuse; Ville étale ; 3. Ville-Nature: ou Ville-campagne; Nature-ville; Campagne-ville; 4. VillePolycentrique ; 5. Ville au choix : Ville à la carte; Ville pas points; Ville de la multiappartenance; Ville éclatée; 6. Ville-vide »”27. Sendo que as definições são inúmeras, e com significados que variam consoante os autores, adoptaremos daqui para a frente e de uma forma genérica o termo cidade difusa. Este é o mais utilizado para designar o fenómeno de expansão urbana através de processos de difusão (que podem ter as mais diversas expressões), em contraponto à cidade compacta tradicional. Note-se que o termo cidade difusa também pode ser usado, incluindo na sua definição a cidade contemporânea como um todo, ou seja, englobando as cidades compactas, ou núcleos de cidade tradicional que existem dentro dela. Não é, no entanto, esse, o uso que faremos do termo nos capítulos seguintes. Será, então, utilizado, para distinguir, de uma forma genérica, aquilo que histórica e universalmente apelidámos de cidade, dos novos fenómenos urbanos – da «cidade emergente»:

25. Françoise Choay, «El reino de lo urbano y la muerte de la ciudad», in AAVV, Lo urbano : en 20 autores contemporáneos, Ediciones UPC, Barcelona, 2004 – 1ª Edição 1994 (tradução livre) 26. “Sprawl, palavra introduzida nos EUA nos anos 60 para designar o crescimento urbano sem forma, significa, literalmente «espalhar(-se)», «estender». Não existe palavra equivalente na linguagem europeia. Periferia, periurbano, conurbação, nebulosa urbana, exurbia, ou cidade difusa são tudo palavras e conceitos para descrever um facto geográfico que se tem repetido de modos diversos, como no sprawl americano. É um fenómeno que se verifica à volta da cidade, entre as cidades, e também dentro das cidades. (…) Mas o sprawl possui também razões antropológicas. O mundo cívico da praça foi abandonado porque se vive e se trabalha algures. Os valores da polis, monumentalizados nas formas urbanas dos centros históricos, não se reproduziram fora do centro onde tudo parece terra de ninguém: o terreno é mais barato, as taxas mais baixas, é mais cómodo o uso do automóvel, existem menos vínculos urbanísticos, torna-se real o desejo de viver junto ao verde.” Richard Ingersoll, Sprawltown, citado por Álvaro Domingues em Cidade e democracia: 30 anos de transformação urbana em Portugal, Argumentum, Lisboa, 2006 27. Geneviève Dubois-Taine e Yves Chalas, La Ville emergente, citados por Luís Pedro Silva em Formas da cidade difusa – Investigação efectuada no Espaço Urbano do Porto, FAUP/FEUP, Porto 1998

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Estendida, difusa, dispersa são só alguns dos adjectivos utilizados para exprimir a dilatação física do espaço urbanizado no qual as construções singulares são referidas a unidades elementares dispersas no território. A cidade assume uma configuração contínua, sem início nem fim, uma indefinida extensão dos edifícios nos quais se fixa, traduzindo-se em formas recorrentes, os costumes da vida contemporânea, as exigências de espaço apropriado para a residência, para a produção e o comércio, para o divertimento. 28

Apesar das imensas tentativas de definição e de terem surgido um conjunto de conceitos e designações, há algo em comum entre todos: os complexos processos de urbanização actuais transformam a antiga tipologia de cidades fechadas (opostas ao campo), em algo novo: um território único, mais ou menos urbanizado, onde as dicotomias campo-cidade e rural-urbano se tornaram obsoletas. Foi para as cidades que se efectuou o êxodo rural (em busca de melhores condições de vida), permitindo o seu crescimento e desenvolvimento. O campo, cuja definição pode ir, segundo Raymond Williams, desde a paz, inocência e virtudes ao simples atraso, ignorância e limitação29, poderá estar-se a tornar, segundo Michel Corajoud, no “monumento das cidades contemporâneas”30. Para Raymond Williams, a cidade pode ser centro de saberes, comunicações e luz, ou então, barulho e ambição31. Diagnosticar os actuais territórios de urbanização difusa com os instrumentos tradicionais é, assim, muito difícil. A paisagem mosaico torna imprecisos alguns conceitos pois mistura e metamorfoseia, criando um novo tipo de espaço, um tipo híbrido. O que é hoje, cidade e campo e o que é urbano e rural?

28. Luigi Coccia, «OuGM, Organismi urbani Geneticamente Modificati», in CAO, Umberto, COCCIA, Luigi (coord.), Polveri Urbane, Meltemi Babele, Roma 2003 (tradução livre) 29. Raymond Williams, O campo e a cidade – na história e na literatura, Companhia das Letras, São Paulo, 1989 30. Álvaro Domingues, «Paisagens rurais em Portugal: algumas razões da polémica» in Faculdade de Letras – Geografia, Universidade do Porto, Porto, 2003 31. Williams, op. cit.

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“Há muito que a cidade deixou de se distinguir do campo pela fronteira das suas muralhas, pelo limiar dos seus arrabaldes, pela distinção diversificada e concentracionária do seu espaço, em antagonismo com o território envolvente.”32 À oposição urbano/rural, substitui-se um modelo híbrido para o qual é necessário encontrar uma identificação positiva que é diferente da paisagem urbana convencional.33

Podemos talvez encontrar, não uma distinção clara, mas uma espécie de gradação tonal que define aquilo que é mais ou menos urbano e mais ou menos rural. Isto é, revela a maior ou menor semelhança às tradicionais imagens da cidade ou do campo (embora sempre com hibridez). Enquanto fenómeno complexo, a cidade difusa é alvo de inúmeras interpretações, como a de Françoise Choay34, que considera estarmos a assistir a uma “morte da cidade” e que advoga a passagem “da cidade para o urbano”. O desmantelamento do tradicional elo entre urbs e civitas é defendido no seu texto “O reino do urbano e a morte da cidade”: Não terá chegado então o momento de admitir, sem sentimentalismos, o desaparecimento da cidade tradicional e de perguntar sobre o que a há substituído, isto é, sobre a natureza da urbanização e sobre a não-cidade que parece ter-se convertido no destino das sociedades ocidentais avançadas?

Dá-se assim uma espécie de deslocalização e descentralização da cidade, onde o sítio ou espaço específico não é já importante. Onde aquilo a que, de forma simplificada e imprecisa, chamamos urbano pode surgir em qualquer lado: “a cidade como um objecto ou produto e o urbano como condição e estilo de vida e apropriação do espaço. O que significa que o urbano se diversificou e generalizou, rompendo os limites tradicionais da cidade cultural” 35

32. Miguel Melo Bandeira, «A oposição cidade campo: uma quase memória ou ténue realidade?!», in AAVV, Cadernos do Noroeste, vol.7(2), Centro de Ciências Históricas e Sociais da Universidade do Minho, Braga, 1994 33. João Cabral, Álvaro Domingues e Nuno Portas, Políticas Urbanas: tendências estratégias e oportunidades, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2003 34. Françoise Choay, «El reino de lo urbano y la muerte de la ciudad», in AAVV, Lo urbano : en 20 autores contemporáneos, Ediciones UPC, Barcelona, 2004 – 1ª Edição 1994 (tradução livre) 35. Nuno Portas, «Cuidad contemporánea y gobernabilidad», in AAVV, Planeamiento urbanístico – de la controversia a la renovación, Deputació Barcelona, Barcelona, 2003 (tradução livre)

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Francesco Indovina tem uma visão particular sobre este fenómeno. Defende uma evolução daquilo a que ele apelida «urbanização difusa» (fase primária da difusão urbana) para o que considera uma outra estrutura – a «cidade difusa». Argumenta que nos encontramos face a um fenómeno novo. O termo «cidade difusa» é usado com mais precisão para caracterizar aquilo que insiste ser recorrente na organização do espaço do seu país (Itália). Afirma que tem algumas parecenças com os subúrbios norte-americanos. Defende mesmo que esta pode ser considerada a resposta italiana ou europeia ao contexto que no continente americano deu lugar aquela forma de organização do espaço: Enfrentamos algo distinto da precedente estrutura territorial e os conceitos elaborados antes não parecem hoje satisfatórios. Se anteriormente o adjectivo difuso qualificava a urbanização (urbanização difusa), hoje é necessário encontrar uma nova terminologia; numa primeira tentativa definimos esta nova estrutura territorial como cidade difusa. (…) Em certo sentido a cidade difusa tem às suas costas a urbanização difusa, mas os dois fenómenos apresentam-se completamente distintos, tanto no marco territorial como no âmbito económico social, e constituem estados distintos de organização do espaço, como consequência da reorganização dos processos socioeconómicos.36

Bernardo Sechi37 entende a cidade difusa como o extremo oposto às megacities, sendo estas as duas formas paradigmáticas da cidade contemporânea. Constituem-se como duas modalidades de ocupação e uso do espaço às quais correspondem diferentes modos de vida, actividades e formações sociais, não se contrapondo, mas entrecruzando-se, sobrepondo-se mutuamente. São lugares que abarcam duas culturas distintas que se complementam parcialmente. As metáforas utilizadas para definir os tipos de cidade, procuram reflectir este tipo de fenómenos. Luigi Coccia utiliza o termo «Polvori Urbane»38, ou seja, «pó urbano», para caracterizar a implantação difusa dos edifícios num vasto território (“O

36. Francesco Indovina, «La ciudad difusa», in Lo urbano : en 20 autores contemporáneos, Ángel Martín Ramos, Barcelona, 2004 – 1ª Edição 1990 (tradução livre) 37. Bernardo Sechi, «La cuidad contemporánea y su proyecto», in AAVV, Planeamiento urbanístico – de la controversia a la renovación, Deputació Barcelona, Barcelona, 2003 (tradução livre) 38. Luigi Coccia, «OuGM, Organismi urbani Geneticamente Modificati», in CAO, Umberto, COCCIA, Luigi (coord.), Polveri Urbane, Meltemi Babele, Roma 2003 (tradução livre)

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território edificado, observado a grande distância, aparece assim como uma grande superfície disseminada de infinitos minúsculos corpos, «poeiras urbanas» depositadas na crosta terrestre”). Nuno Portas39 chama «ilha» à cidade do passado e «arquipélago» ou «nebulosa» à cidade contemporânea. Refere também os conceitos de «sistema» ou de «hipertexto»: “Por isso alguns teóricos falam da metáfora do hipertexto (em vez de falar de sistema) restituindo a complexidade que antes se mantinha reduzida a simples níveis temáticos de uma análise funcional sectorizada.”40 O território lido como hipertexto parte da analogia entre a cidade contemporânea e o funcionamento deste tipo de estrutura, onde não há início nem fim, não há uma sucessão única de acontecimentos, onde os elementos se organizam em rede, mas sem haver necessariamente hierarquias ou sequências predeterminadas. Isto dá a cada um (tal como os sistemas de navegação world wide web), a capacidade de escolher como é que quer utilizar os espaços (quais, quando e por que ordem), de uma forma totalmente interactiva, pessoal e única. Ou seja, os elementos não se organizam de uma forma explícita ou contínua no território, pois são usados de forma alternada e descontínua. Acabando com as hierarquias clássicas e com o sistema de “lugares centrais”, a utilização do espaço aparece, assim, descentralizada, espontânea e difusa. Isto explica a passagem do sistema de mobilidades pendulares programável e previsível (da antiga metrópole centralizada) ao sistema de mobilidades espontâneo e imprevisível (das metápoles actuais). O efeito túnel, referido por Ascher41, é algo que se verifica à escala mundial (através, sobretudo das viagens aéreas e ferroviárias de alta velocidade) mas também à escala urbana, na cidade difusa e na cidade compacta. Relaciona-se, sobretudo, com as possibilidades trazidas pelas novas tecnologias de mobilidade, e, portanto, com uma nova forma de viver a cidade. Sente-se mais na cidade difusa, onde os transportes (sobretudo o automóvel individual) são mais utilizados, as vias mais rápidas e as actividades mais espalhadas no espaço, embora também exista na forma contemporânea de viver as cidades antigas. Graças às novas formas de cidade, mas também às

39. Nuno Portas, «Cuidad contemporánea y gobernabilidad», in AAVV, Planeamiento urbanístico – de la controversia a la renovación, Deputació Barcelona, Barcelona, 2003 (tradução livre) 40. Idem, Ibidem 41. François Ascher, Metapolis – Acerca do futuro da cidade, Celta Editora, Oeiras, 1998

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novas formas de vida, o espaço já não é contínuo mas descontínuo, ou pelo menos, a forma de o viver e percepcionar. A orientação no espaço urbano faz-se menos em função das distâncias e da orientação cardial e mais subordinada ao tempo e às condições específicas de acesso. Isto permite que o espaço seja do tipo policêntrico em vez de monocêntrico. Emergem pontos essenciais e centrais de grande importância e acessibilidade, em detrimento de outros que pela sua condição de marginalidade aos sistemas de transporte se tornam intersticiais e secundários. Que razões levaram aos fenómenos de difusão urbana? Esta é uma questão complexa e que ainda causa alguma discussão. Foi o avanço tecnológico na área das comunicações e transportes a causa ou terá sido apenas aquilo que permitiu? Secchi defende que as dinâmicas sociais impeliram o progresso tecnológico. Como tal, a difusão urbana é também fruto da vontade humana e surge por uma procura de uma distância correcta entre as pessoas: A minha ideia é, portanto, que a fragmentação e a dispersão da cidade, mais que ao progresso da técnica da mobilidade urbana se há de atribuir a uma nova busca da distância justa e que esta busca há de ser correctamente interpretada pelo projecto da cidade contemporânea (…) Provavelmente para muitos indivíduos e grupos sociais, a cidade antiga e a cidade moderna não consentem uma distância entre eles e os seus vizinhos; a dispersão converte-se na oportunidade para «dar um espaço cada vez maior aos aspectos ‘privados’ da existência (…) 42

A cidade difusa não é, segundo o autor, fruto exclusivo do desenvolvimento de uma série de técnicas de mobilidade, ela é simultaneamente consequência de uma intenção social e colectiva. É resultado da tendência para o individualismo, para a procura de um espaço de liberdade, e é sintomática da crescente recusa às típicas incomodidades da cidade compacta. O descontentamento com a cidade tradicional e com os seus transtornos – ruído, stress e poluição – é uma das razões para a fuga da cidade, uma das causas da génese da dispersão urbana43. O sistema métrico que rege

42. Bernardo Sechi, «La cuidad contemporánea y su proyecto», in AAVV, Planeamiento urbanístico – de la controversia a la renovación, Deputació Barcelona, Barcelona, 2003 (tradução livre) 43. Francesco Indovina, «La ciudad difusa», in Lo urbano : en 20 autores contemporáneos, Ángel Martín Ramos, Barcelona, 2004 – 1ª Edição 1990 (tradução livre)

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a cidade actual não é o social, mas, possivelmente o individual ou o familiar. O edifício unifamiliar é a sua unidade de medida. A cidade difusa apresenta-se como uma novo arquétipo urbano – mais adaptada ao transporte individual, onde se podem encontrar as vantagens do campo na cidade. O crescimento deste tipo de cidade é, afirma Portas44, descontínuo e qualquer esforço para reproduzir actualmente a continuidade como alternativa peca por ingenuidade: Talvez a continuidade deverá ser de outro tipo, uma continuidade descontínua; uma continuidade feita de elementos virtuais ou simbólicos, com as suas conexões de efeito túnel, em que por momentos se deixe de perceber o elemento de continuidade e se encontre de novo noutro ponto mais longínquo. No tempo de Cerdà ainda era possível fazer coincidir a continuidade com a similitude dos elementos físicos (rua, quarteirão, jardim). No nosso tempo, o ensanche fragmenta-se na «megalópolis» e só será reconhecível como continuidade se mantém características do anterior mas não necessariamente miméticas.

O crescimento progressivo das cidades, transformando-as em cidades-região ou cidades-território, coloca a questão dos limites históricos (mesmo as cidades ideais eram, segundo Portas, sobretudo limite). As cidades de hoje desprezam os limites, crescem e transbordam. As antigas limitações administrativas já não fazem qualquer sentido e o sistema vigente de administração do território é posto em causa. A cidade difusa, como expõe Portas, não tendo limites precisos – funciona numa rede que tudo une e tudo inclui – tem no entanto outros limites: perceptivos e ambientais. São os novos limites das cidades. Não vivemos mais numa cidade, vila, campo ou região, vivemos num único território urbanizado, mais ou menos densamente. O perímetro da cidade (contemporânea e difusa) torna-se assim pouco relevante, esta surge por trechos, de forma descontínua e em qualquer lado. Aquilo a que chamamos hoje de urbano não é algo homogéneo. A cidade difusa não é então sempre cidade, no sentido de urbanidade. Pode sêlo ou não. Ou antes, pode ser mais ou menos cidade, se assim o podemos afirmar. Normalmente é algo híbrido entre cidade e campo, é um novo tipo. Também dentro

44. Nuno Portas, «Cuidad contemporánea y gobernabilidad», in AAVV, Planeamiento urbanístico – de la controversia a la renovación, Deputació Barcelona, Barcelona, 2003 (tradução livre)

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do território difuso há heterogeneidades e existem troços com especial diversidade de usos ou serviços. Estes têm um funcionamento mais próximo de cidade do que outros. Perante a variação de condições urbanas, é complicado e até, talvez arriscado usar hoje o termo cidade para designar este tipo de espaços. Fala-se genericamente de território urbano, de sistema urbano, ou abreviando de urbano, uma vez que a condição de um território pode variar entre o rural ou natural, e a cidade compacta tradicional (passando pelos vários estágios de transição de maior ou menor densidade e complexidade). A cidade difusa é, também, lugar de muito maior incerteza que a cidade tradicional: A verdade é que os condicionantes que podemos encontrar nas «ilhas» da cidade herdada são, de facto, muito mais rigorosos e portanto as soluções possíveis são mais prováveis e também mais excludentes. Por outro lado, o território das ilhas menos estruturadas entre essas cidades apresenta-se como mais vulnerável potencialmente, mais aberto às oportunidades, mais inovador em termos tipológicos, de escala e também de impactos.45

Qual o futuro da cidade difusa? É sustentável? É a melhor opção a nível ambiental? É melhor concentrar as cidades para preservar o máximo de território virgem ou antes permitir a imergência da cidade no campo reservando áreas verdes de grandes dimensões (que permitam a preservação do ambiente e a qualificação urbanas)? Até onde chegará a urbanização no seu crescimento sobre a terra? Crescerá urbanizando todo o planeta? A questão da sustentabilidade das cidades e os seus modelos ideais em relação às preocupações com o ambiente, levantam ainda muita discussão. Não está provada qual a solução de cidade menos agressiva para o ecossistema (embora a maioria dos ambientalistas e estudiosos das questões da sustentabilidade defendam que a concentração máxima será, porventura, a melhor opção). Independentemente daquilo que são os melhores modelos de cidade, os imensos territórios de urbanização difusa proliferam pelo planeta. Este é um estado irreversível. É impossível restituir estas áreas, incólumes, à natureza. A questão da sustentabilidade poderá passar essen-

45. Nuno Portas, «Cuidad contemporánea y gobernabilidad», in AAVV, Planeamiento urbanístico – de la controversia a la renovación, Deputació Barcelona, Barcelona, 2003 (tradução livre)

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cialmente pela forma de os recuperar enquanto espaços de qualidade e de convívio saudável com a natureza, preservando aquilo que ainda existe de natural e beneficiando os espaços construídos. O crescimento da cidade difusa é, sobretudo consequência de um processo não controlado, não planeado – espontâneo. Pertence ao conjunto de fenómenos de crescimento urbano a que se costuma intitular genericamente de cidade espontânea ou ainda, cidade informal. Estes são termos abrangentes que não definem propriamente características particulares ou modelos. Mas terá a cidade difusa um modelo ou será esta uma cidade sem modelo? Será que o que a caracteriza é não ter arquétipo? Segundo Portas, a cidade difusa é, precisamente, o exemplo de cidade sem modelo por oposição à tradicional cidade de modelos claramente estabelecidos: A cidade como modelo culturalmente reconhecido (…) tornou-se minoritária, ou quase, tanto em termos demográficos, como em usos e actividades, face a outra cidade crescida sem modelo, que alguns mais cultos ou mais nostálgicos classificam inclusive como nãocidade, já que não encontramos nela os sinais de um modelo; ou que outros designam de cidade genérica (ou cidade ordinária), um conceito que também conota a cidade sem qualidades, sem lugares nem limites e, sobretudo, sem forma culta, que para além do mais se identifica com a cidade modelada e compacta46

O despontar de zonas urbanas por todo o território, leva a uma ampliação do campo de trabalho da arquitectura e do urbanismo. O espaço rural pressupunha uma ocupação do território mais ou menos espontânea, determinada sobretudo pelas necessidades básicas de vida. Transformado em território urbano difuso, é agora parte da cidade – espaço urbano – e portanto, objecto de desenho e de planeamento. Esta visão da cidade enquanto território, ou antes, do território enquanto cidade (já que tudo deve ser pensado e desenhado tal como na cidade), relaciona-se com a descentralização em sistemas polinucleados. É uma visão menos centralista e menos fechada da cidade e da sociedade em geral. Sendo que a distinção entre cidade e campo se dilui no conceito de território, aquele que era o campo de trabalho do urbanismo e do planeamento – as cidades – alarga-se. Todo o território é passível de

46. Nuno Portas, «Cuidad contemporánea y gobernabilidad», in AAVV, Planeamiento urbanístico – de la controversia a la renovación, Deputació Barcelona, Barcelona, 2003 (tradução livre)

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ser planeado, desenhado, estruturado, organizado, à excepção das grandes reservas e dos outros espaços naturais ou agrícolas que serão salvaguardados. Ou seja, a urbanização que era excepção num território livre mais ou menos natural (selvagem ou cultivado), passa a ser a regra (que se materializa em cidades compactas, terrenos de urbanização difusa ou infra-estruturas de transporte de bens ou pessoas que rasgam o território), e o terreno virgem a excepção a preservar: A ideia de cidade delimitada, compacta e homogénea, isolada no espaço rural são hoje contrapostas ideias como as da “cidade difusa”, “cidade emergente”, “Metapolis”, “campo urbanizado”. E às teses de contradição cidade-campo sucedem as teses de que “tudo é urbano” e de que as cidades são sistemas distendidos, descontínuos e fragmentados, cada vez mas entrosados com espaços agrícolas e naturais, formando regiões urbanas complexas.47

E é assim, neste imenso território misto, que deverão ser aplicadas as teorias urbanas, ou seja, as reflexões que até aqui se debruçavam sobre a cidade devem passar a incluir as novas considerações sobre o território em geral. O espaço público, que se diz estar hoje em crise, com a explosão das cidades e a separação do edificado das vias, é outra questão importante que se coloca na cidade contemporânea, sobretudo, na cidade difusa (onde este parece não existir). O que é o espaço público na cidade difusa? Quais os seus tipos? Na cidade acelerada e alargada, não existem praças, largos, ou outro tipo de estruturas tradicionais de espaço público estático, e às ruas (aqui constantemente confundidas com estradas) não é dado o uso tradicional. O espaço usado como público aparece-nos frequentemente disfarçado, sendo na verdade espaço privado de uso colectivo. São exemplo os equipamentos culturais, desportivos e comerciais. Surgem também alguns espaços como parques ou corredores verdes, mas o que existe é essencialmente estrada, berma de estrada, ou espaço sobrante, intersticial, sem programa nem desenho. Os terrenos vazios (terrains vagues ou amnésias urbanas, segundo F. Caresi) tornam-se consequentemente elementos fundamentais de reflexão para a urbanística. São fruto de ausên-

47. António Fonseca Ferreira, «Paradoxo do planeamento urbanístico», in Sociedade e território – 20 anos de Actualidade, Junho de 2004

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cia de programa, sobras da urbanização difusa em torno das estradas mas também parte do território que deve ser elemento de desenho e programa. Apesar desta crise do espaço público (fruto de uma outra forma de viver a cidade e de um crescente individualismo) percebe-se que a cidade difusa, é cada vez mais povoada por elementos de forte poder simbólico, de afirmação pessoal e de ostentação. Acontece sobretudo nos espaços exteriores privados que nunca são escondidos ou recolhidos à intimidade, mas antes expostos à estrada. Ou seja, ao mesmo tempo que o individualismo confina as pessoas às casas, estas parecem querer cada vez mais comunicar, afirmar-se e relacionar-se com os outros. Surge também, associada a este factor de expansão territorial da cidade contemporânea, uma crescente preocupação com a paisagem, sobretudo com a paisagem urbana (conceito de certa forma recente). A “súbita emergência da paisagem (ou dos discursos que dela se servem) como preocupação socialmente correcta”48 leva à crescente consideração do espaço urbano enquanto objecto de desenho. Já não falamos só da paisagem urbana tradicional, mas também, da paisagem da cidade difusa e da paisagem das zonas naturais (cada vez mais artificializadas). A imagem da cidade difusa é, naturalmente, uma complexa e heterogénea mistura de referentes (tradicionalmente associados a campos diferentes) que resulta num todo fragmentado, rarefeito e descontínuo: (…) aqui a fábrica pode ter um jardim ou estar no meio de uma vinha, resultar de uma novíssima arquitectura de autor ou de uma ampliação de uma nave de granito, a casa de um operário modesto transforma-se, amplia-se incorpora novas funções e estilos, os blocos habitacionais ou mistos repetem formulas encontráveis em qualquer lugar, no alinhamento de uma rua consolidada ou anacronicamente plantados no meio de tipologias residenciais em parcelas agricultadas (…)49

O planeamento e desenho dos espaços da cidade difusa relacionam-se automaticamente com a preocupação paisagística. Isto deve-se em parte, à consciencialização de que a intervenção neste espaço (que mistura campo com cidade) terá que ser

48. Álvaro Domingues, «Paisagens rurais em Portugal: algumas razões da polémica» in Faculdade de Letras – Geografia, Universidade do Porto, Porto, 2003 49. Idem, «Novas paisagens urbanas», in Jornal Arquitectos, nº 206 Maio/Junho de 2002

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necessariamente feita com os seus elementos próprios – não só com edificado mas também com o verde. O verde passa a ser elemento de desenho, ganha protagonismo. Mais do que isso, ele é um factor de valorização ambiental destes espaços. É uma vantagem deste tipo de cidade sobre o outro. Passar do chamado terrain vague, sem programa, aos espaços públicos verdes planeados e desenhados – florestais, rurais ou de uso urbano – é fundamental. Num tempo onde a mobilidade é essência da condição urbana, e a velocidade a sua principal característica, os transportes tornam-se assim, o motor de desenvolvimento das cidades. São eles que, encurtando as distâncias, relativizando-as ao tempo, diminuindo o atrito territorial, permitem a troca de mercadorias e pessoas e a comunicação directa entre zonas distantes. Aéreos, rodoviários, marítimos ou ferroviários têm formas e escalas diferentes de ser relacionar com o território. Os transportes rodoviários funcionam a uma escala territorial ou urbana e são os que na nossa época mais revolucionaram o funcionamento das cidades, permitindo o aparecimento da cidade difusa. Pela primeira vez na história, temos um tipo de transporte completamente individual. É este factor que permite o aparecimento e desenvolvimento da difusão urbana. A vantagem de não necessitar de vias próprias, de poder circular praticamente por todos os espaços onde circula o peão dá ao seu utilizador uma sensação de liberdade total de movimentos. Esta liberdade está intrinsecamente associada à procura da cidade difusa enquanto alternativa à cidade tradicional. Dentro do automóvel, cada um é o centro da acção, adquirindo um poder de decisão praticamente total sobre a sua mobilidade. É esta a forma de viver na cidade difusa – o automóvel usado como prótese do corpo. E, no entanto, ao mesmo tempo que esta revolução trazida pelo automóvel amplia as capacidades e a diversidade de utilização da cidade, também a reduz. Aqueles que não têm acesso a este meio de transporte vêm-se limitados e, de certa forma, segregados pela cidade. As soluções de transportes colectivos na cidade difusa são muito difíceis e limitadas de implantar porque a extensão no território dificulta a justificação do investimento. Paradoxalmente nos centros urbanos e nos seus acessos o automóvel individual é o transporte mais limitador – é constantemente travado pelos distúrbios do trânsito e torna-se um entrave quando necessitarmos de um lugar para o estacionar porque queremos parar. Isto só confirma que a cidade tradicional não foi feita para o automóvel. O uso excessivo do automóvel individual traz outros problemas para o planeta. A poluição ambiental e

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sonora, assim como o uso de uma fonte de energia não renovável, tem provocado o descontentamento da sociedade com este meio de transporte. As repercussões na cidade são claras: uma procura urgente (sobretudo na cidade histórica) de restrição ao seu uso, a promoção do transporte colectivo como alternativa viável, a construção crescente de parques de estacionamento, a actual preocupação com o alargamento dos passeios50 e estreitamento das faixas de rodagem (ao essencial) e a promoção da intermodalidade entre vários tipos de transporte público (e entre este e o individual). A ascensão de transportes alternativos (bicicletas, patins, skates) tem sido também uma preocupação crescente das sociedades contemporâneas, sobretudo europeias, que se reflecte na criação de vias próprias para este tipo de transporte. Paradoxalmente, esta mudança dá-se num momento em que crescem e se expandem os territórios de urbanização difusa extremamente dependentes do automóvel individual. No entanto, o futuro deste meio de transporte é dúbio. Os problemas ambientais inerentes à sua utilização poderão vir a ser resolvidos (com a implementação das energias alternativas), legitimando a progressão dos territórios de urbanização difusa que funcionam hoje em alta dependência do mesmo. A evolução urbana desde as primeiras cidades até hoje transformou completamente as infra-estruturas. Das estreitas ruas esguias da cidade histórica às autoestradas, passando pelas avenidas «haussmanianas», muito mudou. Sendo que, vivemos na era da cidade território e da mobilidade, as grandes infra-estruturas de transporte tornam-se fundamentais, ganham uma importância simbólica fulcral. No entanto, as preocupações com o seu desenho não correspondem a esta preponderância. Elegemos como monumentos: alguns edifícios institucionais, as pontes das principais cidades e os mega-equipamentos desportivos. Negligenciamos a concepção das auto-estradas, dos viadutos, dos nós, das portagens, das estações de serviço – os lugares de passagem (ou os não lugares, como apelidaria Marc Augé51). Esquecemos que todo o território pode ser hoje objecto de desenho e que o planeamento dos espaços adquire escalas territoriais. As infra-estruturas de passagem devem ser pensadas e desenhadas na sua relação com o território e não de forma irreflectida. Assim, o

50. A recente pedonização dos centros urbanos está, de certa forma, associada ao retorno ao centro e à revalorização dos centros urbanos pelo seu carácter simbólico, valor patrimonial e histórico. 51. Marc Augé, Não-lugares – Introdução a uma Antropologia da Sobremodernidade, 90 Graus Editora, Lda., 2005

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desenho deste tipo de estrutura deve passar a ser objecto de uma integração profissional multidisciplinar entre as áreas da arquitectura e do urbanismo e as outras especialidades. Pode a cidade difusa competir com a concentrada? Uma grande diferença que há entre as cidades históricas e os novos terrenos de urbanização difusa é o prestígio cultural e patrimonial que as primeiras têm. Com isto a cidade difusa não pode competir, exibe, no entanto, outros trunfos (facilidade de acesso automóvel, forte relação com o espaço natural, mais espaço, menos poluição, mais calma). Mas será que pode chamar a si as actividades mais avançadas? Pode “atrair aquelas actividades cuja localização assinala uma posição alta na hierarquia territorial geral? Ou seja, pode competir em termos de atracção para as actividades inovadoras e de poder com a cidade compacta?”52 Indovina defende que a cidade difusa dificilmente pode concorrer com as grandes cidades no que toca aos serviços e actividades avançados, podendo apenas fazê-lo naquelas que são as actividades de massas: “A cidade concentrada expulsa as actividades mais maduras e mantém as actividades produtivas avançadas”. Mesmo aceitando esta opinião podemos questioná-la. Se o desenvolvimento urbano levou à formação de um tipo imprevisível de cidade, como podemos saber qual a sua configuração no futuro? E portanto, que certezas temos ao arriscar previsões? Parece não haver dúvidas de que a cidade difusa se constituiu como um novo tipo de cidade que aparentando a total anarquia e desordem, tem, na verdade, uma lógica própria. É, no entanto, dependente (em maior ou menor grau) de outras cidades pertencentes ao antigo modelo compacto. Irá o modelo de cidade difusa substituir o antigo? Serão complementares ou será esta apenas uma fase de crescimento da cidade compacta? Tenderá esta a densificar todas estas áreas difusas, passando assim do crescimento disperso para a concentração (e posterior consolidação)? Estas são questões em aberto. Todavia, parece pouco provável a densificação de todas as áreas intersticiais dos territórios difusos. Por duas razões essenciais. Primeiro, porque isso exigiria um crescimento colossal das cidades, que não se prevê. Segundo, porque os

52. Francesco Indovina, «La ciudad difusa», in Lo urbano : en 20 autores contemporáneos, Ángel Martín Ramos, Barcelona, 2004 (tradução livre)

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espaços intersticiais começam a ser regulamentados enquanto reservas (agrícolas ou ecológicas) ou enquanto sistemas de espaços verdes colectivos. Dificilmente o planeamento urbano vai permitir que venham a ser preenchidos no futuro. A cidade difusa veio garantidamente para ficar e é com ela que tem que vir a ser feita a intervenção: (…) os dois modelos são já interdependentes ou complementares e não alternativos: vieram para ficar os dois (um com os seus séculos e o outro com as suas décadas), mas já não podem apagar-se do mapa. Podem, sim, mudar as suas condições ambientais, pode procurar-se uma osmose, podem alargar-se, podem conectar-se melhor ou, pelo contrário, proteger-se, mas não podem apagar-se do mapa. O capital fixo instalado, pese ao seu deficit, faz com que os dois modelos sejam já interdependentes e complementários.53

Uma das funções tradicionais da cidade é, como diz Indovina, a concentração do poder. Então o que quererão dizer estes novos modelos e transformações urbanas? Estaremos a assistir a uma dispersão/descentralização do poder? A intervenção na cidade difusa é, por enquanto, uma área muito complexa. Sobretudo a nível prático. A maior parte da discussão teórica centra-se ainda na compreensão do fenómeno e das suas características. Procura averiguar as suas variações e tipos, o seu funcionamento e crescimento. Questiona a concentração em torno de determinados núcleos e a sua relação com a cidade tradicional ou compacta. A cidade difusa é alvo de preconceito por parte da maioria das pessoas, e mesmo alguns estudiosos e teóricos insistem considerá-la uma forma errada ou disforme de cidade, por se distanciar do secular modelo compacto. É por isso frequentemente desprezada em termos de intervenção e qualificação urbanística. Interessa, no entanto, perceber que, apesar de ignorada durante muito tempo, a cidade difusa começa a ser finalmente aceite como fenómeno de estudo e passa a ser investigada de forma imparcial e descomplexada pelos urbanistas e arquitectos. E sendo aceite como outro tipo de cidade, detentora de uma lógica própria (não sendo necessariamente superior nem inferior à cidade tradicional compacta mas apenas um outro formato) deve ser naturalmente objecto não só

53. Nuno Portas, «Cuidad contemporánea y gobernabilidad», in AAVV, Planeamiento urbanístico – de la controversia a la renovación, Deputació Barcelona, Barcelona, 2003 (tradução livre)

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de estudo e compreensão, mas também de intervenção específica. No plano prático deve haver tanto ou mais cuidado com o tratamento da cidade difusa, como aquele que rege a acção na cidade tradicional e nos centros históricos, ainda que o método de intervenção para um modelo de cidade completamente diferente, tenha que ser necessariamente diferente. Descobrem-se assim, novas ferramentas de intervenção urbanística para este tipo de cidade pois não é possível utilizar as ferramentas clássicas: Basta comparar um regulamento urbanístico actual para nos apercebermos como se regula facilmente a construção nas áreas antigas, através de alinhamentos e cérceas e como é difícil assegurar a qualidade da imagem urbana final nas zonas de expansão quando não existia uma base estável de referência, que não pode ser senão um modelo de relacionamento de elementos significantes discretos como sejam os espaços públicos e a edificação54

O que o urbanismo poderá fazer é procurar as melhores formas de qualificar este tipo de espaço, dando aos seus utilizadores uma melhor qualidade de vida e encontrando para intervir as melhores ferramentas. Essa qualificação pode passar por uma melhor integração, sobretudo nas zonas de conflito entre cidade compacta e difusa. Mais do que propor métodos ou estratégias, é importante chamar a atenção e compreender esta realidade, ainda hoje ignorada por muitos. A cidade difusa é a mais desprezada em termos de intervenções urbanísticas e de política urbana e é aquela onde habita um maior número de pessoas. Parece-nos urgente intervir neste novo tipo de cidade dando a quem nela habita as mesmas oportunidades e a mesma qualidade de vida oferecidas na cidade tradicional.

2.2 Rurbanização e distritos industriais Os processos de difusão urbana são, como foi dito, complexos e muito diversos. A rurbanização ou urbanização rural difusa é um deles. De definição algo ambígua, o conceito de rurbanização é usado sobretudo para designar os processos de urbanização das estruturas rurais em que não há uma produção clara de um terceiro estado,

54. Nuno Portas, «Conceitos de desenvolvimento urbano», in Jornal Arquitectos, 56-57

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ou seja, não se conseguem identificar em parte os dois elementos que se fundem – o urbano e o rural, sendo “cada vez mais complexo distinguir o campo da cidade, porque as áreas rurais tendem rapidamente a desaparecer ou a se rurbanizar.”55 Surge normalmente quando uma vasta área ou região tradicionalmente rural é urbanizada, não necessariamente por um processo de explosão de uma cidade próxima (a fuga à cidade) mas mais por um processo de industrialização gradual e posterior terciarização desse território. Preservam-se as estruturas, as infra-estruturas e os modos de vida rurais, em coabitação com as mais actualizadas formas de mobilidade, equipamentos e serviços próprios da vida urbana56. Os territórios rurbanizados funcionam normalmente em regiões com características mais ou menos uniformes que conformam os chamados distritos industriais: Em algumas áreas urbanas e regiões, por exemplo, a sociedade que a habita gerou dinâmicos «distritos produtivos» que souberam utilizar em determinados casos o sedimento de antigos conhecimentos contextuais para dar vida a um importante processo de desenvolvimento57

Não é clara a definição de distrito industrial. Existem diversos conceitos, o que demonstra o interesse pelas novas formas de organização industrial58 e ilustra, segundo Maillat (1995), a grande dificuldade em definir, através de um único conceito, a abundante diversidade de situações encontradas (fruto de diferentes passados históricos, de estruturas socioeconómicas especificas e da diversidades de sistemas locais existentes). A primeira definição é da autoria de Marshall (1890) que utilizou o termo para caracterizar as concentrações de pequenas e médias empresas localizadas à volta das grandes indústrias nos subúrbios das cidades inglesas. Constituíam-se em grandes, pequenas e médias empresas interrelacionadas em micro-regiões geográfi-

55. Miguel Melo Bandeira, «A oposição cidade campo: uma quase memória ou ténue realidade?!», in AAVV, Cadernos do Noroeste, vol.7(2), Centro de Ciências Históricas e Sociais da Universidade do Minho, Braga, 1994 56. “as expressões rururbanização e urbanzação rural difusa (…) designam a interpenetração dos modelos dos modelos do urbano e do rural sem admitirem, contudo, a emergência de um terceiro estado em tudo diferente aos que supostamente lhes estão na origem.”, Álvaro Domingues, «Da cidade ao urbano – Parte 1», in Arquitectura e Vida, n.º 74, Setembro de 2006 57. Bernardo Sechi, «La cuidad contemporánea y su proyecto», in AAVV, Planeamiento urbanístico – de la controversia a la renovación, Deputació Barcelona, Barcelona, 2003 (tradução livre) 58. “O renovar do interesse pela problemática dos distritos industriais decorre da dificuldade constatada pelos economistas em explicar a dinâmica de regiões marcadas pela presença de sistemas de pequenas e médias empresas”, Carla Marques, Inovação e transferência tecnológica: o caso da Beira Interior, UBI, Covilhã, 1998

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cas, produzindo bens em larga escala para o mercado interno e principalmente para o mercado externo. As PME’s tinham como benefícios infra-estruturas, mão-de-obra já treinada, recursos naturais locais, informações sobre as novas técnicas de produção, mas sobretudo a proximidade geográfica entre as empresas e o um alto grau de interrelacionamento, reduzindo os custos de transporte e outras transacções, com boa comunicação entre os produtores. As “economias externas” (como eram designados por Marshall os ganhos obtidos pelas PME’s) eram apontadas como as primeiras causas do brutal desenvolvimento socio-económico conseguido pela Inglaterra no século XIX. Este tipo de desenvolvimento era conhecido como “teoria do desenvolvimento local”, isto é, um modelo que para além das variáveis económicas tinha também em atenção as potencialidades de uma determinada região (recursos existentes, vocação trabalhista e produtiva da comunidade e factores socio-culturais – laços familiares, confiança entre os agentes produtores, cooperação entre firmas, costumes, tradições, religião, etnia, laços culturais, etc.). É assim um processo de desenvolvimento que coordena os empreendimentos associativos, individuais, comunitários, urbanos e rurais, e que permite às PME’s competirem com vantagens que só estavam ao alcance das grandes empresas. Na década de 70 este fenómeno repete-se na Europa, sobretudo em Itália, na região de Emília Romagna, ficando internacionalmente conhecido pelo extraordinário desenvolvimento conseguido – alta taxa de exportação, elevados salários, pleno emprego e melhoria do nível de vida. Isto só seria possível através da combinação entre o sistema produtivo, um governo progressista, integração social e êxito empresarial. Becattini (1992) retoma o conceito de distrito Industrial Marshaliano para adaptá-lo ao caso italiano: “O distrito industrial é uma entidade sócio-territorial caracterizada pela presença activa de uma comunidade de pessoas e de uma população de empresas num determinado espaço geográfico”59. Segundo Camagni (1991), a perspectiva dos distritos industriais (ou sistemas territoriais de produção) enfatiza particularmente o papel das relações que se estabelecem ao nível local entre as empresas, apresentando, contudo, uma perspectiva estática do espaço económico. Este fenómeno italiano foi de tal forma difícil de explicar que se fizeram vários estudos sobre o tema, sendo designado por Bagnasco (1999) de “Ter-

59. Carla Marques, Inovação e transferência tecnológica: o caso da Beira Interior, UBI, Covilhã, 1998

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ceira Itália”. É a forma de designar o desdobramento do tradicional dualismo italiano entre o norte desenvolvido (Primeira Itália) e o sul atrasado (Segunda Itália). O conceito de distrito industrial comporta outras noções similares, entre as quais encontramos o Sistema Territorial de Produção (Crevoisier e Maillat, 1991), o Sistema Industrial Localizado (Courlet e Pecquer, 1992), o Sistema de Produção Local (Garofoli, 1992; Courlet e Soulange, 1993), o Distrito Tecnológico (Maillat, Lecoq, Nemeti e Pfister, 1995), entre outros60. O fenómeno ocorrido em Itália despertou particular interesse dos observadores internacionais, que identificaram outros distritos industriais na Europa e noutros continentes como: Vale do Silício, na Califórnia; Vilarejos do Cholet, Vale do Rio Arve, Oyonnax e Thiersna, em França; Baden-Württemberg, na Alemanha, entre outros. O modelo de distritos industriais ganhou uma importância enorme para os investigadores ao por em dúvida a eficácia dos antigos modelos macroeconómicos de desenvolvimento. Muitos países periféricos começaram a mudar as suas políticas económicas, copiando o modelo dos distritos industriais italianos O distrito industrial apresenta-se sintetizando como uma concentração de empresas especializadas em sectores determinados da economia, mas com um ramo em comum – uma determinada área da produção. Induz a especialização económica de uma região, definindo-a em termos de espaço e de preparação funcional da população. Uma vantagem destes territórios é que, muitas vezes, permitem adquirir os produtos directamente aos produtores – escapando a todo o percurso de distribuição e comercialização – permitindo uma grande redução de preço. O sistema de distritos industriais consiste numa espécie de zonamento funcional espontâneo do território que se organiza por áreas de produção particulares. Cada um destes distritos opera como uma mircro-região economicamente especializada.

60. Carla Marques, Inovação e transferência tecnológica: o caso da Beira Interior, UBI, Covilhã, 1998

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3. CONTEXTO 3.1 Vale do Sousa A organização contemporânea do território português, em particular a Cidade Difusa do Noroeste Peninsular e a Área Metropolitana do Porto, foram e têm vindo a ser estudados por várias pessoas e entidades, entre elas o Centro de Estudos da FAUP (CEFA)61. O território nacional é assimétrico e cheio de desigualdades. Foi intitulado por João Ferrão de “País Arquipélago”62 (Fig. 2) devido à concentração urbana junto à faixa costeira (que vai do Minho ao Algarve) e à desertificação do interior marcado por algumas ilhas soltas de território urbanizado, como as cidades médias ou pequenas. O país é marcado por um fenómeno de concentração à larga escala em torno das ilhas principais, ainda que à pequena escala se dêem muitos fenómenos de dispersão. Os tipos de assentamento urbano a nível nacional foram classificados por Nuno Portas, Álvaro Domingues e João Cabral63 como pertencendo essencialmente a três tipos: cidades médias, conurbações metropolitanas e conurbações não metropolitanas. Este tipo de organização tem já, pouco que ver com as anti-

Fig. 2 – “As três macro-geografias de Portugal continental”: o norte/sul de Orlando Ribeiro, a oposição litoral/interior (através da densidade da população) em 1981 e as ilhas do arquipélago Portugal Continental nos anos 90 (áreas com maior dinamismo demográfico e económico)

61. CEFA, Cidade Difusa do Noroeste Peninsular, FAUP, Porto, 2002. CEFA, Área Metropolitana do Porto: estrutura territorial, o presente e o futuro, FAUP, Porto, 2000 62. “O território continental português reflecte, hoje, a combinação de três espacialidades macroregionais : a oposição Norte/Sul, característica do Portugal tradicional; a oposição litoral/interior, característica do Portugal moderno; um «territórioarquipélago» organizado em rede, característico do Portugal pós-moderno“, João Ferrão, «Portugal, três geografias em recombinação: espacialidades, mapas cognitivos e identidades territoriais», in Lusotopie, Paris, 2002, pág. 151 63. João Cabral, Álvaro Domingues e Nuno Portas, Políticas Urbanas: tendências estratégias e oportunidades, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2003

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gas divisões administrativas, desadequadas à actual realidade do território urbano nacional. A conurbação metropolitana do Porto é a que tem sido mais estudada tanto pelo Centro de Estudos da Faculdade de Arquitectura da UP como por alguns docentes dessa faculdade (em teses de mestrado e doutoramento64). É definida a duas escalas – uma mais restrita, outra mais alargada – consoante os critérios usados (os limites são naturalmente pouco definidos). É na sua escala mais ampla, aquilo a que se chama uma cidade região, já que funciona como um só sistema urbano de dimensão regional, englobando vários subsistemas urbanos de Aveiro a Braga. O estudo elaborado pelo CEFA65 divide-a em 14 subsistemas urbanos, divisão que procurou reproduzir a realidade territorial da região. Através da investigação e interpretação do construído, propõe-se a reorganização do espaço de forma a que corresponder mais à realidade. Permitindo que se adapte aos chamados sistemas urbanos, enquanto conjuntos de espaços urbanizados que funcionam com uma certa autonomia, mas sempre em relação com os outros sistemas. O espaço de estudo a ser aqui analisado insere-se num destes subsistemas: a conurbação não metropolitana do Vale do Sousa66. Este estabelece várias relações com a conurbação metropolitana (Porto). É considerado parte da sua segunda coroa e encontra-se na sua “esfera de influência”67. Estudar um fenómeno como a estrada mercado EN207 é algo que não pode ser feito ignorando esta realidade, pois só percebendo o seu contexto é que se potencia a compreensão do mesmo. É necessário que ele seja posicionado dentro do seu enquadramento regional e territorial. “No entanto, a análise detalhada permite, ao contrário, perceber mais claramente o efeito «macro» da aglomeração metropolitana como produtor de transformações ao nível local.”68 Isto quer dizer que a análise detalhada de um fenómeno concreto pode contribuir para a explicação do todo que é a cidade região do noroeste do país (partindo das suas influências e transformações particulares ao nível local).

64. Nota: ver bibliografia final 65. CEFA, Cidade Difusa do Noroeste Peninsular, FAUP, Porto, 2002 66. Idem, Ibidem 67. Álvaro Domingues (coord.), Cidade e democracia: 30 anos de transformação urbana em Portugal, Argumentum, Lisboa, 2006 68. Idem, Ibidem

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A conurbação não metropolitana ou distrito industrial do Vale do Sousa é um dos 14 subsistemas que compõem esta cidade região. É um polígono de 15Km de dimensão norte-sul que tem o vértice mais próximo do centro do Porto a 19km e o mais afastado a 68Km. Está encostado à conurbação metropolitana do Porto e encontra-se a sul da conurbação não metropolitana do Vale do Ave. Tem uma “localização estratégica interessante, pois está conectado directamente com a conurbação metropolitana pelo concelho de Valongo, constituindo uma articulação entre o Litoral e o Porto com toda a província de Trás-os-Montes”69. Há um fluxo expressivo de transporte colectivo de ligação ao Porto. É constituído por todas as freguesias dos concelhos de Paços de Ferreira e quase todas as de Paredes, as do noroeste do município de Penafiel, de poente do concelho de Lousada e uma parte de Alfena (do concelho de Valongo). Mediamente povoado (162 837 habitantes em 2001), apresenta o 4º lugar da cidade região em termos de população e o 3º em termos de área, com uma taxa de crescimento populacional muito expressiva. É servido por várias estradas municipais de grande alcance, dependendo em termos de estrutura arterial do IP4 e do recentemente aberto IC25, que ligam o subsistema ao Porto, a Lisboa e Sul do país (com a conclusão do IC24, sem ter que passar pelo Porto), ao interior de Trás-os-Montes ou a Espanha. O caminho-de-ferro passa a Sul do subsistema, em Recarei pelo vale do Sousa, e entre Paredes e Penafiel, seguindo depois para o Marco de Canaveses. O sector económico dominante é o secundário, seguido do terciário (sendo o sector primário pouco expressivo). A actividade industrial predominante é o mobiliário, mas também o fabrico de componentes para a construção civil e empresas de serrações, existindo ainda algum peso da indústria têxtil (pela proximidade ao vale do Ave), e de outros sectores como: o alimentar (lacticínios e vinhos), a actividade extractiva de granito e a actividade artesanal com oficinas de pirotecnia. É o subsistema que se encontra à cota mais elevada, sendo que grande parte da população habita acima dos 300m, o que é pouco comum na cidade região. É limitado a Noroeste pelo alto de S. Jorge e pela serra de Campelos, definindo a fronteira com o Vale do Ave; a Sudeste pela Serra de Luzim que o separa do vale do Tâmega; a Sudoeste pelos vales agrícolas próximos do Douro; e a ocidente pelas Serras da Agrela e do

69. CEFA, Cidade Difusa do Noroeste Peninsular, FAUP, Porto, 2002

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Penedo. O povoamento deriva da fixação pré-romana, entre vales férteis e florestas de encosta, sendo que a dispersão é característica primária da urbanização, fazendose ao longo de vias sinuosas e irregulares, maioritariamente de matriz rural. É fruto do fraccionamento da propriedade e de uma actividade económica com base nas pequenas e médias empresas da fileira das madeiras e do mobiliário. Estas formam uma teia coesa de relações produtivas que não coincidem com os limites administrativos. As vias que estruturaram a urbanização do território foram essencialmente a EN15 (Porto – Penafiel – Vila Real), EN209 (Campo – Sobrado – Paços de Ferreira), EN106 (Penafiel – Nespereira) e EN207 (Água Longa – Paços de Ferreira – Freamunde – Lousada – Felgueiras – Fafe). A conurbação é constituída por “nucleações de valores equivalentes não podendo dizer-se que existe uma verdadeira polaridade com supremacia sobre as demais”70 – nenhuma sede de concelho é claramente mais importante do que as outras. Os nós do IP4 têm recentemente acentuado o efeito polarizador dos concelhos do sul da conurbação (Paredes e Penafiel), crendo-se que a ligação de Penafiel a Lousada tenha o mesmo efeito, assim como a abertura do IC25, em Paços de Ferreira. Para além disso existe uma maior densidade de serviços e de edifícios de habitação colectiva em Paredes e Penafiel como: o hospital geral, concentração de serviços às empresas, transportes colectivos, hipermercados e ensino superior. Em Paços de Ferreira existem alguns serviços às empresas, hipermercados e concentração de transporte colectivo e de habitação colectiva. Em Lousada: concentração de serviços às empresas e habitação colectiva. Há ainda algumas freguesias que, não sendo sede de concelho, têm algum peso no subsistema, como Freamunde, Lordelo e Rebordosa. O Vale do Sousa, conurbação não metropolitana onde se insere Paços de Ferreira pode, assim, ser considerado um distrito industrial, onde se confirma a “ocorrência de regimes pluriactivos, a que correspondem formas de economia familiar mista, em que o trabalho na fábrica, o trabalho à tarefa e a agricultura em tempo parcial asseguram o rendimento familiar”71. Fazendo a analogia com a definição de Marshall (exposta anteriormente): confirma-se a existência de uma concentração de pequenas e

70. CEFA, Cidade Difusa do Noroeste Peninsular, FAUP, Porto, 2002 71. Idem, Ibidem

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Fig. 3 – Nos distritos industriais como o Vale do Sousa é possível comprar os produtos directamente na fábrica


médias empresas apesar de nem sempre se encontrarem localizadas ao redor das grandes indústrias. O Vale do Sousa tem semelhanças com os distritos industriais que se localizavam nos subúrbios das cidades inglesas, pois é um sistema que funciona, de certa forma, como segundo subúrbio da conurbação metropolitana do Porto. É constituído por PME’s interrelacionadas numa micro-região geográfica que produzem bens em larga escala para o mercado interno e externo. A indústria e a comercialização do mobiliário operam sobretudo para o mercado exterior a ela (resto do país e estrangeiro). Também aqui as PME’s usufruem dos benefícios provenientes da sua localização – num distrito industrial. Ou seja, infra-estruturas, mão-de-obra treinada, recursos naturais locais, informações acerca de novas técnicas produtivas, mas sobretudo uma grande proximidade geográfica entre as empresas e um alto grau de interrelacionamento, que reduzem os custos de transporte e outras transacções, com boa comunicação entre os produtores. Este sistema foi responsável pelo desenvolvimento económico da região (pela alta taxa de exportação, elevados salários, pleno emprego e melhoria do nível de vida) mas não se traduziu, infelizmente, num desenvolvimento cultural e educativo. Apesar das semelhanças com o modelo italiano e com as concepções de Becattini, o Vale do Sousa como distrito industrial (tal como outros distritos industriais da região e do país) não foi um sistema económico planeado, previsto, ou importado de Itália ou de Inglaterra. Ele surgiu natural e espontaneamente e é um fenómeno comum na região noroeste da península. Especializou-se na área da madeira e mobiliário, como por exemplo o Vale do Ave se especializou no têxtil.

3.2 Paços de Ferreira

Fig. 4 – Freguesias: 1 – Arreigada 2 – Carvalhosa 3 - Codeços 4 – Eiriz 5 – Ferreira 6 – Figueiró 7 – Frazão 8 – Freamunde

9 - Lamoso 10 - Meixomil 11 - Modelos 12 – Paços de Ferreira 13 - Penamaior 14 - Raimonda 15 - Sanfins 16 - Seroa

O concelho de Paços de Ferreira situa-se na bacia hidrográfica dos rios Sousa e Ferreira (afluentes do rio Douro), que tem uma orientação geral Nordeste – Sudoeste e uma base granítica. A área situa-se a uma cota relativamente alta: as zonas planas andam entre os 200 e 300 metros de altitude e o pico mais alto encontra-se a 570 metros de altitude. O concelho faz fronteira a norte e poente com Santo Tirso, a sul com Valongo e Paredes e a nascente com Lousada. É uma passagem importante entre o Porto, Lousada e Felgueiras e entre Valongo e Guimarães. Tem cerca de 70Km2 de área e está dividido em 16 freguesias (Fig. 4). Juntamente com Penafiel, Paredes, Felgueiras, Lousada e Castelo de Paiva forma a Associação de Municípios do Vale do

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Sousa. Estes concelhos somam 327 806 habitantes e 767.1 Km2 (427,3 Hab/km2). Não existe, no entanto, correspondência deste conjunto com o subsistema Vale do Sousa definido pelo CEFA, uma vez que não é baseado na realidade das contiguidades territoriais mas no agrupamento dos limites administrativos já existentes (concelhos). Tem como objectivo coordenar políticas comuns para os municípios e constituiu-se como entidade político-administrativa em 2004 com a designação de Valsousa – Comunidade Urbana do Vale do Sousa. O IC25 (A42) passou a ser o principal eixo viário de ligação do concelho ao resto do território72, função que antes estava destinada às três estradas nacionais que o atravessam: a EN207 (Santo Tirso – Fafe), a EN209 (Paços de Ferreira – Valongo) e a EN319 (Santo Tirso – Paredes). A A42 funciona actualmente como uma SCUT (sem pagamentos) acentuando a mobilidade na região. Vai valorizar a zona do vale do Sousa, pois para além de o ligar ao Porto, possibilita, através da A41 (IC24) uma rápida ligação ao aeroporto Francisco Sá Carneiro e ao porto de Leixões, permitindo o escoamento dos produtos da região e a Espanha (Fig. 5). A Via do Poder Local, variante sul à EN207, é uma importante via de ligação e distribuição dentro do concelho, apesar de ainda não ter sido concluído o troço norte da mesma. Quando estiver concluída tornar-se-á a principal via distribuidora e acarreta grandes expectativas da indústria mobiliária. Estão construídas e em projecto outras variantes às três estradas nacionais, como é o caso da Via Panorâmica (já executada) – variante norte à EN319. Há ainda uma proposta de ligar o nó da A3 (em Santo Tirso) à A4 (passando pelo nó da Seroa - no IC25), facilitando a conexão do concelho à Galiza. Todas estas vias visam fortalecer ligações e aumentar a posição estratégica de Paços de Ferreira no panorama do noroeste peninsular actual. O concelho não está servido directamente por uma rede ferroviária, sendo que o ponto mais próximo de acesso ferroviário é Paredes.

72. Com a auto-estrada A42 a viagem de automóvel entre a capital do móvel e a cidade do Porto pode ser feita em menos de 15 minutos

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Fig. 5 – IC25




Estrategicamente, é urgente a qualificação ambiental da urbanização difusa e o reforço da competitividade da fileira madeira/mobiliário. O traçado do IC25 é de extrema importância para o reforço dos núcleos urbanos de Paços de Ferreira e Lousada e, em geral, para a melhoria da acessibilidade da subregião.73

Fig. 6 – O mosteiro de Ferreira

O concelho situa-se num território que nos tempos visigóticos se chamava Anégia e que compreendia as terras superiores do rio Ferreira, os vales do rio Sousa e do rio Tâmega, transpunha o rio Douro e estendia-se até metade do rio Paiva. Antes da Reconquista estas terras resistiram ao controle dos Asturianos e dos Muçulmanos. O Mosteiro de Ferreira foi-se apropriando de quase todas as terras do concelho. Parte destas estavam na posse de famílias nobres que as exploravam indirectamente. As terras e a sua forma de cultivo eram o factor de ordenamento económico e administrativo da área. As 16 freguesias de Paços de Ferreira pertenciam a dois concelhos: Refojos de Riba d’Ave e Aguiar de Sousa. Havia também uma divisão eclesiástica pois a parte norte pertencia à diocese de Braga e o resto à diocese do Porto. Em 1385 D. João I inclui estas terras no Termo do Porto, passando os seus habitantes a ter de responder perante a Câmara do Porto. Em 1836 é instituído o concelho de Paços de Ferreira, inserido na Comarca de Penafiel. Frazão e Freamunde, freguesias rivais, eram os seus grandes centros. Para atenuar a contenda, o centro administrativo ficou entre os dois: em Paços de Ferreira. O concelho teve um passado de revolta contra a monarquia nos anos 40 e 50 do século XIX. A implantação da república em 1910 foi, por isso, muito festejada. Paços de Ferreira foi elevado a cidade em 1993. Relativamente ao património histórico da região, há que valorizar a Citânia de Sanfins (importante estação arqueológica) e o mosteiro de S. Pedro de Ferreira (templo românico que resistiu quase inalterado até aos dias de hoje – Fig. 6). Várias entidades no concelho insistem nas potencialidades turísticas, já que este possui zonas com excelentes condições naturais e paisagísticas e de algum valor arqueológico. A população do concelho tem aumentado desde 1758. Nas décadas de 20 e 30 do século XX ocorreu um surto demográfico acompanhado, no entanto, de uma grande saída de população activa. Uma segunda vaga de emigração (para o Brasil,

73. CEFA, Cidade Difusa do Noroeste Peninsular, FAUP, Porto, 2002

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França e Alemanha) nas décadas de 60 e 70, acentuada pela fuga à guerra colonial, ditou o decréscimo da população jovem entre 1962 e 1975. Segundo os dados da época, a maior percentagem de emigrantes trabalhava no sector secundário. Há, no entanto, que ter em conta a emigração clandestina, e não contabilizada, essencialmente proveniente do sector primário. O actual crescimento é mais evidente nas freguesias de Paços de Ferreira, Penamaior, Frazão e Freamunde. A população é jovem e a taxa de envelhecimento é inferior à do país. O concelho situa-se na segunda coroa de desenvolvimento da Área Metropolitana do Porto apresentando, por isso, uma densidade populacional de transição e uma taxa de crescimento elevada. No entanto, a taxa de escolaridade é baixa e escasseia a formação profissional. É notória a falta de equipamentos culturais. O poder de compra per capita é o 2º maior do Vale do Sousa. A diferenciação social na região baseia-se na posse de bens materiais e não na posse de cultura ou formação, o que é revelador da pouca valorização dos recursos humanos. Apesar da região ser hoje predominantemente voltada para o sector secundário (como no resto do Vale do Sousa) e para algumas actividades terciárias, nem sempre foi assim. Inicialmente a actividade principal do concelho era o sector primário. Dados estatísticos, fornecidos pela Associação Empresarial de Paços de Ferreira, revelam que no ano de 1258 a população que trabalhava na terra somava um total de 70% dos trabalhadores do concelho. Nos séculos XIV e XV com a propagação da peste, a população acumulou-se nas vias de comunicação que ligavam a povoação ao Porto e a Guimarães. A percentagem de trabalhadores no sector primário era ainda de 70%. Em 1836 as terras estavam nas mãos da burguesia local, dos nobres e dos emigrados no Brasil. As principais colheitas eram o milho, a batata e a vinha. A exploração pecuária centrava-se principalmente no gado bovino. Nos anos 60 a introdução da maquinaria na agricultura mundial condenou esta actividade no concelho. O tradicionalismo dos sistemas e técnicas agrícolas, a ausência de infraestruturas sociais e económicas, a inexistência de uma estratégia de mercado e a fuga da população activa ao trabalho no campo, deixaram a exploração agrícola do concelho numa crise para a qual restaram apenas duas soluções: a desistência e venda das terras ou um novo tipo de estrutura agrícola – planeada e actualizada tecnologicamente. A agricultura torna-se cada vez menos importante no concelho de Paços de Ferreira.

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Em 1920 surgiram as primeiras indústrias mobiliárias. Nos anos 50, o sector industrial destacava-se ligeiramente do sector agrícola, próximos em número de população activa. O destaque torna-se mais nítido 10 anos depois e, nas décadas seguintes, a agricultura volveu-se secundária em relação ao comércio e serviços. Em apenas 60 anos o sector secundário apoderou-se da mão-de-obra agrícola – 72,7% da população trabalhadora – contrastando com os 8,4% do sector primário. A agricultura contava com 38% da população activa em 1950 e 8,4% em 1981. Em 1936 existiam já várias fábricas de lacticínios, provavelmente relacionadas com a exploração pecuária. Paços de Ferreira insere-se na área de maior tradição industrial da região norte. A sua situação privilegiada combinada como aproveitamento de recursos locais traduziu-se num crescimento superior à média regional e nacional. Verificava-se (e ainda se verifica) uma predominância das pequenas e médias empresas, por vezes familiares. Em 1999 o sector industrial ocupava 73,3% da população activa distribuída por cerca de 3000 empresas. As freguesias: Paços de Ferreira, Freamunde, Seroa, Frazão e Penamaior são as que apresentam os maiores índices de população no sector industrial. A evolução da indústria do mobiliário é complexa. A sua origem está relacionada com a existência de fábricas de moagem e serração de madeiras na freguesia de Arreigada, de fábricas de material escolar e mobiliário doméstico em Freamunde e com a tradição da tamancaria e marcenaria fortemente presentes no artesanato do concelho. Numa primeira fase a produção incidia sobre os móveis de grande consumo, em contraplacado, cujos desenhos eram copiados de catálogos estrangeiros – com «pseudo-estilos». Nos anos 50 e 60 os efectivos nas oficinas de móveis duplicaram, resultado: das dificuldades vividas no resto da Europa após a 2ª Guerra Mundial, da protecção aduaneira à indústria nacional e do aumento das disponibilidades financeiras das famílias portuguesas. Em 1970, 74% da população activa trabalhava nas indústrias ligadas à madeira, mas em 1981, apenas 63%. Isto deve-se ao aumento das indústrias têxteis no concelho. Em 1981 o sector do vestuário ocupava 37,2% da mão-de-obra do sector secundário, existido implicitamente uma abertura do sector secundário à mão-de-obra feminina. Esta evolução é paralela ao ramo do vestuário do Vale do Ave e sofre dos mesmos problemas. Após o 25 de Abril a população aumentou, dinamizando a construção civil. Ampliaram-se as facilidades de crédito. O aumento generalizado dos rendimentos das populações reflectiu-se na expansão da indústria de mobiliário. Na década de 80 surgiram diversas fábricas que não pas-

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savam de simples empresas de acabamentos e revenda. Em 1985, estas lojas, somadas às oficinas familiares, às pequenas e médias empresas e às grandes fábricas somavam 350 unidades empresariais. Em 2001, 66% da população activa estava empregada no sector secundário, e 30 % no sector terciário. De referir que, segundo dados de 1999, 16% da população activa estava no ramo do comércio, alojamento e restauração e 72,6% na indústria transformadora. Analisando a distribuição do volume de negócios no concelho constatamos que: a indústria transformadora movimenta 49% do valor total, enquanto que ao comércio, ao alojamento e à restauração cabe a parcela de 43,6%. A excessiva especialização da economia local cria dependências e fragilidades que podem resultar em crise no sector. A tendência das empresas emergentes para imitar as já existentes nada contribui para evitar a situação. O concelho sofre de um grande atraso no sector terciário, sobretudo nos serviços, o que obriga o recurso aos concelhos vizinhos. No entanto, teve um forte crescimento: em 1981, 19,1% da população activa estava empregada no sector, em 1991 esta percentagem era de 26,9% e em 2001 era de 30,8%. A localização próxima do Porto inibiu o desenvolvimento de funções centrais, de elevado e médio grau de especialização. O sector terciário é dominado pelo comércio de mobiliário que ocupa cerca de metade das pessoas afectas ao sector e concentra-se nas freguesias de Paços de Ferreira e Freamunde. A seguir ao comércio, os ramos de actividade com mais relevância são a restauração e os serviços financeiros especializados no apoio a empresas. Actualmente, o mobiliário e as indústrias ligadas à madeira ocupam o primeiro lugar das actividades produtivas locais. As razões da concentração anormal de indústria e comércio do mobiliário em Paços de Ferreira são complexas. Envolvem factores como a história da industrialização da região e o boom económico do concelho despoletado no período seguinte ao 25 de Abril. O crescimento imobiliário do país pós-revolucionário alimentou este ramo da indústria e do comércio. Na década de 80 deu-se início à feira anual agro-alimentar onde se entendeu o mobiliário como um potencial económico do concelho. A feira tinha como objectivo divulgar a indústria mas progressivamente os comerciantes começaram a integrá-la. Nessa mesma década houve uma aposta generalizada de implantação de lojas-exposição em contínuo nas estradas do concelho. Nos anos 90 surgiu o slogan “Capital do Móvel”, desenvolvido pela Associação Empresarial de Paços de Ferreira, com a intenção de promover no exterior a indústria e comércio de mobiliário do concelho.

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Qualquer aglomeração em França aspira ser o centro de um espaço significativo e de pelo menos uma actividade específica. Se Lyon, que é uma metrópole, reivindica, entre muitos outros títulos, o de “capital da gastronomia”, uma pequena cidade como Thiers pode declarar-se “capital da cutelaria”, uma vila grande como Digouin “capital da cerâmica”, e uma aldeia grande como Janzé “berço do frango de quinta”. Estes títulos de glória figuram hoje à entrada das aglomerações, a par das indicações que indicam a sua geminação com outras cidades ou aldeias da Europa. Estas indicações, que fornecem de certo modo uma prova de modernidade e de integração ao novo espaço económico europeu, coexistem com outras indicações (e outros painéis de informação) que expõem detidamente as curiosidades históricas do lugar: capelas do século XIV ou XV, castelos, megalitos, museus do artesanato, dos trabalhos de renda ou da cerâmica.74

Fig. 7 – O do Móvel

Fig. 8 – O futuro Multiparque

Hoje o concelho reúne cerca de um milhão de metros quadrados de área expositiva. O comércio aqui desenvolvido está normalmente associado a uma arquitectura de grande impacto visual. Podemos distinguir três tipos diferentes de comércio de móveis: a indústria com loja própria (por vezes com outro nome comercial), os estabelecimentos de pequena e média dimensão (que trabalham com alguns fornecedores) e os estabelecimentos de grande dimensão (que trabalham com muitos fornecedores e têm uma grande diversidade de oferta). Oficialmente o número de trabalhadores por empresa é baixo, cerca de 20. Existem, no entanto, várias micro-empresas não cobertas pelas estatísticas, pelo que se presume que mais de metade das empresas terão até 5 trabalhadores. 25% das empresas tem mais de 15 anos, 45% tem entre 5 e 15, e 30% das empresas têm menos de 5 anos. Os principais mercados de exportação são: França, Espanha, Alemanha, Reino Unido e Suécia. No entanto, a balança comercial portuguesa relativa ao mobiliário foi negativa em 1998 e tem vindo a piorar. Surgem agora novas áreas comerciais de um tipo diferente (Figs. 7 e 8). Num só espaço concentram-se vários comerciantes. Um deles está já construído – o doMóvel – é o maior centro comercial de móveis da Europa. Outros dois estão em construção. Um é do mesmo género (com showrooms de grande dimensão - o Multiparque) e outro é um centro comercial genérico, com um piso inteiro destinado a pequenas lojas de móveis, onde os comerciantes podem apresentar pequena amostra daquilo que ven-

74. AUGÉ, Marc, Não-lugares – Introdução a uma Antropologia da Sobremodernidade, 90 Graus Editora, Lda., 2005

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dem no seu estabelecimento. Isto torna incerta a continuidade do funcionamento do sistema de edifícios montra. Apesar deste concelho possuir uma economia bastante forte, a população que concluiu o ensino primário é de 53,4% contra uma percentagem de 2% que frequentou cursos profissionais ou superiores. As empresas do concelho têm uma gestão empírica e conservadora – as comerciais mais do que as industriais. Estas têm portanto baixa propensão para a inovação e cooperação, deficiente compreensão do mercado e uma ausência de planeamento e marketing. A AEPF tem como objectivo promover tanto as indústrias como o comércio.75 Pretende fazê-lo concertando estratégias com a Câmara Municipal de forma a permitir que as novas acessibilidades fomentem uma aposta no mercado espanhol – facilitando aos potenciais clientes o acesso automóvel ao concelho. Há também a pretensão da internacionalização das indústrias de mobiliário. O objectivo de aumentar as qualificações dos trabalhadores, dos jovens e dos empresários e apoiar técnica e tecnologicamente as empresas, têm fomentado contactos com duas instituições nacionais: o Centro de Formação Profissional da Indústria de Mobiliário e Madeira e o Centro Tecnológico da Indústria do Mobiliário e Madeira. A estratégia de localização das empresas em áreas próprias está prevista – o PDM já contempla algumas áreas industriais – mas o terreno contínuo é limitado pelo que é necessário assegurar novas áreas de industrialização.76 O modelo industrial assenta nas pequenas empresas, por vezes familiares e instáveis, o que dificulta a definição de estratégias no sector. A localização dispersa do comércio de mobiliário não se enquadra na lógica de procura de potenciais clientes. Uma maior concentração traria economia de meios. A acessibilidade disponibilizada pelo IC25 potencia as novas áreas de expansão, mas poderá tirar público ao resto do comércio do concelho (que se concentra nas estradas nacionais). A Via do Poder Local poderá ser a forma de distribuir o tráfego por todo o concelho. As novas áreas comerciais (que se situam uma em cada extremo da EN207) vão atrair mais gente à

75. “O mais grave para uma associação, um concelho ou um país não é a crise, mas a incapacidade de gerar ideias que permitam encontrar saídas para superá-la” (Carlos Dithmer - Secretário Geral da AEPF) 76. A Industria Portuguesa do Mobiliário tem de combater a forte penetração das importações que, pela primeira vez em 1998, e de forma continuada desde então, ultrapassaram as exportações. As importações têm crescido a um ritmo bastante superior às exportações, resultando uma balança comercial negativa no sector do mobiliário. Apesar deste défice ter vindo a reduzir-se em termos percentuais, a tendência mantém-se. AEPF, Caracterização Económica do Concelho de Paços de Ferreira, Paços de Ferreira, 2002

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zona (já que é um sistema bastante organizado e divulgado), porque promovem pequenas exposições que são uma amostra dos grandes armazéns situados na estrada mercado. A recente entrada da multinacional Ikea no mercado português não representa uma ameaça directa, mas divide os consumidores. Pode obrigar à aposta na qualidade de desenho do mobiliário da região. Projectos de design de mobiliário como o evento Mobilis deverão ser repetidos. De forma a minimizar a poluição visual propõe-se normalizar a sinalética e publicidade espalhada pelo concelho referente ao comércio de mobiliário. As pequenas indústrias devem regulamentar a sua convivência e proximidade com a habitação, abrandando os impactos negativos tanto ao nível ambiental como urbano77. Procuram-se com estas medidas melhorar e refrescar a imagem da “Capital do Móvel”.

3.3 Território de estudo

Fig. 9 – Delimitação do território em estudo e tipos urbanos: três estradas nacionais urbanizadas (a vermelho), um núcleo urbano tradicional (a amarelo), uma auto-estrada (a preto) e a mancha de urbanização difusa (a cinza), interrompida pelos limites naturais (verde)

Os limites da cidade território são impossíveis de definir (como já foi referido no cap. 2.1), sobretudo tratando-se de uma cidade difusa que não partiu de uma cidade consolidada mas de pequenas estruturas rurais espalhadas pelo território. A raia do distrito industrial é a mais explícita. Os limites concelhios dizem pouco. A sul e nascente é muito difícil constatá-los. Há, no entanto um limite natural a norte e poente, determinado pela elevação dos terrenos e a constituição da Serra da Agrela. Considerou-se, no entanto, como limite de estudo para a análise do território a envolvente à estrada EN207 dentro do concelho de Paços de Ferreira. Inclui-se também uma parte do traçado nas estradas EN209 e EN319 (Fig. 9). Observando o território de estudo percebemos que se trata de um caso de cidade difusa por rurbanização, onde os edifícios que parecem aleatoriamente colocados no espaço, têm na verdade uma clara amarração às vias principais ou secundárias. Este espaço é marcado por três estradas nacionais urbanizadas (EN207, EN209 e EN319), e por dois centros urbanos – das cidades de Paços de Ferreira e Freamunde (se bem que este último se situe já fora dos limites do território em estudo) – que

77. “É patente a problemática do Disperso-Urbano, surgindo a necessidade de racionalização do património fundiário existente e da conveniência em adoptar uma política urbanística que contrarie o desordenado crescimento urbano-industrial, salvaguardando os recursos ambientais e paisagísticos e promova o cerzimento dos tecidos intersticiais urbanos”, Câmara Municipal de Paços de Ferreira, Plano Director Municipal (em processo de revisão)

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funcionam como núcleos de cidade compacta (constituídos pelos tradicionais quarteirões, ruas e avenidas, praças, rotundas, largos e jardins). É tipologicamente um território de urbanização difusa (com todas as suas variantes, entre caminhos rurais e estradas ruas mais ou menos urbanizadas, de forma mais ou menos compacta), marcado por dois núcleos de cidade tradicional e rasgado por várias vias, entre as quais as três estradas nacionais, anteriormente referidas, algumas variantes (vias rápidas) e uma auto-estrada (Fig. 9). É possível ler, no edificado, uma concentração forte de construção, sobretudo em torno da EN207. As outras estradas nacionais existentes (EN209 e EN319) começam a densificar agora a construção, fenómeno que se relaciona com o facto de ambas cruzarem, em dois nós diferentes, a recente auto-estrada (IC25) e a EN207. Servem de acesso à auto-estrada a partir do centro urbano de Paços de Ferreira (EN307), ou das suas imediações (EN209). Assim, estes recentes nós de auto-estrada começam a constituir-se como pontos importantes para futuras localizações e concentrações de estruturas (o futuro centro comercial do móvel – Multiparque – já vai aproveitar esta oportunidade). Desde os anos 70 que tem havido um crescimento na construção civil, traduzindo-se num aumento dos aglomerados urbanos de Freamunde e Paços de Ferreira, onde a malha se conforma em quarteirões regulares, maioritariamente residenciais. No resto do território há uma dispersão da população segundo as principais vias de comunicação. Há um padrão de urbanismo repartido e a habitação é quase inteiramente unifamiliar isolada no lote, resultante de um processo de crescimento espontâneo, de raízes rurais. As indústrias estão dispersas pelo território, coincidindo com a distribuição da população. Isto deve-se a uma procura de proximidade entre os locais de trabalho e de residência dos operários. Esta realidade urbano-industrial resultou de um rápido crescimento que implicou “versatilidade na autorização da convivência urbanística” de residências e indústrias. Foi esta versatilidade que permitiu o aparecimento de pequenas unidades industriais que são agora o cerne da riqueza económica do concelho. É de referir a importância do automóvel particular. Sendo um território vasto e mal servido de transportes públicos, o carro particular é o principal meio de transporte e a principal referência para o desenho das vias e, por conseguinte, da malha urbana. As novas propostas dos órgãos executivos procuram o cerzimento dos tecidos urbanos retalhados e o controle da promiscuidade urbano-industrial salvaguardando os recursos ambientais. A malha é predominantemente orgânica, apesar de alguns momentos ortogonais nas polarida-

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des urbanas. É uma malha fragmentada e com nucleações porque se adapta à topografia. É difícil estabelecer um juízo sobre a precedência da malha em relação ao edificado. No entanto, sabe-se que tem origens rurais, definidas pela separação das terras de cultivo e pela ligação entre antigos núcleos. Há uma enorme desproporção entre o edificado e o número de vias. A cidade difusa em Paços de Ferreira não segue exactamente as fases de génese e evolução da cidade difusa sugeridas por Francesco Indovina, no seu texto A cidade difusa78. Segundo o autor, estas são, respectivamente e por ordem: “cidades inseridas em espaço agrícola”, “cidades rodeadas por campo urbanizado” e, finalmente, “uma única grande cidade com algumas zonas de campo incorporadas nela”. Isto porque, à excepção do pequeno núcleo central parcialmente consolidado, não houve uma cidade, no sentido comum, inserida num espaço agrícola ou rodeada por campo urbanizado. A menos que consideremos o contexto de cidade território do Porto onde isso, de facto, acontece. Neste caso Paços de Ferreira poderia ser considerado o campo urbanizado da área urbana do Porto: teria sido inicialmente o seu “espaço agrícola” para mais tarde se converter em “campo urbanizado” (atingindo a segunda fase). A terceira fase parece-nos mais difícil aplicar a este contexto. Apesar da ambiguidade dos conceitos, não se percebe (pelo menos agora) uma contiguidade urbana clara (mesmo que com falhas) do Porto até Paços de Ferreira (ainda que funcionem em relação). Integrar a urbanização difusa do território de estudo na mancha urbana do Porto, parece-nos assim forçado. Existe uma grande falha entre as duas manchas, determinada sobretudo pelos acidentes naturais, que as mantém muito distantes. Só recentemente se deu a sua união em termos de vias de comunicação de alta velocidade (auto-estrada IC25). Não queremos contudo dizer que a fusão das manchas urbanas do Porto e Paços de Ferreira não possa vir a acontecer. No entanto, a eleição do território de estudo para este trabalho foi feita com base na interpretação da conjectura actual – sem contiguidade. Indovina define três características que identificam a cidade difusa no seu estado de maturação. Em analogia com a área em estudo detectam-se equivalências e

78. Francesco Indovina, «La ciudad difusa», in AAVV, Lo urbano: en 20 autores contemporáneos, Ediciones UPC, Barcelona, 2004) – 1ª Edição 1990 (tradução livre). Nota: todas as citações deste capítulo, não referenciadas a partir deste ponto, pertencem a este mesmo livro

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diferenças das mesmas. A primeira característica define a cidade difusa como uma área que comporta “massa consistente de cidade e população, pelo menos em parte de serviços e actividades produtivas”. Isto é verificável em Paços de Ferreira, onde predominam essencialmente duas actividades: a habitação e a indústria/comércio de mobiliário. Os serviços são contudo um pouco escassos e concentrados no centro urbano. Confirma-se também que há uma “dispersão no território tão vasta que não apresenta em conjunto fenómenos de alta densidade e intensidade do tipo urbano [clássico]”, à excepção de alguns pequenos núcleos (demasiado pequenos para chegarem a ter um peso urbano forte) e da zona central (que está entretanto a densificarse). A “mistura entre concentração e difusão parece ser a tipologia recorrente”. Finalmente, verifica-se a típica “alta conexão entre os diferentes pontos do território” já que este é raiado de estradas que evidenciam a mobilidade. Indovina, defende que a cidade difusa padece de ausência de “imagem desenhada” no sentido tradicional, ou seja, da inexistência de planeamento e de desenho do espaço. Paços de Ferreira tem um crescimento e um desenho espontâneos, naturais, embora naturalmente influenciados por algumas regras gerais urbanas (RGEU, por exemplo) aplicadas de forma indiferente a todo o território nacional. Tem, portanto, uma imagem de “campo construído”, que cresce através de “soluções de continuidade”. E é, em contraste com a cidade consolidada, “grande consumidora de território”. Não nos parece que haja ainda, grandes movimentos ou migrações intra ou inter municipais. Ou seja, o que deverá ter acontecido, em termos populacionais, foi a adaptação gradual de uma população rural a um novo modo de vida, urbanizandose. Hoje, a grande maioria da população local trabalha directa ou indirectamente para as actividades industriais e comercias da área do mobiliário. Este território não é, pelo menos por agora, apelativo para quem procura fugir da cidade compacta. Embora seja essa a vontade actual dos autarcas, apresentando as vantagens da qualidade ambiental e eventualmente vantagens económicas em termos do custo da habitação (benefícios mais ou menos comuns na cidade difusa) como razões para a procura desta cidade enquanto residência para quem trabalha no Porto ou na área metropolitana. A ideia é responder às aspirações da classe média – “a classe média tem um modelo de habitar que não encontra satisfação na cidade concentrada”. No concelho faltam, no entanto, “algumas características do tipo urbano – a nova onda

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de migração teve uma experiência urbana a que moldou as suas necessidades – mantém-se alguns costumes urbanos”. Esta migração de fuga da cidade compacta para a cidade difusa é, assim, muitas vezes, responsável por uma exigência maior de uma série de infra-estruturas, equipamentos e serviços, para responder às referidas necessidades e costumes urbanos desta população. Tal como descreve Indovina, também aqui o colectivo pouco se sente e é “substituído pelo mercado” parecendo-nos dar-se o fenómeno de “restrição do conceito de habitar ao de simples «casa» e deterioração da relação casa – serviços colectivos”. As questões das “tipologias sociais” propostas por Indovina não nos parece colocarem-se, esta cidade não é direcção de migração ou da “fuga à cidade”. Confirma-se o “alcance de níveis económicos mais elevados” que conduzem à “busca de melhores condições residenciais”, mas este é um fenómeno interno – com a permanência das pessoas. O tipo habitacional é esmagadoramente a moradia unifamiliar, com maior ou menor carácter rural, de maior ou menor qualidade ou nível económico e de ostentação, onde muitas vezes “os sujeitos solicitantes são eles os promotores e às vezes autoconstrutores”, sendo que “a seguir é que aparece a oferta institucional”. Quanto à referida “ausência de uma adequada rede de infra-estruturas” inerente à cidade difusa, verifica-se a cobertura das infra-estruturas básicas (água, saneamento básico e electricidade), mas debilidades noutras. O suporte viário é de qualidade deficiente (sobretudo as vias capilares), há muitos caminhos rurais e estrangulamentos nas estradas, que impedem a sua melhoria. Os transportes colectivos rodoviários são reduzidos. Os ferroviários, como foi dito, inexistentes. A via rodoviária de alta velocidade (auto-estrada) chegou agora ao concelho e um conjunto de estradas variantes às nacionais está a ser construído neste momento. Pensamos que estes dois factores possam reduzir o frequente congestionamento das ruas principais da cidade. Confirma-se a “exigência crescente de serviços” e o “incremento da dotação de infraestruturas”, sobretudo com o aumento da população, sendo que, como diz Indovina, “a qualidade é também induzida pelo número de pessoas”. O fenómeno de crescimento de infra-estruturas e serviços confirma-se como sendo não homogéneo. Indovina refere ainda que “as situações de urbanização difusa não conhecem no sector privado os serviços urbanos; abordam directamente os serviços metropolitanos”. Aqui no entanto não há, praticamente serviços metropolitanos, sendo que os poucos serviços que existem são da escala urbana, concentrados no centro.

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A mobilidade, como é típico na cidade difusa, faz-se quase unicamente através do transporte automóvel individual. Como já foi dito, em Paços de Ferreira haverá cerca de um automóvel para cada dois habitantes. Percebe-se uma grande habituação ao uso deste tipo de transporte e pouca motivação para o uso do transporte público. Segundo os autarcas, este não é desejado pela população; a autarquia garante apenas o transporte escolar. Existe algum (escasso) transporte rodoviário colectivo, sobretudo de ligação aos outros concelhos da região e ao Porto. Em Paços de Ferreira “a população apresenta-se fortemente penalizada em termos de acessibilidade física”, caso não se encontre motorizada. O “uso do automóvel privado como uma prótese (ou seja, utilizado para todas as movimentações) aumenta a propensão à mobilidade e amplia o território acessível”, para além de que “a maior propensão ao movimento e maior acessibilidade são factores que anulam a ausência de densidade e intensidade (necessárias à criação do efeito cidade)”, segundo Indovina. Tal como ele diz: “Sem o automóvel privado a cidade difusa não poderia existir.” A “conexão residência – actividade produtiva” através da “localização difusa de pequenas empresas” é explícita em Paços de Ferreira. As PMEs são muitas vezes do tipo familiar e algumas funcionam quase a nível individual. Concentram no mesmo edifício a habitação do proprietário, a loja e a indústria (nas traseiras, ou na proximidade). Este é um modelo que existe muito no concelho, ainda que tenda a ser substituído por outros de carácter menos familiar e menos local. Estas pequenas empresas surgem muitas vezes impulsionadas por ex-operários provenientes das grandes. Indovina distingue área metropolitana de cidade difusa pelos sistemas hierárquicos que as estruturam. A primeira é fortemente hierarquizada, com conexões verticais e mono-direccionalidade dos fluxos. Na segunda praticamente não há estratificação, as conexões são horizontais e constata-se a pluri-direccionalidade dos fluxos. No caso em estudo não se percebe uma forte polarização na direcção da área metropolitana do Porto (a única em proximidade) e esta não expulsa actividades para aqui. Contudo a cidade difusa “gera no seu interior certas hierarquias e especializações”. Os expoentes máximos de importância no concelho são a EN207 – porque detém o comércio e produção de mobiliário – e o núcleo central da cidade – porque concentra a oferta de serviços, restauração e outro tipo de comércio. Tal como refere Indovina, a cidade difusa constitui-se num “território estruturado em velhas e novas hierarquias”. Podemos interpretar as estradas nacionais, sobretudo a EN207 e os

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Fig. 10 – Antigas Polaridades: as estradas nacionais (sobretudo a EN207) e o núcleo compacto

Fig. 11 – Novas polaridades: grandes superfícies de venda mobiliário (a vermelho) e shoppings ou hipermercados

as de os (a


Fig. 12 – Solo urbanizado e equipamentos (PDM de 1994 e PDM em revisão): baixa densidade (castanho claro), média densidade (castanho intermédio), alta densidade (castanho escuro) e equipamentos (azul)

núcleos concentrados (Paços de Ferreira e Freamunde) como as velhas hierarquias (Fig. 10). As novas são estabelecidas por estruturas recentes (Fig. 11): o centro comercial de mobiliário doMóvel, o hipermercado Modelo e o hipermercado Intermarché (com estação de serviço e loja de bricolage). Adivinham-se outras hierarquias: o futuro centro comercial convencional Ferrara Plazza e a futura mega-estrutura de venda de mobiliário Multiparque. Curiosamente, as duas mega-estruturas de venda de mobililário (doMóvel e Multiparque), tendo boa acessibilidade à auto-estrada, posicionam-se nos dois extremos da EN207. Esta localização pode potenciar a utilização da estrada nacional (que perderá provavelmente o peso de trânsito que possui tendendo a aproximar-se de uma rua tradicional) enquanto percurso comercial. Passariam a subsistir os dois modelos hierárquicos em complementaridade. Como na maioria dos concelhos portugueses, o território em estudo desenvolveu-se urbanisticamente de forma espontânea e com ausência quase total de planeamento. A excepção consistiu nos regulamentos gerais (como o RGEU ou os regulamentos sobre a construção próxima das estradas nacionais). É só em 1994, com a elaboração do PDM, que se inicia o processo de planeamento. Este surge tardiamente, após o boom de construção no concelho, como aconteceu no resto do país. Encontra-se em estudo a sua segunda versão, que deveria ter sido concluída em 2004. O PDM estabelece a estrutura espacial do território municipal constituindo uma síntese da estratégia de desenvolvimento e ordenamento local, integrando as opções de âmbito nacional e regional com incidência na respectiva área de intervenção. Assenta na classificação do solo e desenvolve-se através da qualificação do mesmo. Da análise dos dois PDM’s (inicial e em revisão), pudemos retirar algumas conclusões, relativamente aos vários parâmetros que os compõem: • Solo urbanizado e equipamentos (Fig. 12): com a análise dos PDM’s identificámos dois pólos com uma carregada mancha de construção/espaços urbanizados, no Centro de Paços de Ferreira e Freamunde, pontos fundamentais para a estruturação do território do concelho. Os espaços urbanos são caracterizados pelo elevado nível de infraestruturação e concentração de edificado, onde o solo se destina preferencialmente à construção. A principal diferença entre estes dois Planos é a área de mancha urbanizada, que se foi estendendo ao longo dos dez anos que os separam. É indiscutível a diferença de rigor e especificidade dos estudos (ao nível do correcto levantamento do território e da aplicação da legislação). No primeiro plano a preo-

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cupação com a pulverização dos equipamentos no território era inexistente (eles nem sequer aparecem no desenho) e actualmente existe um estudo cuidado sobre a distribuição equilibrada das funções de habitação, trabalho, cultura e lazer. • Solo industrial (Fig. 13): através dos PDM’s em análise verificámos que existe uma manifesta vontade de aumentar as zonas industriais do concelho. As estratégias de localização visam atingir a maior mobilidade possível. No entanto, verificámos também, que existe uma ausência de estratégia de ordenamento no que toca à pequena e média industria, que se dispõem de forma fragmentada, desajustada e aleatória no território em estudo. A indústria sempre foi vista como um elemento negativo e desestruturante, uma presença indesejada, devido às perturbações que causa no ambiente. Mas a presença industrial é inevitável – cria postos de trabalho, traz novos produtos para o mercado do país, aumenta as exportações e condiciona a nossa acção no mercado internacional. Assim sendo, defende-se a concentração para que só se tenha de sacrificar um local. Esta politica de intervenção no território levou à criação de pólos industriais destinados a actividades transformadoras e serviços próprios, apresentando um elevado nível de infraestruturação ou uma forte intenção de que isso venha a acontecer. No concelho, o sector industrial destina-se essencialmente ao ramo mobiliário, uma mono-especialização que condiciona o território de forma densa e difusa, localizando-se preferencialmente ao longo da rede viária distribuidora. Este modelo industrial difuso funciona quando é complementado por outras unidades industriais. No PDM de 2004 corrige-se o erro de rigor do anterior, recortando cuidadosamente da zona industrial o espaço destinado à rede nacional de estradas e sua envolvente. • Solo a urbanizar (Fig. 14): os espaços urbanizáveis são assim denominados por poderem vir a adquirir características de espaços urbanos. São geralmente designados por áreas de expansão. As zonas mistas constituem a área urbanizável por excelência e implicam o entendimento dos tecidos urbanos existentes e a formar (usos residenciais, comerciais e de serviços). Estas prevêem a diversidade de actividades e usos, sendo a função dominante a habitação. No processo de alargamento do tecido urbano e de desestruturação do espaço agrícola, é este tipo de solo que surge como principal factor de pressão e especulação. Este fenómeno assume diferentes intensidades conforme a localização dos terrenos e a dinâmica social existente. Não admira, portanto, que o espaço peri-urbano seja, de entre o fragmentado espaço rural o mais

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Fig. 13 – Solo industrial (PDM de 1994 e PDM em revisão)

Fig. 14 – Solo a urbanizar (PDM de 1994 e PDM em revisão): espaço construído (cinza) e espaço a construir (laranja)


Fig. 15 – Reservas naturais (PDM de 1994 e PDM em revisão): REN (cinza) e RAN (verde)

fortemente sujeito a pressões de urbanização. Também é claro que o espaço agrícola e florestal, por vezes altamente segmentado com acessos e infra-estruturas deficientes que diminuem o seu valor de mercado, acaba por ser um espaço altamente procurado e sujeito a pressões. O alargamento dos tecidos reflecte-se não só no aumento dos subúrbios que envolvem o centro mas também na extensão e dispersão da população e actividades. O espaço que envolve o núcleo central é sujeito a loteamentos sucessivos que vão aproximando os aglomerados desfragmentados. • Reservas naturais (Fig. 15): a evolução populacional resultou numa destruição de terrenos férteis, ocupando-os com actividades mais lucrativas como a indústria. Esta evolução fez-se sentir muito fortemente no concelho de Paços de Ferreira – uma mudança brutal do sector primário para o sector secundário. Para tentar atenuar este rápido desenvolvimento, criaram-se as reservas nacionais (Reserva Agrícola Nacional e Reserva Ecológica Nacional) nos anos 80 – pelo Ministro da Qualidade de Vida, Ribeiro Telles – com o único propósito de proteger áreas de valor ecológico e agrícola. As RAN são áreas que englobam espaços de maior aptidão agrícola, com o objectivo de contribuir para o desenvolvimento desta actividade, e para um ordenamento do território mais correcto. As REN constituem uma estrutura ecológica que “(…) garante a protecção de ecossistemas e a permanência e intensificação dos processos biológicos indispensáveis ao enquadramento equilibrado das actividades humanas”79. Na região em estudo, as reservas assumem particular importância nas áreas que correspondem às margens dos rios, às margens dos cursos de água e às áreas de ocupação de uso do solo florestal em protecção. A morfologia do território define vales intensos, com enorme interesse paisagístico. Torna-se portanto óbvio que nas zonas determinadas Reservas Nacionais, as construções sejam possíveis, mas mínimas. Estas não podem afectar a envolvente negativamente, quer do ponto de vista da imagem, da utilização e salubridade (sendo os critérios bem mais detalhados, como os metros quadrados da construção, os materiais empregues, etc.). Na revisão do Plano Director Municipal em estudo, concluiu-se que “A RAN necessitava de ser ajustada, pois integrava aglomerados urbanos consolidados bem como áreas inseridas em loteamentos urbanos aprovados e plenamente eficazes, inviabilizando qual-

79. Ministério das Obras Públicas, Gabinete do Ministro, Diário da República, Decreto-Lei 93/90, 31 de Março

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quer alteração, ainda que de pormenor, não permitindo, em alguns casos, a consolidação e/ou expansão no interior dos aglomerados.”80 Enquanto que “A REN encontrava-se desajustada por razões análogas às que consideraram para a RAN.”81 • Zonas agro-florestais e florestais (Fig. 16): as zonas agro-florestais são espaços destinados a vários usos entre os quais: prados permanentes, florestas naturais, pomares, vinhas, hortas, regadios, etc. A actividade agrícola tende a articular-se espacialmente com a indústria. A agricultura continua a fazer-se sentir através de pequenas explorações individuais, ao longo do espaço em estudo, uma característica essencial para explicar a convivência urbano/rural existente no território. Esta, contudo, perdeu importância devido à constante urbanização sofrida no concelho. O seu abandono total poderá causar diversas paisagens: se seguido de um processo de regeneração florestal não causará degradação ambiental; poderá também adquirir naturalmente uma estabilidade como zona selvagem; ou ainda, acontecer a degradação do solo por não servir nenhuma actividade e/ou utilidade. A recuperação destes terrenos poderá passar pela reconversão do uso do solo. Sobre os espaços florestais podemos referir dois tipos de utilização: o de protecção e o de produção. As zonas florestais são ricas na diversidade e complexidade biológica daí a consequente protecção. A floresta cria paisagens de qualidade, locais propícios para actividades recreativas, como o passeio, a pesca e a caça, actividades que podem levar ao seu desgaste. “As áreas florestais de protecção, denominadas, na versão originária, como áreas florestais de produção e áreas florestais estruturantes, correspondem, no essencial, às áreas da REN (…)”82 As zonas florestais de produção fornecem matéria-prima importante para a economia do concelho: a madeira. Estes espaços foram diminuindo ao longo dos anos com o alargamento das áreas destinadas ao fabrico, adquirindo o estatuto de zona de protecção. • Zonas únicas (Fig. 17): quando nos referimos às zonas únicas, temos como objectivo incluir as áreas de estrutura ecológica urbana e as áreas de interesse público, a salvaguardando de edifícios e monumentos. A área da estrutura ecológica urbana tem vindo a crescer. Os espaços de maior interesse para incluir neste zona-

80. Câmara Municipal de Paços de Ferreira, Plano Director Municipal (em processo de revisão), Paços de Ferreira, 2004 81. Idem, Ibidem 82. Idem, Ibidem

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Fig. 16 – Zonas agro-florestais e florestais (PDM de 1994 e PDM em revisão): florestal de protecção (verde claro), florestal de produção (verde intermédio) e agro-florestal (verde escuro)


Fig. 17 – Zonas únicas (PDM de 1994 e PDM em revisão): estruturas ecológicas (cinza), linhas de água (azul), áreas de protecção (contorno lilás) e áreas de património arqueológico (mancha lilás)

mento são as margens dos rios e linhas de água. No PDM de 1994, perto da sede urbana da cidade, já existia uma zona para a criação de um parque urbano. O aumento da procura deste tipo de espaços proporcionou um interesse pelas áreas recreativas, de lazer e turísticas. O sistema natural acessível à população, o usufruto paisagístico completamente aberto e democrático implica manutenção. Existem, em Paços de Ferreira, 54 imóveis de interesse público, dos quais 9 são Património Classificado e a classificar; 45 são Património Arquitectónico. Relativamente ao Património Arqueológico são 12 as áreas de protecção, e 5 destas pertencem ao Património Classificado e por classificar. Distribuem-se pelo território imóveis religiosos e civis que datam de diversas épocas: pré-história, idade do Bronze, Idade do Ferro, etc. A localização dos edifícios é curiosa, nota-se uma pontual implantação ao longo dos cursos de água. As áreas de protecção diminuíram mas, são mais os edifícios que merecem destaque e salvaguarda. O concelho de Paços de Ferreira começa a utilizar premissas de interesse cultural para incentivar a procura turística. A Citânia de Sanfins é muitas vezes procurada para visitas de estudo ou lazer. A criação de um roteiro turístico para visitar o património do concelho já está a ser pensado.

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4. ESTRADA MERCADO 4.1 Definição de conceitos

Fig. 18 – A strip de Las Vegas

Fig. 19 - Nuova Valassina (estrada mercado em Milão)

A cidade difusa, como uma nova configuração de cidade, é lugar de diferentes formas de tecido e de edificado. Apesar de ser essencialmente cidade sem modelo podemos encontrar tipos, padrões, tecidos que se repetem. Organizando-a e classificando-a em tipos, podemos compreendê-la e intervir melhor. A cidade difusa (no seu entendimento mais vasto) congrega a cidade tradicional (núcleos urbanos compactos), os distritos industriais e os eixos urbanos mais ou menos contínuos, com maior ou menor dimensão. A cidade difusa é, por excelência, a cidade do automóvel. Feita em função dele e fortemente dependente dele. A via é, assim, um elemento recorrente na mesma e um dos seus constituintes. É o veio de circulação da cidade difusa, mas é mais do que isso. Ela é, também, elemento estruturante de toda a sua lógica de organização. Estrada, rua, caminho, ou passeio, a via é por excelência a estrutura e simultaneamente o espaço público deste tipo de cidade. Para além desta restam-nos certos espaços pontuais, como largos, jardins ou praças, bastante escassos, uma vez que o aparecimento destas estruturas é algo mais comum na cidade compacta. Tudo se agarra à estrada. Como tronco de onde partem os galhos, as estradas principais (que unem aglomerados importantes) que se urbanizam, estruturam todo o território. Isso comprova-se ao perceber as lógicas de localização dos serviços, comércio, restauração, e mesmo indústria. A habitação é o máximo divisor comum: existe em todo o lado, mesmo em estradas de menor relevância. A concentração de comércio e serviços, que é feita em torno de algumas estradas mais importantes, forma verdadeiras urbanizações lineares. Como tentáculos que partem de cidades antigas e de novos

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núcleos urbanos, ou então como faixas soltas no território que se organizam unicamente em torno da estrada. Estas vias constituem-se muitas vezes como cidades lineares onde ao longo do seu percurso se pode encontrar de tudo o que é indispensável à vida. Este crescimento da cidade (ou do urbano) ao longo de estradas urbanizadas (forma típica de crescimento da cidade difusa) acaba por demonstrar como a questão dos limites já nada interessa à cidade contemporânea. Estas estradas urbanizam-se e densificam-se em certas áreas e não noutras imediatamente a seguir. Podem existir em contiguidade trechos que se transformaram em cidade compacta e outros onde o carácter de estrada não se perdeu pois não se urbanizou. Assim, a cidade vai aparecendo e desaparecendo intermitentemente ao longo da via. Pode-se dizer que a cidade difusa apresenta, em contraponto à rua, a estrada ou a «estrada rua» (Figs. 20, 21 e 22). Ainda que este tipo de classificação seja muito difícil de fazer, como é qualquer classificação dos fenómenos urbanos deste território, pois entre estrada e rua existem infinitas situações intermédias. A estrada rua é uma delas e é o tipo mais comum que encontramos na cidade difusa. Rua e estrada confundem-se constantemente. A mesma via produz recorrentemente vários tipos de ambiente: ora é caminho rural, ora é rua, ora é estrada, via rápida ou mesmo autoestrada. Este tipo de acontecimento é sobretudo habitual nas estradas nacionais pois foram elas que durante muitos anos desempenharam a função de maior ligação entre as cidades e núcleos urbanos (entre capitais de distrito, entre sedes de concelho, etc.). Só recentemente se construíram as auto-estradas que as substituíram. Em muitos casos as estradas nacionais foram adaptadas a vias rápidas em determinados fragmentos, embora noutros se tenham densificado chegando mesmo a constituírem-se como ruas principais de núcleos de cidade compacta. A constante mudança de carácter destas vias leva, muitas vezes, a que se tornem locais inseguros e desagradáveis, sobretudo no seu uso local e pedonal (graças ao excesso de velocidade em certas zonas, devido a um traçado de estrada num ambiente de rua, à ausência de passeios e de qualificação urbana - mobiliário, vegetação, estacionamento, etc.). A importância das estradas nacionais para a estruturação extra-urbana do país actual foi fundamental. Muitas vezes, a sua passagem por determinado lugar é responsável pelo surgimento ou pelo desenvolvimento, de certo tipo de concentrações que deram mais tarde origem a núcleos urbanos ou mesmo cidades, mais ou menos importantes, mais ou menos compactas. Enquanto espaço público por excelência, a via torna-se muitas

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Fig. 20 – Rua tradicional da cidade consolidada (centro de Paços de Ferreira)

Fig. 21 – Estrada no concelho de Paços de Ferreira

Fig. 22 – Estrada rua (Paços de Ferreira)


vezes numa espécie de centro urbano de uma determinada zona. Liga e articula os pontos e funções mais diversos, servindo de canal de atravessamento longitudinal e de relacionamento transversal. Está muitas vezes sujeita a uma descarga pesada de trânsito, e a uma concentração de funções e actividades diversas (como é o caso das estradas mercado). A «estrada mercado», conceito utilizado no estudo Cidade Difusa do Noroeste Peninsular83 (“aglomerações axiais ao longo de eixos preferenciais de mobilidade e de relação”), nos livros Políticas Urbanas84 (“eixo comercial «espontâneo» ao longo da via”85) e Il territorio che cambia – ambienti, paesaggi e immagini della regione milanese86 (designada strada mercato ou “nastri” comerciali) define a estrada urbanizada com comércio de forma dispersa ao longo da via. É um exemplo de estrada rua que faz a ligação entre importantes núcleos e tem características mistas urbano viárias onde o comércio é particularmente predominante. Este é um conceito algo ambíguo, pois não define características fixas para este tipo de estrutura; por outro lado, é a melhor designação porque este fenómeno é também ele pouco claro e definido. Na obra acima referida (Il territorio che cambia – ambienti, paesaggi e immagini della regione milanesse) a estrada mercado da região milanesa é definida da seguinte forma: Actividades comerciais, ainda que muito diferentes entre si, organizam-se ao longo das infra-estruturas territoriais principais – estradas estatais, provinciais, intercomunais – constituindo urbanizações lineares que se tornam a referência para amplas porções de território (frequentemente de urbanização difusa) e configuram-se como localizações comerciais reconhecíveis em alternativa aquelas tradicionais dos centros históricos. A acessibilidade automobilística e a disponibilidade das amplas superfícies são as condições irrenunciáveis da actividade comercial “de vocação territorial” que compõem o fenómeno da estrada mercado.87

83. CEFA, Cidade Difusa do Noroeste Peninsular, Centro de Estudos da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Porto, 2002 84. João Cabral, Álvaro Domingues e Nuno Portas, Políticas Urbanas: tendências estratégias e oportunidades, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2003 85. Idem, Ibidem 86. Stefano Boeri, Arturo Lanzani e Edoardo Marini: Il territorio che cambia : ambienti, paesaggi e immagini della regione milanese, Abitare Se gesta, Milano, 1993 87. Idem, Ibidem

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A palavra estrada utiliza-se normalmente para definir um percurso, um canal, uma infra-estrutura que permite a ligação física entre localidades, ou ainda, um corredor perfeitamente delineado, cujas ramificações possibilitam uma maior permeabilidade no território, favorecendo a dinâmica de movimentos. “A estrada é corredor, lugar de passagem, suporte de relações longínquas ou próximas, elemento de permeabilidade dos territórios, sistema de capilaridades onde, por uma espécie de processo de percolação, se multiplicam tipologias, funções, usos (…)”88. Segundo o Dicionário Digital On-line Priberam, a definição da palavra é a seguinte: “s. f., via terrestre, geralmente pública e destinada ao trânsito automóvel”89. A palavra mercado define normalmente um agrupamento de comerciantes, num espaço amplo e público (como na feira semanal por exemplo) com o objectivo de compra e venda, como esclarece a definição a seguinte: “s. m., lugar onde se vendem comestíveis e outros géneros; feira; povoação onde há grande movimento comercial; centro de comércio; o comércio”.90 Na cidade medieval, as feiras revelaram-se importantes meios abastecedores de mercadorias e bens alimentares de uma ampla região. Existiam para além da venda no rés-do-chão das casas da cidade, que especializavam as ruas num determinado ramo de comércio. Além deste tipo de actividade comercial, existiam outros, como é o caso da venda ambulante e porta a porta. A vantagem das feiras enquanto grandes concentrações de vendedores era a facilidade de comparação de produtos e preços. As feiras aumentavam em número e dimensão quando comércio e produção estavam associados. Os produtos comercializados provinham maioritariamente da agricultura. As feiras e mercados eram normalmente organizados nas portas das muralhas das cidades. Na casa gótica mercantil existiam indícios de um modelo comercial e habitacional misto, formados sobre uma parcela estreita e profunda, onde se sobrepõe o habitáculo da unidade familiar com o local para a actividade produtiva, convertendo assim a rua num lugar de intercâmbio e trabalho.

88. Álvaro Domingues, «Novas paisagens urbanas», in Jornal Arquitectos, nº 206, Maio/Junho de 2002 89. AAVV, Dicionário Digital On-line Priberam, Texto Editores (http://www.priberam.pt/dlpo/dlpo.aspx) 90. Idem

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Como se desenvolve o comércio? Na origem, na pequena cidade, o comércio encontra-se no seu coração num espaço privilegiado pelas possibilidades de acesso, que lhe asseguram o máximo de clientes e lhe permitem desenvolver-se (…). Paralelamente ao crescimento urbano, multiplicam-se os estabelecimentos comerciais: o núcleo enche-se e desenvolve tentáculos que acompanham o alongamento de grandes eixos de circulação. Esta estrutura é comum às cidades pequenas e médias. (…)91

O comércio fixo atinge maior importância no final do século XIX quando ocupa definitivamente o rés-do-chão das habitações ou, mais raramente, alguns andares superiores. As ruas comerciais (mais ou menos especializadas) generalizaram-se como modelos de organização do comércio, usando muitas vezes antigos percursos de acesso às cidades para se desenvolverem (como é exemplo a Rua de Costa Cabral, na entrada norte da cidade do Porto). Hoje as implantações comerciais são cada vez mais periféricas aos antigos centros. Localizam-se estrategicamente assumindo o automóvel como principal destinatário (procurando os pontos de maior acessibilidade - nós do sistema rodoviário arterial) e como elemento indispensável da relação interesse/tempo/velocidade. Destrói-se a antiga ligação entre concentração comercial e proximidade geográfica: Não é pelo facto de um indivíduo estar mais próximo de um núcleo comercial que o frequentará. Pode preferir um outro mais afastado, mas que lhe «convenha» mais – e neste termo podem entrar situações complexas: preço, hábitos, percepções mais favoráveis, agrupamentos de certas actividades92

Assiste-se a uma concentração do comércio em grandes equipamentos comerciais, mono ou plurifuncionais – da grande loja especializada ao centro comercial mais completo (e portanto mais diversificado). A estrada mercado surge-nos como um tipo comercial corrente na cidade difusa. Num sentido mais alargado muitas das estradas da cidade difusa serão estradas mercado – são estradas ruas que têm maior ou menor quantidade de comércio. O estudo deste tipo de estrutura foi feito por Robert Venturi sobre o chamado strip de

91. Jacqueline Garnier, Geografia Urbana, Edição da Fundação Colouste Gulbenkian, Lisboa, 1997 92. Idem, Ibidem

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Las Vegas93. Neste caso, temos uma auto-estrada e os edifícios são de grande escala (metropolitana - escala de hipermercado ou shopping) com funções diferentes (casinos, motéis e capelas nupciais). No entanto, há também um carácter de aglomeração linear comercial, com um funcionamento quase exclusivo na lógica do automóvel e um enorme investimento em publicidade e sinalética como meio de atracção. Este é, de certa forma, um fenómeno semelhante ao da estrada mercado. Se a via é o elemento estrutural da cidade difusa, mais do que da cidade concentrada, a estrada rua e a estrada urbanizada não são mais que o seu elemento modular e constituinte. A estrada mercado é um caso concreto, com particular importância urbana. Estudar esse elemento modular é uma forma de estudar a própria cidade difusa, a partir do seu elemento tipo. A estrada mercado é assim, simplificando, um fenómeno de desenvolvimento urbano de beira de estrada em que o comércio ganha um papel especial (influenciando o tipo e a morfologia do edificado) ao ponto da estrada funcionar especialmente para este objectivo: Em conclusão, a estrada mercado apresenta-se como um espaço produto de uma pluralidade de escolhas de implantação e localização, quase sempre na ausência de um explícito quadro de indicações administrativas e de planificação (…) Pode ser lida segundo múltiplas chaves de leitura: como êxito de um processo auto-organizativo e «espontâneo» dos operadores comerciais que se apoiam sobre a mais elementar infra-estrutura de referência; como lugar acessível de diversos assentamentos; como percurso frequentado de numerosos sujeitos, independentemente do uso da sua estrutura comercial; como traçado capaz de assumir um forte reconhecimento simbólico graças também à assunção de um nome «próprio» (a «Valassina» …) – também atravessando e conectando partes de território muito distintas.94

Intervir na cidade difusa é em primeiro lugar, intervir sobre a via. Isto porque este espaço intermédio e misto entre cidade e campo é feito sobretudo de aglomerações lineares. A parte urbanizada deste território consiste em faixas de construção (mais ou menos contínuas, agarradas a vias) que o rasgam. Como intervir nas estra-

93. Robert Ventiuri, Steven Izenour e Denise Scott Brown, Aprendiendo de Las Vegas – el Simbolismo olvidado de la forma arquitectónica, Editorial Gustavo Gili S.A., Barcelona, 2004 (tradução livre) 94. Stefano Boeri, Arturo Lanzani e Edoardo Marini: Il territorio che cambia : ambienti, paesaggi e immagini della regione milanese, Abitare Se gesta, Milano, 1993 (tradução livre)

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das mercado? Quais os seus problemas? Tradicionalmente estas vias sofrem de excesso de trânsito e de velocidade. Caracterizam-se pela falta de segurança, de qualidade e de continuidade na circulação pedonal que tem grandes dificuldades de atravessamento. A escassez de transportes colectivos, normalmente de má qualidade, com paragens desadequadas ao nível do trânsito (condicionando-o) e do peão (mal resguardadas, sem passeio) assim como a pouca largura no espaço para além da via são problemas recorrentes. Sintetizando, corporizam um problema essencial – o de combinarem na mesma via um carácter de atravessamento e de inter-relação, de percurso e de cruzamento, de via rápida e de rua. As estradas mercado são lugar de projecto, um lugar de certa forma novo, que deverá ser alvo, antes de mais, da resolução deste tipo de problemas: Uma vez que estamos perante territórios com um forte défice infraestrutural, o caso da «estrada-mercado» (um conflito entre a rua “urbana” e o canal de tráfego) constitui um bom laboratório: a desclassificação dessas vias (implicando o desvio do tráfego para outros corredores) permite o alargamento dos passeios, a gestão do estacionamento, a arborização, a instalação de galerias técnicas (água, saneamento, energia, cablagem, etc.); ao mesmo tempo, a densificação linear pode viabilizar a introdução de transporte colectivo. No caso da presença de actividades com impactes negativos (ruído, materiais perigosos, poluição atmosférica) o conflito aumenta e só é resolúvel com medidas drásticas de re-localização ou de forte regulamentação das novas localizações.95

A intervenção na estrada mercado passa sobretudo lhe conferir um carácter «urbano» ou de avenida – boulevard – transformá-la em espaço público. É necessário retirar-lhes a função de canal, acentuando basicamente as características de conforto, comodidade, qualidade ambiental e estética. Tentar assim traduzir uma melhor solução para o seu duplo carácter – viário e relacional. O projecto para a cidade difusa, ou pelo menos para este tipo de cidade difusa é um projecto de eixos e de reconstrução linear (uma vez que é disso que ela é feita).

95. João Cabral, Álvaro Domingues e Nuno Portas, Políticas Urbanas: tendências estratégias e oportunidades, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2003

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4.2 Caso de estudo O caso concreto em estudo é a EN207, no concelho de Paços de Ferreira (Fig. 23). Importante eixo de ligação para a região, une Alfena e Lousada, atravessando o centro de Paços de Ferreira e de Freamunde. É um caso muito particular deste tipo de estrutura urbana. Particular antes de mais por ser extremamente monofuncional, ou especializada (em comércio de mobiliário), contrariamente ao que é normal na estrada mercado um pouco por todo o país e noutros países (onde se misturam vários tipos de comércio e serviços). O carácter peculiar de especialização desta estrada traz algumas questões sobre o que é na verdade a estrada mercado. Poder-se-á chamarlhe estrada mercado? O mercado na sua designação mais elementar define um espaço de venda onde há uma diversidade grande de produtos, ainda que todos relacionados com o mesmo ramo (sobretudo o alimentar). Nas estradas mercado em geral, os ramos são normalmente mais amplos, abrangendo todo o tipo de comércio e restauração (incluindo mesmo serviços e outras funções). A EN207, em concreto, é eminentemente especializada, podendo-se encontrar uma diversidade grande de produtos, dentro do mesmo ramo (o mobiliário). Tem assim um funcionamento semelhante ao do mercado tradicional. Isto não faz com que deixe de ser estrada mercado, é no entanto, uma estrada mercado específica, e não uma estrada mercado comum. Encerra um excepcional mediatismo e espectáculo visual, traduzido na sinalética, mas também nas formas urbanas, que o comércio, e sobretudo a publicidade, naturalmente lhe impõem. Este mediatismo publicitário é então, a nosso ver, reforçado pela própria monofuncionalidade da estrada, uma vez que a concorrência entre comerciantes do mesmo ramo se torna mais forte e mais directa. Aqui, o comércio de mobiliário é de tal forma predominante (concentra uma enorme parte do comércio e indústria de mobiliário do país) que praticamente não temos outras funções, à excepção da habitação. A EN207 apresenta essencialmente estes dois tipos de funções. O aparecimento de ramos diferentes de comércio ou serviços (como a restauração, stands de automóveis, vendas de louças, cabeleireiros por exemplo) é caso raro. O caso de estudo é uma espécie de strip comercial especializada em mobiliário. É de notar que a venda ambulante de peixe ou pão, por exemplo, tem um certo peso nesta região e em particular nesta estrada. O conflito tradicional entre a estrada e a rua está aqui patente. Os espaços «sobrantes» para além da via, tentam resolver, na ausência de passeio, todo o tipo de

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Fig. 23 – A EN207




Fig. 24 – EN319 – Rua na cidade compacta

Fig. 25 – EN319 – Estrada na cidade alargada

outras funções não planeadas (estacionamento, paragem, circulação de peões, inversão do sentido da marcha, etc.) uma vez que esta foi pensada quase exclusivamente para o uso automóvel (a circulação pedonal é perigosa). É constante a alteração da imagem da via; o desconforto e perigo da sua utilização pedonal (ausência e descontinuidade de passeios); a ausência de espaços públicos programados, desenhados e estáticos (como os tradicionais - praças, largos e jardins - substituídos pelos alargamentos pontuais da estrada e pelos escassos passeios) e o desconforto automóvel (pela estrada alternar constantemente de perfil e, portanto, de largura e de carácter, alterando também a velocidade e cuidado com que se pode circular). A já referida monofuncionalidade vai dotar a estrada de um enorme número de edifícios característicos – do tipo edifício montra (que serão analisados mais à frente). Por ser uma importante ligação viária, e portanto, possuir considerável quantidade de tráfego esta estrada foi sendo preferida para a localização de habitações ligadas à agricultura. Posteriormente, com a industrialização da região, vai-se transformando-se gradualmente numa espécie de centro urbano, centro comercial linear, espinha dorsal desta cidade difusa. Adquire uma importância simbólica fundamental pela representatividade e referência conquistada dentro e fora do país, reforçada pela adopção do slogan “Capital do Móvel” como identificador e factor de atracção da cidade. A estrada mercado EN207 torna-se assim um caso de estudo interessante ao ser simultaneamente representativa da realidade nacional (pois é um tipo de ocupação recorrente no país) e bastante particular pela especialização e concentração extraordinariamente invulgar de edifícios montra. Dentro deste tipo urbano o território de estudo apresenta outras estradas semelhantes. Para compreender o enquadramento do fenómeno, recorreu-se à análise genérica do território envolvente e ao estudo das outras estradas nacionais, que cruzam o concelho – EN209 e a EN319. Relativamente a estas podemos tirar conclusões diferentes. A EN319 é a que menos se assemelha às outras. Tem uma importância inferior enquanto estrada de carácter nacional. Ao longo do seu trajecto vai apresentando características diferentes, sendo de todas a mais heterogénea (Figs. 24 e 25). É essencialmente uma estrada de passagem/ligação, de aspecto predominantemente rural, ladeada na sua maior parte por habitação unifamiliar. Praticamente não existem outras funções, à excepção do troço de atravessamento do centro urbano de Paços de

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Ferreira, onde se encontram alguns edifícios escolares, equipamentos e comércio. Assume aqui a forma de rua tradicional de cidade consolidada. Possui ainda um troço com perfil de via rápida, uma vez que foi incluída na variante – Via do Poder Local – a sul do centro urbano. Os edifício montra escasseiam, existindo só pontualmente, sobretudo junto ao nó da auto-estrada (IC25). A EN209 (Fig. 26) apresenta mais semelhança com a EN207. Possui um número significativo de edifícios montra, mas tem, no entanto, um carácter mais plurifuncional do que as outras duas. É aquela que apresenta maior variedade de funções urbanas, e portanto, uma vivência urbana mais intensa. Congrega um número significativo de estabelecimentos de restauração, o que é normalmente indício de alguma intensidade urbana. A concentração de edifícios montra tem uma densidade inferior (do que na EN207) apesar de se manter presente para além da área de estudo, durante vários quilómetros. Mantém esta baixa concentração durante todo o percurso. Ao percorrer o território de estudo podemos facilmente perceber que estas três estradas são realmente estruturantes, referentes simbólicos e de orientação. Permitem-nos rapidamente perceber a localização no território, sobretudo se conseguirmos perceber qual o sentido da estrada onde nos encontramos. Circulando pelas restantes vias rapidamente acabamos por nos cruzar com uma destas nacionais.

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Fig. 26 – EN209


5. TIPOLOGIA DO EDIFÍCIO MONTRA 5.1 Tipo e Estudo Tipológico O termo «tipo» (do grego typos) surge, segundo Philippe Panerai96, no fim do século XV associado à imprensa. Designava o carácter de impressão. De acordo com o autor, no século XVIII passa a designar um conjunto de objectos ou de pessoas. É com o desenvolvimento das ciências da observação neste período que se começam a fazer classificações sistemáticas das plantas e animais, a partir das suas características. Isto consistia em “apagar as características particulares dos objectos para reter unicamente os traços gerais”, “organizando as plantas e animais em espécies, as quais aparecem somente como diferentes variações no interior do género ou da família”. É, no entanto, ao período da Revolução Industrial, ao seu «clima científico» e à herança dos enciclopedistas, que remontam as primeiras “manifestações conscientes da tipologia”. E são estas ferramentas, das chamadas ciências naturais, que a arquitectura adopta, construindo uma tipologia arquitectural. Fá-lo, segundo Panerai “com critérios exclusivamente formais ou estilísticos”, com uma “visão a-histórica”, que “indiferente ao tempo e espaço” “ignora as culturas e as significações”. O estudo tipológico foi feito por Wittkower, sobre as plantas centralizadas do renascimento (como as villas de Palladio); por Paul Frankl, analisando desenhos de Leonardo da Vinci

96. Philippe Panerai, Jean-Charles Depaule, Marcelle Demorgon e Michel Veyrenche, Eléments d’analyse urbaine, AAM Editions, Bruxelles, 1980 (tradução livre)

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(defendendo que “a criação de formas espaciais torna-se uma espécie de combinação científica”), por Brinkmann, Riegl, Schmarsow, Seldmayr, Portoghesi e Cristian Norberg-Schulz. J.N.L. Durand elabora um estudo intitulado Recolha e Paralelo dos Edifícios de todos os géneros Antigos e Modernos, notáveis pela sua beleza, pela sua grandeza ou pela sua singularidade, e desenhados à mesma escala. Constitui-se como uma classificação tipológica dos edifícios que formavam na época (1801) a base da cultura arquitectural. No entanto, é uma recolha feita por um arquitecto com o objectivo de servir o ensino (onde este trabalhava) e o projecto; não é uma recolha histórica ou de carácter informativo. Procurava essencialmente ser um estudo operativo para dar resposta eficaz à necessidade de construção de edifícios civis na época. Compila formas soltas abertas a conteúdos e interpretações, passíveis de serem utilizadas livremente. Panerai divide os tipos em dois: os tipos consagrados e os elementos tipificados (vulgo planos tipo). No primeiro temos uma regularidade lida posteriormente, e no segundo uma regularidade desejada e imposta (anteriormente). Apresenta, como exemplo de tipos consagrados, a villa romana, a catedral gótica, a mesquita otomana, o hotel particular, a casa burguesa, por exemplo: (…) quer dizer que numa determinada época, e por uma sociedade específica, o século XVIII em Paris para o hotel particular, o século XV em Florença para o Palácio, o conjunto dos arquitectos (ou mais amplamente, de criadores) e dos construtores de um lado, os arquitectos e os seus clientes do outro, concordaram sobre a correspondência entre um conjunto de disposições espaciais e de elementos estilísticos e uma prática (…). Esse acordo que inclui os saberes técnicos foi bastante estável para ser reconhecido pela sociedade 97

Podemos juntar outro exemplo como a casa do Porto do século XIX. Estes formaram a estrutura implícita da arquitectura na época, difundidos essencialmente pelo conhecimento empírico e espontâneo. Estão enraizados numa determinada cultura e região e admitem variações. Não são exemplos de arquitectura erudita (fruto do trabalho de autor), aparecem sobretudo na produção vernacular. A arqui-

97. Philippe Panerai, Jean-Charles Depaule, Marcelle Demorgon e Michel Veyrenche, Eléments d’analyse urbaine, AAM Editions, Bruxelles, 1980 (tradução livre)

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tectura comum baseia-se em tipos consagrados, normalmente anónima, sendo transmitida mais por contágio entre os construtores que por estudo formal ou investigação. Com a Revolução Industrial dá-se uma transformação radical nas condições de trabalho, nos modos de vida, na configuração das cidades e no papel e status dos arquitectos. Estas transformações não se fazem instantaneamente e ao longo de todo o século XIX podemos ver simultaneamente a persistência dos tipos antigos e o surgir de novos tipos. Os tipos deixam de ser implícitos para passarem a ser explícitos – propostos como ferramentas para a produção de edifícios. É assim que aparece o termo tipo na arquitectura. É uma ideia que pouco tem em conta as condições locais e a diversidade de culturas, antes procura racionalizar, abolindo as particularidades. É na Inglaterra, onde tem origem a Revolução Industrial, que a racionalização da arquitectura doméstica tem o seu apogeu. A forte industrialização e a não divisão da propriedade permitem operações de grande envergadura com construção em série de enormes loteamentos. A unidade de intervenção deixa de ser o edifício, passando a ser o conjunto. As casas tornam-se assim elementos tipificados, realizados em série por um só construtor, utilizando elementos estandardizados. São o módulo de unidades mais vastas e introduzem uma escala tipológica de maior dimensão. Modificase radicalmente a relação entre edifícios e forma urbana: (…) no caso da habitação em banda, é o tipo de edifício que determina a parcela, bastante independente então, da forma urbana, como o demonstra a periferia de tantas cidades inglesas; o que é o inverso da parcela gótica (…apesar das dimensões vizinhas…) que não existe fora de uma localização urbana 98

O Movimento Moderno prossegue na Alemanha o trabalho de tipificação do habitat começado em Inglaterra. Integrando a industrialização e a produção em série, procura não mais pensar em edifícios únicos (sempre diferentes) mas em protótipos reproduzíveis – exaltando a massificação do edifício, a série e o standard. Procura-se a anulação das diferenças e a uniformização das formas de vida, através da célula

98. Carlo Aymonimo, La Cittá di Padova, citado por Philippe Panerai, Jean-Charles Depaule, Marcelle Demorgon e Michel Veyrenche em Eléments d’analyse urbaine, AAM Editions, Bruxelles, 1980 (tradução livre)

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tipo, da «machine a habiter», do «Existenzminimum». O tipo é a bandeira desta época, assumindo como módulo o corpo humano, a família e a habitação. A tipificação extrema da habitação transforma a habitação num produto industrial, definido de forma isolada do sítio como resposta à carência de habitação a satisfazer. O tipo passa a ser desejado, ambicionado e procurado como referente de qualidade e igualdade. Mais do que fruto de condicionantes externas, tipo é sinónimo de modernidade: “Classifier, typifier, fixer la cellule et ses éléments. Economie. Efficacité. Architecture.”99 Já numa época de crítica ao Movimento Moderno, Saverio Muratori procura relacionar de novo arquitectura e cidade, defendendo a contextualização histórica do estudo tipológico. Isto porque a noção de tipo se tornou confusa, oca e desprovida de intenção. Como professor de arquitectura, produz com os seus alunos um estudo tipológico do tecido urbano da cidade de Veneza, integrando a história, a construção e a análise arquitectural. Daí advém três conclusões: “o tipo não se caracteriza fora da sua aplicação concreta, ou seja fora de um tecido construído”; “o tecido urbano por seu lado, não se caracteriza fora do seu quadro, ou seja, fora do estudo do conjunto da estrutura urbana”; e “o estudo de uma estrutura urbana só se concebe na sua dimensão histórica” 100. A caracterização arquitectónica por tipos deve estar, portanto, sujeita às condicionantes da análise local e histórica, em vez de partir de estruturas abstractas ou arquétipos estéticos independentes da realidade. A introdução da expressão «typologia edilizia», revela esta preocupação, já que engloba, para além do edifício, o contexto e as estruturas que o rodeiam (as ruas, os espaços públicos, os jardins). Carlo Aymonimo vai mais tarde retomar e sistematizar o trabalho de Muratori, aplicando-o a outras cidades. Em conjunto com Aldo Rossi, estuda a formação das cidades moderna e contemporânea como processos completamente diferentes dos que as precederam. Aymonimo defende uma relação dialéctica entre o tipo dos edifícios e a forma urbana, uma visão global da cidade e das suas relações com o edifica-

99. Le Corbusier et Pierre Jeanneret, Œuvres completes 1910-1929, citado por Philippe Panerai, Jean-Charles Depaule, Marcelle Demorgon e Michel Veyrenche em Eléments d’analyse urbaine, AAM Editions, Bruxelles, 1980 100 Philippe Panerai, Jean-Charles Depaule, Marcelle Demorgon e Michel Veyrenche, Eléments d’analyse urbaine, AAM Editions, Bruxelles, 1980 (tradução livre)

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do. A tipologia surge assim como um instrumento (e não como uma categoria) sem uma definição absolutista – sujeita a redefinições constantes. Procura também sistematizar leis gerais de crescimento das cidades europeias na fase avançada do capitalismo burguês. O seu estudo prevê que o fenómeno possa ser extensível a várias cidades do velho continente. Aldo Rossi defende que, em todas as áreas da produção humana há reinterpretação de modos de fazer anteriores, que nada é criado do vazio, sem relação com o passado. A arquitectura está naturalmente sujeita a esta premissa: Por isso nos chegaram mil coisas de todos os géneros, e uma das principais ocupações da ciência e da filosofia para captar a sua razão de ser é investigar a sua origem e a sua causa primitiva. Isso é ao que há que chamar tipo em arquitectura, como em qualquer outro ramo das invenções e instituições humanas 101

Ou seja, o tipo é uma constante, a razão de ser, o núcleo de cada coisa, presente em todos os edifícios e estruturas urbanas. Este precede a própria arquitectura, aproxima-se do seu âmago: “podemos dizer que o tipo é a ideia mesma de arquitectura; o que está mais próximo da sua essência. É por isso o que, não obstante de qualquer mudança, sempre se impôs «ao sentimento e à razão» como o princípio da arquitectura e da cidade“102 Rossi fala-nos do tipo como algo existente em tudo, o que Pannerai apelidaria de «tipo consagrado». Rossi faz a distinção entre tipo e modelo. O tipo não é copiável, é uma estrutura eminentemente abstracta que serve de regra ao modelo. É o factor que na construção leva à inevitabilidade de semelhanças entre as obras. O modelo, pelo contrário, repete-se tal como é, constitui-se por especificidades e características concretas. O tipo é reconhecível, o modelo é reproduzível. O primeiro não tem uma representação formal, uma vez que sintetiza as características diversificadas do segundo: “Nenhum tipo se identifica com uma forma, se bem que todas as formas arquitectónicas são remissíveis a tipos”.103

101. Aldo Rossi, La arquitectura de la cuidad, Editorial Gustavo Gili, Barcelona, 1976 (tradução livre) 102. Idem, Ibidem 103. Idem, Ibidem

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A tipologia pode ser definida genericamente como o estudo dos tipos, ou estudo tipológico. Tal como a ciência estuda os fenómenos naturais, a tipologia, enquanto momento analítico da arquitectura, debruça-se sobre os tipos edificados. Propõe a organização destes num sistema, já que individualmente não são uma ferramenta útil. O estudo tipológico consiste assim numa sistematização do conhecimento. Permite à arquitectura optimizar e objectivar as comparações (frequentemente intuitivas e pessoais) entre diferentes formas do edificado. É mais do que uma mera ferramenta de conhecimento porque tem uma utilidade operativa. Enquanto a ciência estuda a evolução natural das espécies, a teoria da arquitectura estuda produção cultural. E o seu estudo contribui e influencia a própria produção – os tipos funcionam como antecedentes da criação. A história da arquitectura consiste num enorme inventário tipológico disponível, a ser interpretado, relido e completado. Segundo Rossi todos os tratados de tipologia são também tratados de arquitectura e ao projectar é difícil distinguir os dois momentos104. A aprendizagem em arquitectura faz-se essencialmente através do conhecimento das obras produzidas: Convido frequentemente os estudantes a viajar e a observarem com atenção. Aprender a ver é fundamental para um arquitecto, existe uma bagagem de conhecimentos aos quais inevitavelmente recorremos, de modo que nada quanto façamos é absolutamente novo.105

5.2 Definição do tipo «edifício montra» As trocas e a actividade comercial em geral foram sempre um motivo forte de animação e de vitalidade das cidades. Inicialmente funcionando em feiras e mercados ambulantes e mais tarde, assumindo a necessidade de se fixar, associando-se a espaços específicos para o efeito. “O comércio fixo afirma-se decisivamente, a ele se associando a urbanidade pretendida para uma cidade industrial acrescentada em dimensão formal e económica.”106 Os artigos, bens básicos e artesanato, eram primitivamente colocados em frente aos edifícios, no chão ou na fachada (Fig. 27), directamente expostos ao consumidor porque o rés-do-chão ainda não era inteiramente

104. Aldo Rossi, La arquitectura de la cuidad, Editorial Gustavo Gili, Barcelona, 1976 (tradução livre) 105. Álvaro Siza, Imaginar a evidência, Edições 70, Lisboa, 1998, pág. 139 106. José Fernandes, Porto – cidade e comércio, Arquivo Histórico, Câmara Municipal do Porto, 1997

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Fig. 27 – Os produtos para venda na frente de um edifício, em Guimarães (actualmente)


diferenciado. As transformações económicas e sociais que levaram à fixação do comércio, acentuadas com a industrialização (séc. XIX), vão ter como consequência transformações nos tipos arquitectónicos, nomeadamente na adaptação do piso térreo à nova função: Como a casa habitacional que, do kraal primitivo, fechado e escuro, se rasgou sucessivamente, na escala da civilização, em amplas janelas (…) assim a loja, rés-do-chão que ainda ontem era sinónimo de casa de comércio, foi pouco a pouco abrindo a quem passa, atarefado ou descuidoso, a paisagem aliciante oferecida ao seu desejo: no expressionismo da linguagem inglesa a montra chama-se window (janela).107

Os edifícios habitacionais vão se adaptando às exigências comerciais, dando progressivamente mais importância à relação interior/exterior. A montra constitui-se assim como um dispositivo onde se expõem os artigos, por trás de um vidro. Funciona como uma moldura, dentro da qual é montada uma imagem para apelar ao desejo de quem passa, seduzindo, alimentando o sonho, a imaginação e a fantasia: O homem quanto mais finca os pés na terra, mais ama o sonho e mais deseja encaminharse para o lado espiritual. E a montra tem de ser o maravilhoso ilusionista o grande circo da rua, a tradução do conto de fadas das coisas reais – e por isso banais – da existência, condenadas ao tacto e ao gosto, os sentidos grosseiros da posse; o espectáculo óptico da poesia imaterial dos objectos inatingíveis que, justamente por isso, aspiramos a tocar com os nossos dedos cobiçosos. 108

Especula-se contudo, que já os romanos haviam deixado de herança em Portugal, na construção das suas casas típicas, algumas características essenciais para favorecer a importância da montra. Na fachada, o rés-do-chão diferenciava-se, havendo uma janela que se apoiava sobre uma pedra de granito, destacando-se como uma espécie de balcão, que serviria para expor artigos de comércio. Esboçar-se-iam assim as primeiras linhas da montra. Fig. 28 – Um café na EN207

107. Celestino Gomes, «A montra, factor social de cultura», in AAVV, Arquitectura, Ano XLII, nº 158, 3ª série, Janeiro 1950 108. Idem, Ibidem

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A montra existe para um género específico de comércio, já que certos ramos (como o vestuário, o mobiliário ou a decoração) podem tirar mais partido desta do que outros (como a restauração, as mercearias ou os talhos). Nos últimos, ela pode ser mais desprezada ou nem sequer existir. Na restauração a montra é muitas vezes substituída por grandes janelas, onde há uma relação directa entre interior e exterior. Esta conexão entre o espaço público e o espaço colectivo acaba por funcionar como um convite à entrada. Portanto, funcionalmente tem o valor de montra. O edifício montra109 é um tipo arquitectónico recorrente na cidade difusa, que podemos caracterizar como sendo a adaptação do edifício comercial tradicional (com montra no rés-do-chão) a este contexto – e consequentemente ao funcionamento automóvel (Figs. 29 e 30Fig. ). O edifício transforma-se todo numa montra, tendo como função exclusiva expor artigos. Consiste numa espécie de front-office da indústria, que funciona geralmente nas traseiras. Este tipo surge frequentemente aliado ao comércio de objectos de grande dimensão, apresentando essencialmente mobiliário e automóveis. Contudo, o comércio de automóveis na cidade difusa surge frequentemente sem edifício – os automóveis (piscinas, ou outro tipo de materiais) são simplesmente mostrados ao ar livre. É também a partir do desenvolvimento da venda ambulante de beira de estrada, que este fenómeno arquitectónico se inicia. O comércio na berma da via (de fruta e vegetais, assim como de outros tipos de artigos de alimentação) pode também evoluir para a construção de edifícios ou de estruturas temporárias para essa função.

5.3 Caracterização do fenómeno Os edifícios de venda de mobiliário implantados na EN207 apresentam uma configuração semelhante. Têm em comum o privilégio dado à fachada principal, em detrimento das outras. As fachadas laterais são maioritariamente empenas cegas (Fig. 31). Mesmo quando há janelas de lado, o tratamento decorativo é quase nulo em contraste com o tratamento da fachada principal, extremamente cuidado. Os méto-

109. João Cabral, Álvaro Domingues e Nuno Portas, Políticas Urbanas: tendências estratégias e oportunidades, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2003; Álvaro Domingues, «Novas paisagens urbanas», in Jornal Arquitectos, Janeiro a Junho de 2005; Álvaro Domingues (coord.), Cidade e democracia: 30 anos de transformação urbana em Portugal, Argumentum, Lisboa, 2006

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Fig. 29 – Edifício montra numa estrada mercado em Milão

Fig. 30 – Edifício montra na EN207 (em Paços de Ferreira)


Fig. 31 – Os alçados laterais são normalmente cegos

Fig. 32 – As montras prolongam-se por vários pisos

Fig. 33 – A fachada funciona como uma pele, tratada para a imagem exterior

dos construtivos são comuns: estruturas de pórticos, com pilares e vigas em betão armado e enchimento de paredes em tijolo. A imagem maciça de paredes com aberturas é sobretudo característica da área de habitação, enquanto que as zonas comerciais são vulgarmente tratadas com panos de vidro. Na habitação – a expressão fechada com janelas; no comércio – uma expressão rasgada e transparente. As alturas são constantes – entre 2 e 4 pisos. Não é propriamente pela altura que estes edifícios se destacam e demonstram a sua monumentalidade. Mas antes, pela forma, pela dimensão em largura, pela espectacularidade da construção. Alguns servem a mesma loja em 2, 3, ou 4 pisos, acentuando a fachada em vidro que atravessa todos os andares – exibindo as várias camadas de edifício como uma montra de vários níveis (Fig. 32). Os pés-direitos interiores são o standard (2,5 a 3 metros) e tira-se pouco partido das soluções de pés-direitos duplos, mezzanines, etc. Podemos perceber que há uma clara contradição entre exterior e interior, sobretudo nos edifícios com carácter mais espectacular. A imagem destes é, na maior parte das vezes, como uma pele (Fig. 33). Uma pele que cobre a fachada (com pouca correspondência com o interior) e que tende a ser ignorada nos outros alçados. Por muito trabalhado e original que seja o invólucro, o interior limita-se a ser um grande e amplo espaço expositivo. Depois de transposta a majestosa fachada principal (majestosa para uma simples loja de mobiliário) nada formal no edifício surpreende. Aqui, são os móveis que fazem a sua parte. Esta contradição entre o interior e o exterior relaciona-se com o poder simbólico e atractivo dos edifícios, com aquilo que são e aquilo que mostram ser – o que é do edifício e o que é da cidade. Venturi110 refere que a história da arquitectura está repleta de exemplos destes – onde o que é mostrado fora do edifício serve para fazê-lo dominar como marco urbano e para transformá-lo em comunicação ou mensagem. Ou seja, uma função urbana que remete para a sua relação com a cidade e com o território, e que extravasa de certa forma, os limites do edifício. A arquitectura, de uma forma ou de outra, é sempre dotada de algum simbolismo, seja ele intencional ou não. Quer se constitua como verdadeiro símbolo, ícone

110. Robert Ventiuri, Steven Izenour e Denise Scott Brown, Aprendiendo de Las Vegas – el Simbolismo olvidado de la forma arquitectónica, Editorial Gustavo Gili S.A., Barcelona, 2004 e Robert Venturi, Contradição e Complexidade em Arquitectura, Martins Fontes, São Paulo, 2004

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identificador (de determinada cidade, região ou país); quer se afirme como a materialização espacial de determinadas opções plásticas ou conceptuais; ou mesmo enquanto mera solução técnica ou funcional (para uma necessidade prática), ela está sempre disposta a simbolizar alguma coisa e a referir a algo. É isto que defende Venturi. E completa, afirmando que os arquitectos modernos querendo afastar-se de qualquer carga expressiva ou simbólica, opondo-se a procurar inspiração ou influência em atributos ou imagens exteriores e recusando aceitar o simbolismo expresso na sua própria arquitectura, estão apesar de tudo e inevitavelmente a comunicar. A intenção de fazer unicamente cumprir a função prática da arquitectura (funcionalismo) traduz, ainda que involuntariamente, a expressão plástica da tecnologia e da indústria da época: Os arquitectos modernos começaram a fazer da frente uma traseira (…) negando na teoria o que faziam na prática. (…) O menos pode ter sido mais, mas a secção em I das primeiras colunas antifogo de Mies van der Rohe, por exemplo, é tão complicadamente ornamental como as pilastras aplicadas sobre o pilar renascentista ou o fuste cortado no pilar gótico (na verdade menos era mais trabalho) (…) Se as ordens clássicas simbolizavam «o renascer da Idade Dourada de Roma», as modernas vigas em I representam «a honesta expressão da tecnologia moderna como espaço», ou algo parecido111

O que se pretende aqui é compreender como se enquadram no plano simbólico os edifícios comerciais que proliferam junto às estradas nacionais em Paços de Ferreira. O que se pretende comunicar? O que se comunica efectivamente? Que elementos se usam e que escolhas se fazem para veicular a mensagem? A arquitectura comercial, normalmente concebida por não arquitectos, assim como as questões simbólicas a ela associadas, foram amplamente estudadas por Venturi em 1977. A sua análise incidiu sobre Las Vegas – a capital das referências simbólico-arquitectónicas e da arquitectura da comunicação (a arquitectura como media). Defendemos que a arquitectura comercial, como a arquitectura em geral acusa sempre carga simbólica. No entanto, a primeira fá-lo de forma explícita, procurando promover uma ideia, impondo (às vezes de forma recambulesca) um diálogo. Para tal, serve-se normal-

111. Robert Ventiuri, Steven Izenour e Denise Scott Brown, Aprendiendo de Las Vegas – el Simbolismo olvidado de la forma arquitectónica, Editorial Gustavo Gili S.A., Barcelona, 2004 (tradução livre)

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Fig. 34 – Elementos simbólicos típicos da habitação unifamiliar da cidade difusa


mente de símbolos preexistentes que chamam a atenção e fundamentam a sua existência. Estabelece-se assim como referência simbólica no território.

Fig. 35 – Templo grego (em Agrigento, Sicília) – fonte de inspiração para estes edifícios

Fig. 36 - Edifício montra “Artesana” na EN207 (Paços de Ferreira)

Fig. 37 – Ópera de Paris

Fig. 38 – Edifício montra “Casa dos Arcos” na EN207 (Paços de Ferreira)

A estrada mercado, em particular a EN207 em Paços de Ferreira, está repleta de códigos de linguagem, de informação, de imagem, elementos que nos remetem para o tema da arquitectura como media e para as questões de marketing e publicidade – a arquitectura usada como meio de comunicação e também de sedução. Todos os edifícios desta estrada traduzem alguns referentes simbólicos, sendo que estes são extremamente díspares. A linguagem visual apresentada é extremamente flexível, inspirando-se ou copiando estilos arquitectónicos existentes (da arquitectura clássica ao neoclássico, do barroco ao contemporâneo), respondendo esteticamente à oferta do mobiliário correspondente (que abrange também todos os tipos e estilos possíveis) (Figs 35, 36, 37 e 38). A morfologia destes edifícios mostra-nos como a função comercial associada à vontade de comunicar pode estimular ao máximo a imaginação de quem constrói. Como referiu um dos empreendedores: “fazer um edifício como não há outro igual em toda a estrada”. Ou seja, erguer a Ópera de Paris e templos gregos, assumir o high-tech, o estilo envidraçado modernista, a intervenção com preservação e recuperação do património, o expressionismo, a arquitectura colonial ou a arquitectura contemporânea. É notável a diversidade e o ecletismo das imagens arquitectónicas presentes neste espaço. São fruto sobretudo dos últimos 20 ou 30 anos de construção e reflectem a pluralidade trazida pelo pós-modernismo onde tudo é permitido, tudo são estilos a utilizar (em qualquer altura e lugar) de uma forma completamente descomprometida. Abstém-se de pensar na tradição construtiva de uma época ou no lugar específico, usando assim uma linguagem arquitectónica deslocada e desenraizada temporal e geograficamente. É “usando e abusando” do simbolismo arquitectónico se faz esta estrada. A arquitectura ao serviço do comércio. O fabrico e comércio de mobiliário para o concelho, para todo o país e até para o estrangeiro (empregando a grande maioria da população do concelho) têm tal força que são eles que vão decidir o ordenamento do território, o desenho e a organização da arquitectura. Esta expressa aqui valores e objectivos do comércio e do mercado e não valores políticos ou religiosos como o fazia a arquitectura de outros tempos e outros lugares. A relação com a envolvente e a paisagem é assim dominada pela exuberância e pela concentração particular de edifícios comerciais. A estrada merca-

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do é um espaço urbano comercial, quase como uma espécie de centro comercial linear, exterior e alargado. Podemos destacar a diferença entre os edifícios comerciais de carácter local e os de carácter universal – os que são únicos e se afirmam como tal e os que são invariavelmente iguais e que se dispersam em várias localizações (Figs. 39 e 40). Destes últimos são exemplo: as bombas de gasolina, super e hipermercados, grandes armazéns ou lojas de artigos de vestuário, bricolage, lojas de fast-food, e até os bancos. Estes são feitos de forma a serem imediatamente reconhecidos, seguindo o mesmo esquema e até o mesmo projecto predefinido. Podemos encontrar em qualquer lado um drive-in ou uma estação de serviço, por exemplo, igual à que temos na nossa cidade. Usamo-los quando estamos numa cidade desconhecida sem necessitarmos verdadeiramente de “entrar” na cidade procurando perceber que tipo de estabelecimentos particulares tem, que tipo de alimentação em particular vende, como são os restaurantes dessa cidade. Encontramos em Paços de Ferreira alguns edifícios deste género, dos quais destacamos os super e hipermercados (Plus, Intermarché, Modelo, Lidl), as bombas de gasolina diversas, sucursais de todos os bancos portugueses (pois todos se encontram representados na cidade), a pastelaria Celeste, e algumas lojas de vestuário. Este tipo de edifício joga fortemente no campo do marketing, da publicidade e da sinalética mas diferenciando-se dos outros (que são maioritariamente os de venda de mobiliário). Pelo seu carácter global ou universal, ou seja, por se encontrarem representados globalmente (em diferentes cidades, às vezes até em todo o mundo) o seu factor de atracção reside na familiaridade e na sensação de conforto ou de estabilidade. Dizem: “nós também estamos cá”, garantindo um determinado tipo de serviço, de tratamento, etc. A sinalética torna-se fundamental para a orientação no espaço, sobretudo em situações de urbanização difusa espontânea (é naturalmente mais difícil encontrar edifícios que estão espalhados pelo território). Nestes casos é comum não haver uma lógica aparente ou razão de ser organizativa que decida a localização dos edifícios de comércio ou serviços. A sinalética é, portanto, um importante elemento de estudo e reflexão para este tipo de trabalho. Funciona por vezes a distâncias incríveis, quando usada a altura elevada, dando-nos a orientação não por sinais direccionais com o sentido e a distância, mas sendo ela a própria marca do sítio. Por vezes, faltam mesmo elementos de referência ou orientação em termos de paisagem ou urbanismo, e

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Fig. 39 – Edifício de carácter local

Fig. 39 – Edifício de carácter local

Fig. 40 – Edifício de carácter global

Fig. 41


Fig. 42 – Sinalética sobre o edifício

Fig. 43 – Publicidade nos veículos

toda esta massa mista de urbanização e espaço livre nos parece infinitamente constante, igual e indiferenciada: “Se prescindimos do anúncio, ficamos sem lugar”.112 A sinalética é assim, por vezes, a única salvação para a orientação. Pode também acontecer o contrário – a sinalética toma o lugar desses outros elementos na nossa memória, e já não olhamos para eles para nos orientarmos. Na cidade difusa, há normalmente dificuldade em explicar um percurso que era simples na cidade compacta (segunda à direita, primeira à esquerda, etc.), pois as vias raramente são perpendiculares, muitas vezes não têm nome ou não é conhecido (por exemplo). A forma de referenciar no espaço não é a mesma da cidade tradicional, funcionando mais por zonas, lugares e elementos particulares de orientação (um nó de auto-estrada, um elemento marcante) e menos por ruas e números de porta. A própria forma de indicar um endereço publicamente (por exemplo a nível comercial) complica-se. Aquilo que antes era simples – o nome da rua e o número da porta – já não funciona e é necessário recorrer a esquemas gráficos. Chega mesmo a ser usada em anúncios, a fotografia do edifício – cuja imagem pode ser de tal forma poderosa que, acompanhada pelo nome da localidade ou lugar, é suficiente para substituir um endereço convencional. A internet é consecutivamente referida nas indicações publicitárias, ainda que estas possam ser colocados precisamente em frente ao edifício. A sinalética aparece-nos no espaço em estudo com configurações diferentes. É quase sempre colocada de forma perpendicular à estrada podendo variar do tamanho mínimo visível ao tamanho máximo – o outdoor. Há também muitos casos de sinalética colocada no próprio edifício: na fachada principal paralelamente à estrada, aplicada na parede lateral (a maioria das vezes, como já referido, cega), ou então sobre o próprio edifício, na cobertura. A maioria das intervenções publicitárias refere-se de forma diversificada ao móvel e à sua comercialização. Podemos no entanto constatar a existência de outros anúncios, essencialmente mais simples (a cafés, a reparações automóveis, a estofos, a floristas). Os veículos de transporte do mobiliário são também utilizados como sinalética (Fig. 43).

112. Robert Ventiuri, Steven Izenour e Denise Scott Brown, Aprendiendo de Las Vegas – el Simbolismo olvidado de la forma arquitectónica, Editorial Gustavo Gili S.A., Barcelona, 2004 (tradução livre)

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A sinalética existente na via em estudo foi organizada em cinco tipos: sinalética perpendicular à via, sinalética paralela à via, sinalética sobre/no edifício, sinalética de proximidade (aquela que publicita uma determinada loja, não se encontrando junto a ela, mas fazendo referência ao endereço, sítio ou direcção) e outras sinaléticas que não de mobiliário. Do levantamento efectuado na EN207 podemos tirar algumas conclusões. Ela distribui-se de uma forma bastante contínua ao longo da via, tendo no entanto intervalos e também alguns pontos de concentração ou de reforço. A que é específica do mobiliário tem mais presença perpendicular à via, sendo que a menos comum é paralela à via. Isto é facilmente compreensível pelo facto de a sinalética perpendicular ter uma eficácia muito maior para quem circula (e a procura), ainda que a paralela possa funcionar também pelas inúmeras curvas e contracurvas da via que permitem que aquela seja melhor percepcionada quando nos encontramos inclinados em relação à mesma. A maioria da sinalética – de mobiliário ou não – é colocada preferencialmente de forma perpendicular ao troço da via onde se encontra. Podemos verificar que há bastante sinalética deslocada não sendo no entanto tanta como a colocada in situ. Aquela que está no próprio edifício é frequente, aproximando-se mesmo à quantidade de sinalética na via in situ (paralela e perpendicular). Ou seja, regra geral, a maioria das lojas tem os dois tipos de anúncio (no edifício e paralela/perpendicular). Podemos também perceber que a sinalética não destinada ao mobiliário está presente, igualando-se praticamente em número aquela que é relativa a esta actividade (paralela, perpendicular, distanciada do edifício e no edifício). A publicidade é também usada em meios móveis, como os veículos de transporte de mobiliário (fig. 16). Os diferentes tipos de sinalética estão distribuídos de uma forma relativamente uniforme ao longo do eixo, havendo no entanto alguns momentos em que se concentram. Na entrada oeste, no centro urbano, na EN209 (a norte em torno de um hipermercado, estação de serviço e grande armazém de bricolage) predomina sobretudo a não destinada ao mobiliário. Junto ao centro doMóvel percebe-se a aglomeração de praticamente todos os tipos de sinalética acima descritos. Relativamente a esta questão, é interessante consultarmos a legislação que se aplicava às estradas nacionais (como estas) até há pouco tempo (já que estas são agora responsabilidade das autarquias) – Decreto-Lei 13/71:

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Figl. 44 – sinalética perpendicular e paralela à via

Fig. 45 – Sinalética de proximidade



Artigo 8º (Proibições em terrenos limítrofes da estrada) 1. É proibida a construção, estabelecimento, implantação ou produção de: (…) f) Tabuletas, anúncios ou quaisquer objectos de publicidade com ou sem carácter comercial, a menos de 50m do limite da plataforma da estrada ou dentro da zona de visibilidade, salvo que no que se refere a objectos de publicidade colocados em construções existentes no interior de aglomerados populacionais e, bem assim, quando os mesmos se destinam a identificar instalações públicas ou particulares113

Podemos facilmente verificar que esta norma não foi minimamente respeitada pois toda a sinalética se encontra na proximidade imediata da via, normalmente no limite do espaço privado com o público. O resultado de toda esta situação é visualmente caótico (Fig. 46). Os painéis publicitários acotovelam-se uns aos outros, cada um tentando chamar mais a atenção, e os edifícios fazem o mesmo – reclamando com a arquitectura aquilo que eventualmente não conseguem atingir com o simples reclamo (fig. 17). Esta espécie de caos visual é típica de uma situação de mercado linear ao ar livre. Mas ao contrário do que acontecia no strip (em Las Vegas), aqui não temos elementos estruturadores públicos (iluminação, separador central e passeios) que contraponham uma certa ordem ao caos, produzido pelos elementos que pertencem ao investimento privado (edifícios e painéis), a não ser a própria via (e alguns postes de iluminação, que no entanto não chegam a dar uma ideia de continuidade, ritmo e estrutura) (fig. 47). A questão do caos e da ordem é fundamental sobretudo em contexto de cidade difusa. Sendo que a maioria deste tipo de cidades em Portugal foi feita de forma espontânea, ou seja, sem praticamente nenhum tipo de planeamento (à excepção de alguns regulamentos existentes como o referido anteriormente para as Estradas Nacionais e o RGEU), elas reflectem uma espécie de caos organizado, em que as iniciativas individuais parecem constituir a única razão de desenvolvimento do todo do território. Quando há algum tipo de intervenção planeada no território, não estamos no âmbito da iniciativa individual, mas daquilo que é comum a todos, e portanto, do âmbito público. É neste plano que pode existir algum contraponto ao

113. Ministério das Obras Públicas, Gabinete do Ministro, Diário da República, , Decreto-Lei n.º 13/71, 23 de Janeiro

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Fig. 46 – Entropia visual causada pelo excesso de sinalética

Fig. 47 – Strip de Las Vegas: a iluminação pública regrada serve de contraponto à confusão visual causada pela sinalética


Fig. 48

Fig. 49

Fig. 50

desenvolvimento espontâneo do privado, que o equilibre, seja através do desenho do espaço público, seja da regulamentação das construções e dos espaços privados. O espaço público aqui, não está praticamente desenhado ou decidido. Aquilo que desenha este território, particularmente a estrada comercial, são as leis do mercado e a iniciativa privada. Assim, se temos uma arquitectura comercial numa cidade comercial, o principal objectivo ou função desta é, obviamente, a atracção e a sedução do potencial comprador. Ela quer, não só mostrar o mobiliário a quem passa, mas também (e porque é difícil sobretudo com tantas lojas e à velocidade de um automóvel ver o interior das montras) jogar, de forma eficaz, com os referentes simbólicos do cliente, enquanto ele se encontra dentro do automóvel. A visibilidade e a preponderância do edifício tornam-se fundamentais. Dependem de uma série de factores, dos quais se destacam três: a sinalética, a forma (no extremo, os edifícios que se constituem eles próprios como um tipo especial de sinalética) e a localização. Porquê diferentes tipos e sobretudo tantas formas de edifício (Figs. 48, 49 e 50), sendo que todos respondem à mesma e simples função – venda de móveis? Para quê tantas formas para uma só função? Não haverá então, uma contradição entre forma e função nestes edifícios? Aparentemente sim, pois as mais diversas formas cumprem todas a mesma simples função. No entanto, esta é algo complexa e dificilmente se rege por regras básicas, objectivas, elementares e, sobretudo, imutáveis. Na verdade, o comércio é tudo menos fixo. O mercado está em constante flutuação, a bolsa sobe e desce, os mercados globais são influenciados por todo o tipo de acontecimento a nível internacional, todos os dias se inventam produtos e novas necessidades. Portanto estimular o consumo é algo que requer alguma imaginação, e estudo da situação concreta. A função que os edifícios desempenham é essencialmente simbólica e de sedução, o que, associado ao factor de concentração (carácter mono comercial da estrada) despoleta uma forte competitividade entre comerciantes. Toda a imaginação destes é utilizada para a composição da imagem e atractividade dos edifícios. Podemos então dizer, que a diversidade formal é fruto exclusivo da função, que a forma segue a função. A arquitectura compromete-se com o empirismo e responde a critérios estéticos mainstream, usando-os para atrair comercialmente. Alguns edifícios nesta estrada mercado usam e abusam dos meios disponíveis, ambicionando serem os mais apelativos. Tornam-se de tal forma poderosos simbolicamente e na relação com o territó-

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rio, que se transformam naquilo a que Kevin Lynch chama de “elementos marcantes”114 (Fig. 51). Ou seja, passam a ser referências espaciais na cidade – dão identidade aos lugares, orientam e chamam. Destes decidimos destacar alguns, aqueles que de forma mais empenhada cumprem este papel (ver próximo capítulo). Os que criam pontos específicos no espaço fluído, momentos diferentes. Estes edifícios convertem uma área aparentemente homogénea em algo relativamente estruturado. O impacto deles é de tal forma significativo que, além de funcionarem como pólos de atracção comercial, chegam mesmo a configurar-se como referências na via – estruturando-a, ajudam à orientação. Tal como acontece com a sinalética, o excesso de comunicação arquitectónica provoca efeitos de entropia. Em vez de haver informação e comunicação, as mensagens sobrepõem-se, enchendo o espaço e criando não símbolos mas um padrão único. A expressão do edifício (tal como o cartaz ou o reclame) torna-se ineficaz. A quantidade e diversidade de formas e estilos arquitectónicos, associada a toda a sinalética formam uma verdadeira explosão visual. Este excesso de simbolismo e de comunicação reflectem as características da cidade (não só difusa) e da sociedade contemporânea. O extremo existe quando o edifício se transforma ele próprio num sinal, num veículo de transmissão de mensagem. Quando a arquitectura é usada como media. Assim, sobretudo em situações de estrada mercado, o símbolo, mais que a forma, domina o espaço. Apresenta-se como painel publicitário, indicação de direcção, ou mesmo como edifício – «edifício-anúncio». Vivemos aqui, muitas vezes, o referido efeito de entropia. Venturi115 refere como exemplo máximo do uso da arquitectura enquanto meio de comunicação, o caso do edifício de venda de pato (“The Long Island

114. “Os elementos marcantes, pontos de referência considerados exteriores ao observador, são simples elementos físicos variáveis em tamanho. Para aqueles que conhecem bastante bem uma cidade, está comprovado que os elementos marcantes funcionam como indicações absolutamente seguras do caminho a seguir – a especialização e a originalidade passam, agora, para primeiro plano” (…) Uma vez que o uso de elementos marcantes implica o isolamento de algo de uma série de possibilidades, a característica-chave destes é a originalidade, um aspecto que é memorável ou único num contexto. No caso de terem uma forma clara, os elementos tornam-se, ainda, mais fáceis de identificar; isto verifica-se, igualmente, quando contrastam com o cenário de fundo ou se localizam espacialmente num local predominante. O contraste com as formas do cenário parece ser o mais importante. O fundo no qual ou do qual um elemento se ergue não necessita de ser limitado aos seus arredores imediatos (…) O domínio espacial pode causar elementos marcantes de duas formas: tornando um elemento visível de muitos outros pontos (…), ou criando um contraste local com os elementos circundantes, isto é, sendo uma variante em altura ou constituição.”, Kevin Lynch, A imagem da cidade, Edições 70, Lisboa 1982 115. Robert Ventiuri, Steven Izenour e Denise Scott Brown, Aprendiendo de Las Vegas – el Simbolismo olvidado de la forma arquitectónica, Editorial Gustavo Gili S.A., Barcelona, 2004

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Fig. 51 – A força visual do edifício montra isolado no espaço livre


Fig. 52 – The Long Island Duckling, em Las Vegas

Fig. 53 – A estrada montra

Duckling”) em Las Vegas que é, na verdade, um pato gigante (fig. 52). A montra sai do seu caixilho rectangular para o espaço, estendendo-se às imagens publicitárias (em painéis), ao próprio edifício (como um produto a vender) e à sua envolvente. Assumindo-se como media, a arquitectura manifesta-se pela utilização do edifício como painel publicitário e pela própria concepção do edifício e da sua forma (pensada num sentido puramente comercial e expositivo). Tudo é comunicação, portanto, tudo é: montra e publicidade, sedução e marketing. A estrada mercado, ou via comercial, que é espaço de mostra e compra de mobiliário, também funciona assim. É uma montra, um grande expositor, onde os edifícios se mostram, chamam, tentam apelar o consumidor que percorre a estrada (como se fossem eles próprios o produto a vender). Mais do que a estrada mercado passamos a ter a «estrada-montra» onde a imagem é fundamental (Fig. 53), como aliás na cidade e na sociedade contemporânea em geral (expressão da sociedade do consumo). A localização dos edifícios na estrada é fundamental, é um dos factores mais relevantes em todo o processo de sedução comercial. Casual ou intencional, a localização do edifício em relação à estrada, e portanto aos dois enfiamentos visuais possíveis (num sentido ou noutro), é essencial e vai fazer parte do sucesso e visibilidade do mesmo. Podemos assim afirmar que os edifícios que têm maior visibilidade e capacidade de atracção são aqueles que se encontram em posições que surgem no centro da perspectiva do enfiamento de uma rua, posição obtida pelas constantes curvas e contracurvas da estrada. Ou seja, é nas charneiras das curvas que se localizam estrategicamente os melhores lugares para construir um edifício deste tipo (apesar de que quem os construiu possivelmente não soubesse disso). A rua comercial sai assim beneficiada com o desenho herdado da antiga estrada que, contrariamente à strip de Las Vegas e outras estradas do mesmo género (relativamente rectas), é extremamente ondulado. A acentuada indiscrição e a grande distância de alcance visual destes edifícios permite que, sempre que há uma curva, seja possível limparmos a nossa imagem mental e voltarmos a centrar o enfiamento noutro edifício. É interessante verificar a relação entre os edifícios especiais (aqueles que funcionam como elementos marcantes) e as curvas da estrada. Podemos quase afirmar que a cada alteração no percurso da via (curva ou contracurva) nos aparece uma construção marcante. Estas necessitam de espaço para funcionar e por isso se separam. Comprova-se que estes edifícios só poderiam existir num tipo de cidade como este

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(se os concentrássemos todos perdia-se o impacto) e explica-se o funcionamento da cidade difusa como uma espécie de alargamento da cidade tradicional. É de referir outro privilégio na localização dos estabelecimentos comerciais (para além da relação com as curvas da estrada) - a sua posição em relação ao resto do território. Destacamse: a proximidade ou distanciamento do centro urbano, a sua posição na estrada (inicial ou final - o primeiro a aparecer num ou noutro sentido) e a proximidade aos nós da malha arterial (vias rápidas ou auto-estradas). Nos edifícios com maior capacidade de atracção, podemos destacar um tipo específico – o que cumpre a função de porta. Há dois edifícios que parecem beneficiar desta característica, em duas das estradas nacionais concorrentes no concelho. O primeiro (Fig. 54) encontra-se no início da EN207, na chamada “Porta da Capital do Móvel”, que é o acesso para quem entra na cidade pelo antigo percurso (Serra da Agrela) e para quem usa o recentemente aberto IC25 e sai no primeiro nó da cidade (Nó de Seroa). O segundo (Fig. 55) encontra-se na EN209, junto a um outro nó do IC25 (Nó de Paços de Ferreira Oeste), e serve assim de porta de entrada: na cidade, na estrada mercado EN209 (que começa também a formar-se) e também na estrada mercado EN207 (uma vez que a primeira faz precisamente o percurso deste nó do IC25 à segunda)116. É de assinalar que outra localização interessante para a construção de um destes edifícios é precisamente a intersecção entre as duas estradas nacionais. Sem dúvida, um ponto importante na cidade, tal como é o cruzamento de duas ruas, alamedas, ou avenidas, na cidade compacta. E como na cidade compacta, o gaveto (por se encontrar no cruzamento) é um ponto fulcral para localização de actividades comerciais117. O cruzamento constitui-se, na cidade difusa, como um momento importante, local estratégico, instante de desaceleração, onde a atenção é redobrada e somos obrigados a reflectir e decidir. Para além disso é também um referente de orientação no território, um ponto importante num espaço marcado sobretudo por vias.

116. “ (…) As vias, que são dominantes em muitas imagens individuais, e que podem ser a fonte principal de organização à escala citadina, têm relações íntimas com outros tipos de elementos. Nós de junção ocorrem automaticamente em intersecções de maior importância e em terminais e, através da sua forma, deveriam reforçar os momentos críticos de um percurso. Estes nós, por sua vez, não só são reforçados pela presença de elementos marcantes (…), mas chamam a atenção para tais marcas neles existentes. De novo as ruas adquirem identidade e movimento, não só pela sua própria forma ou pelas junções nodais mas devido às regiões pelas quais elas passam, aos limites ao longo dos quais elas se estendem e aos elementos marcantes distribuídos pela sua extensão.”, Kevin Lynch, A imagem da cidade, Edições 70, Lisboa 1982 117. “Um elemento marcante pode ser reforçado através da sua localização num cruzamento, onde as pessoas possam ser obrigadas a tomar decisões acerca de qual o percurso a seguir”, Idem, Ibidem

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Fig. 54 – Um dos edifícios que cumpre a função de porta

Fig. 55 – O outro edifício que cumpre a função de porta


Fig. 56 – A igreja visível a grande distância

Fig. 57 – O estacionamento no recuo do edifício, normalmente inclinado

Há outros edifícios que, não tendo a função de venda de móveis também se destacam visualmente, tirando partido dos processos referidos. É o caso de algumas igrejas, das quais se destaca uma particularmente eficaz porque tem um raio de visibilidade enorme, graças à sua forma algo anómala e à grande torre que possui (Fig. 56). O posicionamento dos edifícios face à estrada é semelhante: todos recuam para permitir o espaço para o estacionamento. Este recuo, que anda à volta dos 12 metros, é também consequência de uma imposição legal. O Decreto-Lei 13/71, aplicava-se às estradas nacionais como esta, que agora são da responsabilidade das autarquias, mas ao qual todas as construções com alguns anos de existência, ainda foram submetidas. Diz o artigo 8º que: É proibida a construção, estabelecimento, implantação ou produção de: (…) Edifícios a menos de 20m, 15m, 12m ou 10m do limite da plataforma da estrada, consoante esta for, respectivamente, internacional, de 1ª, de 2ª ou de 3ª classes ou dentro da zona de visibilidade; e) Instalações de carácter industrial, nomeadamente fábricas, garagens, armazéns, restaurantes, hotéis e congéneres e, bem assim, igrejas, recintos de espectáculos, matadouros e quartéis de bombeiros a menos de 70m e 50m do limite da plataforma da estrada, consoante esta seja ou não estrada internacional, ou dentro das zonas de visibilidade118

Sendo esta estrada considerada de 2ª classe, todos os edifícios teriam de se afastar pelo menos 12 metros. O espaço obtido com o recuo é inclinado (subindo a partir da estrada para o edifício), normalmente na perpendicular, existindo por vezes, algum espaço de passeio entre o estacionamento e a montra, propriamente dita (Fig. 57). O estacionamento é simbolicamente importante, pois ele é como que um convite à entrada, e por isso se situa na frente e nunca nas traseiras. Da sua importância deduz-se também o seu carácter funcional, pois o estacionamento faz-se da forma mais fácil de todas: é só curvar e parar. Nem sequer é necessário que o veículo fique correctamente colocado no lugar, porque raríssimas são as vezes em que há lugares desenhados. Ou seja, estaciona-se onde e como se quer (paralelamente à via, na per-

118. Ministério das Obras Públicas, Gabinete do Ministro, Diário da República, Decreto-Lei n.º 13/71, 23 de Janeiro

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pendicular ou na oblíqua), porque nunca há falta de espaço de estacionamento. Este está sempre em excesso, ao contrário daquilo que acontece na cidade compacta. A área em frente ao edifício serve também para parar temporariamente e em certa medida ela complementa funcionalmente a estrada (demasiado estreita para mais que uma via em cada sentido). Constitui-se como um espaço privado de uso colectivo. Este complemento à via é essencial ao funcionamento da cidade difusa em automóvel individual. Ela não existiria sem uma confortável utilização deste. É de notar que, praticamente em todos os casos, esta faixa de estacionamento tem uma largura superior a 5 metros (convencionados para o efeito), atingindo os 7 ou 8 e mais raramente os 10 metros, mesmo que os lugares estejam marcados no solo. Isto significa que este espaço é feito intencionalmente assim, ou seja, é premeditadamente pensado como espaço sobrante para permitir as mais diversas utilizações rodoviárias. Note-se também que, nas raras zonas em que há passeio materializado em frente a uma loja e junto à via (com diferença do tipo de pavimento e de nível), o recuo existe na mesma e o estacionamento faz-se após o passeio (havendo uma rampa em toda a frente do edifício). Mas na maioria dos casos este entra dentro do espaço de recuo do edifício contornando-o, e deixando junto à estrada o acesso e estacionamento automóvel. Há também alguns casos em que é construída uma via paralela interna, para o acesso ao estacionamento se fazer de forma mais cómoda e recatada (fig. 58). O espaço do lote em frente ao edifício e à via (sendo privado) apresenta-se como uma membrana119 que separa o espaço público do privado e que tem um estatuto eminentemente ambíguo. (fig. 59 e 60). É um espaço fundamental. Nenhum comerciante procura separar completa e fisicamente o espaço administrativamente público do privado. A diferenciação é feita de forma mais discreta, através de certos objectos (canteiros, muretes, etc.). Pretende-se dizer que aquele espaço não é propriamente privado, é oferecido ao cliente como espaço de estacionamento e recepção. Por vezes é necessário separar este espaço colectivo da entrada da habitação (que existe por cima do edifício). Para isso utiliza-se a mesma estratégia de indução sem proibição.

119. Álvaro Domingues (coord.), Cidade e democracia: 30 anos de transformação urbana em Portugal, Argumentum, Lisboa, 2006

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Fig. 58 – Solução com via interior para o estacionamento

Fig. 59 – A membrana que faz a transição do exterior para o interior

Fig. 60 – A membrana pode servir para filtrar a entrada para a habitação


Indica-se, informa-se, indicia-se, mas nunca se impede (com o mesmo tipo de objectos é feita a separação entre entrada da loja e entrada da habitação). Para além deste espaço, há ainda outro, entre a via e a limitação do lote (que não faz parte do lote). É público, mas não faz parte da estrada, vulgarmente chama-se berma. Não apresentando características de passeio nem de estrada, com cerca de 2 a 3 metros de largura, é muitas vezes caracterizado por uma diferença de material, apesar de se encontrar normalmente à mesma cota da estrada. Por vezes não há qualquer diferenciação de materiais, outras vezes há passeio. Este espaço é deixado um pouco ao livre arbítrio, à espontaneidade própria do crescimento e funcionamento deste tipo de cidade. Quanto ao resto do espaço do lote, é normalmente ajardinado sendo por vezes fechado.

Fig. 61 – A estrada mercado utiliza-se dentro do automóvel

É necessário perceber a evolução da rua comercial até ao formato aqui estudado, para compreendermos as diferentes escalas existentes. A rua comercial é um tipo clássico que existe desde as cidades antigas. Na Idade Média, por exemplo, tínhamos mesmo ruas comerciais especializadas em certo tipo de comércio (rua dos caldeireiros, rua dos ferreiros, etc.). Venturi120 faz uma análise que abarca a evolução urbana desde o bazar do Próximo Oriente até à auto-estrada comercial de Las Vegas. Ele diz que o bazar não tem sinais e que a strip é praticamente um sinal. No bazar a comunicação funcionava por proximidade, os compradores chegavam, sentiam o cheiro dos produtos e o vendedor persuadia-os oral explicitamente. Nas estreitas ruas medievais, havendo já sinais, a indução era conseguida pela visão dos produtos. Na estrada mercado o alcance visual dos produtos é difícil e foi substituído por uma nova forma de apelar ao consumo (dos automobilistas) através dos sinais publicitários perpendiculares à estrada e da forma do edifício. É curioso pensarmos que, da estrada, dentro do automóvel (forma supostamente adequada para a utilização deste grande espaço viário-comercial), é impossível ver o interior das montras (Fig. 61), pelo que temos que estacionar e sair do veículo para o podermos fazer (daí não faltar espaço de estacionamento em toda a via, sendo que quase todas as lojas o pos-

120. Robert Ventiuri, Steven Izenour e Denise Scott Brown, Aprendiendo de Las Vegas – el Simbolismo olvidado de la forma arquitectónica, Editorial Gustavo Gili S.A., Barcelona, 2004

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suem). Há assim duas escalas em confronto – a escala do peão para a qual são feitas as montras (mas sendo praticamente impossível percorrer a estrada a pé) e a escala do automóvel. Podemos dizer que enquanto que a montra funciona para a primeira escala (peão), a pele dos edifícios e a sinalética funcionam para a segunda (do automóvel). No entanto, a dimensão do peão não é pensada em continuidade. O passeio existe em frente a um edifício mas não em frente ao próximo, ainda que no seguinte volte a aparecer. Isto significa que o passeio tem aqui uma função de complemento do automóvel, ou seja, serve para o deslocamento deste até o edifício, e fundamentalmente para o visionamento da montra. E é a estas duas escalas que a circulação funciona, complementando-se. A escala do automóvel alarga a dimensão dos espaços (também entre os edifícios) de tal forma que para ir de uma loja à seguinte temos necessariamente que o utilizar. Se tivermos em atenção os diferentes tempos de cidade possíveis de percepcionar no edificado, assim como as condições de permanência e mudança, percebemos que está ainda bem presente o passado rural deste território (e as edificações relacionadas com esse passado). Isso é perceptível nos tipos e na idade de alguns edifícios, que datam da pré-industrialização do concelho que contrastam com a ocupação contemporânea (fig. 63). Toda a construção ligada ao comércio de mobiliário, sobretudo os típicos edifícios montra, é de um período temporal muito próprio e apertado. Datam do boom desta actividade (década de 80) e do emergir da cultura pós-moderna (na arquitectura e noutras áreas). Existem também várias moradias unifamiliares (fig. 62), datadas desde a década de 80 até hoje. A via diz-nos claramente qual a idade de cada troço. O tempo está patente nos constantes alargamentos e estreitamentos que vai tendo. Ao aparecimento das lojas montra correspondem zonas mais largas e, logo, mais recentes. Ao edificado mais antigo, equivalem zonas mais estreitas. Os edifícios unifamiliares, mesmo os mais recentes, recuam (como é regulamentado pela legislação) mas não partilham o alargamento com a via. Este espaço excepcional além de privado (normalmente jardim) é fechado por muro ou grades. Podemos então, resumir que: as várias preexistências rurais e as moradias mais antigas localizam-se em grande proximidade com a via (seja do edifício seja do muro delimitador de propriedade). Nestas zonas a estrada muitas vezes não tem mais de 6

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Fig. 62 – A habitação unifamiliar típica

Fig. 63 – Edifício montra antes da intervenção na fachada

Fig. 64 – O mesmo edifício algum tempo depois


metros, sem passeios, ou com passeios muito estreitos, sendo completamente diferente das outras zonas. Às (relativamente) recentes construções habitacionais, comerciais ou mistas, corresponde um alargamento da via. Estes dois momentos (alargamento e afastamento) estão distribuídos de uma forma regular e, portanto, alternada ao longo da via. Em relação às condições de permanência e à velocidade de transformação deste espaço, verifica-se que a função comercial exige uma constante actualização sob a pena de se tornarem ultrapassados (fig. 63 e 64).

5.4 Classificação tipológica Foram localizados 146 edifícios de venda de mobiliário, ao longo das três estradas nacionais. Excluiu-se do estudo a zona do centro urbano porque esta situação (cidade compacta) não comporta edifícios montra. Previamente à determinação dos tipos, fez-se uma análise transversal de todos os edifícios, utilizando os seguintes critérios: forma em planta, direcção em relação à via, largura do alçado da rua, profundidade do edifício e distância à mesma. As plantas foram catalogadas em 3 formas básicas – quadrado, rectângulo e quadrilátero irregular. Algumas porém têm formas mais complexas e nesses casos procurou-se determinar se eram simplificáveis a alguma forma básica – quadrilátero, triângulo ou L. As formas mais complexas e de difícil simplificação, foram colocadas num parâmetro à parte. Obtiveram-se assim 7 categorias de formas: Regular – Quadrado Regular – Rectângulo Irregular Forma irregular simplificável a quadrilátero Forma irregular simplificável a triângulo Forma irregular simplificável a L Forma Irregular Quadrilátero

Tabela 1 – Classificação das formas dos edifícios

Distribuindo os edifícios por estas categorias, podemos retirar algumas conclusões acerca das suas formas. No quadro seguinte verificamos que a forma mais presente é a irregular simplificável a quadrilátero, seguida pela forma rectangular pura.

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Podemos também concluir que 79% dos edifícios têm planta quadrilátera, ou aproximada a tal. %

Quadrado Rectângulo Quadrilátero irregular Forma irregular simplificável a quadrilátero Forma irregular simplificável a triângulo Forma irregular simplificável a L Forma irregular

8 36 16 56 4 9 17

5 25 11 38 3 6 12

79

21

Tabela 2 – Classificação dos edifícios segundo a forma (quantidades e percentagens)

Para estudar a direcção em relação à estrada, os edifícios foram organizados em 4 tipos diferentes: os que são paralelos; os que são perpendiculares; aqueles que, estando alinhados pela estrada têm uma planta central (aproximada ao quadrado) e são simultaneamente perpendiculares e paralelos; e aqueles que se encontram entre o perpendicular e o paralelo, que simplificando se catalogou como posicionados a 45 graus. %

Paralelo à estrada Perpendicular à estrada Sem direcção preponderante (bloco centralizado) 45 graus

75 27 30 14

51 18 21 10

Tabela 3 – Classificação dos edifícios segundo a direcção (quantidades e percentagens)

Podemos concluir que mais de metade dos edifícios (51%) se coloca paralelamente à estrada, o que se explica pelo facto de serem edifícios expositores – faz todo o sentido aproveitarem a maior quantidade de alçado possível exposto. Seguindo-os em número temos os edifícios de planta centralizada (21%). Conclui-se que a maior parte dos edifícios tem uma forma aproximadamente quadrilátera e se coloca paralelamente à via. Os edifícios de venda de mobiliário foram inicialmente organizados em famílias tipológicas de uma forma intuitiva, e mais tarde de uma forma sistematizada. Esta é uma organização não só funcional mas também morfológica e simbólica. Parte da adaptação do tipo tradicional de moradia unifamiliar (vulgarmente chamada de

118


vivenda) em que o primeiro piso é transformado em espaço comercial de mobiliário, eventualmente com pequena indústria atrás. E tem como ponto de chegada o grande edifício autónomo de comercialização de mobiliário. Autónomo na morfologia (falta de conexão ou colagem aos edifícios envolventes) mas também na imagem e referentes simbólico-visuais que o compõem. Foi a partir do estudo destas famílias tipológicas iniciais que se organizaram os edifícios em tipos e subtipos. Não constituindo necessariamente uma evolução cronológica (ainda que não esteja distante disso), a sequência de famílias tipológicas responde a uma evolução do tipo que é paralela à evolução do modelo de loja e do sistema de produção-comercialização. Compreendem-se aqui os seguintes edifícios: a pequena loja familiar por baixo da habitação (com fábrica por trás), a grande superfície comercial que não fabrica e a grande superfície comercial que fabricando (com ou sem indústria na proximidade – concelho ou país) pode ou não comercializar mobiliário de outras indústrias nacionais (do concelho, região ou país) ou estrangeiras. Entre estas situações há todas as intermédias e as mistas. Atendendo à distinção de Panerai121 (entre “tipos consagrados” e “elementos tipificados”) podemos enquadrar estes edifícios dentro dos “tipos consagrados”, uma vez que são fruto de um acordo espontâneo entre os sujeitos envolvidos na construção – ligados a uma cultura específica e apoiados pelo consenso social. Não são portanto estabelecidos por uma cultura erudita, nem impostos previamente, são produto de um conjunto de circunstâncias e condicionantes. Objecto de propagação de proximidade, respeitando apenas uma regulamentação simples (RGEU e DL-13/71). Foi com base na análise dos “tipos consagrados” que se desenvolveu o diagnóstico, aqui apresentado, e se definiram as características dos tipos. Para uma organização completa e sistemática destes definiu-se, antes de mais, quais os parâmetros a usar. Estes são três: a morfologia, a função e a imagem:

121. Philippe Panerai, Jean-Charles Depaule, Marcelle Demorgon e Michel Veyrenche, Eléments d’analyse urbaine, AAM Editions, Bruxelles, 1980

119


MORFOLOGIA

FUNÇÃO

Edifício isolado no lote Edifício em barra (2 empenas) Mista (habitação e comércio)

Unifamiliar Plurifamiliar

Comercial

IMAGEM

Vivenda Prédio de habitação tipo “urbano” Armazém/expositor/edifício comercial Espectacular

Tabela 4 – Parâmetros para a definição dos tipos

Depois da observação e do levantamento, organizaram-se os edifícios segundo os parâmetros anteriores. Chegou-se à conclusão que existem três tipos de raiz. O primeiro (tipo 1) define um edifício morfologicamente isolado no lote. Os outros dois (tipos 2 e 3) apresentam-se em barras contínuas (com algumas excepções no tipo 3). Funcionalmente os tipos 1 e 2 têm uma utilização mista (habitação e comercio) e o último define edifícios contentor, destinados exclusivamente ao comércio e exposições. Quanto à imagem: o tipo 1 representa edifícios com aparência de moradia unifamiliar (Fig. 65), o tipo 2 de prédio urbano (Fig. 66) e o tipo 3 de edifício comercial (Fig. 67). Sintetizando: no tipo 1 colocámos os edifícios morfologicamente isolados no lote, que servem a habitação unifamiliar e que têm aparência de moradia típica de urbanização difusa; no tipo 2, os edifícios em barra, com função de habitação colectiva e que se apresentam como prédios de apartamentos; no tipo 3, os edifícios em barra (com excepções), que funcionam para o comércio de mobiliário e cuja imagem é de edifício comercial (pode ir do neutro ao espectacular).

120

Fig. 65 – Tipo 1

Fig. 66 – Tipo 2


TIPO 1

TIPO 2

TIPO 3

Morfologia

Isolado no lote

Função

Mista – Unifamiliar

Imagem

Vivenda

Morfologia

Barra

Função

Mista – Plurifamiliar

Imagem

Prédio de apartamentos

Morfologia

Barra (ou eventualmente isolado no lote)

Função

Comercial

Imagem

Armazém/expositor/edifício comercial

Tabela 5 – Definição dos tipos (morfologia, função e imagem)

Fig. 67– Tipo 3

Naturalmente que um levantamento sistemático, parâmetro por parâmetro, a todos os edifícios levaria rapidamente a uma conclusão: há edifícios cujas características não coincidem absolutamente com as de um determinado tipo. Ou seja, há edifícios associados a um tipo que têm uma ou outra característica divergente. Isto não significa que sejam uma quarta hipótese, são antes uma variação possível dentro dos tipos definidos. Nalguns destes casos chega a tornar-se difícil catalogá-los, pois aparentemente posicionam-se entre dois tipos. As possibilidades intermédias são imensas e aparecem frequentemente nas mais diversas variações. Esta questão foi esquematizada da seguinte forma: entre os três tipos podem existir variações mais ou menos próximas de cada um (A,C,D e F) ou a meio de dois (B e E):

T1

A

B

C

T2

D

E

F

T3

Tabela 6 – Possíveis posicionamentos intermédios nos tipos

121



Se atentarmos a todas as variações entre tipos, podemos precisar que elas se dão essencialmente pela variação de três parâmetros. O primeiro é a relação entre o número de pisos de habitação e o número de pisos de comércio, define-se assim a vocação principal do edifício: predominantemente habitacional, predominantemente comercial, ou mista (essencialmente no tipo 2). O segundo é o grau de espectacularidade da imagem do edifício: mais ou menos neutro (essencialmente no tipo 3). O terceiro parâmetro refere-se à morfologia (essencialmente no tipo 1): barra (duas empenas), edifício isolado no lote (sem empenas) ou situação intermédia (uma empena – topo). Entre as hipóteses apresentadas existem infinitas variações:

+ BARRA

- HAB +COM

1 empena

H=C

+ISOL. LOTE

T1

T1+T2

- H+C Espect

ESPECT

+HAB - COM

NEUTRO

T2

T3

Tabela 7 – Possibilidades nas variações dos tipos

Uma análise mais cuidada dos edifícios, permite-nos aprofundar a informação e encontrar semelhanças entre estas variações. Nos edifícios do tipo 1, predominam as referências à casa unifamiliar antiga (com origem no passado rural do território) e ao estereótipo da moradia unifamiliar: telhado (com duas ou mais águas), varandas com guardas decoradas e chaminés

123


minuciosamente trabalhadas. Destaca-se obstinação pela construção do jardim, ou do canteiro (que remetem claramente para este imaginário da moradia - apesar de a função do edifício não ser exclusivamente habitacional) mesmo que o espaço em frente à casa seja nada mais que o estacionamento para os clientes da loja. A delimitação destes espaços privados existe sempre (mesmo que só sugerida), concretizada em muros e grades intencionalmente cuidados. Estão também frequentemente presentes os elementos escultóricos puramente decorativos. O tipo 2 remete-nos para edifícios com uma imagem de prédio «urbano» de apartamentos, com 3 a 5 pisos, entrada e acessos colectivos, onde a loja ocupa o résdo-chão, ou eventualmente dois pisos. Este tipo, apesar de frequentemente desprovido de decoração exuberante (aplicada à moradia e ao T1), não dispensa na maioria das vezes um telhado de duas águas. Entre os edifícios do tipo 1 e do tipo 2 há alguns que são de difícil classificação, pois têm características dos dois, como o facto de serem de habitação colectiva mas com uma imagem de casa unifamiliar. Alguns possuem acessos directos do exterior, sem espaços de acesso colectivos, e uma morfologia de edifício isolado no lote. Outros podendo ter acessos colectivos, caracterizam-se sobretudo por não serem isolados no lote, mas em barra (uma ou duas empenas). Existem edifícios que podemos classificar entre o Tipo 2 e o 3 porque, apesar de estarmos perante habitação colectiva em barra, é a loja que predomina, em número de pisos e importância, sobre a habitação. A montra, com mais do que um piso, sobressai na fachada e começa a emancipar-se. Tem muitas vezes tal importância e espectacularidade que relega para segundo plano os pisos de habitação (por vezes só um, e recuado). Os edifícios do tipo 3 de aparência neutra são normalmente independentes. Caracterizam-se pela ausência de decoração e pela sobriedade. Assumem a imagem de simples armazém, não tirando partido desta para provocar atracção ou comunicar com o cliente. É uma espécie de contentor expositivo de linguagem industrial. Os edifícios do tipo 3 espectacular são os que mais tiram partido da imagem para fins comerciais. Baseiam-se no imaginário do “estilo rústico”, do “neo-colonial” ou do “clássico moderno”. Evidenciam-se pondo em destaque a entrada (voltada para a estrada mercado) ou um cunhal. Têm sempre sinalética junto e no edifício (por vezes na cobertura). Podemos concluir que é sobretudo ao tipo 3 que podemos cha-

124

Fig. 68 – Subtipo 1.1

Fig. 69 – Subtipo 1.2

Fig. 70 – Subtipo 1.3


Fig. 71 – Subtipo 2.1

Fig. 72 – Subtipo 2.2

Fig. 73 – Subtipo 3.1

Fig.74 – Subtipo 3.2

mar, com mais precisão, edifício montra – é neste que a montra ganha maior escala e importância. Consideramos estar perante uma evolução tipológica. Embora não possamos datar cronologicamente a variação dos tipos (podem hoje ser feitos edifícios dos três tipos), sabemos que esta admite um sentido progressivo – de transição do tipo 1 em direcção ao tipo 3. Isto explica-se pelo ponto de vista do crescimento comercial e de adaptação da loja tradicional ao percurso automóvel. Podemos através das características dos tipos e da definição de subtipos, encontrar esta evolução tipológica. Determinaram-se assim sete subtipos. O subtipo 1.1 corresponde à situação geral de tipo 1: um edifício claramente unifamiliar e separado no lote, normalmente com dois pisos (Fig. 68). O subtipo 1.2 corresponde a uma situação mista: em que o edifício, sendo plurifamiliar, tem aparência e funcionamento semelhantes ao unifamiliar – com acessos directos da rua e ausência total ou quase total de espaços de acesso colectivos. Possui frequentemente um terceiro piso (normalmente recuado). É um edifício isolado no lote, mas com uma dimensão bastante superior à do subtipo 1.1 (Fig. 69). O subtipo 1.3 tem as mesmas características do subtipo 1.1, mas os edifícios não estão isolados no lote. Funcionam por colagem de empenas, com outros do mesmo subtipo. São normalmente edifícios de habitação unifamiliar com dois pisos (Fig. 70). O subtipo 2.1 corresponde aos edifícios do tipo 2 onde a habitação prevalece sobre a loja, que se reduz a 1 ou 2 pisos sem muito protagonismo. Funciona essencialmente como um edifício de habitação colectiva e comércio, comum na cidade tradicional (Fig. 71). O subtipo 2.2 corresponde a um edifício do tipo 2 onde a loja ganha mais importância do que a habitação, em número de pisos e em importância simbólica. Alguns edifícios deste subtipo assemelham-se aos do tipo 3, tendo unicamente como diferença um piso de habitação recuado e discreto (Fig. 72). O subtipo 3.1 inclui edifícios do tipo 3 que têm uma imagem neutra de armazém, mais que de edifício de venda ao público (Fig. 73). O Subtipo 3.2 é aquele que melhor define um edifício montra pois utiliza a arquitectura para criar atracção comercial e visibilidade especial (Fig. 74). Podemos assim, desenvolver a tabela anterior, desta vez com os subtipos e as suas variações por parâmetro:

125


Subtipo 1.1

Subtipo 1.2

Subtipo 1.3

Subtipo 2.1

Subtipo 2.2

Subtipo 3.1

Subtipo 3.2

MORFOLOGIA

Isolado no lote

FUNÇÃO

Mista – unifamiliar

IMAGEM

Vivenda

MORFOLOGIA

Isolado no lote

FUNÇÃO

Mista – plurifamiliar

IMAGEM

Vivenda

MORFOLOGIA

Barra

FUNÇÃO

Mista – unifamiliar (com excepções)

IMAGEM

Vivenda

MORFOLOGIA

Barra

FUNÇÃO

Mista – predominantemente habitacional

IMAGEM

Prédio de apartamentos

MORFOLOGIA

Barra

FUNÇÃO

Mista – predominantemente comercial

IMAGEM

Armazém/expositor/edifício comercial

MORFOLOGIA

Barra (ou eventualmente isolado no lote)

FUNÇÃO

Comercial

IMAGEM

Edifício comercial – neutro

MORFOLOGIA

Barra (ou eventualmente isolado no lote)

FUNÇÃO

Comercial

IMAGEM

Edifício comercial – espectacular

Tabela 8 – Caracterização dos subtipos segundo os três parâmetros: morfologia, função e imagem

126


Depois de definidos os tipos e subtipos, foi feito um levantamento da sua presença: TIPO E SUBTIPO

1 2 3

1.1 1.2 1.3 2.1 2.2 3.1 3.2

QUANTIDADE nº % 30 44 40 5 8 5 8 4 6 13 19 28 13 17 37 24 35

Tabela 9 – Quantificação dos edifícios segundo os tipos e subtipos

A partir dos dados recolhidos, podemos retirar algumas conclusões acerca da presença dos tipos e subtipos ao longo da estrada. O tipo mais comum é o 1 e o menos comum é o 2. Dentro do tipo 1, o subtipo 1.1 é esmagadoramente mais habitual do que os outros. O subtipo 2.2 também muito mais abundante que o 2.1. E o 3.2 aparece sensivelmente o dobro das vezes do tipo 3.1. Seguidamente, completou-se o levantamento geral para se construírem plantas, cortes e alçados tipo, dos edifícios acima referidos. Com esta medida procurámos essencialmente aprofundar a nossa investigação. Uma vez que, ao mesmo tipo pertenceriam edifícios formalmente muito diferentes decidiu-se construir os desenhos a partir dos subtipos, e não dos tipos. É uma opção consciente que visa conferir mais detalhe a este estudo. Podem-se perceber simultaneamente as características que os unem em tipos, e as que os distinguem. Como 79% dos edifícios são quadriláteros ou simplificáveis a quadrilátero, adoptámos genericamente para a forma tipo dos edifícios (em planta) um quadrilátero. Considerou-se o rectângulo como forma base. Para a determinação das medidas tipo (largura do alçado da rua, profundidade, número de pisos e distância à via) com vista à construção dos desenhos, determinaram-se as médias por subtipo:

127


TIPO E SUBTIPO

1 2 3

LARGURGA MÉDIA ALÇADO DA RUA

1.1 1.2 1.3 2.1 2.2 3.1 3.2

14,85 27,06 35,83 36,13 27,89 25,56 34,90

19,28 29,30

26,05

31,79

Tabela 10 – Larguras médias (por tipo, subtipo e total)

Dos dados recolhidos podemos tirar várias conclusões. A primeira é que a largura aumenta de tipo para tipo, sendo aproximadamente 19m no tipo 1; 29m no tipo 2; e 32m no tipo 3. Daqui se conclui que, em média, a maior diferença de largura está entre o tipo 1 e os outros, pois entre o tipo 2 e 3 a diferença não é tão grande. Podemos concluir também que, a largura dos subtipos não é necessariamente próxima da dos respectivos tipos. Por exemplo, apesar de a largura média do tipo 1 ser 19m (aproximadamente), a do subtipo 1.3 é de 36m, uma largura já próxima à dos tipos 2 e 3. Também a largura do subtipo 1.2 é visivelmente maior que a largura média do seu tipo, sendo aproximadamente 27m. Isto mostra que, no caso do subtipo 1.2, temos uma largura média de aproximadamente o dobro da do subtipo 1.1. o que mostra que morfologicamente o tipo 1.2 é uma espécie de colagem de dois edifícios do tipo 1.1, duplicando-se a escada exterior (do alçado lateral), as varandas e as montras (no rés-do-chão). Quanto ao subtipo 1.3, percebe-se através dos dados que este subtipo funciona essencialmente na horizontal (tendo normalmente só dois pisos) e por colagem com os outros, sendo naturalmente mais largo. Dentro do tipo 2 é curiosamente o subtipo 2.1 que tem maior largura, e dentro do tipo 3 é o 3.2. Estas medidas permitiram a determinação das larguras tipo dos edifícios, sendo usadas para a construção das plantas, cortes e alçados dos subtipos. Foram arredondadas para: 15, 27, 36, 36, 28, 26 e 35 metros.

128


TIPO E SUBTIPO

PROFUNDIDADE MÉDIA

1.1 1.2 1.3 2.1 2.2 3.1 3.2

1 2 3

16,08 13,80 14,41 17,88 17,40 20,06 23,29

15,55 17,48

18,33

22,26

Tabela 11 – Profundidades médias (por tipo, subtipo e geral)

A profundidade média dos edifícios é aproximadamente 18m, sendo reconhecível novamente uma sequência crescente nas dimensões dos edifícios do tipo 1 em direcção ao tipo 3. São claramente os edifícios do tipo 3 que maior profundidade têm (aproximadamente 23m), tal como acontece com a largura do alçado da estrada. Sendo assim, podemos deduzir que os edifícios do tipo 3 têm maior área que os outros. Dentro deste tipo é o 3.2 que tem maior profundidade, tal como se passa com a largura do alçado da estrada. Dentro dos outros tipos, as diferenças não são significativas. Estas medidas permitiram a determinação das profundidades tipo de cada subtipo, sendo, respectivamente 16, 14, 14, 18, 17, 20 e 23 metros. TIPO E SUBTIPO

1 2 3

NÚMERO MÉDIO DE PISOS

1.1 1.2 1.3 2.1 2.2 3.1 3.2

2,4 3,1 2,4 3,5 3,1 1,9 2,5

2,5 3,2

2,6

2,3

Tabela 12 – Número médio de pisos (por tipo, subtipo e total)

Quanto ao número médio de pisos, podemos tirar uma primeira conclusão (que confirma o que se disse antes): este não varia muito, sendo que o total é aproximadamente 2,6. Constata-se também que todos os subtipos têm entre 2 e 3 pisos e que os edifícios mais altos são os do tipo 2 (com uma média aproximada de 3 pisos).

129


TIPO E SUBTIPO

1.1 1.2 1.3 2.1 2.2 3.1 3.2

1 2 3

NÚMERO MÉDIO DE PISOS POR FUNÇÃO Comércio Habitação Comércio Habitação Comércio Habitação

1,1 1,1 1,1 1,2 2,0 1,9 2,5

1,3 2,0 1,3 2,3 1,1 -

1,1

1,4

1,9

1,3

2,3

-

1,7

0,9

-

-

Tabela 13 – Número médio de pisos segundo a função (por tipo, subtipo e total)

Em relação ao número médio de pisos por função (que serve unicamente para avaliar os dois primeiros tipos uma vez que o terceiro é monofuncional), podemos concluir que: enquanto no tipo 1 é a habitação que prevalece sobre o comércio, no tipo 2 acontece o contrário – o comércio prevalece sobre a habitação. Analisando as médias por subtipo, confirma-se a prevalência da habitação sobre o comércio nos subtipos do tipo 1, mas nos do tipo 2 há duas situações: no 2.1 prevalece a habitação e no 2.2 prevalece o comércio. Mais uma vez os dados confirmam a ideia genérica que se tinha apresentado sobre este assunto. Estes valores serviram para a determinação do número de pisos na construção dos desenhos tipo (cortes e alçados). Utilizou-se assim como número de pisos tipo: 1 de comércio e 1 de habitação para o subtipo 1.1; 1 de comércio e 2 de habitação para o subtipo 1.2; 1 de comércio e 1 de habitação para o subtipo 1.3; 1 de comércio e 2 de habitação para o subtipo 2.1; 2 de comércio e 1 de habitação para o subtipo 2.2; 2 de comércio para o subtipo 3.1 e de 3 de comércio para o subtipo 3.2. TIPO E SUBTIPO

1 2 3

DISTÂNCIA MÉDIA À VIA

1.1 1.2 1.3 2.1 2.2 3.1

9,12 10,46 9,81 13,09 10,42 12,30

3.2

13,70

9,39 10,88 13,23

Tabela 14 – Distância média à via (por tipo, subtipo e geral)

130

11,09


A distância média à via é o valor que menos varia em função do tipo e do subtipo. No entanto, também aqui podemos constatar uma gradação das medidas do primeiro para o terceiro tipo. Constata-se igualmente que a média total da distância em relação à via é próxima do valor mínimo exigido pela legislação (12 metros), segundo o Decreto-Lei 13/71. Podemos finalmente sintetizar que à progressão de tipo para tipo corresponde um aumento nas dimensões em planta do edifício (largura do alçado principal e profundidade) e na distância à via (com excepção do subtipo 2.1). Isto reforça a ideia de que a evolução tipológica dá resposta a um crescimento no volume do negócio e na importância económica da empresa:

Fig. 75 - Esquema geral das dimensões e distâncias à via dos edifícios (à mesma escala)

Obtidas as medidas tipo para a largura do alçado da estrada, a profundidade e o número de pisos, foi finalmente possível construir as plantas, cortes e alçados dos edifícios. Como preparação ao desenho, elaborou-se uma síntese das características principais e mais comuns a cada subtipo: Os edifícios do subtipo 1.1 têm por regra o acesso à habitação (que existe no primeiro piso e por vezes também no segundo) através de uma escada exterior, colocada no alçado lateral. Apresentam um telhado de quatro águas e uma varanda ao longo de todo o alçado principal. Os edifícios do subtipo 1.2 possuem geralmente varandas simétricas nos dois lados do alçado, e o mesmo sistema de acesso à habitação do subtipo 1.1. Este é no entanto duplicado simetricamente. Cada escada pode dar acesso a uma ou duas habitações. Ou seja, cada edifício pode conter duas ou quatro habitações (com respec-

131


tivamente duas ou uma frente cada). O telhado é normalmente de duas águas. Têm também, na maior parte das vezes, um recuado, parte da habitação. Este pode aparecer recortado na cobertura e é em duas águas, adoptando soluções muito variáveis. Os edifícios do subtipo 1.3 funcionam em bloco, tendo uma ou duas empenas. São mais longos e têm regularmente o acesso às habitações pelo interior. Possuem também, com frequência, varandas corridas e telhados em duas águas. Os edifícios do subtipo 2.1 apresentam um ou dois acessos colectivos, assumidos. Têm, normalmente um piso de comércio e dois de habitação (ou por vezes mais). Funcionam em bloco, e por isso têm, por regra, duas empenas. Os edifícios do subtipo 2.2 têm geralmente características muito semelhantes aos do subtipo 2.1, mas com a diferença, já referida, de darem mais importância ao comércio que à habitação, normalmente recuada. O comércio funciona no em dois pisos, com uma escada interior a fazer a ligação entre eles. Os edifícios do subtipo 3.1 são edifícios autónomos de comércio, que funcionam como pavilhões abertos, com o alçado frontal em panos de vidro e os laterais usualmente cegos. Têm dois ou três pisos e uma escada central que os une. Os edifícios do subtipo 3.2 têm sensivelmente as mesmas características, com a diferença de serem em regra maiores e trabalhados em termos de linguagem arquitectónica (sobretudo no alçado principal) para atracção comercial. Têm normalmente sinalética aplicada nos alçados, decorados das mais diversas formas e estilos possíveis – impossíveis de tipificar. Todos os edifícios usam sistemas estruturais semelhantes, em porticado de betão armado, cujos vãos médios têm as medidas mais regulares e económicas (entre 4 e 7 metros). Têm em comum montras quase contínuas no piso térreo, com várias portas de entrada para a loja, interrompidas quase exclusivamente pelos pilares. O interior das habitações foi naturalmente deduzido do exterior, uma vez que não foi possível entrar nestes espaços. Serve unicamente como exemplo do hipotético funcionamento da mesma.

Feito um levantamento da distribuição dos edifícios pelas estradas, dentro dos limites do território de estudo, podemos afirmar que estes o fazem de uma forma relativamente regular, apesar de existirem pequenas aglomerações que vão sendo

132





interrompidas e retomadas, acompanhando as curvas e contracurvas da estrada (ver planta). Dentro desta distribuição dos edifícios, a variação do tipo e subtipo também se faz de forma equilibrada, não havendo zonas com concentração particular de um deles. Confirma-se o que já foi referido: a EN209 e a EN319 têm muito menos exemplares deste fenómeno (23% do total). A distribuição quantitativa dos edifícios pelas três estradas é a seguinte122: EN207

EN209

112

29

EN319

5

77%

20%

3%

Tabela 15 – Distribuição dos edifícios montra pelas três estradas

Analisando a tabela verifica-se que a predominância de edifícios montra na EN207 é quase quatro vezes maior que na EN209 e 26 vezes superior que na EN319. Podemos analisar a sua distribuição pelas estradas em função do tipo: TIPO

EN207

EN209

EN319

1 2 3

43 28 41

14 6 9

3 1 1

Tabela 16 – Distribuição dos edifícios montra pelas três estradas, por tipo

122. Note-se que há dois edifícios que se localizam simultaneamente na EN207 e na EN209 (funcionam em gaveto). Há também um edifício que se localiza simultaneamente na EN209 e na EN319. Como critério de opção para a elaboração da tabela, considerou-se o alçado maior. Este determinou a que estrada se considera pertencer. Sendo assim, dos dois primeiros pertence um a cada estrada. No segundo caso considerou-se que o edifício pertence à EN209.

136




Ou então em função do subtipo: SUBTIPO

EN207

EN209

EN319

1.1 1.2 1.3 2.1 2.2 3.1 3.2

29 8 6 2 26 13 28

12 2 3 3 3 6

3 1 1 -

Tabela 17 – Distribuição dos edifícios montra pelas três estradas, por subtipo

Procedeu-se também a um levantamento dos edifícios montra devolutos ou em construção, e daqueles que não têm como função a venda de mobiliário mas outro tipo de comércio ou serviço. Quanto aos devolutos ou em construção, foram identificados 31 edifícios que se distribuem da seguinte forma pelas estradas: EN207 26

EN209 3

EN319 2

84%

10%

6%

Tabela 18 – Distribuição dos edifícios devolutos/em construção pelas três estradas TIPO

EN207

EN209

EN319

1 2 3

8 6 12

2 1

1 1

Tabela 19 – Distribuição dos edifícios devolutos/em construção pelas estradas – por tipo

139


SUBTIPO

EN207

EN209

1.1

6

2

EN319

-

1.2

2

-

-

1.3

0

-

-

2.1

2

-

1

2.2

4

-

-

3.1

6

-

-

3.2

6

1

1

Tabela 20 – Distribuição dos edifícios devolutos/em construção pelas estradas – por subtipo

Em relação aos de outras funções, foram localizados 76, um número já mais significativo. A sua distribuição contraria a tendência anterior, já que é na EN209 que encontramos o maior número. Isto deve-se ao já referido carácter plurifuncional da EN209 em contraste com a especialização da EN207 no comércio do móvel. EN207 27

EN209 34

EN319 13

Tabela 21 – Distribuição dos edifícios com outra função pelas três estradas

TIPO 1 2 3

EN207 25 1 1

EN209 22 9 3

EN319 6 5 2

Tabela 22 – Distribuição dos edifícios com outra função pelas três estradas, por tipo

Subtipo 1.1 1.2 1.3 2.1 2.2 3.1 3.2

EN207 25 1 2 1

EN209 22 9 3 -

EN319 6 4 1 2 -

Tabela 23 – Distribuição dos edifícios com outra função pelas três estradas, por subtipo

140


Fig. 76 – Edifício montra que funciona em cunhal

Para melhor estudar o impacto dos edifícios na estrada através do seu poder de atracão comercial, seleccionaram-se 50 edifícios que funcionam como elementos marcantes123. Fez-se, para estes edifícios, uma análise mais detalhada que a anterior. Utilizaram-se os seguintes critérios: quantidade de sinalética no edifício; quantidade de sinalética independente (paralela ou perpendicular); número de alçados principais (isto permite-nos perceber se o edifício tem relação de um alçado em especial com a rua ou não, ou se eventualmente funciona em duas direcções numa situação do tipo gaveto – Fig. 76); e grau de atractividade (medido de forma intuitiva numa escala de 1 a 3). Analisando a localização na planta podemos tirar algumas conclusões: dividindo a EN207 em quatro troços iguais, percebemos que no primeiro troço se encontram 15 edifícios; no segundo também 15; no terceiro 5 e no quarto 3. Isto é: a primeira metade (da porção da EN207 em estudo) apresenta 76% dos edifícios de toda a estrada. As outras estradas (EN209 e EN319) possuem uma pequena quantidade destes edifícios: 10 a EN209124 e 2 a EN319, contra os 38 da EN207. Na EN209 os edifícios estão igualmente distribuídos nas suas duas metades (5 em cada uma): EN207

EN209

38

10

EN319

2

(76%)

(20%)

(4%)

Tabela 24 – Distribuição dos edifícios de maior impacto pelas três as estradas

Depreende-se também da planta, que há uma forte concentração de edifícios deste género na intersecção das duas estradas principais (EN207 e EN209). Examinando a tabela seguinte, que nos mostra a quantificação dos edifícios seleccionados segundo os seus tipos e subtipos, pode-se retirar outra ilação: os edifí-

123. Condição apresentada no capítulo anterior (Kevin Lynch, A imagem da cidade, Edições 70, Lisboa 1982) 124. Um dos edifícios presentes nesta estrada localiza-se simultaneamente na EN209 e na EN319 (ver tabela dos 50 edifícios seleccionados). Como foi já referido, para optar por uma das estradas, decidiu-se usar como critério o alçado maior (que está neste caso voltado para a EN209)

141


cios com mais impacto visual são maioritariamente do tipo 3, e dentro deste são esmagadoramente do subtipo 3.2 (60% do total). Em seguida vêm os do tipo 2, que são maioritariamente do subtipo 2.2, e só excepcionalmente aparecem os do tipo 1.

TIPO

1

SUBTIPO

QUANT.

2

3

1.1

1.2

1.3

2.1

2.2

3.1

3

1

0

1

9

6

4 (8%)

10 (20%)

3.2

30 36 (72%)

Tabela 25 – Quantificação dos edifícios de maior impacto por tipo e subtipo

Através da análise dos dados da tabela seguinte, podemos tirar mais algumas ilações. A maioria dos edifícios tem apenas um anúncio publicitário no edifício, havendo muitos que não têm. Esta situação justifica-se pelo facto de que, com frequência, o impacto destes edifícios é de tal forma grande, que a sinalética funciona só de forma informativa ou nem sequer é necessária – o edifício funciona por si. Aquela que é independente do edifício mostra-nos o mesmo – a maioria dos edifícios tem um só anúncio independente do edifício, o que significa que este é essencialmente informativo. A maioria dos edifícios só têm um alçado principal (62%), confirmando o que foi dito antes – os edifícios montra funcionam essencialmente para a estrada e para o alçado da mesma. Há no entanto uma quantidade considerável de edifícios que têm dois alçados principais (34%). São usualmente edifícios que funcionam em gaveto – ladeiam também uma estrada que intersecta a estrada mercado – embora por vezes o segundo alçado funcione enquanto principal, mesmo sendo interior ao lote. Quanto ao grau de atractividade, podemos concluir que metade dos edifícios seleccionados tem grau 3; enquanto só 36% têm grau 2; e 14% grau 1.

VALOR / QUANTIDADE

0 1 2 3 4

SINAL.EDIF. SINAL.INDEP. ALÇ.PRINC.

18 (36%) 21(42%) 6 (12%) 4 (8%) 1 (2%)

6 (12%) 37 (74%) 6 (12%) 1 (2%) -

2 (4%) 31 (62%) 17 (34%) -

GRAU ATR.

7 (14%) 18 (36%) 25 (50%) -

Tabela 26 – Caracterização dos edifícios de maior impacto (sinalética, alçados principais e atractividade)

142





NOME DA LOJA

ESTRADA

TIPO

SUBTIPO

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50

Móveis Pinto Olika Móveis M. Silva Móveis Júlio Juliu's Móveis Neto Spazio Casa Mobikasa Móveis A.L. Mendes Nobili's Irmãos Carneiro Móveis Jomá LAM Móbiliário Inglês Gandra Móveis Móveis F. Cardoso Espinheiras Burimóveis Artesana Tábica Referência Casa dos Arcos Mobilatto Móveis Jota Barbosa Domany Bet Home Móveis Lopes Moliday mobiliário Mobimetro Toque Rústico Casa Teixeira Rústico Porta Nova Coutimóveis Emporium Xedam Hilarmóveis Móveis Herdeiro ASA Mobiliário Platea Artesana Dacapital Hilarmóveis Hilarmóveis Edifício Capital Móveis MCG Leal Mobiliário Nogueira da Costa Casmóvel Móveis Sta. Cruz Mobicouto

EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN209 EN209 EN209 EN209 EN209 EN209 EN209 EN209 EN209 EN209/319 EN319 EN319

3 3 2 2 3 3 3 3 1 3 3 2 2 3 3 2 3 3 3 3 3 3 3 2 3 3 3 3 2 3 3 3 2 3 3 3 3 3 3 3 3 3 2 3 3 1 1 3 1 2

3.2 3.2 2.2 2.2 3.2 3.2 3.2 3.1 1.2 3.2 3.2 2.2 2.2 3.2 3.2 2.2 3.2 3.2 3.2 3.2 3.2 3.1 3.2 2.2 3.1 3.2 3.2 3.2 2.2 3.2 3.2 3.2 2.2 3.1 3.2 3.2 3.2 3.2 3.2 3.2 3.2 3.2 2.2 3.1 3.1 1.1 1.1 3.2 1.1 2.1

Levantamento dos 50 edifícios selccionados

SINAL.EDIF. SIN. INDEP. ALÇ.PRINC. GRAU ATR. DIST.VIS.M 4 3 1 1 1 0 0 0 1 0 1 1 1 1 3 1 1 0 0 0 4 0 2 0 2 0 1 0 0 3 0 2 0 2 1 1 1 1 1 1 1 0 1 1 0 0 1 0 2 3

0 1 0 1 1 1 1 1 0 1 1 1 1 1 2 1 0 2 1 1 1 1 2 1 2 1 1 1 2 1 1 1 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 0 1 1 1 1 3 1 0

2 2 1 2 1 1 2 1 1 2 0 0 1 1 1 2 1 1 2 2 1 1 1 1 1 2 1 2 2 1 1 2 1 1 1 1 1 2 2 1 1 1 1 1 2 1 2 2 1 1

3 1 2 2 3 2 3 1 1 2 2 1 2 2 3 3 2 3 3 3 3 3 3 2 3 3 2 3 3 3 3 3 1 2 3 2 2 2 3 3 3 3 2 3 1 2 3 1 2 2

418 94 468 468 319 53 176 48 127 55 90 64 92 34 246 76 36 22 170 226 327 436 171 204 402 129 50 132 85 240 66 250 54 147 48 132 197 195 417 115 159 86 86 54 188 110 314 66 331 119


Estudando a distribuição do grau de atractividade por tipo e subtipo (próximas tabelas) podemos tirar outras conclusões. O tipo com maior grau de atractividade é, claramente o tipo 3, onde 61% dos edifícios têm grau de atractividade 3; 28%, grau 2 e 11% grau 1. Este dado justifica-se naturalmente pelo facto de aparecer em muito maior quantidade na selecção inicial dos 50 edifícios (s36). Os edifícios dos tipos 1 e 2 têm, essencialmente, grau 2 de atractividade. GRAU ATR.

TIPO 1

TIPO 2

TIPO 3

Grau 1 Grau 2 Grau 3

1 (2%) 2 (4%) 1 (2%)

2 (4%) 6 (12%) 2 (4%)

4 (8%) 10 (20%) 22 (44%)

Tabela 27 – Distribuição do grau de atractividade por tipo GRAU ATR.

1.1

1.2

2.1

Grau 1 Grau 2 Grau 3

-

1 (2%) -

-

2 (4%) 1 (2%)

1 (2%) -

2.2

3.1

3.2

2 (4%) 2 (4%) 2 (4%) 5 (10%) 1 (2%) 9 (18%) 2 (4%) 3 (6%) 19 (38%)

Tabela 28 – Distribuição do grau de atractividade por subtipo

Quanto alcance visual máximo de cada edifício, podemos concluir que há edifícios visíveis até cerca de 500m, uma distância muito considerável e que a maior parte dos edifícios seleccionados têm 100m de alcance visual e uma grande parte tem 200m. Os edifícios com mais impacto (400 e 500 metros) são então poucos, o que lhes acentua destaque e importância na paisagem: DISTÂNCIA (metros)

1

2

3

TOTAL

50 100 200 300 400 500

2 2 -

7 1 2

5 14 10 4 -

5 23 11 5 4 2

Tabela 29 – Distribuição dos edifícios segundo o seu alcance visual por tipo

147


DISTÂNCIA (metros)

1.1

1.2

2.1

2.2

3.1

3.2

TOTAL

50 100 200 300 400 500

1 2 -

1 -

1 -

6 1 2

1 2 1 2 -

4 12 9 3 2 -

5 23 11 5 4 2

Tabela 30 – Distribuição dos edifícios segundo o seu alcance visual por subtipo

148


6. ARQUITECTURA E CIDADE DIFUSA 6.1. Relações Que ilações se podem tirar sobre as relações entre arquitectura e cidade difusa? Este assunto obriga-nos a pensar a organização urbana ao longo da história. Durante séculos, as cidades foram feitas de quarteirões. O quarteirão foi a mais simples forma encontrada de fazer cidade e de definir, separar e delimitar o espaço. Mais do que um bloco de edificado, o quarteirão é regulamentador daquilo que é espaço público e espaço privado. No sistema de cidade compacta tradicional, a separação é essencialmente feita pelo edificado. O quarteirão é o produto da multiplicação da rua, a sistematização da mais básica forma de urbanização – o alinhamento de edifícios. Permite o alastramento em duas dimensões e permite portanto, expandir a cidade. Passa-se das duas às três dimensões, do plano ao espaço, da urbanização linear à malha urbana.125 Para além de edificado e espaço privado, ele é também um conjunto de ruas com continuidade. Este sistema de fazer cidade que durou tantos séculos, começou a ser posto em causa essencialmente na Europa no século XX (com mais precisão um pouco antes - sobretudo em Inglaterra - pelos processos de sprawl ou difusão urbana que se sucederam à Revolução Industrial no século XIX). Foi fortemente criticado pelos arquitectos do Movimento Moderno, em especial Le Corbusier que defendia o fim da terrível «rua-

125. David Mangin, Philippe Panerai, Projet Urbain, Éditions Parenthèses, Marseille, 1999

149


corredor», procurando assim a autonomia da via em relação ao edifício. A enorme diversidade de processos de difusão urbana da cidade contemporânea permitiu que o quarteirão deixasse de ser a única forma de organização urbana, sobretudo na maioria das novas áreas de expansão das cidades. O modernismo (e os processos de explosão e difusão) conseguiu pôr fim a um modo de fazer cidade com séculos de existência, criando uma autêntica ruptura urbana ao por em causa a definição clara entre espaço público e espaço privado. Como funciona a organização espacial da cidade difusa? Aqui o espaço é organizado com uma malha muito mais irregular e orgânica que a tradicional cidade planificada ou as cidades históricas não planificadas. Isto deve-se ao facto das suas estradas serem muitas vezes herança de antigos caminhos rurais em zonas com acidentes naturais difíceis de vencer (no passado). Dá-se um fenómeno interessante neste tipo de território: as vias ganham uma certa interioridade e desligam-se do restante espaço (sobretudo as vias mais importantes), graças possivelmente ao facto de serem sinuosas e com desenhos complexos. Constituem-se como sistemas lineares fechados. Não existe portanto a anterior relação de orientação pelas direcções norte, sul, nascente, poente no espaço. Cada via que rasga o território tem a sua lógica interna, sendo que os espaços entre elas acabam sempre por ser intersticiais. As vias podem funcionar em árvore – ou seja, no fim não têm saída – ou em redes fechadas. Quando as ruas têm saída, fecham espaços entre elas. Não se formam quarteirões mas algo parecido em termos de funcionamento, Mas só em termos rodoviários, porque os edifícios não fazem a separação entre espaço público e privado. A maior parte deles funciona no esquema de edifício isolado no lote (que pode ser encerrado por muros ou não), sendo que uma grande parte dos lotes está vazia, (características que fazem difusa a cidade) ou pode até ser espaço público. Portanto, a percepção espacial da cidade não funciona da mesma forma (uma vez que não há uma leitura clara do que é espaço público e privado). O edifício isolado no lote aparece como a unidade de medida e de composição, partícula mínima da cidade difusa (em contraponto ao quarteirão na cidade compacta). São, assim, os tecidos estilhaçados, com-

150


postos por edifícios isolados, a expressão da cidade contemporânea feita, segundo Secchi126, de fragmentos.

Fig. 77 – A moradia unifamiliar como tipo recorrente da cidade difusa

Fig. 78 - Blocos de habitação soltos no espaço

De que tipos arquitectónicos é então feita a cidade difusa? Dos mesmos que na cidade tradicional, ou de outros? De que são compostos os interiores destes territórios difusos? Que padrões há no interior das manchas dispersas? Há, sobretudo, edifícios unifamiliares isolados no lote (Fig. 77), casas em banda, blocos (Fig. 78), torres, indústrias isoladas ou em zonas industriais próprias, grandes superfícies comercias, estações de serviço automóvel, etc. Analisando o território de urbanização difusa em geral (e o território concreto de estudo em particular) podemos encontrar novos tipos que dificilmente, ou nunca, se adaptam à cidade tradicional. São sobretudo tipos fortemente dependentes do transporte individual, que tem dificuldade em adaptar-se à antiga cidade histórica e que encontram na cidade dispersa – mais disponível para a mobilidade –melhores condições de funcionamento (através de vias construídas para o efeito e de outras que se adaptaram facilmente). Ou seja, a cidade difusa funciona como uma espécie de upgrade automobilístico da cidade tradicional – para uma cidade preparada, feita ou adaptada ao automóvel. E quais são então estes novos tipos de edificado? São essencialmente, shoppings e grandes superfícies comerciais ou industriais especializadas, que funcionam a grande escala e com um enorme raio de atracção. Simultaneamente temos novos tipos de estruturas comerciais, industriais e de serviços., No que respeita à habitação há sobretudo a importação directa de modelos tipológicos da cidade canónica e do espaço rural, para o novo contexto. Esta arquitectura é composta essencialmente por dois tipos: a habitação unifamiliar isolada no lote (a tradicional moradia com jardim já referenciada) e em constante coabitação, o edifício plurifamiliar de habitação colectiva (o típico bloco de apartamentos) de vários pisos onde o rés-do-chão é normalmente um piso comercial. Na cidade difusa, contrariando o que era comum na cidade canónica, e de aproximando-se do que era habitual no espaço rural, prevalece o não edificado sobre o

126. Bernardo Sechi, «Ciudad moderna, cuidad contemporánea y sus futuros», in AAVV, Lo urbano: en 20 autores contemporáneos, Ángel Martín Ramos, Barcelona, 2004

151


edificado, prevalece o espaço livre sobre o espaço construído. O espaço aqui é portanto definido por ausência, ao invés do espaço definido por presença da cidade compacta. O edifício ganha protagonismo porque se solta dos outros, e se no lote, (que está por sua vez isolado porque se rodeia de outros lotes não construídos). A nova forma de cidade faz com que o edificado ganhe uma relação diferente com a envolvente. Esta já não é feita por contacto directo através de um sistema de colagem lateral, (de acordo com a delimitação parcelar do terreno em empenas), mas através da via e do espaço livre (com ou sem programa). Os edifícios espaçam-se, e por isso há menos edifícios por unidade de área – dilatando-se o espaço. Este facto produz um fenómeno interessante – a possibilidade de o edifício ser contornado e visível a toda a volta, em diferentes pontos de observação, permitindo que este assuma a emancipação de todas as fachadas. Para alem disto, ter 4 alçados disponíveis permite-lhe também ter insolação e arejamento de 4 direcções. Esta vantagem é normalmente pouco aproveitada e é especialmente desprezada na estrada mercado (Figs. 80 e 81). A maioria dos edifícios pura e simplesmente ignora as fachadas laterais – que até são as mais expostas à estrada, uma vez que se encontram perpendiculares a esta (como o comprova a sinalética ao ser maioritariamente colocada na perpendicular). Esta questão é importante, pois revela que muitos dos tipos importados da cidade canónica para a difusa não souberam ainda adaptarse a esta. Estão desadequados porque não foram pensados especificamente para este sítio. Defendemos que há possibilidades a aproveitar na arquitectura da cidade difusa, em termos morfológicos que nem sempre são feitas, Estas aparecem por vezes, mas de uma forma muito espontânea e pouco reflectida, Em termos tipológicos, a cidade difusa traz algumas inovações importantes na arquitectura. Cabe a esta o papel de as interpretar, traduzindo-as na melhor morfologia para os edifícios, atentando a que mesmo os tipos que não sofreram adaptações tipológicas podem vir a sofrê-las, assim como os tipos que não necessitam de se adaptar tipologicamente podem ser, apesar disso, adaptados morfologicamente. Pode ou deve a cidade difusa criar uma arquitectura própria? Num novo contexto de cidade, em que a relação entre o edificado e o espaço vazio é completamente diferente, que tipo de arquitectura podemos encontrar? Há ou deve haver uma arquitectura própria da cidade difusa? Podemos afirmar que não há necessariamente uma

152

Fig. 79 - O edifício isolado no espaço

Fig. 80 – Edifício montra na EN207 (Paços de Ferreira) - traseiras

Fig. 81 – Edifício montra na EN207 (Paços de Ferreira)


Fig. 82

Fig. 83

arquitectura própria da cidade difusa. Esta baseia-se essencialmente na importação de modelos da cidade tradicional de forma espontânea, a maioria das vezes feita por não arquitectos (não sendo assim obras de autor), ainda que certos tipos de edifício se vão adaptando progressivamente a este contexto. E sendo feita por arquitectos, poderá a cidade difusa gerar uma arquitectura diferente da cidade compacta? Ela pode ser diferente sobretudo na forma como se relaciona com o sítio e na visibilidade que possui. Sem dúvida que o edifício montra, por exemplo, é um tipo arquitectónico próprio desta. Mas de que outra forma é que a arquitectura, (tirando partido das possibilidades oferecidas por este novo contexto, e respondendo de forma eficaz às novas necessidades) se constitui como uma especificidade própria na cidade difusa? Basicamente, grande parte da arquitectura hoje presente na cidade difusa não soube ainda interpretar e tirar partido deste tipo de contexto. Novos tipos, novas funções e novas formas urbanas surgem actualmente no seio da sociedade, a uma velocidade impressionante (e de acordo com a imensa aceleração em todas as áreas – sobretudo a nível tecnológico – do último século). Cabe aos arquitectos estudá-las e dar-lhes a melhor forma: “O trabalho arquitectónico equivoca-se de objectivos pretendendo inventar, impor tipos abstractos em vez de apreender aqueles que vão emergindo nas sociedades contemporâneas. O reconhecimento destes novos tipos de edifícios, a exploração de suas possibilidades e potencialidades urbanas, a proposta de uma codificação integradora do saber arquitectónico, supõe uma mudança de atitude. Mais que estar à espera de uma teoria abstracta e universal que guie as nossas reflexões ou de procurar segurança por trás de uma nova estrela (…), trata-se de estar atentos ao que se levanta à nossa volta e tomá-lo, sem preconceitos, como tema de trabalho. (…) De onde se põe em jogo o futuro da arquitectura é na periferia das cidades, entre a urbanização marginal e as strips comerciais, entre os pequenos edifícios residenciais e os armazéns, entre os pavillions de fortune e as garagens. A nossa legitimidade radica na capacidade que tenhamos de assumir a exigência social que ali se expressa e conferir-lhe uma forma urbana”127

127. Jean Castex, Jean-Charles Depaule, Philippe Panerai, Formas urbanas: de la manzana al bloque, Editorial Gustavo Gili, Barcelona, 1986 (tradução livre)

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A cidade difusa traduz uma nova relação entre arquitectura e sítio, entre arquitectura e contexto. Sendo que a arquitectura na cidade difusa nos surge essencialmente isolada no lote, e que a maneira como se distribuem os lotes é sobretudo informal (como já referimos na maioria das vezes estes espaços surgiram sem grande planeamento), parece-nos que esta nova cidade é, de certa forma, produtora de “edifícios-objecto”128. A arquitectura solta no espaço funciona como arquitectura sem sítio. Os projectos na cidade difusa são normalmente escolhidos por catálogo, e alguns até importados. Na maioria das vezes são pura e simplesmente depositados no local pretendido, sem grandes adaptações. Esta forma de fazer arquitectura e de construir a cidade é eminentemente abstracta, desligada da realidade e do contexto, (seja este territorial, regional, cultural ou social). Lembremo-nos que o Movimento Moderno defendia uma arquitectura universal e desligada do lugar, – o edifício fabricado como um objecto em série: “O edifício era projectado como objecto técnico, como artefacto mesmo, segundo testemunha a famosa fórmula de «artefacto habitável» que Le Corbusier tomou de Ozenfant Corolários: o edifício convertia-se em objecto autónomo, desligado de toda a dependência ou articulação contextual e, chegado o caso, podia ser reproduzido pela indústria. Para além disso, o novo estatuto de objecto arquitectónico contaminava o da cidade que, participando dos mesmos princípios passava ao controle do arquitecto: transferência de competências garantida pela Carta de Atenas, que redigiu o CIAM de 1933. A cidade converte-se por sua vez numa machine à vivre e deve assim mesmo «fazer tábua rasa do passado» (…)”129

Esta forma de cidade, onde prevalece o vazio sobre o cheio, impossibilita definitivamente que se desenhe a cidade como antes – de uma forma simples, onde o espaço público é o negativo do construído (tudo o que está para fora do quarteirão). O espaço que sobra, desimpedido, público ou não, não consegue ser conformado pelas fachadas dos edifícios, pois a maioria das vezes não há edifícios suficientes para o

128. “(…) para uma exigencia ou demanda social configura-se um novo espaço. Pelo abandono progresivo das suas referências à cidade, a arquitectura comum, da vivenda e da vida quotidiana torna-se monumento, objecto” Jean Castex, JeanCharles Depaule, Philippe R. Panerai, Formas urbanas: de la manzana al bloque, Editorial Gustavo Gili, Barcelona, 1986 (tradução livre) 129. Françoise Choay, «El reino de lo urbano y la muerte de la ciudad», in AAVV, Lo urbano : en 20 autores contemporáneos, Ángel Martín Ramos, Barcelona, 2004 (tradução livre)

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conformar. Torna-se um espaço não contido (ao contrário das praças, das ruas, das avenidas e dos jardins tradicionais), um espaço aberto, alargado, esguio, e infinito. Já não pode ser desenhado unicamente pelos edifícios, mas também, e essencialmente, por outro tipo de elementos, sobretudo vegetais.

Fig. 84 – Edifício para funcionar è escala automóvel e à dimensão metropolitana

A cidade difusa destaca o edifício como elemento aparentemente solto do seu contexto e isolado do resto. Mas o que acontece na verdade é, simplesmente, uma alteração de escala de cidade. Escala espacial e escala temporal. A «cidade a grande velocidade», como podemos chamar à cidade difusa, já não funciona às velocidades tradicionais. Isto significa que, as relações entre o edificado se dão a outra escala de velocidade e portanto também a outra escala espacial. Aquilo que nos parece ser um edifício isolado sem relações com o meio é, na realidade, parte de um conjunto de edificado que se relaciona a escalas maiores. Os edifícios aparentam estar soltos no território mas na verdade estão em relação embora esta relação deve ser compreendida a uma outra escala. Para isto ser possível os edifícios sofrem muitas vezes mutações. A forma como os edifícios e a cidade em geral devem ser percebidos é completamente diferente, pois a velocidade de deslocação é outra. À medida a que a distância entre os edifícios aumenta, o espaço à escala automóvel torna-se progressivamente mais difícil de representar com uma imagem,. Esta só nos mostra um momento – um edifício ou um momento entre edifícios. A rua ou estrada já não podem ser representadas com uma perspectiva tipo, mas com várias. O alargamento do espaço foi tal que não se consegue captar numa só imagem os múltiplos momentos e ambiências. Contrariamente, na cidade tradicional uma rua acabada tinha um aspecto relativamente constante, e uma imagem em perspectiva era capaz de dizer muito acerca da mesma. Torna-se necessário, para a representação deste tipo de espaço, recorrer a sequências de imagens ou mesmo a vídeos. Como interferem os novos tipos com o tecido edificado? Há várias escalas de funcionamento. Há edifícios que funcionam a um nível metropolitano ou regional (hipermercados, shoppings), e exercem um poder de atracção e referência visual num raio muito grande, que pode chegar às várias dezenas ou mesmo às centenas de quilómetros (quando a sua oferta comercial ou outra é extremamente rara – superfícies comerciais especializadas como por exemplo o Ikea, ou superfícies diversificadas mas com produtos e serviços únicos, como por exemplo o El Corte Inglês). Normal-

155


mente são concebidos pensando em coerência com uma escala deste género, e ignorando frequentemente a sua relação com a escala micro. Há ainda aqueles que funcionam a um nível mais local como as pequenas lojas, mercearias, ou serviços. Finalmente há e os intermédios e os mistos. Estes últimos, operando a um nível regional ou metropolitano, podem também ter uma função de relação à escala micro. Aqui pode mistura-se a linguagem característica da grande escala metropolitana (anúncios e imagem do edifício destinados a serem vistos a larga distância e montras de escala de rua tradicional. Um exemplo disso é o edifício do El Corte Inglês em Vila Nova de Gaia). Na cidade difusa temos normalmente uma grande abertura de horizonte que faz com que possamos ter ângulo de visão para o infinito, ou seja, podemos olhar até onde a vista alcança (Fig. 85). Esta é uma mais valia que começa a ser apreciada por quem opta viver na cidade difusa de uma forma espontânea, pois ao abrir claramente a vista, permite um contacto muito directo e intenso com os elementos naturais (como vales, montanhas, rios, mar…). Aquilo que a vista alcança é muitas vezes longínquo – uma e esta nova paisagem permite uma excepcional abertura visual aos utilizadores dos seus edifícios. A arquitectura tem sempre (intencionalmente ou não) qualquer relação com o sítio, com o território e com a paisagem. A paisagem (sendo parte do sítio) é aliás um tema importante e até fundamental na concepção arquitectónica. Se estamos perante novos tipos urbanos, novos territórios, estamos também perante novas paisagens. Estas formas de cidade podem trazer à arquitectura uma vantagem paisagística sobre a cidade concentrada. A cidade é difusa e portanto o horizonte é aberto, o campo de visão maior, (muitas vezes com vista para o infinito), o ar é naturalmente mais saudável e a relação com os elementos naturais é mais intensa. Esta pode ser uma vantagem da arquitectura produzida na cidade difusa sobre a que é feita na cidade concentrada, (sempre baseada no ancestral sistema de ruas e quarteirões). A questão da paisagem é também importante não só neste ponto de vista (como esta se lê do edifício) mas também na forma como o próprio edifício faz paisagem. Isto é, a paisagem que resulta do povoamento urbano difuso sobre o território natural (Fig. 86). Esta uma mistura difusa entre os dois: o território natural e o polvilhar urbano, sobretudo de habitação ou indústrias. Portanto, mesmo com maior proximidade à natureza, a

156

Fig. 85 – A vista aberta para o horizonte

Fig. 86 – Paisagem da cidade difusa


cidade difusa não conta com paisagens virgens, mas normalmente com grandes extensões de território rurbano onde se misturam tradicionais espaços naturais com o povoamento disperso.

Fig. 87 – Expressão visual e elementos simbólicos dos edifícios habitacionais

Fig. 88 – Os edifícios comerciais são os que mais tiram partido deste contexto

A cidade difusa reserva um novo papel a alguma arquitectura, ou pelo menos evidencia especialmente uma função, relativamente nova, que está relacionada com o contexto social e urbano actual: a sedução para o consumo. Isto impele um destaque visual do edifício, impossível na tradicional cidade consolidada, evidenciando-o e destacando-o como um objecto (uma vez que é perceptível na sua totalidade). É esta, também, uma das razões para que certo tipo de edifícios só possa existir neste modelo de cidade (para além de razões logísticas de facilidade de acessos e outras razões económicas). A sedução para o consumo é assim mais um factor que tira partido deste contexto para cumprir a sua função. O edifício isolado no lote é muito mais visível, de muito mais longe, e permite utilizar a sinalética de forma mais evidente e até agressiva. Num tipo de cidade baseado na extensão e dispersão urbanas, a imagem que a define é naturalmente diferente. O edifício aparece quase sempre solto no espaço circundante. Aumentando a escala da cidade, aumenta também o espaço entre o utilizador e o edifício, o espaço de respiro, ampliando-se a distância a que o edifício pode ser visto. Este ganha protagonismo visual mesmo que não seja essa a intenção. Este efeito pode acontecer em qualquer tipo de construção, mas é procurado e voluntário em determinados. Apesar de um edifício de habitação poder transmitir valores simbólicos através da sua forma (e muitas vezes procura fazê-lo numa tentativa de afirmação social e de ostentação – Fig. 87), são normalmente os edifícios comerciais que o fazem de maneira mais acentuada e explícita (Fig. 88). Os edifícios de habitação tiram partido da imagem e do simbolismo, sobretudo num sentido de afirmação individual, de pertença e de identificação com o território em que se inserem. Cada casa ambiciona afirmar-se mais do que as restantes (acabando assim por se parecerem todas entre si). Os edifícios comerciais são os ícones da era actual, e por isso têm como função primária a sedução e o apelo ao consumismo (muito mais que na cidade canónica, pois essa é feita fundamentalmente de edifícios que prevalecem sobre o espaço livre). O edifício, destacado como um objecto, ganha todo o protagonismo simbólico. A arquitectura na cidade difusa (adjectivada pela sinalética) tem assim um

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potencial simbólico e visual muito maior, sobretudo quando associada ao comércio. E é este tipo de construção que vai produzir a imagem da cidade. Esta arquitectura com uma imagem forte acaba por dar sentido e significado aos lugares, criando não só elementos marcantes, mas também definindo referências espaciais no espaço confuso que pode ser a cidade difusa. É um contributo para a identidade dos sítios. O comércio, que historicamente não interferia de forma assumida com a arquitectura e com os tipos arquitectónicos (no comércio tradicional dá-se simplesmente a adaptação do piso térreo e a introdução da sinalética) passa, na cidade difusa, a ter um papel importante e fundamental: influencia claramente o desenho e configuração dos edifícios. Tem um papel decisivo na conquista de novas formas e tipos arquitectónicos, que se traduz sobretudo em edifícios montra e em shoppings.

6.2 O edifício montra Particularmente em relação ao edifício montra, tipo abordado neste estudo, há ainda algumas reflexões que se podem fazer, nomeadamente quanto à sua flexibilidade e durabilidade, e quanto à sua relação com a cidade difusa em geral. Há situações nas estradas em estudo em que edifícios montra nos surgem para outro tipo de usos (comerciais ou de serviços), e outras em que se encontram abandonados, em construção ou ainda em construção interrompida há já vários anos (Fig. 89 e 90). Podemos interrogar-nos então sobre o que define o edifício montra e qual a sua flexibilidade. O edifício montra é um tipo que possui alguma versatilidade de uso. Apesar de servir geralmente (como foi referido anteriormente), para venda de mobiliário ou de automóveis, ele pode adaptar-se a qualquer outra função, sobretudo dentro do sector comercial, de exposição ou de serviços. A flexibilidade que caracteriza estes edifícios deve-se ao facto de eles serem basicamente, contentores abertos, amplos, facilmente adaptável e divisíveis. Como sobreviverá o edifício montra no futuro e que metamorfoses mais sofrerá? Que outros modelos surgirão? Esta questão é muito importante, sobretudo no contexto concreto em estudo, uma vez que o número de edifícios deste género é imenso, e que o futuro desta forma de venda de mobiliário na região, não está, de forma alguma garantida. É, assim, importante pôr a questão (ainda que num plano especulativo): que fazer se estas lojas fecham e os edifícios ficam vazios? São observáveis já, alguns (poucos) exemplos de possíveis

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Fig. 89 – Edifício montra em construção interrompida

Fig. 90 – Edifício montra em construção interrompida


Fig. 91 – Possível reutilização de um edifício montra

Fig. 92 – Edifício do Tipo 1 com outros usos

Fig. 93 – Edifício do Tipo 2 com outros usos

reutilizações destes para outras possibilidades comerciais. Muitas vezes a conversão é possível pela subdivisão do seu interior em propriedades diferentes (Fig. 93). Se observarmos os casos em estudo percebemos que especialmente o tipo 1 é muito frequente nos terrenos de urbanização difusa, sujeitando-se às mais diversas funções (Fig. 91). Os edifícios do tipo 1 chegam mesmo a ser o denominador comum da construção. Numa cidade feita de habitação unifamiliar, é o mesmo tipo (ainda que adaptado no rés-do-chão), que vai resolver a maioria das funções, fazendo a colmatação das outras necessidades que a vida urbana requer (cafés, restaurantes, comércio, serviços, etc., muitas vezes associado a pequenas indústrias ou armazéns), e que acaba por ser praticamente o responsável pelo funcionamento da cidade alargada. É uma adaptação funcional dos tipos tradicionais de habitação unifamiliar a novas funções (tipo 1), não constituindo propriamente uma alteração morfológica. Os edifícios do tipo 2 começam também a destacar-se neste contexto difuso associados a outras funções (além da habitação), que são maioritariamente cafés, restaurantes e outras variantes de comércio ou serviços. O uso deste tipo de edifício relaciona-se muitas vezes com o aparecimento de certas aglomerações (pequenas ou grandes, mais ou menos compactas), no espaço de urbanização difusa – os núcleos de condensação urbana. Muito frequentemente estão associados a um recuo em relação à estrada (possivelmente exigido por lei), por vezes com uma via paralela interior, mas sempre com estacionamento associado. Alguns, isolados no território, concentram em blocos uma série de funções, sendo que, em aglomerações um pouco maiores, consegue-se fazer quase tudo no mesmo local, e só com um único estacionamento (ir ao café, levantar dinheiro, ir ao supermercado, à loja, etc.). Isto contraria, de certa forma, o funcionamento da cidade difusa, sempre dependente do automóvel para todas as actividades. Os edifícios do tipo 3 são também frequentes em determinados locais da cidade difusa, mas são geralmente mais raros, uma vez que praticamente só funcionam para comércio de objectos de grandes dimensões. Daí que surjam essencialmente relacionados com o comércio de mobiliário e automóveis. Aparecem com alguma frequência no território de estudo, sobretudo nas estradas nacionais, embora em nenhum outro lado a concentração seja tão acentuada como na EN207. Podemos assim quase explicar o tipo de cidade difusa aqui estudado a partir destes tipos de edificado, sendo que, mesmo os edifícios de habitação unifamiliar

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podem ser considerados uma variação do tipo 1 (pois em pouco diferem). O edifício montra é indubitavelmente um novo tipo, próprio da cidade difusa. Neste sentido é uma adaptação tipológica e também morfológica (sobretudo o classificado como tipo 3) da arquitectura a um contexto novo. Nem é um tipo anterior à cidade difusa, nem é um tipo que funciona noutro tipo de cidade. O edifício montra (sobretudo o tipo 3) aparece-nos assim como um exemplo paradigmático da influência da cidade difusa na arquitectura (Fig. 94). É a interpretação espontânea desta nova situação espacial preparado para o comércio de mobiliário. Ao divulgar e publicitar o seu produto, fálo a grande escala (a escala do automóvel). A estrada mercado não é assim mais do que uma tradicional rua comercial ampliada em extensão e velocidade. E o edifício montra é um tipo próprio deste novo formato de cidade e da contemporaneidade. Não poderia existir noutro local nem noutro tempo. Este tipo de edifício é responsável por um fenómeno urbano particular e por um tipo particular de cidade, ou se quisermos de urbanidade – a estrada mercado.

6.3 O lugar do projecto De que forma podemos tirar partido do conhecimento desta realidade para o projecto? Isto é, como se constrói na cidade difusa e como a interpreta o projecto? Como pode a disciplina da arquitectura contribuir para o ordenamento e melhoria da qualidade do espaço urbano difuso? A arquitectura pode contribuir para a criação de significados, hierarquias, e, sobretudo referências no território confuso e indefinido, se for pensada nesse sentido. A inadequação simbólica e a descaracterização acentuada deste tipo de espaços (descaracterização, desorientação, falta de referências) extra-urbanos e periféricos pode ser contrariada através do projecto. De que forma pode a arquitectura contribuir para a caracterização e identidade destes espaços? O protagonismo de certos edifícios, trazido por um contexto difuso, pode ser interpretado e trabalhado pela arquitectura de uma forma extremamente criativa. A liberdade de criação arquitectónica nunca foi tão grande (era aliás esta uma das reclamações do Movimento Moderno). No entanto, a concepção dos edifícios, pensados não como objectos mas como parte da cidade e do território (ainda que fisicamente isolados uns dos outros), pode permitir uma melhoria da qualidade urbana destes espaços. Há interesse em fazê-lo, tirando também partido das vantagens que se podem oferecer como: a facilidade de

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Fig. 94 – Edifício montra de venda de automóveis (concelho de S. M. da Feira): o edifício como verdadeiro ícone comercial


acesso automóvel, as possibilidades visuais e de insolação do edifício, o contacto com a natureza, ou a existência de um espaço exterior próprio. A questão do sítio e do contexto, que é um dos temas fundamentais da arquitectura, deve ser introduzida na cidade difusa de uma forma mais alargada. Já que toda a cidade funciona a uma escala ampla, também o contexto deve ser estudado mais num sentido de território que, propriamente, de sítio. Obviamente que, se no campo do urbanismo, a cidade difusa impõe novas ferramentas de trabalho, (diferentes das do urbanismo tradicional), também no plano da na arquitectura não se pode intervir da mesma forma que na cidade tradicional. A cidade difusa é geralmente, um território instável, constantemente inacabado e em permanente crescimento e mutação. Como se projecta num território em transformação e envolvente incógnita? Como interpretar um contexto deste tipo? Como podemos projectar sem o conhecermos de forma definitiva? O projecto nesta situação deve incluir também uma certa dose de incerteza, ou de flexibilidade, na sua relação com o sítio, deixando espaço ao natural crescimento, evolução e alteração, ou permanência da envolvente. Sintetizando, a forma de projectar deve ser em parte, diferente da convencional, sobretudo por três razões: uma distinta forma de funcionamento da cidade (na relação edifício/espaço livre e edifício/edifício), um conjunto de novos tipos arquitectónicos (sem precedente na história da cidade compacta e na história da arquitectura) e uma envolvente que, para além de ser diferente, é, sobretudo, incerta e inconstante.

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CONCLUSÕES O estudo elaborado permite tirar uma série de conclusões genéricas e outras mais particulares, sobre as questões levantadas no início do trabalho. Primeiro, a cidade difusa e os territórios periféricos e de rurbanização adquirem cada vez mais importância no contexto das cidades região (em termos económicos e sociais). Por isso, a sua organização em regiões territoriais alargadas e delimitadas pelo seu contexto real – o construído – permite mais eficácia na intervenção a efectuar pelas respectivas administrações. Nesta outra cidade, cada vez maior, reclamase melhor tratamento e planificação. Para além disto, a cidade (ou o urbano) enquanto construção social, é um reflexo da sociedade e da economia, e não pode ser estudada ou mesmo transformada ignorando este factor – exige, por isso, multidisciplinaridade. Segundo, as estradas urbanizadas e as estradas mercado são a mais concreta expressão deste processo de crescimento extra-urbano, concentrando a maior diversidade de funções e o maior número de pessoas. Deverão necessariamente ser o alvo principal da intervenção nesta área, já que oferecem boas oportunidades para a criação de espaços urbanos de trabalho e lazer, com qualidade. Urge implementar-se este tipo de programa. Algumas questões em relação ao objecto deste estudo ficam, naturalmente, em aberto. O que irá suceder às estradas mercado, e à EN207 em particular? Como resistirá à recente criação dos shoppings do móvel? Serão reutilizados os edifícios montra se se tornarem obsoletos? E a economia do concelho e do distrito industrial? Resistirá à abertura dos mercados à economia global e à entrada das multinacionais do mobiliário no país?

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Em terceiro lugar, a tipologia do edifício montra permitiu retirar algumas conclusões quanto ao funcionamento e evolução deste tipo arquitectónico, que se constitui como um paradigma da transformação tipológica da arquitectura na cidade difusa. Demonstrou-se assim que a cidade difusa tem influência na forma e na função do edificado e portanto na arquitectura em geral. Produzindo novos tipos de tecido urbano, produz também novos tipos de edificado (que só podem existir e funcionar num contexto deste tipo), assim como novas relações entre este e o sítio. Portanto, o fenómeno da estrada mercado é basicamente um reflexo da sociedade contemporânea (dispersão, velocidade, automóvel individual, comunicação e imagem) no crescimento da cidade de hoje. E uma nova escala de cidade implica uma nova escala na leitura do sítio, que compreenda as novas velocidades no funcionamento do território e uma diferente forma de relação entre edifício e cidade (o que vai implicar outras possibilidades e transformações na forma dos edifícios). Assim, a interpretação que o projecto fará deste contexto terá necessariamente que actualizar os conceitos académicos de terreno, sítio ou lugar, próprios da cidade compacta e do espaço natural ou rural, pois o contexto é agora novo.

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ANEXOS 1. Inquéritos aos proprietários dos edifícios 2. Inventário de todos os edifícios estudados

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1. Inquéritos aos proprietários Com as visitas aos edifícios, foi sendo reconhecida a importância de propor um inquérito que nos pusesse em diálogo directo com os intervenientes para nos ajudar a perceber as dinâmicas territoriais, sociais, económicas e politicas. O inquérito era uma ferramenta fundamental para colmatar algumas dúvidas que ainda persistiam. Foram abordados 20 proprietários e este consistiu nas seguintes questões: 1. Em que ano se fundou a empresa? 2. Em que ano abriram a loja? 3. Que tipo de funções e uso existe no edifício? 4. Onde se fabricam os produtos do estabelecimento? Têm fábrica própria? 5. Qual o tipo de comprador habitual? De onde vêm mais compradores e para onde exportam mais? Venda a retalho ou grossista? 6. Porquê este tipo de edifício (edifício-montra)? Porque este tipo de arquitectura? 7. Qual foi a primeira empresa a adoptar este tipo de edifício? 8. Porquê o mobiliário e porquê Paços de Ferreira? Era negócio de família? A estrada e a grande quantidade de mobiliário têm ou tiveram alguma influência? 9. Como era Paços de Ferreira antes da indústria do mobiliário? 10. Onde vive? Quem me pode dizer da população do Concelho? 11. Tem sentido um decréscimo nas vendas? 12. Qual será o futuro da cidade? O que acha dos novos empreendimentos? A partir das respostas obtidas retiraram-se algumas conclusões: 1 e 2. Com as duas primeiras perguntas o objectivo principal era perceber se o ano de fundação das empresas estava directamente relacionado com o ano de abertura das lojas e se seria este um procedimento natural (se a criação de uma fábrica pressuponha a criação de um «apêndice», de um dispositivo que estabelecesse a ligação entre fabricante e comprador). Relativamente ao ano de fundação das empresas reconhecemos dois momentos distintos, o primeiro por volta dos anos 80 e o segundo já em 2000. As empresas nasceram natural e gradualmente. No entanto, nos anos 90, a política de intervenção no mercado do mobiliário foi alterada. Estas passaram a

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apostar na imagem, na exposição, na proximidade entre comprador e vendedor, tentando estabelecer uma correspondência entre o slogan criado nos anos 80 (“Paços de Ferreira – Capital do Móvel”) e o edificado. Esta forma simples e directa de marketing funcionou. A capital, uma mega-estrutura, uma cidade expositor, permitia possível satisfazer todas as exigências a preços bastante acessíveis. Vivíamos o pós 25 de Abril. Finalmente Portugal conseguia a estabilidade politica, económica e social que tanto ansiava. O Governo promove a construção de imóveis e incentiva a compra – quem quer imóvel, quer móvel. Paços de Ferreira tinha-se tornado um caso de sucesso. Qualquer um que tivesse acompanhado o desenvolvimento da cidade sentia vontade de investir. Assistiu-se à separação entre habitar e trabalhar, abriram-se equipamentos especializados, com grandes áreas de exposição que iam ao encontro das necessidades do comprador: “Aqui pode mobilar toda a sua casa”. O edifício era o rosto, o cartão de visita, o cartaz publicitário – era o primeiro contacto que o comprador estabelecia com o vendedor. Se no primeiro momento reconhecemos o fabricante puro, no segundo o interveniente apresenta-se como um mero vendedor que aproveita para investir num mercado em crescimento. 3. A terceira pergunta surge relacionada com as anteriores. Será que podemos identificar diversas fases tipológicas? Será que existe qualquer tipo de evolução entre elas? Estará o modelo comercial directamente relacionado com os diferentes anos em questão? Depois de analisar e cruzar os dados podemos concluir que existe uma evolução tipológica que se agrupa em dois momentos fortes, sendo os restantes pouco significativos. O primeiro com habitação e comércio muitas vezes associada a uma pequena fábrica. Este modelo resulta de uma busca natural de comodidade, conforto, eficácia e segurança. Com a proximidade entre estes campos podia-se controlar de perto todo o processo desde o fabrico até à venda. Ao proprietário desta sistema era possível intervir de forma activa in locu e a qualquer momento. Este núcleo produtivo foi-se adaptando à evolução económica e comercial, foi sendo reinterpretado mas nunca posto de lado. No entanto, mostra alguma dificuldade em responder às actuais necessidades do cliente, daí se projectarem edifícios de raiz com o único objectivo de expor e exibir a diversidade de produtos. 4. Com a quarta questão, a nossa principal intenção era perceber a origem dos produtos expostos. Será que todas as lojas têm uma fábrica própria, uma produção individual, uma imagem de marca, um cunho pessoal? Ou virão os produtos de um

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grande pólo fabril que distribui posteriormente pelas lojas espalhadas pelo território? Relacionando o ano de abertura das lojas com o fabrico dos produtos identificámos duas figuras diferentes. Os empresários que construíram uma loja entre os anos 90 e 2000 não têm geralmente fábrica própria, ao contrário dos que investiram no período anterior, onde se trata normalmente de um negócio de família que foi atravessando gerações. 5. O grosso das vendas é feito ao português comum que se dirige à loja tanto para comprar um candeeiro como para mobilar toda a sua casa. Cada caso é um caso, não existe um cliente tipo, um perfil para o comprador em Paços de Ferreira. Os principais compradores em Portugal vêm do Grande Porto, de Lisboa e do Algarve. No que toca às exportações, é de referir dois grandes mercados: o espanhol (principalmente a Galiza) e o francês, sendo que grande parte das vendas é feita a emigrantes portugueses distribuídos neste último país. 6. Quando levantávamos esta questão, a resposta parecia bastante óbvia para os nossos inquiridos. Aquele modelo tinha sido escolhido para se impor no terreno, para chamar a atenção, para ser visto, marcar a diferença. O edifício torna-se um símbolo, um elemento fundamental que caracteriza e define todo o espaço que o envolve. 7. Quando tentávamos perceber a origem ou o porquê do edifício, obtínhamos sempre como resposta um “não sei, sempre foi assim”. Ou seja, tendo uma fábrica é preciso uma loja para vender os produtos. Tendo uma loja é necessário uma montra onde os possa expor. Qualquer pessoa se podia ter lembrado de tal coisa. 8. Grande parte dos inquiridos está dentro do ramo do mobiliário, porque sendo um negócio de família em crescimento alguém tinha de o perpetuar. Os terrenos eram baratos, tratava-se da “Capital do Móvel” com uma grande concentração de lojas que pressupunha um certo movimento e portanto, um certo sucesso garantido. 9. A população mais idosa ainda tem algumas memórias, de um concelho pobre, com pouco mais de 40 mil habitantes que vivia essencialmente da agricultura, mas o tempo encarregou-se de apagar esta recordação. Os mais jovens que hoje em dia exploram este mercado não conseguem imaginar a cidade sem o boom do móvel: “Sempre foi assim, eu ainda me lembro de aos domingos se fazerem romarias pelas lojas à procura de móveis, vinha gente de todo o país.”

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10. Como se trata de um negócio de família, o grosso dos trabalhadores é de Paços de Ferreira. Nos anos 70 e 80 muitos foram aqueles que emigraram para países como França, Suiça ou Brasil mas aproveitaram o crescimento do mercado para regressar à terra natal. O desenvolvimento económico que se verificou no concelho não acompanhou o desenvolvimento cultural e intelectual. Não se investiu na formação, na mão-de-obra qualificada e especializada. A cidade ficou demasiadamente presa aos lucros que ia obtendo do mercado em expansão. 11. A resposta é quase unanimemente afirmativa. A concorrência é muito grande, o número de vendedores aumentou e os compradores diminuíram. Devido à crise que se verifica em Portugal o poder de compra decresceu. “Já não se vendem imóveis, logo, não se compram móveis.” Os poucos estabelecimentos onde se afirma não se sentir a crise são aqueles que vendem produtos de preço mais elevado, direccionados para uma população de nível económico superior. 12. Aqui jogamos (naturalmente) no campo das incertezas, o que está para vir ainda ninguém sabe. Muitos acham que, com a abertura dos novos empreendimentos quem vai ficar à margem são as pequenas e médias empresas, a rua mercado vai deixar de fazer sentido, vai deixar de ter o movimento que teve outrora. No entanto, os mais optimistas acreditam que, com os novos investimentos, o concelho vai ganhar “sangue novo”, e que estes vão dar uma nova dinâmica à estrada-mercado que já conheceu melhores momentos. Todos querem ter uma loja nestes dois pólos, mas poucos são aqueles que têm rendimentos para poder investir.

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2. Inventário de todos os edifícios montra estudados Nº Tipo Subtipo 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47

3 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 2 3 3 3 1 3 1 1 1 1 2 1 1 1 1 2 3 1 2 2 2 2 3 1 1 3 3 1 3 2 3 2 2 3 3 2

3.2 2.2 1.1 1.1 1.1 1.2 1.2 1.2 1.2 1.3 1.2 2.2 3.2 3.1 3.2 1.3 3.1 1.1 1.1 1.1 1.1 2.2 1.1 1.1 1.1 1.1 2.2 3.2 1.1 2.2 2.2 2.2 2.2 3.2 1.1 1.1 3.1 3.2 1.2 3.2 2.2 3.2 2.2 2.2 3.2 3.2 2.2

Forma

Direcção

L Rectângulo Paralelo Irreg.S.Quad. 45º Quad. Irreg. Paralelo L Rectângulo Paralelo Rectângulo Paralelo Irreg.S.Quad. Paralelo Rectângulo Paralelo Irreg.S.Quad. Paralelo Irreg.S.Quad. Paralelo Quad. Irreg. Irreg.S.Quad. 45º Irregular 45º Irreg.S.Triang. Paralelo L Paralelo Irreg.S.Quad. 45º Rectângulo 45º Irreg.S.Quad. Quadrado Irreg.S.Quad. Rectângulo Paralelo Quadrado Irreg.S.Quad. Quadrado Irreg.S.Quad. Paralelo Rectângulo Paralelo Quad. Irreg. Paralelo Irreg.S.Quad. 45º Irreg.S.Quad. Perpendicular Quad. Irreg. Perpendicular Quad. Irreg. Paralelo Rectângulo Paralelo Irreg.S.Triang. Irreg.S.Quad. Irreg.S.Quad. Paralelo Quad. Irreg. Paralelo Irregular Paralelo Rectângulo Paralelo Irreg.S.Quad. Paralelo Rectângulo Paralelo Irreg.S.Quad. Paralelo Irreg.S.Quad. Paralelo Irreg.S.Quad. Paralelo Irreg.S.Quad. 45º Irreg.S.Quad. Paralelo Irreg.S.Quad. Paralelo

Larg. Alç. Rua Profund.

48,10 28,10 17,80 22,90 8,40 29,80 27,40 29,70 20,20 32,20 22,60 24,10 10,10 17,70 24,20 33,50 12,70 9,60 16,80 15,70 11,40 35,30 14,10 14,90 15,70 16,00 32,20 72,60 12,70 7,70 21,00 10,60 14,80 26,70 14,70 20,80 27,40 36,30 32,40 28,50 24,40 27,70 25,10 23,50 8,50 50,60 31,60

14,2 13,4 12,4 16,5 20,3 14,2 11,7 15 13 15,7 15,2 20,9 14,7 28,3 17,4 11,6 14,6 15,6 14,7 17,7 12 16,9 16,1 16,8 17,4 9,4 14,6 30,7 11,4 29,9 21,2 5 9,3 13,5 12,8 12,2 15,2 11,9 13,5 11,8 11,9 12,9 16,2 12,2 35 45,2 9,5

Dist. à via Dist A

Dist B

Média

11,6 6,6 35 15,7 10,6 9 13,2 6,6 10,8 12,8 10,4 12,8 14,6 11,5 11,5 12,2 18,6 9,5 3,6 3 6,1 4,4 4,2 3,8 4,9 9,1 20 10,1 6,5 5,6 9,6 3,5 8 8,8 2,4 10,3 18,8 6,3 10,4 12,7 11 10,6 11 11,4 18,4 14,2 11

12,10 7 43,3 13,6 19 10,1 8,8 7 11,1 11,2 10,3 13 15,5 11,1 14,3 12,5 12 15,4 4,3 5,3 6,9 5,6 4,4 4,4 4 10,4 12,7 11 12,4 6,6 10,8 3,5 4,8 9 2,9 18,8 15,9 1,2 10,5 12,8 10,6 10,2 11,7 9,2 16,6 15,1 12,2

11,85 6,8 39,15 14,65 14,8 9,55 11 6,8 10,95 12 10,35 12,9 15,05 11,3 12,9 12,35 15,3 12,45 3,95 4,15 6,5 5 4,3 4,1 4,45 9,75 16,35 10,55 9,45 6,1 10,2 3,5 6,4 8,9 2,65 14,55 17,35 3,75 10,45 12,75 10,8 10,4 11,35 10,3 17,5 14,65 11,6

Número de pisos Comércio Habitação Total 3 1 1 1 1 1 2 1 1 1 1 2 2 3 3 1 2 1 1 1 1 2 1 1 2 1 2 3 1 2 2 2 2 2 1 2 2 3 1 2 2 2 2 2 2 3 2

0 1 2 1 1 2 2 2 2 1 2 1 0 0 0 1 0 1 2 1 1 1 2 1 1 1 1 0 1 1 1 2 1 0 1 1 0 0 2 0 1 0 1 1 0 0 1

3 2 3 2 2 3 4 3 3 2 3 3 2 3 3 2 2 2 3 2 2 3 3 2 3 2 3 3 2 3 3 4 3 2 2 3 2 3 3 2 3 2 3 3 2 3 3

Estrada EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207


Nº Tipo Subtipo 48 49 50 51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98

1 3 1 1 3 1 3 3 3 3 1 2 1 1 3 3 1 3 1 2 3 1 3 1 3 3 3 1 3 2 3 3 2 3 2 1 2 2 3 2 1 1 1 1 3 2 1 3 3 3 2

1.1 3.1 1.3 1.1 3.2 1.1 3.2 3.2 3.2 3.2 1.2 2.2 1.3 1.3 3.2 3.1 1.1 3.2 1.1 2.2 3.1 1.1 3.1 1.1 3.2 3.2 3.1 1.1 3.2 2.2 3.2 3.2 2.2 3.2 2.2 1.1 2.2 2.1 3.1 2.2 1.3 1.1 1.1 1.2 3.1 2.1 1.1 3.1 3.1 3.2 2.2

Forma

Direcção

Irregular Irreg.S.Quad. Irreg.S.Quad. Irreg.S.Quad. Rectângulo Irreg.S.Quad. Irreg.S.Quad. Irreg.S.Quad. Irreg.S.Quad. Irregular Quad. Irreg. Quad. Irreg. Rectângulo Rectângulo Rectângulo L Quadrado Quad. Irreg. Quadrado Irreg.S.Quad. Irreg.S.Quad. Quadrado Irregular L Quad. Irreg. Irreg.S.Quad. Rectângulo Irreg.S.Quad. Irregular Irregular Rectângulo Irreg.S.Quad. Rectângulo Quad. Irreg. Quad. Irreg. Irreg.S.Quad. L Quad. Irreg. Irreg.S.Quad. Irreg.S.Quad. Irregular Irreg.S.Quad. Rectângulo Rectângulo Irregular Rectângulo Irreg.S.Quad. Quad. Irreg. Irreg.S.Quad. Irreg.S.Quad. Irreg.S.Triang.

45º Paralelo Paralelo 45º Perpendicular Paralelo Paralelo Paralelo Paralelo Paralelo Paralelo Paralelo Paralelo Paralelo Paralelo 45º Paralelo Paralelo 45º 45º Paralelo Paralelo Perpendicular Paralelo Perpendicular Perpendicular Perpendicular Perpendicular Paralelo Paralelo Perpendicular Perpendicular Paralelo Perpendicular Perpendicular Perpendicular Perpendicular Perpendicular Paralelo

Larg. Alç. Rua Profund. 19,20 6,70 33,10 15,50 16,90 15,40 27,90 34,00 48,70 39,80 36,50 59,10 25,00 33,20 39,90 56,30 14,30 32,50 16,40 49,50 21,10 16,40 59,40 7,20 28,60 44,10 12,50 9,90 47,90 36,30 71,80 45,50 11,40 37,30 19,20 10,70 15,90 21,40 14,80 34,30 47,10 11,00 11,50 17,90 7,70 13,60 12,70 13,40 11,40 30,10 46,90

23,6 32,6 15,9 10,8 17,1 14,5 35,5 23,2 23 44,7 13,9 15,1 13,5 13,5 13,6 52,7 12,4 27,3 13,7 21,4 14,5 18,4 15,2 15,6 19 21,8 9,5 26,6 27,8 22 32,4 16,8 14,9 23,3 20,2 15 26,8 20,2 19,2 26,5 14,3 22,2 16,4 13,9 18,1 17,2 16 17,7 23,2 34,9 14,3

Dist. à via Dist A

Dist B

Média

3,6 10,2 11,9 10,1 9,4 12,2 11,6 10,9 12,3 13,2 12,2 7,6 10,1 10,3 15,2 13,3 9,3 15,1 11,3 16,5 14,3 12,3 11,5 11,9 11,6 18,2 6,6 10,2 6,2 14,4 41,4 13,8 7,5 7,9 8,6 7,3 9,4 20,6 8 14,5 8 4,6 5,5 13,5 9,9 10,7 1,4 11,2 13,1 14,7 12,7

1 10,9 12 9,7 18,6 11,9 11,6 10,7 10,4 7,9 10,1 8,2 10,2 10,8 15,3 13,8 10,1 16,1 11,3 16,7 14,5 11,9 13,4 12,1 11,9 15 6,6 23,6 17,5 10,7 37,5 12,9 8 5,8 9,5 7,3 9,4 19,4 8,1 12,6 8,6 4,4 5,9 13,4 6,7 10,8 1,4 11,1 13,9 15,3 11,7

2,3 10,55 11,95 9,9 14 12,05 11,6 10,8 11,35 10,55 11,15 7,9 10,15 10,55 15,25 13,55 9,7 15,6 11,3 16,6 14,4 12,1 12,45 12 11,75 16,6 6,6 16,9 11,85 12,55 39,45 13,35 7,75 6,85 9,05 7,3 9,4 20 8,05 13,55 8,3 4,5 5,7 13,45 8,3 10,75 1,4 11,15 13,5 15 12,2

Número de pisos Comércio Habitação Total 1 2 1 1 2 1 2 2 2 3 1 2 1 1 3 3 1 3 1 2 1 1 2 1 2 3 2 1 3 2 1 2 2 4 2 1 2 1 3 2 1 1 1 1 2 2 1 1 2 2 2

2 0 1 1 0 1 0 0 0 0 2 1 1 1 0 0 1 0 2 1 0 2 0 2 0 0 0 1 0 1 0 0 1 0 1 2 2 3 0 2 2 1 2 2 0 2 2 0 0 0 1

3 2 2 2 2 2 2 2 2 3 3 3 2 2 3 3 2 3 3 3 1 3 2 3 2 3 2 2 3 3 1 2 3 4 3 3 4 4 3 4 3 2 3 3 2 4 3 1 2 2 3

Estrada EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207


Nº Tipo Subtipo 99 100 101 102 103 104 105 106 107 108 109 110 111 112 113 114 115 116 117 118 119 120 121 122 123 124 125 126 127 128 129 130 131 132 133 134 135 136 137 138 139 140 141 142 143 144 145 146

3 1 3 2 2 3 3 3 2 2 2 2 1 3 1 1 3 1 2 3 3 2 3 1 1 2 3 3 3 2 1 1 1 1 1 1 2 2 1 1 1 3 1 1 1 3 2 1

3.2 1.1 3.2 2.2 2.2 3.1 3.2 3.2 2.2 2.2 2.2 2.2 1.1 3.2 1.1 1.1 3.2 1.1 2.1 3.2 3.2 2.2 3.1 1.1 1.1 2.2 3.2 3.1 3.2 2.1 1.1 1.1 1.1 1.1 1.3 1.1 2.2 2.1 1.3 1.1 1.1 3.1 1.1 1.1 1.1 3.1 2.1 1.1

Forma

Direcção

Irreg.S.Triang. Quadrado Irreg.S.Quad. Irregular Rectângulo Rectângulo Irregular Irreg.S.Quad. Rectângulo L Rectângulo Rectângulo Rectângulo Irreg.S.Quad. L Quad. Irreg. L Irregular Irreg.S.Quad. Rectângulo Irreg.S.Quad. Rectângulo Rectângulo Quadrado Irreg.S.Quad. Quad. Irreg. Irreg.S.Quad. Irregular Irreg.S.Quad. Irreg.S.Quad. Irreg.S.Quad. Irreg.S.Quad. Irreg.S.Quad. Rectângulo Rectângulo Rectângulo Irregular Irreg.S.Quad. Irregular Rectângulo Irreg.S.Quad. Irreg.S.Quad. Rectângulo Rectângulo Irregular Irreg.S.Quad. Rectângulo Irregular

Paralelo Perpendicular Perpendicular Paralelo Paralelo Paralelo 45º Paralelo Paralelo Paralelo Paralelo Paralelo Paralelo Perpendicular Perpendicular Paralelo Paralelo Paralelo Perpendicular Perpendicular Paralelo Paralelo Paralelo Perpendicular Paralelo Perpendicular Paralelo Perpendicular Perpendicular Paralelo Paralelo Paralelo Paralelo Perpendicular Paralelo Paralelo Paralelo Paralelo Perpendicular 45º Paralelo -

Larg. Alç. Rua Profund. 54,00 14,00 15,10 21,20 21,10 39,80 54,10 23,40 42,40 40,60 29,70 48,40 16,20 47,00 13,60 16,00 34,80 16,40 30,10 37,20 21,10 23,90 91,40 12,40 21,50 23,90 5,40 17,60 16,20 18,50 14,40 15,30 14,40 17,20 36,10 12,50 6,50 26,20 46,40 6,70 26,30 8,00 18,40 16,60 18,30 16,70 107,00 11,60

45,6 11,9 53,3 30 11,7 13,5 12 24,8 14 14 15,3 13,2 8,7 22,3 23,2 28,7 13,8 12,1 21 11,8 23,2 27,9 15,1 13,5 15 15,8 12,6 10,9 4,9 14,8 14,6 15,2 14,8 14 7,8 7,3 20,5 19,1 23 7,4 14,5 20,7 11,7 14,6 48,5 58.9 15 21,1

Dist. à via Dist A

Dist B

Média

11,5 14,2 13,6 13,5 12,2 11,6 12,7 19,1 12,3 14,3 9,2 4,1 0,8 11,9 8,7 12 12,4 4 10,5 11,2 11,1 11,1 12,2 14,9 12,7 12,1 15,6 11,9 16,4 11 7,1 4,7 5,8 6,7 5,3 6,1 6 10,5 7,4 16,2 12,1 19,3 5,9 11,2 9,3 8,2 19,4 2

10,3 12,8 13,8 13,7 12,1 11,2 12,9 33 12,7 11,4 9 20,6 0,9 12,8 7,9 12,1 13,2 4,4 10,5 12,8 11,4 11 12,3 14,2 12,3 11,4 14,7 8,9 16,7 10,4 7,5 5,2 6,7 4,4 5,8 6,1 7 9,3 7,9 16 10,8 20,5 6,3 10,3 9,1 17 14 0,8

10,9 13,5 13,7 13,6 12,15 11,4 12,8 26,05 12,5 12,85 9,1 12,35 0,85 12,35 8,3 12,05 12,8 4,2 10,5 12 11,25 11,05 12,25 14,55 12,5 11,75 15,15 10,4 16,55 10,7 7,3 4,95 6,25 5,55 5,55 6,1 6,5 9,9 7,65 16,1 11,45 19,9 6,1 10,75 9,2 12,6 16,7 1,4

Número de pisos Comércio Habitação Total 3 1 2 2 2 1 3 2 2 2 2 2 1 3 1 1 2 1 1 3 3 2 2 1 2 3 2 3 2 1 2 2 1 1 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 2 1 1

0 1 0 1 1 0 0 0 3 1 1 1 2 0 1 1 0 1 3 0 0 1 0 2 1 0 0 0 0 2 1 1 1 1 1 1 2 2 2 1 2 0 1 1 1 0 2 2

3 2 2 3 3 1 3 2 5 3 3 3 3 3 2 2 2 2 4 3 3 3 2 3 3 3 2 3 2 3 3 3 2 2 3 2 3 3 3 2 3 1 2 2 2 2 3 3

Estrada EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN207 EN209 EN209 EN209 EN209 EN209 EN209 EN209 EN209 EN209 EN209 EN209 EN209 EN209 EN209 EN209 EN209 EN209 EN209 EN209 EN209 EN209 EN209 EN209 EN209 EN209 EN209 EN209 EN319 EN319 EN319 EN319 EN319 EN319 EN319 EN207



ÍNDICE DAS IMAGENS E TABELAS IMAGENS AO LONGO DO TEXTO IMAGEM / TABELA Fig. 1 Fig. 2 Fig. 3 Fig. 4 Fig. 5 Fig. 6 Fig. 7 Fig. 8 Fig. 9 Fig. 10 Fig. 11 Fig. 12 Fig. 13 Fig. 14 Fig. 15 Fig. 16 Fig. 17 Fig. 18 Fig. 19 Fig. 20

PÁG 23 47 54 55 56 59 63 63 65 72 72 73 74 74 75 76 77 81 81 82

FONTE François Ascher, Metapolis130 João Ferrão «Portugal, 3 geografias em recombinação…»131 Autor Câmara Municipal de Paços de Ferreira Autor Autor Autor Autor Autor, a partir de base cedida pela C.M.Paços de Ferreira Autor, a partir de base cedida pela C.M.Paços de Ferreira Autor, a partir de base cedida pela C.M.Paços de Ferreira Autor, a partir de base cedida pela C.M.Paços de Ferreira Autor, a partir de base cedida pela C.M.Paços de Ferreira Autor, a partir de base cedida pela C.M.Paços de Ferreira Autor, a partir de base cedida pela C.M.Paços de Ferreira Autor, a partir de base cedida pela C.M.Paços de Ferreira Autor, a partir de base cedida pela C.M.Paços de Ferreira AAVV, Aprendiendo de Las Vegas…132 AAVV, Il territorio che cambia… 133 Autor

130. François Ascher, Metapolis – Acerca do futuro da cidade, Celta Editora, Oeiras, 1998 131. João Ferrão, «Portugal, três geografias em recombinação – Espacialidades, mapas cognitivos e identidades territoriais», Lusotopie, Paris, 2002 132. Robert Ventiuri, Steven Izenour e Denise Scott Brown, Aprendiendo de Las Vegas – el Simbolismo olvidado de la forma arquitectónica, Editorial Gustavo Gili S.A., Barcelona, 2004 133. Stefano Boeri, Arturo Lanzani e Edoardo Marini: Il territorio che cambia : ambienti, paesaggi e immagini della regione milanese, Abitare Se gesta, Milano, 1993 (tradução livre)

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IMAGEM / TABELA Fig. 21 Fig. 22 Fig. 23 Fig. 24 Fig. 25 Fig. 26 Fig. 27 Fig. 28 Fig. 29 Fig. 30 Fig. 31 Fig. 32 Fig. 33 Fig. 34 Fig. 35 Fig. 36 Fig. 37 Fig. 38 Fig. 39 Fig. 40 Fig. 41 Fig. 42 Fig. 43 Fig. 44 Fig. 45 Fig. 46 Fig. 47 Fig. 48 Fig. 49 Fig. 50 Fig. 51 Fig. 52 Fig. 53 Fig. 54 Fig. 55 Fig. 56 Fig. 57 Fig. 58 Fig. 59 Fig. 60 Fig. 61 Fig. 62 Fig. 63 Fig. 64 Fig. 65

PÁG 82 82 88 91 91 92 98 99 100 100 101 101 101 102 103 103 103 103 104 104 104 105 105 106 106 108 108 109 109 109 110 111 111 112 112 113 113 114 114 114 115 116 116 116 120

FONTE Autor Autor Autor Autor Autor Autor Natália Costa Natália Costa AAVV, Il territorio che cambia…134 Autor Autor Autor Autor Natália Costa http://www.schnapp.org/bosi/images/LowQ/20041011_13.jpg Natália Costa http://world.lib.ru/img/a/antosha/paris/photo049.jpg Natália Costa Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor

134. Stefano Boeri, Arturo Lanzani e Edoardo Marini: Il territorio che cambia : ambienti, paesaggi e immagini della regione milanese, Abitare Se gesta, Milano, 1993 (tradução livre)

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IMAGEM / TABELA Fig. 66 Fig. 67 Fig. 68 Fig. 69 Fig. 70 Fig. 71 Fig. 72 Fig. 73 Fig. 74 Fig. 75 Fig. 76 Fig. 77 Fig. 78 Fig. 79 Fig. 80 Fig. 81 Fig. 82 Fig. 83 Fig. 84 Fig. 85 Fig. 86 Fig. 87 Fig. 88 Fig. 89 Fig. 90 Fig. 91 Fig. 92 Fig. 93 Fig. 94

PÁG 120 121 124 124 124 125 125 125 125 131 141 151 151 152 152 152 153 153 155 156 156 157 157 158 158 159 159 159 160

FONTE Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor

TABELAS AO LONGO DO TEXTO Tabela 1 – Classificação das formas dos edifícios Tabela 2 – Classificação dos edifícios segundo a forma Tabela 3 – Classificação dos edifícios segundo a Tabela 4 – Parâmetros para a definição dos tipos Tabela 5 – Definição dos tipos (morfologia, função e Tabela 6 – Possíveis posicionamentos intermédios nos Tabela 7 – Possibilidades nas variações dos tipos Tabela 8 – Caracterização dos subtipos segundo os Tabela 9 – Quantificação dos edifícios segundo os Tabela 10 – Larguras médias (por tipo, subtipo e total) Tabela 11 – Profundidades médias (por tipo, subtipo e Tabela 12 – Número médio de pisos (por tipo, subtipo Tabela 13 – Número médio de pisos segundo a função Tabela 14 – Distância média à via (por tipo, subtipo e Tabela 15 – Distribuição dos edifícios montra pelas três Tabela 16 – Distribuição dos edifícios montra pelas três Tabela 17 – Distribuição dos edifícios montra pelas três Tabela 18 – Distribuição dos edifícios devolutos/em Tabela 19 – Distribuição dos edifícios devolutos/em Tabela 20 – Distribuição dos edifícios devolutos/em Tabela 21 – Distribuição dos edifícios com outra função

117 118 118 120 121 121 123 126 127 128 129 129 130 130 136 136 139 139 139 140 140

Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor

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IMAGEM / TABELA Tabela 22 – Distribuição dos edifícios com outra função Tabela 23 – Distribuição dos edifícios com outra função Tabela 24 – Distribuição dos edifícios de maior impacto Tabela 25 – Quantificação dos edifícios de maior Tabela 26 – Caracterização dos edifícios de maior Tabela 27 – Distribuição do grau de atractividade por Tabela 28 – Distribuição do grau de atractividade por Tabela 30 – Distribuição dos edifícios segundo o seu Tabela 29 – Distribuição dos edifícios segundo o seu

PÁG 140 140 141 142 142 147 147 148 147

FONTE Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor Autor

IMAGENS / TABELAS À PARTE DO TEXTO Topografia e edificado do noroeste português Subsistemas e polaridades da cidade região Vale do Sousa: caracterização geral, dinâmica populaFoto aérea: AMP e Vale do Sousa Localização do concelho e vias rodoviárias Vias do concelho Fotografia aérea Estado actual do construído Topografia e evolução do edificado Localização das funções Troço da estrada mercado EN207 Troço da estrada mercado EN207 – imagem aérea Distribuição da sinalética Evolução dos tipos Plantas, cortes e alçados tipo Plantas, cortes e alçados tipo Plantas, cortes e alçados tipo Distribuição dos tipos e subtipos Distribuição de outros edifícios montra Localização dos edifícios seleccionados Visibilidade dos edifícios seleccionados Visibilidade dos edifícios seleccionados Tabela dos edifícios seleccionados ANEXOS – Inquéritos aos proprietários Anexos – Inventário de todos os edifícios montra

50 51 52 53 57 58 66 66 67 89 90 90 107 122 133 134 135 137 138 143 144 145 146 167 171

CEFA, Cidade Difusa do Noroeste Peninsular135 CEFA, Cidade Difusa do Noroeste Peninsular CEFA, Cidade Difusa do Noroeste Peninsular Google Earth (http://earth.google.com) Câmara Municipal de Paços de Ferreira Câmara Municipal de Paços de Ferreira Google Earth (http://earth.google.com) Câmara Municipal de Paços de Ferreira + Seminário FAUP Câmara Municipal de Paços de Ferreira + Seminário FAUP Levantamento - Autor Câmara Municipal de Paços de Ferreira Google Earth (http://earth.google.com) Levantamento – Seminário Urbanismo 6º Ano FAUP Autor Autor Autor Autor Levantamento - Autor Levantamento - Autor Levantamento - Autor Autor Autor Autor Seminário Urbanismo 6º Ano FAUP Autor

135. CEFA, Cidade Difusa do Noroeste Peninsular, Centro de Estudos da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Porto, 2002

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