EUTONIA, PEDAGOGIA CORPORAL E TERAPÊUTICA A performance contemporânea vem se atualizando como práticas estéticas e vivências sensíveis que nos transportam inevitavelmente a estados alterados de percepção, elaborados no laboratório de improvisação, num espaço protegido que chamo de Temenos onde, num continuum de elaboração e reflexão sobre o corpo em movimento, o movimento nasce. Levando em consideração que só construo minha própria dança enquanto construo a mim mesma, a dança se apresenta como dinâmica de símbolos que se atualizam e se alimentam do processo que os gera, numa interdependência e simultaneidade de criatividade-produção processo. Eutonia, concebida por Gerda Alexander, aluna de Jacques Dalcroze entre 1915 e 1929 é um processo que traz um autoconhecimento através da percepção e da conscientização corporal. É uma pedagogia bastante profunda, pois através de uma direção atenta do eutonista, aprofunda no indivíduo a percepção de si mesmo e do corpo como unidade integrada. Esse método está baseado principalmente no contato com o solo e com objetos, investigando a mudança de tônus muscular, da postura, de sensações e das percepção de si mesmo.
O método explora também o uso do esqueleto como alavancas para o
movimento. Por ser um processo de investigação simultaneamente do corpo e de si mesmo, descompromissado em relação à estética do movimento e, também, por ser um método puramente sensorial, podemos reconhecê-lo como o instrumental mais adequado e desprovido de “matéria” para composição do movimento na dança. Gerda Alexander, com grande influência da euritmia – método de ensino baseado na música e no movimento, de Jacques Dalcroze do início dos anos 1900 - não só concebeu o corpo como unidade psicofísica , mas também, em plena eclosão dos grandes nomes da arte moderna, antecipava o que hoje, mais de 80 anos depois, é vanguarda na arte contemporânea e sempre foi uma necessidade humana: individuar- se. Não seguindo um
estilo ditado por outro, (Marcellino, 2006, p. 52) (mas) ... Sim desvelando suas potencialidades, sua totalidade humana, expandindo-as e atingindo múltiplos significados. Trata-se de um processo de vivências sensíveis do movimento onde se desenvolve a consciência corporal, a reorganização postural e o conhecimento profundo de si mesmo. Ativando reflexos, a Eutonia permite uma organização harmônica da coluna vertebral, alinhando a postura, restabelecendo uma corporeidade natural e consciente. É uma pedagogia corporal que explora e desenvolve toda a complexidade do indivíduo, partindo do princípio de que ele deve ser agente-ativo em sua constante transformação, resgatando sua autonomia psíquica e motora. A Eutonia, assim como a dança, não aborda o corpo apenas do ponto de vista orgânico/estrutural; além dos aspectos neuromotor e músculo esquelético, aborda o organismo como um todo que vivencia, capta, transmite no dia a dia e ao longo da vida, suas emoções e impressões. Através da ação muscular e da estrutura óssea na regulação do tônus, da postura e do movimento, os aspectos simbólicos que emergem da observação dessas vivências. Afirmam os eutonistas, pela longa experiência e depoimentos, que os indivíduos resgatam e integram conteúdos psíquicos fundamentais para seu equilíbrio psíquico, para sua capacidade expressiva e autonomia nas atividades diárias. Esse ambiente sensível - corpo - que intermedia, pela fronteira dos sentidos, todo o universo dentro ao universo fora, mas que é um universo só, é o ambiente no qual vivenciamos nossa própria existência. (Marcellino, 2006, p. 53).
i
Eutonia como suporte para os laboratórios de dança. A finalidade do uso desse método nos nossos laboratórios será de trazer um maior recolhimento, um estado de consciência interior sem perder a consciência do movimento, tanto orgânico quanto subjetivo, estabelecendo um diálogo entre o consciente e o simbólico. O corpo pensa através de ações, percepções e sensações e a psique através de imagens. A imagem psíquica pode se atualizar novamente no pensar corporal, desta vez transformadas pelo encontro das duas realidades. O corpo torna-se acesso e portal de investigação daqueles conteúdos que ficam no lado obscuro, prontos para sair, mas que esbarram, não sabemos ainda em quê.
É possível pressentir que, o que pesa sobre o corpo são os códigos, a técnica. E se o corpo quiser dizer de outra forma e não encontrar a linguagem “correta”? Dar de cara no chão, jogar-se e espreguiçar? Precisaria de liberdade. A liberdade da performance, tomando como referência que nós performers não representamos nem interpretamos um personagem ou situação, mas, apresentamos situações ou dramatizações de nós mesmos. Gestalt! Encontremo-nos no corpo!
Profa. Ms Vera Cristina Marcellino, Mestre em Artes pela Unicamp, Bacharel e Licenciada em Dança pela Unicamp. Facilitadora de recursos expressivos em saúde mental e arte-terapia (dança). Mediadora de vivências em Eutonia. Aborda e pesquisa a articulação e diálogo entre performance-art, somma psíquico e psicologia analítica.
i
i Marcellino, Vera Cristina. O Self dança: uma proposta de individuação hipertextual. / – Campinas, SP: [s.n.], 2006.