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N I V E R S I D A D E
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U S Í A D A
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I S B O A
Faculdade de Arquitectura e Artes Mestrado Integrado em Arquitectura
Arquitectura e cinema: a vivência do espaço arquitectónico através do cinema
Vera de Matos Beltrão
Lisboa Novembro 2015
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I S B O A
Faculdade de Arquitectura e Artes Mestrado Integrado em Arquitectura
Arquitectura e cinema: a vivência do espaço arquitectónico através do cinema
Vera de Matos Beltrão
Lisboa Novembro 2015
Vera de Matos Beltrão
Arquitectura e cinema: a vivência do espaço arquitectónico através do cinema
Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa para a obtenção do grau de Mestre em Arquitectura.
Orientadora: Prof.ª Doutora Arqt.ª Tavares dos Santos Henriques
Lisboa Novembro 2015
Susana
Maria
Ficha Técnica Autora Orientadora
Vera de Matos Beltrão Prof.ª Doutora Arqt.ª Susana Maria Tavares dos Santos Henriques
Título
Arquitectura e cinema: a vivência do espaço arquitectónico através do cinema
Local
Lisboa
Ano
2015
Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa - Catalogação na Publicação BELTRÃO, Vera de Matos, 1991Arquitectura e cinema : a vivência do espaço arquitectónico através do cinema / Vera de Matos Beltrão ; orientado por Susana Maria Tavares dos Santos Henriques. - Lisboa : [s.n.], 2015. Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa. I - HENRIQUES, Susana Maria Tavares dos Santos, 1970LCSH 1. Cinema e arquitectura 2. Arquitectura no cinema 3. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Teses 4. Teses – Portugal - Lisboa 1. 2. 3. 4.
Motion pictures and architecture Architecture in motion pictures Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Dissertations Dissertations, Academic – Portugal - Lisbon
LCC 1. NA2765.C78 2015
AGRADECIMENTOS
Em especial à Professora Doutora Arquitecta Susana dos Santos Henriques, pela orientação e acompanhamento desta dissertação. Pelo incentivo, disponibilidade e simpatia demonstrados ao longo da investigação. A todos os professores, que através da sua partilha de conhecimentos, constituíram a a grande base à iniciativa de investigação e gosto no saber e que despertaram constantemente o meu interesse, não só pela arquitectura, mas, também por outras disciplinas. Aos meus colegas, que me acompanharam ao longo do curso e partilharam o seu modo de encarar a arquitectura e que, através da troca de ideias, contribuíram para a minha formação académica. A todos os meus amigos, que através das suas formações académicas de diferentes naturezas tiveram um papel importante na diversificação dos meus interesses. Aos meus pais, pelo seu apoio ao longo do curso e, pela confiança que depositaram nas minhas escolhas e capacidades.
―Given the nature of the problems facing architecture today and the characteristics of the city itself, it would seem that film is the most
pertinent
visual
art
to
which
architecture can relate. If this is the case, then the implications of the relationship between film and architecture are more complex than the usual assumption that architecture is merely a background or formal
support
for
a
film's
content.
Architectural form relates now to the form of film as one text to another, in terms of a structure composed of so many languages or
rather,
fragments
of
languages
-
organized in time and through space. Film, analogous to the city, is a continuous sequence of spaces perceived through time.‖ AGREST, Diana (1991) – Architecture from Without: Theoretical Framings for a Critical Practice. Cambridge: Mass. MlT Press.
APRESENTAÇÃO
Arquitectura e Cinema: A vivência do espaço arquitectónico através do cinema
Vera de Matos Beltrão
A presente dissertação tem como objectivo estudar a influência do cinema no processo criativo da obra arquitectónica e o papel da arquitectura na leitura da obra cinematográfica. As relações abordadas estabelecem-se a partir dos conceitos comuns às duas formas de arte, inerentes à sua concretização. Dos vários paralelismos entre as duas disciplinas, já estudados por arquitectos e por realizadores, optou-se por desenvolver aqueles que mais contribuíram para a reflexão sobre a arquitectura. Ambas as disciplinas conservam a capacidade de deter o nosso olhar sobre algo, de nos posicionar perante determinada perspectiva, de denunciar uma condição e de promover uma vivência. Entre um alargado número de exemplos que ilustram a evolução de ambas as disciplinas ao longo do século XX, optou-se por estudar obras que, através dos seus conceitos, demonstrassem temáticas semelhantes. Deste modo, propõe-se um estudo entre as duas formas de arte que, em primeiro lugar declare as suas possibilidades; em segundo, que coloque questões através da constatação de conjunturas e, em terceiro lugar, que proponha respostas de modo a promover modos de viver específicos. O exercício realizado na disciplina Projecto III é apresentado como uma reunião das considerações abordadas no decorrer da investigação. É este ponto de vista sobre a inter-relação entre a arquitectura e o cinema e o modo como as duas artes se complementam que a presente dissertação visa demonstrar.
Palavras-chave: Arquitectura, Cinema, Movimento, Cidade, Narrativa.
PRESENTATION
Architecture and Cinema: The experience of architectural space through cinema
Vera de Matos BeltrĂŁo
This research aims to study the influence of cinema in the creative process of architectural work as well as the role of architecture in the viewing of the cinematographic work. Addressed relationships are established based on concepts shared by both disciplines, relating to their conception. Of the already approached similarities between the two disciplines, by both architects and filmmakers, this study addresses those which contributed the most to architectural thinking. Both disciplines retain the ability to hold our gaze onto something, of positioning us towards a perspective, to expose a condition and to promote an experience. The chosen study cases, among a large number of examples that illustrate the evolution of both disciplines throughout the twentieth century, reveal related themes trough their concepts. Thus, the studied interaction between the two forms of art proposes, in first place, the statement of its possibilities; secondly, the recognition of concerns through demonstrated occurrences and thirdly, to suggest solutions which promote specific ways of living. The 5th year final project is presented as a gathering of the assumptions considered during the investigation. Therefore, the interrelationship between architecture and cinema and how the two forms of arts complement each other are the subjects this work aims to demonstrate.
Keywords: Architecture, Cinema, Motion, City, Narrative.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES Ilustração 1 – Esquema conceptual de relação entre temas e as obras escolhidas (Ilustração nossa, 2015) ............................................................................................. 31 Ilustração 2 – Storyboard referente ao projecto Villa Le Lac (Ilustração nossa, 2015) 33 Ilustração 3 – Ortofotomapa de Corseaux, Suiça ([adaptado a partir de:] Google inc, 2015) .......................................................................................................................... 35 Ilustração 4 – "On a découvert le terrain - Une petit maison, 1954" (Colomina, 1996, p. 316) ............................................................................................................................ 37 Ilustração 5 – "Le plan est installé… - Une petit maison, 1954" (Colomina, 1996, p. 317) ............................................................................................................................ 37 Ilustração 6 – Sequência de imagens do vão visto a partir do exterior da Villa Le Lac Imagem 1 (Orellana Rioja, 2014) ................................................................................ 41 Ilustração 7 – Sequência de imagens do vão visto a partir do exterior da Villa Le Lac Imagem 2 (Orellana Rioja, 2014) ................................................................................ 41 Ilustração 8 – Sequência de imagens do vão visto a partir do exterior da Villa Le Lac – Imagem 3 (Orellana Rioja, 2014) ................................................................................ 41 Ilustração 9 – Sequência de imagens da paisagem vista através dos três elementos que compõem os quatro módulos do vão – Imagem 1 (Kuhn, 2015) .......................... 42 Ilustração 10 – Sequência de imagens da paisagem vista através dos três elementos que compõem os quatro módulos do vão – Imagem 2 (Kuhn, 2015) .......................... 42 Ilustração 11 – Sequência de imagens da paisagem vista através dos três elementos que compõem os quatro módulos do vão – Imagem 3 (Kuhn, 2015) .......................... 42 Ilustração 12 – Extensão do vão visto a partir do exterior ([adaptado a partir de:] Villa «Le Lac» Le Corbusier, s.d.) ....................................................................................... 43 Ilustração 13 – Sequência de imagens do vão visto a partir do interior da Villa Le Lac Imagem 1 (Orellana Rioja, 2014) ................................................................................ 43 Ilustração 14 – Sequência de imagens do vão visto a partir do interior da Villa Le Lac Imagem 2 (Orellana Rioja, 2014) ................................................................................ 43 Ilustração 15 – Sequência de imagens do vão visto a partir do interior da Villa Le Lac Imagem 3 (Orellana Rioja, 2014) ................................................................................ 43 Ilustração 16 – Sequência de imagens de homem a manipular o vão da Villa Le Lac Imagem 1 (Crepey, Wirth, 2010) ................................................................................. 44 Ilustração 17 – Sequência de imagens de homem a manipular o vão da Villa Le Lac Imagem 2 (Crepey, Wirth, 2010) ................................................................................. 44
Ilustração 18 – Sequência de imagens de homem a manipular o vão da Villa Le Lac Imagem 3 (Crepey, Wirth, 2010) ................................................................................. 44 Ilustração 19 – Sequência de imagens da paisagem vista através do vão do muro – Imagem 1 (Kuhn, 2015) .............................................................................................. 44 Ilustração 20 – Sequência de imagens da paisagem vista através do vão do muro – Imagem 2 (Kuhn, 2015) .............................................................................................. 44 Ilustração 21 – Sequência de imagens da paisagem vista através do vão do muro – Imagem 3 (Kuhn, 2015) .............................................................................................. 44 Ilustração 22 – Sequência de imagens do confronto entre muro e paisagem – Imagem 1 (Kuhn, 2015) ............................................................................................................ 45 Ilustração 23 – Sequência de imagens do confronto entre muro e paisagem – Imagem 2 (Kuhn, 2015) ............................................................................................................ 45 Ilustração 24 – Sequência de imagens do confronto entre muro e paisagem – Imagem 3 (Kuhn, 2015) ............................................................................................................ 45 Ilustração 25 – Paisagem reflectida no vão da Villa Le Lac (Kuhn, 2015) ................... 49 Ilustração 26 – Modelo à escala real de um projecto de Mies van der Rohe para uma casa (Koolhaas et al., 1995, p. 63).............................................................................. 57 Ilustração 27 – CCTV Headquarters, China, OMA (ArchDaily, 2015) .......................... 60 Ilustração 28 – Casa da Música, Porto, OMA (OMA, 2015) ........................................ 60 Ilustração 29 – Fotografia do muro de Berlim - Casamento (Koolhaas et al., 1995, p. 223) ............................................................................................................................ 61 Ilustração 30 – Fotografia do muro de Berlim - Troca de bens (Koolhaas et al., 1995, p. 223) ............................................................................................................................ 61 Ilustração 31 – Fotografia do muro de Berlim - o muro e o seu contexto (Koolhaas et al., 1995, p. 229) ......................................................................................................... 61 Ilustração 32 – Fotografia do muro de Berlim - Crianças (Koolhaas et al., 1995, p. 229) ................................................................................................................................... 61 Ilustração 33 – Planta do estudo Exodus, or the voluntary prisoners of architecture (SOCKS, 2015) ........................................................................................................... 63 Ilustração 34 – Cena do olho 1 (Buñuel, 1929) ........................................................... 64 Ilustração 35 – Cena do olho 2 (Buñuel, 1929) ........................................................... 64 Ilustração 36 – Exodus, or the voluntary prisoners of architecture (SOCKS, 2015) ..... 65 Ilustração 37 – Plataformas de observação do estudo Exodus, or the voluntary prisoners of architecture (SOCKS, 2015) .................................................................... 65
Ilustração 38 – Storyboard de espaços relevantes do projecto Embaixada da Holanda em Berlim (Ilustração nossa, 2015)............................................................................. 68 Ilustração 39 – Ortofotomapa de Mitte, Berlin, Alemanha ([adaptado a partir de:] Google inc, 2015) ....................................................................................................... 69 Ilustração 40 – Embaixada e envolvente (OMA, 2015) ............................................... 70 Ilustração 41 – Desenho esquemático da relação entre o projecto e o quarteirão (OMA, 2015) .......................................................................................................................... 71 Ilustração 42 – Desenho esquemático da relação entre os dois volumes e o quarteirão (Ilustração nossa, 2015) ............................................................................................. 71 Ilustração 43 – Volume saliente da fachada correspondente à sala de reuniões (Heidingsfelder et al., 2007) ........................................................................................ 71 Ilustração 44 – Interior da sala de reuniões com vista sobre a cidade (Heidingsfelder et al., 2007)..................................................................................................................... 71 Ilustração 45 – Primeira imagem da sequência que revela percurso paralelo ao edifício nazi (Heidingsfelder et al., 2007) ................................................................................ 73 Ilustração 46 – Segunda imagem da sequência que revela percurso paralelo ao edifício nazi (Heidingsfelder et al., 2007) .................................................................... 73 Ilustração 47 – Terceira imagem da sequência que revela percurso paralelo ao edifício nazi (Heidingsfelder et al., 2007) ................................................................................ 73 Ilustração 48 – Primeira imagem da sequência que revela percurso ascendente que revela Berliner Fernsehturm (Heidingsfelder et al., 2007) ........................................... 73 Ilustração 49 – Segunda imagem da sequência que revela percurso ascendente que revela Berliner Fernsehturm (Heidingsfelder et al., 2007) ........................................... 73 Ilustração 50 – Terceira imagem da sequência que revela percurso ascendente que revela Berliner Fernsehturm (Heidingsfelder et al., 2007) ........................................... 73 Ilustração 51 – Vista sobre Berliner Fernsehturm (Heidingsfelder et al., 2007) ........... 74 Ilustração 52 – Maqueta conceptual do percurso (OMA, 2015) ................................... 75 Ilustração 53 – Maqueta conceptual do vazio que o percurso concebe (OMA, 2015) . 75 Ilustração 54 – Predominânica da cor ao longo da obra (Heidingsfelder et al., 2007) . 76 Ilustração 55 – Exterior enfatizado através da materialidade (Heidingsfelder et al., 2007) .......................................................................................................................... 76 Ilustração 56 – Transparência que a materialidade sugere (Heidingsfelder et al., 2007) ................................................................................................................................... 76 Ilustração 57 – Montagem de Koolhaas a manipular um projector (Heidingsfelder et al., 2007) .......................................................................................................................... 77
Ilustração 58 – Montagem que apresenta um espectador a visionar imagem que Koolhaas projecta (Heidingsfelder et al., 2007) ........................................................... 77 Ilustração 59 – Montagem que apresenta espectadores a visionarem imagem que Koolhaas projecta (Heidingsfelder et al., 2007) ........................................................... 77 Ilustração 60 – Storyboard de espaços relevantes do projecto Instituto do Mundo Árabe (Ilustração nossa, 2015) ................................................................................... 78 Ilustração 61 – Ortofotomapa de Paris, França ([adaptado a partir de:] Google inc, 2015) .......................................................................................................................... 79 Ilustração 62 – Esquema da relação entre escalas do edifício. A cinza claro está representada a escala do campus universitário e a cinza escuro, a escala menor, dos edifícios Haussmannianos. O IMA respeita ambas as escalas, ‗mimetizando-as‘ (Ilustração nossa, 2015) ............................................................................................. 80 Ilustração 63 – Vista sobre a Catedral Notre Dame e a Pont de la Tournelle a partir do terraço da cobertura (Bionik1980, 2014) ..................................................................... 81 Ilustração 64 – Vista sobre a Pont de Sully e os edifícios Haussmannianos a partir do terraço da cobertura (Bionik1980, 2014) ..................................................................... 81 Ilustração 65 – Vista ampla sobre Norte de Paris a partir do terraço da cobertura (Bionik1980, 2014)...................................................................................................... 81 Ilustração 66 – Axonometria do Instituto do Mundo Árabe ([adaptado a partir de:] AJN, 2015) .......................................................................................................................... 81 Ilustração 67 – Sequência de imagens do sistema distributivo da biblioteca - Imagem 1 (Maurin, 2011) ............................................................................................................ 87 Ilustração 68 – Sequência de imagens do sistema distributivo da biblioteca - Imagem 2 (Maurin, 2011) ............................................................................................................ 87 Ilustração 69 – Sequência de imagens do sistema distributivo da biblioteca - Imagem 3 (Maurin, 2011) ............................................................................................................ 87 Ilustração 70 – Sequência de imagens da vista que o sistema distributivo da biblioteca oferece - Imagem 1 (Maurin, 2011) ............................................................................. 87 Ilustração 71 – Sequência de imagens da vista que o sistema distributivo da biblioteca oferece - Imagem 2 (Maurin, 2011) ............................................................................. 87 Ilustração 72 – Sequência de imagens da vista que o sistema distributivo da biblioteca oferece - Imagem 3 (Maurin, 2011) ............................................................................. 87 Ilustração 73 – Diafragma da fachada aberto (Sánchez, 2010) ................................... 89 Ilustração 74 – Diafragma da fachada em movimento (Sánchez, 2010) ..................... 89 Ilustração 75 – Abertura de um diafragma da fachada a diminuir (Sánchez, 2010) ..... 89
Ilustração 76 – Efeito da abertura total de um diafragma da fachada (Sánchez, 2010) ................................................................................................................................... 89 Ilustração 77 – Efeito da abertura de um diafragma da fachada a diminuir, na composição dos restantes padrões geométricos (Sánchez, 2010).............................. 89 Ilustração 78 – Efeito de um diafragma da fachada fechado na composição dos restantes padrões geométricos (Sánchez, 2010) ........................................................ 89 Ilustração 79 – Composição dos padrões geométricos mecanizados da fachada (ArchDaily, 2015) ........................................................................................................ 89 Ilustração 80 – Sequência de painéis que compõem a fachada (ArchDaily, 2015) ..... 89 Ilustração 81 – Efeito espacial da fachada (ArchDaily, 2015)...................................... 89 Ilustração 82 – Luz projectada através dos diafragmas da fachada (AJN, 2015) ........ 90 Ilustração 83 – Efeitos de luz/sombra no espaço provocado pelo desenho da fachada (Steele, 1994, p. 166) ................................................................................................. 90 Ilustração 84 – Sequência de imagens do espaço hipóstilo subterrâneo - Imagem 1 (Maurin, 2011) ............................................................................................................ 91 Ilustração 85 – Sequência de imagens do espaço hipóstilo subterrâneo - Imagem 2 (Maurin, 2011) ............................................................................................................ 91 Ilustração 86 – Sequência de imagens do espaço hipóstilo subterrâneo - Imagem 3 (Maurin, 2011) ............................................................................................................ 91 Ilustração 87 – Storyboard de eventos relevantes do filme Man with a Movie Camera (Ilustração nossa, 2015) ............................................................................................. 95 Ilustração 88 – Máquina de filmar (Vertov, 1929) ........................................................ 97 Ilustração 89 – Homem surge no topo da máquina de filmar (Vertov, 1929) ............... 97 Ilustração 90 – Homem filma no topo da máquina de filmar (Vertov, 1929) ................ 97 Ilustração 91 – Cadeiras de uma sala de cinema (Vertov, 1929) ................................ 98 Ilustração 92 – Assentos das cadeiras a descer (Vertov, 1929) .................................. 98 Ilustração 93 – Cadeiras abertas (Vertov, 1929) ......................................................... 98 Ilustração 94 – Homem que manipula um projector (Vertov, 1929) ............................. 98 Ilustração 95 – Maestro e orquestra (Vertov, 1929) .................................................... 98 Ilustração 96 – Homem que manipula a luz através de um projector (Vertov, 1929) ... 98 Ilustração 97 – Mulher a dormir (Vertov, 1929) ........................................................... 99 Ilustração 98 – Homem que dorme num banco de rua (Vertov, 1929) ........................ 99
Ilustração 99 – Rapaz que dorme (Vertov, 1929) ........................................................ 99 Ilustração 100 – Jardim (Vertov, 1929) ....................................................................... 99 Ilustração 101 – Janelas (Vertov, 1929) ...................................................................... 99 Ilustração 102 – Edifício de habitação (Vertov, 1929) ................................................. 99 Ilustração 103 – Homem e máquina de filmar (Vertov, 1929).................................... 100 Ilustração 104 – Mulher que se veste (Vertov, 1929) ................................................ 100 Ilustração 105 – Homem a manipular máquina de filmar (Vertov, 1929) ................... 100 Ilustração 106 – Objectiva da máquina de filmar aberta (Vertov, 1929) .................... 101 Ilustração 107 – Objectiva da máquina de filmar fechada (Vertov, 1929) .................. 101 Ilustração 108 – Olho sobreposto à objectiva (Vertov, 1929) .................................... 101 Ilustração 109 – Cruzamento movimentado (Vertov, 1929)....................................... 101 Ilustração 110 – Homens a trabalhar (Vertov, 1929) ................................................. 101 Ilustração 111 – Chaminé de fábrica a expelir fumo (Vertov, 1929) .......................... 101 Ilustração 112 – Mulheres que se deslocam na cidade (Vertov, 1929) ..................... 102 Ilustração 113 – Movimento de pessoas (Vertov, 1929)............................................ 102 Ilustração 114 – Homem da máquina de filmar entre multidão (Vertov, 1929) .......... 102 Ilustração 115 – Close-up do rolo de filme (Vertov, 1929) ......................................... 102 Ilustração 116 – Diversos rolos de filme (Vertov, 1929) ............................................ 102 Ilustração 117 – Corte de um rolo de filme (Vertov, 1929) ........................................ 102 Ilustração 118 – Montagem de dois planos de uma rua movimentada (Vertov, 1929) ................................................................................................................................. 104 Ilustração 119 – Montagem de dois planos de eléctricos (Vertov, 1929) ................... 104 Ilustração 120 – Montagem de dois planos de edifícios (Vertov, 1929) ..................... 104 Ilustração 121 – Cidade movimentada (Vertov, 1929)............................................... 105 Ilustração 122 – Jardim movimentado (Vertov, 1929) ............................................... 105 Ilustração 123 – Cruzamento movimentado (Vertov, 1929)....................................... 105 Ilustração 124 – Mãos a manipular machado (Vertov, 1929) .................................... 106 Ilustração 125 – Mãos a manipular tesoura (Vertov, 1929) ....................................... 106
Ilustração 126 – Mãos a manipular rolo de filme (Vertov, 1929) ................................ 106 Ilustração 127 – Roda de carro (Vertov, 1929).......................................................... 106 Ilustração 128 – Mecanismo (Vertov, 1929) .............................................................. 106 Ilustração 129 – Engrenagem (Vertov, 1929) ............................................................ 106 Ilustração 130 – Homem afastado da máquina de filmar na praia (Vertov, 1929) ..... 107 Ilustração 131 – Montagem de homem da máquina de filmar sobre cidade (Vertov, 1929) ........................................................................................................................ 107 Ilustração 132 – Plateia a assistir a filme (Vertov, 1929) ........................................... 107 Ilustração 133 – Homem a filmar na direcção da plateia (Vertov, 1929).................... 107 Ilustração 134 – Montagem de homem da máquina de filmar sobre a multidão (Vertov, 1929) ........................................................................................................................ 107 Ilustração 135 – Sequência de imagens que mostra o Teatro Bolshoi a desmoronar Imagem 1 (Vertov, 1929) .......................................................................................... 108 Ilustração 136 – Sequência de imagens que mostra o Teatro Bolshoi a desmoronar Imagem 2 (Vertov, 1929) .......................................................................................... 108 Ilustração 137 – Sequência de imagens que mostra o Teatro Bolshoi a desmoronar Imagem 3 (Vertov, 1929) .......................................................................................... 108 Ilustração 138 – Circulação de pessoas e veículos num cruzamento (Vertov, 1929) 108 Ilustração 139 – Veículos que se deslocam numa rua (Vertov, 1929) ....................... 108 Ilustração 140 – Circulação de pessoas na cidade (Vertov, 1929) ............................ 108 Ilustração 141 – Olho sobreposto à objectiva aberta (Vertov, 1929) ......................... 109 Ilustração 142 – Olho sobreposto à objectiva em movimento (Vertov, 1929) ............ 109 Ilustração 143 – Olho sobreposto à objectiva fechada (Vertov, 1929) ....................... 109 Ilustração 144 – Olho que observa o ritmo frenético da cidade que a câmara capta (Vertov, 1929) ........................................................................................................... 111 Ilustração 145 – Cidade filmada através da câmara em movimento (Vertov, 1929) .. 111 Ilustração 146 – Cidade filmada através da rotação da câmara (Vertov, 1929)......... 111 Ilustração 147 – Storyboard de eventos relevantes do filme L'Eclisse (Ilustração nossa, 2015) ........................................................................................................................ 116 Ilustração 148 – Vittoria avista a torre de água através de uma janela (L'Eclisse, 1962) ................................................................................................................................. 118
Ilustração 149 – Il fungo na paisagem (L'Eclisse, 1962)............................................ 118 Ilustração 150 – Pernas de cadeiras e pernas de Vittoria paradas (L'Eclisse, 1962). 119 Ilustração 151 – Pernas de cadeiras e pernas de Vittoria em movimento (L'Eclisse, 1962) ........................................................................................................................ 119 Ilustração 152 – Vittoria reposiciona objectos enquadrados numa moldura (L'Eclisse, 1962) ........................................................................................................................ 119 Ilustração 153 – Objecto enquadrado por Vittoria numa moldura (L'Eclisse, 1962) ... 119 Ilustração 154 – Close-up de Vittoria encostada a uma porta (L'Eclisse, 1962) ........ 120 Ilustração 155 – Vittoria enquadrada numa porta (L'Eclisse, 1962) ........................... 120 Ilustração 156 – Vittoria abre cortinas (L'Eclisse, 1962) ............................................ 120 Ilustração 157 – Vittoria contempla o exterior (L'Eclisse, 1962) ................................ 120 Ilustração 158 – Exterior da Bolsa de Roma (L'Eclisse, 1962) .................................. 121 Ilustração 159 – Interior da Bolsa de Roma (L'Eclisse, 1962) ................................... 121 Ilustração 160 – Vittoria e Piero comunicam separados por uma coluna (L'Eclisse, 1962) ........................................................................................................................ 122 Ilustração 161 – Vittoria e Piero separados por uma coluna (L'Eclisse, 1962) .......... 122 Ilustração 162 – Rua do bairro E.U.R (L'Eclisse, 1962)............................................. 124 Ilustração 163 – Edifícios do bairro E.U.R (L'Eclisse, 1962) ...................................... 124 Ilustração 164 – Pilha de tijolos organizada (L'Eclisse, 1962) ................................... 124 Ilustração 165 – Vittoria repara na pilha de tijolos (L'Eclisse, 1962) .......................... 124 Ilustração 166 – Palazzo della Civiltà Italiana na paisagem (L'Eclisse, 1962) ........... 125 Ilustração 167 – Apartamento de Vittoria (L'Eclisse, 1962) ....................................... 125 Ilustração 168 – Vittoria toca no fóssil que trouxe para sua casa (L'Eclisse, 1962) ... 126 Ilustração 169 – Póster de Henri de Toulouse-Lautrec (L'Eclisse, 1962) .................. 126 Ilustração 170 – Vittoria aponta para fora do quadro (L'Eclisse, 1962)...................... 127 Ilustração 171 – Vittoria toca na pata de elefante que faz de perna de uma mesa (L'Eclisse, 1962) ....................................................................................................... 127 Ilustração 172 – Vittoria repara nos postes metálicos (L'Eclisse, 1962) .................... 127 Ilustração 173 – Vittoria ouve o som que os postes produzem, encostada a uma escultura (L'Eclisse, 1962) ........................................................................................ 127
Ilustração 174 – Arena de Verona vista através da avioneta onde Vittoria se encontra (L'Eclisse, 1962) ....................................................................................................... 128 Ilustração 175 – Vittoria feliz na esplanada de um café (L'Eclisse, 1962) ................. 128 Ilustração 176 – Piero espera pela rapariga (L'Eclisse, 1962) ................................... 129 Ilustração 177 – Piero e rapariga vistos através de um gradeamento (L'Eclisse, 1962) ................................................................................................................................. 129 Ilustração 178 – Vittoria avista outra pessoa enquadrada numa janela, tal como ela (L'Eclisse, 1962) ....................................................................................................... 130 Ilustração 179 – Janela vazia (L'Eclisse, 1962) ......................................................... 130 Ilustração 180 – Piero e Vittoria beijam-se através de uma janela (L'Eclisse, 1962) . 131 Ilustração 181 – Piero e Vittoria beijam-se através de uma janela (L'Eclisse, 1962) . 131 Ilustração 182 – Vittoria filmada por detrás de um gradeamento (L'Eclisse, 1962).... 131 Ilustração 183 – Árvores filmadas por detrás de um gradeamento (L'Eclisse, 1962) . 131 Ilustração 184 – Pilha de tijolos agora destruída (L'Eclisse, 1962) ............................ 132 Ilustração 185 – Edifício em cosntrução (L'Eclisse, 1962)......................................... 132 Ilustração 186 – Vazio da cidade (L'Eclisse, 1962) ................................................... 132 Ilustração 187 – Cruzamento deserto (L'Eclisse, 1962) ............................................ 132 Ilustração 188 – Edifício em construção (L'Eclisse, 1962)......................................... 133 Ilustração 189 – Pormenor de edifício (L'Eclisse, 1962) ............................................ 133 Ilustração 190 – Cidade a escurecer (L'Eclisse, 1962) .............................................. 133 Ilustração 191 – Eclipse (L'Eclisse, 1962) ................................................................. 133 Ilustração 192 – Storyboard de eventos relevantes do filme Falsche Bewegung (Ilustração nossa, 2015) ........................................................................................... 134 Ilustração 193 – Bird's-eye view sobre Glückstadt (Wenders, 1975) ......................... 140 Ilustração 194 – Bird's-eye view da praça Marktplatz (Wenders, 1975) .................... 140 Ilustração 195 – Wilhelm manipula puxador da janela (Wenders, 1975) ................... 140 Ilustração 196 – Wilhelm manipula persiana (Wenders, 1975).................................. 140 Ilustração 197 – Enquadramento da paisagem no caixilho de uma janela (Wenders, 1975) ........................................................................................................................ 141 Ilustração 198 – Paisagem desobstruída (Wenders, 1975) ....................................... 141
Ilustração 199 – Wilhelm desloca-se de bicicleta no campo (Wenders, 1975) .......... 142 Ilustração 200 – Wilhelm desloca-se de bicicleta na praia (Wenders, 1975) ............. 142 Ilustração 201 – Wilhelm olha para a paisagem enquanto de desloca de comboio (Wenders, 1975) ....................................................................................................... 142 Ilustração 202 – Paisagem vista através da janela do comboio (Wenders, 1975) ..... 142 Ilustração 203 – Paisagem desobstruída (Wenders, 1975) ....................................... 142 Ilustração 204 – Carris de comboios (Wenders, 1975).............................................. 143 Ilustração 205 – Rosto de Mignon sobreposto a carris de comboios (Wenders, 1975) ................................................................................................................................. 143 Ilustração 206 – Rosto de Mignon (Wenders, 1975) ................................................. 143 Ilustração 207 – Comboio (Wenders, 1975) .............................................................. 144 Ilustração 208 – Therese enquadrada numa janela do comboio (Wenders, 1975) .... 144 Ilustração 209 – Wilhelm olha para a paisagem a partir do interior de um comboio (Wenders, 1975) ....................................................................................................... 144 Ilustração 210 – Imagem de relógio numa estação de comboios (Wenders, 1975) ... 145 Ilustração 211 – Imagem de relógio e comboio em movimento (Wenders, 1975) ..... 145 Ilustração 212 – Vista sobre a rua a partir de um apartamento (Wenders, 1975) ...... 145 Ilustração 213 – Wilhelm observa a rua partir de um apartamento (Wenders, 1975) 145 Ilustração 214 – Protagonistas observam discussão no terraço de um edifício (Wenders, 1975) ....................................................................................................... 146 Ilustração 215 – Discussão no terraço de um edifício (Wenders, 1975) .................... 146 Ilustração 216 – Protagonistas observam um homem irritado à janela de um edifício (Wenders, 1975) ....................................................................................................... 147 Ilustração 217 – Homem irritado à janela de um edifício (Wenders, 1975)................ 147 Ilustração 218 – Carro e paisagem (Wenders, 1975) ................................................ 147 Ilustração 219 – Wilhelm observa paisagem a partir do interior de um carro (Wenders, 1975) ........................................................................................................................ 147 Ilustração 220 – Paisagem vista a partir do carro (Wenders, 1975) .......................... 147 Ilustração 221 – Laertes conversa com Wilhelm enquanto contemplam a paisagem (Wenders, 1975) ....................................................................................................... 148
Ilustração 222 – Bernhard conversa com Wilhelm enquanto contemplam a paisagem (Wenders, 1975) ....................................................................................................... 148 Ilustração 223 – Therese conversa com Wilhelm enquanto contemplam a paisagem (Wenders, 1975) ....................................................................................................... 148 Ilustração 224 – Laertes e Wilhelm contemplam a paisagem (Wenders, 1975) ........ 149 Ilustração 225 – Therese e Wilhelm contemplam a paisagem (Wenders, 1975) ....... 149 Ilustração 226 – Paisagem vista a partir do apartamento de Therese (Wenders, 1975) ................................................................................................................................. 150 Ilustração 227 – Paisagem e interior do apartamento de Therese (Wenders, 1975) . 150 Ilustração 228 – Interior do apartamento de Therese (Wenders, 1975) .................... 150 Ilustração 229 – Câmara percorre a cidade (Wenders, 1975) ................................... 151 Ilustração 230 – Câmara percorre a cidade (Wenders, 1975) ................................... 151 Ilustração 231 – Câmara percorre a cidade (Wenders, 1975) ................................... 151 Ilustração 232 – Wilhelm observa tecto a partir de umas escadas rolantes em movimento (Wenders, 1975) ..................................................................................... 151 Ilustração 233 – Tecto observado por Wilhelm (Wenders, 1975) .............................. 151 Ilustração 234 – Tecto observado por Wilhelm (Wenders, 1975) .............................. 151 Ilustração 235 – Wilhelm contempla a paisagem enquanto reflecte (Wenders, 1975) ................................................................................................................................. 153 Ilustração 236 – Ortofotomapa de Alcântara, Lisboa, Portugal ([adaptado a partir de:] Google inc, 2015) ..................................................................................................... 155 Ilustração 237 – Entrada da LXFACTORY (Ilustração nossa, 2014) ......................... 156 Ilustração 238 – Rua da LXFACTORY (Ilustração nossa, 2014) ............................... 156 Ilustração 239 – Vista da ponte a partir da LXFACTORY (Ilustração nossa, 2014) ... 156 Ilustração 240 – Vista do terreno da Sidul a Nordeste (Ilustração nossa, 2014)........ 156 Ilustração 241 – Vista do terreno da Sidul a Sudeste (Ilustração nossa, 2014) ......... 156 Ilustração 242 – Storyboard de eventos do projecto para a LXFACTORY e Sidul com protagonistas dos três filmes estudados inseridos em situações elaboradas de acordo com os três projectos estudados (Ilustração nossa, 2015) ........................................ 157 Ilustração 243 – Esquema de transformações do volume presente na Planta de Alcântara de 1911 ([adaptado a partir de:] Arquivo Municipal de Lisboa, 2014) ........ 157
Ilustração 244 – Axonometrias demonstrativas do trabalho de superfície da proposta (Ilustração nossa, 2014) ........................................................................................... 158 Ilustração 245 – Esquema de distribuição programática (Ilustração nossa, 2014) .... 159 Ilustração 246 – ―Sketch of the Acropolis, Athens, 1911 (from Petit, Le Corbusier: LuiMême.)‖ (Curtis, 1986, p.34) ..................................................................................... 160 Ilustração 247 – Desenhos espaciais do núcleo central da proposta alusivos aos desenhos de Le Corbusier (Ilustração nossa, 2014) ................................................. 160 Ilustração 248 – Corte transversal do espaço co-work (Ilustração nossa, 2014) ....... 161 Ilustração 249 – Axonometrias do espaço co-work (Ilustração nossa, 2014) ............ 161 Ilustração 250 – Interior da Escola de Artes Performativas (Ilustração nossa, 2014) 163 Ilustração 251 – Ilustração do interior da Escola de Artes Performativas habitado pela personagem do filme Man with a movie camera (Ilustração nossa, 2015) ................ 165 Ilustração 252 – Ilustração do núcleo central da proposta habitado pelas personagens do filme L‘eclisse (Ilustração nossa, 2015)................................................................ 166 Ilustração 253 – Troço Este da proposta para a Sidul demonstrativo das diferentes cotas entre espaços (Ilustração nossa, 2015) ........................................................... 167 Ilustração 254 – Perspectiva do acesso à cobertura da Escola de Artes Performativas (Ilustração nossa, 2015) ........................................................................................... 167 Ilustração 255 – Perspectiva da Escola de Artes Performativas e do acesso ao co-work (Ilustração nossa, 2015) ........................................................................................... 168 Ilustração 256 – Perspectiva da Escola de Artes Performativas (Ilustração nossa, 2015) ........................................................................................................................ 168 Ilustração 257 – Corte ilustrativo das diferentes cotas da proposta (Ilustração nossa, 2015) ........................................................................................................................ 170 Ilustração 258 – Corte ilustrativo do sistema distributivo do braço Este da Escola de Artes Performativas (Ilustração nossa, 2015) ........................................................... 170 Ilustração 259 – Ilustração do núcleo central da proposta habitado pelas personagens do filme Falsche Bewegung (Ilustração nossa, 2015) ............................................... 171 Ilustração 260 – Ilustração da cobertura da escola habitada pelas personagens do filme Falsche Bewegung (Ilustração nossa, 2015) .................................................... 172 Ilustração 261 – Planta da intervenção e requalificação urbana da LXFACTORY e do terreno da Sidul em Alcântara à cota 0 (Ilustração nossa, 2014) .............................. 175 Ilustração 262 – Cortes da intervenção e requalificação urbana da LXFACTORY e do terreno da Sidul em Alcântara (Ilustração nossa, 2014) ............................................ 177
SUMÁRIO 1. Introdução .............................................................................................................. 27 1.1. Âmbito ............................................................................................................. 27 1.2. Metodologia ..................................................................................................... 29 1.3. Organização .................................................................................................... 30 2. Casos de estudo: Arquitectura ............................................................................... 33 2.1. Le Corbusier - Villa Le Lac (1924): Obra como instrumento de registo ............ 33 2.2. Rem Koolhaas - S, M, L, XL (1995) + Embaixada da Holanda em Berlim (2003): Obra como instrumento denunciador de uma condição .......................................... 52 2.3. Jean Nouvel - Instituto do Mundo Árabe (1987): Obra como proposta de uma vivência ................................................................................................................... 78 3. Casos de estudo: Cinema ...................................................................................... 95 3.1. Dziga Vertov - Man with a Movie Camera (1929): Obra como instrumento de registo ..................................................................................................................... 95 3.2. Michelangelo Antonioni - L‘Eclisse (1962): Obra como instrumento denunciador de uma condição................................................................................................... 116 3.3. Wim Wenders - Falsche Bewegung (1975): Obra como proposta de uma vivência ................................................................................................................. 134 4. Caso prático: Intervenção e requalificação urbana da LXFACTORY e do terreno da Sidul em Alcântara (2014) ........................................................................................ 155 4.1. Questão: Enunciado e contexto ..................................................................... 155 4.2. Proposta: Resposta a um enunciado ............................................................. 157 4.3. Proposta: Peças desenhadas ........................................................................ 175 5. Considerações finais ............................................................................................ 179 Referências .............................................................................................................. 181
Arquitectura e Cinema: A vivência do espaço arquitectónico através do cinema
1. INTRODUÇÃO 1.1. ÂMBITO
O presente trabalho pretende estudar a influência do cinema na vivência do espaço arquitectónico. O universo de relações entre arquitectura e cinema é algo vasto e oferece inúmeros exemplos à sua demonstração. Um dos objectivos deste trabalho deteve-se no apuramento das temáticas relevantes entre estes paralelismos com especial incidência no modo de pensar e conceber o espaço arquitectónico e, a cidade. Estas relações são estudadas e apresentadas segundo três casos de estudo representativos de três modos diferentes de operar na arquitectura e no cinema. A sua distinção reside na essência das ideias e conceitos de cada obra, porém, o modo como o demonstram reside na manipulação de instrumentos que as duas formas de arte partilham. Tempo, espaço e movimento são elementos imprescindíveis à concretização da obra de ambas as disciplinas. Os três cineastas escolhidos propõem-nos um modo de observar a cidade e de nos relacionarmos com ela, através da leitura que fazem dos elementos que lhe são caros. Os três arquitectos são apresentados como personalidades que se apoiam no cinema – como obra e/ou processo – para concretizarem as suas ideias, detentoras de uma visão específica da cidade e, consequentemente das atmosferas que propõem. Pretendeu-se assim focar a atenção em três casos de estudo correspondentes a cada disciplina, no sentido de explicitar e demonstrar as relações propostas. As obras foram organizadas de acordo com os conceitos que exploram. Através da obra Villa Le Lac (1924) de Le Corbusier e do filme Man with a Movie Camera (1929) de Dziga Vertov pretende-se demonstrar as possibilidades da arquitectura e do cinema como instrumentos de registo. Os conceitos basilares e indispensáveis à realização de cada disciplina, são aqui demonstrados a partir do vão e da lente. O segundo paralelismo de conceitos proposto é estudado a partir do livro S, M, L, XL (1995) em conjunto com a obra Embaixada da Holanda em Berlim (2003) da autoria de OMA e do filme L‗Eclisse (1962) de Michelangelo Antonioni. A relação que se propõe sustenta-se no diagnóstico que o arquitecto e realizador fazem da cidade, manifestado nas suas obras. Deste modo, propõe-se o entendimento da obra cinematográfica e
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arquitectónica como uma exposição das patologias da sociedade e da cidade. O cinema e a arquitectura como meios denunciadores de uma condição, é o tema estudado. O modo como esta temática se cruza nas duas formas de arte, complementando-as, reforça novamente os paralelismos propostos. A última relação proposta é exposta a partir do estudo da obra Instituto do Mundo Árabe (1987) de Jean Nouvel e do filme Falsche Bewegung (1975) de Wim Wenders. Os conceitos basilares a partir dos quais a arquitectura e o cinema operam, são revisitados e agora complementados. Deste modo, é proposta uma relação entre conceitos mais abrangentes e contemporâneos com o intuito de promover respostas por parte da arquitectura. As relações propostas são concluídas com estes casos de estudo por declararem o poder do Homem no que diz respeito à sua postura e modo de viver na cidade. A exposição de ideias nestes subcapítulos destaca a capacidade da obra arquitectónica promover vivências a uma escala mais abrangente da cidade, de acordo com as suas múltiplas identidades, naturezas e características. Assim, apresenta-se um olhar sobre a arquitectura e o cinema como meios que propõem e apontam modos de estar na cidade. Por fim, este paralelismo torna evidente o papel do Homem na cidade, sendo que as relações que entre estes são estabelecidas dependem inteiramente das suas subjectividade e disponibilidade. O modo como nos deixamos afectar por determinada vivência, apontada pelo cinema, contribui para a criação de soluções propostas através da arquitectura. No sentido de resumir os conceitos-chave de cada obra, foi elaborado um storyboard para cada subcapítulo, de modo a focar a atenção do leitor nos temas a reter. Deste modo, reforça-se o paralelismo entre a arquitectura e o cinema, aludindo ao processo criativo do cinema como método auxiliar à leitura do espaço. O modo como o cinema contribui para uma postura crítica da arquitectura e da cidade é o assunto principal a reter nas considerações apresentadas. Com o objectivo de propor uma demonstração que visa a reunião das considerações abordadas no decorrer da investigação, é apresentado o exercício realizado na disciplina Projecto III. No sentido de concluir a investigação através de métodos utilizados no decorrer da mesma de modo a promover uma leitura lógica do tema, foi elaborado um storyboard que reúne os momentos-chave do exercício realizado, alusivos aos projectos estudados e aos protagonistas dos filmes aprofundados. O projecto apresentado
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constituiu assim uma sequência de propostas de vivências do espaço arquitectónico através do cinema.
1.2. METODOLOGIA Os procedimentos adoptados basearam-se na pesquisa de informação, escrita e filmada: O processo de investigação baseou-se essencialmente na pesquisa de informação escrita e filmada, relativa tanto à arquitectura como ao cinema: - investigação base que se fixou no estudo de obras escritas que desenvolvessem os paralelismos entre as duas disciplinas, bem como no visionamento de filmes1 considerados revelantes para esta abordagem, com especial incidência nas obras escritas Privacy and Publicity : Modern Architecture as Mass Media (1996) de Beatriz Colomina; Architecture in cinema : a relation of representation based on space (2008) de Gül Kaçmaz Erk e The Architecture of Image : Existential Space in Cinema (2007) de Juhani Pallasmaa. - leitura de obra literária e de ensaios representativos de conceitos essenciais no entendimento de questões relacionadas com a cidade e a sua dinâmica. Obras de autores como Walter Benjamin, Charles Baudelaire, Edgar Allan Poe, Johann Goethe foram fundamentais para a exposição das temáticas abordadas e, por isso, incluídos na bibliografia. - investigação de obras escritas da autoria dos arquitectos e cineastas abordados, no sentido de expôr os conceitos essenciais das suas obras; - visionamento dos filmes eleitos para os casos de estudo do capítulo referente ao cinema e de vídeos que demonstram a vivência das obras arquitectónicas abordadas no capítulo referente à arquitectura. Uma parte das ilustrações que complementam o estudo das obras arquitectónicas, constitui sequências de imagens retiradas destes vídeos, no sentido de reforçar a leitura e vivência do espaço arquitectónico através do cinema.
1
Pesquisa referente a obra cinematográfica para além dos três filmes eleitos, referidos ao longo do trabalho. 2 Beatriz Colomina, nascida a 1982 é uma historiadora de arquitectura reconhecida pela sua obra incisiva em questões elementares da arquitectura, contexto moderno e media. Colomina lecciona na Princeton
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As referências e bibliografia de diversas naturezas foram essenciais na definição dos temas a abordar e no sustento da presente dissertação.
1.3. ORGANIZAÇÃO As obras arquitectónicas e cinematográficas que constam na presente dissertação, são apresentadas segundo uma ordem que revela conceitos comuns às duas disciplinas. Em primeiro lugar é apresentado o capítulo referente à arquitectura, com o intuito de enunciar os conceitos presentes no processo criativo do arquitecto, para a realização de cada obra abordada. O mesmo acontece no segundo capítulo, relativamente ao cinema. A obra arquitectónica é apresentada em primeiro lugar, de modo a que a leitura do capítulo referente ao cinema seja resultante das considerações anteriores. Deste modo, cada capítulo é organizado em três subcapítulos que estabelecem paralelismos entre si. Assim, nos subcapítulos 2.1 e 3.1 são expostos modos de pensar semelhantes no que diz respeito aos conceitos comuns entre as duas formas de arte: espaço, lugar, movimento e tempo. O mesmo acontece entre os subcapítulos 2.2 e 3.2 e, 2.3 e 3.3. As questões levantadas por cada obra, são assim organizadas em par, ao longo de três paralelismos distintos.
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- Le Corbusier - Villa Le Lac (1924) / Dziga Vertov - Man with a Movie Camera (1929) - Rem Koolhaas - S, M, L, XL (1995) + Embaixada da Holanda em Berlim (2003) / Michelangelo Antonioni - L‘Eclisse (1962) - Jean Nouvel - Instituto do Mundo Árabe (1987) / Wim Wenders Falsche Bewegung (1975) - Intervenção e requalificação urbana da LXFACTORY e do terreno da Sidul em Alcântara (2014) Ilustração 1 – Esquema conceptual de relação entre temas e as obras escolhidas (Ilustração nossa, 2015)
O capítulo 4, referente ao exercício realizado na disciplina Projecto III é apresentado como uma reunião das considerações abordadas no decorrer da investigação. No decorrer do ano lectivo, foram levantadas questões sobre modos de actuar na arquitectura e na cidade, essenciais às relações estabelecidas na presente dissertação. A apresentação de conceitos e ideias, ao longo da realização de projecto, foi frequentemente acompanhada da apresentação de filmes que, pelos conceitos e temáticas que desenvolvem, constituíram um meio auxiliar do processo criativo na arquitectura e no modo de pensar sobre as problemáticas da mesma. No decorrer da investigação para levar a cabo a presente dissertação, as questões que surgiram durante a realização do exercício da disciplina Projecto III - relativas aos paralelismos entre as duas formas de arte abordadas -, sofreram um processo de maturação que originou uma investigação e sustentação mais rigorosas, de modo a contribuírem para uma revisitação do projecto, e consequentemente, para uma exposição adequada das ideias outrora embrionárias. Propõe-se assim um caso prático que reúna as ideias exploradas nos capítulos anteriores, no sentido de expressar um modo de encarar e aprender a arquitectura,
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complementado pela leitura que o cinema oferece da mesma, enriquecendo assim o seu resultado final e o seu entendimento. A investigação é encerrada com as Considerações finais que pretendem explicitar as ideias retidas ao longo do trabalho.
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2. CASOS DE ESTUDO: ARQUITECTURA 2.1. LE CORBUSIER - VILLA LE LAC (1924): OBRA COMO INSTRUMENTO DE REGISTO For Le Corbusier the interior no longer needs to be defined as a system of defense from the exterior. To say that "the exterior is always an interior" means that the interior is not simply the bounded territory defined by its opposition to the exterior. The exterior is "inscribed" in the dwelling. The window in the age of mass communication provides us with one more flat image. The window is a screen. (Colomina, 1996, p. 334)
Ilustração 2 – Storyboard referente ao projecto Villa Le Lac (Ilustração nossa, 2015)
A relação que se pretende estabelecer entre a arquitectura e o cinema neste subcapítulo baseia-se no estudo de Beatriz Colomina2, presente na obra Privacy and Publicity : Modern Architecture as Mass Media3. A autora compara o processo criativo e temas abordados no filme Man with a Movie Camera4 (1929) de Vertov5 à obra Villa le Lac (1924) de Le Corbusier6. Através do estudo da obra do arquitecto pretende-se demonstrar as possibilidades da arquitectura e do cinema enquanto instrumentos de 2
Beatriz Colomina, nascida a 1982 é uma historiadora de arquitectura reconhecida pela sua obra incisiva em questões elementares da arquitectura, contexto moderno e media. Colomina lecciona na Princeton University, onde é directora fundadora do 'Program in Media and Modernity'. 3 Obra de Beatriz Colomina que estuda parte da obra de Adolf Loos e Le Corbusier através de relações entre espaço, o contexto moderno, a publicidade e media. 4 Man with a Movie Camera (1929) é um filme-documentário realizado por Dziga Vertov. Com o objectivo de representar a realidade do quotidiano, Vertov dispensa um enredo ficcional e actores, recorrendo apenas a manipulações de velocidade e imagem, aspectos que conferiram notoriedade à obra. Através de um homem que filma a cidade, são nos apresentadas várias situações que representam os diferentes ritmos característicos do quotidiano urbano. O filme, na sua língua oficial em russo tem o título de Chelovek s kino-apparatom. No sentido de automatizar a leitura, adoptou-se o título em inglês Man with a Movie Camera ao longo da dissertação. 5 Dziga Vertov (1896-1954) foi um cineasta russo e um dos pioneiros na realização de filmesdocumentário. Produziu textos-manifestos com o intuito de manifestar os seus ideias cinematográficos, centrando-se em relações entre a realidade e a montagem e o olho e a câmara, surgindo assim o termo kino-eye. Realizou Kino-Pravda (1925), Man with a Movie Camera (1929), Three Songs About Lenin (1934) entre outros. 6 Charles-Edouard Jeanneret-Gris (1887-1965), conhecido por Le Corbusier foi um arquitecto, urbanista, escultor e pintor Suiço que, mais tarde, se naturalizou francês. Desenvolveu variadas teorias relativas à arquitectura e ao urbanismo, presentes em várias obras de sua autoria. A sua obra constituiu um grande marco no desenvolvimento da arquitectura moderna. Foi autor dos projectos Villa Savoye (1929), Unite d' Habitation (1952) e Convento de La Tourette (1960) entre outros.
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registo. Os conceitos basilares e indispensáveis à realização de cada disciplina, são aqui abordados de modo a contribuírem para uma leitura do lugar e da cidade. Por se tratarem de obras realizadas na segunda década do século XX, é importante salientar que o contexto da modernidade veio trazer novas possibilidades de percepção dos ritmos que ambas as obras exploram. A observação da cidade, e dos locais onde vivemos o nosso quotidiano permite-nos um melhor entendimento do mesmo. Os espaços aprisionados por ritmos irregulares que dependem de ciclos para subsistirem, são o ponto de partida para a realização do filme e da casa. É importante destacar que o processo que terá dado origem às duas obras, se torna determinante para o entendimento do cruzamento proposto entre a arquitectura e o cinema. A manipulação dos processos inerentes às duas disciplinas é abordada como meio essencial para a afirmação das obras. Os modos como foram fundamentadas novas percepções e leituras de modos de viver, são objecto de estudo nas presentes considerações. Em 1924, Le Corbusier conclui uma casa de pequenas dimensões para os seus pais onde aborda algumas questões fulcrais para o seu entendimento da arquitectura. Apesar da morte do seu pai ter ocorrido pouco tempo depois da conclusão da casa, a sua mãe e o seu irmão passaram lá grande parte das suas vidas. O projecto foi desenhado e, só mais tarde foi determinado que se iria situar nas imediações do lago Leman, próximo de Vevey7. ―Le Corbusier wrote that he and Pierre Jeanneret went in search of the ―perfect site‖ for this house with the completed plans in their pocket, and that they found at Vevey a piece of land ―which fit it like a glove.‖‖ (Gans, 1987, p. 161) O confronto com o exterior foi, desde sempre, o objectivo a perseguir na procura de um sítio para a casa. A relação com a paisagem não se sujeitava ao modo como o espaço dependia dela mas, sim, ao modo como o habitante se relacionava com ela. ―Throughout his writings, Le Corbusier insists on the relative autonomy of architecture and site. Referring again to the petite maison, he writes: "Today, the agreement of the ground with the house is no longer a question of site or of immediate context."‖ (Colomina, 1996, p. 318) Neste sentido, os dois momentos de confronto com a paisagem – através da arquitectura – foram estudados de modo a comprovar as ideias de Le Corbusier. Dominar a paisagem através de duas soluções opostas respondia ao paradoxo entre estar no interior da casa e no seu exterior. (Colomina, 1996, p. 315)
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Cidade Suiça, situada na margem norte do Lago Léman.
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Ilustração 3 – Ortofotomapa de Corseaux, Suiça ([adaptado a partir de:] Google inc, 2015)
The shock of the little house is in its sitting, which makes the argument for Perret as strongly as the strip window argues against him. A masonry wall wraps the site along the edge of the road and the edge of the lake, and creates an outdoor room mediating between the house proper and the landscape at large. Into the south portion of this rough wall is cut a ―square window‖ providing a controlled view of the lake ―which will not overpower the senses.‖ This of course is Perret‘s window, reframing the lake which is first seen through the strip. The entire promenade as drawn by Le Corbusier culminates in the distant view of the lake through this window and the foreground stilllife of dining table and pottery vessel set before it. The last room of the house is darkly painted and lit only from above as a caesura from the view and the garden scene. (Gans, 1987, p. 160)
A essência da arquitectura, para Le Corbusier, reside na leitura do espaço. Uma primeira percepção sucede do movimento do corpo no espaço, permitindo uma leitura de sequências. ―To enter is to see. But not to see a static object, a building, a fixed place. Rather, architecture taking place in history, the events of architecture as an event.‖ (Colomina, 1996, p. 5) Uma segunda, resultante de várias leituras estáticas provenientes do nosso confronto com o exterior, proporciona no seu conjunto uma leitura cinemática. Um elemento que à partida sugere funções elementares e inevitáveis para a arquitectura – iluminar e ventilar – define o modo como nos relacionamos com o exterior. ―[…] Of these classified functions I should retain one only, that of being looked through… To see out of doors, to lean out.‖ (Le Corbusier apud Colomina, 1996, p. 7) O modo como esta relação é tratada resulta em diversas
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possibilidades: Ver sem ser visto; ver e ser visto; ver ininterruptamente; ver por instantes; uma visão ampla e uma visão comprimida. O modo como nos confrontamos com o exterior, determina a nossa relação com o interior. ―Seeing, for Le Corbusier is the primordial activity in the house. The house is a device to see the world, a mechanism of viewing. […] The inhabitant is enveloped, wrapped, protected by the pictures.‖ (Colomina, 1996, p. 7) Habitar uma casa sem prescindir do seu conforto e, ao mesmo tempo, confrontarmo-nos com o que nos rodeia só é possível através de um intermediário. Unirmos duas situações antagónicas – sentirmo-nos seguros e acolhidos ou sentirmo-nos desprotegidos no desconhecido – é uma realidade que nos conecta ao mundo e que o torna apelativo. The eye is a tool of registration. It is placed 5 feet 6 inches above the ground. Walking creates diversity in the spectacle before our eyes. But we have left the ground in an airplane and acquired the eyes of a bird. We see, in actuality, that which hitherto was only seen by the spirit. (Le Corbusier apud Colomina, 1996, p. 330)
O exterior é apreendido pelo observador tornando-se parte da sua realidade. Estamos protegidos por ‗quatro paredes‘, mas, isso não significa que estas nos isolem. Pelo contrário, elas servem de interveniente consoante o que nos sugerem do exterior. Le Corbusier persegue este confronto com o objectivo de o dominar. In photographs windows are never covered with curtains, neither is access to them prevented by means of hampering objects. On the contrary, everything in these houses seems to be disposed in a way that continuously throws the subject toward the periphery of the house. The look is directed to the exterior in such a deliberate manner as to suggest the reading of these houses as frames for a view. (Colomina, 1988, p. 4041)
A casa acomoda uma vista e relaciona-se com ela. Manipula o exterior de modo a sentirmo-nos confortáveis com a presença da paisagem. Um vão desenhado de modo a direccionar o nosso olhar de determinada maneira condiciona o nosso habitar. ―The modern transformation of the house produces a space defined by walls of (moving) images. […] To be ―inside‖ this space is only to see. To be ―outside‖ is to be in the image, to be seen […]‖ (Colomina, 1996, p. 7) ‗Ver através de‘ torna-se uma experiência mais enriquecedora do que simplesmente ‗olhar para‘. É a diferença entre ser manipulado e manipular, entre dominar o exterior e não permitir que este nos domine. The object of the wall seen here is to block off the view to the north and east, partly to the south, and to the west; for the ever-present and overpowering scenery on all sides has a tiring effect in the long run. Have you noticed that under such conditions one no
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longer "sees"? To lend significance to the scenery one has to restrict and give it proportion; the view must be blocked by walls that are only pierced at certain strategic points and there permit an unhindered view. (Le Corbusier apud Colomina, 1996, p. 315)
Trata-se de propor um olhar sobre um mundo distante através da janela, elemento que nos permite abandonar por momentos - hipoteticamente -, o local onde nos encontramos. ―The horizontal gaze leads far away… From our offices we will get the feeling of being lookouts dominating a world in order […]‖ (Le Corbusier apud Colomina, 1996, p. 306) Somos transportados para uma realidade mais apelativa. Ver não se detém apenas no olhar; torna-se também determinante para o modo como nos relacionamos com os outros, objectos e lugares.
Ilustração 4 – "On a découvert le terrain - Une petit maison, 1954" (Colomina, 1996, p. 316)
Ilustração 5 – "Le plan est installé… - Une petit maison, 1954" (Colomina, 1996, p. 317)
It is this domestication of the view that makes the house a house, rather than the provision of a domestic space, a place in the traditional sense. Two drawings published in Une petite maison speak about what Le Corbusier means by "placing oneself". In one of them, "On a découvert le terrain," a small human figure appears standing and next to it a big eye, independent of the figure, oriented toward the lake. The plan of the house lies between the eye and the lake: the house is represented as that which lies between the eye and the view. The small figure is almost an accessory. The other drawing, "Le plan est installé,‖ does not show, as the title would indicate, the encounter of the plan with the site, as we traditionally understand it. The site is not in the drawing. (Colomina, 1996, p. 315)
A diferença entre um instante e uma narrativa é o que separa a fotografia do cinema. As possibilidades de apreensão de um momento são manipuladas através da lente: o plano, a luz e a cor. No cinema acrescenta-se a velocidade, a sequência e o som. Lev Kuleshov8 ilustrou as possibilidades desta manipulação - nas primeiras décadas do
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Lev Kuleshov (1899 – 1970) foi um realizador e teórico russo. Foi considerado pioneiro na montagem cinematográfica tendo dado origem ao termo 'efeito Kuleshov'. As suas experiências de edição cinematográfica resultaram num novo modo de abordar o cinema e em novas possibilidades de lhe
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século XX -, nas experiências apelidadas por The Kuleshov Effect. Uma cena focada no rosto de um homem surge três vezes, sem alteração. Numa reconstrução do filme começamos por vê-lo, de seguida o plano centra-se num prato de comida; surge novamente o fragmento do rosto, posteriormente um caixão com uma criança e, por fim, a última repetição do rosto do actor que antecede uma cena onde observamos uma mulher deitada. A mesma expressão oferece-nos três interpretações diferentes: fome, tristeza e desejo. Na versão original aparece uma criança a brincar, no lugar da mulher, conferindo ao espectador a sensação de felicidade em substituição de desejo. Quais os efeitos possíveis da manipulação na arquitectura? Deveria a arquitectura ser fim ou meio da manipulação de um sítio? A percepção do lugar deve-se à maneira como o observamos e ao que retemos dele. Deste modo, a arquitectura torna-se um meio incontestável para a percepção do exterior - uma lente pela qual o vemos de modo a reter uma impressão. ―If the window is a lens, the house itself is a camera pointed at nature. Detached from nature, it is mobile. Just as the camera can be taken from Paris to the desert, the house can be taken from Poissy to Biarritz to Argentina.‖ (Colomina, 1996, p. 312) Cabe ao arquitecto moldar essa lente e, consequentemente, manipular a percepção da paisagem. A função da lente revela-se essencial para os objectivos da casa – a procura do exterior transforma-a num elemento ‗nómada‘ – apelando à exaltação do movimento. A demanda foca-se no observado tal como na fotografia e no cinema. Trata-se de encontrar a melhor localização para uma cena de modo a acentuá-la. A finalidade da lente é levada à letra. Photography and cinema seem, on first reflection, to be "transparent" media. But that which is transparent, like the glass in our window, also reflects (as becomes evident might) the interior and superimposes it onto our vision of the exterior. The glass functions as a mirror when the camera obscura is lit. (Colomina, 1996, p. 80)
Planos que revelam elementos emblemáticos da localização de um filme, ou, que iniciam a narrativa com uma indicação clara da sua localização, remetem para as possibilidades da janela. Este elemento situa-nos, projectando-nos para um exterior que reconhecemos imediata ou gradualmente. Através do vislumbre de partes que compõem uma sequência, obtemos uma noção fragmentada do que vemos e consequentemente, um entendimento mais claro da paisagem. A janela separa o observador do observado. O vazio interrompe o maciço contínuo que nos garante conferir significado. Realizou The Project of Engineer Prite (1918), The Death Ray (1925), Locomotive No. 10006 (1926) entre outros.
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privacidade e, deste modo, permite uma deslocação segura – embora hipotética – para este universo alheio. The house is drawn with a picture already in mind. The house is drawn as a frame for that picture. The frame establishes the difference between "seeing" and merely looking. It produces the picture by domesticating the "overpowering" landscape. (Colomina, 1996, p. 315)
O lugar já existia, a arquitectura vem complementá-lo. Le Corbusier focou-se no lugar como o exterior: a paisagem. A arquitectura oferece-nos a possibilidade de nos transportar, figurativamente, para fora dela - sem perder o sentido de domínio sobre o que nos rodeia -, de limitar o que vemos e de enquadrar. ―The image marks the split between two traditional functions of the window, ventilation and light, now displaced into powered machines, and the modern function of a window, to frame a view. (Colomina, 1996, p. 301)‖ Trata-se de um olhar inquieto que procura o exterior e que é saciado quando ‗vê através de‘. Esta demanda guiou o projecto da Villa Le Lac, que procurava um sítio a dominar sem se deixar deslumbrar. O comedimento da relação com o exterior ditaria o nosso foco. Le Corbusier era consciente da necessidade desta moderação. Uma casa que visava o confronto com a paisagem teria de garantir tranquilidade. The split between the traditional humanist subject (the inhabitant or the architect) and the eye is the split between looking and seeing, between outside and inside, between landscape and site. In Le Corbusier's drawings, the inhabitant and the person in search of a site are represented as diminutive figures. Suddenly that figure sees. A picture is taken, a large eye, autonomous from the figure, represents that moment. This is precisely the moment of inhabitation. This inhabitation is independent from place (understood in a traditional sense); it turns the outside into an inside […] (Colomina, 1996, p. 329-330)
A essência deste objectivo retinha-se no elemento que possibilitava esta permeabilidade. ―[…] the most important element of the hall is the big window.‖ (Colomina, 1996, p. 6) A janela vinha resolver a relação com o exterior. Mas que tipo de relação se pretendia? Le Corbusier não se contentava com a resposta imediata que a janela horizontal trazia e, adaptou-a de modo a potencializar a observação da paisagem. Perret maintained that the vertical window, the porte fenêtre, reproduces an "impression of complete space" because it permits a view of the street, the garden, and the sky, giving a sense of perspectival depth. The horizontal window, fenêtre en longueur, on the other hand, diminishes ―one‘s perception and a correct appreciation of the landscape‖.
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In fact, Perret argued, it cuts out of view precisely that which is most interesting: the strip of the sky and the foreground that sustains the illusion of perspectival depth. The landscape remains, but (as Bruno Reichlin has put it) as though it were a planar projection ―sticking to the window.‖ (Colomina, 1996, p. 130)
A extensão ininterrupta da janela não oferecia uma relação, mas sim um confronto directo. Manipular a paisagem para que nos sintamos confortáveis com ela não era possível através deste confronto imediato. A percepção de um exterior fragmentado e controlado vinha contrariar a instabilidade de uma paisagem bruta e livre. Le Corbusier deteve-se nesta questão e estudou as diferenças entre as janelas horizontal e vertical, o efeito que estas tinham nos espaços e as relações que concebiam com o exterior. A vista contínua do vão horizontal convidava a uma evasão vaga e indefinida. A manipulação controlada que contrariava esta evasão deveria ser reconhecida no sentido de não deixar dúvidas do enorme todo que foi ‗domesticado‘. Tudo se prendia novamente na linha ténue que separa o exterior do interior e do intermediário que nos garante conforto e segurança ao mesmo tempo nos proporciona um escape. ―[…] In Le Corbusier‘s work this relationship has to do with the contrast between the infinity of space and the experience of the body, a body that has become a surrogate machine in an industrial age.‖ (Colomina, 1996, p. 134-136) ‗Ver através de‘ permite a distância confortável e segura que queremos sentir neste confronto. A paisagem não devia invadir a casa. Pelo contrário, deveria ser vista de maneira a ficar retida na nossa memória sem a intimidar. Trata-se de uma experiência controlada pelo utilizador do espaço. ―The picture window works two ways: it turns the outside world into an image to be consumed by those inside the house, but it also displays the image of the interior to that outside world. […] In the same way that we meticulously construct our family history with snapshots, equality skillfully we represent our domesticity through the picture window.‖ (Colomina, 1996, p. 8)
Como controlar o olhar? O enquadramento da fotografia e o plano do filme ditam o que ‗passa‘ a ser objecto da nossa atenção. ―a window is a man himself…The porte fenêtre provides man with a frame, it accords with his outlines… The vertical is the line of the upright human being, it is the line of life itself‖. (Perret apud Colomina, 1996, p. 134) Sabemos que o formato da tela é horizontal e ininterrupto e, partindo desse princípio, seria lógico deduzir o mesmo formato para a janela. Mas o que compõe um filme e lhe dá sentido?
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São os fragmentos que constroem uma narrativa e enfatizam o movimento. É através de diferenças entre planos e fragmentos que compreendemos que algo está a decorrer e a evoluir num determinado sentido. Testemunhamos uma continuação. This rethinking of culture through a systematic reappropriation of photography transforms the fundamental sense of space in Le Corbusier's work. The transformation is most evident in his thinking of the window. After all, the window like the photograph is first of all a frame. The frame of Le Corbusier's horizontal window, like his photographs of the Parthenon, upsets the classical viewer's expectations, precisely because it cuts something out of the view. (Colomina, 1996, p. 128)
Onde estaria patente o elogio ao movimento, elemento essencial na concretização da arquitectura? Fragmentando-o. Le Corbusier conclui que o método mais fiel à percepção do tempo e movimento consistia na divisão da ‗tela‘. A fachada de onze metros virada a Sul foi então organizada segundo quatros módulos, que por sua vez se organizam em três elementos: dois elementos extremos mais largos que o central. ―The central panel, a rectangle, opens by pivoting; the two square panels are fixed. There, the occupant of the house still has to go to the center of the window to open it, and is thereby framed.‖ (Colomina, 1996, p. 136) Esta tira fraccionada assemelha-se ao rolo de filme que nos revela planos de uma sequência. Cada frame independente, através das suas particularidades, torna-nos conscientes de um antes e depois – e portanto, do movimento. How important the division of the window into three panels is for Le Corbusier is evident in his sketches of the house: the view outside each panel seems relatively independent of the adjacent view. The grouping of curtains in the side post, also stressed in Le Corbusier's sketches, reinforces the division of this window into four. The panorama "sticking" to the window glass is superimposed on a rhythmic grid that suggests a series of photographs placed next to each other in a row, or perhaps a series of stills from a movie. (Colomina, 1996, p. 136-139)
Ilustração 6 – Sequência de imagens do vão visto a partir do exterior da Villa Le Lac - Imagem 1 (Orellana Rioja, 2014)
Ilustração 7 – Sequência de imagens do vão visto a partir do exterior da Villa Le Lac - Imagem 2 (Orellana Rioja, 2014)
Ilustração 8 – Sequência de imagens do vão visto a partir do exterior da Villa Le Lac – Imagem 3 (Orellana Rioja, 2014)
A realidade é enfatizada e testemunhamos o tempo a decorrer. Colomina esclarece este efeito através da comparação entre as pinturas clássica e purista, esta última
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perseguida por Le Corbusier. A diferença concentra-se nos ideais a evocar no espectador. Se a época clássica se regia por cânones, rigor, ordem e equilíbrio de modo a exaltar estas qualidades no Homem, era natural que a pintura obedecesse a estes critérios. Surgia assim uma ideia idílica de plena harmonia que a ordem e rigor sugeriam. Pelo contrário, a pintura purista procurava a representação de objectos, que reconhecemos no quotidiano, reduzida à sua forma mais simplificada. Pintavam-se formas geométricas que pela sua composição nos remetiam para determinado objecto. A composição destas formas impede-nos de fixar um ponto de fuga e de limitar as interpretações relativas ao observado. O espaço é livre, indefinido, não nos limita a uma única maneira de o analisar nem estabelece direcções ou hierarquias. (Colomina, 1996, p. 130) We imagine a boat going down the lake. Viewed from a porte-fenétre there would be an ideal moment: the boat appears at the center of the opening directly in line with the gaze into the landscape - as in a classical painting. The boat would then move out of vision. From the fenêtre en longueur the boat is continuously shot, and each shot is independently framed. (Colomina, 1996, p. 139)
Cada plano – cada divisão dos módulos do vão – é autónomo no sentido em que está livre do que o rodeia, mas sem perder a consciência de algo que o envolve. A percepção é estimulada por cada frame proporcionando uma experiência mais complexa do que uma tira ininterrupta que reduz a cena a um único plano. A fragmentação enriquece assim a experiência da contemplação da paisagem.
Ilustração 9 – Sequência de imagens da paisagem vista através dos três elementos que compõem os quatro módulos do vão – Imagem 1 (Kuhn, 2015)
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Ilustração 10 – Sequência de imagens da paisagem vista através dos três elementos que compõem os quatro módulos do vão – Imagem 2 (Kuhn, 2015)
Ilustração 11 – Sequência de imagens da paisagem vista através dos três elementos que compõem os quatro módulos do vão – Imagem 3 (Kuhn, 2015)
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Ilustração 12 – Extensão do vão visto a partir do exterior ([adaptado a partir de:] Villa «Le Lac» Le Corbusier, s.d.)
If for Perret "a window is a man, it stands upright," with Le Corbusier the erected man behind Perret's porte-fenêtre has been replaced by a photographic camera. The view is free-floating, "without connection with the ground," or with the man behind the camera (a photographer's analytical chart has replaced "personal observations"). "The view from the house is a categorical view. In framing the landscape the house places the landscape into a system of categories. The house is a mechanism for classification. It collects views and, in doing so, classifies them. The house is a system for taking pictures. What determines the nature of the picture is the window. (Colomina, 1996, p. 311)
Le Corbusier defende a utilização da janela horizontal baseando-se na maior iluminação que possibilita relativamente à janela vertical. ―The photographic plate in a room illuminated with a horizontal window needs to be exposed four times less than in a room illuminated with two vertical windows…‖ (Le Corbusier apud Colomina, 1996, p. 311) Para ventilar o espaço, o habitante é forçado a colocar-se no centro do módulo composto por três janelas. Enquanto os elementos situados nos extremos são fixos, o central abre-se e coloca o espectador diante o centro da tela. A utilização deste filtro perante a imensidão da paisagem permite um controlo da mesma a partir do interior da casa. (Colomina, 1996, p. 311)
Ilustração 13 – Sequência de imagens do vão visto a partir do interior da Villa Le Lac - Imagem 1 (Orellana Rioja, 2014)
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Ilustração 14 – Sequência de imagens do vão visto a partir do interior da Villa Le Lac - Imagem 2 (Orellana Rioja, 2014)
Ilustração 15 – Sequência de imagens do vão visto a partir do interior da Villa Le Lac - Imagem 3 (Orellana Rioja, 2014)
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Ilustração 16 – Sequência de imagens de homem a manipular o vão da Villa Le Lac Imagem 1 (Crepey, Wirth, 2010)
Ilustração 17 – Sequência de imagens de homem a manipular o vão da Villa Le Lac Imagem 2 (Crepey, Wirth, 2010)
Ilustração 18 – Sequência de imagens de homem a manipular o vão da Villa Le Lac Imagem 3 (Crepey, Wirth, 2010)
Já no exterior, encontramos a paisagem crua, sem lentes e sem filtros. Como transformar um exterior indomável? A resposta já não se encontrava no controlo progressivo da extensão imagética processo que deriva da observação do espectador a partir do interior, encerrado. ―[…] a space that is not made of walls but of images. Images as walls. Or as Le Corbusier puts it, ―walls of light‖.‖ (Colomina, 1996, p. 6) Assim, Le Corbusier recorre novamente ao uso de um intermediário – a parede. No exterior, o efeito seria oposto ao da fachada onde se estende um vão de onze metros. Propunha-se assim um muro de pedra, interrompido no centro por um rectângulo, cujas dimensões se assemelham ao formato fílmico. O objectivo não se limita à utilização do muro como barreira, mas, também ao vão novamente, que concebe a mediação entre o observador e a paisagem. Trata-se de um enquadramento da paisagem, concebido para o observador. O muro não revela apenas a vista ou a luz mas propõe um espaço de estar, com uma mesa desenhada de maneira a parecer nascer deste elemento maciço. A mesa é fixa, e obriga ao confronto com a paisagem. Ela dita a nossa posição e mais uma vez demonstra o controlo que Le Corbusier cria a partir de um sistema de relações dependentes exclusivamente do projecto. Deste modo, Le Corbusier condicionava o exterior e adequava-o à nossa dimensão, proporcionando assim um espaço controlado e acolhedor. Tanto a luz como a paisagem estavam condicionadas por este muro.
Ilustração 19 – Sequência de imagens da paisagem vista através do vão do muro – Imagem 1 (Kuhn, 2015)
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Ilustração 20 – Sequência de imagens da paisagem vista através do vão do muro – Imagem 2 (Kuhn, 2015)
Ilustração 21 – Sequência de imagens da paisagem vista através do vão do muro – Imagem 3 (Kuhn, 2015)
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Ilustração 22 – Sequência de imagens do confronto entre muro e paisagem – Imagem 1 (Kuhn, 2015)
Ilustração 23 – Sequência de imagens do confronto entre muro e paisagem – Imagem 2 (Kuhn, 2015)
Ilustração 24 – Sequência de imagens do confronto entre muro e paisagem – Imagem 3 (Kuhn, 2015)
A autora Beatriz Colomina comenta a evolução da cidade de acordo com as reflexões de Walter Benjamin9. O crescimento das grandes cidades proporcionou novos modos de vida e novos ritmos. As pessoas eram cada vez mais confrontadas com imagens, comércio e novas possibilidades de trabalho. A velocidade com que eram confrontadas com as cenas do quotidiano aumentava. ―as Benjamin argues, people now have to "adapt" is the speed, the continuous movement, the sense that nothing ever stops, that there are no limits. Trains, traffic, films, and newspapers use the verb run to describe their very different activities.‖ (Colomina, 1996, p. 12) A percepção do quotidiano transforma-se e exige que tudo acompanhe este novo ritmo. ―Perception is now tied to transience.‖ (Colomina, 1996, p. 12) Esta transição parte da acção, deslocação e energia. Um ritmo inquieto repleto de interdependências que podemos comparar ao sistema de engrenagens. Já nada é estático, nem mesmo o olho – a percepção. Le Corbusier‘s window corresponds, I would argue, to the space of photography. […] While photography and film, based on single-point perspective, are often seen as "transparent" media, deriving from the classical system of representation, there is an epistemological break between photography and perspective. The point of view of photography is that of the camera, a mechanical eye. The painterly convention of perspective centers everything on the eye of the beholder and calls this appearance ―reality." The camera-particularly the movie camera- implies that there is no center. (Colomina, 1996, p. 133)
Le Corbusier interessava-se pela fotografia como processo criativo da arquitectura. ―Photography was born at almost the same time as the railway. The two evolve hand in hand – the world of tourism is the world of the camera – because they share a conception of the world.‖ (Colomina, 1996, p. 47) Não se detinha nas possibilidades de propaganda que este meio oferecia mas sim no que ele revelava de útil à percepção do que o rodeava. Estudos de luz e sombra permitiam experimentações que teriam 9
Walter Benjamin (1892-1940) foi um ensaísta, crítico literário e filósofo alemão. A sua obra destaca conceitos relativos à Arte e modernidade, contribuindo para a crítica e reflexão artísticas e filosóficas.
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efeito nos seus projectos. A captura de uma imagem passava a fazer parte do seu imaginário, a que daria forma posteriormente. (Colomina, 1996, p. 124) […] And yet it is significant that when this same built architectural piece enters the twodimensional space of the printed page it returns to the realm of ideas. The function of photography is not to reflect, in a mirror image, architecture as it happens to be built. Construction is a significant moment in the process, but by no means its end product. Photography and layout construct another architecture in the space of the page. Conception, execution, and reproduction are separate, consecutive moments in a traditional process of creation. But in the elliptic course of Le Corbusier‘s process this hierarchy is lost. Conception of the building and its reproduction cross each other again. (Colomina, 1996, p. 114-118)
Desenhar sobre fotografias, reinventar espaços e organizar composições eram alguns dos métodos que influenciavam o seu modo de olhar e conceber a arquitectura. Almost invariably Le Corbusier transformed these photographs. Beyond removing them from their original context, he painted on them, erased their details, reframed them; these, then, are images that have been worked on, chosen, composed, constructed. (Colomina, 1996, p. 124)
Afinal, o processo que envolve a fotografia comparava-se ao da arquitectura: ambos necessitavam de limitar o seu espaço para conceber determinada percepção do mesmo, de modo a obter o melhor dele. […] both photography and the unconscious presuppose a new spatial model in which interior exterior are no longer clear-cut divisions. In fact, photography represents a displacement of the model of the camera obscura, and with it, Jonathan Crary notes, the figure of an "interiorized observer," a "privatized subject confined in a quasidomestic space, cut off from a public exterior world," into a model in which the distinctions between interior and exterior, subject and object, are ―irrevocably blurred‖ (Colomina, 1996, p. 82)
O modo fiel como a fotografia representava o mundo era uma base objectiva que, após a sua manipulação, possibilitava novas interpretações subjectivas. Deste modo, existe uma metamorfose de um elemento assente e palpável para algo ilusório e abstracto. A transformação de uma circunstância para a outra dá-se através da percepção da realidade e da consequente manipulação da mesma. Este processo suscitava novas possibilidades tanto na arquitectura como no cinema. A abstracção em que assentavam as ideias de Le Corbusier era parte do seu processo. As suas aspirações residiam no modo como determinado local, edifício ou momento o tinham influenciado e, o que ele tinha retido dessas experiências. Cada elemento vive dependente de outros. Os sítios e edifícios existem, mas a captura
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destes a determinada hora, através de determinado ângulo e enquadramento já entra nos campos da subjectividade e da individualidade. Consequentemente, o que se apreende destas capturas e da sua transformação - de modo a potencializar ideias também faz parte do universo da percepção individual e do modo como esta é explorada. Stanislaus von Moos has written that for Le Corbusier the relationship of the architectural work to a specific site and its material realization are secondary questions; that for him architecture is a conceptual matter to be resolved in the purity of the realm of ideas, that when architecture is built it gets mixed with the world of phenomena and necessarily loses its purity. (Colomina, 1996, p. 114)
O processo criativo das duas formas de arte fixa-se assim na apreensão do que nos rodeia e como nos afecta – o modo como transforma a nossa maneira de viver. A realidade é relevante, não para ser reproduzida, mas sim como meio para o entendimento do quotidiano. É o olhar sobre a metrópole que nos indica um mecanismo de relações. ―The film is the art form that is in keeping with the increased threat to his life which modern man has to face. Man‘s need to expose himself to shock effects is his adjustment to the dangers threatening him‖. (Benjamin apud Colomina, 1996, p. 72) Observamos uma máquina a trabalhar o que ela produz. Subitamente, este enquadramento expande-se e construímos uma narrativa de dependências. As necessidades e consequências que estão implícitas naquela acção são geradoras de um ritmo que não é, de imediato, evidente. Vivemos como parte deste e não apenas como observadores. Que relações permitem os novos ritmos da cidade? O Homem não se detém na posição de espectador, mas sim de actor - ele faz parte da engrenagem desta grande máquina cujo funcionamento não cessa. Para observarmos este grande mecanismo seria necessário distanciarmo-nos dele para permanecermos como espectadores. O cinema torna perceptível este ritmo cíclico através da captura de um momento que passa à construção de uma narrativa ou sequência. ―lt is not by chance that Vertov will choose the city. His film makes clear that it is not just that the new space of the city is defined by the new technologies of representation; those technologies are also transformed by the city.‖ (Colomina, 1996, p. 13) Se no cinema, Vertov conseguiu ilustrar esta sinfonia da cidade segundo a percepção do homem - do olho -, Le Corbusier fazia o mesmo através dos seus projectos. Olha-se para a arquitectura como evento que coloca em cena o exterior e nos revela uma narrativa que só faz sentido, quando experienciada pelo Homem. Um olhar limitado ao
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interior impossibilita a percepção do todo como um sistema e, é neste sentido que Vertov e Le Corbusier demonstram o papel do olho, do movimento e dos ritmos. The Man with the Movie Camera by Dziga Vertov (1929), for.example. This movie is often understood by film theorists to be about the way in which meaning is fabricated in film. In conventional film, the point of view is represented as "neutral," not visible, turning what you see into "reality." But with Vertov's movie there is seen to be a reversal of view and point of view. The subject's point of view comes after the view, making the viewer aware that what she sees is but a construction. But what all of this does not yet explain is why Vertov had to demonstrate this transformation with the city. (Colomina, 1996, p. 13)
Como é visível nos seus projectos, Le Corbusier reconhecia as possibilidades da arquitectura como elemento evocador do movimento resultante da leitura de fragmentos que compunham uma sequência. Os desenhos e fotografias de sua autoria que figuravam o Pártenon de Atenas demonstram esta qualidade. Ver através de algo e ver sequencialmente enfatizam a leitura cinemática por parte do observador e do utilizador do espaço. By the way of its inscribed journey, the Acropolis has become an exemplar of the filmicarchitectural connection. Before the eyes of a mobile viewer, diverse vistas and "picturesque shots" are imaged. A spectacle of asymmetrical views is kinetically produced. The Acropolis, in fact, turns the inhabitant of space into a consumer of views. A city space may also produce such a spectacle, often at the junction of architectural sequence and topography. In this way, an architectural ensemble pro-vides spectacular occasions, constantly unfolding, and makes the visitor, quite literally, a film "viewer." (Bruno, 2007, p. 58)
Já no cinema, a prática da montagem foi utilizada para dar determinado sentido às cenas, potencializando-as. ―With Le Corbusier's fenêtre en longueur we are returned to Dziga Vertov, to an unfixed, never-reified image, to a sequence without direction, moving backward and forward according to the mechanism or the movement of the figure.‖ (Colomina, 1996, p. 139) Assim, para além da iluminação, a janela possibilita a evocação da paisagem de modo a conferir movimento à leitura do espaço e do exterior. A janela não foi desenhada a partir de condições resultantes da orientação e disposição de espaços mas a partir do exterior – um exterior não definido que forçaria esta ideia da procura de algo a observar. Não é a atmosfera da casa – os seus espaços – que funciona como elemento chave do projecto mas sim a janela e os seus mecanismos – a ‗lente‘ que nos transporta. ―The window is no longer a hole in a wall, it has taken over the wall. And if, as Rasmussen points out, ―the walls give the
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impression of being made out of paper,‖ the big window is a paper wall with a picture on it, a picture wall, a (movie) screen.‖ (Colomina, 1996, p. 6) É neste campo que o trabalho de Kuleshov, Vertov, Eisenstein10 e Le Corbusier encontram uma finalidade comum. A relação entre espectador e ‗cenário‘ constitui uma atmosfera de tensão única que relaciona o indivíduo com que o rodeia. ―For Le Corbusier "to inhabit" means to inhabit the camera. But the camera is not a traditional place, it is a system of classification, a kind of filing cabinet. "To inhabit" means to employ that system.‖ (Colomina, 1996, p. 323) É concebida uma realidade paralela que vive exclusivamente da impressão individual. A realidade, tal como ela é, está lá, mas a manipulação da mesma, através do intermediário que a apresenta, modela a nossa percepção e, consequentemente, a nossa relação com o espaço e o exterior. A paisagem deixa de ser apreciada apenas como objecto mas, também, como evento. É a partir do movimento e do tempo que a leitura clássica da paisagem evolui para uma leitura abstracta e dinâmica. Esta transformação evoca, forçosamente, a nossa percepção para lhe acrescentar sentido. O termo contemplação encontra aqui dois lugares. O da pintura clássica que fixa um momento no tempo e representa fielmente a realidade e, o da pintura cubista, que entende a realidade como um decorrer de momentos no tempo e a representa, de acordo com estas sucessões. (Colomina, 1996, p. 130)
Ilustração 25 – Paisagem reflectida no vão da Villa Le Lac (Kuhn, 2015)
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Serguei Eisenstein (1898-1948) foi um realizador russo, com profunda influência no cinema de vanguarda soviético. A sua obra revolucionou os conceitos de montagem, aspecto que aborda na sua obra teórica onde desenvolve os conceitos de montagem métrica, rítmica, tonal, atonal e intelectual. Realizou Battleship Potemkin (1925), October: Ten Days That Shook the World (1928), Ivan The Terrible (1944) entre outros.
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Using Walter Benjamin's distinction between the painter and the cameraman, one could conclude that Le Corbusier's architecture is the result of his positioning himself behind the camera. By this I am not referring now to the aforementioned implications. Le Corbusier as "producer‖ rather than "interpreter" of industrial reality, but to a more literal reading, emphasizing the deliberate dispersal of the eye in Le Corbusier's villas of the twenties, effected through the architectural promenade, together with the collapsing of space outside the horizontal window - the architectural correlative of the space of the movie camera. (Colomina, 1996, p. 134)
A arquitectura e o cinema vêm comprovar a evolução da percepção da realidade permanentemente dependente do tempo. O decorrer deste elemento promove sequências que as duas formas de arte vêm ‗aprisionar‘ e enfatizar de modo torná-las perceptíveis. Tal como a metrópole, o conceito de tempo vive de vários momentos que ditam a existência de um todo articulado. Se anteriormente a arquitectura dependia do lugar; das suas condições e do seu ritmo, agora, a arquitectura ditava um sistema autónomo na sua concepção e no seu funcionamento. ―El programa se desarrolla mediante una secuencia de espacios ininterrumpidos, que van cubriendo las necesidades funcionales requeridas y se hilvanan unos a otros con los anexos derivados de cada uno de estos espacios.‖ (Baltanás, 2000, p. 37) O projecto visou diferentes possibilidades de habitar a casa. Deste modo, evidenciarse-ia o poder autónomo da arquitectura enquanto sistema. Segundo o autor Baltanás11, os espaços principais da casa são ligeiramente afastados da parede virada a sul, permitindo uma leitura contínua da casa no seu comprimento e, nomeadamente, da extensão do vão. A possibilidade de conferir privacidade aos espaços dá-se através de cortinas que, neste projecto, enfatizam o controlo do espaço e da paisagem. O eixo longitudinal da casa desencadeia, assim, todo o seu funcionamento e, a sua relação com o exterior. Os espaços secundários são iluminados através de vãos que se encontram junto ao tecto. As paredes foram pintadas de uma cor escura para que, parte da luz pudesse ser absorvida, ao invés de se apoderar do espaço. Estas escolhas enfatizavam novamente a importância do espaço principal da casa que, pelas suas condições privilegiadas, se tornava mais apelativa que os espaços secundários. (Baltanás, 2000) É importante destacar a independência da localização da casa relativamente à cidade e ao seu ritmo. O projecto não dependia exclusivamente da enorme engrenagem que é a cidade. Pretendia encontrar um sítio sereno que remetia, assim, para um conceito
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referente ao livro Le Corbusier, promenades.
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da própria casa como engrenagem de onde derivavam os seus mecanismos. Tratavase de um organismo auto-suficiente que ditava o seu ritmo. Deste modo, o estudo da obra Villa Le Lac (1924) de Le Corbusier oferece-nos um entendimento sobre questões que começavam a ganhar força na modernidade, tendo influência na prática do cinema e da arquitectura. As novas velocidades e ritmos que se testemunhavam no quotidiano, serviram assim de mote a novos conceitos que visaram registar, criar e manipular estes compassos, de modo a torná-los evidentes para o utilizador do espaço/espectador.
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2.2. REM KOOLHAAS - S, M, L, XL (1995) + EMBAIXADA DA HOLANDA EM BERLIM (2003): OBRA COMO INSTRUMENTO DENUNCIADOR DE UMA CONDIÇÃO
My father was a writer and my mother was a stage designer and when I was eighteen I became a journalist and a scriptwriter. [...] When I was 24, I had to present movies to an audience of architects and they all wanted to become moviemakers, and I decide to become an architect and in any case I think the two professions – scriptwriting and architecture – are very close, because for both you have to consider a plot. You have to develop episodes and you have to create a kind of montage that makes it interesting and a sequence that makes the circulation or the path or the experience of a building interesting and that give us suspense. (Heidingsfelder et al., 2007).
Neste subcapítulo propõe-se estabelecer uma relação entre a arquitectura e o cinema sustentada no diagnóstico que o arquitecto Rem Koolhaas12 faz da cidade, manifestado nas suas obras. Deste modo, propõe-se o entendimento da obra arquitectónica como uma exposição das patologias da sociedade e da cidade. O cinema e a arquitectura como meios denunciadores de uma condição, é o tema exposto. O modo como esta temática se cruza nas duas formas de arte, complementando-as, reforça assim os paralelismos propostos. Rem Koolhaas nasce no ano 1944, em Roterdão13, uma cidade visivelmente marcada e destruída pela segunda guerra mundial. O princípio da sua vida adulta dá-se no início dos anos 60, época que marcou profundamente a sua postura crítica. Antes de concluir a sua formação académica, Koolhaas trabalhou como jornalista, altura em que formou o 1,2,3 Group, com um grupo de cinco amigos; constituído por Samuel Meyering14, Frans Bromet15, Rene Daalder16, Jan de Bont17 e Rem Koolhaas que, 12
Rem Koolhaas é um arquitecto holandês nascido em Roterdão no ano 1944. Os textos que produziu visando temáticas da arquitectura trouxeram-lhe uma atenção notável neste campo, sem ainda ter obra construída. Terminou os seus estudos na Associação da Escola de Arquitectura de Londres em 1972, período em que escreveu uma das suas obras mais conhecidas - Delirious New York. Em 1975 funda Office for Metropolitan Architecture (OMA), juntamente com Madelon Vriesendorm, Elia e Zoe Zenghelis, nascendo assim a possibilidade de colocar em prática as ideias que desenvolvia até à data. Desde 1995 lecciona na Universidade de Harvard. Alguns dos seus projectos são: Villa dall‘Ava (Saint-Cloud, 1991), Kunsthal (Roterdão, 1993), Maison à Bordeaux (Bordeaux, 1998), Netherlands Embassy Berlin (2003), Seattle Central Library (Seattle, 2004), Casa da Música (Porto, 2001–2005), Serpentine Gallery Pavilion, (London, 2006) e CCTV Headquarters (Beijing, 2004–2009). A sua postura controversa confere-lhe o papel de um dos mais influentes arquitectos da actualidade. 13 Cidade Holandesa 14 Samuel Meyering, (1944 - 2006) foi um realizador de cinema e escritor de argumentos. Realizou e escreveu Rufus (1975). 15 Frans Bromet é um cineasta e operador de câmara nascido em Amsterdão, em 1944. Participou na realização de filmes e documentários como Rubia's Jungle (1970) e Alles van waarde (2011). 16 Rene Daalder, nascido em 1944 na Holanda, é realizador de cinema e escritor. O seu trabalho no desenvolvimento de efeitos digitais é notável. Colaborou com Rem Koolhaas, ao longo da sua carreira, inclusive na elaboração do polémico filme The White Slave (1969).
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realizavam pequenos filmes. Os membros trocavam de papel a cada projecto que realizavam, alternando assim entre funções de operador de câmara, escritor de argumentos, realizador e actor. Os filmes que o grupo realizava, manifestavam uma crítica intensa à sociedade dos anos 60. Esta postura era comum nos meios artístico e literário de meados do século. (Heidingsfelder et al., 2007). The movies of Pasolini and Antonioni, I would say that they – in terms of my overall sensibility – had the greatest impact and, then journalism. Journalism creates an almost critical curiosity about everything so it started this almost ballistic relationship to information. (Heidingsfelder et al., 2007).
No contexto do cinema dos anos 60, realizadores como Michelangelo Antonioni18, Jean-Luc Godard19, Francois Truffaut20, Federico Fellini21 e Jacques Tati22, utilizavam as suas obras como ferramentas para a crítica da sociedade moderna. Estes realizadores viam a arquitectura como um instrumento crítico de uma época nos seus filmes, tal como Koolhaas via o cinema como um meio de intervenção crítica do contexto social, político e cultural dos anos 60. Na sua carreira de jornalista escreveu um artigo sobre Federico Fellini, denunciando já o seu modo acutilante de pensar e intervir. (Lootsma, 2007) Os paralelismos comuns que Koolhaas encontra na
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Jan de Bont, nascido em 1943 na Holanda, é um cineasta conhecido por alguns êxitos de bilheteiras como Speed (1994) e Twister (1996). 18 Koolhaas aponta para o filme L'Eclisse (1962) de Michelangelo Antonioni como o seu filme favorito quando entrevistado por Paul Holdengräber - no âmbito de uma conversa sobre o livro Project Japan da autoria de Rem Koolhaas e Hans Ulrich Obrist - na New York Public Library em 2012. (Koolhaas, 2012) Michelangelo Antonioni (1912 - 2007) foi um aclamado realizador de Cinema, argumentista, editor e escritor. Estudou Economia e Cinema. Trabalhou como crítico para jornais. Os seus filmes abordam frequentemente temas relativos à modernidade, incomunicabilidade e alienação. A relação que estabelecia entre espaço, personagem e narrativa resultou na composição de planos abertos, frequentes na sua obra. Realizou obras notáveis do cinema italiano como L'avventura (1960), La notte (1961), L'eclisse (1962), Il deserto rosso (1964) e Blow-up (1966). 19 Jean-Luc Godard, nascido em 1930 em Paris, é um dos principais nomes da corrente Nouvelle Vague. Conhece François Truffaut, Jacques Rivette e Eric Rohmer, altura em que publica diversos artigos sobre cinema. Posteriormente a algumas curtas-metragens, revoluciona o panorama cinematográfico francês com À bout de souffle (1960). A partir deste momento, ganha notoriedade e realiza obras notáveis como Le Petit Soldat (1960), Une femme est une femme (1961), Vivre sa vie (1962), Le Mépris (1963), Alphaville (1965), Pierrot le fou (1965) e Masculin féminin (1966). 20 François Truffaut (1932 - 1984) foi um importante realizador de Cinema, argumentista, produtor e actor da corrente Nouvelle Vague. Na sua adolescência conhece André Bazin, que o introduziu na crítica do Cinema, altura em que revela, nos seus artigos, interesse pelo cinema de autor. A sua obra explora as dificuldades da juventude, relações amorosas, entre outros temas. Realizou filmes como Les quatre cents coups (1959), Jules et Jim (1961), La peau douce (1964), Fahrenheit 451 (1966), Baisers volés (1968) e La nuit américaine (1973). 21 Federico Fellini (1920 - 1993) foi um importante realizador de Cinema e argumentista. Manifestava a sua postura crítica relativa à sociedade na sua obra, através de temas como a fantasia, o sonho e o bizarro. Foi autor de obras como La strada (1954), Le notti di Cabiria (1957), La Dolce Vita (1960), 8½ (1963), Roma (1972), Satyricon (1964), entre outras. 22 Jacques Tati (1907 - 1982), foi conhecido pela sua carreira de realizador de cinema e actor. Através da comédia, Tati aborda temas referentes ao panorama social, cultural, económico e político em que vivia. A riqueza de detalhes e evidência das suas composições compunham o cunho da sua obra. Foi autor de filmes como Jour de fête (1949), Les Vacances de M. Hulot (1953), Mon Oncle (1958) e Play Time (1967).
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arquitectura e no cinema, tornam-se evidentes ao longo da sua carreira. O modo de pensar a narrativa que refere, é notório não só nas suas obras, mas, também no modo como as produz e apresenta. Bart Lootsma23 refere no seu texto Koolhaas, Constant and Dutch Culture in the 1960's, o momento que levou Koolhaas a optar pelo estudo da arquitectura. Num seminário sobre cinema e arquitectura, realizado em Delft24, Koolhaas discute com um dos professores a importância da arquitectura relativamente ao cinema. Pouco tempo depois, Koolhaas inscreve-se na AA School of Architecture25, em Londres. Um dos arquitectos que Koolhaas admira desde cedo é Constant Nieuwenhuys26, a quem fez uma entrevista no período em que foi jornalista. Constant e os Situacionistas abordavam a cidade como um todo e propunham relações baseadas num mundo contemporâneo - segundo as suas dinâmicas e potencialidades -, influenciando profundamente a obra de Koolhaas. (Lootsma, 2007)
S, M, L, XL (1995)
A obra S, M, L, XL 27reúne as ideias de Koolhaas, organizadas segundo as escalas que o título indica. Ao longo do livro, vemos as concepções de Koolhaas elaboradas a partir de vários meios – à primeira vista alheios à arquitectura - que potenciam o seu entendimento. Exemplos disso são excertos de argumentos de peças e poemas, entre outros.
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Bart Lootsma (1957) é crítico, curador e historiador nas áreas de arquitetura, design e artes plásticas. Estudou arquitectura e actualmente é professor na Universidade de Innsbruck. Publicou numerosos artigos em livros e revistas. Juntamente com Dick Rijken publicou o livro Media and Architecture (1998) e no ano de 2000 publica o livro SuperDutch referente à arquitectura contemporânea na Holanda. 24 Cidade Holandesa 25 Architectural Association School of Architecture em Londres é uma das mais prestigiadas escolas de arquitectura do mundo. Foi fundada em 1890 e desde então é lugar de inúmeras exibições, palestras e publicações. Muitas das figuras mais influentes da arquitectura estudaram nesta escola incluindo David Chipperfield, Steven Holl, Rem Koolhaas, Zaha Hadid, Richard Rogers, entre outros. 26 Constant Nieuwenhuys (1920 - 2005), mais conhecido por Constant, foi pintor e escultor. Pertenceu ao grupo Cobra juntamente com Asger Jorn, Christian Dotremont e Joseph Noiret e Situacionistas Internacionais que reflectiam uma arte experimental, característica dos movimentos de vanguarda. As suas ideias resultam no projecto New Babylon para uma cidade utópica concebida de modo a possibilitar um estilo de vida nómada e livre. 27 Livro publicado em 1995, da autoria de Rem Koolhaas e Bruce Mau que aborda diversas temáticas da arquitectura consoante as escalas pequena, média, grande e extra-grande. É através de ensaios, manifestos, ilustrações, entre outros, que as problemáticas da cidade contemporânea são mencionadas. A obra distingue-se pelo modo particular como apresenta os seus assuntos, recorrendo à manipulação de texto e imagem constante e à associação destes elementos.
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Devido à colaboração de Bruce Mau28, os temas que o arquitecto desenvolve são ilustrados de acordo com a sua conotação irónica, que visa a consciencialização para determinadas problemáticas da arquitectura. A postura crítica de Koolhaas tem especial incidência no modo como olhamos e encaramos a arquitectura nos dias de hoje, visando novas interpretações e conclusões. No entanto, muitas das questões que coloca com o intuito de suscitar novos diagnósticos da realidade em que vivemos, são deixadas em aberto. O arquitecto tem consciência do carácter efémero da realidade em constante mudança e evolução. It's probably totally subconscious, but from the first moment I was interested in architecture, I was also interested in the phenomena of modernity and modernization. At the same time I was interested in the Russian Constructivist Ivan Leonidov, in Mies van der Rohe, and in American architecture of the 1920s and 1930s. That interest enabled us to support our own work and to give it a critical dimension. Over the last ten years, however, I became suspicious of the fact that Modernism was so easily accepted in Europe. […] Now, we seek to be openly experimental, we openly state that we want to invent something new. These may be a dangerous or embarrassing ambition, but I think that in some of our work we are now taking those risks. (Koolhaas et al., 1996, p. 56)
Esta atitude, crítica e conscienciosa, é inerente ao seu background de escritor de argumentos e de jornalista. Desde cedo manifestou interesse pela escrita, seguindo as pisadas do pai. ―One of them is that my father was a writer, and therefore, I am probably biologically programmed to be interested in writing.‖ (Koolhaas, 1995) Koolhaas explica em 1995, numa palestra dada no âmbito do livro S,M,L,XL na Architectural Association School of Architecture, o modo como vê a arquitectura no sentido de potenciar a sua experiência e não os seus detalhes. O modo como o projecto para uma casa em Paris29, está apresentado no livro, exemplifica a sua posição. Contemplamos fotografias da casa, sem que esta seja vista como um todo. As fotografias apresentadas remetem apenas para a relação da casa com o seu envolvente e para a atmosfera que esta sugere. Koolhaas defende que, são nestes elementos que residem as qualidades essenciais do projecto, ao invés de detalhes e pormenores. (Koolhaas, 1995) One of the elements the book wants to do is to deal with architectural objects in a different way, there is an almost repulsive focusing on things, on objects or details in our architecture. Some of the photography is really more about the experience, such as in 28
Bruce Mau, nascido em 1959 é um designer gráfico canadiano. Colaborou com vários arquitectos ao longo da sua carreira, entre eles Rem Koolhaas e Christopher Alexander. Algumas das suas obras são S,M,L,XL (1995), Life Style (2000), Massive Change (2004) e Eye, Nº 15, vol. 4, 1994. 29 Projecto referente a Villa Dall'Ava (1991) da autoria de OMA, na área residencial de Saint-Cloud, com vista para Paris. O projecto inclui dois apartamentos distintos para uma família.
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the case of a house in Paris, where my dream was to publish it in a way that the house is never shown, but only the effects of the house on the context and also the views from the house would define its essential quality. (Koolhaas, 1995)
Os elementos visuais que Koolhaas utiliza para elaborar e apresentar as suas obras revelam os factores determinantes para o seu resultado final. Várias imagens e texto que sugerem o contexto local, social, económico e político, apresentam-nos e relacionam os temas que o arquitecto desenvolve. O conjunto destes elementos denota uma sequência de imagens que compõem uma narrativa. Os fragmentos deste conjunto são elementos essenciais que fundamentam as suas escolhas. ―The book is a series of fragments, it has the pretension of a novel.‖ (Koolhaas, 1995) Partindo de um diagnóstico, que identificamos através de elementos visuais, compreendemos o ponto de vista e solução propostos. A evolução da narrativa é fundamental para o entendimento da obra por parte do leitor. Os fragmentos que a constituem alertam-nos para determinada temática ou particularidade decisivas no projecto. Esse exemplo reside no glossário que está presente ao longo do livro e que nos sugere a associação de determinados temas e, consequentemente, insinua progressivamente o conteúdo da obra. It is in a way a machine. […] There is on its left a column of citations, in alphabetical order. What is interesting is that the sources of the citations are not given until the end, so, as you are reading, you never know whether you are reading something important or not important. If it‘s Philip Johson or a hairdresser. This is one of the ways in which we are trying to destabilize the whole issue of expectation, importance and unimportance, because, unfortunately, there is a lot of confusion in architecture in these terms. (Koolhaas, 1995)
I DENTIDADE A elaboração do livro teve em conta determinados paradigmas da arquitectura que são expostos e relacionados com problemáticas da sociedade contemporânea, temáticas basilares da arquitectura e diferentes culturas. Koolhaas aborda com especial predominância as condições actuais a que somos expostos. ― I felt that was also very important to make a book that provoked other people to think about architecture, and about the conditions under which architecture is produced today.‖ (Koolhaas, 1995) A falta de resposta por parte da arquitectura face a novas necessidades é um tema presente ao longo da sua obra. Koolhaas aborda projectos de arquitectos prestigiados,
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da sua preferência, como Jean Nouvel30, Christian de Portzamparc31 e Kazuo Shinohara32. Considera-os relevantes no sentido da sua arquitectura servir determinados propósitos que não a identidade por detrás da obra. (Koolhaas, 1995) Estes arquitectos, encaram a história como um elemento participante e transformador dos seus projectos, não se deixando submeter à mesma. A criação de soluções para determinado projecto - que apontem para o contexto histórico e local - visa a adaptação do programa às circunstâncias. Um dos temas correspondentes à escala ‗S‘, onde a temática da identidade na arquitectura está patente, revela uma experiência que, para Koolhaas, serviu de ímpeto para a arquitectura que Mies 33 criou. O projecto de uma habitação foi solicitado a Mies van der Rohe que, optou pela elaboração de um modelo à escala real (1:1) do seu projecto. (Koolhaas et al., 1995, p. 63)
Ilustração 26 – Modelo à escala real de um projecto de Mies van der Rohe para uma casa (Koolhaas et al., 1995, p. 63)
Através da fotografia presente no livro, observamos que o projecto aludia a princípios clássicos, factor que contradizia a leveza do material escolhido para o modelo – tela. Koolhaas defende que este contraste fez Mies ver que, a essência do seu projecto 30
Jean Nouvel (1945) é um arquitecto francês conhecido pelo carácter mutável da sua obra e pelo impacte que esta tem a nível urbano, reflectindo a contemporaneidade. No início da sua carreira, Nouvel participou em vários debates sobre arquitectura, em França. Ele é co-fundador do movimento Mars (1976) bem como do Syndicat de l'Architecture (1977). Em 1994 funda Ateliers Jean Nouvel. Alguns dos seus projectos são o Institut du Monde Arabe (1987), Fondation Cartier pour l'Art Contemporain (1994), Euralille (1994) Palais de Justice (2000), Torre Agbar (2005), extensão do Museu Reina Sofia (2005) e o pavilhão temporário Serpentine Gallery (2010). 31 Christian de Portzamparc (1944) é um arquitecto e urbanista francês. Estudou na École Nationale des Beaux Arts em Paris. Os seus projectos reflectem a sua sensibilidade perante a cidade e a actualidade. É autor de projectos como School of Dance of the Opéra de Paris (1987), Cité de la Musique (1995) Crédit Lyonnais Tower (1995), LVMH Tower (1999), French Embassy (2003) e Luxembourg Philharmonie (2005). 32 Kazuo Shinohara (1925 - 2006) foi um arquiteto japonês que influenciou Toyo Ito, Kazunari Sakamoto, Itsuko Hasegawa, Kazuyo Sejima entre outros. Shinohara desenhou mais de trinta casas tendo apenas elaborado projectos públicos nos anos tardios da sua carreira. Nos seus primeiros projectos é notória a procura das raízes da arquitectura japonesa. Posteriormente, passa para uma adaptação abstracta destas raízes, suscitando a utilização de elementos geométricos na sua forma mais pura. Foi autor de projectos como House in Kugayama (1954), Umbrella House (1961), Tanikawa House (1961), House in White (1966) e Tokyo Institute of Technology (1987). 33 Ludwig Mies van der Rohe (1886 - 1969), foi um dos principais nomes da arquitectura do século XX e do Estilo Internacional. Começou por trabalhar como designer de interiores, tendo colaborado com Bruno Paul. Posteriormente, tornou-se discípulo de Peter Behrens. Nos anos 20 foi um participante activo dos círculos avant-garde que apoiavam a arte e arquitectura modernas. Foi professor e o último director da Bauhaus, por um breve período de tempo. Foi autor de obras como o Pavilhão de Barcelona (1929), Villa Tugendhat (1930), Farnsworth House (1951), S. R. Crown Hall (1956) e o edifício IBM (1973).
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residia e dependia da materialidade do mesmo. O carácter do projecto teria de ser justificado e representado pelo que o sustentava: a materialidade. Os significados sugeridos pela leveza aparente do conjunto, pareceram impelir Mies a rever os seus princípios sobre a arquitectura e a abordar novos modos de intervir. (Koolhaas et al., 1995, p. 63) Maybe this fiasco triggered the Mies who, from that moment on, would meticulously dismantle the traces and gravities that still clung to him from the 19th century and invent the tectonics of disappearance, dissolution, floating, with which he made history. Did the canvas house lead to the curtain wall? (Koolhaas et al., 1995, p. 63)
Um modelo, que formalmente se assemelhava a um templo pesado remetendo-o para o passado, perdeu toda a sua essência e identidade quando construído em tela. O projecto não chegou a ser construído. A partir desse momento Mies abordará os temas que viriam a ser fulcrais na sua obra. (Koolhaas et al., 1995, p. 63) Foi assim que a partir do confronto entre os ideais - correspondentes a um imaginário - e o real, surgiu a identidade de Mies van der Rohe enquanto arquitecto. You see that the building is actually of a very heavy stone, a classical building, so I have a theory about this canvas model: I think that Mies was very young at the time, twenty four years old, and the experience of entering to the canvas building, and being in this canvas temple, which in every sense was the contrary of what the building presumed to be, must have completely changed his architecture. Therefore it was not the house that Mies built, but the house that built Mies. (Koolhaas, 1995)
O confronto entre passado e presente estimulou diferentes abordagens ao longo do século XX. Novas interpretações da relação entre o antigo - consagrado - e o actual marcaram diferentes posições perante a arquitectura. O passado como ferramenta de adaptação seria uma delas, enquanto a recusa do passado seria outra; dando lugar, a obras que ambicionavam distinção através da identidade e do destaque. A adaptação e mudança constantes versus notoriedade perpétua, é tema que levanta diversas questões ao longo da obra S, M, L, XL. Koolhaas propõe um olhar sobre a arquitectura, semelhante ao que Mies adoptou nesta experiência. As novas possibilidades e condições que a sociedade contemporânea sugere, servem de ímpeto para os projectos de Koolhaas, tal como a tela serviu de impulso para as novas abordagens de Mies. O confronto com a realidade, respeitando as suas imposições, visando um presente que deixe espaço para o futuro, é uma prioridade na arquitectura
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praticada por OMA.34 ―The city envisioned by Koolhaas is the ultimate form of what Umberto Eco called "the open work," an art object deliberately left unfinished by the artist so others can interact with it.‖ (Muschamp, 1996) Partido da escala ‗S’ para a ‗XL’, Koolhaas alerta para o impacte que projectos de pequena escala revelam ter a uma escala maior – urbana. Os comportamentos que um edifício sugere, juntamente com o programa que alberga, o ritmo e interacções que promove e a maneira como se relaciona com o contexto, são factores que determinam a evolução de uma condição urbana. A arquitectura como ferramenta que possibilita e desenvolve novas condições e maneiras de habitar não se restringe à dimensão que fisicamente aponta. O contexto social, económico e político estão sempre presentes e determinam as soluções a ser elaboradas. O diagnóstico destas condições revela necessidades relativas aos modos de viver presente e futuro de determinada população. (Muschamp, 1996) […] Koolhaas is also offering a much needed critique of the architectural status quo for its failure to deal creatively with the forces he's talking about. New York, for instance, has become addicted to contextualism, a formula for making new buildings look like old ones. There's nothing inherently wrong with this approach. Koolhaas is right to insist, however, that contemporary urban development calls for a fresh approach. (Muschamp, 1996)
Com a consciência de que a arquitectura, por si só, é impotente e incapaz de solucionar patologias urbanas, Koolhaas projecta no sentido de apontar soluções flexíveis. (Koolhaas, 1995) Architecture a dangerous profession because it is incredibly difficult and debilitating. […] Finally, architecture is a dangerous profession because it is a poisonous mixture of impotence and omnipotence, in the sense that the architect almost invariably harbors megalomaniacal dreams that depend upon others, and upon circumstances, to impose and to realize those fantasies and dreams. (Koolhaas et al., 1996, p. 12-13)
Grande parte da obra construída pelo atelier OMA – projectos de grande escala caracteriza-se pela sua imponência e destaque no seu contexto (ilustrações 27 e 28). O termo landmark parece adaptar-se quando se trata de um contexto urbano. O destaque é assim, uma característica comum na sua obra, embora o seu significado seja diferente comparativamente ao destaque apresentado noutras épocas do século 34
Office for Metropolitan Architecture (OMA) é um escritório de arquitetura com sede em Roterdão, fundado pelos arquitetos Rem Koolhaas, Elia Zenghelis, Madelon Vriesendorp e Zoe Zenghelis, em 1975. O trabalho que o grupo produz revê constantemente as possibilidades, particularidades, individualidades e necessidades exclusivas de cada projecto, tendo em atenção as constantes transformações sociais, políticas, económicas e culturais. Em 1999, foi criada a AMO, um estúdio de pesquisa com sede em Roterdão, que lida com assuntos para além da arquitectura com o objectivo de questionar a sua produção. Procuram novas possibilidades através da interacção de várias disciplinas e trabalham em paralelo com OMA.
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XX. A identidade que Koolhaas procura não se sustenta no aspecto formal da obra mas sim no que esta oferece. As soluções propostas nestes projectos são a sua identidade.
Ilustração 27 – CCTV Headquarters, China, OMA (ArchDaily, 2015)
Ilustração 28 – Casa da Música, Porto, OMA (OMA, 2015)
The book's unwieldy size is a metaphor for this enlarged urban context, while its jazzy, free-form contents reflect an artist's intuitive response to it. Obviously, architects have no direct control over the global forces to which cities are increasingly subject. Koolhaas thinks more could be done to activate architecture as a creative force. Electronic money, high-speed trains, cellular phones: on an imaginative level, these could all be seen as instruments for spirited improvisation. Why not let buildings riff? (Muschamp, 1996)
A distinção visual perante o seu contexto remete para a sugestão de programas e interacção adequados e ao modo de viver contemporâneo. Projectos desta natureza incluem os habitantes da cidade, excluindo o que se revela inadequado e incompatível. O impacte que Koolhaas procura causar remete para a utilização, abrangendo e alertando para o contexto urbano, ao invés do destaque através da imagética.
T HE B ERLIN W ALL AS ARCHITECTURE (1971) E E XODUS , OR THE V OLUNTARY P RISONERS OF ARCHITECTURE (1972) Na sua obra S, M, L, XL o tema da arquitectura enquanto elemento transformador da cidade e de modos de viver é constantemente abordado. Koolhaas apercebe-se, desde cedo, dos elementos inclusão e exclusão inerentes à arquitectura sendo que o seu elemento básico – a parede – implica sempre uma separação. O primeiro e grande contacto com estes temas surgiu no decorrer da concretização de um trabalho académico para a Architectural Association School of Architecture. Por volta de 1969, Koolhaas viaja até à Alemanha para estudar um projecto de arquitectura, optando pelo
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o muro de Berlim. ―In a true sense, I think that for the first time my tense relationship with architecture became clear to myself, an kind of reversion of the heaviness of architecture.‖ (Koolhaas, 1995) Em regra, a separação implica a protecção de uma parte em relação a outra ou a contenção de uma parte para a fazer sobressair. (Koolhaas et al., 1995, p. 222)
Ilustração 29 – Fotografia do muro de Berlim - Casamento (Koolhaas et al., 1995, p. 223)
Ilustração 31 – Fotografia do muro de Berlim - o muro e o seu contexto (Koolhaas et al., 1995, p. 229)
Ilustração 30 – Fotografia do muro de Berlim - Troca de bens (Koolhaas et al., 1995, p. 223)
Ilustração 32 – Fotografia do muro de Berlim - Crianças (Koolhaas et al., 1995, p. 229)
Esta temática, levada ao extremo, foi explorada através do estudo do muro de Berlim. A partir do momento em que se divide um espaço com o propósito de salvaguardar algo, separa-se, conscientemente, o lado positivo do menos positivo. Koolhaas apercebe-se do impacte provocado por um elemento elementar da arquitectura. In my imagination, stupidly, the wall was a simple, majestic north-south divide; a clean, philosophical demarcation; a neat, modern Wailing Wall. I now realize that it encircles the city, paradoxically making it ―free.‖ It is 165 kilometers long and confronts all of Berlin's conditions, including takes, forests, periphery; parts of it are intensely metropolitan, others suburban. (Koolhaas et al., 1995, p. 219)
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Separar ou conter implicam sempre uma decisão - a escolha de algo que revele particular interesse em detrimento do restante. Exemplos da aplicação deste critério são encontrados, frequentemente, na arquitectura – através de elementos físicos como paredes e muros - e, também no cinema - através do enquadramento, da contenção de algo no plano filmado, excluindo o irrelevante. Na arquitectura, e em especial no caso do muro de Berlim, pretendeu-se separar as partes boa da má da cidade. ―In its ―primitive‖ stage the wall is decision, applied with absolute architectural minimalism: concrete blocks bricked-in windows and doors, sometimes with trees implausibly green – still in front of them.‖ (Koolhaas et al., 1995, p. 219) O instinto natural impele o Homem a aceder ao que lhe parece ser um ambiente mais favorável e, que promove, uma melhor qualidade de vida. No filme Rem Koolhaas: A Kind of Architect (2007)35, o arquitecto declara que esta temática o influenciou no estudo Exodus, or the Voluntary Prisoners of Architecture (1972)36. (Heidingsfelder et al., 2007) O arquitecto levou ao extremo o conceito de muro e as suas possibilidades. Neste projecto utópico Koolhaas propõe a cidade londrina cercada por um muro de enorme extensão, visando os conceitos estudados no muro de Berlim. É importante salientar o termo ‗voluntários‘ do título do seu trabalho sendo que o muro de Berlim constituiu uma prisão involuntária e imposta. A diferença reside nas condições propostas por Koolhaas, para tornar este espaço desejável. O êxodo voluntário resulta das condições proporcionadas aos habitantes da cidade. ―I think this is a fantasy of the architect: a grateful public.‖ (Koolhaas, 1995) Ao longo do livro, Koolhaas descreve os diferentes programas e consequentes eventos deste projecto como se tratasse de um argumento. A composição da narrativa que elabora, dá-nos a conhecer em pormenor, as intenções de cada espaço do projecto. ―Suddenly, a strip of intense metropolitan desirability runs through the center of London. This Strip is like a runway, a landing strip for the new architecture of collective monuments.‖ (Koolhaas et al., 1995, p. 7) Koolhaas apresenta-nos esta tira como uma sequência de imagens não só em formato de texto, mas também visual. O
35
Rem Koolhaas: A Kind of Architect (2007) é um documentário sobre Koolhaas, as suas ideias e o trabalho que produz. Filmado por Markus Heidingsfelder e Min Tesch, a composição do filme revela-nos um retrato atraente que nos leva à essência da sua arquitetura através de imagens visualmente estimulantes, à semelhança da obra S,M,L,XL. O filme é complementado por entrevistas conduzidas pelo sociólogo Dirk Baecker, bem como outros arquitectos. 36 Exodus, or the voluntary prisoners of architecture (1972) foi o projecto final de Rem Koolhaas (juntamente com Madelon Vreisendorp, Elia Zenghelis e Zoe Zenghelis) para a Architectural Association School of Architecture em Londres. Trata-se de um storyboard composto por uma série de dezoito desenhos, aguarelas e colagens.
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arquitecto incorpora todas as ferramentas utilizadas durante a sua formação académica e vida profissional.
Ilustração 33 – Planta do estudo Exodus, or the voluntary prisoners of architecture (SOCKS, 2015)
We have tried to have almost cinematic sequences, which talk about the experience of a building, again, our resistance to the building as an object is so strong, buildings are designed not as objects but more and more as sequences in any case. In this sense I have to confess my other life as a scriptwriter, which has always has made me resistant to claim the world of movies as a source of inspiration, but I do think that the mechanics of making scripts and films, specially the element of voltage, play a critical role in the work. So, without saying a lot, I will show one of those sequences, where, as a test, we superimposed a section of ‗Waiting for Godot‘ [Samuel Beckett, 1953] on the images, which was strangely effective. (Koolhaas, 1995)
Koolhaas aborda ainda o potencial da narrativa enquanto sequência de imagens e o poder que estas têm, quando organizadas segundo uma ordem. No livro S, M, L, XL, Koolhaas descreve a sua primeira apresentação pública que visava a explicação do seu trabalho académico sobre o muro de Berlim: ―The images that appeared on the screen - former conditions, concepts, workings, evolution, "plots‖ - assumed their positions in a sequence that was gripping almost beyond my control: words were redundant.‖ (Koolhaas et al., 1995, p. 231) Logo após esta descrição, deparamo-nos com duas imagens de grande impacto do filme Un chien andalou (1929)37 de Luis Buñuel38 e Salvador Dalí39. (Koolhaas et al., 1995, p. 231-235)
37
Un chien andalou (1929) é uma curta-metragem realizada por Luis Buñuel e escrita em conjunto com Salvador Dalí. Foi apresentada pela primeira vez em Paris. Considerado um dos filmes vanguardistas mais notáveis de sempre, constitui o início do movimento surrealista no cinema. 38 Luis Buñuel (1900 - 1983) é considerado o pai do cinema surrealista. Autor de filmes como Un chien andalou (1929), L'âge d'or (1930), Los olvidados (1950), El (1953), Viridiana (1961), Belle de jour (1967), Le Charme Discret de la Bourgeoisie (1972), entre outros. A obra cinematográfica de Buñuel, foi alvo
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Ilustração 34 – Cena do olho 1 (Buñuel, 1929)
Ilustração 35 – Cena do olho 2 (Buñuel, 1929)
Koolhaas apercebeu-se das várias identidades que acompanhavam o muro, de acordo com as diferentes áreas da cidade onde este irrompia. A sua extensão e imponência evidenciam a identidade deste elemento enquanto imposição e separação. O lado mau promovia assim curiosidade relativamente ao lado bom e, o lado bom certificava-se da sua impenetrabilidade. A simplicidade deste elemento, por si só, era suficiente para criar novos eventos e modos de habitar a cidade. The same phenomenon offered, over a length of 165 kilometers, radically different meanings, spectacles, interpretations, realities. It was impossible to imagine another recent artifact with the same signifying potency. And there was more: in spite of its apparent absence of program, the wall - in its relatively short life - had provoked and sustained an incredible number of events, behaviors, and effects. Apart from the daily routines of inspection - military in the East and touristic in the West - a vast system of ritual in itself, the wall was a script, effortlessly blurring divisions between tragedy, comedy, melodrama. At the most serious level of ―event‖ the wall was deadly. (Koolhaas et al., 1995, p. 222)
A função deste elemento era mais visível nas áreas urbanas, enquanto noutras áreas, perdia a sua imponência. No lado Oeste foram construídas várias plataformas, com o intuito de recordar aos seus habitantes o que estava para lá do muro. Estes elementos representam a curiosidade dos habitantes relativamente à parte ‗boa‘ da cidade, de que Koolhaas se serviu no seu projecto para Londres. A finalidade do muro suscitava assim soluções alternativas ao seu imperativo.
constante de polémica e agitação, conferindo-lhe o papel de uma das figuras mais controversas da história do cinema. 39 Salvador Dalí (1904 - 1989) foi um dos mais importantes artistas plásticos surrealistas da Espanha, destacando-se na pintura. Nas suas obras estão presentes temas relacionados com a realidade, o mundo onírico e a sexualidade. Colaborou com a Walt Disney numa curta-metragem e desenhou os cenários para o filme Spellbound (1945) de Alfred Hitchcock. Foi autor de obras como The Great Masturbator (1929), The Persistence of Memory (1931), Dream Caused by the Flight of a Bee (1944), The Temptation of Saint Anthony (1946) e Crucifixion (1954).
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In the early seventies, it was impossible not to sense an enormous reservoir of resentment against architecture, with new evidence of its inadequacies — its cruel and exhausted performance — accumulating daily; looking at the wall as architecture, it was inevitable to transpose the despair, hatred, frustration it inspired to the field of architecture. […] The Berlin Wall was a very graphic demonstration of the power of architecture and some of its unpleasant consequences. Were not division, enclosure (i.e., imprisonment), and exclusion - which defined the wall's performance and explained its efficiency - the essential stratagems of any architecture? (Koolhaas et al., 1995, p. 226)
Como tirar proveito das consequências negativas que um elemento arquitectónico insinua? Tornando acessível a condição que continha e recusando o conceito de fortaleza impenetrável. Ao invés de voyeurs que procuram um vislumbre da parte boa da cidade mas, sem a possibilidade de a aceder, Koolhaas propõe condições que incitem ao êxodo voluntário. O vislumbre torna-se real e acessível.
Ilustração 36 – Exodus, or the voluntary prisoners of architecture (SOCKS, 2015)
Ilustração 37 – Plataformas de observação do estudo Exodus, or the voluntary prisoners of architecture (SOCKS, 2015)
A imposição de um muro e da vida que este contém, passa a ser alvo de preferência. O muro passava a ser lugar de uma nova arquitectura que, visava e promovia novas e melhores condições de vida, acessíveis. Deste modo, os habitantes de Londres pretenderiam pertencer a este lugar, abandonando os espaços que não respondiam às suas necessidades e depressa se tornavam decadentes. A cidade contida, pensada num acréscimo contínuo de habitantes, acolhia o grande número de pessoas e as condições que este êxodo implicaria. Os seus limites separariam, com consciência, a contradição do seu objectivo – o exterior estagnado. A nova cidade pretendia distinguir-se do exterior, distanciando-se do seu modo de viver e, afirmando-se através da exclusão material e da inclusão de habitantes.
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It was clearly about communication, semantic maybe, but its meaning changed almost daily, sometimes by the hour. It was affected more by events and decisions thousands of miles away than by its physical manifestation. Its significance as a ―wall‖ - as an object – was marginal; its impact was utterly independent of its appearance. (Koolhaas et al., 1995, p. 227)
V AZIO E ALIENAÇÃO A simples decisão de erigir um muro – mesmo ignorando o seu aspecto formal – era por si só suficiente para induzir eventos. Com esta decisão, surge a apetência para criar
condições
adequadas
às
circunstâncias,
visando
o
futuro.
Através deste projecto, Koolhaas apercebe-se da importância do vazio e das suas possibilidades face às problemáticas actuais. O vazio arquitectónico revela um espaço antagónico à cidade. A falta de programa e de matéria constitui uma evasão à situação do momento. O vazio, por si só, traduz a rotura com os mecanismos urbanos existentes, dando lugar a diagnósticos necessários à evolução das cidades. Consequentemente, nasce espaço para novas ideias e soluções. O vazio tem deste modo, um impacto tão grande quanto a presença de matéria. (Koolhaas et al., 1995, p. 228) In my eyes, the wall also forever severed the connection between importance and mass. As an object the wall was unimpressive, evolving toward a near dematerialization: but that left its power undiminished. In fact, in narrowly architectural terms, the wall was not an object but an erasure, a freshly created absence. For me, it was a first demonstration of the capacity of the void - of nothingness - to ―function‖ with more efficiency, subtlety, and flexibility than any object you could imagine in its place. It was a warning that - in architecture – absence would always win in a contest with presence. (Koolhaas et al., 1995, p. 228)
O vazio que interrompe um tecido urbano, afirma-se pelo seu contraste com o que o rodeia. O desconforto sentido perante o vazio traduz o receio da mudança, da instabilidade e das fraquezas de um tecido urbano consistente. O vazio propõe um olhar analítico que atormenta, exactamente por revelar as suas carências. Esta postura é crucial para o entendimento da situação presente e para uma abordagem adequada, no futuro. A ausência de matéria é tão importante como a sua presença. Proporcionam ao espaço independência e liberdade. Revela ser um agente dinâmico a nível urbano, dissociado de identidades específicas que determinam a utilização e/ou função de um espaço. Espaços que se revelam inadequados à presente dinâmica da cidade, vivendo da nostalgia do passado, constituem um obstáculo à mudança. Neste caso, o tempo é imposto ao espaço, impossibilitando uma coexistência equilibrada. Os dois elementos devem coexistir com harmonia para que a resposta ao ritmo da cidade
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seja bem sucedida. A falta de harmonia entre espaço e tempo provoca alienação e o consequente abandono destes espaços. Passam a ser vistos como obsoletos ou, no limite, avassaladores. Esta temática é constantemente abordada por Koolhaas, através das suas obras e, tem especial incidência no cinema. O arquitecto serve-se do vazio e da alienação para expôr as condições da sociedade e da cidade, do mesmo modo que alguns cineastas se servem destes conceitos, como assunto da sua obra. Os filmes de Antonioni são pródigos na ostentação de uma realidade condicionada pelo vazio na cidade, resultando na alienação e no desconforto que as personagens denunciam. Este tema, explorado na arquitectura e no cinema, é abordado no estudo referente ao filme L‘eclisse (1962) de Antonioni, presente no capítulo seguinte. O modo como utilizamos os espaços dita as relações que estabelecemos com os mesmos. Edifícios detentores de determinada identidade e que acolhem um programa que a contraria, são por vezes, motivo de alienação e desconforto. A imposição da imagética, por si só, alimenta concepções acerca da utilização que um edifício propõe pelo que, não correspondendo à realidade, provoca estranheza e desconforto. Símbolos que não sugerem um sentido adequado acabam por repelir as pessoas. A harmonia entre imagem, significado, utilização e identificação proporcionam conforto e estabilidade emocionais, enquanto a dissonância entre estes elementos, sugere um limbo que nos repele. A ausência de espaço associado a identidade oferece independência e autonomia relativamente ao seu contexto, permitindo liberdade em relação a imposições e significados. At the same time it is a mixture of opportunism and poetry, in the sense that the real significance for me is that so many of our efforts are misdirected and that we try, with incredible energy, to recuperate or resuscitate areas of architecture that are no longer legitimate or valid. That is why simply surrendering a whole area and at the same time recovering another one has virtue, simplicity, easiness, optimism almost. In this sense, it is much easier to leave an area void than to use and build in an area. It is also outside the consumerist onslaught, bombardment and encroachment of meaning, signification, and messages. The void claims a kind of erasure from all the oppression, in which architecture plays an important part. Blankness is an important quality that is completely ignored, especially by architects. It creates a kind of horror at its emptiness, but it is a very important thing to allow and to come to terms with. Our profession is indoctrinated to never allow something to remain empty, or undecided, or undetermined. (Koolhaas et al., 1996, p. 63)
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E MBAIXADA DA H OLANDA EM B ERLIM (2003) […] the site functions as a frame ―to the continuing dialectic required by history‖: by referring to objects invested with political meanings, the building of the embassy itself becomes an urban sign in a chain of events yet to come. Instead of understanding the building as single object, Koolhaas interprets it as one part within a wider frame of signification. (Böck, 2015, p. 255)
Ilustração 38 – Storyboard de espaços relevantes do projecto Embaixada da Holanda em Berlim (Ilustração nossa, 2015)
No início da década de 90, após a queda do muro de Berlim, foi promovido um debate acerca da cidade que representaria melhor a unificação das duas identidades distintas que dividiam a Alemanha. Berlim é eleita como capital da Alemanha, daí resultando profundas alterações no panorama cultural da cidade. Neste sentido, teve lugar uma grande produção de obra arquitectónica na capital alemã com o intuito de dissimular o passado trágico do país, contribuindo assim para o estabelecimento de uma nova identidade. ―The result is a treasure trove of examples, a kind of architectural collection, but it also nourishes something like a complex of the colonized.‖ (Chaslin, 2004, p. 31) Devido à proliferação de edifícios, o skyline berlinense sofreu alterações notórias, expondo assim a estética diversificada que constituía o novo edificado. No seguimento destas alterações, surgiu a necessidade de instituir um novo local que representasse a Holanda na nova capital alemã. A localização escolhida foi Mitte, situada na margem do rio Spree, que oferece uma visão ampla sobre a cidade e, por se localizar no extremo de um quarteirão, permite uma relação directa com a rua. (Chaslin, 2004, p. 31)
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Ilustração 39 – Ortofotomapa de Mitte, Berlin, Alemanha ([adaptado a partir de:] Google inc, 2015)
É criado assim um concurso para o projecto de uma Embaixada, com o objectivo de combinar as duas identidades representativas dos dois países. A Holanda pretendia promover, através deste projecto, as suas ambições culturais correspondentes ao panorama internacional, revelando assim as suas qualidades no campo da produção artística e arquitectónica. OMA foi escolhido como vencedor do concurso, devido à adaptação perspicaz das restrições por parte do planeamento urbanístico de Berlim e da leitura clara da identidade holandesa que propunha. (Boorsma et al., 2004, p. 127128) Koolhaas explains that he sought to realize a building which would allow us to ‗understand Berlin better‘, thanks to an initiatory path that underscores several aspects, architectures and ambiances of the city. He wants to consider ‗with equal seriousness‘ highly diverse elements of the German capital's historical context. Avoiding a spectacular expressionism, remaining on a kind of middle ground even while the building plays on a vibrant outburst, he has masked the real stakes behind a restful appearance, behind a guise of Dutch humanism and openness. (Chaslin, 2004, p. 27)
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Ilustração 40 – Embaixada e envolvente (OMA, 2015)
OMA procedeu a uma adaptação do quarteirão característico de Berlim do século XIX, através de uma composição organizada em dois volumes. A configuração em L do volume que abraça um cubo assemelha-se a um muro que o orienta na cidade, condicionando a vista que este possibilita. O cubo mantém-se assim visível a Sul e Este, mas oculto a Norte e Oeste. Através desta composição, OMA separa o programa correspondente à área residencial, do da área de trabalho. Deste modo, a ideia de bloco tradicional era revertida - através das alterações relativas à sua configuração - , respeitando-se no entanto o seu perímetro. A articulação entre os dois volumes dá-se através de um percurso dinâmico que constitui o elemento mais rico da proposta. The embassy is not exactly set down on the ground, but partially on a pedestal, a kind of piano nobile or terrace. It does not share a wall with the neighbouring facades but remains isolated. It is not made of stone but of glass. A first, L-shaped building, slightly out of line and expanded to form a slightly obtuse angle, is there to ensure the transition. (Chaslin, 2004, p. 35)
Para além da presença evidente do novo edificado que representa a diversidade da imagética arquitectónica de Berlim, o vazio tem também especial predominância, sobretudo devido à queda do muro, em 1989. O impacte que a história alemã teve na cidade foi tomado em consideração de modo a surgir no projecto como parte da narrativa. Considerando o vazio como um tema incontornável da arquitectura, Koolhaas representa-o na forma de ingresso e de sistema distributivo, fundindo o exterior com o interior do edifício. O vazio é proposto também como uma tensão entre os dois volumes, revertendo a estaticidade de um bloco fechado em si mesmo.
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Ilustração 41 – Desenho esquemático da relação entre o projecto e o quarteirão (OMA, 2015)
Ilustração 42 – Desenho esquemático da relação entre os dois volumes e o quarteirão (Ilustração nossa, 2015)
No vazio entre o volume em L e o cubo, emerge um paralelepípedo em consola que acolhe uma sala de reuniões. Este espaço oferece uma vista ampla sobre a cidade e a rua, a uma cota inferior. O exterior e interior fundem-se novamente para criar uma suspensão temporal e local em que os utilizadores do espaço são confrontados com o exterior. A view below. Five steps to the right marks the entry to the ambassador's office: travertine flooring with a mysterious black box in our line of vision, cantilevered at the eighth level above the void. It is a meeting room where ten people can gather around a table. From this overhanging room one sees the quays, the houseboats, and farther away among the trees, the towers of Fisherman's Island. Outside, the human presences and V-shaped structure of the skeleton are glimpsed through smoky limousine windows. (Chaslin, 2004, p. 40)
Ilustração 43 – Volume saliente da fachada correspondente à sala de reuniões (Heidingsfelder et al., 2007)
Ilustração 44 – Interior da sala de reuniões com vista sobre a cidade (Heidingsfelder et al., 2007)
A materialidade da fachada, maioritariamente composta em vidro e, do volume saliente, suscitam um contraste no entendimento deste elemento. Quando situados no exterior, reparamos na imposição que o volume sugere sem, no entanto, termos uma percepção clara do seu interior. Pelo contrário, quando situados no interior do volume, temos uma clara concepção do exterior: a circulação de pessoas e a cidade, estão em
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foco de maneira a revelarem-nos a atmosfera berlinense a partir de um espaço que parece pairar sobre a cidade. Likewise, Koolhaas‘s design of the Dutch Embassy proposes a narrative composed of a sequence of architectural elements, which are not inside the building but dispersed all over the city. […] Koolhaas amplifies both the physical and the temporal scope by including the reference to historical events into the script. (Böck, 2015, p. 215)
Koolhaas remete-nos constantemente para uma suspensão temporal que coloca em destaque determinado elemento de modo a evocar determinada sensação no utilizador do espaço, condicionando o modo como este se apropria dele. In the programme of requirements for the new Dutch Embassy in Berlin, Koolhaas grabbed the opportunity of a new chance and proclaimed: ‗A new architecture that aims to be an advocate of the extraordinary within the everyday, a call to become so ambitious that one wants to bring the city and architecture into equilibrium with each other on a higher plane.‘ (Boorsma et al., 2004, p. 130)
Koolhaas reúne estes momentos numa narrativa que nos submete ao confronto com a diversidade que compõe a envolvente. São-nos apresentados fragmentos de uma narrativa como se de uma sequência em fast forward se tratasse. O cubo, que visto exteriormente parece abrigar uma composição simples, revela um sistema de comunicação entre espaços, complexo e sensorialmente rico, que potencia a utilização do espaço através da estimulação da nossa percepção. The Dutch Embassy in Berlin is certainly a work in its own right: a virtuoso spatial fantasie articulated within a limited, strictly cubic space, where it continually twists and turns upon itself. This playful and rather capricious exploration of the pleasures of complexity is an exacerbation of the theme of the architectural promenade; it constructs a controlled and joyful chaos. Several of the topological games which had already been developed by Rem Koolhaas and his followers are concentrated here, along a zigzag trajectory that folds back on itself several times within a perfectly modest-looking glass block measuring 27 meters square. (Chaslin, 2004, p. 27)
À medida que subimos as escadas deparamo-nos o rio Spree e com a Berliner Fernsehturm40 situada na Alexanderplatz41 (ilustração 51). Por outro lado, parte do percurso foi desenhado de modo a destacar um edifício da época fascista. Somos conduzidos ao longo de um corredor que se desenvolve paralelamente a este edifício. O jogo entre materiais, luz, perspectiva, vazios e vistas revela progressivamente a história de Berlim e as suas diferentes fases políticas.
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A Berliner Fernsehturm é uma torre de radiodifusão de sinal construída na década de 60. uma das mais conhecidas praças de Berlim.
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In the Dutch Embassy, Koolhaas‘s idea of selecting particular historical symbols functions analogously to the situationist method of mapping the city. The itinerary captures the psychogeographical atmosphere of the monuments, which often signify ―turning points,‖ and in doing so, it expresses the changing history of political thought in Berlin. This way, it illustrates the repeated redefinitions of the urban identity and the individual that (literally and symbolically) moves in it and re-experiences it. (Böck, 2015, p. 221)
Deste modo, os fragmentos que observamos do exterior convidam-nos a diferentes interpretações do espaço. O percurso ascendente que dirige o nosso olhar sobre a torre de televisão contrasta com o percurso paralelo ao edifício nazi adjacente à embaixada. Deslocarmo-nos em paralelo a determinada experiência (ilustrações 4547) e sermos conduzidos ao longo de uma subida (ilustrações 48-50) - em direcção a outra -, são modos distintos de induzir determinadas concepções acerca do espaço habitado. A flexibilidade do sistema distributivo, devido à sua configuração, permite uma mutação de atmosferas que admitem diferentes significados. […] in the end the architectural promenade had to be fully emancipated. It had to strike out for a life of its own, complete autonomy. It had to risk, no longer serving the space and its functions, but submitting them to itself. It had to verge on accidents. And then it would be up to the rest of the architecture to adjust, to slip into the gaps, structures and spaces, to let itself be ‗distributed‘ as well as possible by this impetuous zigzag. (Chaslin, 2004, p. 42-43)
Ilustração 45 – Primeira imagem da sequência que revela percurso paralelo ao edifício nazi (Heidingsfelder et al., 2007)
Ilustração 46 – Segunda imagem da sequência que revela percurso paralelo ao edifício nazi (Heidingsfelder et al., 2007)
Ilustração 47 – Terceira imagem da sequência que revela percurso paralelo ao edifício nazi (Heidingsfelder et al., 2007)
Ilustração 48 – Primeira imagem da sequência que revela percurso ascendente que revela Berliner Fernsehturm (Heidingsfelder et al., 2007)
Ilustração 49 – Segunda imagem da sequência que revela percurso ascendente que revela Berliner Fernsehturm (Heidingsfelder et al., 2007)
Ilustração 50 – Terceira imagem da sequência que revela percurso ascendente que revela Berliner Fernsehturm (Heidingsfelder et al., 2007)
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Ilustração 51 – Vista sobre Berliner Fernsehturm (Heidingsfelder et al., 2007)
Esta imposição de significados e interpretações por parte da arquitectura aproxima-se dos objectivos do cinema. Although an understanding of architecture as event, transcript, layer, and folie claims to reveal the potential and social context of a place, several of Koolhaas‘s, Tschumi‘s, and Eisenman‘s projects are more so metaphorical comments and aleatory design techniques than concrete solutions to an urban site. By contrast, the scheme of the Dutch Embassy offers a concrete proposal of a narrative that does not involve a fictive cluster but that interprets the existing city as a layer of events and reference points. (Böck, 2015, p. 225-226)
A percepção de determinada sequência depende do modo como o realizador concebe a organização dos planos. O mesmo acontece com o percurso que o arquitecto desenvolve. Koolhaas‘s method of the trajectory of the Dutch Embassy can also be interpreted as an appropriation of disassembled authentic elements, stripped of their actual urban context. […] Koolhaas projects a figure of vistas onto the city, which transforms single points into a consistent unity. Although the fragments are not dislocated from the historic site, they are adopted and united by a sequence of viewpoints to become part of a (new) narrative of the Berlin‘s history. (Böck, 2015, p. 235)
Devido às múltiplas mudanças de direcção e perspectiva do percurso, Koolhaas oculta e revela elementos de acordo com a narrativa que propõe. ‖The device of an architectural promenade as a curving topology that traverses the structure is a frequently used design strategy of Koolhaas.‖ (Böck, 2015, p. 208) Quando oculta a paisagem, dirige-nos para uma experienciação activa do espaço interior, por outro
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lado, quando a revela, aponta para uma Berlim fragmentada, onde apenas os elementos relevantes da sua história são apresentados, funcionando como elementos surpresa que provocam uma tensão entre interior e exterior. Koolhaas‘s key design strategy for the Dutch Embassy represents the experience of movement both in the building and in the city. In addition to cinematic sequencing of the narrative, many artists and architects—such as Guy Debord, Constant Nieuwenhuys, Kevin Lynch, and Bernard Tschumi—search for experimental notation systems like diagrams and collages to illustrate what Merleau-Ponty describes as the lived experience of the body in space. (Böck, 2015, p. 217)
A transparência do sistema distributivo oferece também uma comunicação visual entre trajectos, acolhendo assim uma circulação dinâmica onde conseguimos ver e ser vistos. O movimento está sempre em foco. ―Tschumi‘s Le Fresnoy Art Center in Tourcoing, France (1992–98) deploys a curving-and-folding mechanism similar to Koolhaas‘s pathway in the Dutch Embassy and provides another example of a psychogeographical space of events and movement.‖ (Böck, 2015, p. 224)
Ilustração 52 – Maqueta conceptual do percurso (OMA, 2015)
Ilustração 53 – Maqueta conceptual do vazio que o percurso concebe (OMA, 2015)
[…] the Dutch Embassy in Berlin (1999–2003), is taken as the starting point of the discussion of Koolhaas‘s strategy to explore dynamism and motion in architecture by creating a spatial sequence, a kind of filmic reality that serves as narrative of historical events and layers. (Böck, 2015, p. 23)
O carácter dinâmico que o espaço percorrido sugere, deve-se às múltiplas mudanças de direcção, que nos dão a sensação de estarmos perdidos no interior do edifício para, de imediato, nos indicarem pontos de referência ou, nos convidarem a entrar num espaço. Esta leitura depende exclusivamente do movimento do corpo no espaço e do que este revela ao longo do percurso. O modo como o descobrimos dita o seu entendimento. Os acessos entre espaços - diversificados na sua configuração e
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orientação perspéctica – enfatizam determinada sensação no utilizador do espaço, quando é confrontado com determinado elemento. Several of Koolhaas‘s and Tschumi‘s projects represent similar exercises in psychogeographic space, for instance, the entries for the competition of the Parc de la Villette in Paris, as well as Tschumi‘s Manhattan Transcripts and the Le Fresnoy Art Center in Tourcoing. Their emphasis on the bodily experience of space encourages the notion of architecture as event, as activity and sensory, kinesthetic process. (Böck, 2015, p. 222)
A arquitectura impõe uma visão e percepção progressivas do lugar onde nos situamos - fragmentado ou como um todo -, tal como o cinema impõe significados e sensações através da montagem de uma sequência. A experiência sensorial é amplificada ao longo do trajecto, tal como sucede no decorrer da visualização de uma obra cinematográfica. Os cortes, ordem e direcção de planos de um filme – essenciais à montagem de uma cena –, que por vezes passam despercebidos ao espectador, são, pelo contrário, evidentes na obra de Koolhaas. I find it to be an extremely theatrical, If not cinematic architecture. Take the Dutch Embassy in Berlin, for example. This passage, this worm that snakes its way throughout the whole building. You encounter varying spatial constellations, of an almost expressionistic nature. It‘s like in a movie – action, cut, action, cut. All his buildings function like that. (Heidingsfelder et al., 2007)
Ilustração 54 – Predominânica da cor ao longo da obra (Heidingsfelder et al., 2007)
Ilustração 55 – Exterior enfatizado através da materialidade (Heidingsfelder et al., 2007)
Ilustração 56 – Transparência que a materialidade sugere (Heidingsfelder et al., 2007)
A cor, forma, perspectiva e enquadramento são explorados de modo a manipular o percurso de uma obra arquitectónica, tal como no cinema são explorados de modo a manipular uma sequência. Koolhaas tem consciência da importância destes instrumentos para o entendimento dos projectos que propõe, servindo-se destes ao longo da sua obra prática e teórica. O modo como o arquitecto nos é apresentado no filme A Kind of Architect (2007) conduz-nos para este seu modo de actuar na arquitectura.
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Ilustração 57 – Montagem de Koolhaas a manipular um projector (Heidingsfelder et al., 2007)
Ilustração 58 – Montagem que apresenta um espectador a visionar imagem que Koolhaas projecta (Heidingsfelder et al., 2007)
Ilustração 59 – Montagem que apresenta espectadores a visionarem imagem que Koolhaas projecta (Heidingsfelder et al., 2007)
Propõe-se assim um olhar sobre a arquitectura e o cinema como meios denunciadores de uma condição, no sentido de estudar o modo como esta temática se cruza nas duas formas de arte, ambas exploradas por Rem Koolhaas.
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2.3. JEAN NOUVEL - INSTITUTO DO MUNDO ÁRABE (1987): OBRA COMO PROPOSTA DE UMA VIVÊNCIA It was the discovery of a new poetics for tracks, punctuated landscapes, networks and lights. It was a time of friendship with Wim Wenders, the realization that architecture, whatever the scale, could only, from then onwards, be modification, mutation. I now think in terms of the planet as a whole. I combine an outside and an inside perspective on the cities I work in. (Nouvel, 2008)
Ilustração 60 – Storyboard de espaços relevantes do projecto Instituto do Mundo Árabe (Ilustração nossa, 2015)
Os conceitos basilares a partir dos quais a arquitectura opera, são revisitados neste subcapítulo, de modo a expôr uma relação entre a arquitectura e o cinema no sentido de ambos conceberem propostas de vivências. Assim, apresenta-se um olhar sobre a arquitectura e o cinema como meios que propõem e apontam modos de estar na cidade. Este paralelismo torna evidente o papel do Homem no meio urbano, sendo que as relações que entre estes são estabelecidas dependem inteiramente das suas subjectividade e disponibilidade. O modo como nos deixamos afectar por determinada vivência, apontada pelo cinema, contribui para a criação de soluções propostas através da arquitectura. Com o objectivo de divulgar o papel relevante de França no panorama cultural internacional, o ex-presidente francês François Mitterrand42 promove a construção de monumentos no país, entre os quais se destacou o Instituto do Mundo Árabe, projectado por Jean Nouvel e concluído em 1987. Como o nome indica, o edifício propunha estabelecer uma relação entre a cultura árabe e a francesa, enaltecendo-as através da representação das suas características. (Bachman, 2002, p. 265) Deste modo, Nouvel procurou reflectir as características da arquitectura Árabe, ao mesmo
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François Maurice Adrien Marie Mitterrand (1916-1996) foi um político francês, presidente da França durante catorze anos.
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tempo que respeitava e expunha as características parisienses, aliando as duas culturas. ―It plays the ambassadorial role of representing Arab culture in Paris, addressing not only French citizens and tourists, but also a large number of ethnic Arab citizens from the former French colonies […].‖ (Bachman, 2002, p. 261) O rio Sena, uma rua movimentada, o campus universitário Jussieu43, a Catedral de Notre-Dame de Paris44 e um skyline histórico distinguem a localização do Instituto. Como conciliar estes elementos de diferentes naturezas de modo a representá-las? Com a sua filosofia de tecnologia ao serviço da emoção, Nouvel propõe diferentes vivências de acordo com a influência que os elementos exteriores têm no edifício. (Bachman, 2002, p. 261)
Ilustração 61 – Ortofotomapa de Paris, França ([adaptado a partir de:] Google inc, 2015)
Numa conferência dada no Cairo45, em 1989, no âmbito da aceitação do prémio Aga Khan46, Jean Nouvel comenta o seu projecto para o Instituto do Mundo Árabe, expondo os principais critérios considerados para a sua realização. As restrições do sítio, constituíram um ponto de partida determinante para o projecto, definindo o seu papel representativo de duas culturas distintas, em simultâneo. O facto de o projecto se localizar no coração de Paris, se deparar com o rio Sena, com a presença
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Campus universitário situado em Paris, que se destaca pela sua escala. Catedral francesa, pertencente ao estilo gótico, construída no século XII. 45 Capital do Egipto. 46 Prestigioso prémio internacional de arquitectura atribuído a cada três anos. 44
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incontornável da Catedral Notre Dame, da Île Saint-Louis47 e ainda do Centro Pompidou48, permitiu que Nouvel trabalhasse de acordo com a presença destes elementos, de modo a que fizessem parte da vivência do edifício. Por um lado, a localização do IMA49 próxima da área histórica de Paris, requeria uma abordagem cuidada que respeitasse a escala modesta dos edifícios Haussmannianos50. Por outro, a sua proximidade imediata ao campus universitário de Jussieu, requeria uma abordagem que destacasse o Instituto da restante composição urbana correspondente a uma grande escala. (Steele, 1994, p. 169)
Ilustração 62 – Esquema da relação entre escalas do edifício. A cinza claro está representada a escala do campus universitário e a cinza escuro, a escala menor, dos edifícios Haussmannianos. O IMA respeita ambas as escalas, ‗mimetizando-as‘ (Ilustração nossa, 2015)
Deste modo, deparamo-nos com uma envolvente que abrange diferentes carácteres, conciliando espaço público e privado, factor que Nouvel deveria incluir no seu projecto. Servindo-se da dualidade cultural que o projecto deveria representar, o arquitecto encontra na cultura árabe, parte das soluções a propor. Nouvel cria assim um percurso que tem como resultado vários espaços de diferentes naturezas, de maneira a tornar evidente a relação do projecto com a cultura árabe e que esta faça parte da experiência do utilizador do espaço sem permitir, no entanto, que este ignore a atmosfera parisiense. Um dos elementos detentores das características árabes é o pátio central que separa os dois volumes que compõem o edifício. O pátio, que se estende verticalmente ao longo do edifício, filtra a luz natural para os pisos inferiores e organiza o sistema 47
Ilha situada em Paris, no rio Sena. Um dos primeiros exemplos de planeamento urbano do século XVII. Centro Georges Pompidou é um complexo cultural localizado em Paris e projectado por Renzo Piano e Richard Rogers entre 1969 e 1974. Um dos projectos de arquitectura mais radicais da década de 70. 49 Instituto do Mundo Árabe 50 Barão Georges-Eugène Haussmann (1809-1891), conhecido pelas teorias que desenvolveu no sentido de renovar o planeamento urbanístico de Paris, tendo influência outras cidades europeias. 48
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distributivo do edifício. Para que a essência de Paris não se perdesse, um rasgo que atravessa longitudinalmente o edifício é interrompido por dois corredores suspensos, que oferecem ao visitante uma visão dirigida sobre a Catedral Notre Dame, enquanto se desloca. O monumento parisiense é também avistado a partir do terraço da cobertura, que oferece uma visão ampla sobre Paris. (Bachman, 2002, p. 269-270)
Ilustração 63 – Vista sobre a Catedral Notre Dame e a Pont de la Tournelle a partir do terraço da cobertura (Bionik1980, 2014)
Ilustração 64 – Vista sobre a Pont de Sully e os edifícios Haussmannianos a partir do terraço da cobertura (Bionik1980, 2014)
Ilustração 65 – Vista ampla sobre Norte de Paris a partir do terraço da cobertura (Bionik1980, 2014)
A planta do edifício é organizada horizontalmente a partir da torre norte que compõe os espaços expositivos, conferindo-lhes uma luz diurna difusa e uniforme. Os espaços da torre sul, sujeitos a uma forte exposição solar, foram reservados para o armazenamento de livros. Para que a luz ascendesse até aos pisos inferiores, foram projectados poços de luz. Incluir parte do programa a um nível subterrâneo garantiu a transparência e leveza - dos pisos superiores - que Nouvel perseguia. O pátio, referido anteriormente, garante a circulação entre os espaços expositivos. (Bachman, 2002, p. 271-272)
Ilustração 66 – Axonometria do Instituto do Mundo Árabe ([adaptado a partir de:] AJN, 2015)
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É através de espaços como este que o IMA concede ao visitante uma experienciação do espaço singular, que une a cultura árabe à francesa. Deslocarmo-nos pelo edifício constitui um somatório de experiências que, pela sua progressão, se tornam gradualmente enriquecedoras. O significado de determinado espaço é alterado consoante as experiências espaciais anteriores e futuras. Tal como no cinema, a leitura de uma sequência revela-se fundamental para a percepção do espectador, visualizando o filme como um todo. Na arquitectura de Nouvel, o mesmo acontece, devido ao seu modo de conciliar experiências sensoriais. One of my obsessions is to say that you do not build a space, but rather you build 'in space', in other words always in continuation from something. All of the constructions I have produced are conceived in relation to this spirit: first of all there are spaces that are concatenated like a film sequence, and then they interfere with each other because their physical limit is not the limit of perception." (Nouvel, 2002, p. 24)
Díaz Moreno e García Grinda comentam o processo conceptual do arquitecto, no que se refere à narrativa espacial dos seus projectos. O processo de justaposição de espaços é privilegiado em relação ao de articulação, aspecto que os autores comparam ao processo de montagem de Sergei Eisenstein. A montagem de fragmentos oferece inúmeras leituras resultantes num todo. Este método permite assim intensificar partes da realidade, que assumem determinado significado para o utilizador do espaço. A ruptura da hierarquia, da repetição e da percepção singular dá lugar a espaços em que o tempo parece estar suspenso, mas sempre relacionados com o lugar onde se encontram. (Díaz Moreno et al., 2002, p. 29) One may thus speak of a montage as defined by Sergei Eisenstein: two fragments of any sorts which, placed side by side and by interference, combine in a new quality that arises by juxtaposition. The image or the concept arise through representative elements, intensified portions of reality, and are finally reconstructed in the eye of the beholder. […] This immersion in a musak of perceptions created through the overlap of fragments which, while they preserve their original mark (but regardless of it), they are assembled in a suite of synthetic qualities that are ultimately reconstituted in the spectator‘s mind. (Díaz Moreno et al. , 2002, p. 29)
Tal como nos filmes de Eisenstein, torna-se evidente que, o efeito a reter vive da relação entre as intenções do autor e a percepção do observador. As qualidades do espaço são assim potencializadas através desta simbiose entre emissor e receptor. The architect is always a receiver, an amplifier and a ‗retransmitter‘. In order to recreate anything you first have to feel the emotion in your head, and then manage to reinterpret it with your maximum possible strength, and in that way enable the whole world to experience it as well. (Nouvel, 2002, p. 10)
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A interpretação das experiências e o que retemos delas dita o que projectamos para situações futuras. A arquitectura e os seus intuitos são a combinação das experiências vividas, reinterpretadas e desenvolvidas de modo a estabelecerem relações. A disposição, associação, o encontro imediato ou progressivo com certos espaços e/ou elementos são meios que, experienciados progressivamente, revelam as intenções de um todo. O nosso imaginário é assim evocado de modo a fazer parte desta experiência. Quanto mais facilmente estabelecermos uma relação com determinado momento e/ou espaço, mais evidente será a percepção do mesmo. A arquitectura revela-se assim um instrumento manipulador da nossa mente enquanto indivíduos sensíveis. O facto de não nos sentirmos alienados das sensações que um espaço nos desperta, confere-lhe carácter e significado. As correspondências que construímos na nossa mente são o motor para a assimilação de momentos que subsistem no nosso imaginário e o estimulam. […] a concept in itself can precipitate values belonging to the order of emotions. Everything that belongs to order of emotions or sensations is linked to the field of art and, to some extent, to those of affection. At certain points, I have to move into the state of ‗manufacture‘ or ‗material restoration‘ of some of my previous emotions which I try to recreate. I take sensations and amplify them. Primarily, the problem resides in being open, in always being receptive. In order to trigger someone‘s emotions, one first has to feel emotional. That it always a sort of guarantee. (Nouvel, 2002, p. 9)
Eventos do quotidiano, aliados a um determinado lugar, num determinado espaço de tempo, estão presentes na mente do arquitecto, moldando o seu imaginário e – futuramente - concretizando-o, de acordo com o que pretende evocar nos seus projectos. A sua intenção assenta na criação de espaços e elementos que despertem sensações na mente do utilizador do espaço, condicionadas à sua percepção. A conjugação destes princípios resulta na leitura da arquitectura como um instrumento evocativo que, experienciada progressivamente, concebe diferentes significados. (Nouvel, 2002, p. 37) Se a arquitectura de Nouvel é proposta como um evento, podemos considerar a cidade como parte do enredo que concebe. Não é por acaso que a obra de Jean Nouvel é comparada ao processo cinematográfico. Se o cinema manipula a realidade para nos oferecer um ponto de vista sobre a mesma, o mesmo podemos dizer do processo criativo e operativo de Jean Nouvel. O modo como a cidade faz parte da narrativa elaborada pelo arquitecto é igualmente manipulado.
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Os espaços criados têm destaque pela sua composição e pela vivência que promovem. Nouvel serve-se assim da paisagem como meio de suporte à vivência espacial do edifício. Exemplos desta particularidade são vulgarmente encontrados no cinema, em especial, na obra de Wim Wenders, abordada no capítulo seguinte. A obra cinematográfica é pródiga na narração de eventos condicionados ao lugar onde ocorrem. O modo como Nouvel concebe espacialidades dependentes do exterior assemelha-se ao modo como o cineasta opera. […] the architectures of Jean Nouvel are proposed as event, as something that establishes a specific, concentrated relationship with the succession of moments, with a particular instant and its uniqueness. At the same time, we can claim the radical and unapproachable difference for Nouvel between any instant and the one that follows or precedes it, but also the historicity of the present, given that the exceptionality of the abnormal permits the preparation and arrangement of the preceding (and also indirectly, the future) combinations of time. In this case, we may speak of a sedimentary concept of time, constructed from the accumulation of different presents, all exceptional but threaded in a chain of succession. (Díaz Moreno et al., 2002 p. 31-33)
Parte do processo de justaposição de espaços, já referido, reside na leitura progessiva da cidade de acordo com os elementos que o arquitecto considera relevantes. Os elementos que Nouvel opta por destacar distanciam-se do conceito de background como meio meramente imagético. O clima e a altura do dia marcam profundamente a paisagem e, consequentemente, o interior dos edifícios que projecta. O Instituto do Mundo Árabe combina estes elementos ao longo de um percurso cuidadosamente desenhado. O clima parisiense difere do clima árabe, apresentando-se regularmente nublado. Esta condição não permite uma incidência solar regular ou constante. Deste modo, o lado sul foi escolhido para tirar maior partido da luz e implementar a fachada que iria responder poeticamente às condições que esta orientação implica. Este elemento correspondente à escala da universidade - , funciona como um filtro. A transparência sugerida exteriormente integra subtilmente o edifício na sua aproximação ao campus adjacente. In my case, I try to capture what is in the environment: the light, the views, the wind and the plants. They are all opportunities to become extremely mindful of the place you are. It is also a question of precisely creating that detonator, that miniscule variation, that small facet that reminds us of where we are, what the time is, the weather conditions: wich reminds us of the fragility of the instant with respect to our condition as human beings.‖ (Nouvel, 2002, p. 23)
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As sequências espaciais criadas revelam as intenções por parte de Nouvel de reflectir a cultura parisiense, a nordeste e, simultaneamente, enaltecer a cultura árabe, a sudoeste. A luz, sombra, paisagem, movimento e tempo, são constantemente evocados, de modo a tornar consciente o utilizador do espaço da relação volátil entre lugar e momento. O arquitecto revela um profundo interesse nos elementos detentores de uma expressão dinâmica de continuidade. From an aesthetic point of view, I have a profound interest in motorways that cut through hills and power lines strung across plains. I try to provoke a disturbing, even moving experience from of nature from architecture, wich facilitates one's awareness of light, the moment, the vibration of time. It all leads me to consider nature as a component of architecture." (Nouvel, 2002, p. 17)
É importante notar novamente a afinidade da arquitectura ao cinema, por ambos operarem através dos elementos anteriormente referidos, imprescindíveis à sua concretização. This is how [Jean Nouvel] reinforces the idea that architecture is an instrument superimposed on the body, which enables the perceptions of the world, the city, nature, other people and their actions to be amplified and equalised, rather than encloistering or inhibiting them, to the point that he is capable of single-handedly generating independent and artificial environments aimed at perception only to later, as in theatre or magic, become in visible and not display the mechanisms that produce them. (Díaz Moreno et al. , 2002, p. 33)
A acumulação de espacialidades distintas funciona como fragmentos que se complementam e concebem uma relação com o visitante. Trata-se de um ciclo que tem como consciência a função do tempo nos espaços e, no resultado que este tem na percepção dos mesmos. ―Between two cultures, two landscapes, and two urban fabrics, Jean Nouvel interposes a building of dialectics.‖ (Bachman, 2002, p. 261) Entrevistado por Marc-Christoph Wagner, no seu atelier em Paris, Jean Nouvel reforça a importância do contexto histórico e cultural na arquitectura que produz, não se cingindo apenas ao sítio e às suas condições. As tensões espaciais criadas por Nouvel derivam sempre da relação entre condições culturais, históricas e sociais. No Instituto do Mundo Árabe, a relação entre estes factores é evidente. Os elementos que qualificam a localização do projecto, definem a orientação de espaços e vistas, tal como, os elementos que remetem à cultura árabe são interpretados de modo a surtirem impacte no visitante. O modo como Nouvel opera através da tecnologia e
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materialidade assegura um resultado subtil e harmonioso destas relações. (Nouvel, 2014) I think doing architecture is listening. You don't make the same architecture in the West, the East, the South... We are not meant... the architect is not meant to impose - his own values or his own sensitivities on such general plans. […] My job is first to try to understand where this architecture will be situated - how it will be rooted and what sense it will make where it is. I always have this problem of sense and sensitivity. Of course, each time there are imports. There are always inventions - that can be linked to our own story, you can never erase them.[…] The people who will live within this architecture - in relation to their own sensitivity and their own culture. For me, this is the foundation. What seems very important too is the historic parameter. We live and exist at a given time - and we take into account what is happening around us. […] so it's rather in this account of an era - in relation to the local culture - and the historic and geographic context - that these parameters can step in and testify of another era - another moment. (Nouvel, 2014)
Esta postura do arquitecto resultou na essência do projecto para o IMA. A adaptação de elementos basilares de uma cultura distante teve um profundo impacte na concretização espacial do projecto. ―Culture is always a link between the different civilizations. It may be the first way of understanding each other through the expressions of sensitivity. They're often expressions of a certain abstraction. (Nouvel, 2014)‖ Deste modo, o projecto cumpriria com a finalidade de promover relações comerciais e culturais entre as duas partes e representar a cultura árabe no panorama cultural europeu. O programa inclui um museu, espaços expositivos, uma biblioteca para pesquisa cultural, um centro de documentação, um auditório, um restaurante e oficinas infantis. (Steele, 1994, p. 169) Numa palestra dada no National Building Museum, em Washington, Jean Nouvel comenta as soluções que desenvolveu para o projecto. A materialidade é apontada como fundamental à concretização das intenções do arquitecto. A transparência interior e exterior, remete para a integração, análoga à intenção do projecto e à sua localização. Deste modo, e devido à proximidade da catedral, garantir-se-ia um diálogo entre duas religiões e duas culturas. Esconder a estrutura de um edifício, para que a leveza do vidro predomine e lhe conceda uma enorme transparência, é uma ilusão que Nouvel cria no edifício. "When illusion works, it is a formidable spectacle. I believe that architecture is the search for a form of the pleasures of a place." (Nouvel, 2002, p. 25) Deste modo, nenhum elemento no interior do projecto interfere com a transparência
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perseguida, inclusive os acessos verticais. Espaços privados como os escritórios, nos pisos superiores, são compostos por vidro translúcido. (Bachman, 2002, p. 272) As referências à civilização árabe nunca surgem como reproduções, tendo sido sujeitas a uma nova leitura e interpretação, abstractizada. As alusões mais evidentes são a reinterpretação dos mosaicos árabes – elemento árabe corrente no Norte de África e no Médio Oriente denominado por moucharabieh ; o pátio central; e uma ‗torre templo‘ que acolhe uma biblioteca e remete para o conceito da torre de Babel. (Institut du Monde Arabe, 2015)
Ilustração 67 – Sequência de imagens do sistema distributivo da biblioteca - Imagem 1 (Maurin, 2011)
Ilustração 68 – Sequência de imagens do sistema distributivo da biblioteca - Imagem 2 (Maurin, 2011)
Ilustração 69 – Sequência de imagens do sistema distributivo da biblioteca - Imagem 3 (Maurin, 2011)
Ilustração 70 – Sequência de imagens da vista que o sistema distributivo da biblioteca oferece - Imagem 1 (Maurin, 2011)
Ilustração 71 – Sequência de imagens da vista que o sistema distributivo da biblioteca oferece - Imagem 2 (Maurin, 2011)
Ilustração 72 – Sequência de imagens da vista que o sistema distributivo da biblioteca oferece - Imagem 3 (Maurin, 2011)
O sistema distributivo da torre biblioteca, convida a uma deambulação pelo espaço rica em experiências. A rampa helicoidal oferece uma visão sobre o edifício estritamente ligada ao movimento. O que observamos depende da nossa deslocação. A percepção de quem sobe através do percurso é diferente da de quem desce. Simultaneamente, o encontro com outros visitantes, torna o percurso mais dinâmico e apelativo devido ao factor surpresa, presente ao longo do sistema distributivo. Jean Nouvel enfatiza também a relação do universo árabe com a geometria, facto que participou no seu processo criativo após uma abstractização e consequente apropriação do mesmo. Padrões onde se inscrevem quadrados, círculos e hexágonos compõem os moucharabieh da fachada aludindo assim ao fascínio dos árabes pela geometria, álgebra e trigonometria. (Nouvel, 2014)
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The Arab World Institute [...] gave me a chance to have a closer look at Arab architecture and also Islamic architecture of course, both being often connected. The first thing that struck me was the relation of Arab architecture with geometry. I wanted to work on this perception of geometry often linked with abstraction, abstraction often coming from the Islamic tradition. The Arab World Institute is a play on geometry and light. Every time I work on a building linked to Arab countries I fall back on this evidence. You can't talk about this architecture without talking about geometry and light. (Nouvel, 2014)
A sensibilidade do arquitecto em relação à cultura e raízes históricas revelou os objectivos fundamentais do projecto. A relação que a cultura árabe tem, também com o sol e a luz, é decisiva e evidenciada na arquitectura. O tratamento das fachadas dos edifícios é exemplo máximo desta relação, recorrendo por norma ao uso de moucharabiehs. Estes padrões permitem ver sem ser visto, ventilar o edifício e garantir sombra e privacidade. O tratamento dos espaços, neste sentido, confere impressões intimamente ligadas à cultura árabe e, à arquitectura que ela produz. (Nouvel, 2014) Foi através da expressão e da sensibilidade que Nouvel concretizou a abstracção que perseguia, adaptando os arquétipos de uma arquitectura distante. A adaptação de características basilares de uma cultura, aliada à procura da inovação técnica característica da contemporaneidade, resultou num projecto que respeita e enaltece as qualidades de ambas as civilizações. As potencialidades da tecnologia foram determinantes para a concretização do elemento mais polémico e de maior destaque do projecto - a fachada composta por um complexo sistema de painéis constituídos por diafragmas, aludindo ao sistema da lente da máquina fotográfica. Deste modo, Jean Nouvel adaptou o moucharabieh de acordo com os avanços tecnológicos que a contemporaneidade faculta e com o contexto europeu. A partir da mecanização de um elemento geométrico, outrora estático, Nouvel conferiu um carácter cinético à sua proposta. Existe ainda outro padrão simplificado e estático, composto por hexágonos e estrelas de seis pontas. Características da cultura árabe, as fachadas compostas por este padrão permitem a entrada de luz por orifícios de diferentes dimensões, conferindo projecções variadas de luz e sombra. (Bachman, 2002, p. 270-271)
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Ilustração 73 – Diafragma da fachada aberto (Sánchez, 2010)
Ilustração 74 – Diafragma da fachada em movimento (Sánchez, 2010)
Ilustração 75 – Abertura de um diafragma da fachada a diminuir (Sánchez, 2010)
Ilustração 76 – Efeito da abertura total de um diafragma da fachada (Sánchez, 2010)
Ilustração 77 – Efeito da abertura de um diafragma da fachada a diminuir, na composição dos restantes padrões geométricos (Sánchez, 2010)
Ilustração 78 – Efeito de um diafragma da fachada fechado na composição dos restantes padrões geométricos (Sánchez, 2010)
Esta particularidade revela-se determinante na interpretação da cultura árabe, sustentada no efeito que esta fachada produz no interior do edifício, enfatizando a função do tempo na arquitectura. A luz é trabalhada de acordo com as possibilidades que concede ao espaço arquitectónico: define-o, reflecte-se, fragmenta-se, cria e recria composições que o moldam. As sombras controladas e projectadas no pavimento e paredes - provocadas pelos padrões em constante mudança e o uso de vidro transparente e translúcido -, são testemunhos deste efeito que, nos transporta para um universo cinematográfico - um espaço onde o movimento no tempo é acentuado. O sistema distributivo paralelo à fachada Sul, representa a intenção de Nouvel vir a criar um compasso elucidativo da conjugação dos elementos basilares da arquitectura, enaltecendo-os e convertendo-os em espacialidades cénicas.
Ilustração 79 – Composição dos padrões geométricos mecanizados da fachada (ArchDaily, 2015)
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Ilustração 80 – Sequência de painéis que compõem a fachada (ArchDaily, 2015)
Ilustração 81 – Efeito espacial da fachada (ArchDaily, 2015)
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Ilustração 82 – Luz projectada através dos diafragmas da fachada (AJN, 2015)
Ilustração 83 – Efeitos de luz/sombra no espaço provocado pelo desenho da fachada (Steele, 1994, p. 166)
Everything is theatrical. I have worked for a long time as a scenographer, even on social housing… scenography is the relationship between objects and matter that we want to display to somebody who is watching. […] The use of the word scenography doesn‘t bother me as long as it is used in the right sense. It is not a question of producing a spectacle in the worst sense of the word, but simply of bearing in mind the fact that there is somebody who is looking and something that is being looked at. And also that is can be done in accordance with precise knowledge, depending on what you want to say and the emotions you want to trigger. (Nouvel, 2002, p. 25)
A arquitectura, tal como o cinema, detém a capacidade de se manifestar através do tempo. No caso do IMA, esta demanda torna-se indispensável devido à carga simbólica que o projecto propõe. O desencadeamento de experiências que aludem à cultura árabe surge destas possibilidades. Este conceito é considerado por muitos arquitectos na sua obra, tendo tido especial ênfase na obra de Le Corbusier. As viagens que realizou conferiram-lhe uma visão ampliada sobre a arquitectura, influenciada por diversas culturas, em especial, a cultura árabe: L‘architecture arabe nous donne un enseignement précieux. Elle s‘apprécie à la marche, avec le pied; c‘est en marchant, en se déplaçant que l‘ont voit se développer les ordonnances de l‘architecture. C‘est un principe contraire a l‘architecture baroque qui est conçue sur le papier, autour d‘un point fixe théorique. Je préfère l‘enseignement de l‘architecture arabe (Le Corbusier apud Boesiger, 1967, p.24)
A evolução da tecnologia e do conhecimento enriquece os instrumentos inerentes à arquitectura, apresentando assim novas possibilidades. Trabalhar com os meios disponíveis na actualidade e continuar a explorá-los revela-se enriquecedor nas intervenções urbanas. (Nouvel, 2002, p. 33)
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―His work with matter is not based on the way that technological evolution can directly affect technical systems, nor does he display any particular interest in technology. Instead he focuses on the way to generate physical environments that refer to them.‖ (Nouvel, 2002, p. 33) Assim, apesar de se servir dela, a tecnologia não é o foco dos seus projectos mas sim um meio para a criação de atmosferas e para colocar em cena a relação entre tempo e matéria. I think one of the tasks of architecture is to establish a connection with duration, with the subtlety of certain perceptions, which obviously has nothing to do with that spectacular condition. Some constructions or programmes accept that condition because they are obliged to have a symbolic dimension, but that does not contradict the dimension of passing time or the place that is lived in. (Nouvel, 2002, p. 23)
O elemento que melhor ostenta a função do tempo na arquitectura, é a luz. Nouvel serve-se da luz para pôr em prática alguns dos conceitos já referidos, que remetem para a criação de atmosferas singulares que combinam a cultura árabe com a parisiense.
A
materialidade,
sugestiva
de
contraste
entre
vazio/cheio
e
transparência/opacidade permite a criação de espaços onde a luz é protagonista. O movimento do corpo no espaço, possibilita o entendimento da espacialidade criada por Nouvel, e reforça a importância do tempo e do movimento na arquitectura. From the moment when we start moving towards the annulment of forms and space, a certain essence remains. The essence is the complement of this matter and what has to create this global sensation, which can also produce surprising results […] My constructions almost always play with these uncertain, destablished dimensions. Their constituent elements are 'nothings' or 'movements'. What I call 'nothings' are elements that lack a definitive identity: theoretical grey, matt black, pure white. The rest are mouvances, vibrations. (Nouvel, 2002, p. 19)
Aliada à transparência já referida, Jean Nouvel considera igualmente a leveza. O espaço obedece a uma continuidade harmoniosa onde a luz é difundida de maneira a deter um papel activo na atmosfera pretendida. Para suportar a leveza que o complexo sugere, e contrastando com a mesma, o arquitecto desenhou um espaço hipóstilo subterrâneo.
Ilustração 84 – Sequência de imagens do espaço hipóstilo subterrâneo - Imagem 1 (Maurin, 2011)
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Ilustração 85 – Sequência de imagens do espaço hipóstilo subterrâneo - Imagem 2 (Maurin, 2011)
Ilustração 86 – Sequência de imagens do espaço hipóstilo subterrâneo - Imagem 3 (Maurin, 2011)
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Este espaço, pela sua composição, materialidade e jogos de luz, transporta-nos para um modo de estar distinto daquele que os pisos superiores sugerem. Através de uma composição regular e sistemática é oferecido ao utilizador do espaço uma diversidade de perspectivas que reforçam a amplitude do espaço, tornando a sua experienciação mais rica. Remetendo novamente à cultura árabe, este espaço de circulação foi cuidadosamente modelado de modo a evocar o carácter introspectivo e de meditação, aliado ao movimento. As vibrações que Nouvel refere distinguem as qualidades espaciais do IMA. O vazio que rapidamente se preenche - através de manipulações de luz e sombra - , dá lugar a uma atmosfera inconstante e mutável que molda e enaltece o espaço. A impressão que retemos deste, depende assim de dois factores que têm em comum a volubilidade. (Nouvel, 2002, p. 19) Tanto a luz como o corpo humano representam a efemeridade de um instante e, consequentemente da impressão que produzem na mente do utilizar do espaço. É deste modo que Nouvel reforça o sentido de momento e a sua importância na relação que estabelecemos com os espaços propostos. ―There is always a trilogy: reality, the imaginary, and the symbolic. Fortunately, we are always faced with these three parameters, and in my buildings, I try to exploit the dimension of the character to the utmost.‖ (Nouvel, 2002, p. 11) O modo como Nouvel filtra a luz para o interior do edifício, contém uma expressão formal e simbólica únicas. A orientação dos espaços expositivos e de leitura, que obedecem a condições de iluminação específicas, foi concretizada através da regulação dos diafragmas da fachada. Os padrões geométricos, aliados à tecnologia, enaltecem a cultura árabe não apenas a nível ornamental mas, fundamentalmente, como um exemplo notável a criação de espacialidades em constante transformação. Durante o dia a luz tem uma enorme incidência no edifício, tendo como principal foco o seu interior enquanto durante a noite a luz irradia do interior do edifício, tendo como foco a atenção do exterior para o mesmo, efeito que remete para o conceito de landmark. O Instituto do Mundo Árabe constitui assim um exemplo notável do modo como Jean Nouvel opera na arquitectura, através de conceitos que lhe são caros. O arquitecto demonstra o poder da arquitectura - enquanto forma de arte transformadora da cidade
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-, através da proposta de vivências. As atmosferas criadas apontam para o imaginário que Nouvel pretende evocar e de que se serve para compor uma narrativa. Architecture exists, like cinema, in a dimension of time and movement. One thinks, conceives and reads a building in terms of sequences. To erect a building is to predict and seek effects of contrast and linkage bound up with the succession of spaces through which one passes. (Nouvel, 2008)
A paisagem aliada à cultura são para Nouvel essenciais nesta composição. Esta oferece-nos um contexto, tal como no cinema, determinante para a leitura de um espaço e, consequentemente do lugar. Esta afinidade entre as duas disciplinas é notória e tem especial incidência na obra de Nouvel, que aponta Wenders como uma referência e influência para o seu modo de actuar na arquitectura. (Nouvel, 2008) Através da presente investigação incidente em obras pertencentes ao arquitecto e realizador, conseguimos denotar conceitos e modos de operar comuns que propõem um modo de estar particular no espaço, referente ao seu contexto.
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3. CASOS DE ESTUDO: CINEMA 3.1. DZIGA VERTOV - MAN WITH A MOVIE CAMERA (1929): OBRA COMO INSTRUMENTO DE REGISTO And once in the Spring of 1918, I was returning from a railroad station. In my ears, there remained the chugs and bursts of steam from a departing train ... somebody cries out ... laughter, a whistle, voices, the station bell, the clanking of a locomotive ... whispers, shouts, farewells... And walking away I thought there is a need to find a machine not only to describe but to register, to photograph these sounds. Otherwise, one cannot organize or assemble them. They fly like time. Perhaps a camera? That records the visual. But to organize the visual world and not the audible world? Is this the answer? And at this moment I met Mikhail Koltsov who offered me a job in cinema. (Grant et al., 1998, p. 23)
Ilustração 87 – Storyboard de eventos relevantes do filme Man with a Movie Camera (Ilustração nossa, 2015)
Através do filme Man with a Movie Camera (1929) de Dziga Vertov pretende-se demonstrar as possibilidades da arquitectura e do cinema enquanto instrumentos de registo. Os conceitos basilares e indispensáveis à realização de cada disciplina, são aqui estudados de modo a contribuírem para uma leitura do lugar e da cidade. Em 1929, Dziga Vertov apresenta o filme Man with a Movie Camera, obra que viria a gerar uma enorme polémica. Com o objectivo de criar uma linguagem cinematográfica que se distinguisse da obra dos seus pares, o realizador introduz um novo conceito relativo ao modo de observar o quotidiano, a cidade e o Homem. Vertov pretendia mostrar a vida tal como ela era, sem recorrer a actores ou enredos ficcionais - uma exposição adaptada aos seus olhos com a consciência de que, para tornar evidentes ritmos e eventos, teria de relacioná-los e enfatizá-los de algum modo. A concretização deste objectivo ganhou forma através da exploração de um processo cinematográfico. Para revelar os mecanismos da cidade e o seu enredo não bastava filmá-la restringindo-se
às
suas
localização
e
circunstâncias;
tornava-se
necessário
desenvolver relações e analogias que permitiriam desvendar o que decorria do ritmo da cidade, que passava despercebido aos seus habitantes. (Petrić, 1987, p. 84-85)
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For Vertov, shooting on location is not simply about capturing the real, but about revealing that which tends to remain hidden within urban space. For this process to emerge there has to be, according to the film, a very close and considered relation between cinema, city and viewer. (Pratt et al., 2014, p. 26)
Seria então necessário deformar a realidade para que esta se tornasse evidente. Este processo evocava a percepção do espectador, sendo que a leitura das cenas – através da sequência e montagem – dependia deste. O que o público depreendia da relação entre dois planos ditava a percepção do filme como um todo. […] the film demands that the spectator take an active role as decipherer of its images. It is true that: This film is not made to be viewed once. It is impossible for anyone to assimilate this work in a single viewing… that it is impossible to fully decipher the film's discourse until one has a complete topographical grasp of the film as a whole, in other words after several viewings. (Burch apud Petrić, 1987, p. 78)
Deste modo, deparamo-nos com dois intervenientes indispensáveis para a apreensão do filme - o olho e a câmara; que Vertov funde num elemento observador e modelador da realidade. Os eventos tornam-se dependentes destes intermediários que revelam a realidade através da sua manipulação. A sobreposição dos dois elementos convida o espectador a familiarizar-se com a ideia de subjectividade e de uma postura crítica em relação ao que o rodeia. O público confronta-se com a possibilidade de participar neste processo reflexivo, tal como o realizador fazia através da sua obra. The criticality of Man with a Movie Camera, we have argued, results not from the simple fact that it is created from film footage of actual urban places but because as montageassemblage it forces critical reflection on the relations between the camera and the human eye, what is represented and the work of editing, urban life and technology. (Pratt et al., 2014, p. 56)
A plateia era convidada a a despertar – tal como no início do filme é exibido - para a realidade dissimulada que os rodeia. Vertov sugere esta postura através do modo como manipula a câmara no filme. Um olho sobreposto à lente da câmara surge na obra como uma das suas imagens mais emblemáticas. Vertov pretendia associar a câmara, que possibilitava a leitura da cidade e do quotidiano no filme, ao olho que fazia o mesmo na realidade. O ritmo quotidiano é enfatizado em sequências onde a velocidade e direcção são manipuladas. Tornam-se assim evidentes relações interdependentes que, no decorrer do quotidiano, são ignoradas. O olho mecânico revela uma engrenagem - observada de fora - que convoca o homem não só como elemento participativo, mas, agora também como espectador.
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Ultimately, the film connects processes of seeing and being seen in the film with those that take place outside the film, namely in the audience, and nowhere is this more evident than when the audience is able to watch itself watching the film. As if to assert its self-reflexive approach, the film starts with the physical site of the cinema and the arrival of the audience. (Pratt et al., 2014, p. 28-29)
O assunto do filme não se baseava numa história ficcional revelada no decorrer da narrativa – como habitualmente acontecia – mas, focava-se nas pessoas da cidade. Os eventos que emergiam do contacto entre estes constituíam a narrativa. O fluir dos eventos do quotidiano – através da sua manipulação – destacava o papel do tempo na sociedade e na cidade. A temporalidade urbana e o decorrer do dia do Homem criam um ritmo que vive das suas dependências e, as relações que decorriam deste compasso eram distorcidas de modo a dar-lhes ênfase. Vertov apresentava assim, a sua interpretação da grande engrenagem a que a sociedade pertence. Perhaps the most fascinating compound shots are those of traffic, which combine two or more images of vehicles moving in various directions. This is most evident in the shots of streetcars as they move perpendicularly in different spatial zones, so that the combination of the vehicles' movements and their positions within the frame produces a surreal vision. (Petrić, 1987, p. 132)
O movimento era constantemente evocado no filme. O ritmo da cidade era protagonista e alvo das maiores manipulações no filme. Pessoas a caminhar pelas ruas, veículos e máquinas, eram os elementos evocadores da temporalidade urbana. O filme apresenta, desde o início, os objectivos que Vertov pretendia atingir com a sua obra. Surge uma câmara de filmar e, no topo desta imagem, outra – de menores dimensões – de um homem com uma câmara de filmar. Na cena seguinte observamos uma sala de cinema vazia e a sala de projecção onde um homem introduz uma bobina no projector.
Ilustração 88 – Máquina de filmar (Vertov, 1929)
Ilustração 89 – Homem surge no topo da máquina de filmar (Vertov, 1929)
Ilustração 90 – Homem filma no topo da máquina de filmar (Vertov, 1929)
A partir deste momento são-nos apresentadas várias imagens indicadoras de ritmos que fazem associar os objectos a mecanismos. As cadeiras da sala abrem e fecham
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em conjunto - como se de uma coreografia se tratasse - e um conjunto de pessoas entra e senta-se. A sala escurece e vemos uma orquestra. Os instrumentos musicais e os seus executantes, que aguardam pelo início do filme, revelam-se estáticos. Só quando, na sala de projecção, um homem faz entrar luz pelo projector, a acção começa. O movimento inicia-se com a orquestra. A luz tem o papel de despertar a máquina juntamente com o movimento - ambos indispensáveis para a reprodução do filme.
Ilustração 91 – Cadeiras de uma sala de cinema (Vertov, 1929)
Ilustração 92 – Assentos das cadeiras a descer (Vertov, 1929)
Ilustração 93 – Cadeiras abertas (Vertov, 1929)
Ilustração 94 – Homem que manipula um projector (Vertov, 1929)
Ilustração 95 – Maestro e orquestra (Vertov, 1929)
Ilustração 96 – Homem que manipula a luz através de um projector (Vertov, 1929)
The adjustments require the incorporation of light, which is not only the crucial component in the functioning of both eye and camera but also enables the production of 51 dynamic urban space so crucial to the Kino-Eye's inclusion of a social community within its assemblage. The eye is startling, no mere imperfect organ as it is usually claimed, but an eye that is shocked to see and is all the more shocking for making us worry about what it sees. Initially it seems as if the assemblage has entrapped the eye into seeing too much. But as the film gathers speed, and the movement across space becomes increasingly unobstructed, the Kino-Eye projects further forward, and its surface starts to emit a smoky yet transparent substance. This is the light through which the camera encounters actual urban space and urban space encounters the camera. This light passes through the combined frames of eye and camera, and begins to move out, presumably beyond the reach of the human eye. (Pratt et al., 2014, p. 33)
O despertar aliado ao ritmo é evocado nas cenas seguintes com o começo do dia. Vemos a luz do sol, uma pessoa adormecida e, intercaladas, imagens estáticas de reproduções de pessoas que parecem observá-las, como que à espera do despertar. 51
kino-eye: kino significa cinema/filme. Vertov utiliza esta expressão para se referir ao olhar fílmico. (Vertov, 1984, p. 5)
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De seguida surgem mais pessoas adormecidas - mendigos nas ruas, bebés em alcofas e adultos em edifícios. Diferentes pessoas que representam os diferentes elementos da sociedade e que, remetem para os diferentes componentes pertencentes à grande engrenagem que é a cidade.
Ilustração 97 – Mulher a dormir (Vertov, 1929)
Ilustração 98 – Homem que dorme num banco de rua (Vertov, 1929)
Ilustração 99 – Rapaz que dorme (Vertov, 1929)
É o despertar do dia que determina o início da vida urbana. Com a luz, surgem pulsações e ritmos. Este encadeamento é comparado ao processo fílmico que depende inteiramente da luz para revelar o seu assunto. Quando a lente capta a luz, obtém ritmos e enredos que mais tarde vão convergir numa narrativa. Trata-se de um despertar do Homem, da cidade, do olho e da câmara com o intuito de anunciar e tornar evidente. A cidade aparece ainda vazia e estática, com lojas, janelas e portas fechadas. Subitamente, o ritmo acelera assim que surgem máquinas e um homem começa a filmar a cidade, na parte detrás de um carro. Vemos um comboio a dirigir-se em direcção à câmara e, de seguida, uma mulher acorda e começa a vestir-se.
Ilustração 100 – Jardim (Vertov, 1929)
Ilustração 101 – Janelas (Vertov, 1929)
Ilustração 102 – Edifício de habitação (Vertov, 1929)
Os preparativos necessários para o homem filmar a cidade são exibidos em conjunto com imagens da mulher a vestir-se. Ambos se preparam para o começo o dia. O homem começa a girar a manivela da câmara enquanto um sem-abrigo acorda e se apercebe da presença de ambos.
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Ilustração 103 – Homem e máquina de filmar (Vertov, 1929)
Ilustração 104 – Mulher que se veste (Vertov, 1929)
Ilustração 105 – Homem a manipular máquina de filmar (Vertov, 1929)
―The cameraman, for instance, awakens people sleeping on park benches, some of whom are not pleased to see it. The woman filing for divorce tries to cover her face with her hand-bag.‖ (Grant et al., 1998, p. 27) Para Vertov era importante salientar que as pessoas filmadas não eram actores. A cidade era filmada no seu quotidiano, sem enredo. Este facto torna-se evidente quando vemos a reacção de algumas pessoas ao se aperceberem de que estão a ser filmadas. Umas riem enquanto outras se escondem. A base da narrativa era a realidade tal como ela é, manipulada através dos processos fílmicos que o cinema permite. In these instances the camera records unexpected and ephemeral moments on the street, but rather than catching them accidentally on film, they are prompted by the presence of the camera itself. There are many scenes in which people are shown to be unaware of the camera, but these tend to offer the possibility of reflecting on the activity of viewing itself. Different groups of people appear to look attentively, yet the connection between viewing and what is viewed is frequently unhinged. (Pratt et al., 2014, p. 27)
Na cena seguinte, surge a lente da câmara e o seu foco que fecha e abre tal como o olho humano. Começa assim o frenesim urbano onde tudo está repleto de movimento. Vemos persianas, aviões, eléctricos e autocarros. A lente da câmara aparece agora com o olho sobreposto, evocando assim, a interacção entre homem e máquina e o ritmo que advém desta relação recíproca. A câmara parece querer acordar uma mulher na rua para a chamar à atenção de que o dia começou. De seguida, surge um cruzamento repleto de pessoas e veículos em movimento e vemos este ritmo no reflexo das montras das lojas. O começo do dia está anunciado.
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Ilustração 106 – Objectiva da máquina de filmar aberta (Vertov, 1929)
Ilustração 107 – Objectiva da máquina de filmar fechada (Vertov, 1929)
Ilustração 108 – Olho sobreposto à objectiva (Vertov, 1929)
Aparece uma chaminé de fábrica a expelir fumo e vários operários que manipulam os seus instrumentos de trabalho. ―Vertov is not only saying that "art is a machine" but also implying that we, the audience, must be made aware of this fact. We must be told that machines are made by people; and art is not magic, it is labor, the very labor we see on the screen.‖ (Grant et al., 1998, p. 22) O homem da câmara escala esta chaminé à procura do movimento que o trabalho desencadeia. As pessoas são filmadas a percorrerem a cidade durante as suas actividades do quotidiano e surge a imagem de uma fonte que expele água como se declarasse que a cidade estava em funcionamento.
Ilustração 109 – Cruzamento movimentado (Vertov, 1929)
Ilustração 110 – Homens a trabalhar (Vertov, 1929)
Ilustração 111 – Chaminé de fábrica a expelir fumo (Vertov, 1929)
A câmara está sempre em movimento, não pára, e persegue as pessoas sem rumo, apenas para captar o desenrolar dos eventos. Nada é estático. De repente, a quebrar este ritmo, deparamo-nos com planos fixos de pessoas e partes da cidade, como um freeze do frenesim urbano.
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Ilustração 112 – Mulheres que deslocam na cidade (Vertov, 1929)
se
Ilustração 113 – Movimento de pessoas (Vertov, 1929)
Ilustração 114 – Homem da máquina de filmar entre multidão (Vertov, 1929)
Remetendo esta cena para o processo fílmico, vemos um rolo de filme em que surgem várias pessoas e, de seguida, uma senhora que monta estas imagens. As imagens que agora apareciam estáticas no rolo fílmico surgem, posteriormente, em movimento no filme. Deste modo, o processo de montagem do filme é exibido, de modo a tornar evidente a manipulação da realidade, executada por Vertov.
Ilustração 115 – Close-up do rolo de filme (Vertov, 1929)
Ilustração 116 – Diversos rolos de filme (Vertov, 1929)
Ilustração 117 – Corte de um rolo de filme (Vertov, 1929)
The camera, for Vertov, would be liberated from any demand to reproduce an imitation of life as the human eye saw it. Editing must be freed from the obligation to produce a seamless narrative. It was with these concepts in mind that Vertov embarked on the series of films that would culminate in Man with a Movie Camera, the fullest expression of his experiment and many manifestos. (Grant et al., 1998, p. 25)
Podemos comparar este processo ao da arquitectura. A percepção do todo faz-se a partir da leitura da sequência de vários espaços. O movimento implícito no percorrer destes espaços desvenda as relações entre eles. Existe uma leitura progressiva que compõe o todo, tal como no cinema. Se uma imagem estática da cidade nos oferece uma pista da sua atmosfera, uma sequência de imagens oferece-nos uma leitura progressiva, e por isso, mais completa do seu todo. A sucessão do tempo permite que o espectador apreenda as diferentes vivências do espaço e o modo como estas o afectam. A arquitectura oferece ao utilizador do espaço um ponto de vista sobre um local e sobre a cidade através das relações mutáveis que estabelece. Os espaços propostos são o testemunho dessas relações, acolhendo, tal como a cidade, os
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diferentes ritmos do dia. É deste modo que a arquitectura e o cinema se aproximam, sendo que ambos são pródigos na ostentação da realidade, mesmo que esta seja manipulada. Sim, o argumento é um edifício cuja construção avança de sequência em sequência. A dificuldade reside no facto de ser mais fácil equilibrar bem o interior de cada sequência do que um conjunto de sequências. Pode acontecer ter-se um certo número de sequências em que tudo é controlado no respectivo conteúdo. O equilíbrio parece perfeito, mas, quando as juntamos, o conjunto não funciona. Ora, é o conjunto que interessa. É preciso então rever as sequências, umas a seguir às outras, eventualmente desestruturar os extremos, seja fazendo cortes rasos, seja, pelo contrário, alongando-os (mesmo isso pareça inútil), para assegurar a coesão do conjunto. É uma técnica que dominamos - eu diria mais uma que sentimos - cada vez melhor com o tempo. É aquilo que nos faz progredir. (Chabrol, 2004, p. 25)
O modo como Vertov nos apresenta sequências de eventos, ruas, pessoas e edifícios remete para uma leitura evidente dos factos decorridos no quotidiano. Mesmo que determinados eventos não estejam ligados directamente, ou no mesmo espaço, ou mesmo que não sucedam de imediato, Vertov monta-os de maneira a que traduzam o significado e a relação que o Homem, o trabalho, o decorrer do dia e todo o movimento que estes acarretam têm na cidade. O ritmo que sofre constantes alterações ao longo do filme é evidenciado no grande palco que o recebe: a cidade. Através do decorrer das actividades do quotidiano, apercebemo-nos das funções de determinados edifícios e o significado de determinados eventos. Quando de madrugada, vemos edifícios de janelas fechadas e ruas vazias, Vertov aponta-nos uma estaticidade que antecede o desenrolar de eventos. À medida que o filme decorre, revisitamos estes locais, para conhecermos – através do movimento das pessoas e das suas actividades – o papel que têm na cidade (habitação, comércio, serviços). O movimento implícito no decorrer do filme é associado à multiplicidade de eventos que sucedem ao longo do mesmo e à sua manipulação. Elevadores, veículos e pessoas - que no decorrer do movimento quase se tocam - traduzem este confronto constante entre homem e máquina. Esta intenção é testemunhada em imagens de eléctricos que circulam muito próximos e, um plano onde aparecem montados dois edifícios, muito perto, como se confrontassem. A velocidade aumenta.
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Ilustração 118 – Montagem de dois planos de uma rua movimentada (Vertov, 1929)
Ilustração 119 – Montagem de dois planos de eléctricos (Vertov, 1929)
Ilustração 120 – Montagem de dois planos de edifícios (Vertov, 1929)
Vertov's film was, like the speeding cars, the intersecting trolleys, and spinning gears depicted in it, a high-speed machine meant to shock the viewer into empathy with the industrial age. It was a high point in early modernism's desire to wed art and the machine. (Grant et al., 1998, p. 19)
O movimento possibilita a sucessão de eventos urbanos e do processo fílmico. Consequentemente, é este que desvenda o que passa despercebido no quotidiano. ―In Vertov's film, mechanisation is the primary means through which movement and change is imagined.‖ (Pratt et al., 2014, p. 55) É através da manipulação do movimento que Vertov explora estes temas. According to Deleuze, 'the originality of the Vertovian theory of the interval is that it no longer marks a gap which is carved out, a distancing between two consecutive images but rather a correlation between two consecutive images.'" With the diminishment of the interval — the gap between frames — it is not only visibility that increases but also movement. Annette Michelson claims that Vertov's film alters the interval from an image composed of multiple separate frames to an image endowed with movement Deleuze suggests that Vertov's crucial contribution to movement is not to disrupt it but to change it. In the film we are returned to the point where the image moves from a single still image to series of images that produce movement, but not in order to evoke the material evidence carried by the still photograph. Considering this point to be the genetic element of the image, Deleuze argues that this return serves to open up a differential element of movement. Thus the interval between frames does not, as one might expect, terminate the movement but instead accelerates it and changes it. (Pratt et al., 2014, p. 60-62)
O olho sobreposto à câmara surge entre estas cenas e a câmara movimenta-se descontroladamente, como que aludindo ao ritmo desconcertante da cidade. Na década de 20 a influência do movimento na cidade era explorada em vários campos artísticos. ―Modern eyes move. Vision in Le Corbusier‘s writings is always tied to movement […].‖ (Colomina, 2007, p. 257). A velocidade frenética é também enfatizada por Vertov. O olho observa várias direcções, tal como a câmara e, numa grande aceleração, capta o ritmo das pessoas e, consequentemente, da cidade. O ritmo urbano era filmado de acordo com a sucessão de eventos do quotidiano, sem a
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necessidade de recorrer à ficção. Le Corbusier coloca em comparação, tal como Vertov, os dois instrumentos capazes de reter a realidade: o olho e a câmara. ―La base, c‘est cet appareil de physique, l‘objectif de la caméra – un oeil.‖ (Le Corbusier, 1996, p.57). Em Esprit de Vérité, o arquitecto defende que ―Le splendeur de la vie et son drame sont dans la vérité; et le cinéma, pour 90% de sa production, est mensonge.‖ (Le Corbusier, 1996, p.56). O arquitecto preferia o cinema que apurava a realidade ao invés do cinema ficcional e de entretenimento. Vertov partilha da preferência de Le Corbusier, defendendo o cinema documental. ―Kino-Eye means the conquest of space, the visual linkage of people throughout the entire world based on the continuous exchange of visible fact, of film-documents as opposed to the exchange of cinematic or theatrical presentations.‖ (Vertov, 1984, p. 87-88)
Ilustração 121 – Cidade movimentada (Vertov, 1929)
Ilustração 122 – Jardim movimentado (Vertov, 1929)
Ilustração 123 – movimentado (Vertov, 1929)
Cruzamento
―Vertov and Kaufman executed these shots with a remarkable sense for merging the medium's tendency toward the ontological authenticity of the photographed object and its unique capacity to create fantastic situations by optical means.‖ (Petrić, 1987, p. 132) As possibilidades do cinema eram assim representadas no filme. Ao mesmo tempo, Vertov apelava à plateia para que tomasse a posição do olho, visando a interpretação da cidade e do seu ritmo de acordo com os seus eventos. A rapidez com que os eventos surgem no meio urbano, é destacada quando nos deparamos com uma pessoa ferida e o homem da câmara se apressa para o local do acidente. Vemos o súbito compasso que esta pequena circunstância gerou através da ambulância e da quantidade de pessoas que rodeiam o homem ferido. A cidade é assim apresentada como um organismo que vive também de eventos imprevistos geradores de novos ritmos e ciclos. De seguida vemos imagens de pessoas em cabeleireiros e barbeiros e de mulheres a cozer, intercaladas por imagens do filme a ser montado, remetendo assim para o trabalho manual e transformador. A velocidade aumenta quando vemos uma mulher que manipula uma máquina, remetendo para o
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ritmo dos mecanismos. A aceleração do ritmo de trabalho é traduzida nas várias imagens sobrepostas, de mãos, que manipulam instrumentos.
Ilustração 124 – Mãos a manipular machado (Vertov, 1929)
Ilustração 125 – Mãos a manipular tesoura (Vertov, 1929)
Ilustração 126 – Mãos a manipular rolo de filme (Vertov, 1929)
O movimento das máquinas acompanha o movimento das ondas e de uma barragem. O homem filma tudo isto e as imagens surgem a um ritmo estonteante quando, subitamente, as máquinas param. O ritmo de trabalho cessa para dar lugar ao lazer e, agora, as pessoas aparecem na praia, onde o ritmo diminui. A água aparece agora mais calma em contraste com as cenas anteriores. Quando vemos pessoas a praticar exercício físico, obtemos uma leitura completa dos corpos e, dos movimentos que advêm das diferentes actividades físicas.
Ilustração 127 – Roda de carro (Vertov, 1929)
Ilustração 128 – Mecanismo (Vertov, 1929)
Ilustração 129 – Engrenagem (Vertov, 1929)
Man with a Movie Camera augments that single employment of the apparatus with a deliberately eneyelopedic vocabulary of devices. In Vertov's depiction of the hurdlers in the sports sequence, we once again see slow motion, though this time at varying speeds down to the point of freezing the frame. This is cinema used to read the body. (Grant et al., 1998, p. 29)
O lazer aparece assim associado a uma interrupção do ritmo frenético do trabalho. Agora, em substituição do movimento provocado pelas máquinas, observamos o movimento das pessoas. Até o homem da câmara deixa o seu instrumento de lado para relaxar na praia. Assistimos pela primeira vez ao homem separado da máquina, em todos os sentidos. A interromper esta tranquilidade surge um carrossel e um circuito de motas. A câmara, que os filma muda de direcção constantemente, não
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pára, e contemplamos o movimento a partir de duas perspectivas diferentes - a câmara filma de dentro para fora e de fora para dentro. Tudo passa pela câmara a um ritmo frenético incluindo um barco a passar pelas ondas e o vento a passar pelas árvores. De seguida, o homem surge, a uma escala maior que a real, no topo de edifícios, a filmar a cidade.
Ilustração 130 – Homem afastado da máquina de filmar na praia (Vertov, 1929)
Ilustração 131 – Montagem de homem da máquina de filmar sobre cidade (Vertov, 1929)
À medida que o filme se aproxima do final a velocidade dos eventos é cada vez mais manipulada. O ritmo começa a ser estonteante e a ordem dos eventos revertida. A plateia surge e o tripé da câmara parece ganhar vida, ao mover-se de modo autónomo, enquanto o público o observa. ―In Man with a Movie Camera's climactic sequence, it is the editing between the audience watching the film and the images on the screen that links us, as viewers, with the viewers within the film.‖ (Grant et al., 1998, p. 29) Surgem bailarinas, um piano a ser tocado, aviões, veículos e telefonistas – as máquinas regressaram. As pessoas são filmadas a assistir ao filme nos seus lugares e, o homem da câmara aparece a filmar em direcção à tela, como que a olhar para elas. Montagens de imagens que demonstram o ritmo urbano são intercaladas por imagens da audiência.
Ilustração 132 – Plateia a assistir a filme (Vertov, 1929)
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Ilustração 133 – Homem a filmar na direcção da plateia (Vertov, 1929)
Ilustração 134 – Montagem de homem da máquina de filmar sobre a multidão (Vertov, 1929)
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O teatro Bolshoi52 aparece como que a desmoronar, através da montagem. For instance Moscow's Bolshoi Theatre, which is famously split apart in the film, is conjoined with scenes of trams shot in Odessa." The filming itself conjoins all kinds of urban spaces: interiors and exteriors, above and below ground, in the dark and in the daylight, of leisure and of work. The process of editing the footage is where one expects assemblage, and is thus where debate about the film's unorthodox approach to montage has been located." (Pratt et al., 2014, p. 30)
Ilustração 135 – Sequência de imagens que mostra o Teatro Bolshoi a desmoronar - Imagem 1 (Vertov, 1929)
Ilustração 136 – Sequência de imagens que mostra o Teatro Bolshoi a desmoronar - Imagem 2 (Vertov, 1929)
Ilustração 137 – Sequência de imagens que mostra o Teatro Bolshoi a desmoronar - Imagem 3 (Vertov, 1929)
Os locais exibidos anteriormente, são revisitados, desta vez já com o conhecimento do filme a ser exibido na tela. Agora, a um ritmo muito acelerado, vemos as pessoas a percorrer as ruas. Um ritmo frenético entre veículos e pessoas é intercalado por imagens da plateia, dos olhos de uma pessoa e de rolo fílmico.
Ilustração 138 – Circulação de pessoas e veículos num cruzamento (Vertov, 1929)
Ilustração 139 – Veículos que deslocam numa rua (Vertov, 1929)
se
Ilustração 140 – Circulação de pessoas na cidade (Vertov, 1929)
Por fim, o olho é sobreposto à lente da câmara que apreende todo este movimento, fundindo-se com a plateia. The final image — just like the opening one — relates to the cinematic process: as the iris slowly closes, the superimposed eye continues to stare at the viewer, perceptually ready to "arm" itself with the camera lens and capture "life-unawares." (Petrić, 1987, p. 119) 52
O teatro Bolshoi é um edifício do século XIX, localizado em Moscovo. Considerado um dos símbolos da Rússia, foi construído para acolher artes performativas e eventos, tendo sofrido diversas reconstruções ao longo dos séculos.
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Ilustração 141 – Olho sobreposto à objectiva aberta (Vertov, 1929)
Ilustração 142 – Olho sobreposto à objectiva em movimento (Vertov, 1929)
Ilustração 143 – Olho sobreposto à objectiva fechada (Vertov, 1929)
A interacção dos elementos evocadores de movimento, reforça a leitura cinemática do filme. Através de planos sobrepostos, avanços e recuos da velocidade e do aumento ou da diminuição da mesma Vertov explora as possibilidades do cinema enquanto meio comunicativo. ―Of course, many of the shots' formal elements affect the viewer on a subliminal level; these abstract shot compositions constitute an "absolutely visual" and "universally accessible" means of communication, to use Vertov's terminology, and convey messages in purely cinematic terms.‖ (Petrić, 1987, p. 137) O realizador desconstrói o tempo e monta-o à sua maneira com o objectivo de o enfatizar perante a plateia. Ele sintetiza o infinito ritmo urbano na duração do filme. Kino-eye plunges into the seeming chaos of life to find in life itself the response to an assigned theme. To find the resultant force amongst the million phenomena related to the given theme. To edit; to wrest, through the camera, whatever is most typical, most useful, from life; to organize the film pieces wrested from life into a meaningful rhythmic visual order, a meaningful visual phrase, an essence of ―I see.‖ (Vertov, 1984, p. 88)
Vertov não utilizava estes intervalos apenas para intensificar cenas, mas, também para construir sequências de inter-relações entre elementos. Because the ontological authenticity of The Man with the Movie Camera is preserved in individual shots, even the most deconstructed sequences are not divorced from reality. The viewers are constantly reminded of the actual existence of events within an environmental context, even though the nonlinear progression of these events forces the spectators to establish for themselves a new spatiotemporal relationship among the objects and characters. On a psychological level, this self-referential aspect of the film generates a feeling of "estrangement" (defamiliarization) by showing everyday objects and events from unusual perspectives, thereby making the viewers more consciously aware of them. (Petrić, 1987, p. 119)
Deste modo, o processo de realização do filme é comparado ao modo como o ritmo do quotidiano progride. A diferença entre os dois reside numa leitura mais evidente da realidade, através da sua distorção, proporcionada pelo cinema.
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If there is a narrative path it is about a process of assemblage through which cinema and urban space are shown to be inter-twined and to hold critical potential. The idea of gathering material from the actual world, bringing these materials together in a new conjunction and dispersing them outwards works at every level and at every stage of the film. […] As is well known, the film uses footage from various cities in Russia, which are then brought together into an assemblage of one city." (Pratt et al., 2014, p. 30)
Vertov monta e desmonta a cidade consoante o que pretende revelar dela. Aos planos que correspondem à localização do filme ele adiciona outros, de outras cidades. Estas sequências têm o objectivo de reforçar eventos no decorrer da narrativa. O olhar abrange uma escala muito maior que a dos seus limites físicos. O objectivo com que Vertov o manipula remete às intenções de Le Corbusier, demonstradas na sua obra Villa le Lac. O exterior existe e a direcção e a velocidade em que as circunstâncias decorrem, são aprisionadas, pelo nosso olhar, segundo um intermediário – a câmara ou a janela - que tem a capacidade de o manipular. O assunto é a percepção, é a leitura do exterior e a sua manipulação. Deste modo, Vertov amplifica o papel de cenas comuns do quotidiano com o objectivo de as relacionar com o sistema urbano. O ritmo em que estamos incluídos torna-se assunto para a nossa percepção. O cinema e os processos que este inclui vêm despertar a consciência da realidade. ―Finally there is the assemblage produced by the film's audience, which is shown watching the film and comparing it to life in the world.‖ (Pratt et al., 2014, p. 30) Ao mesmo tempo que Vertov coloca em comparação dois eventos, o público coloca-os em comparação com a realidade. Vertov utiliza o tempo como ferramenta de manipulação da realidade e, consequentemente, como um meio comunicativo. ―Gilles Deleuze goes as far as to claim that cinema through its evolution has made time visible on the screen, and that together they have 'put the notion of truth into crisis'.‖ (Pratt et al., 2014, p. 57) A montagem, ou seja, a manipulação do tempo, da localização e dos eventos que decorrem, revela ser a ferramenta crucial para o trabalho de Vertov, posteriormente explorada por outros realizadores como Sergei Eisenstein. Vertov's 1928 Man mith a Movie Camera banks on this conception by experimenting with movement through speed, continuity, repetition and reversal. Moreover, this notion is made visible through the intersection of dynamic movement and transformation, be it between the human and the mechanical, or the urban and the cinematic. Gilles Deleuze noted: 'the essense of the cinematographic movement-image lies in extracting from vehicles or moving bodies the movement which is their common substance, or extracting from movements the mobility which is their essence'. (Pratt et al., 2014, p. 58)
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A combinação dos elementos ―velocidade, continuidade, repetição e reversão‖, permite novas interpretações e significados. As sequências a que assistimos no filme traduzem a complexidade que os novos ritmos traziam à cidade e, às pessoas. Vertov selecciona momentos relevantes deste continuum e monta-os de maneira a tornar este facto evidente. The city and the cinema are already conjoined in early debates on the time of modernity. Cinematic time was initially conceived as bodily movement, a notion developed in film's experimentations within urban space; together film and urban space forged a critique of industrial modernisation by revealing capitalism's imposition of measured time on the body. (Pratt et al., 2014, p. 57)
Ilustração 144 – Olho que observa o ritmo frenético da cidade que a câmara capta (Vertov, 1929)
Ilustração 145 – Cidade filmada através da câmara em movimento (Vertov, 1929)
Ilustração 146 – Cidade filmada através da rotação da câmara (Vertov, 1929)
O papel da narrativa no cinema toma um novo sentido, anteriormente explorado apenas por Kuleshov. A narrativa deixa de depender estritamente de um enredo ficcional, criado para atribuir sentido ao que se pretende contar, para, agora ser criada a partir de elementos reais como o quotidiano e a cidade. Sendo que, os eventos e as suas consequências dependem apenas destes elementos, o cinema vinha agora mostrar que funcionava do mesmo modo e que, era possível tomar uma postura crítica sem recorrer a actores e cenas ficcionais. O espaço urbano e os seus eventos eram conteúdo suficiente para a produção do que até então se baseava maioritariamente na ficção. Porém, experiências que documentavam a vida tal como ela é, eram recorrentes no cinema, embora o filme Man with a Movie Camera tivesse ido mais longe. Vertov utilizou esta base documental, tal como Le Corbusier utilizava as fotografias, para criar algo novo. O processo criativo, de adicionar e criar sobre, é o mesmo para ambos que se servem da realidade para produzirem as suas ideias. Um processo criativo que, através da manipulação, evidencia uma realidade que ambos pretendiam evocar. Exemplos de filmes documentais que têm o objectivo comum de
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explorar a vida urbana são: Paris qui dort (1924)53 de René Clair54, Berlin, Symphony of a Great City (1927)55 de Walter Ruttmann56, Skyscraper Symphony (1929)57 de Robert Florey58 e Douro, Faina Fluvial (1931)59 de Manoel de Oliveira60. Unlike Walter Ruttmann's Berlin: Symphony of a Great City (1927), we are not viewing the cinematic portrait of one place. Vertov shows us a city of cinema, a composite of all the observational images the editor has at her disposal. Also unlike Ruttmann's film, we are continually reminded that the time frame of Vertov's work is not natural but cinematic; we are not working from sunrise to sunset but to the beat of the apparatus. Man with a Movie Camera is framed by a screening—of Man with a Movie Camera! (Grant et al., 1998, p. 28)
Man with a movie Camera encontra-se mais próximo da obra de René Clair que revela as possibilidades da manipulação do tempo no cinema, tal como Vertov, embora de modo diferente. ―The overt disruption of bodily time and by implication of narrative sequence that would follow was enabled by how new exchanges between film and urban space made visible the uncertainties of memory and the fallacies of established history.‖ (Pratt et al., 2014, p. 57) O ritmo da cidade está frequentemente associado ao ritmo do filme. Avanços e recuos no tempo são utilizados para remeter a determinados eventos. A cidade está repleta de sequências de longa duração que são motor para outras circunstâncias. Somos constantemente confrontados com a temporalidade e a sua influência no quotidiano e na cidade.
53
Paris qui dort (1924) é um filme realizado por René Clair. A cidade de Paris é nos apresentada através de uma narrativa em que a velocidade e planos são manipulados. A obra trata o conceito de tempo aliado à vida urbana, oferecendo uma leitura única da capital francesa. 54 René Clair (1898 – 1981) foi um realizador francês conhecido pelo seu trabalho no cinema mudo, humorístico e surrealista. A sua obra estabeleceu-o como um dos líderes da corrente avant-garde. Marcel Duchamp, Erik Satie, Francis Picabia e Man Ray são alguns dos nomes com quem trabalhou. Realizou Entr'acte (1924), Paris qui dort (1924), À nous la liberté (1931) entre outros. 55 Berlin: Symphony of a Great City (1927) é um filme alemão realizado por Walter Ruttmann. O filme corresponde ao género sinfonia urbana, apresentando a capital alemã através de uma sucessão de eventos que oferecem uma leitura progressiva da vida urbana. 56 Walter Ruttmann (1887 - 1941) foi um realizador alemão que trabalhou sobretudo na área do cinema experimental. Estudou arquitectura, pintura e trabalhou como designer gráfico. Realizou Berlin: Symphony of a Great City (1927), Acciaio (1933), Düsseldorf (1936) entre outros. 57 Skyscraper Symphony (1929) é uma curta-metragem realizada por Robert Florey. A obra apresenta-nos Manhattan com especial incidência nos arranha-céus característicos da cidade. 58 Robert Florey (1900- 1979) foi um realizador franco-americano. O estilo expressionista avant-garde marcou o início da sua carreira. Realizou Skyscraper Symphony (1929), I Am a Thief (1934), Rogues' Regiment (1948) entre outros. 59 Douro, Faina Fluvial (1931) é um filme-documentário de curta duração realizado por Manoel de Oliveira que nos apresenta a zona ribeirinha do Douro. A obra é influenciada pelo panorama internacional da vanguarda cinematográfica constituindo um retrato da cidade, em especial do ritmo de trabalho portuense. 60 Manoel de Oliveira (1908 - 2015) foi o mais notável cineasta português. Os planos de longa duração, o detalhe da luz, dos espaços e dos movimentos dos personagens, a teatralidade que confere às cenas são algumas das características que o distinguem no panorama cinematográfico português. Realizou Douro, Faina Fluvial (1931), A Divina Comédia (1991), Vale Abraão (1993), Singularidades de uma Rapariga Loura (2009) entre outros.
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Bergson argues that time is duration, which means it is always in transition, has no fixed points from which to assess it, and can only have indirect visibility. This is in opposition to the claim that cinema, like photography, holds the potential to capture and store time as in an archive.' Ironically, this link between still image and film eventually brought about the recognition that film as archive would evoke the loss of time as much as its storage. After all, the dynamic processes of forming and deforming urban space captured in film would remain, like those of moving bodies, on the screen long after they had vanished from the world. Even so, the idea of film as continuity became dominant. Cinematic 'real time' was established as the norm once the emergence of sound film regularised the speed of 35mm film to be twenty-four frames per second. Before 1930, films were shot at variable speeds and thus when projected appeared fast or slow in relation to the perceived time of the human body." Conceptually 'real time' suggests no lack or loss of time, even though as Doane explains, 'much of the movement or the time allegedly recorded by the camera is simply not there, lost in the interstices between frames'." (Pratt et al., 2014, p. 58-59)
A percepção é tema e ferramenta da obra, sendo que ela é evocada para a leitura da mesma. Tal como Le Corbusier, Vertov aprisiona a realidade na dimensão da tela e, a maneira como o faz, transforma a leitura da mesma. O objectivo que Le Corbusier perseguia quando desenhou um vão de onze metros para a Villa Le Lac, Vertov alcança com o cinema, através das suas possibilidades para além da realidade. Le Corbusier encontrava-se limitado, relativamente ao cinema, porque os instrumentos da arquitectura são reais, por mais que tentem mascarar a realidade ou evocar a ficção. Podemos considerar que o processo criativo que resultou na Villa Le Lac foi levado ao limite por Vertov, que tinha a possibilidade real de manipular o tempo e o sítio. Onde Le corbusier tinha apenas o poder de sugerir através da manipulação, Vertov transformava e deformava sem restrições. Vertov aprisiona a realidade do quotidiano durante os sessenta e oito minutos que constituem a duração do filme. Evocar um significado da realidade para além do que esta oferece foi o objectivo explorado em ambas as obras. O tempo real que testemunhamos – as vinte e quatro horas que compõem um dia – são manipuladas. Nos seus escritos, Vertov defende as possibilidades de manipulação do tempo que o cinema oferece. ―Kino-eye is the documentary cinematic decoding of both the visible world and that which is invisible to the naked eye.‖ (Vertov, 1984, p. 87) A manipulação da ordem e duração de determinada sequência permite dar relevo a determinado evento. A realidade condicionada pelo tempo a que decorre é deste modo enfatizada de modo a se tornar mais evidente para o espectador. ―Kino-eye means the conquest of time (the visual linkage of phenomena separated in time). Kino-eye is the possibility of seeing life processes in any temporal order or at any speed inaccessible to the human eye.‖ (Vertov, 1984, p. 88)
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Somos confrontados com uma nova temporalidade dentro da que vivemos. Quando Le Corbusier emoldura a paisagem através da sucessão de doze frames (janelas), pretende aprisionar o tempo de modo a enfatizá-lo. Revela-nos a influência que o decorrer do tempo tem no espaço através da separação do vão horizontal em vários elementos. A mesma paisagem oferece, deste modo, várias leituras. Este objectivo é radicalizado na obra de Vertov quando recorre à adição de fragmentos de outras cidades para explorar a sociedade soviética. Porém, Le Corbusier alcança o mesmo objectivo sendo que cada plano emoldurado é limitado à sua existência, ou seja, podemos focar-nos num só frame e posteriormente inseri-lo numa leitura completa da paisagem que o vão permite. ‗Real time', inextricably linked to a normalized notion of bodily movement, proved highly problematic to early advocates of the political potential of film precisely because it was deemed to be inconsistent with the time imposed by urban modernity. For Walter Benjamin and others, montage, in which the cut in the film is made explicit and disrupts any sense of a continuous shot, was a product of film's own apparatus. The postproduction editing process, in which separate frames are spliced together and thus affect each of the newly conjoined images, captured a sense of time not limited to the here and now. Benjamin famously argued for a dialectical approach to montage, in which spatial disjunctures of film are developed and serve to re-order the implied temporal sequence. In this instance, the potential of film was not simply that it represented an already existing modern experience of time and space, but that it could serve to change it. In effect, film could disrupt an all too familiar everyday by making it seem strange, as well as unhinge established hierarchies of space and time. (Pratt et al., 2014, p. 59)
Como foi abordado no subcapítulo sobre a Villa le Lac, a lente serve de intermediário entre o observador e o observado. É ela que transforma o observado para uma consequente interpretação do observador. Uma mecanismo estático que captura o movimento e que, a partir deste, concebe uma narrativa. O que o olho retém e mais tarde evoca na memória (fiel à realidade ou transformada pelo cérebro), a câmara captura de modo a tornar perpétua uma imagem real e a tornar visível a sua transformação. A imagem é explorada de modo a poder ser contemplada por todos. Não se detém apenas no nosso cérebro – susceptível à nossa interpretação - para agora ser visível e susceptível para o colectivo. As imagens que advêm da realidade que experienciamos são condicionadas ao tempo real – as vinte e quatro horas que compõem um dia. Por outro lado, a leitura cinemática de determinado momento é controlada e explorada através dos meios que o cinema oferece. A memória que temos de determinado momento condiciona a leitura de algo que nos é exibido, de modo a recorrermos a determinados ritmos que associamos ao quotidiano.
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A possibilidade que o cinema tem de evocar e explorar esses compassos sugere, deste modo, novas interpretações da realidade. Este, constitui um dos objectivos que Vertov tinha em mente na sua obra. ―Vertov emphasized that his film is not a mere demonstration of cinematographic technique or the craft of editing, but an attempt to create a "film-thing" that will convey a particular meaning and generate enough kinesthetic energy to affect the viewer's consciousness.‖ (Petrić, 1987, p. 130) A manipulação da velocidade criava uma leitura para além do momento presente e, juntamente com a montagem, tornava evidentes as consequências de determinados eventos. O carácter analítico do filme revelava o papel do Homem enquanto agente crítico e participativo da sociedade e da vida urbana. Vertov não partilhava apenas o seu ponto de vista, convidava também o espectador a explorar o seu. O cinema revelava ser um meio reflexivo e comunicativo ao invés de se limitar à obra de espectáculo e entretenimento. He insisted that his film be seen as neither a merely "fascinating collection" of "lifefacts," nor just a "symphonic interaction" of shots, but as an integration of both: […] Visual documents are combined with the intention to preserve the unity of conceptually linked pieces which concur with the concatenation of images and coincide with visual linkages, dependent not on intertitles but, ultimately, on the overall synthesis of these linkages in order to create an indissoluble organic whole. (Petrić, 1987, p. 130)
Os ideais de Vertov resultavam assim numa nova abordagem formal do cinema. O aspecto formal da obra era um meio para a sua leitura. Adhering to the constructivist principle that a work of art is like a "building" unified by the cinematic integration of its numerous components, Vertov regarded every aspect of his film as inherently significant because each part would affect the viewer by its own force and acquire its proper meaning through its interaction with other elements and their combined or total relation to the photographed event. Thus, the shot's formal (pictorial) outlook becomes the "aesthetic fact" contributing to the diegetic meaning of the film's "indissoluble organic whole," its overall montage structure, which integrates its thematic ideological meaning and its formal/cinematic execution. (Petrić, 1987, p. 130)
Através do cinema, Vertov revela as transformações inerentes ao ritmo urbano e faz com que as relacionemos com o nosso modo de viver e o quotidiano. O controlo do tempo e do que nos rodeia é feito através de processos diferentes. Através de uma casa, Le Corbusier abre uma janela para o mundo que condiciona a sua leitura. Vertov persegue o mesmo objectivo, através do cinema, que permite uma manipulação sem restrições.
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3.2. MICHELANGELO ANTONIONI - L’ECLISSE (1962): OBRA COMO INSTRUMENTO DENUNCIADOR DE UMA CONDIÇÃO No filmmaker has used architecture to greater effect than Michelangelo Antonioni, who studied architecture before becoming a film director and remained fascinated by the built world throughout his career. Many of his films depict famous buildings or sites, and several feature architects as characters. Nevertheless, the larger statement Antonioni makes about architecture has less to do with buildings designed by famous architects than with the expanses and particles of building and landscape. (Lamster, 2000, p. 197198)
Ilustração 147 – Storyboard de eventos relevantes do filme L'Eclisse (Ilustração nossa, 2015)
Neste subcapítulo propõe-se estabelecer uma relação entre arquitectura e cinema sustentada no diagnóstico que o realizador faz da cidade, manifestado na sua obra. Deste modo, propõe-se o entendimento da obra cinematográfica como uma exposição das patologias da sociedade e da cidade. O cinema e a arquitectura como meios denunciadores de uma condição, é o tema exposto. O modo como esta temática se cruza nas duas formas de arte, complementando-as, reforça assim os paralelismos propostos. L'Eclisse (1962), da autoria de Michelangelo Antonioni, explora o tema ―alienação‖, através dos comportamentos humanos, da cidade e da sociedade moderna. Esta temática não é novidade na obra do realizador, tendo sido anteriormente explorada nos filmes L'Avventura (1960)61 e La Notte (1961)62 e, posteriormente, em Il Deserto 61
L'Avventura (1960) foi realizado sob condições extremamente difíceis. As filmagens decorreram na ilha deserta de Lisca Bianca. O enredo revela-nos a relação inconstante entre o arquitecto Sandro e Anna. Numa viagem de iate a jovem desaparece numa ilha. As intensas buscas não têm sucesso fazendo com que Sandro e a melhor amiga de Anna regressem à cidade. Apaixonam-se. Porém, a incerteza relativa ao seu comportamento, cresce face ao acontecimento trágico. Antonioni elaborou deste modo, uma crítica à moralidade inflexível da sociedade moderna, onde os seus comportamentos desafiam valores antiquados e inadequados. 62 La Notte (1961) foi filmado em Milão. O tema do enredo assemelha-se ao de L'Avventura, diferenciando-se pela insistência de um casal em manter-se junto, embora com problemas visíveis. Ambos insatisfeitos com o casamento, interessam-se por outras pessoas. Mais uma vez, o meio social em que os protagonistas vivem oferece-nos as razões para o seu comportamento. O ambiente urbano é
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Rosso (1964)63. Os protagonistas do filme são Vittoria e Piero, interpretados por Monica Vitti e Alain Delon, respectivamente. [...] aquilo a que hoje cada vez mais se dá o nome de cinema moderno: quer dizer, um cinema que não se preocupa tanto com aquilo a que poderíamos chamar os factos externos, aquilo que aconteceu, mas sim aquele que volta a sua atenção para as causas que nos levam a agir de uma determinada maneira em vez de uma outra. E este é precisamente o ponto importante: os nossos actos, os nossos gestos, as nossas palavras, não são mais do que as consequências de uma posição pessoal relativamente às coisas deste mundo. (Antonioni et al., 1968, p. 86-87)
O início do filme L'Eclisse revela-nos a separação de um casal que traduz, de imediato a tensão motivada pelas dificuldades de comunicação e de estabelecer relações com pessoas, objectos e lugares. Durante a cena, ficamos a conhecer a ocupação de Vittoria - traduzir textos para o seu namorado escritor. Ao longo da obra, é esta personagem que traduz, através da sua linguagem corporal, a crise de valores que aquele contexto social e cultural apresentam. [...] Evidentemente, quando escolho a profissão das personagens dos meus filmes sei muito bem que é que estou a fazer. Escolho intelectuais, sobretudo, porque são aqueles que têm mais consciência daquilo que lhes acontece; uma intuição mais subtil através da qual posso filtrar a realidade que me interessa exprimir, quer exterior, quer interior. São sobretudo figuras através das quais, mais do que através de quaisquer outras, possa dar os sintomas da crise que me interessa descrever. (Antonioni et al., 1968, p. 120)
Através de Vittoria sentimos a incomunicabilidade e a alienação, que convergem no fim deste relacionamento. Vittoria parece querer fugir de Riccardo64, do seu apartamento moderno e de todos os objectos que lá se encontram. Porém, numa tentativa de combater o desejo de evasão, recorre à manipulação dos objectos que a incomodam e dirige-se constantemente para janelas, concebendo assim uma escapatória virtual. Sobre a personagem de Vittoria, Antonioni diz ―[...] É o duma mulher lúcida, e portanto inquieta perante tantos sinais de loucura do nosso mundo perturbado.‖ (Antonioni et al., 1968, p. 57). O comportamento de Vittoria remete-nos para o retrato de uma mulher consciente, que não se adapta nem se conforma. O seu também testemunha da crise dos personagens e da sociedade no geral, tema frequentemente explorado na obra de Antonioni. 63 Il Deserto Rosso (1964) marca a primeira experiência de Antonioni na cinematografia a cores. O filme passa-se na cidade industrial de Ravena, onde testemunhamos a vida problemática de um casal. Giuliana (Monica Vitti) é uma atormentada dona de casa, em recuperação, após uma tentativa de suicídio. Casada com um engenheiro industrial, vivem nas proximidades da fábrica. O ambiente industrial e a incompreensão do marido despertam nela uma desarmonia que a leva a procurar outros ambientes e outra pessoa. 64 Riccardo, o namorado de Vittoria com o qual ela tenta terminar a relação no início do filme.
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comportamento representa a sua revolta perante o que a rodeia. Porém, a sua inquietação não encontra tranquilidade ao deparar-se com o exterior. Ao invés de encontrar uma evasão serena, depara-se com uma paisagem estranha, composta por uma torre de água65 de formato peculiar, que se revela estranha e reforça o seu desassossego. ―[...] Antonioni fixes architecture as a means of constructing the mood of the film.‖ (Lamster, 2000, p. 199) A fragilidade e desconforto - que a paisagem lhe sugere -, espelham a relação entre as personagens. Ao longo da obra, a paisagem, os edifícios e as ruas condicionam as atitudes e os comportamentos dos protagonistas e da sociedade.
Ilustração 148 – Vittoria avista a torre de água através de uma janela (L'Eclisse, 1962)
Ilustração 149 – Il fungo na paisagem (L'Eclisse, 1962)
Tudo é sempre desejado, nunca há nada de acidental. A relação actor-ambiente é importantíssima, porque me confio precisamente ao ambiente de maneira a conseguir para cada cena um máximo de eficácia, ou um máximo de sugestão. É evidente que o cenário está ligado à personagem. (Antonioni et al., 1968, p. 113)
O papel desempenhado pela paisagem, é deste modo tão importante como o dos protagonistas. A paisagem não é filmada apenas como cenário de um enredo, mas como um dos elementos reveladores da narrativa. Estas imagens na sua composição, revelam os sentimentos das personagens, nomeadamente a dificuldade em estabelecer laços. As sequências que Antonioni cria, alertam-nos para o drama dos protagonistas mas, sobretudo, levam-nos a questionar o comportamento da sociedade moderna. [...] Antonioni, que pertence inegavelmente à categoria dos grandes criadores de imagens, atinge aqui um perfeito acordo entre a descrição externa e a descrição dos sentimentos, das suas mutações, um equilíbrio e uma unidade entre os ambientes e os ânimos: o seu estilo patenteia-se tanto sob como dentro destas imagens num 65
Il Fungo, uma torre de betão da autoria de R. Colosimo, S. Varisco, A. Capozza e A. Martinelli destacava-se da restante edificação de Roma pela sua cota de 50 metros. Actualmente funciona como um restaurante que oferece uma vista panorâmica sobre a cidade.
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movimento interior que «adopta as suas regras e a sua ordem: a ordem e o movimento dos próprios pensamentos» (Flaubert). Esta coerência estilística é aperfeiçoada, mas não muda em Antonioni: agora, ele diferencia o ritmo das frases, da montagem sintética passa à montagem analítica, mas continuamos a ter a mesma impressão de «monotonia». (Antonioni et al., 1968, p. 49-50)
Parte da crítica que Antonioni faz ao modo de viver moderno é exposta através de cenas onde a estaticidade dos objectos é interrompida através do movimento que Vittoria lhes confere. Exemplo disto, encontra-se numa cena filmada de modo a observarmos a inércia de umas pernas de cadeira, contrariada pelo movimento das pernas de Monica Vitti. ―[...] O que me interessa presentemente é pôr a personagem em contacto com as coisas, porque são as coisas, os objectos, a matéria, que têm peso hoje em dia. [...]‖ (Antonioni et al., 1968, p. 137) Os objectos que são reposicionados por Vittoria no enquadramento de uma moldura, e a sua constante circulação pela casa em contraste com a apatia de Riccardo, evidenciam a tensão no ambiente presente.
Ilustração 150 – Pernas de cadeiras e pernas de Vittoria paradas (L'Eclisse, 1962)
Ilustração 151 – Pernas de cadeiras e pernas de Vittoria em movimento (L'Eclisse, 1962)
Ilustração 152 – Vittoria reposiciona objectos enquadrados numa moldura (L'Eclisse, 1962)
Ilustração 153 – Objecto enquadrado por Vittoria numa moldura (L'Eclisse, 1962)
O enquadramento de Vittoria em portas, paredes, janelas e outros elementos no plano, é rapidamente contrariado pelo movimento da personagem. ―The numbing effects of
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materialism on the human condition is the principal theme of L’eclisse.‖ (Lamster, 2000, p. 209) Vittoria rejeita a sensação que estes elementos inanimados (estranhos e desajustados) lhe transmitem. A protagonista apercebe-se do papel secundário que o homem assume perante estes elementos e rejeita-os, através do movimento, do ajuste de posição e da procura do que está para além do espaço onde se encontra. A imposição de objectos e símbolos, que advém da sociedade moderna, funciona como obstáculo às relações humanas, que assim convergem no silêncio, na evasão e na solidão. [...] procurei sempre tentar dar, através de um particular cuidado com a forma, uma maior sugestão à imagem, para conseguir, isso sim, que uma imagem construída de uma determinada maneira me ajudasse a dizer aquilo que com esse enquadramento pretendia dizer a ajudasse a própria personagem a exprimir aquilo que devia exprimir, além de me servir para criar uma determinada relação entre personagem e fundo, que dizer, aquilo que está por detrás da personagem. (Antonioni et al., 1968, p. 82)
Ilustração 154 – Close-up de Vittoria encostada a uma porta (L'Eclisse, 1962)
Ilustração 155 – Vittoria enquadrada numa porta (L'Eclisse, 1962)
Ilustração 156 – Vittoria abre cortinas (L'Eclisse, 1962)
Ilustração 157 – Vittoria contempla o exterior (L'Eclisse, 1962)
O enquadramento nestas cenas, através de objectos e elementos arquitectónicos, revela-se essencial para o nosso entendimento dos sentimentos da personagem.
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Antonioni serve-se da espacialidade, que a arquitectura promove, no sentido de expôr o assunto da sua obra. Na cena seguinte, o ritmo altera-se por completo, revelando de outro modo, a incomunicabilidade e a desconexão sentidas por Vittoria. O edifício onde a protagonista se encontra - Templo de Adriano, construído como tributo ao imperador Adriano -, outrora um templo que serviu de homenagem ao Homem e ao Divino, é agora lugar de um ritmo alucinante onde os homens se debatem por dinheiro – a bolsa de Valores de Roma66. As gigantescas colunas que sustentavam esta homenagem, sustêm agora uma actividade frenética do mundo moderno. Vittoria entra no edifício à procura de sua mãe, encontrando-a envolvida neste ritmo alucinante. É aqui que a protagonista conhece Piero, um jovem corretor da Bolsa consumido por este mundo. O contraste entre antiguidade e modernidade representa, na obra, o choque de valores característicos das suas épocas. A finalidade actual do templo contrasta com o desígnio da sua construção, do mesmo modo que o estado emocional de Vittoria, naquele espaço, contrasta com o de sua mãe e de Piero. O mundo da Bolsa, com as suas explosões loucas, o agitar de milhões astractos, a trágica paixão dos seus frequentadores, constitui o coração mesmo da vida de Piero. Em contrapartida, espanta e apavora Vittoria. Entre estes dois seres nasce o amor. Quando eles se lhe abandonam, sentem a profundidade da sua paixão. Ao encontro que então combinam nem um nem outro virá: lucidamente, recusam um amor cuja própria potência os assusta, que constituirá para eles menos uma exaltação que um obstáculo cuja saída necessariamente fatal os deixará magoados, feridos para toda a vida. Nunca Antonioni tinha ido tão longe na sua crítica da fragilidade, da inutilidade do amor do homem moderno. (Antonioni et al., 1968, p. 53-54)
Ilustração 158 – Exterior da Bolsa de Roma (L'Eclisse, 1962)
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Ilustração 159 – Interior da Bolsa de Roma (L'Eclisse, 1962)
Borsa di Roma
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A protagonista falha sucessivas tentativas de comunicar com a mãe, neste cenário de ritmo alucinante. Subitamente, este ritmo cessa por um minuto para apresentar condolências a uma figura conhecida da bolsa. No decurso deste minuto, Piero comenta com Vittoria, que um minuto inerte representa a perda de milhões demonstrando uma enorme frieza em relação à circunstância. Nesta cena observamos os protagonistas separados por uma gigantesca coluna que traduz o colapso da comunicação, provocado pelo distanciamento entre os homens e os seus valores. This hypostyle hall is no longer a sacred grove, the center for community it would have been in the past. Instead, the thick columns of the stock exchange stand as mute reminders of an ancient world covered by the sands of accumulation. In a frequently analyzed shot, the columns actually divide Vittoria from her potential new lover, Piero. Here as elsewhere in Antonioni's films the life and solidity of historic buildings are bent and broken by the derangements of modern society. (Lamster, 2000, p. 205)
Ilustração 160 – Vittoria e Piero comunicam separados por uma coluna (L'Eclisse, 1962)
Ilustração 161 – Vittoria e Piero separados por uma coluna (L'Eclisse, 1962)
Quando termina o minuto de silêncio, uma explosão de gritos e gestos irrompe como se a homenagem nunca tivesse ocorrido. Antonioni sublinha assim, o comportamento de desprezo pelo Homem num lugar construído em tempos, para O louvar. O contraste entre vazio e cheio aponta na mesma direcção. Os passeios solitários de Vittoria e as cenas na Bolsa de Roma representam os antagonismos que se dirigem para o que a incomunicabilidade e a alienação têm em comum. Os senhores da comunicação, da modernidade e do dinheiro, estão tão ou mais alienados do que Vittoria. O tumulto de pessoas que gritam números entre si, representa com rigor a transformação de valores que surgiu na sociedade moderna e as suas consequências inevitáveis. O envolvimento das personagens pertencentes ao mundo da Bolsa revelanos o seu distanciamento do mundo real. O efeito dormente deste mundo material encaminha as personagens para a sua fatalidade, quando perdem elevadas quantias
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monetárias. Esta situação denuncia a subordinação dos habitantes da cidade às práticas modernas.
E.U.R Ao longo da História, a arquitectura desenvolveu a sua visão no sentido de conceber lugares acolhedores, que conferissem um sentido de pertença ao indivíduo, evitando a exclusão e a alienação. A arquitectura a que assistimos na obra de Antonioni - o bairro E.U.R67 - é um dos exemplos opostos a essa ambição. O subúrbio modernista assinala uma época em que as preocupações elementares da arquitectura foram esquecidas em prol da pretensão individual. O bairro visionado por Mussolini foi construído no seio do património romano - desprezando o seu valor – aspirando a uma escala ostensiva. Mesmo quando a acção se desenrola no centro histórico, é a modernidade que impera sobre o passado e o valor que este tem. A imponência que o espaço da Bolsa sugere é alimentada pela actividade frenética que acolhe, e não pela serenidade de outros tempos. In L'eclisse, the past offers no comfort whatsoever. Much of the film alternates between the modern environment of EUR and the old city of Rome. Yet the contrast here is not one of modern alienation and traditional community. To the contrary, the scenes in Rome‘s narrow streets and, especially, at its stock exchange reinforce the notion that the commodification and senselessness of modern life has penetrated every nook and cranny of the historic city. (Lamster, 2000, p. 205)
Os planos que nos mostram ruas e edifícios sugerem uma continuação infindável. Contemplamos ruas largas - onde não existe qualquer tipo de movimento - sem que avistemos os seus limites. A sua dimensão sugere-nos uma utilização inadequada ao momento. As pessoas que se movimentam pela cidade, parecem deslocadas fazendo sobressair o vazio. ―[...] A necessidade de não deixar lugar ao silêncio, de preencher
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No contexto de um regime fascista implantado em Roma, o seu líder, Mussolini, pretendia organizar a Exposição Universal de Roma, em 1942. Este evento alimentou a criação um projecto de transformações urbanas de grande escala. Estas intervenções, na periferia sul do centro, iriam ostentar o progresso e a universalidade de Roma, resultando num crescimento exponencial da capital. A data da exposição coincidia com a celebração do vigésimo aniversário da Marcha sobre Roma, podendo assim ilustrar as aspirações de um regime político consolidado através do simbolismo imagético. A intervenção apontava para o mar na área sudoeste da periferia, simbolizando o desejo de conquista. Áreas como estas, por se verificarem vazias, receberiam projectos que ilustrassem o trabalho dos melhores arquitectos italianos. Esta exposição não foi pensada como uma intervenção temporária, pelo contrário, foi construída com a finalidade de demonstrar o poder eterno e universal que o sistema político de Mussolini pensava possuir.No entanto, devido à segunda guerra mundial, a exposição mão chegou a ser realizada. O projecto inacabado transforma-se num lugar fantasma e hostil, exemplo de uma ambição que falhou. Em 1951, depois da grande guerra, o governo italiano decidiu completar o projecto no sentido de apagar as referências daquele lugar ao regime fascista. Apontando para novos valores o E.U.R desenvolveu-se no âmbito das aspirações modernas.
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os supostos vazios, é uma necessidade que recuso, uma necessidade que dura desde os tempos do mudo [...]‖ (Antonioni et al., 1968, p. 152)
Ilustração 162 – Rua do bairro E.U.R (L'Eclisse, 1962)
Ilustração 163 – Edifícios do bairro E.U.R (L'Eclisse, 1962)
Estes edifícios traduzem a imposição de uma escala inusitada àquela cidade e aos seus habitantes. A diferença entre as épocas e os valores que estes expressam, é tão grande que impossibilita uma transição gradual. A vastidão que a cidade sugere remete-nos para a modernidade, que parece paralisar e impossibilitar as relações humanas. Um plano em que Vittoria repara numa pilha de tijolos - dispostos de modo a se assemelharem à condição da cidade que habita -, direciona-nos metaforicamente para o subúrbio modernista. Edifícios avassaladores e imponentes que, no entanto, perdem a sua altivez por se revelarem vazios e inadequados. Nesta cena o vazio e vastidão são os protagonistas.
Ilustração 164 – Pilha de tijolos organizada (L'Eclisse, 1962)
Ilustração 165 – Vittoria repara na pilha de tijolos (L'Eclisse, 1962)
Antonioni apresenta-nos a cidade de Roma através da sua desumanização. O efeito esmagador dos edifícios impõe-se sobre a população que parece indiferente ao que lhe sucede, à excepção de Vittoria. O esforço constante de evasão por parte da protagonista contraria a opressão que a cidade sugere.
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Antonioni usou muitas vezes o trabalho em ferro para representar obstruções à comunhão pessoal, fazendo caras estruturas modernistas parecerem prisões. […] A má arquitectura e o mau planeamento urbanístico, evidentemente, não causam os problemas emocionais das personagens, mas pelo ponto de vista de Antonioni, fazem com eles uma só peça; reflectem-nos de modos significativos. As pessoas que estão menos alienadas, sentimos nós, poderão exigir outro tipo de condições de vida. (Chatman et al., 2004, p. 81)
A arquitectura que contemplamos no filme, representa os ideais de uma sociedade moderna regida por um sistema político fascista que pretendia ostentar a sua imponência. Quando Riccardo chega ao portão de casa de Vittoria, deparamo-nos – no plano de fundo - com um exemplo da arquitectura do E.U.R - o Palazzo della Civiltà Italiana.
Ilustração 166 – Palazzo della Civiltà Italiana na paisagem (L'Eclisse, 1962)
Ilustração 167 – Apartamento de Vittoria (L'Eclisse, 1962)
The inability of modern-age designers to achieve idealized dreams of pure geometric cities is highlighted throughout L’eclisse. Much of the film is shot on the southern outskirts of Rome, in the EUR (Exposizione Universale di Roma) district, the same locale where Federico Fellini had shot a disturbing murder-suicide in La Dolce Vita (1960). Intended by Mussolini's architects and postwar planners to be a utopian city that would replace the congestion and chaos of old Rome, the neighborhood where translator Vittoria lives appears much more like a cemetery for the living. The streets are silent, devoid of stores, people, cars. The inhabitants that do appear seem robotic, mechanized into routine, and out of touch with their physical surroundings. (Lamster, 2000, p. 201)
Na cena seguinte, deparamo-nos com a janela de um edifício, filmada do exterior, que enquadra Vittoria. De seguida, observamos o interior do seu apartamento que nos indica o seu gosto por uma época de outros valores. Distinguimos um póster de Henri de Toulouse-Lautrec e um fóssil que a protagonista coloca numa prateleira. A atenção que Antonioni dá à habitação onde vive cada personagem, revela o seu gosto pela arquitectura e pintura. ―De facto, gosto muito de pintura. É uma das artes que, com a arquitectura, vem para mim logo a seguir ao cinema, se estabelecesse uma escala de
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valores.‖ (Antonioni et al., 1968, p. 116) A aparência e atmosfera de cada residência indicam-nos as preferências dos protagonistas relativamente à sua postura naquela sociedade. O apartamento de Vittoria sugere-nos assim - através dos objectos que contemplamos -, uma ligação à natureza e ao Homem que, Piero e Riccardo parecem ignorar.
Ilustração 168 – Vittoria toca no fóssil que trouxe para sua casa (L'Eclisse, 1962)
Ilustração 169 – Póster de Henri de Toulouse-Lautrec (L'Eclisse, 1962)
Posteriormente, através de uma amiga, Vittoria conhece uma mulher que viveu em África. É convidada a entrar no seu apartamento, onde encontra numerosos objectos provenientes desta cultura distante que parecem fasciná-la. A sua curiosidade e sentidos são despertados, aparentando pela primeira vez no filme, sentir-se confortável e feliz num espaço. À medida que a recém-conhecida conta as suas aventuras – conduzindo-a para outro mundo - Vittoria parece esquecer-se das preocupações que anteriormente tomavam conta da sua mente. Deste modo, assistimos a mais um exemplo da constante procura de evasão do presente, que a protagonista recusa. O conforto que sente depressa cresce e, juntamente com a amiga, começam a representar costumes africanos recorrendo aos objectos do apartamento. Porém, o entusiasmo de Vittoria e da sua amiga são interrompidos pelo desconforto visível da anfitriã. Os objectos que remetiam para as suas memórias, carregados de significado, eram agora alvo de uma mímica caricata proveniente de duas pessoas alheias à cultura africana.
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Ilustração 170 – Vittoria aponta para fora do quadro (L'Eclisse, 1962)
Ilustração 171 – Vittoria toca na pata de elefante que faz de perna de uma mesa (L'Eclisse, 1962)
Na cena seguinte, quando Vittoria procura os cães na rua da anfitriã, depara-se com uma série de postes metálicos que, com o vento, produzem uma melodia que a inquieta. O espaço onde se encontra está deserto. Vemos apenas a protagonista, uma escultura de uma figura humana e a longa série de elementos metálicos. Esta composição é suficiente para provocar um enredo sem a necessidade de um elenco. Vittoria apercebe-se assim do seu papel secundário de espectadora numa sociedade cada vez mais autónoma.
Ilustração 172 – Vittoria repara nos postes metálicos (L'Eclisse, 1962)
Ilustração 173 – Vittoria ouve o som que os postes produzem, encostada a uma escultura (L'Eclisse, 1962)
Depois da tentativa de Riccardo para entrar no apartamento de Vittoria, assistimos novamente ao desejo de evasão por parte da protagonista. Num trajecto de avioneta observamos a cidade de Verona filmada em bird's-eye view. Distinguimos a serenidade provocada pela enorme escala da arena de Verona, em contraste com a malha densa de edifícios que a rodeiam. Vittoria, nas nuvens, mostra-se radiante por escapar à cidade. Quando aterram, a protagonista não tira os olhos de outros aviões, sorrindo. Mais tarde, num café isolado, donde se avista a cidade longínqua, Vittoria confessa sentir-se confortável. Este lugar transmite uma atmosfera de tranquilidade apresentando-se como um refúgio ao ambiente urbano.
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Ilustração 174 – Arena de Verona vista através da avioneta onde Vittoria se encontra (L'Eclisse, 1962)
Ilustração 175 – Vittoria feliz na esplanada de um café (L'Eclisse, 1962)
O seu desconforto nos espaços da cidade e, perante Piero, denuncia a crise com que se debate. ―[...] o drama pertence àqueles que não se adaptam.‖ (Antonioni et al., 1968, p. 130) Aparentemente, os únicos momentos em que a protagonista se adapta são aqueles que sugerem a natureza e o escape da cidade, mesmo que imaginados – como no caso da mímica da cultura africana. É com estes momentos que se identifica e não com o sítio onde vive. Rodeada de imagens com as quais se consegue relacionar, Vittoria encontra um equilíbrio que parece proporcionar-lhe conforto e estabilidade emocionais. A negação e alienação nascem assim da imposição de uma identidade e, da falta de familiaridade traduzidas na sua interacção com o que a rodeia. [...] Esta denúncia da fragilidade dos sentimentos codificados pela moral corrente insere-se no capítulo, caro, como se viu, a Antonioni, da incomunicabilidade, isto é, no capítulo do tédio [...] a impossibilidade de estabelecer uma relação concreta entre o indivíduo e a realidade, entre o objecto e o sujeito, entre o pensamento e a realidade; a ausência de relações concretas com as coisas, consigo próprio e com os outros. «[...] O tédio, para mim, é propriamente uma espécie de insuficiência, ou de inadequação, ou de escassez da realidade». (Antonioni et al., 1968, p. 31-32)
De volta à Bolsa, seguimos Piero e o ritmo frenético das suas actividades. [...] Piero representa uma alienação humana muito mais considerável ainda. Ele é dominado, preso ao jogo imenso da Bolsa, à valsa insólita dos milhões, que por vezes julga dirigir, quando é ela que o esmaga com o seu turbilhão insensato. Mas este forçado, este prisioneiro dum mundo que o domina, é possuído pela ilusão do êxito e da liberdade. (Antonioni et al., 1968, p. 55-56)
A mãe de Vittoria comporta-se do mesmo modo, parecendo pertencer àquele mundo. Subitamente, a atmosfera torna-se pesada quando a mãe da protagonista perde uma elevada quantia de dinheiro. Quando Vittoria regressa e tenta convencer a mãe a
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abandonar o local, esta não lhe dá importância e sentimos novamente o desconforto da protagonista. Mais tarde, quando Vittoria e Piero conversam, ela comenta que ele nunca está quieto, querendo sempre atender ao frenesim dos telefonemas. Preocupada com sua mãe, Vittoria decide ir a casa desta e Piero acompanha-a. No interior da casa, a protagonista recorda o seu passado através das memórias que a casa lhe oferece. No seu antigo quarto, Piero tenta beijá-la, mas ela foge. Posteriormente Piero fala ao telefone com uma rapariga, com quem combina um encontro. A sua reacção com as pessoas que o abordam acerca das suas perdas de dinheiro, denota a frieza de quem está acostumado àquele mundo. Quando se encontra com a rapariga, junto do gradeamento de uma loja, os dois são filmados por detrás deste elemento. Vemo-los através de um obstáculo. Antonioni utiliza estes elementos para aludir às barreiras entre as pessoas. Através de cenas como esta, percebemos que há algo que impede a harmonia entre as personagens. É através de enquadramentos e de obstáculos que Antonioni nos sugere as hesitações dos protagonistas.
Ilustração 176 – Piero espera pela rapariga (L'Eclisse, 1962)
Ilustração 177 – Piero e rapariga vistos através de um gradeamento (L'Eclisse, 1962)
Nas cenas seguintes Antonioni dá-nos a conhecer mais, sobre a personalidade dos protagonistas. Através de comportamentos contrastantes percebemos as diferenças que os distinguem. Constatamos a frieza de Piero, em contraste com as sensibilidade e candura de Vittoria. A protagonista mostra-se feliz nos seus jogos inocentes, porém, quando Piero a tenta conquistar, revela-se incomodada e assustada. No decorrer dos passeios dos protagonistas, Vittoria mostra-se encantada com a natureza como se esta a reconfortasse.
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A seguir, noutra cena, Vittoria passeia sozinha e a sua solidão reflecte o vazio da cidade. Observamos ruas amplas e desertas e a chegada de Piero que vem ao seu encontro. Partem para casa do protagonista e, na tentativa de evitá-lo, Vittoria vai ao encontro de diversos objectos. Dirige-se mais uma vez para uma janela, contemplando o exterior. Desta vez, depara-se com uma senhora que faz o mesmo que ela no edifício em frente. Vittoria fixa-a enquanto esta se retira, restando apenas uma moldura e o vazio. Fica visivelmente incomodada. ―If modern architects envisioned the strip window offering a healthful gaze onto nature, for Antonioni those windows exacerbate the anxiety of being held hostage in a world of entwining mechanical objects.‖ (Lamster, 2000, p. 209) A janela que parecia sugerir um escape para Vittoria, rapidamente se revela um aprisionamento no mundo que a rodeia. A visão do exterior imediato, falha em reconfortá-la denunciando a crise incontornável da personagem e, da sociedade.
Ilustração 178 – Vittoria avista outra pessoa enquadrada numa janela, tal como ela (L'Eclisse, 1962)
Ilustração 179 – Janela vazia (L'Eclisse, 1962)
Enquanto percorre a casa, mostra-se interessada numa pintura com o motivo de uma paisagem. Apercebemo-nos de que a dimensão da casa a assusta, quando questiona Piero acerca da razão de não a ter levado para o seu pequeno apartamento. De seguida, observa o exterior através do obstáculo que as janelas oferecem. Aproximase de outra janela e utiliza-a como obstáculo para beijar Piero, servindo-se desta para mais um dos seus jogos inocentes.
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Ilustração 180 – Piero e Vittoria beijam-se através de uma janela (L'Eclisse, 1962)
Ilustração 181 – Piero e Vittoria beijam-se através de uma janela (L'Eclisse, 1962)
O protagonista corresponde ao seu jogo, mas interrompe-a de imediato afastando a janela para a poder beijar a sério. Passados uns momentos, Vittoria foge, percorrendo a casa novamente. Contempla uma vez mais o exterior, quando Piero vem ao seu encontro. Assistimos de novo à situação de desconforto, por parte de Vittoria, quando se vê nos braços de Piero. Na cena seguinte surgem deitados na relva, onde conversam. Enquanto Piero procura certezas por parte de Vittoria relativamente ao futuro da relação, esta parece céptica quanto à sua viabilidade. Mais tarde, no escritório de Piero, combinam encontrar-se no local habitual, porém, quando se despedem mostram-se aterrorizados. Quando Vittoria se dirige para a saída do edifício, nas escadas, Piero coloca os auscultadores no telefone e ouve-se o frenesim de telefonemas que a protagonista reconhece. Depois de o deixar, caminha na direcção de umas árvores, enquanto sorri. O plano é filmado por detrás de um gradeamento. Antonioni relembra-nos do obstáculo recorrente que Vittoria enfrenta e que impede a sua felicidade.
Ilustração 182 – Vittoria filmada por detrás de um gradeamento (L'Eclisse, 1962)
Ilustração 183 – Árvores filmadas por detrás de um gradeamento (L'Eclisse, 1962)
Na cena final contemplamos uma sucessão de imagens das ruas e dos edifícios vistos
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anteriormente, onde os protagonistas costumavam vaguear. ―[...] um poema de dez minutos sobre os objectos, consagrados a filmar «a ausência» de Vittoria e de Piero.‖ (Antonioni et al., 1968, p. 54) Gradualmente, percebemos que o que resta é a paisagem urbana, a solidão e o vazio. É a ausência de pessoas e a sua vacuidade que o destacam. Sobram formas: curvas, linhas, planos nítidos e volumes geométricos. No entanto, as imagens que remetem para a natureza expressam movimento, contrastando com a estaticidade da cidade deserta. ―A insistência com que Antonioni descreve uma cena, um rosto, uma paisagem, parece duplicada pela acumulação de planos breves e variados, mas sem progressão dramática.‖ (Antonioni et al., 1968, p. 55) No lugar dos protagonistas, deparamo-nos com lotes vazios e ruas desertas. Os planos são dominados por formas que o Homem criou, ao invés da sua imagem. As suas criações são ignição para o colapso da comunicabilidade. A pilha de tijolos que Vittoria contemplou anteriormente aparece agora destruída. À medida que as pessoas desaparecem vemos uma mulher de costas, que se assemelha a Vittoria, alimentando a expectativa de que a voltaremos a encontrar com Piero. Quando esta se vira e lhe vimos o rosto percebemos que não voltaremos a ver a protagonista. Por fim, o céu escurece e os candeeiros acendem-se. Dá-se o eclipse e o filme termina.
Ilustração 184 – Pilha de tijolos agora destruída (L'Eclisse, 1962)
Ilustração 185 – Edifício em cosntrução (L'Eclisse, 1962)
Ilustração 186 – Vazio da cidade (L'Eclisse, 1962)
Ilustração 187 – Cruzamento deserto (L'Eclisse, 1962)
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Ilustração 188 – Edifício em construção (L'Eclisse, 1962)
Ilustração 189 – Pormenor de edifício (L'Eclisse, 1962)
Ilustração 190 – Cidade a escurecer (L'Eclisse, 1962)
Ilustração 191 – Eclipse (L'Eclisse, 1962)
―O homem foi sempre um reflexo da sociedade. É, portanto, o reflexo mais antigo da sociedade moderna. (...)‖ (Antonioni et al., 1968, p. 153) Um contexto que visa salientar a grandiosidade do Homem deixa de fazer sentido quando a sua obra o suplanta. Grande parte dos lugares e objectos que vão surgindo ao longo do filme sugerem-nos uma profunda inadequação e, até mesmo, impedimento às aspirações dos protagonistas. Este estudo visou o entendimento de uma obra de Antonioni, de modo a expôr a sua postura crítica em relação à cidade e à sociedade. As reflexões que propõe através de L‘Eclisse, são manifestadas através da arquitectura que o filme nos apresenta. Deste modo, aborda-se uma relação entre a obra cinematográfica e a arquitectónica como exposição das patologias da sociedade e da cidade. O cinema e a arquitectura como meios denunciadores de uma condição foi o tema abordado, no sentido de estudar o modo como esta temática se cruza nas duas formas de arte.
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3.3. WIM WENDERS - FALSCHE BEWEGUNG (1975): OBRA COMO PROPOSTA DE UMA VIVÊNCIA
Wenders' approach to space, as to film, is selective. He selects pieces from the chaos of architectural space, frames them according to his aim, transforms them using the possibilities of the medium of cinema, and forms an order. […] Space is something social in Wenders' cinema. He is aware of architecture, but has a different point of view. He focuses on the social aspect of architecture, not on the physical character of architecture but on its place in people's lives. His approach to space, film and life is social. For him, space is a part of the chaotic social life, and is the reflection of the society. That is the way he represents cinematic space. His aim is to show how he sees people and society using space (human-space relationship). He uses cinema to express his understanding of society. (Erk, 2008, p. 81)
Ilustração 192 – Storyboard de eventos relevantes do filme Falsche Bewegung (Ilustração nossa, 2015)
Os conceitos basilares a partir dos quais a arquitectura opera, são revisitados neste subcapítulo, de modo a expôr uma relação entre a arquitectura e o cinema no sentido de ambos conceberem propostas de vivências. Assim, apresenta-se um olhar sobre a o cinema como meio que propõe e aponta modos de estar na cidade. Este paralelismo torna evidente o papel do Homem na cidade, sendo que as relações que entre estes são estabelecidas dependem inteiramente das suas subjectividade e disponibilidade. O modo como nos deixamos afectar por determinada vivência, apontada pelo cinema, é apresenta através do presente estudo. Em 1975 Wim Wenders apresenta o filme Falsche Bewegung pertencente à trilogia road movies68 iniciada em 1974. A longa-metragem de Wenders foi uma adaptação da obra Wilhelm Meister's Apprenticeship69, de Goethe, que explorava temas relevantes 68
A trilogia road movies de Wenders é composta pelos filmes Alice in den Städten (1974), Falsche Bewegung (1975) e Im Lauf der Zeit (1976). 69 Wilhelm Meister's Apprenticeship é um romance do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe publicado no final do século XVIII. A obra narra as aventuras de Wilhelm Meister desenvolvendo questões sociais, políticas e psicológicas. A par do enredo, Goethe dá-nos a conhecer a paisagem alemã, aspecto que interessou especialmente a Wenders.
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para o realizador com especial incidência na paisagem, no conceito de viagem enquanto modo de vaguear, resultando num processo de reflexão e descoberta. ―O Wilhelm Meister de Goethe viaja pela Alemanha num movimento tão único, tão belo!‖ (Handke apud Wenders, 2014, p. 19) Caminhar sem destino oferecia a Wim Wenders os temas necessários à percepção da paisagem, do estado de alma do indivíduo e da relação recíproca entre os dois. (Wenders, 2014, p. 143-144) Estar em constante movimento despertava o flâneur70 para o que o rodeava e alterava a sua percepção da sociedade e das pessoas que conhecia neste caminho. A paisagem e a influência que esta tem no flâneur era assim o elemento despoletador dos eventos transformadores da personagem. Na origem do filme estão, portanto, de novo Peter, a alegria comum que sentimos ao ler Goethe e o meu desejo de descobrir a paisagem alemã. No meio do filme, quando nos aproximamos do Reno, naquela longa subida, vemos à distância a pequena cidade de Boppard, onde a minha mãe nasceu e onde eu passei grande parte dos meus primeiros anos de vida, logo depois da guerra. Guardei sempre na memória o Reno, este longo rio, de uma forma demasiado vaga, demasiado confusa para a poder denominar. Era-me imprescindível ir lá, enquanto que Peter desejava uma paisagem plana. Eu tinha também vontade de fazer uma viagem através da Alemanha: começar no ponto mais a norte e terminar no ponto mais a sul. Procurei desde logo, num mapa da Alemanha, um lugar no Norte, uma pequena cidade que escolhi exclusivamente por causa do nome, sem jamais lá ter estado: Glückstadt. E o filme deveria terminar no ponto mais alto, o Zugspitze. O ponto de partida de muitos dos meus filmes foi o estudo de mapas. (Wenders, 2014, p. 144)
Wim Wenders revela um profundo interesse pela paisagem, demonstrado nos quadros que pintava antes de ser realizador. Uma das razões que o levou ao cinema foi o facto de a pintura lhe parecer impotente na representação do tempo e dos seus efeitos. Fui pintor, interessava-me única e exclusivamente o espaço: paisagens e cidades. Tornei-me realizador, quando notei que não «progredia» como pintor. Faltava alguma coisa aos quadros e à pintura! De um quadro para outro faltava alguma coisa, e faltava igualmente alguma coisa em cada quadro isolado. Dizer que faltava vida teria sido demasiado simples; eu pensava, pelo contrário, que faltava o conceito, a concepção de tempo. Quando comecei a filmar, entendia-me, em vista disto, como pintor do espaço à procura do tempo. (Wenders, 2014, p. 81)
Uma das maneiras mais fiéis de enaltecer o tempo e as suas possibilidades seria a realização de uma obra que vivesse do movimento constante e das histórias que decorrem de uma atitude nómada. O tempo está permanentemente ligado a uma 70
O conceito de flâneur, explorado por Charles Baudelaire (1821-1867) e revisitado por Walter Benjamin (1892-1940), remete para o homem que vagueia pela cidade observando as manifestações da sua vivência de modo a compreender os fenómenos da modernidade no contexto urbano.
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narrativa, ainda que a mesma não tenha um sentido claro. É este elemento que permite o nascer e cessar de eventos que alteram a nossa maneira de estar na vida, a nossa percepção do que nos rodeia e a maneira como interagimos com pessoas e lugares. […] space is in motion in Wenders' films, especially in his road films. Most of his films take place not in the city but on the road, not in but through space. A city is a road and the volume with boundaries made up of the facades of the buildings along the road. Moving, is a way of living. Space is perceived while moving. Wenders, thus, shows a different way of perceiving space. […]He analyzes particular space, and turns it into a symbol. Meanings are represented by symbolized architectonic elements. Space as symbol reflects various aspects of the story, especially the society. (Erk, 2008, p. 107)
A leitura da arquitectura ou da paisagem em movimento concebe uma narrativa única, mutável e individual, factos que apenas o espectador - no caso do cinema -, ou o utilizador do espaço - no caso da arquitectura -, conseguem testemunhar. Wenders via o cinema como um meio perfeitamente capaz de exibir este processo já que este era realmente capaz de capturar o tempo. O factor eterno intrínseco ao cinema possibilita a exploração do imaginário e um apurar do mesmo. O filme estudado reúne os elementos que Wenders considera relevantes para a realização da sua obra. ―Os filmes do grupo A, em contrapartida, baseiam-se sem excepção numa ideia minha – ideia é um conceito muito inexacto: abrange sonhos, sonhos acordados e vivências.‖ (Wenders, 2014, p. 87) Somos confrontados com todos estes elementos ao longo do filme. Estes aparecem sempre ligados à decisão de estar-a-caminho e ao processo de introspecção – consequência deste deambular e da tensão com as outras personagens. (Wenders, 2014, p. 20) As imagens que retemos estão associadas a determinada duração, momento e lugar; surgem de novo permanentemente associadas àquela vivência. As ‗imagens‘ evocadoras de situações permanecem assim no nosso imaginário e moldam o modo como nos relacionamos com eventos futuros e, até mesmo como os construímos. Alguma coisa acontece, vemo-la a acontecer, filmamo-la enquanto acontece, a câmara observa, conserva-a, podemos contemplá-la repetidamente, contemplá-la mais uma vez. A coisa já não está lá, mas a contemplação é possível; a verdade da existência dessa coisa, essa, não se perdeu. […] A progressiva destruição da percepção exterior e do mundo é, por um instante, suspensa. (Wenders, 2014, p. 10)
O cinema vive do imaginário do Homem e cria histórias baseadas em actos correntes do quotidiano. Esse imaginário é explorado e trabalhado de modo a tornar evidentes processos internos que sofremos, derivados da nossa percepção. Wenders amplia
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assim o que fazemos inconscientemente no quotidiano. Presenciamos situações das quais retemos determinado significado. Isto só se torna possível devido à percepção individual. A «realidade». Não existe praticamente nenhum outro conceito que seja mais oco e inútil em relação ao cinema. Cada qual sabe por si o que isto quer dizer: a percepção da realidade. Cada qual vê a sua realidade com os seus próprios olhos. Vemos os outros, sobretudo as pessoas que amamos, vemos as coisas à nossa volta, vemos as cidades e as paisagens em que vivemos, vemos também a morte, a condição mortal dos homens e a efemeridade das coisas, vemos e experimentamos o amor, a solidão, a felicidade, a tristeza, o medo; em resumo: cada qual vê, por si mesmo, a vida. (Wenders, 2014, p. 97)
A
maneira
como
determinadas
vivências
nos
afectam
emocionalmente
é
esplendidamente explorada por Wenders na sua obra. ―[…] Sei, por isso, que vemos um filme sempre apenas de modo «subjectivo», isto é, vemos sempre e apenas o filme que o «filme objectivo», lá à frente no ecrã, deixa aparecer aos olhos interiores de cada um dos espectadores.‖ (Wenders, 2014, p. 128) Somos confrontados com o estado emocional de cada personagem e acompanhamos o modo como esta evolui, por consequência dos eventos que se passam no filme e a moldam – tal como na vida real. Wenders deixa sempre bem evidentes os lugares e situações que têm este papel transformador das personagens. Estes têm por vezes, um destaque maior no filme do que a própria história. ―É mais o olhar do que o transformar, ou mover, ou encenar que me fascina na realização.‖ (Wenders, 2014, p. 11) O lugar vai oferecer à personagem uma impressão que proporciona um contexto na narrativa perante o espectador. Contudo, as histórias são, também, naturalmente alguma coisa de muito empolgante; possuem uma grande força e significado para as pessoas. Como se dessem às pessoas alguma coisa que elas desejam muitíssimo, mais do que divertimento e tensão ou distracção. Para as pessoas, trata-se desde logo de um contexto que é estabelecido. As histórias dão às pessoas a sensação de que há um sentido, de que por detrás da confusão incrível de todos fenómenos que as rodeiam se escondem uma ordem e uma sequência últimas. (Wenders, 2014, p. 85)
Os eventos surgem sempre a partir de algo que os despoleta, como uma cadeia sucessiva de eventos. Este factor mutável das nossas vivências é fundamental para o modo como Wenders realiza os seus filmes. O realizador recusa a ideia de apresentar um argumento fechado impassível a alterações. O que Wenders encontra durante a rodagem do filme molda o suceder do mesmo, tal como é apresentado no filme Falsche Bewegung. O que o realizador descobre possibilita novas ideias que introduz no filme aquando da sua montagem e, por vezes, alteram profundamente o seu
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resultado final. (Wenders, 2014, p. 87) É um processo criativo deixado sempre em aberto de acordo com o decorrer da filmagem. Tal como o protagonista procura uma identidade no decorrer da sua viagem, Wenders procura um seguimento do filme de acordo com o que lhe é revelado no evoluir do mesmo. A importância que o imaginário e os eventos têm nas suas obras verifica-se também no modo como realiza o seu trabalho. ―Todos os filmes começam com memórias, todos os filmes são também uma soma de muitas memórias. Por outro lado, muitas memórias nascem através dos filmes. O cinema criou também, ele próprio, muitas memórias.‖ (Wenders, 2014, p. 60) A conclusão de um filme depende sempre da descoberta e do deixar em aberto porque os eventos têm inevitavelmente consequências e significados associados. Deste modo, quando se depara com um elemento novo, não o contorna mas, opta por tentar depurá-lo e inseri-lo na sua obra, moldando-a constantemente de acordo com as circunstâncias. A narrativa é assim criada de acordo com a realidade dos eventos intimamente ligados à história que pretende contar. Tive sempre a impressão de que os meus filmes nasciam do encontro de duas ideias ou de duas imagens complementares. Estas raízes parecem pertencer a duas grandes famílias: «imagens» (o vivido, os sonhos, o imaginado) ou «histórias» (mitos, romances, notícias várias). (Wenders, 2014, p. 132)
Embora o assunto seja ficcional, está sempre relacionado à temporalidade com que foi filmado e à duração dos eventos. Wenders encontra no tempo o meio que coze a ficção à realidade tornando-a familiar para o espectador. Acho muito importante que os filmes denotem uma sequência. […] Os filmes, ainda que sejam tão artificiais […] têm que respeitar esta sequencialidade. A continuidade do movimento e a sequência da acção têm simplesmente que ser coerentes, o tempo que é apresentado de modo linear não pode, sem mais nem menos, dar um salto. […] acho sempre que é muito importante que haja uma lealdade relativamente à sequência do tempo, ainda que os assuntos sejam apresentados de modo artificial, ainda que não se trate, em absoluto, de «realidade». (Wenders, 2014, p. 13-14)
O tempo está presente também de outro modo; a maneira como um evento cessa para dar lugar a outro, era profundamente relevante para Wenders desde a leitura da obra de Goethe ―[…] a certa altura, a sequência das frases interessa muito mais do que a sequência da acção, como as coisas evoluem ou o que, afinal, se passa. No livro isto agradou-me incrivelmente. A forma como uma coisa se seque a outra, uma frase a outra.‖ (Wenders, 2014, p. 15) A continuidade dos eventos, o modo como estes se relacionam e as suas consequências são fundamentais para o processo criativo de Wenders e, para o filme aqui estudado. A relação que a realidade concebe entre
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eventos, o modo como estes cessam para dar lugar a outros denota o efeito que o tempo tem nas nossas vivências. O modo como monta as sequências das suas obras enfatiza o modo como nos relacionamos com situações e lugares ao longo do tempo, e como estes nos moldam. A vida não é apenas um somatório de momentos e histórias mas também, a progressão destes. É o modo como as vivências surgem em crescendo e os elementos que as definem – tempo, duração, estado emocional e lugar – que faz um todo coerente. ―É o tempo que coze estes eventos de maneira a que a sua ordem soe natural. Como conter este tempo, determinante, para a relação entre eventos num filme que está limitado à sua duração? ―Reencontrar a lógica das imagens; dar-lhes uma forma que resulte numa unidade coerente, é muito mais difícil do que num filme de ficção.‖ (Wenders, 2014, p. 159) Tal como a vida não se resume a um somatório de eventos, para Wenders um filme não se limitava a um somatório de imagens. O que acontece entre estas é o que revela o carácter da história, construída a par do decorrer do filme, ou seja, sem uma conclusão fechada prévia. […] Tive assim, pela primeira vez, que me confrontar criticamente com a ordenação dos planos, com uma dramaturgia. A minha ideia inocente de colocar uma série de imagens fílmicas, de planos fixos atrás uns dos outros sem «ordenação», desvanecerase. No filme, o contexto criado pela montagem, que era apenas a ordenação destas imagens – o seu seguimento ou combinação numa sequência -, era o primeiro passo para a narração. As pessoas veriam logo uma relação mais rebuscada entre as imagens enquanto intenção para contar alguma coisa. E, contudo, esta não era a minha intenção. Eu queria pura e simplesmente combinar Tempo e Espaço; contudo, a partir daquele instante, tinha de contar uma história. (Wenders, 2014, p. 83)
O filme começa com uma bird's-eye view71 que nos permite contemplar uma doca, o rio, as casas que o circundam, o verde da paisagem que se destaca e, por fim, uma praça (ilustrações 193 e 194). O observador e o observado trocam de papel para passarmos a ver o helicóptero a sobrevoar a cidade. É assim anunciado no filme um contexto que se foca no lugar antes de nos revelar um evento. ―A paisagem tem, para mim, tanto a ver com o cinema! […] sinto, por assim dizer, uma maior responsabilidade perante a paisagem do que perante a história que lá coloco.‖ (Wenders, 2014, p. 6162)
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vista a partir de um ponto alto, neste caso, a partir de um helicóptero que permite uma visão ampla sobre a cidade.
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Ilustração 193 – Bird's-eye view sobre Glückstadt (Wenders, 1975)
Ilustração 194 – Bird's-eye view da praça Marktplatz (Wenders, 1975)
No interior de uma casa, Wilhelm72 aparece filmado de costas a manusear o puxador de uma janela - sem a abrir - e a contemplar o exterior através desta. A praça que anteriormente era vista a partir do helicóptero é agora filmada como que a partir dos olhos do protagonista. Estes momentos de confronto com o exterior e de manipulação dos meios que o permitem são frequentes no filme. Pouco tempo depois vemos Wilhelm a abrir uma persiana e, novamente, a olhar para o exterior.
Ilustração 195 – Wilhelm manipula puxador da janela (Wenders, 1975)
Ilustração 196 – Wilhelm manipula persiana (Wenders, 1975)
Julgo que tornei muito nítido nos dois primeiros planos do filme que ele é alguém que é, de facto, narrado, mas que o que há para ver é simultaneamente alguma coisa dele próprio. O primeiro plano é um voo sobre o Elba, até que vemos a cidade de Glückstadt. Depois, o voo perde sempre mais em altitude, até vermos toda a praça principal e a igreja. Depois, há um corte e vemos, a partir de uma janela, num plano contrário, a praça principal e a igreja, e por detrás da igreja passa um helicóptero, ou seja, Wilhelm, que olha da janela. O filme começa, portanto, com uma atitude narrativa como a de Goethe, de cima e total. Depois, desloca-se para uma contemplação subjectiva. Julgo que tornei clara exactamente esta amálgama nos dois primeiros planos: que alguém é aí narrado e simultaneamente se apresenta. (Wenders, 2014, p. 23)
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Wilhelm Meister é o protagonista da obra Wilhelm Meisters Lehrjahre de Johann Wolfgang von Goethe e da adaptação do livro para filme - Falsche Bewegung - por Wim Wenders.
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Numa cena posterior vemos uma rua onde o protagonista passeia de bicicleta e parte sem destino calculado, que nos é sugerido quando Wilhelm entra numa plataforma flutuante que transporta veículos: a poucos tempo antes da cancela descer e da paltaforma partir. De seguida passeia por um campo – onde o verde tem grande destaque – e posteriormente por uma praia. É novamente anunciado um contexto que antecede um evento. No interior de uma casa, o protagonista surge em primeiro plano e – enquanto contempla a praia a partir de uma janela – regista os seus pensamentos num caderno. Wilhelm demonstra ter dificuldades em conciliar a sua profissão de escritor com a sua aversão às pessoas. De seguida, a paisagem que observávamos da janela, dividida pelo seu caixilho, aparece agora sem este obstáculo.
Ilustração 197 – Enquadramento da paisagem no caixilho de uma janela (Wenders, 1975)
Ilustração 198 – Paisagem desobstruída (Wenders, 1975)
De noite, o protagonista aparece novamente a andar de bicicleta. Wenders expõe frequentemente os mesmos lugares em diferentes fases do dia de modo a salientar o decorrer do tempo. Vemos um navio cargueiro no mar, filmado com alguma instabilidade tal como o movimento do mar sugere. De seguida, o protagonista aparece a dormir e diz enquanto sonha: ―No decorrer do tempo…‖ Esta cena é relevante no sentido em que apresenta vários temas capitais na obra de Wenders. Os sonhos, movimento e tempo são alguns destes temas e representam a vontade de perseguir algo. A paisagem e o tempo parecem despertar o inconsciente – os sonhos – das personagens e motivá-las para a descoberta progressiva das suas identidades. O estar-a-caminho é aliado à constante inquietação do protagonista quanto à realização e concretização dos seus objectivos. A procura de uma nova paisagem está assim intimamente ligada à introspecção e procura de identidade por parte da personagem.
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Ilustração 199 – Wilhelm desloca-se de bicicleta no campo (Wenders, 1975)
Ilustração 200 – Wilhelm desloca-se de bicicleta na praia (Wenders, 1975)
Nenhuma outra forma narrativa se ocupa da ideia da identidade de modo mais penetrante e legítimo do que o filme. Porque nenhuma outra linguagem está em posição para discorrer, ela própria, sobre a realidade física das coisas. «A possibilidade e o sentido da arte cinematográfica residem no facto de cada um aparecer como é» Béla Balázs (Wenders, 2014, p. 34)
Na cena seguinte, já de dia, Wilhelm abre a persiana e olha novamente para a praça através da janela. Ouvimos em voz-off os seus pensamentos. De malas feitas parte para uma estação de comboio onde se despede da mãe, que pede que o filho não a esqueça. O protagonista surge, na cena seguinte, no interior de um comboio a olhar pela janela e, em voz-off, reflecte que talvez só fosse possível sentir a sua mãe se afastasse dela.
Ilustração 201 – Wilhelm olha para a paisagem enquanto de desloca de comboio (Wenders, 1975)
Ilustração 202 – Paisagem vista através da janela do comboio (Wenders, 1975)
Ilustração 203 – Paisagem desobstruída (Wenders, 1975)
Uma viagem é uma aventura que se desenrola no Espaço e no Tempo. Aventura, Espaço, Tempo - todos estes três momentos são importantes. Histórias e viagens têm os três em comum. Uma viagem é sempre acompanhada de curiosidade por alguma coisa desconhecida, cria uma expectativa e uma percepção intensiva: a caminho começa-se a ver coisas que já não víamos em casa. (Wenders, 2014, p. 91)
A fala de Wilhelm sugere isto mesmo. Talvez só fosse possível obter uma diferente concepção do lugar onde vive e das pessoas mais próximas depois de se distanciar destes. O começo da viagem revela desde logo, um pouco do seu propósito. A imagem seguinte é a de uma linha de comboios próxima do verde do campo e do rio. Estes dois elementos parecem estar sempre associados ao movimento do estar-a-
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caminho independentemente do veículo que o permite. De seguida, no interior do comboio, o protagonista fecha uma janela e repara numa rapariga que o observa. Ele dirige o olhar para o exterior parecendo querer ignorar a rapariga, esforço que não é bem sucedido. No plano seguinte percorremos a extensão da paisagem, enquadrada na janela do comboio. Cruzam-se outros comboios, surge novamente o verde da paisagem e imagens de carris aparecem intercaladas pelo rosto da rapariga. Vemos o contraste entre o movimento de todos os elementos exteriores e o rosto estático da criança.
Ilustração 204 – Carris de comboios (Wenders, 1975)
Ilustração 205 sobreposto a (Wenders, 1975)
– Rosto de Mignon carris de comboios
Ilustração 206 (Wenders, 1975)
–
Rosto
de
Mignon
Imagens de comboios aparecem frequentemente no filme, enfatizando fluir do movimento e do tempo. ―O comboio, com todas as suas rodas, pertence simplesmente ao cinema. É uma máquina, assim como uma câmara cinematográfica. Ambos provêm do século XIX, de uma época mecânica. Os comboios são «câmaras a vapor sobre carris».‖ (Wenders, 2014, p. 58) À medida que o comboio pára na estação Hamburgo – Altona, vemos um relógio que marca as 15 horas e 19 minutos. A rapariga deslocase para perto de um senhor mais velho. O protagonista parte, de bagagem, e surge na estação de comboios onde se funde com a multidão em movimento. As histórias cinematográficas são, por tudo isto, como rotas de viagem. O mais empolgante de tudo, para mim, são os mapas; quando vejo um mapa, fico logo inquieto, sobretudo quando se trata de um país ou de uma cidade onde ainda nunca estive. Contemplo todos os nomes e gostaria de compreendê-los a todos, o que é que eles designam, sejam ruas de uma cidade ou cidades de um país; quando vejo um mapa, ele torna-se para mim, afinal, uma alegoria da vida. A contemplação de um mapa torna-se suportável quando tento encontrar um caminho, delimitar um percurso e viajar por ele através do país ou da cidade. As histórias fazem exactamente o mesmo: descrevem caminhos de orientação num país desconhecido onde, se assim não fosse, poderíamos chegar a milhares de lugares diferentes sem chegar alguma vez a lado nenhum. (Wenders, 2014, p. 86)
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Os factores inerentes a uma viagem têm uma grande presença nas obras de Wenders, em especial nesta, que explora a procura constante de algo através do protagonista. Wilhelm entra noutro comboio, aparece sentado a ler, e contempla novamente o exterior. Neste momento, depara-se com uma mulher que entra num comboio diferente. A desconhecida repara nele e num plano seguinte vemo-la debruçada na janela do comboio. Contempla a paisagem e observa o protagonista enquanto os comboios se distanciam, cada um com o seu destino. As duas personagens que se encontravam no comboio anterior juntam-se ao protagonista. É neste momento que a interacção entre as personagens se inicia. […] Uma história pode, portanto, iniciar-se com um momento dramático; no entanto, geralmente as histórias não me ocorrem em momentos dramáticos; é antes em momentos contemplativos, quando vejo paisagens, casas, ruas e quadros. (Wenders, 2014, p. 84) Wenders filma em variadas situações o protagonista a contemplar a paisagem. Esta contemplação é por vezes acompanhada de pensamentos em voz-off que nos dão a conhecer as inquietações de Wilhelm. O senhor que os acompanha revela ao protagonista o nome da mulher que este observava. O senhor começa a tocar harmónica enquanto a rapariga faz malabarismo. Imagens que se repetem posteriormente para nos darem a conhecer as ocupações destes desconhecidos. Comboios em movimento surgem novamente e, agora, o protagonista denota algum constrangimento com a aproximação da rapariga. O som dos comboios está presente, assim como, as variações de luz que incidem na carruagem. Na cena seguinte Wilhelm aparece debruçado na janela com a cabeça de fora do comboio. Na duração desta cena, o movimento, luz e som têm grande destaque.
Ilustração 207 – Comboio (Wenders, 1975)
Ilustração 208 – Therese enquadrada numa janela do comboio (Wenders, 1975)
Ilustração 209 – Wilhelm olha para a paisagem a partir do interior de um comboio (Wenders, 1975)
Surge novamente um relógio que marca agora as 16 horas. O ponteiro dos segundos move-se continuadamente enquanto um comboio passa. O relógio aparece em primeiro plano e, o comboio é filmado de modo a parecer ir ao seu encontro. Novamente assistimos a movimento e tempo associados.
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Ilustração 210 – Imagem de relógio numa estação de comboios (Wenders, 1975)
Ilustração 211 – Imagem de relógio e comboio em movimento (Wenders, 1975)
Escrevi o livro […] também a partir deste movimento todo. […] queria transpor para o argumento a situação histórica de alguém que parte, que está a caminho para aprender algo, para ser outra pessoa, para ser realmente alguém. Foi este movimento, portanto, que quis pôr no argumento. Isto foi também – tenho a certeza disso – o que interessou a Goethe: um movimento, ou o esforço para empreender um movimento. (Handke apud Wenders, 2014, p. 19-20)
De noite as personagens abandonam o comboio e partem para a cidade, para um alojamento. Já no interior de um apartamento Wilhelm reflecte - em voz-off - no que pode fazer para entrar em contacto com a mulher que viu anteriormente. A câmara filma o protagonista desde o interior do apartamento, vai ao encontro da varanda e depois pára, focando o exterior. Vemos a cidade que Wilhelm contempla: uma rua movimentada onde a luz se destaca por ser de noite. A cidade aparece agora fora de foco para focar o protagonista que a contempla e, ao mesmo tempo, reflecte em vozoff.
Ilustração 212 – Vista sobre a rua a partir de um apartamento (Wenders, 1975)
Ilustração 213 – Wilhelm observa a rua partir de um apartamento (Wenders, 1975)
Na manhã seguinte as personagens reúnem-se num restaurante, onde Wilhelm revela o que planeou dizer à desconhecida. Decidem passear e, imediatamente após a saída do restaurante, deparam-se com a mulher que Wilhelm queria conhecer.
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É bem verdade, elas não vão a lugar nenhum; gostava de dizer que, para elas, não é importante chegar a lado algum. É importante ter a «atitude» correcta de estar a caminho. Essa é a sua ânsia: estar a caminho. Também eu mesmo gosto muito de fazer isto, não «chegar», mas «ir». A condição do movimento – isso é que é importante para mim. […] Para mim, a melhor maneira de fazer um filme reside no movimento contínuo - a minha fantasia trabalha então melhor. (Wenders, 2014, p. 59)
As quatro personagens73 começam a passear pela cidade movimentada enquanto um rapaz - que se encontrava no mesmo restaurante que as restantes personagens -, as segue sem que o grupo se aperceba. Nesta cena percebemos que Laertes e Mignon são artistas de rua. "Todos estes filmes se ocupam de pessoas que, em viagens, são expostas a situações desconhecidas; todos os filmes têm a ver com a visão, com a percepção e com pessoas que, de repente, têm que ver as coisas de modo diferente.‖ (Wenders, 2014, p. 89) É através dos passeios dos protagonistas que Wenders nos apresenta a cidade e o impacte que esta tem nas personagens, remetendo para a obra de Goethe e para o conceito de flâneur. Enquanto caminham o protagonista fala com Therese. Deparamse com várias cenas de pessoas em edifícios que denotam exasperação, como se várias histórias fossem desvendadas enquanto vagueiam. ―A palavra inglesa drifting exprime-o muito bem. Não é o caminho mais curto entre dois pontos, mas uma linha em ziguezague. Uma palavra ainda melhor seria talvez «meandro», pois implica caminhos e desvios.‖ (Wenders, 2014, p. 91) Nesta cena, a arquitectura é utilizada – tal como o cinema – como elemento detentor de enredos. O filme apresenta-nos uma narrativa que, à medida que nos revela edifícios, presenteia-nos com novos enredos. Neste caso, narrativas alheias às personagens, motivo que causa o seu afastamento.
Ilustração 214 – Protagonistas observam discussão no terraço de um edifício (Wenders, 1975)
Ilustração 215 – Discussão no terraço de um edifício (Wenders, 1975)
73
Wilhelm, o senhor, a rapariga e agora a mulher que o protagonista desejava conhecer. Por ordem: Wilhelm, Laertes, Mignon e Therese.
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Ilustração 216 – Protagonistas observam um homem irritado à janela de um edifício (Wenders, 1975)
Ilustração 217 – Homem irritado à janela de um edifício (Wenders, 1975)
Fogem deste enfurecimento e param num miradouro onde o rapaz que os seguia os aborda. Pede a Wilhelm o seu parecer relativo a um poema que escreveu. Na cena seguinte vemos um carro na estrada e, depois, no interior do mesmo, as personagens74.
Ilustração 218 – Carro e paisagem (Wenders, 1975)
Ilustração 219 – Wilhelm observa paisagem a partir do interior de um carro (Wenders, 1975)
Ilustração 220 – Paisagem vista a partir do carro (Wenders, 1975)
Bernhard apresenta-se e dá a conhecer às restantes personagens uma casa que diz ser do seu tio. Porém, quando entram, Bernhard percebe que o homem que os recebe não é o seu tio e que se enganou na casa. O anfitrião informa o grupo que a sua entrada inesperada interrompeu a tentativa de suicídio que estavas prestes a cometer. Convida-os a permanecer o tempo que desejarem. Reunidos em frente à lareira, ouvem o anfitrião falar sobre a solidão. De seguida, todos sobem para dormir à excepção de Wilhelm protagonista e do anfitrião. O protagonista dirige-se ao exterior e contempla a paisagem. Pouco tempo depois Wilhelm escreve enquanto a câmara filma a paisagem. Ouvimos os seus pensamentos em voz-off: ―Talvez exista isso de querer escrever, sem saber o quê. Simplesmente querer escrever, como se quer andar. Sim! A necessidade não é de escrever, mas sim de querer escrever.‖ A vontade de ir e de se pôr a caminho – uma viagem sem destino calculado – remete para o processo de descoberta da identidade. 74
Wilhelm, Laertes, Mignon, Therese e agora o rapaz que os seguia: Bernhard.
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Explorar o exterior dá a conhecer a Wilhelm mais sobre si mesmo. ―Ele75 tenta alargar a identidade […] na medida em que se junta, com esforço, aos outros.‖ (Handke apud Wenders, 2014, p. 23) À medida que vagueia, explora as suas inquietações de modo a confrontar-se com estas. Embora possa parecer uma fuga aos seus problemas, é a viagem que permite um confronto consigo mesmo, que ao permanecer imóvel em sua casa não conseguiria realizar. Na manhã seguinte, o grupo reúne-se na sala. Partilham os sonhos da noite anterior. O jovem revela não se recordar do seu. Decidem passear. Caminham numa estrada que permite uma visão ampla sobre um vale e o rio.
Ilustração 221 – Laertes conversa com Wilhelm enquanto contemplam a paisagem (Wenders, 1975)
Ilustração 222 – Bernhard conversa com Wilhelm enquanto contemplam a paisagem (Wenders, 1975)
Ilustração 223 – Therese conversa com Wilhelm enquanto contemplam a paisagem (Wenders, 1975)
A câmara filma as personagens de vários ângulos enquanto caminham, enfatizando assim, o movimento. ―[…] o grande movimento, a grande viagem, o grande estar-acaminho, o partir […]‖ (Handke apud Wenders, 2014, p. 20) Todas as personagens vão ao encontro de Wilhelm como se este fosse o seu confidente. ―Ele só os atrai para os levar a mostrar algo de si.‖ (Handke apud Wenders, 2014, p. 22) Primeiro o protagonista desabafa com Laertes sobre a sua escrita. De seguida, o homem conta a sua história – que desde o início do filme anunciava - a Wilhelm. Nos meus filmes, as personagens olham frequentemente para trás. Nostalgia significa pertencer a alguma coisa passada, sentir-se ligado a alguma coisa passada. Julgo que as personagens não anseiam, efectivamente, por voltar atrás, pois no passado não há esperança. Todos os filmes começam com uma memória ou um sonho, e os sonhos são também memórias. É assim que começa. Depois, porém, começa-se a filmar, quer dizer, sai-se e encontra-se uma determinada realidade. E depois é importante conceder mais peso a esta realidade do que à memória. (Wenders, 2014, p. 60)
Vemos a paisagem sempre de fundo. À medida que descobrimos pormenores acerca da vida dos protagonistas descobrimos também novas partes da paisagem. Como se esta convidasse a um confronto entre as personagens para que revelassem mais de si. 75
referente a Wilhelm
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[…] no cinema, o contar histórias quer também provocar um reconhecimento e pôr, através da forma, uma ordem na cacofonia das impressões. A necessidade de histórias é também, contudo, […] a de ouvir, com as quais se podem produzir contextos. Há uma necessidade de contextos, porque, no fundo, as pessoas têm pouca experiência do contextual. As «impressões» aumentam, contudo, sempre mais, de modo francamente inflacionário. (Wenders, 2014, p. 70-71)
Eles param para contemplar o rio e Bernhard desabafa agora com o protagonista. Os momentos de contemplação anunciam sempre um acto reflexivo no filme. O confronto com a paisagem desperta a Wenders algo que molda o seguimento das suas obras. No filme, este confronto molda as personagens e a relação que estabelecem entre elas. ―As fotos de Evans dirigiram-nos frequentemente o olhar. Aconteceu pararmos numa estrada para rodar cenas, porque um pedaço da paisagem ou um elemento arquitectónico nos tinha saltado à vista.‖ (Wenders, 2014, p. 146) É importante salientar novamente que, a contemplação de algo que é exterior e desconhecido às personagens, despoleta uma consciencialização progressiva das mesmos. O olhar para o exterior molda o olhar interior e consequentemente, a percepção do indivíduo.
Ilustração 224 – Laertes e Wilhelm contemplam a paisagem (Wenders, 1975)
Ilustração 225 – Therese e Wilhelm contemplam a paisagem (Wenders, 1975)
De seguida, Therese aborda Wilhelm, dizendo-lhe que este não repara em muitas coisas. Ele responde-lhe que muitas vezes precisa de se obrigar a ver algo e reconhece assim que não tem aquilo a que se chama de o ―dom da observação‖. Wilhelm confessa que quando observa algo que nunca tinha visto cria nesse instante um sentimento por aquilo. O protagonista não escreve apenas sobre o observado mas também sobre o vivido. ―É o olhar que decide se algo foi visto.‖ (Wenders, 2014, p. 133) Nesta cena compreendemos a importância da percepção individual e dos possíveis efeitos que as vivências têm, por serem subjectivas. O modo como vemos dita a relação que criamos com o que nos rodeia. O grupo pára novamente e contempla o rio. Bernhard interrompe Wilhelm e Therese. Revela recordar-se agora do seu sonho, no qual o anfitrião figurava. Este passeava ao mesmo tempo que um
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homem com uma câmara o perseguia. De seguida ele suicida-se, lançando-se ao mar. Quando começa por contar o que acontece ao filme após esta situação trágica Therese interrompe-o com medo. O grupo corre em direcção à casa como se o sonho fosse uma premonição. Ficamos sem saber o que acontece posteriormente no filme – no sonho de Bernhard. A música denota uma atmosfera pesada, de tensão. Quando entram na casa encontram o anfitrião enforcado. Wilhelm empurra todos para o exterior da casa e partem de carro. O protagonista é filmado no interior do carro. Reflecte em voz-off com a paisagem de fundo em movimento. Compara o modo como escreve ao modo como lida com os eventos reais. Percebemos o impacto que a percepção tem na sequência de um evento. Quando formamos uma impressão sobre algo - susceptível à nossa interpretação – damos sentido a uma cadeia de situações. A nossa percepção estabelece um significado de modo a dar sentido a uma sequência. Wilhelm compara esta situação à da escrita: ―Também, enquanto escrevo... fecho os olhos e vejo as coisas nitidamente... que com os olhos abertos não consegui distinguir.‖ Wilhelm reflecte sobre o rumo do grupo que agora parecia perdido. A câmara passa pelo rosto das personagens. É visível que o grupo ficou afectado pelo que testemunhou, à excepção de Mignon que desenha na janela. Durante todo o filme Mignon parece indiferente a tudo o que a rodeia. Bernhard despede-se do grupo numa estação de serviço e parte sem explicação. Embora as restantes personagens se mantivessem juntas, pareciam afastar-se, situação que Wilhelm comenta em voz-off. Partem de carro à noite. Na cena seguinte vemos uma paisagem citadina filmada a partir do interior do apartamento de Therese. A câmara recua até ao interior do mesmo e vemos o grupo entrar.
Ilustração 226 – Paisagem vista a partir do apartamento de Therese (Wenders, 1975)
Ilustração 227 – Paisagem e interior do apartamento de Therese (Wenders, 1975)
Ilustração 228 – Interior do apartamento de Therese (Wenders, 1975)
Adormecem em frente à televisão à excepção do protagonista e de Therese que se encontram num quarto. Esta diz a Wilhelm que o inveja pela sua indiferença. Nesta cena vemos os primeiros sinais de divergência entre as personagens. De seguida,
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vemos a paisagem da cidade composta por edifícios de betão, como se esta evidenciasse a frieza e o ambiente pesado que se havia instalado. Wilhelm reflecte em voz-off enquanto caminha sem rumo.
Ilustração 229 – Câmara percorre a cidade (Wenders, 1975)
Ilustração 230 – Câmara percorre a cidade (Wenders, 1975)
Ilustração 231 – Câmara percorre a cidade (Wenders, 1975)
Na cena seguinte continuamos a ouvir os pensamentos enquanto Wilhelm se senta numas escadas rolantes em movimento. A câmara filma a partir destas. O movimento é associado à introspecção.
Ilustração 232 – Wilhelm observa tecto a partir de umas escadas rolantes em movimento (Wenders, 1975)
Ilustração 233 – Tecto observado por Wilhelm (Wenders, 1975)
Ilustração 234 – Tecto observado por Wilhelm (Wenders, 1975)
A câmara filma novamente de modo instável - sem ponto fixo como que perdida - a paisagem de betão. ―Para mim, a melhor maneira de fazer um filme reside no movimento contínuo – a minha fantasia trabalha então melhor.‖ (Wenders, 2014, p. 59) Pára no rosto de Wilhelm que se encontra na varanda do apartamento de Therese. Therese conversa com Wilhelm enquanto este tenta escrever. Como actriz, questionase acerca do seu papel nas histórias que interpreta. Quando estuda os seus textos e, subitamente, observa algo, questiona-se sobre o porquê desse objecto não entrar na peça. Todo o texto que decora parece-lhe de uma enorme artificialidade por não ser dela; por ter de exprimir o que outro sente. Porém, quando se recorda de um texto por muito tempo, sente que este passa a fazer parte dela. Torna-se mais natural porque o relaciona com as suas vivências – que havia esquecido gradualmente. Quando um texto lhe evoca algo na memória no sentido de o relacionar com as suas vivências, Therese consegue actuar com empenho. O contextualizar de algo acolhe determinada situação para que esta se nos torne familiar. Porém, Therese confessa que estes
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momentos são raros, e muito frequentemente não é capaz de relacionar o seu trabalho com a sua vida. Sempre que isto acontece, confessa actuar maquinalmente. Pede que Wilhelm a ajude e diz-lhe ao mesmo tempo que a sua atitude de não de deixar afectar por nada a repudia. Em Goethe, há também os passeios públicos da cidade, que ele descreve. Agora isso já não é possível, porque existe o trânsito e, na paisagem, há a indústria. É isto que é o visível. Depois, há também a própria história, de onde é que ele vem e porque partiu. Momentos de perplexidade, mau-humor e tristeza, nascidos também destes desenvolvimentos que ele sofreu, estão sempre na história. Isto parece-me justamente ser o que mais me interessou em toda a história: este grande movimento […] (Handke apud Wenders, 2014, p. 21)
Wilhelm responde-lhe que enquanto Therese conversa, perturba a sua escrita. Discutem, mas, de seguida, Wilhelm confessa partilhar as inquietações de Therese. Enquanto escrevia e ouvia Therese, tinha a sensação de que tudo o que esta lhe tinha dito tinha de entrar no seu texto. Wilhelm diz sentir vontade de fazer um passeio de barco. Como se permanecer no mesmo sítio o perturbasse. Esforçava-se por estar sempre em movimento; a caminho, talvez com a esperança que isso devolvesse ao grupo algum bem-estar. Ao fundo da sala, a câmara foca uma televisão. Vemos um actor relatar um acto de suicido. Esta cena parece reforçar o impacte que a situação trágica teve no grupo e no decurso do filme. Parece sugerir que os efeitos do suicídio, no grupo, não poderiam ser mascarados. Na manhã seguinte, assistimos ao passeio de barco. Laertes desabafa sobre o seu passado. Logo após o desabafo Wilhelm aterroriza Laertes ameaçando deixá-lo cair para fora do barco. Quando Wilhelm decide parar, Laertes foge. Na cena seguinte Therese, Wilhelm e Mignon aparecem num cinema drive-in. Therese e Wilhelm falam sobre a sua partida. Decidem separar-se num sítio movimentado. Na cena final vemos Wilhelm de costas a contemplar a paisagem montanhosa e em voz-off ouvimos as suas ponderações sobre algumas das situações que viveu com as restantes personagens. Confessa que na realidade só queria estar sozinho, que parecia ter perdido algo e continuava a perder com cada movimento novo. (Wenders, 1975) O nosso filme seria, consequentemente, a viagem de uma pessoa que espera compreender o mundo, acontecendo-lhe o contrário: constata que o seu movimento conduzia ao Nada, que, no fim, não se mexeu um centímetro. Daí o título: Movimento em Falso (Wenders, 2014, p. 143)
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Ilustração 235 – Wilhelm contempla a paisagem enquanto reflecte (Wenders, 1975)
Todo o movimento por lugares - que implica a procura de algo - despoleta situações que por sua vez, despoletam determinados estados emocionais nas personagens. A deambulação implica um estado melancólico que obriga o flâneur a virar-se para si mesmo, a confrontar-se com as suas inquietações e a explorá-las. Todos os filmes do grupo A começaram com uma série de situações, das quais eu esperava que, com o correr do tempo, se transformassem numa história. Para que uma tal transformação se concretize, podemos utilizar o método de «sonhar de olhos abertos». Quero com isto dizer: as histórias pressupõem sempre um controlo, isto é, elas conhecem o seu caminho, sabem por onde que ele vai, têm princípio e fim. O sonho de olhos abertos funciona de modo muito diferente, falta-lhe este controlo «dramatológico». Existe, antes, assim algo como um condutor inconsciente, que quer avançar sem lhe importar para onde; todo o sonho quer ir a algum lugar, mas quem sabe onde? Alguma coisa no inconsciente sabe-o todavia, apenas o podemos descobrir quando deixamos as coisas fluírem e isto foi o que eu tentei em todos os filmes. (Wenders, 2014, p. 90-91)
O filme, através da sucessão de eventos que nos apresenta, revela-nos o papel da cidade enquanto elemento portador de narrativas que, através do movimento e do decorrer do tempo, nos são apresentadas de modo a condicionar a nossa vivência. A leitura que obtemos de uma obra cinematográfica depende dos eventos que esta contém, tal como a leitura da cidade depende do que dela descobrimos e do que esta nos revela. O movimento o tempo revelam assim ser os factores imprescindíveis à permeabilidade desta percepção, de modo a que esta nos afecte.
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4. CASO PRÁTICO: INTERVENÇÃO E REQUALIFICAÇÃO URBANA LXFACTORY E DO TERRENO DA SIDUL EM ALCÂNTARA (2014)
DA
4.1. QUESTÃO: ENUNCIADO E CONTEXTO O projecto apresentado reúne o resultado final do exercício desenvolvido ao longo do 5º ano da disciplina de Projecto III do curso de Arquitectura da Universidade Lusíada de Lisboa. O projecto propõe, numa primeira abordagem, uma intervenção na área da LXFACTORY76 e, posteriormente no lote da Sidul77. O presente capítulo desenvolve apenas temáticas relevantes para a investigação da dissertação, não abordando a proposta na íntegra apesar de o projecto ser lido como um todo. No tema abordado foram eleitas situações específicas do projecto que estabelecem relações e questões conceptuais desenvolvidas nos capítulos anteriores. Pretendeu-se realizar a articulação entre os dois terrenos – inexistente presentemente –, de modo a estabelecer uma relação, por sua vez, com as áreas envolventes. O enunciado visava a reflexão sobre a demolição e adição de edificado, desenvolvida ao longo do capítulo, que motiva as soluções escolhidas. De entre os conteúdos programáticos a considerar, a proposta para uma Escola de Artes Performativas, um conjunto de galerias de arte, uma cafetaria e um espaço co-work, foram escolhidos para o presente capítulo.
Ilustração 236 – Ortofotomapa de Alcântara, Lisboa, Portugal ([adaptado a partir de:] Google inc, 2015)
76
A LXFACTORY situada em Alcântara, define-se por uma ilha criativa que dá lugar a várias experiências de âmbito cultural. No século XIX, a Companhia de Fiação e Tecidos Lisbonense instalou-se neste espaço, bem como a Companhia Industrial de Portugal e Colónias, a tipografia Anuário Comercial de Portugal e a Gráfica Mirandela, deixando vestígios do ambiente industrial que se viveu. 77 Sociedade Industrial do Ultramar, SA é uma refinaria de açúcar que se instalou em Alcântara 1980 (anteriormente denominada Sociedade de Empreendimentos Açucareiros,SA.).
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A área de intervenção define-se pelos diferentes ritmos que a circundam: a Este os testemunhos do processo de industrialização mantêm-se visíveis; a Norte o núcleo de Alcântara com grande actividade combina a área habitacional com área comercial; a Sul dá-se o contraste rítmico mais evidente, devido ao movimento intenso da Avenida da Índia e a Oeste desponta a iniciativa de fazer nascer uma ilha criativa, lugar para diversas experiências de ordem cultural e social da actualidade. Para que o carácter deste lugar se mantivesse preservado e de modo a adaptá-lo a um contexto contemporâneo, foi desenvolvida esta proposta para responder ao contraste entre ritmos e naturezas espaciais.
Ilustração 237 – Entrada da LXFACTORY (Ilustração nossa, 2014)
Ilustração 238 – Rua da LXFACTORY (Ilustração nossa, 2014)
Ilustração 240 – Vista do terreno da Sidul a Nordeste (Ilustração nossa, 2014)
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Ilustração 239 – Vista da ponte a partir da LXFACTORY (Ilustração nossa, 2014)
Ilustração 241 – Vista do terreno da Sidul a Sudeste (Ilustração nossa, 2014)
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4.2. PROPOSTA: RESPOSTA A UM ENUNCIADO
Ilustração 242 – Storyboard de eventos do projecto para a LXFACTORY e Sidul com protagonistas dos três filmes estudados inseridos em situações elaboradas de acordo com os três projectos estudados (Ilustração nossa, 2015)
Foi realizado um diagnóstico dos vários momentos históricos de Alcântara, dos quais se elegeu a planta de 1911 - onde se destaca um volume localizado no terreno que posteriormente viria a pertencer à fábrica da Sidul como referência para proposta. Procedeu-se à transformação deste volume através de uma rotação de 180º e de um espelhamento longitudinal. Deste modo, propunha-se resolver os limites do terreno a Sul que gerassem gradualmente um núcleo central, criando uma proposta centrípeta.
Ilustração 243 – Esquema de transformações do volume presente na Planta de Alcântara de 1911 ([adaptado a partir de:] Arquivo Municipal de Lisboa, 2014)
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Este espaço revela-se desprovido de transições espaciais que atribuam uma mediação entre ritmos e identidades, pretendendo-se assim despertar a nostalgia do sítio. A intenção de evidenciar o cariz fabril de Alcântara – remetendo para o passado – foi conciliada com as necessidades presentes através de soluções actuais. Nasceu assim a intenção de criar entidades espaciais mediadoras que estimulassem experiências de diferentes naturezas.
TRABALHO DE SUPERFÍCIE
SÍTIO
PROPOSTA DO EDIFICADO
SÍTIO + TRABALHO DE SUPERFÍCIE
TRABALHO DE SUPERFÍCIE + PROPOSTA DO EDIFICADO + ESTRUTURA VERDE SÍTIO + TRABALHO DE SUPERFÍCIE + PROPOSTA DO EDIFICADO
Ilustração 244 – Axonometrias demonstrativas do trabalho de superfície da proposta (Ilustração nossa, 2014)
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Arquitectura e Cinema: A vivência do espaço arquitectónico através do cinema
- Conjunto de Galerias de Arte - Cafetaria - Espaço co-work - Escola de Artes Performativas Ilustração 245 – Esquema de distribuição programática (Ilustração nossa, 2014)
Os complexos fabris que se instalaram em Alcântara na segunda metade do século XIX, e o processo de industrialização desta área, marcaram profundamente o lugar, deixando testemunhos visíveis que evocam este passado. Um dos vestígios é a chaminé de químicos da antiga fábrica da CUF, que se mantém a nordeste do terreno de intervenção. Outros elementos recorrentes, como a sucessão de pilares - presentes no edifício da antiga Companhia de Fiação e Tecidos Lisbonense -, foram utilizados como referência, no sentido de evocar mimeticamente o fuste, tanto como elemento arquitectónico como orgânico – edificado e natureza. Esta intenção nasce do estudo da obra pictórica de Paul Delvaux, que recorria à sucessão de elementos verticais no sentido de enfatizar a perspectiva. A presença do corpo humano, do fuste arquitectónico e orgânico – a coluna e o tronco da árvore – constituem o tema central da sua obra, sendo que a composição destes elementos remete o espectador para um mundo onírico, próprio das obras surrealistas. A introdução de área verde pretende atenuar as evidências operárias e fabris criando contrastes entre natureza e edificado e cheio e vazio, de modo a revelar um percurso e, progressivamente, a proposta do edificado combinado com o existente. Deste modo, o fuste assume um papel cénico. A multiplicação do mesmo sugere uma leitura cinemática ou seja, uma narrativa que se aproxima do facto arquitectónico e da estrutura verde, como se pretende mostrar nos desenhos alusivos aos esboços de Le
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Corbusier78. Tal como Delvaux, o arquitecto representa a sucessão de elementos verticais com o intuito de demonstrar a atmosfera que estes criam e a importância que têm na leitura do lugar. A interpretação da obra destes autores levou à composição do núcleo central da proposta, representado através de uma adaptação das obras do arquitecto e pintor.
Ilustração 246 – “Sketch of the Acropolis, Athens, 1911 (from Petit, Le Corbusier: Lui-Même.)‖ (Curtis, 1986, p.34)
Ilustração 247 – Desenhos espaciais do núcleo central da proposta alusivos aos desenhos de Le Corbusier (Ilustração nossa, 2014)
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Durante uma viagem a Atenas, Le Corbusier desenhou o Parthenon com o objectivo de realizar estudos de perspectiva, luz e sombra. Parte destes registos são encontrados nas obras Vers une architecture (1923) e Le Corbusier: Ideas and Forms (1986).
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A sucessão destes elementos verticais cria um jogo visual através de obstáculos, permitindo no entanto, a visibilidade do envolvente. A visão da extensão do projecto é controlada e organizada com o auxílio destes elementos.
- Axonometria do todo. - Axonometria do sistema modular e respectivas divisórias.
- Axonometria do sistema modular. Ilustração 249 – Axonometrias do espaço co-work (Ilustração nossa, 2014)
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Ilustração 248 – Corte transversal do espaço co-work (Ilustração nossa, 2014)
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A resposta ao enunciado foi elaborada de acordo com relações desenvolvidas ao longo do curso de Arquitectura da Universidade Lusíada de Lisboa, no âmbito de apresentar um caso prático que propõe paralelismos entre as duas disciplinas. O espaço percorrido e os obstáculos têm o mesmo papel na arquitectura que os enquadramentos, cortes e fragmentos têm no cinema. Ambos resultam numa narrativa. Na arquitectura, essa narrativa constrói a sucessão de espaços dando lugar às variadas experiências que estes propõem, hierarquizando-os. No cinema, a narrativa revela-nos um acontecimento ou lugar, através do modo e ordem como este é apresentado, auxiliando-se de elementos como a produção sonora, cor, luz, etc. para despertar sensações que reforçam os eventos.
E SCOLA DE A RTES P ERFORMATIVAS We place our feelings, desires and fears in buildings. A person who is afraid of the dark has no factual reason to fear darkness as such; he is afraid of his own imagination, or more precisely of the contents that his repressed fantasy may project into the darkness. The great mystery of artistic impact is that a fragment is capable of representing the whole. A mere hint or foreboding claim the authority and experiential power of reality, and detached fragments make up a story possessing a sense of logical progression. The reader constructs a building or a city from the suggestions of the writer, and the viewer of a film creates an entire epoch from the fragmented images provided by the director.(Pallasmaa, 2007, p. 31)
O mesmo efeito é concretizado através dos vãos da Escola de Artes Performativas, sendo que este volume foi proposto como elemento mediador entre dois ritmos opostos. Quando o ingresso no edifício é feito a partir da Avenida da Índia, sente-se a imponência do volume que – ao remeter-nos para outro ritmo e outra essência – controla a restante paisagem. A sua composição em U ‗abraça‘ a extensão do espaço público permitindo uma visão controlada do mesmo. Tal como no projecto para a Villa le Lac (1924), a organização dos vãos oferece uma visibilidade interrompida de um todo. Le Corbusier quebra o vão horizontal no sentido de proporcionar uma leitura sequencial do projecto, aspecto que se pretendeu enfatizar na proposta através dos vãos criados para a Escola de Artes Performativas. Diferentes posicionamentos no interior da escola permitem o entendimento progressivo do seu exterior através da visibilidade fragmentada: as diferentes cotas do projecto; a relação entre espaços e o dinamismo que estes estimulam dirigem o nosso olhar para o núcleo central da proposta. A extensão dos vãos ao longo dos dois pisos que compõem o edifício, permite que a visibilidade seja feita tanto a partir do primeiro
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piso como do segundo. No entanto, no segundo piso somos obrigados a permanecer distantes da fachada, com o objectivo de estimular a curiosidade de aceder aos espaços exteriores. Contemplamos o exterior a partir de dois obstáculos que o controlam.
Ilustração 250 – Interior da Escola de Artes Performativas (Ilustração nossa, 2014)
Apropriamos e transformamos o espaço através da interacção com o mesmo. ―[…] doors, staircases and ramps, provide passage for the body on the major route up through the building – places of transition and indeed transformation.‖ (Samuel, 2007, p.129) O sistema distributivo de um edifício condiciona assim a nossa relação com o mesmo. A arquitectura confere ou enaltece o sentido do lugar a partir do controlo espacial que promove. Os espaços que percorremos e os obstáculos que encontramos e contornamos direccionam-nos e revelam-nos intenções. É este poder da manipulação do espaço – por parte da arquitectura - que o cinema revela e reforça através de eventos e manipulações de espaço e tempo. The modes of experiencing architecture and cinema become identical in this mental space, which meanders without fixed boundaries. Even in the art of architecture, a mental image is transferred from the experiential realm of the architect to the mental world of the observer, and the material building is a mere mediating object, an image
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object. The fact that images of architecture are eternalized in matter, whereas cinematic images are only an illusion projected on the screen, has no decisive significance. Both art forms define frames of life, situations of human interaction and horizons of understanding the world. (Pallasmaa, 2007, p. 18)
A arquitectura é reflexo e razão das ambições de uma personagem ou acontecimento, ao invés de uma solução tipo. Cada bairro, cidade, país, tem as suas particularidades que os distinguem e, o cinema é pródigo na ostentação desta realidade que a arquitectura por vezes ignora. A apropriação do espaço vivido depende do mapa mental do espectador/utilizador do espaço. A percepção é condicionada pelo que o realizador/arquitecto sugere e pela leitura que elaboramos destes desígnios. A arquitectura e o cinema têm assim o poder de conferir sentidos e significados a determinados espaços. São sugeridas associações de modo a tornar mais evidente a nossa relação com determinado espaço. Este controlo torna-se determinante para a leitura que fazemos do espaço observado e percorrido. O edifício proposto pretende, deste modo, posicionar o utilizar do espaço perante a extensão do projecto e torná-lo espectador da dinâmica que a proposta sugere. Testemunhamos o ritmo que a configuração do espaço público promove, sem que este se apodere do espaço onde nos encontramos. A Escola de Artes Performativas tornase assim a plateia para o quotidiano que avista no seu redor, assegurando o controlo dos diferentes ritmos que convergem na área de intervenção. Tal como Dziga Vertov captou o ritmo urbano no filme Man with a Movie Camera (1929), pretende-se com esta proposta captar os diferentes ritmos decorrentes da intervenção e do edificado existente. A imagem que se segue pretende demonstrar a associação concebida entre a proposta e as temáticas exploradas na obra Villa le Lac (1924) de Le Cobusier e na obra cinematográfica de Vertov. A personagem que aparece recorrentemente no filme Man with a Movie Camera é agora colocada num lugar privilegiado do projecto de modo a captar o ritmo resultante dos espaços propostos. A arquitectura e o cinema demonstram assim o poder que têm em comum de ‗capturar‘ o exterior. O modo como o fazem, contribui para a leitura proposta do espaço por parte do arquitecto e do realizador.
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Ilustração 251 – Ilustração do interior da Escola de Artes Performativas habitado pela personagem do filme Man with a movie camera (Ilustração nossa, 2015)
A dimensão do volume proposto para a Escola é entendida de acordo com o nosso posicionamento no território. O ingresso feito a partir de Sul é proposto como uma barreira que rompe com a agitação da Avenida da Índia, enquanto o ingresso a Norte promove uma transição de cotas que revela gradualmente edifício no seu todo. O controlo da escala evita que nos sintamos assoberbados pelo edificado, permitindo assim uma adequação do espaço ao nosso corpo, sentida no decorrer dos percursos criados.
N ÚCLEO C ENTRAL Place and event, space and mind, are not outside of each other. Mutually defining each other, they fuse unavoidably into a singular experience; the mind is in the world, and the world exists through the mind. Experiencing a space is a dialogue, a kind of exchange – I place myself in the space and the space settles in me. [...] The architecture of cinema does not possess a utilitarian or inherent value - the characters, events and architecture interact and designate each other. Architecture gives the cinematic episode its ambience, and the meanings of the event are projected on architecture. The cinematic narrative defines the boundaries of lived reality [...] (Pallasmaa, 2007, p. 22-23)
A dualidade vazio/cheio é sentida através das transições que as comunicações espaciais oferecem. O vazio é cercado em U, criando uma tensão para quem circula neste espaço. A proposta como um todo propõe momentos de articulação entre escalas, dando espaço para que a intervenção – lida sequencialmente – sugira
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entidades diferentes enriquecendo a narrativa espacial. A introdução do espaço cowork propõe uma dinâmica e uma utilização que responde às necessidades das indústrias criativas presentes no terreno a Oeste e ampliadas nesta área. O nosso sentimento de pertença a um lugar é efeito da relação que estabelecemos com ele e do conforto que ele nos garante, tanto físico como mental. Deste modo, é fundamental que nos consigamos relacionar e identificar com o ambiente que nos rodeia. Não perdermos a noção do lugar onde nos encontramos sugerido pela sua atmosfera, torna-se crucial.
Ilustração 252 – Ilustração do núcleo central da proposta habitado pelas personagens do filme L‘eclisse (Ilustração nossa, 2015)
A imagem explora a associação concebida entre a proposta e as temáticas exploradas na obra de Koolhaas e no filme L‘Eclisse (1962). Existe espaço para o vazio como momento de reflexão e contemplação tal como Koolhaas e Antonioni defendem nas suas obras. A escala da proposta considera a escala do elemento humano e o vazio que advém da sua ausência. A apreensão do espaço é efectuada de modos distintos consoante os ritmos vividos. Neste sentido, foram propostos vazios que convidam a uma suspensão temporal que permite a revelação e/ou o refúgio do lugar. Os percursos sugeridos promovem associações que resultam numa relação harmoniosa com o espaço e com a área envolvente. O respeito pela escala humana na proposta
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contraria o desconforto que Antonioni nos apresenta na sua obra. No projecto, os pilares deixam de representar a alienação. Agora, o espaço proposto e as relações que este concebe permitem que Vittoria e Piero mantenham a sua relação, de um modo equilibrado. As memórias e associações que o espaço evoca reforçam a essência do lugar, acolhendo harmoniosamente as personagens. Contrariamente à problemática que a obra de Antonioni expõe, o controlo e transição de espaços e do vazio – através da escala – confere a sensação de pertença que Vittoria tanto ambicionava. Quando não existe algo que consigamos identificar sentimo-nos perdidos e alheados do sítio. A arquitectura serve-se assim de instrumentos – matéria, escala, luz, proporção e orientação - de modo a contrariar esta patologia e promover uma apropriação harmoniosa do espaço.
Ilustração 253 – Troço Este da proposta para a Sidul demonstrativo das diferentes cotas entre espaços (Ilustração nossa, 2015)
Ilustração 254 – Perspectiva do acesso à cobertura da Escola de Artes Performativas (Ilustração nossa, 2015)
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Ilustração 255 – Perspectiva da Escola de Artes Performativas e do acesso ao co-work (Ilustração nossa, 2015)
P ERCURSO There is an hallucinatory effect in a cinematic experience, as in any artistic impact: 'I can no longer think what I want to think. My thoughts have been replaced by moving 24 images.' Also real architecture directs human intentions, emotions and thoughts by means of the hallucinatory air which it awakens. 'A man who concentrates before a 25 work of art is absorbed by it,' as Benjamin writes. (Pallasmaa, 2007, p. 25)
Ilustração 256 – Perspectiva da Escola de Artes Performativas (Ilustração nossa, 2015)
O diagnóstico de edifícios a demolir foi determinante para a leitura espacial da proposta, sendo que o edifício existente a Sul no terreno da Sidul foi demolido no sentido de criar a transição rítmica anteriormente exposta. Este edifício nada acrescentaria à identidade do sítio, sendo que a decisão de o demolir, foi tomada no sentido da introdução de um novo corpo que respondesse às necessidades actuais e ao programa. Tal como as obras de Koolhaas e Antonioni propõem, o diagnóstico do edificado existente revelou-se fundamental para a atmosfera aspirada para a proposta.
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A presença de elementos desprovidos de uma identidade em consonância com o lugar causaria obstáculos ao seu entendimento. A introdução deste corpo suscitou uma articulação com o restante edificado através do trabalho da superfície. A topografia plana do terreno levou à necessidade da sua manipulação através da adição e subtracção de matéria, sendo que a adição de matéria resolve os limites da área de intervenção e a depressão cria várias entidades espaciais, articulando-as, de modo a criar - a partir do núcleo central - diferentes cotas que contrariam a situação existente. Deste modo, a proposta desenvolve o tema do edificado (escola + conjunto das galerias) enquanto topografia e a configuração do espaço público (conjunto das galerias + cafetaria e área verde + co-work) através do trabalho da superfície. A conciliação destes temas promove a riqueza sensorial que reside na leitura do projecto como sequência espacial. Quando o arquitecto nos dirige, somos confrontados com determinada experiência, através de cotas, vãos, sistemas distributivos, ingressos, etc. São as impressões resultantes destes desígnios que o cinema explora e amplifica, permitindo que invadam e permaneçam no nosso imaginário. Benjamin's idea suggests that, although the situation of viewing a film turns the viewer into a bodyless observer, the illusory cinematic space gives the viewer back his/her body, as the experiential haptic and motor space provides powerful kinesthetic experiences. A film is viewed with the muscles and skin as much as by the eyes. Both architecture and cinema imply a kinesthetic way of experiencing space, and images stored in our memory are embodied and haptic images as much as retinal pictures. (Pallasmaa, 2007, p. 18)
O tema da escadaria que configura o espaço público (escola + conjunto das galerias + cafetaria + área verde) e que desenvolve o ingresso no edificado (cobertura da escola) proporciona uma sucessão de experiências que revelam o confronto entre edificado e estrutura verde. Esta última é proposta como elemento de mediação entre o exterior, o edificado e o vazio, mas também, como uma situação de contraste que remete para as noções de bosque e clareira. A existência de duas cotas diferentes que asseguram o ingresso na escola a Norte e Sul cria um sistema distributivo dinâmico através de uma escadaria principal, - no centro do volume -, de uma rampa lateral - que permite a visibilidade controlada do exterior e interior do edifício -, e da escadaria exterior que dá acesso à cobertura - realizando o confronto com o exterior: o edificado e a área verde.
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Ilustração 257 – Corte ilustrativo das diferentes cotas da proposta (Ilustração nossa, 2015)
Ilustração 258 – Corte ilustrativo do sistema distributivo do braço Este da Escola de Artes Performativas (Ilustração nossa, 2015)
Deste modo temos duas leituras diferentes da proposta: A primeira em que estrutura verde esconde a proposta para, à medida que a percorremos, a revelar gradualmente e a segunda em que o verde actua como atenuador do edificado. Ambas as leituras são sucedidas através do movimento do corpo no espaço. A deambulação permite a percepção das tensões sugeridas ao longo do projecto, em que vários tipos de carácter são evocados. São os fragmentos no decorrer do tempo que nos revelam o todo no cinema. Tal como na realidade, é o percorrer progressivo dos espaços que nos revela a arquitectura no seu todo. A manipulação destes fragmentos anuncia outro factor: a subjectividade. A ordem; o ruído de fundo; a velocidade; a altura do dia em que nos é apresentada qualquer situação ou sítio, são elementos indispensáveis à leitura e percepção dos mesmos. Este pressuposto é válido tanto no cinema como na arquitectura. Deste modo, estas ambições não são apenas visíveis mas também acessíveis, fazendo parte da nostalgia que se pretende despertar e da contemporaneidade a que se aspira. A imagem da ponte, os edifícios industriais, a chaminé e a área verde pertencem à imagética recorrente dos percursos desenvolvidos na proposta. Jean Nouvel filtra o exterior para o interior dos seus edifícios de modo a criar uma essência que concilie o existente com o proposto. Wenders relembra-nos que o exterior é fundamental para a leitura de um espaço interior e para a introspecção a que este nos convida. O conforto sentido por quem percorre o projecto depende da moderação entre o que se pretende revelar e ocultar. Esta postura dita a relação que
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estabelecemos com o lugar evitando que este se imponha à nossa presença. As imagens que se seguem demonstram a associação concebida entre a proposta e as temáticas exploradas na obra de Jean Nouvel e de Wenders. As personagens do filme Falsche Bewegung (1975) encontram na proposta um lugar acolhedor que sustenta as suas relações. A articulação entre natureza e edificado concebe uma atmosfera que exclui a necessidade de evasão à cidade. O lugar associado ao movimento – através da deambulação – desperta estados emocionais específicos nas personagens ao longo do filme. Enquanto a natureza parece conferir ao protagonista um estado de tranquilidade que favorece as relações com as restantes personagens, a cidade parece enclausurá-lo e oprimir as suas emoções. Na proposta – devido à conciliação entre edificado e natureza – as personagens seriam capazes de se confrontar com as suas inquietações de maneira a assegurar-lhes um estado emocional equilibrado. A leitura da proposta como um todo oferece o sentimento de pertença que Nouvel desperta nos seus projectos e a que Wenders apela na sua obra cinematográfica.
Ilustração 259 – Ilustração do núcleo central da proposta habitado pelas personagens do filme Falsche Bewegung (Ilustração nossa, 2015)
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Ilustração 260 – Ilustração da cobertura da escola habitada pelas personagens do filme Falsche Bewegung (Ilustração nossa, 2015)
The director operates through the distance of mental suggestion, whereas the architect takes hold, touches our bodily constitution and conditions our actual being in the world.There are hardly any films which do not include images of architecture. This statement holds true regardless of whether buildings are actually shown in the film or not, because already the framing of an image, or the definition of scale or illumination, implies the establishment of a distinct place. On the other hand, establishing a place is the fundamental task of architecture; the first task of architecture is to mark man's place in the world. As Martin Heidegger expresses it, we are thrown into the world. Through architecture we transform our experience of outsideness and estrangement into the positive feeling of domicile. The structuring of place, space, situation, scale, illumination, etc, characteristic to architecture - the framing of human existence - seeps unavoidably into every cinematic expression. In the same way that architecture articulates space, it also manipulates time. 'Architecture is not only about domesticating space,' writes Karsten Harries, 'it is also a deep defense against the terror of time. The language of beauty is essentially the language of timeless reality.'16 Re-structuring and articulating time - re-ordering, speeding up, slowing down, halting and reversing - is equally essential in cinematic expression. (Pallasmaa, 2007, p. 20)
O primeiro intuito da arquitectura é situar-nos, conduzindo-nos para o conceito de sentido do lugar. A cultura, história, orientação, paisagem, luz, cor e som são alguns dos elementos imprescindíveis desta noção. É a partir do diagnóstico destes factores que se faz arquitectura. Como potenciá-los de modo a promover o bem-estar do Homem e a reforçar o seu sentido de pertença é uma das primordiais ambições do arquitecto. Quando um filme nos revela uma cidade, paisagem ou skyline,
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conseguimos situar-nos. Filmes como Os Verdes Anos (1963)79 de Paulo Rocha80, Lisbon Story (1994)81 de Wim Wenders, Bande à part (1964)82 de Godard, L‘eclisse (1962) de Michelangelo Antonioni e Der Himmel über Berlin (1987)83 de Wim Wenders revelam-nos a cidade sugerindo-nos que esta é também protagonista na história. Os acontecimentos são fruto da atmosfera da cidade e condicionam o nosso sentido do lugar. Esta proposta é apresentada no sentido de evidenciar os conceitos que a arquitectura e o cinema têm em comum. A manipulação do espaço através de uma visibilidade dirigida e controlada realça uma das principais características comuns às duas disciplinas: o poder que têm de revelar e evocar as suas intenções no espectador/utilizador do espaço. O elemento humano - essencial ao entendimento da obra arquitectónica e cinematográfica -, por ser detentor de memórias e estabelecer relações, é convidado a amplificar estas capacidades consoante o espaço onde se situa. Deste modo, no decorrer dos percursos, é proporcionada uma leitura progressiva que apela para o entendimento da proposta como um todo.
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O Verdes Anos (1963) é um filme português realizado por Paulo Rocha. A obra marcou o início do Cinema Novo português. O filme passa-se em Lisboa onde contemplamos locais emblemáticos como os bairros das Avenidas Novas. 80 Paulo Rocha (1935-2012) foi um cineasta português que juntamente com outros fundou o movimento Novo Cinema em Portugal. Estudou realização de cinema em Paris, tornando-se mais tarde assistente de realização do realizador francês Jean Renoir. Quando volta a Portugal trabalha com Manoel de Oliveira, no mesmo ano em que realiza uma das obras mais notáveis do cinema português: Os Verdes Anos (1963). A Ilha dos Amores (1982), O Rio do Ouro (1998) sãos algumas das suas obras. 81 Lisbon Story (1994) é um filme realizado por Wim Wenders. Inspirado pela cidade de Lisboa, Wenders mostra-nos espaços que o encantam pela sua luz, som e pessoas através da personagem principal: um engenheiro de som. 82 Bande à part (1964) é um filme francês, pertencente à corrente Nouvelle Vague, realizado por Jean-Luc Godard. A obra passa-se em Paris, onde podemos contemplar o Museu do Louvre e algumas ruas emblemáticas da capital francesa. 83 Der Himmel über Berlin (1987) é um filme franco-alemão realizado por Wim Wenders. O filme passa-se em Berlim antes da queda do muro. As consequências da segunda guerra mundial e o seu impacte na cidade e nos seus habitantes são nos apresentados através do olhar de um anjo.
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4.3. PROPOSTA: PEÇAS DESENHADAS
N
Ilustração 261 – Planta da intervenção e requalificação urbana da LXFACTORY e do terreno da Sidul em Alcântara à cota 0 (Ilustração nossa, 2014)
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Corte AA‘
Corte BB‘
Corte CC‘
Corte DD‘ Ilustração 262 – Cortes da intervenção e requalificação urbana da LXFACTORY e do terreno da Sidul em Alcântara (Ilustração nossa, 2014)
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo desenvolvido ao longo da dissertação propõe expôr a influência do cinema na vivência do espaço arquitectónico. Os casos de estudo que sustentam esta influência foram essenciais no entendimento dos conceitos centrais com que cada disciplina opera. O modo como estes se cruzam, nas duas disciplinas, foi estudado no sentido de constituir um meio auxiliar no entendimento da cidade e do espaço, e na proposta de respostas por parte da arquitectura. Tempo, espaço e movimento são elementos imprescindíveis à explanação dos temas abordados. O estudo dos espaços eleitos, através do filme e da arquitectura, propôs uma relação entre as duas formas de arte como instrumentos de registo, como meios denunciadores de uma condição e como propostas vivências. Os casos de estudo demonstraram assim três diferentes posturas e modos de operar na cidade e no espaço arquitectónico. A obra Villa Le Lac (1924) de Le Corbusier e o filme Man with a Movie Camera (1929) de Dziga Vertov, ofereceram-nos um entendimento sobre questões que começavam a ganhar força na modernidade, tendo influência na prática do cinema e da arquitectura. As novas velocidades e ritmos que se testemunhavam no quotidiano, serviram assim de mote a novos conceitos que visaram registar estes compassos, de modo a torná-los evidentes para o utilizador do espaço/espectador. No seguimento de uma relação que expôs os princípios essenciais da interligação entre as duas formas de arte, são estudadas as obra S, M, L, XL (1995) e Embaixada da Holanda em Berlim (2003) da autoria de Rem Koolhaas e o filme L‗Eclisse (1962) de Michelangelo Antonioni. Este estudo visou o entendimento das obras do arquitecto e do realizador, conhecidos pela sua postura crítica em relação à cidade e ao lugar. As reflexões que propõem através do seu trabalho, foram essenciais no entendimento de um olhar crítico, através do cinema e da arquitectura, após o estudo de um olhar que reconhecia as suas possibilidades. Deste modo, aborda-se uma relação entre a obra cinematográfica e a arquitectónica como exposição das patologias da sociedade e da cidade. O cinema e a arquitectura como meios denunciadores de uma condição foi o tema abordado, no sentido de estudar o modo como esta temática se cruza nas duas formas de arte.
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Desta investigação, foi importante reter que a arquitectura no seu todo, por deter um papel fundamental na vivência da cidade, é também assunto da obra cinematográfica. Com o decorrer das décadas, nascem novos modos de intervir na cidade, explorados e trabalhados por arquitectos, de que alguns cineastas se servem para expôr as problemáticas da sociedade e/ou de uma época. Deste modo, propôs-se uma relação entre duas formas de arte que detêm um papel relevante na crítica e reflexão sobre a cidade e o espaço arquitectónico. No seguimento de uma relação que visou a necessidade de uma postura crítica perante a cidade, através da arquitectura e do cinema, são estudadas a obra Instituto do Mundo Árabe (1987) de Jean Nouvel e o filme Falsche Bewegung (1975) de Wim Wenders. Os conceitos basilares a partir dos quais a arquitectura e o cinema operam, foram revisitados e agora complementados. Após o reconhecimento de uma condição, o arquitecto e o cineasta propõem modos de estar na cidade, reconhecendo-lhe valor, através da experienciação do espaço arquitectónico. Tempo, movimento e enquadramento aliados à sequência narrativa do espaço e da história foram estudados no sentido de compreender o contributo das duas formas de arte na proposta de vivências espaciais. Por fim, conclui-se este universo de relações entre arquitectura e cinema com a proposta de um caso prático que constituiu a revisitação do exercício realizado na disciplina Projecto III. O modo como o presente estudo contribuiu para o processo criativo da arquitectura, foi assim exposto neste capítulo. A elaboração de um storyboard que evoca as relações estabelecidas nos capítulos anteriores, fomentando a experimentação e leitura do espaço a partir do processo criativo do cinema, foi relevante na medida em que demonstra o tema proposto para a investigação: A vivência do espaço arquitectónico através do cinema. A articulação entre as duas formas de arte foi exposta no sentido de apresentar a sua relevância no modo de pensar a arquitectura e a sua espacialidade, tanto a nível teórico como prático.
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