Há um grande fosso separando o atendimento dos serviços de saúde e a vida da população. Os profissionais de saúde pouco conhecem a dinâmica familiar e comunitária de convivência e enfrentamento dos problemas de saúde. Para eles as atitudes e falas dos usuários dos serviços parecem desconexas e estranhas. Este livro é o resultado de uma pesquisa realizada, entre 1994 e 1997, em um centro de saúde da periferia de Belo Horizonte, em que se procurou identificar e entender os bloqueios e potencialidades existentes no relacionamento entre os profissionais e a população, evidenciando a forma como as questões culturais, cognitivas e subjetivas dificultam ou dinamizam o funcionamento dos serviços de saúde. Orientado pelo instrumental da Educação Popular, procurou mostrar como o fortalecimento do diálogo e da negociação entre os diversos atores profissionais e populares que convivem em um serviço de saúde capaz de reorientar a globalidade de suas práticas, tornando-as mais integradas à vida local e mais eficazes.Trata-se, portanto, de uma reflexão sobre os caminhos e possibilidades da Educação Popular na atual conjuntura dos serviços de saúde. Verificou-se que as intensas e freqüentes manifestações de doenças banais no meio popular são, muitas vezes, consequências de problemas mais profundos na vida familiar, tendendo a se concentrar em famílias que vivem situações especiais de crise e que são marginalizadas da rotina de atendimento orientada pela demanda espontânea. Os problemas dessas famílias em situação de risco eram muito profundos e complexos para serem curados, mas não para serem cuidados. Neste momento em que se expande no Brasil o Programa Saúde da Família, os caminhos apontados podem ser importantes para a reorientação do modelo de assistência de forma que passe a priorizar ações voltadas para a renovação dos padrões socioculturais e socio-psíquicos que governam a vida cotidiana dos cidadãos e dos profissionais de saúde.
Esta publicação foi viabilizada pelo Programa VEPOP-SUS (Vivências de Extensão e Educação Popular em Saúde no SUS), o qual faz parte da Política Nacional de Educação Popular em Saúde no SUS (PNEP-SUS), através do apoio, colaboração e fomento do Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde (SGTES) e da Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa (SGEP). O VEPOP-SUS é uma iniciativa de apoio e fomento às experiências de Extensão Universitária na linha da Educação Popular em Saúde, de maneira integrada com os espaços e sujeitos do Sistema Único de Saúde (SUS), bem como com os grupos, movimentos e iniciativas de saúde do campo popular no Brasil. Uma de suas frentes de atuação é o apoio ao desenvolvimento de publicações em andamento e republicações de obras relevantes no âmbito da Extensão Popular em Saúde, assim como a divulgação de produtos referentes a pesquisas realizadas neste campo e de reflexões sobre estas práticas. No sentido de incentivar e aprimorar o registro, a pesquisa e a sistematização de experiências exitosas nas diferentes iniciativas em nível nacional. Esperamos que esta obra possa contribuir para a formação de novos perfis profissionais pautados na Educação Popular e fomentar novas atividades e pesquisas relacionadas à Extensão Popular em Saúde.
6.ª EDIÇÃO
VEPOP-SUS
EDITORA HUCITEC PARA VOCÊ LER E RELER
44
1971 2015
ISBN: 978-85-8404-044-5
9 788584 040445
EDITORA HUCITEC
EYMARD MOURÃO VASCONCELOS EYMARD MOURÃO VASCONCELOS
Imagem de capa: Obra de Maria do Socorro Santos, pintora e militante do Movimento da Luta Antimanicomial do Rio de Janeiro, falecida em março de 2005. Evoca a complexidade multicolorida e fascinante que descobrimos na vida comunitária, quando nela nos inserimos com sensibilidade e compromisso. A pintura, através de um estilo predominantemente surrealista, foi para Socorro a forma privilegiada de expressar sua indvidualidade, de reconstruir um projeto de vida e trabalho, e de participação nas lutas sociais. A reprodução de quaisquer de suas imagens só pode ser feita mediante a autorização do Projeto Maria do Socorro Santos, que detém os direitos autorais da obra da artista. Além disso, seus melhores quadros estão disponíveis em cópias de excelente qualidade, em papel couchê, tamanho A3 ou A4. Contatos: Instituto Franco Basaglia: Av. Venceslau Brás, 65, 1.° andar, Instituto Pinel, CEP 22290-140, Botafogo, Rio de Janeiro, RJ. Tels.: (21)2542-3049 ramal 2109, ou (21)2295-1857. Internet: <www.ifb.org.br> e e-mail: <ifb@ifb.org.br>. Arte final: Mariana Nada.
Sou um médico de Minas Gerais que descobriu, em 1974 (há 36 anos!), o fascínio do trabalho comunitário em saúde que possibilita a nós, profissionais de saúde, sermos profundamente significativos diante de situações de crise trazidas pela doença e pela miséria. E nos possibilita viajar intensamente nos mistérios da vida pelo contato com a realidade densa que brota nestes momentos de sofrimento e de luta. Fui aprendendo a força do método da Educação Popular na orientação deste trabalho. Movido por tal fascínio, participei de diferentes experiências e diferentes movimentos, vindo parar em João Pessoa, onde sou professor da Universidade Federal da Paraíba. Parte dessa trajetória está analisada no livro A Medicina e o Pobre (Paulinas, 1987). Fui descobrindo que há muitas outras pessoas também movidas por esta marca da busca inquieta dos caminhos da saúde pelo fortalecimento da solidariedade e pela compaixão com a dor dos outros, acreditando no poder dinamizador da palavra, da escuta e da presença. Pessoas sem medo de carregar a cruz que frequentemente atravessa esta caminhada junto das classes subalternas. Marginalizadas na estrutura do sistema oficial de saúde. Foi surgindo, então, o meu novo fascínio: colaborar na aglutinação dessa gente espalhada por tantos recantos da América Latina, buscando o discurso, a sistematização elegante de seu saber e a organização que nos transforme em um movimento social altivo pela consciência da nossa força humanizante para o Sistema de Saúde. Foi assim que produzi os livros Educação Popular nos Serviços de Saúde (Hucitec, 1997), Espiritualidade no Trabalho em Saúde (Hucitec, 2006) e Perplexidade na Universidade: Vivências nos Cursos de Saúde (Hucitec, 2006), me envolvi com a Rede de Educação Popular e Saúde de âmbito latino-americano e a ANEPS (Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde).
Favela / fosso / centro de saúde. Quero quebrar a cabeça buscando clarear e depois divulgar a anatomia a fisiologia dessa separação. Saúde!
EDUCAÇÃO POPULAR e atenção à saúde da família
No centro de saúde, na favela encalacrado, convivi com funcionários indignados assustados desanimados. Vivi suas lutas, senti o desrespeito atirado pelos burocratas.
Favela carente de saúde funcionários carentes de criar portas fechadas por filas corações trancados por covardia ouvidos insensíveis pelo preconceito alimentados a cada dia pela guerra contra os pobres armada pelos liberais. Guerra ideológica travada na imprensa. Mísseis de palavras culpando as vítimas, insuflando a descrença e justificando, assim, o grande ataque: o corte de verbas.
e atenção à saúde da família
Esse dia passou mas seu grito ressoa atiçando o compromisso de contar sua luta mostrando sua vida para além do preconceito.
Miséria gritando dor lambuzada de violência infestada de verminose mas pulsando e lutando. Gente cheia de vida olhares fundos mas com brilho. Mistério e diversidade.
EDUCAÇÃO POPULAR
Favela dor e alegria que um dia conheci fazendo uma pesquisa.
Favela e centro de saúde dois mundos ligados dois mundos separados. Fosso de preconceito e medo pontes de compaixão e amizade.
EYMARD MOURÃO VASCONCELOS
FOSSO E PONTE
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Capa 1 COM LOGO Ed Pop e atencao a saude familia quinta-feira, 2 de junho de 2016 13:44:00