9
Introdução da Terapia Laser de Baixa Potência na Clínica Odontológica Silvia Cristina Núñez
INTRODUÇÃO Após a leitura dos capítulos iniciais deste livro, o leitor pode se sentir tentado a utilizar o laser em sua clínica diária. Resolvemos introduzir este capítulo para auxiliar todos aqueles que desejam começar a empregar a terapia laser de baixa potência (TLBP) em seus consultórios antes da apresentação das aplicações e protocolos clínicos.
ESCOLHA, RECOLHECIMENTO E AJUSTES DO EQUIPAMENTO LASER Primeiramente, vamos discutir sobre a aquisição de um equipamento laser. Existem, simplificadamente, dois tipos de “compradores”: aquele que compra por impulso e aquele que faz o consumo consciente. O primeiro tipo, o comprador impulsivo, deve representar a maioria dos dentistas que adquiriram lasers de baixa potência. Nesses casos, a compra é realizada por oportunidade, ou seja, o preço está bom e o parcelamento é adequado às suas possibilidades. Assim, o comprador pensa que está fazendo um bom negócio. Entram no mesmo grupo os que somam, aos fatores citados acima, o pensamento de que podem fazer marketing com o laser no consultório e que isso irá aumentar a rentabilidade de seu negócio. Os fatores mencionados são importantes, afinal de contas o dentista tem de gerir uma pequena empresa, que deve ser lucrativa, e a aquisição de novos equipamentos deve ser pautada também nas oportunidades. Porém como ganhar dinheiro e fazer marketing se o dentista não sabe o que fazer nem como escolher o equipamento novo? Aí está o primeiro erro dos compradores por impulso, pois eles, ao receberem o equipamento em seus consultórios, tentam utilizá-lo algumas vezes de forma inadequada, ou descobrem que eles “não fazem” o que eles queriam e acabam desistindo do uso da TLBP. Pior que isso, acabam difamando o emprego dessa terapia. O segundo tipo de comprador, o consciente, é aquele que fez cursos, estudou e identificou nesses equipamentos uma oportunidade de melhorar a sua prática clínica. Esse tipo de consumidor tem mais chances que o primeiro de tirar bom proveito dessa aquisição, mas mesmo assim ainda não há garantia de sucesso. Muito mais do que a compra de um equipamento, a aquisição de um laser de baixa potência representa a introdução de novas terapias e abordagens terapêuticas em seu consultório, e o dentista tem de se preparar de forma adequada a essa realidade para que, além de oferecer um melhor cuidado para o paciente, também possa receber retorno por seu investimento financeiro e de formação acadêmica. Imaginando que a decisão está tomada e você se sente confiante para iniciar o uso da TLBP em seu consultório, o primeiro passo é a escolha de um equipamento, ou o reconhecimento do equipamento que você tem. Muitas vezes nos deparamos com dentistas que possuem lasers de baixa potência em seu consultório e ao fazermos perguntas simples como: “qual o comprimento de onda de seu laser?” ou, ainda, “qual a potência de seu equipamento?”, não obtemos resposta ou a resposta é muitas vezes equivocada, o que demonstra que mesmo aqueles que já possuem um equipamento devem conhecê-lo antes de qualquer coisa. Na hora de escolher um equipamento laser muitas dúvidas devem surgir na cabeça do dentista. Será que as necessidades de um profissional que só pratica a endodontia são iguais às de um ortodontista? Vamos iniciar pelo comprimento de onda. Conforme visto nos capítulos anteriores, os comprimentos de onda mais comumente utilizados na TLBP estão localizados na região vermelha visível do espectro eletromagnético ou na região do infravermelho próximo. Dentro da faixa vermelha, os comprimentos de onda mais comuns são de aproximadamente 630 nm, 660 nm e 685 nm. Não há relatos na literatura de vantagens ou desvantagens entre esses comprimentos de onda, se todos se tratarem de lasers de diodo. 81
82
Laser de Baixa Potência – Princípios Básicos e Aplicações Clínicas na Odontologia
Portanto, se você procura um laser de emissão vermelha para a realização da TLBP, qualquer um desses comprimentos de onda pode ser adequado. Já na região do infravermelho próximo, os comprimentos de onda comercializados são 780 nm, 830 nm, 904 nm e 960 nm. Tampouco podemos identificar entre esses comprimentos de onda grande diferença de aplicação. É muito importante conhecer o comprimento de onda do laser que você possui ou que quer possuir, pois alguns protocolos são apresentados para utilização com laser de emissão vermelha e outros, infravermelha. O laser de emissão vermelha está intimamente conectado a reparo tecidual, enquanto o comprimento de onda infravermelho é bastante citado em analgesia, devido a maior penetração no tecido. Decidido o comprimento de onda, outra dúvida muito frequente é sobre a potência do equipamento. Será que equipamentos mais potentes são melhores? Como os lasers de baixa potência que encontramos comercialmente são, em sua maioria, de emissão contínua, não vamos entrar em detalhes sobre a diferença entre lasers pulsados e contínuos; vamos assumir que estamos lidando com lasers de emissão contínua. Para maiores detalhes sobre esse tema consulte o Capítulo 1. Recordando o que esse capítulo nos apresentou, vamos entender potência. Em primeiro lugar, a unidade de potência que usamos é o watt (W), mas os lasers de baixa potência utilizados em TLBP têm potência da ordem de miliwatt (mW). Isso é importante! Mais importante do que quanta potência tem meu equipamento é conhecer a potência que ele tem e como utilizá-la em cálculos, pois todo cálculo que será realizado, seja para calcular energia (J), densidade de energia (J/cm2) ou densidade de potência (W/cm2), irá utilizar a potência de saída de seu laser e você deverá convertê-la de mW para W. Ou seja, se seu laser tem 30 mW de potência e você quer saber quanto tempo deve irradiar uma região para entregar 3 J de energia, é só fazer a simples conta E (J) = P (W) ´ t (s). Logo, temos que 3 = (30 ⫼ 1.000) ´ t (s); então 3 ⫼ 0,03 = t (s) e t = 100s. É necessário fazer a conversão de miliwatt para watt, bastando para isso dividir o valor por 1.000. Perceba que o simples fato de conhecer a potência de saída do laser possibilita o rápido cálculo do tempo de exposição, o que torna sua aplicação mais simples, pois você sabe que, ao colocar o laser em sua potência máxima (no caso citado, 30 mW), tudo que você deve fazer é deixá-lo em posição por 100 s e a energia desejada será entregue. Quanto à questão de mais ou menos potência, primeiro vamos entender que a potência significa a quantidade de saída dos fótons por unidade de tempo, ou seja, quanto mais potente, mais fótons teremos em menos tempo para entregar a mesma energia. Para entender essa frase, vamos pegar a conta descrita acima: um laser de 30 mW leva 100 s para entregar 3 J; utilizando um laser de 60 mW, levaremos 50 s. Então, podemos pensar que é melhor ter um laser de 60 mW, pois iremos trabalhar mais rápido. Isso é verdade, porém, segundo pesquisas reportadas na literatura, o tempo de aplicação é também responsável pelos efeitos obtidos na TLBP e maiores tempos de iluminação levaram a melhores resultados na redução de edema, por exemplo1. Porém estudo comparando as potências de 30 mW e 60 mW utilizadas com a mesma densidade de energia para melhorar a viabilidade de enxertos de pele mostrou que ambas foram eficientes, sem diferença significativa entre elas2. Portanto, dentro de valores razoáveis, podemos escolher qual potência nos interessa; mais potente nem sempre significa melhor resultado. Esse conhecimento é importante, pois na hora da compra podemos ficar tentados a pagar mais caro por um equipamento mais potente, sem pensar se o ganho de tempo que você terá tem impacto expressivo na prática diária. Em outros termos, seria como ter uma Ferrari para trafegar em uma via com limite de velocidade de 60 km/h – será que compensa? Outra questão a ser levantada em relação à potência é a possibilidade de dano térmico. Essa terapia é também conhecida como terapia laser em baixa intensidade. A intensidade, melhor chamada de densidade de potência (Capítulo 1), é a potência (W) dividida pela área de saída do feixe (cm2). Então vamos novamente fazer um exercício matemático: se você possui um laser de 60 mW e este tiver uma área de saída do feixe de 1 cm2, a densidade de potência será de DP (W/cm2): ou 60 mW/cm2. Agora, se este mesmo equipamento possuir uma ponteira
Figura 9.1 Diferentes densidades de potência obtidas com o mesmo equipamento com igual potência de saída. Note que a diferença está no diâmetro do feixe. (Fonte: arquivo pessoal.)
Capítulo 9 – Introdução da Terapia Laser de Baixa Potência na Clínica Odontológica
83
de saída de 0,1 cm2 e fizermos as mesmas contas, teremos uma densidade de potência de 600 mW/cm2. Note que há grande diferença entre as densidades de potência (ver o Capítulo 1 para mais detalhes em relação à área de focalização). Podemos observar visualmente essas diferenças na Figura 9.1. O mesmo equipamento foi utilizado com a mesma potência, porém diferentes ponteiras foram usadas para entrega do feixe com diferentes diâmetros. É intuitivo entender que, se toda a potência ficar concentrada em uma área pequena, a densidade de potência será muito alta, o que pode gerar aquecimento local do tecido e este não é o objetivo dessa terapia. Em termos práticos, lasers de mais potência devem ter ponteiras de saída mais amplas para garantir a baixa densidade de potência. Aferir a potência de saída do equipamento é outro detalhe muito importante. O fotopolimerizador que utilizamos todos os dias no consultório tem de apresentar potência adequada para proceder à polimerização de materiais dentários. O equipamento laser também deve apresentar a potência adequada para obtermos a correta dosimetria para cada condição clínica. Um fotopolimerizador emitindo pouca potência leva a falhas nos procedimentos adesivos da mesma forma que um laser com potência equivocada pode promover falhas na TLBP. Os equipamentos utilizados para TLBP devem ser aferidos pelo menos uma vez ao ano. Em trabalho realizado para aferição de equipamentos laser que estavam em uso clínico em consultórios, como também na universidade, e eram utilizados para pesquisa, Núñez et al. detectaram alto índice de falhas nos equipamentos analisados3. Dos equipamentos testados, 76,6% apresentaram alguma discrepância entre os dados do mostrador e a potência real de saída do feixe. Nos casos de discrepância, 66,6% foram de potências inferiores à do mostrador e 33,3 % de potências superiores à do mostrador. A média das diferenças foi de 32,4%, ou seja, 12,4% acima dos 20% permitidos pela norma NBR IEC 60122-22 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), regulamentada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)3. A aferição pode ser executada de forma simples e rápida com medidores de potência para uso clínico, como o da Figura 9.2, ou pode ser realizada pelo fabricante do equipamento em uma revisão periódica. É importante frisar que, se os resultados clínicos da TLBP observados em pacientes estiverem abaixo do esperado, deve-se sempre verificar o correto funcionamento do equipamento. Ainda em relação à ponteira de saída, note que, para um ortodontista que irá aplicar a TLBP em áreas como articulação temporomandibular (ATM), músculos da face, úlceras traumáticas, entre outras aplicações, a ponteira de saída com diâmetro maior pode facilitar a aplicação pontual. Já para um endodontista, a ponta com fibra óptica pode parecer interessante. Logo, analisar as características do equipamento em relação às necessidades clínicas de cada um é importante passo para o emprego da TLBP. A Figura 9.3 resume os pontos mais importantes em relação à potência do equipamento laser e suas características em relação à entrega do feixe apresentados até aqui. Tendo escolhido seu equipamento, o dentista precisa agora aprender a aplicar a TLBP em seus pacientes. Para aplicar a terapia temos que saber a “dose” necessária para cada condição clínica. Mas o que é a dose? O que faz o tratamento? Qual o princípio ativo da TLBP?
Figura 9.2 Medida de potência do equipamento laser. A aferição deve ser realizada de forma constante. (Fonte: arquivo pessoal.)
Figura 9.3 Resumo dos dados importantes em relação à escolha do equipamento com base na potência de saída e entrega do feixe. (Fonte: arquivo pessoal.)
84
Laser de Baixa Potência – Princípios Básicos e Aplicações Clínicas na Odontologia
Quando usamos uma medicação qualquer, sabemos qual o seu princípio ativo e então calculamos quanto desse componente é necessário para tratar determinada condição. No caso da TLBP, o principio ativo é a energia, e, como vimos anteriormente, a energia é a potência do laser multiplicada pelo tempo de exposição. Normalmente, os equipamentos são comercializados com manuais que apresentam diversas aplicações da terapia e seus respectivos parâmetros, calculados para o equipamento em questão. Isso pode ser muito interessante para um iniciante, porém é preciso que haja, por parte do dentista, conhecimento necessário para alteração da dosimetria, caso necessário. Muitas vezes escutamos comentários como “meu laser não consegue aplicar essa dose”, “será que o equipamento que tenho faz isso?”. As respostas são “sim, seu laser consegue aplicar essa dose” e “sim, seu equipamento faz isso”. O que precisamos realmente é apenas conhecer as questões de base para utilizar qualquer protocolo com o equipamento que possuímos. Os lasers vendidos comercialmente realizam os cálculos de tempo de exposição ou densidade de energia de forma automática. Sendo assim, o operador deve ajustar, no painel do equipamento, ou o tempo de tratamento, ou o tempo e a potência, ou simplesmente a densidade de energia desejada. Existem também equipamentos que utilizam o “modo assistido”, em que o operador seleciona a condição clínica e o equipamento utiliza parâmetros pré-programados. Não vamos entrar no mérito desta questão e o modo assistido não será discutido neste capítulo. Os cálculos feitos pelos equipamentos podem levar em consideração duas áreas distintas: uma delas é de 1 cm2, a outra é correspondente ao diâmetro de saída do feixe. Esse detalhe, aparentemente simples, gera uma incrível confusão naqueles que querem buscar protocolos clínicos de uso para a TLBP. Para colocar a questão de forma prática, imagine que o usuário A tem um laser que faz o cálculo da densidade de energia em uma área de 1 cm2. Já o usuário B tem um equipamento que faz o cálculo pela área do feixe e sua área de cálculo é de 0,04 cm2. Os dois têm lasers de comprimento de onda vermelho e com potência de saída de 30 mW. Vamos observar um diálogo entre eles: Usuário A: – Qual a dose que você usa para tratar afta? Usuário B: – 50 J. Usuário A: – Nossa! 28 minutos de irradiação para tratar uma afta... Usuário B: – Não, 66 s. Será que você consegue identificar a série de erros que existe no diálogo? Se você é capaz de identificar, parabéns, você conseguiu entender os fundamentos e com certeza será capaz de utilizar seu equipamento sem problemas. Vamos aos erros. Em primeiro lugar, vamos imaginar que em outra oportunidade os dois interlocutores conversaram e descobriram que ambos tinham equipamentos de emissão vermelha. Partindo deste princípio, quando o usuário B responde 50 J, ele está falando de energia, e, para aplicar essa energia em seu equipamento de 30 mW, ele iria gastar quase 28 minutos; porém, na verdade, ele estava se referindo à densidade de energia (J/cm2) e deveria ter respondido 50 J/cm2. A pergunta seguinte do usuário A deveria ter sido sobre a área do feixe, ou mesmo sobre o tempo de exposição, o que tornaria tudo mais fácil. Se ele perguntasse: na potência de 30 mW, em quanto tempo você irradia a afta? O usuário B responderia 66 s por ponto. Com isso, toda a confusão estaria encerrada, porém, como queremos falar de “dose” sem entender o que ela significa, isso gera uma grande confusão. Para visualizar as diferenças que podem ser encontradas entre os diferentes equipamentos comercializados, observe a Tabela 9.1. Se o usuário A conhecesse ou tivesse uma tabela como essa, ele saberia que no visor de seu equipamento a densidade de energia que apareceria seria 2 J/cm2. Dessa forma, se ambos fizerem a aplicação pontual, apesar do visor de um equipamento acusar a densidade de energia de 50 J/cm2 e a do outro indicar 2 J/cm2, ambos estariam aplicando a mesma energia, que é de aproximadamente 2 J por ponto. Devido a essas confusões, durante a descrição dos protocolos clínicos apresentaremos, sempre que possível, a energia utilizada, pois, se fornecêssemos a densidade de energia, deveríamos também especificar a área que foi utilizada para o cálculo a fim de possibilitarmos a reprodução da aplicação. Este sem dúvida é um tema complexo que afeta não somente os clínicos, mas também a comunidade científica que estuda a TLBP. Ao lermos um artigo científico, é comum depararmos com a falta de descrição de parâmetros para que possamos reproduzir a aplicação descrita com qualquer equipamento. Portanto, se você sabe a potência de seu equipamento e a energia que quer aplicar, é só dividir a energia pela potência de seu equipamento (lembrando que a potência é dada em mW e você deve dividir por 1.000). Pronto, o tempo de aplicação será apresentado. Tabela 9.1 Cálculo da densidade de energia por diferentes áreas Área (cm2)
Energia (J)
1
0,05
0,04
0,03
1
1 J/cm2
20 J/cm2
25 J/cm2
33 J/cm2
2
2 J/cm2
40 J/cm2
50 J/cm2
66 J/cm2
3
3 J/cm2
60 J/cm2
75 J/cm2
100 J/cm2
4
4 J/cm2
80 J/cm2
100 J/cm2
133 J/cm2
5
5 J/cm2
100 J/cm2
125 J/cm2
166 J/cm2
Capítulo 9 – Introdução da Terapia Laser de Baixa Potência na Clínica Odontológica
85
Todo iniciante deve achar isso complicado, porém pouco tempo é necessário para que o usuário conheça seu equipamento. Rapidamente ele saberá, sem a necessidade de cálculos, o tempo que seu equipamento leva para entregar uma determinada energia. Para facilitar, sugiro que, ao pegar seu equipamento, você faça um simples cálculo sobre o tempo que ele leva para entregar 1 J. Por exemplo, se seu equipamento possui 40 mW de potência, ele leva 25 s para entregar 1 J. Com a prática diária, logo você saberá que 2 J levam 50 s e 4 J levam 100 s e assim por diante. Não é tão complicado quanto parece, e rapidamente você estará apto para simular em seu equipamento qualquer protocolo. Se for apresentado como densidade de energia, lembre-se de utilizar a tabela; se for por energia, é mais fácil ainda. Depois dessa explicação, fica claro que a área de saída do feixe é fundamental na dosimetria. Além disso, a forma da ponta de aplicação também tem importância clínica, pois imagine que ela deve apresentar um formato que permite a chegada da radiação de forma apropriada a qualquer região da cavidade oral. É fácil irradiar de forma adequada a região vestibular de um incisivo central, porém pode ser bastante complexo realizar a irradiação de uma cavidade classe II localizada na distal de um molar superior. Mas o que quer dizer irradiar de forma apropriada? Voltando ao Capítulo 2, e mesmo aos nossos tempos de colegial e cursinho, lembramos que o ângulo de incidência da luz é igual ao seu ângulo de reflexão. Assim, quando utilizamos uma fonte de irradiação, seja ela o laser ou mesmo o fotopolimerizador, para evitar perda de energia por reflexão devemos posicionar a ponteira formando um ângulo de 90° com o tecido. Dessa forma, minimizamos as perdas de radiação por reflexão. Quanto mais longe do ideal estivermos, mais perdas irão ocorrer, e a energia que será entregue no tecido pode não ser aquela que imaginamos. Fica claro, observando a Figura 9.4, que a densidade de potência da imagem do feixe sobre a superfície é maior quando a ponteira está a 90° e significativamente menor no ângulo próximo a 45°. Logo, analise as pontas disponíveis nos equipamentos e veja se elas se adequam ao que você pretende fazer em sua prática clínica. Para a irradiação de áreas externas como músculos e ATM, as ponteiras não representam problemas, mas, para áreas internas na cavidade oral, devemos prestar mais atenção. Caso seja impossível realizar a aplicação a 90°, verifique o ângulo que está utilizando para a irradiação e aumente a energia aplicada no tecido de forma proporcional a esse ângulo. Dessa forma, de maneira reduzida e prática, encerramos os fatores técnicos ligados ao equipamento e a sua programação. A Tabela 9.2 apresenta um resumo dos dados apresentados para consulta rápida, porém a leitura atenta do Capítulo 1 é aconselhada, pois na tabela se encontra apenas um resumo dos conceitos apresentados.
USO CLÍNICO Chegou a hora de aplicarmos os conceitos clinicamente. Inicialmente, para sabermos a energia adequada para cada condição clínica, temos de analisar o resultado de estudos científicos pré-clínicos e clínicos que avaliaram vários fatores, como comprimento de onda mais adequado, energia ou densidade de energia utilizada, número de aplicações e pontos de aplicação. Nos capítulos a seguir, apresentaremos diversas aplicações divididas entre as especialidades da odontologia. Mesmo tendo esses valores, ainda devemos prestar atenção a detalhes que agora são muito mais específicos e de ordem clínica relacionados com o paciente e a patologia que ele apresenta. De acordo com algumas características próprias de cada caso clínico, poderemos ter de alterar a dosimetria recomendada, porém isso deve ser feito de forma consciente e baseada em dados práticos. Novamente, a consulta ao Capítulo 2 é sugerida, já que as diferentes características ópticas dos tecidos são apresentadas e discutidas. Sabemos que a energia necessária para a obtenção de um determinado efeito clínico pode variar de acordo com alguns dados, como, por exemplo, as condições do tecido. Tecidos ulcerados ou pigmentados possuem propriedades ópticas diferentes; assim, nos tecidos ulcerados, por apresentarem células mais expostas, energias menores podem ser mais indicadas. Já no caso de tecidos pigmentados, energias maiores podem ser requeridas, uma vez que determinados pigmentos escuros podem absorver a radiação, evitando que a energia correta chegue ao tecido alvo. Cabe ao clínico avaliar as condições do tecido e definir por um aumento ou por uma diminuição da energia indicada.
Figura 9.4 Diferentes ângulos de incidência da radiação. Note a menor densidade de potência sobre a superfície observada quando a ponteira se encontra inclinada. (Fonte: arquivo pessoal.)
86
Laser de Baixa Potência – Princípios Básicos e Aplicações Clínicas na Odontologia
Tabela 9.2 Resumo dos conceitos básicos relacionados com a programação e a escolha do equipamento laser de baixa potência Conceito
Importância
Potência (W)
O conhecimento da potência do equipamento é fundamental para a aplicação da dosimetria apropriada. Lembre-se sempre de transformar mW em W Princípio ativo que será efetivamente responsável pelo efeito clínico. Cálculo E (J) = P (W) ´ t (s) É a quantidade de energia por unidade de área transferida ao tecido em J/cm2 P (W) ´ t (s) D (J/cm2) = ____________ ´t a (cm2) É o tempo necessário para se transferir uma determinada densidade de energia ao tecido. A fórmula matemática que fornece o tempo de tratamento é D (J/cm2): (cm2) t (s) = _______________ ´ a P (W) É a grandeza que avalia a possibilidade de dano microtérmico. Não deve ultrapassar muito mais do que 1 W/cm2 Apresentado normalmente em nm, os mais utilizados na TLBP são os da região do vermelho (630 nm a 680 nm) e do infravermelho próximo (780 nm a 930 nm). A diferença entre eles é a profundidade de penetração, com o infravermelho penetrando mais nos tecidos. As aplicações clínicas podem, ou não, ser específicas para algum deles Levar em consideração as suas características, tanto pela densidade de potência que podem transmitir, como também pela função clínica Deve ser o mais próximo de 90° para evitar perda de radiação por reflexão
Energia (J) Densidade de energia (J/cm2)
Tempo de tratamento (t)
Densidade de potência (W/cm2) Comprimento de onda (λ)
Ponteira Ângulo de incidência
Outros fatores de relevância são a anamnese e o correto diagnóstico, assim como em qualquer aplicação médica. É imprescindível a realização de uma anamnese abrangente, bem como um diagnóstico correto. Uma condição de lesão pulpar irreversível diagnosticada como hipersensibilidade dentinária e tratada com TLBP pode acarretar aceleração do processo, dor e desconforto para o paciente. Outro fator de relevância é como aplicar o laser. Após escolhermos o comprimento de onda do laser, a energia, sabermos o tempo de irradiação e o número de sessões, devemos escolher o método de irradiação que iremos empregar. Os métodos de irradiação possíveis são: Pontual – a irradiação será feita ponto a ponto, correspondendo cada área ao diâmetro da ponteira do laser que estamos utilizando. Esse é o método mais indicado por apresentar menor variabilidade (Figura 9.5A e B). Ainda em relação à irradiação pontual, ela pode ser realizada em contato com o tecido sobre pressão ou afastada do tecido no modo sem contato (Figuras 9.6 A e B). A irradiação sob pressão pode ser realizada para promover ligeira isquemia no local da aplicação, permitindo maior difusão da radiação no tecido. Já a irradiação sem contato pode ser realizada em úlceras e áreas cruentas que apresentem dor ao contato. Ao se proceder à irradiação sem contato, nunca afaste demasiadamente a ponteira do laser da área irradiada, pois isso pode promover um erro na energia entregue devido à divergência do feixe que se abre demasiadamente. Varredura – A irradiação será entregue da forma mais uniforme possível, cobrindo-se toda a área com movimentos de vaivém. O método mais desejável é o pontual em contato, cobrindo toda a área, pois assim temos uma densidade de energia e densidade de potência uniforme por toda a área irradiada, sabendo exatamente a energia entregue naquele ponto. As características físicas do paciente também podem e devem ser consideradas. Observe nas Figuras 9.7, 9.8 e 9.9 a diferença nas características do espalhamento da luz em diferentes tipos de pele. Além da diferença na coloração da pele, temos também diferença na quantidade de tecido adiposo (Capítulo 2) e na dimensão dos músculos. A massa corpórea e a dimensão muscular deveriam ser consideradas para cálculos de dosimetria, principalmente nos casos que queremos irradiar através da pele estruturas localizadas em regiões mais profundas. A idade do paciente e sua condição sistêmica também podem ser importantes. Ao contrário do que imaginamos, os pacientes debilitados podem responder melhor à irradiação do que os saudáveis. Isso pode ocorrer, pois, em condições normais, o reparo ocorre de forma rápida, fazendo que os efeitos da TLBP não sejam notados. Entretanto, em pacientes debilitados, nos quais o reparo ocorre
Capítulo 9 – Introdução da Terapia Laser de Baixa Potência na Clínica Odontológica
A
87
B
Figura 9.5 Irradiação pontual em contato A e deslocando a ponteira depois de decorrido o tempo de aplicação desejado B. (Fonte: arquivo pessoal.)
Figura 9.6 Irradiação pontual sob pressão A e irradiação sem contato B. (Fonte: arquivo pessoal.)
Figura 9.7 Irradiação de paciente com pele escura. (Fonte: arquivo pessoal.)
Figura 9.8 Irradiação de paciente oriental. (Fonte: arquivo pessoal.)
88
Laser de Baixa Potência – Princípios Básicos e Aplicações Clínicas na Odontologia
:
Laser :
:
Figura 9.9 Irradiação de paciente com pele clara. (Fonte: arquivo pessoal.)
xxxxx xxxx-xxxx
Figura 9.10 Sugestão de ficha clínica para anotação de parâmetros da TLBP. (Fonte: arquivo pessoal.)
de forma lenta, ou não ocorre, os efeitos da TLBP são mais facilmente obtidos. Portanto pacientes diabéticos, por exemplo, são excelentes candidatos para a TLBP. Idosos, que apresentam metabolismo mais baixo, são bons candidatos para a TLBP, principalmente nos casos de reparo, como durante o processo de osseointegração de implantes dentais. Na ficha clínica do paciente, além das anotações realizadas rotineiramente pelo dentista, as anotação dos parâmetros e condições relacionadas com a TLBP devem ser rigorosamente registradas para que o profissional possa avaliar os resultados da terapia e acompanhar de forma eficaz a evolução do caso. A Figura 9.10 apresenta uma sugestão de ficha clínica para o registro dos dados relacionados com a TLBP. Ainda, para uma utilização segura e apropriada dos lasers devemos sempre observar as normas de segurança para o uso de equipamentos laser, bem como a manutenção de todos os padrões de biossegurança. No Capítulo 23, encontram-se detalhes tanto sobre a segurança quanto sobre a biossegurança. Entretanto, uma vez que estamos falando sobre a aquisição de equipamentos, este é outro ponto importante. Ao escolher seu equipamento, sempre analise os óculos de proteção. Eles devem ser confortáveis e permitir visualização da área de trabalho tanto para o profissional quanto para seus auxiliares. Na área de biossegurança, a possibilidade de limpeza e esterilização das ponteiras, que podem entrar em contato com áreas contaminadas, também deve ser uma preocupação na hora da escolha de um equipamento. A correta utilização de barreiras de proteção sobre os equipamentos é essencial. Como notamos na Figura 9.11, a aplicação do filme de PVC deve ser feita em camada fina e homogênea. Uma vez compreendidos os mecanismos de ação da terapia e sua utilização, as aplicações clínicas tornam-se inúmeras, cabendo ao clínico selecioná-las de acordo com seu conhecimento e experiência. Como último ponto importante antes de nos aventurarmos nos capítulos clínicos, vamos falar das contraindicações que a TLBP pode apresentar, bem como seus efeitos sistêmicos. Quanto aos efeitos sistêmicos, a literatura reporta que podem ser observados efeitos em outras partes do corpo, além do tecido irradiado. Uma possível razão para isso é que as células no tecido que são irradiadas produzem substâncias químicas (mediadores químicos) que se espalham e circulam nos vasos sanguíneos e no sistema linfático. No entanto a literatura sobre efeitos sistêmicos do laser ainda é controversa. Vários estudos que utilizaram o próprio indivíduo como controle mostram melhores resultados no sítio irradiado. É importante salientar que não há relatos de efeitos deletérios sistêmicos.
Capítulo 9 – Introdução da Terapia Laser de Baixa Potência na Clínica Odontológica
89
Figura 9.11 Uso da barreira de proteção. Notamos a forma apropriada de inserção de filme plástico para proteção da ponteira em A e B, enquanto em C e D o uso inapropriado da barreira é ilustrado, podendo comprometer a aplicação da TLBP. (Fonte: arquivo pessoal.)
Na área de efeitos colaterais e contraindicações, a literatura mostra que não há efeitos colaterais e contraindicações relacionados com a TLBP, desde que ela seja administrada corretamente, ou seja, dentro dos parâmetros recomendados. Também não há efeitos prejudiciais relacionados com essa terapia, excetuando-se a incidência do feixe, direta ou indireta, nos olhos. Vale lembrar que o nosso olho tem uma lente natural, o cristalino. Se um feixe laser incide diretamente sobre nosso olho, por reflexo de piscamento, ele atinge a pálpebra, que difunde a luz e não deixa que ela seja focalizada pelo cristalino. Os comprimentos de onda dos equipamentos lasers utilizados na TLBP (600 nm-1.000 nm) podem ser focalizados na retina. O diâmetro dessa região de focalização é da ordem de 20 μm. Portanto um laser de 10 mW de potência focalizado na retina resulta em uma densidade de potência de aproximadamente 3.000 W/cm2, o que, certamente, causará uma queimadura. Portanto o uso de óculos de proteção é fundamental durante a aplicação da terapia. A TLBP não provoca câncer. Nenhum efeito mutagênico resultante de luz com comprimentos de onda no visível ou no infravermelho foi observado no limite de doses preconizado nessa terapia. Estudos mostram que células tumorais podem ser estimuladas por luz laser. Entretanto experiências in vivo indicam que pequenos tumores tratados com laser podem retroceder e até mesmo desaparecer, embora esse tratamento não tenha efeito sobre tumores maiores. Porém, como regra, não se deve irradiar nenhuma área com qualquer alteração não diagnosticada com suspeita, ou não, de alteração tumoral. Segundo alguns pesquisadores, ao irradiarmos áreas com presença de células cancerígenas, elas podem ser estimuladas e isso promoveria um aumento do metabolismo tumoral. O correto diagnóstico é fundamental para que os benefícios da TLBP sejam alcançados. Além do diagnóstico, conhecimento de anatomia, para a escolha dos melhores locais para irradiação, de fisiologia e de patologia é fundamental para a escolha da conduta terapêutica mais indicada. Voltando às contraindicações, também é reportado na literatura o uso da TLBP em pacientes portadores de marca-passo, mulheres grávidas, pacientes epilépticos e oncológicos. As contraindicações devem ser respeitadas, mas, analisando cada uma delas, vemos que os marca-passos são dispositivos eletrônicos revestidos por metal. Portanto não podem ser influenciados pelo feixe laser. Ainda assim, para produzir um dano, o feixe deveria ser incidido diretamente sobre o dispositivo. Não existem relatos científicos na literatura para suportar a tese de que a TLBP poderia afetar de forma nociva uma mulher grávida. No entanto, como também não há suporte científico com estudos controlados que garantam a ausência de qualquer efeito, cabe ao clínico e à paciente a decisão sobre a melhor conduta a ser tomada. No caso de opção pelo uso da TLBP, lembre-se somente de obter liberação por escrito da paciente, como em todo o procedimento realizado pelo dentista, evitando possíveis problemas futuros, principalmente nessa fase de vida da mulher. Pacientes epilépticos podem sofrer ataques ante o estímulo luminoso intenso e pulsado. Lasers de emissão visível e pulsada, com taxas de repetição no intervalo de 5 Hz a 10 Hz, podem desencadear ataques epilépticos. A literatura, entretanto, não reporta nada sobre luz infravermelha pulsada. No caso de pacientes epiléticos, o próprio refletor utilizado no consultório odontológico pode representar um risco. No caso de aplicação da TLBP, o paciente deve estar utilizando óculos de proteção que impeça a visualização
90
Laser de Baixa Potência – Princípios Básicos e Aplicações Clínicas na Odontologia
do feixe laser. Logo, apesar de não haver fundamento, novamente a melhor solução é o diálogo com o paciente, apresentando os benefícios e riscos a que ele pode ser exposto. Deixe que a decisão parta dele, lembrando-se sempre de documentar apropriadamente qualquer conduta escolhida. Para pacientes oncológicos, a TLBP tem sido recomendada principalmente para os casos de tratamento da mucosite oral, conforme apresentado no Capítulo 11. O tratamento de um paciente nessas condições é sempre multidisciplinar; as condutas terapêuticas devem ser tomadas após acordo entre a equipe de tratamento, que compreende, além do cirurgião-dentista, o médico responsável e a equipe de enfermagem que provê cuidados ao paciente. Como em todos os outros casos, após a decisão da equipe, a resposta do paciente às alternativas de tratamento devidamente apresentadas a ele é a única opção válida. Cabe ainda ressaltar que o Conselho Federal de Odontologia, por meio da Resolução CFO-82/200, regulamentou as práticas chamadas de integrativas e complementares à saúde bucal; esta norma descreve as atribuições e os pré-requisitos que o cirurgiãodentista deve apresentar para fazer uso de terapia com lasers. Nos capítulos a seguir descreveremos alguns exemplos de aplicações da TLBP divididos por especialidade clínica. Resumidamente, em todos os casos em que haja necessidade de efeitos analgésicos e anti-inflamatórios, ou de reparação tecidual, seja em tecidos moles ou duros, pode haver uma indicação para o uso da TLBP.
Referências 1. Castano AP, Dai T, Yaroslavsky I, Cohen R, Apruzzese WA, Smotrich MH, Hamblin MR. Low-level laser therapy for zymosan-induced arthritis in rats: Importance of illumination time. Lasers Surg Med. 2007; 39(6):543-550. 2. Costa MS, Pinfildi CE, Gomes HC, Liebano RE, Arias VE, Silveira TS, Ferreira LM. Effect of low-level laser therapy with output power of 30 mW and 60 mW in the viability of a random skin flap. Photomed Laser Surg. 2010; 28(1):57-61. 3. Núñez SC, Cordon R, Nogueira GEC, Eduardo CP. Medição da Potência de Saída do Feixe de Equipamentos Laser em Baixa Intensidade. Braz Oral Res. 2002; 16,supl. pp 239.
Bibliografia Recomendada Baxter, GD, Diamantoppoulos, C., Therapeutic lasers theory and practice, 1 ed., Churchill Livingstone, London; 1994. Danhof, G. Biological effects of the laser beam. Lasers in Medicine and Dentistry, Basic science and up-to-date clinical applications of low energylevel laser therapy, EMLA. Ed. Vitagraf, Croacia; 2000. cap.5, pp 127-133. Enwemeka CS. Attenuation and penetration of visible 632,8nm e invisible infra-red 904nm light in soft tissues. Laser Ther. 2001;13: 95-101. Karu T. Laser biostimulation: a photobiological phenomenon. J Photochem Photobiol. 1989; 3:638-640. Karu T. Biological limitations of low power laser effects. Lasers in Medicine and Dentistry, Basic science and up-to-date clinical applications of low energy-level laser therapy, EMLA. Ed. Vitagraf, Croacia; 2000. Karu T. The science of low-power laser therapy, Ed. Opa, Amsterdam, 1998. Turnér J, Hode L. Low level laser therapy – Clinical practice and scientific background, Ed. Prima Books, Sweden; 1999.