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Breve Histórico de Lasers de Baixa Potência na Odontologia Denise Maria Zezell
INTRODUÇÃO Este capítulo apresenta brevemente o histórico de lasers de baixa potência na odontologia. Sem pretender ser uma revisão sistemática da literatura, ou cobrir a totalidade das informações, deseja-se, sobretudo, reconhecer os pioneiros da área. Uma busca com os termos laser e dental journals nas bases de dados Pubmed e Web of Science no período de 1960 até 1980 (desde o desenvolvimento do primeiro laser até o início da grande disseminação da tecnologia laser nas áreas de saúde) aponta apenas 170 artigos científicos, sendo uma pequena fração relativa a lasers de baixa potência. De 1980 a 1990 o número de publicações na área foi seis vezes maior (~ 800); nas duas últimas décadas aumentou algumas ordens de grandeza (> 5.000), sendo difícil precisar com exatidão a totalidade, dado que as publicações não se restringem mais a revistas odontológicas. No Brasil foi feita busca nos bancos de teses da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e da Universidade Estadual Paulista (UNESP) para trabalhos anteriores a 1990, em livros básicos de várias bibliotecas e acervo pessoal, assim como consultados os currículos na base Lattes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) de alguns docentes universitários dos estados de São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco.
PUBLICAÇÕES EM TERAPIA LASER DE BAIXA POTÊNCIA (TLBP) Um artigo apresentado em conferência por Tomberg em 19631 e posteriormente publicado pelo mesmo autor na revista Nature em 19642 foi a primeira menção encontrada das potencialidades biológicas de aplicações não térmicas de lasers advindas dos efeitos do campo elétrico em meios biológicos. Como resultado dessa interação, o autor destaca possíveis efeitos biológicos, químicos e elétricoespecíficos, inaugurando uma nova e desafiadora área de investigação. Embora lasers já fossem usados clinicamente na odontologia em vários países desde os anos 1980, o órgão regulador norte-americano Food and Drug Administration (FDA) apenas nos anos 1990 aprovou o uso de lasers de alta potência em tecidos odontológicos moles, e em 1996 para tecidos duros; em 1997 aprovou o uso do laser de érbio para dentina. Apesar das evidências científicas de trabalhos publicados em importantes revistas, norte-americanas inclusive, dos benefícios do uso de lasers com baixas densidades de potência nas várias especialidades odontológicas, em 1999 a FDA iniciou seus próprios estudos do uso potencial de lasers na bioestimulação de feridas de diabéticos. Antes da finalização do estudo da FDA, em 2002, quando o primeiro laser de baixa potência para redução da dor foi aprovado, todas as submissões para aprovação de pré-comercialização e uso de lasers de baixa potência parecem ter sido denegadas por aquele órgão, sob a alegação de que não havia evidências científicas para os resultados benéficos constantes em 50% das publicações e que os demais 50% de artigos indicavam que não havia resultados positivos. Atualmente grande quantidade e variedade de equipamentos que podem promover efeito bioestimulante e de redução da dor são aprovados para comercialização pelo órgão norte-americano FDA, inclusive para uso doméstico. Enquanto nos EUA havia restrições sobre o uso e a pesquisa com lasers de baixa potência, antes dos anos 1980 os demais países do mundo evoluíram em suas pesquisas científicas, assim como obtiveram evidências clínicas dos benefícios desta forma de radiação luminosa na odontologia, motivados pelos resultados promissores de trabalhos pioneiros, publicados na maioria em húngaro, alemão, russo, chinês, japonês, português e alguns poucos em inglês3-6. Entre os primeiros trabalhos das aplicações da TLBP estão as publicações do médico Endre Mester, da Universidade Médica Semmelweis, Budapeste, entre 1966 e 1967, que desejava verificar se essa nova forma de radiação poderia causar mutações ou induzir câncer. Como resultado de suas pesquisas, observou um crescimento acelerado de pelos nos animais que receberam irradiação laser em relação ao grupo controle e também notou a aceleração no reparo de úlceras crônicas com laser de argônio e rubi 3. Ralph H. Stern, reconhecido por uma das primeiras publicações sobre uso de lasers em odontologia em 1964, com laser de rubi de alta densidade de potência em esmalte dental7, já mencionava outras possíveis aplicações de laser, como para o clareamento dental, 79
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Laser de Baixa Potência – Princípios Básicos e Aplicações Clínicas na Odontologia
em seu capítulo “Dentistry and the lasers”, no primeiro volume da série de Wolbarst, de 19718. Nesta coleção, que pretendeu apresentar as bases para técnicas que no futuro ganhariam aceitação clínica, a utilização de lasers de baixa potência ou que não causassem efeitos térmicos foi largamente explorada, principalmente para pesquisa. No volume 1 são abordados desde os efeitos térmicos de lasers em várias áreas até o estudo dos mecanismos de interação da radiação com sistemas celulares, de microfeixes laser alterando organelas e consequentemente as funções celulares. O volume 2 aprofunda o uso de lasers em pesquisa celular, discute padrões de segurança no uso de lasers e a odontologia introduz a determinação de elementos metálicos traço nas estruturas dentais e ossos9. No volume 3 de 1977 são discutidos extensivamente trabalhos produzidos na antiga União Soviética, de 1969 a 1974, sobre os efeitos de lasers de hélio-neônio (He-Ne) na reparação de lesões em língua e tecidos ósseos, entre outras aplicações não odontológicas, incluindo também lasers de rubi e emissores de ultravioleta (UV) em condições de baixa densidade de potência na reparação de lesões10. Como curiosidade, as condições de irradiação variaram desde 1 mJ/cm2 até 1 J/cm2. São apresentadas ainda outras aplicações de lasers emitindo baixas densidades de potência, como holografia na odontologia, no registro e reconstrução de imagens tridimensionais, para o estudo de materiais restauradores, próteses, dinâmica mastigatória etc. O volume 4, de 1989, trata desde o uso de lasers e óptica não linear (pulsos ultracurtos) no estudo de reações fotoquímicas e fotobiológicas até injúrias oculares11. Com a variedade de possibilidades para uso de lasers em pesquisa e na prática clínica e o advento de novos comprimentos de onda e diferentes condições de irradiação, no início de 1979 Leon Goldman (considerado o “pai” da área de lasers em Medicina nos EUA) e Ellet H. Drake fundaram a Sociedade Americana de Lasers em Medicina e Cirurgia (ASLMS). O periódico daquela sociedade, denominado Lasers in Surgery and Medicine, foi iniciado em 1980 e, em seu primeiro volume, já publicou artigo sobre a utilização do laser de He-Ne na epitelização de lesões na ginecologia. Na odontologia, em 1981, no mesmo periódico, houve relato de grupo da China sobre realização de múltiplas extrações dentais com a utilização de anestesia por acupuntura laser12. A partir de 1989, passou a publicar os anais do congresso em um suplemento da revista, já incluindo uma seção de bioestimulação. Várias sociedades para estudo e disseminação de lasers em medicina e odontologia foram fundadas no mundo nos anos 1980. No Brasil, por exemplo, foram fundadas, em março de 1991 a Associação Brasileira de Lasers em Odontologia (ABLO); em 1996 a Sociedade Brasileira de Laser em Medicina e Cirurgia (SBLMC), que mantém uma divisão de odontologia; em julho do mesmo ano a Sociedade Mineira de Laserterapia na Odontologia e em 1998 a Sociedade Brasileira de Laser em Odontologia (SOBRALO). Em meados dos anos 1970 e início dos anos 1980 surgiram as primeiras explicações das causas dos fenômenos de bioestimulação, fundamentadas teoricamente e comprovadas por experimentos, que serão detalhadamente discutidos nos capítulos deste livro. No Brasil, pioneiros na área de laser na medicina, como os professores Jorge e Ester Nicola, do Instituto de Física e Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, respectivamente, iniciaram pesquisas com lasers de baixa potência assim como com lasers de alta potência emitindo em condições de baixa densidade de potência na pele e mucosa oral em 1984, assim como trabalhos na terapia fotodinâmica de tumores, com as primeiras dissertações defendidas e publicações no tema a partir de 198713-15. Diretamente na odontologia, os primeiros trabalhos com a utilização de lasers de baixa potência localizados nos termos de busca descritos neste capítulo foram de professores ligados à universidades, como Valdir G. Garcia (UNESP, Araçatuba), Aldo Brugnera (Unicastelo), Antonio L. B. Pinheiro (UFPE e UFBA), Carlos de Paula Eduardo (USP, São Paulo), Juarez Correa de Silveira, Walter J. Genovese (UNICSUL), Edmir Matson e seu aluno Eduardo B. Groth (USP, São Paulo) e Walter Niccoli Filho (UNESP, São José dos Campos), visionários que abriram fronteiras para essa importante atividade com uma profusão crescente de aplicações. Hoje diversos grupos de pesquisa em todo o mundo trabalham no aprofundamento dos conhecimentos já adquiridos sobre os mecanismos de ação da terapia laser de baixa potência e na ampliação de suas aplicações clínicas por meio de estudos clínicos controlados visando estabelecer protocolos seguros para benefício dos pacientes e da odontologia.
Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15.
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