Histórias da praça

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Faculdade de Comunicação e Artes - FCA

Curso de Comunicação Social . Publicidade e Propaganda . 2 Período 2016


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Apresentação Um espaço único, tradicional e ao mesmo tempo com as marcas da contemporaneidade, palco da História e de muitas outras histórias. Assim é a Praça da Liberdade. Eu, você, todos nós, de alguma maneira, temos algo para contar e registrar sobre a praça. E é a partir dessa perspectiva que lançamos este e-book, parte integrante do Projeto Histórias da Praça. Na teoria, este e-book se apresenta como um trabalho interdisciplinar do segundo período do curso de Publicidade e Propaganda da unidade da PUC Minas da Praça da Liberdade. A proposta foi de integrar os alunos e as disciplinas em torno de um tema, um marco geográfico de Belo Horizontee onde a PUC Minas hoje ocupa espaços estratégicos: a Praça da Liberdade. Na prática, alunos e professores exerceram o seu direito de cidadãos e assim conhecer ainda mais a fundo, explorar e ocupar o espaço urbano, resgatando a memória histórica da praça e da cidade a partir de livros e documentos, reconstruindo uma linha do tempo. As pessoas que frequentam a praça também puderam ter voz ativa nesse processo, recuperando memórias afetivas de suas histórias de vida, relatadas nas entrevistas. Os alunos, além de ouvi-las, registraram em fotos e vídeos o que presenciaram, tiveram as próprias emoções e impressões, e fizeram as suas próprias versões em forma de contos e crônicas. O resultado está aqui. A teoria e a prática caminhando juntas, neste e-book, materializadas a partir de um processo instigante, enriquecedor e gratificante. Para você ler, ver e se lembrar da sua história na Praça da Liberdade.

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Prof. Valério Augusto

Prof. Mário Viggiano

Profa. Dulce Albarez

Fotografia

Comunicação e Literatura

Produção Gráfica

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Colaboradores

SUMÁRIO Apresentação 5 Histórias não oficiais

Histórias oficiais Alessandra Ávila Morato Amanda Cristina Rodrigues Souza Carlos Miguel F. Lopes de Almeida João Vítor de Resende Lima João Vítor Maciel Nunes Julia Carolina Sales de Mesquita Seixas

Artes Gráficas Adriano Carvalho Santos Brito Alícia Garcia Sad Érica Peres Sena Larissa Lacerda Marques Thamires Maria Braz Pedrosa

Histórias não oficiais

Exposição de fotos

Ana Flávia Palacini Mafra Ana Paula Braga Araújo Fernanda Resende Blom Oliveira Giuliana Paúra Bueno Isabela de Assis Magnani Tydes Augusto Rodrigues

Eduardo Soares de Queiroz Gabriela Haddad Medeiros Gabrielle Di Giorgio Cardoso Oliveira Julia Brenda Silva Luisa Costa Isaac

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Histórias Oficiais

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Contos e crônicas

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Poesia 42

Vídeo Teaser e vídeo final

Fotografia Cândida Margarida Van Dunen M. Bastos Nayara Ribeiro de Souza Lorena Dias Ramos Patrícia Helena Bernardes Pereira

Aline Kelly Fernandes de Oliveira Artur Fernandes Lahoz Rayanne Pinto Coelho Marques Gustavo Coelho Assis

Assessoria de design e finalização do e-book

Contos e crônicas Adriano Carvalho Santos Brito Caio Moura Pereira Fernanda Oliveira de M. Diniz Dutra Gabriel Salgado Ribeiro Laura Gazzinelli Rabelo

Erica Peres Sena

Foto: Artur Fernandes Lahoz, Eduardo Soares de Queiroz ,Fernanda Oliveira de M. Diniz Dutra, Gabriela Haddad Medeiros, Julia Brenda Silva e Rayanne Pinto Coelho Marques

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HISTÓRIAS NÃO OFICIAIS

E n t r e v i s ta

Genira Barbosa 70 anos

Entrevistador: A praça tem algum significado especial para você? Entrevistada: Quando a gente começava a namorar, a gente ia para o lado de lá, não sei por que, acho que lá devia ser mais escurinho. Então a gente ia para lá e as amigas falavam: “Nossa, fulano está namorando fulano, fulano está namorando fulano”. E, realmente, a gente morava no Santo Antônio e foi com ele que eu me casei. Tive outros namorados antes, assim, mas namorico. Mas esse foi na praça que aconteceu. Eu adoro a praça, viu! É aqui que eu venho depois que eu fiquei viúva (16 anos que sou viúva). Comecei a vir aqui toda manhã, para andar, descontrair um pouco. Conheci muitas amigas e encontrei outras velhas amigas...

Foto: Cândida Margarida Van Dunen M. Bastos,Nayara Ribeiro de Souza,Lorena Dias Ramos e Patrícia Helena Bernardes Pereira

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Sammya Marques 24 anos

Entrevistador: Com que frequência você vem à Praça da Liberdade? Entrevistado: Pelo menos uma vez por semana. Entrevistador: Como você define a praça em uma palavra ou uma frase? Entrevistado: Nossa, muito difícil, mas acho que aqui é calmo. Entrevistador: O que a praça significa para você? Alguma história que marcou você? Entrevistado: Quando aprendi a andar de bicicleta, no ano passado. A primeira vez que tentei andar na rua foi aqui. E foi muito divertido, porque um cara me deu uma dica que me ajudou a aprender a andar. Entrevistador: O que ele falou para você? Entrevistado: Ele falou que não tenho que me concentrar em pedalar, que eu tinha que me concentrar e m manter o equilíbrio e depois consegui por causa disso. Foto: Cândida Margarida Van Dunen M. Bastos,Nayara Ribeiro de Souza,Lorena Dias Ramos e Patrícia Helena Bernardes Pereira

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Fernando Dias 34 anos

Entrevistador: Com que frequência você vem à Praça da Liberdade? Entrevistado: Todos os dias. Entrevistador: Você trabalha aqui? Entrevistado: Não, só fico treinando e descansando. Eu trabalho à noite. Entrevistador: Como você define a praça em uma palavra ou em uma frase? Entrevistado: Como eu frequento a praça todo dia, em uma palavra...Liberdade. Entrevistador: Você tem alguma história aqui ou o que ela representa para você? Algo que marcou você aqui? Entrevistado: Conheci minha namorada. Entrevistador: Conte a história então. Entrevistado: Ficava aqui treinando. Aí, passou um dia, a gente se viu e começamos a nos falar e começou nossa história, há um ano. Entrevistador: E vocês estão juntos até hoje? Entrevistado: Sim. Foto: Cândida Margarida Van Dunen M. Bastos,Nayara Ribeiro de Souza,Lorena Dias Ramos e Patrícia Helena Bernardes Pereira

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Cissa Victoi e William Anderson 26 anos e 18 anos

Entrevistador: Com que frequência você vem à Praça da Liberdade? Entrevistado: Minha família mora aqui perto. Sempre venho aqui para shows. Agora estamos vindo com mais frequência, porque estamos fazendo um trabalho sobre a arquitetura da praça. Entrevistador: Vocês têm alguma história aqui na praça? Algum significado aqui para vocês? Entrevistado: Eu sou casada e comecei a namorar com ele por aqui. Entrevistador: Há quanto tempo você é casada? Entrevistado: Seis anos. Ele é de Belo Horizonte, mas não foi exatamente aqui na praça que eu conheci ele. Segundo entrevistado: Para mim significa muito envolvimento com arte. Sempre que eu venho aqui é por causa da arte, alguma exposição, algum evento com música. Querendo ou não, a praça tem influência da arte, porque ela é ligada aqui com os museus. Então, automaticamente, você indo ao museu conhecer alguma história, você passa por ela. Eu acho que ela faz parte do contexto histórico, principalmente de Belo Horizonte.

Foto: Cândida Margarida Van Dunen M. Bastos,Nayara Ribeiro de Souza,Lorena Dias Ramos e Patrícia Helena Bernardes Pereira

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Maria Laura Valadares 22 anos Entrevistador: Com que frequência você vem à Praça da Liberdade? Entrevistado: De 15 em 15 dias. Entrevistador: E como vocês definem a praça em uma palavra ou uma frase? Entrevistado: Ah, eu acho que aqui é tipo um “refugiozinho” no centro da cidade. Um refúgio verde na cidade. Olha esse ventinho que está batendo agora! Só de estar sentada escutando os barulhinhos das árvores, as flores... Entrevistador: Você tem alguma história aqui na praça? Algo que tenha algum significado para você? Que marcou a vida de você? Entrevistado: Já aconteceu tanta coisa aqui. Entrevistador: Então, conta uma história para a gente. Entrevistado: Teve uma noite que foi incrível, que a gente fez uma virada aqui. Decidimos fazer uma virada artística, dentro de um festival que estava acontecendo, e que a gente convidou várias pessoas. A gente ficou ali perto do coreto e com lanches com várias vivências em círculos. Artistas pintando quadros ao vivo a noite toda, música...Foi um dia bem diferente! Mês passado vi meu priminho aprendendo a andar aqui. Foi a coisa mais linda do mundo!

Foto: Cândida Margarida Van Dunen M. Bastos,Nayara Ribeiro de Souza,Lorena Dias Ramos e Patrícia Helena Bernardes Pereira

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João Henrique Marques e João Pedro Viana Os dois com 18 anos

Entrevistador: Qual o nome de vocês e a idade? Entrevistado: João e João, 18 anos. Entrevistador: E vocês estudam aqui? Entrevistado: Sim, eu faço ensino médio e ele administração. Entrevistador: Com que frequência vocês vêm à Praça da Liberdade? Entrevistado: Fim de semana. Pouco. Entrevistador: Como vocês definem a praça em uma palavra ou em uma frase? Entrevistado: Liberdade. É uma praça legal. Entrevistador: Vocês têm alguma história aqui na praça? Algo que marcou vocês? Algum significado? Entrevistado: A gente. Entrevistador: Conta a história! Entrevistado: A gente se conheceu aqui. Nós nos conhecemos no snapchat e nos encontramos aqui. Mas foi aqui, sim, o nosso primeiro encontro.

Foto: Cândida Margarida Van Dunen M. Bastos,Nayara Ribeiro de Souza,Lorena Dias Ramos e Patrícia Helena Bernardes Pereira

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HISTÓRIAs OFICIAis

1895 - 1897:

A Praça da Liberdade foi instalada na época da construção da capital mineira para abrigar a sede do poder mineiro, como Palácio do Governo e as primeiras secretarias de Estado. Os prédios que circulam a praça têm arquiteturas ecléticas, uma mistura dos estilos barroco, clássico e medieval, além de elementos neoclássicos. Vale lembrar que aquela região era o Centro de Belo Horizonte.

1923:

Construído em 1923 pelo empresário espanhol Aquelino Edreira Seara, o coreto já foi palco de discursos políticos de ex -presidentes como Jânio Quadros e Juscelino Kubitschek, além de autoridades estaduais. Tombado pelo Patrimônio Histórico de Belo Horizonte, o espaço recebeu diversas apresentações musicais.

Foto: Fernanda Resende Blom Oliveira ,Larissa Lacerda Marques,Luisa Costa Isaac, Thamires Maria Braz Pedrosa e Tydes Augusto Rodrigues

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1926:

O Prédio Rosa, que foi inaugurado junto com a capital em 1897, ainda abriga um dos primeiros elevadores de Belo Horizonte, de 1926, em pleno funcionamento.

1937:

Construção do Palácio Arquiepiscopal Cristo-Rei, em estilo art déco, de autoria do arquiteto Raffaello Berti.

1942:

Protestos contra o “Eixo” na Segunda Guerra Mundial.

1950:

Transformação no cenário com obras arquitetônicas de Oscar Niemeyer.

1951:

Juscelino Kubitschek se torna governador de Minas Gerais e celebra sua posse na Praça da Liberdade.

1969:

Durante o governo de Israel Pinheiro, foram feitas reformas que tiveram o foco na reestruturação do sistema viário, com a supressão do tráfego de veículos na alameda central e a implantação de mão dupla com o, alargamento das pistas lateraiis, em que o traçado dos jardins foi alterado com a introdução de fontes, espelhos d’água, cascata e vegetação intensa.

Foto: Joana Laviola de Lira,João Vítor de Resende Lima, Julia Carolina Sales de Mesquita Seixas e Mariana Carolina Carneiro Loureiro

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1977:

Em 2 de junho de 1997 o conjunto arquitetônico e paisagístico da praça foi tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG).

1980:

Em 1980, em estilo pós-moderno, foi inaugurado o prédio conhecido como Rainha da Sucata, onde hoje funciona o Museu das Minas e do Metal.

2000:

Em setembro de 2000, o Palácio da Liberdade se tornou trincheira do então governador Itamar Franco que se sentia ameaçado pela presença de tropas federais em Minas Gerais.

2016:

Durante o ano, a Praça da Liberdade foi palco de diversas manifestações pro e contra o mandato de Dilma Rousseff e, em 18 de abril, manifestantes puderam assistir o impeachment da presidente em um telão instalado na praça durante o acontecimento. A Praça da Liberdade se torna um dos maiores pontos de encontro da cidade para aqueles que aderiram o jogo Pokémon Go.

Foto: Fernanda Resende Blom Oliveira ,Larissa Lacerda Marques,Luisa Costa Isaac, Thamires Maria Braz Pedrosa e Tydes Augusto Rodrigues

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CONTOS E CRÔNICAS

(Des)memórias alcoólicas

No auge dos meus 23 anos e morando sozinho no hipercentro de Belo Horizonte, meus fins de semana se resumiam aos bares da região Centro-Sul da cidade. E assim como o poeta, minha vida era subir Bahia... A Praça da Liberdade, sempre cheia de casais e grupos de amigos que se recusavam a ir para casa, sempre repleta de latas e garrafas. Da Avenida Cristóvão Colombo até o fim da Av. João Pinheiro, cacos de vidro pela calçada e nas valas das ruas denunciavam noites de farra e luxúria regadas a álcool. Ficava imaginando o motivo daquelas garrafas estarem vazias: amores perdidos, outros encontrados; arrependimento para alguns, comemoração para outros. Uns afogavam mágoas, enquanto outros apenas as alimentavam. Eu, politicamente correto

que era, jamais seria capaz de jogar uma garrafa na rua ou deixar uma lata no chão, mas a praça estava repleta delas, cada uma com sua história. Aquela garrafa de vodca, vazia na escada do coreto, poderia ser de um jovem, que após terminar seu namoro de muito tempo, chamou seu fiel amigo para juntos chorarem as mágoas. As latas de cerveja próximas à fonte, provavelmente eram de um grupo de amigos, quedepois de rodadas e rodadas de bebidas, foram para suas casas, rir dos tropeços e das frases sem sentido uns dos outros. A de tequila, com certeza de um casal apaixonado que se amou fervorosamente madrugada adentro, ou apenas de dois desconhecidos atrás de prazer que nunca mais se viram depois de uma meia hora apressada. Volto para casa, Foto:Ana Flávia Palacini Mafra,Amanda Cristina Rodrigues Souza, Érica Peres Sena,Isabela de Assis Magnani, João Vítor Maciel Nunes eLaura Gazzinelli Rabelo

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maquinando histórias plausíveis de gente plausível, de casos que ocorrem todos os dias, mas que ficam submersos no álcool e não vêm à luz do dia e da sobriedade. Sobriedade essa que tem suas vantagens, como a de poder testemunhar as histórias daqueles que não as têm. Quem sabe um

dia, serei eu o protagonista de mais uma história melancólica preenchendo o vazio de alguma garrafa deixada ao relento de praça, fazendo companhia a outras tantas que ali estão. Jogadas. Abandonadas.“Sujando” a praça de histórias alcoólicas.

Gabriel Ribeiro Salgado

Foto: Joana Laviola de Lira,João Vítor de Resende Lima, Julia Carolina Sales de Mesquita Seixas e Mariana Carolina Carneiro Loureiro

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Achada e perdida É difícil imaginar que algum dia toda a juventude e a energia se esvaem...mais difícil ainda é imaginar que você pode se esquecer de toda a sua história assim, num piscar de olhos. E foram justamente os olhos de uma senhora que andava pela praça que me chamaram a atenção. Não a multidão que a cercava com perguntas que ela claramente não entendia, mas o olhar perdido de quem já não se lembra ao certo do que a levou até aquele lugar, naquele momento. Eram apenas caos aqueles olhos. E a confusão ficava evidente a cada pergunta. “Você está perdida?” “Qual é o seu nome?” “Você quer que ligue pra alguém?”. Se a cena em si já não era desesperadora e agonizante o suficiente, o claro desespero daquela mulher era. Não era capaz de nada além de balbuciar palavras aleatórias e choramingadas. “Você quer ir pra algum lugar?” “Quer ajuda pra chegar lá?”. Nada. Ela não se lembrava. A cada pergunta não respondida, a multidão se agitava mais.

“Moça, responde!”. Mas ela não podia, ela não conseguia e depois de algum tempo os olhares solícitos e perguntas cuidadosas se transformaram em irritação. A conversa perdeu o foco e ajudar a confusa senhora não era mais prioridade. A multidão agora se dispersava pela praça e os que ficavam discutiam sobre a doença que claramente a afligia. “É assim mesmo. Eles nunca se lembram de nada. A avó da minha vizinha é assim, doidinha. Mas deve ter alguém atrás dessa aí. Já, já está em casa com algum irmão, sobrinho, sei lá...” E foi assim. Conversa vai, conversa vem e os olhos confusos cada vez mais confusos não tinham mais importância para ninguém. Mesmo com a chegada de um guarda municipal, o estado da mulher parecia cada vez mais irrelevante. O dia estava lindo, afinal. A praça estava cheia de crianças e as flores pareciam brilhar com cada raio de sol. A senhora olhou a sua volta e sorriu com gosto: era um lugar incrível para se estar perdida. Fernanda Oliveira de Miranda Diniz Dutra Foto:Alícia Garcia Sad,Ana Paula Braga Araújo e Giuliana Paúra Bueno

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A voz entre as palmeiras Antes, para encontrar a tal da “alma gêmea”, você dava seu nome verdadeiro ou um pseudônimo na entrada desse mundo dos flertes telefônicos, entrava em uma linha compartilhada com mais várias vozes com nomes inventados e conversava até achar alguém que lhe chamasse atenção. Caso acontecesse, ligava-se para a telefonista e pedia-se para falar em linha privada com a tal pessoa. Como o eterno falso romântico que eu era, decidi por me chamar Dirceu, sempre observando minha Marília da vez. Já era comum para mim. Sempre me escondia em meio às palmeiras da Praça da Liberdade enquanto olhava para a porta da famosa lanchonete. Era simples. Combinava com a “voz” de ir com uma roupa específica, talvez pelo belo contraste ou pelo simbolismo que a cor remete, sempre pedia para que fossem de vermelho. A espera me deixava ansioso, porém nunca me tirava a esperança de colocar um belo rosto na voz que tanto ouvi.

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Quando a combinação não correspondia a minha idealização, ainda continuava por alguns instantes a observar e, por vezes, quase senti remorso ou pena, mas minha mocidade malandra sempre afastava o pensamento e me fazia voltar aos bate-papos. Tinha ouvido uma voz que me chamou atenção na semana passada e comecei as ligações privadas. As horas que se passaram, ao longo da semana, conhecendo o mundo daquela pessoa, me fizeram ansiar pelo encontro. Corria para atender o telefone em todos os momentos, gritando com meu irmão para que saísse da linha. Atendia a ligação com a voz mais grossa que conseguia projetar e permanecia grudado ao aparelho até minha mãe mandar meu pai me repreender. O nome que ela havia me dito era Beatrice e somente pela escolha dele já me sentia um pouco roubado de mim. Que exercício era aquele de colocar um rosto em uma voz? Colocar um corpo em um timbre. Colocar um sorriso

Foto:Adriano Carvalho Santos Brito,Alessandra Ávila Morato,Caio Moura Pereira, Gabrielle Di Giorgio Cardoso Oliveira e Patrícia Helena Bernardes Pereira

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em um sotaque. Minha imaginação era algo fértil demais. Nublada pela cadência daquela voz, o fone embaçava pelo toque das minhas mãos suadas que seguravam meu contato com o já nosso mundo e, por isso, não podia confiar cegamente nela e precisava recorrer a minha artimanha mais uma vez. Como de praxe, pedi que fosse com uma roupa vermelha e falei que estaria de azul esperando em uma mesa pelo meu xodó. Cheguei no horário combinado com uma blusa branca e uma esperança que me pesava os ombros e comecei minha espionagem. Ia de um lado para o outro da praça até avistar um ponto vermelho em alguma das entra-

das da lanchonete e depois me escondia por detrás de alguma palmeira para conseguir me decidir se iria ou não ao encontro. Era comum haver atrasos. Afinal, nem todos moravam perto da praça e daquela vez se passaram cinco, dez, quinze minutos e não avistei nenhum vermelho que não fosse da própria lanchonete. Talvez algo tivesse acontecido e quando chegasse em casa receberia um recado de que ela havia ligado, ou talvez que ela tivesse enfrentado problemas no trânsito e ainda iria aparecer. Passados mais dez minutos, eu resolvi aceitar a realidade e, cabisbaixo, ir embora. Porém, quando eu estava saindo, vi uma linda jovem vestida de branco por detrás das palmeiras, suas mãos apoiadas no tronco da árvore já denunciavam sua atividade. Ela estava espionando o mesmo lugar. Adriano Carvalho Santos Brito

Foto:Alícia Garcia Sad,Ana Paula Braga Araújo e Giuliana Paúra Bueno

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Da democracia ao lixo A minha mudança para a cidade de Belo Horizonte aconteceu num período em que o país estava vivenciando um momento conturbado na política. Acompanhei de perto as mudanças que o país sofreu e, parte disso, se deve por causa do ambiente democrático da Praça da Liberdade. Palco de diversas manifestações políticas e sociais ao longo dos anos, a praça me conquistou pelo charme histórico. A sua existência já é um ato político e de resistência. Em meados de 2015 aconteceram os protestos contra o governo da ex-presidente da República, Dilma Rousseff. A cada mês, pelo menos, acontecia uma grande manifestação dentro da praça contra o governo da época. A grande reivindicação era um impeachment contra a presidente eleita democraticamente e sem qualquer crime de responsabilidade. Certo dia, passando pela praça no momento exato de uma

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das manifestações, resolvi parar e observar o conteúdo e a legitimidade daquele movimento. A aglomeração de pessoas dificultava a mobilidade e os gritos de guerra contra o governo ecoavam por todos os lados. O perfil dos manifestantes era bastante curioso e homogêneo. Trajando verde e amarelo e com cartazes, a maioria ofensivos, os manifestantes viam naquele domingo mensal um momento de lazer e uma ótima oportunidade para exercer o papel como cidadãos na luta por um país melhor. Grandes tendas e palcos foram erguidos, famílias foram reunidas e enquanto reclamavam da crise, o comércio naquele dia era mais intenso do que nunca. Horas depois, quando a manifestação havia chegado ao fim, voltei para a praça e me deparei com um ambiente caótico. Já havia escurecido e o lugar estava praticamente abandonado, com exceção das garrafas de vidro, cartazes rasgados, comidas espalhadas por todos os lados

Foto:Ana Flávia Palacini Mafra,Amanda Cristina Rodrigues Souza, Érica Peres Sena,Isabela de Assis Magnani, João Vítor Maciel Nunes eLaura Gazzinelli Rabelo

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e outros diversos tipos de entulho que encobriam todo o chão da praça. Sentei-me em um dos bancos e fiquei me perguntando qual a legitimidade de um movimento que luta por um país melhor, mas no fim polui ambientes e deixa rastros de um povo que tem a desonestidade e a hipocrisia em seu DNA. Não existe governo corrupto em uma nação ética. Enquanto eu refletia, um caminhão de lixo estacionava próximo de onde eu estava e instantaneamente desceram três garis

prontos para virarem a noite recolhendo todo o lixo que aquelas pessoas deixaram para trás. As minhas indagações sobre a moral daquela manifestação haviam sido respondidas. A Praça da Liberdade foi berço de grandes manifestações e há muitos motivos para se orgulhar disso. Entretanto, as manifestações de 2015/2016 serão, sem dúvida, motivo de vergonha para o país e para a praça num futuro bem próximo, onde seu único destino é a lata de lixo da História. Caio Moura Pereira

Foto:Cândida Margarida Van Dunen Moreira Bastos,Carlos Miguel Fernandes Lopes de Almeida,Gabriel Salgado Ribeiro, Lorena Dias Ramos e Gustavo Coelho Assis o

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No banco da praça

Era um dia de outono. Mas não era qualquer dia de outono. A tensão dele estava presente no tremor das mãos e no andar desconcertado. A dela, no constante tique nervoso que confundia as pontas de seus dedos com as de seus cabelos. Caminhavam entre as palmeiras, avistando o Palácio ao fundo. Até que se sentaram. No banco da Praça da Liberdade. As pernas se acalmaram, mas os corações não. Ele repassava o discurso – tão ensaiado – na cabeça, mesmo sabendo que nada sairia como o planejado. Ela temia ser o que seu coração não suportaria ouvir. E ele deu início à fala repleta de clichês. “Não é você, sou eu...”. Ué? Mas o problema era ele mesmo? A essa altura não sabiam nem se havia, de fato, um problema ali. Ele dizia buscar certa liberdade, da qual sentia falta. Mas seria a falta de liberdade maior que a falta que

ele já começara a sentir dela? Ela não entendia muito bem as razões de tudo aquilo. Ele se entendia ainda menos. Os olhares confusos manifestavam o que a fala não conseguiria transmitir. Era puro afeto ali. Agora, afeto e raiva. Que raiva. Por que ele acabara com tudo assim, repentinamente? O coração dela sentia raiva. O dele, se afogava em meio à confusão de sentimentos. Talvez arrependimento. Talvez uma saudade carinhosa que começava a se manifestar. Talvez seja tarde demais. Ela se esforçava para se manter calada. Ele transbordava desconforto. Não se sabe ao certo por que estava acontecendo aquilo. Mas estava. Acabava ali o relacionamento. Mas o amor não. Ele pra cá. Ela pra lá. E os dois corações deixados no banco da praça. Laura Gazzinelli Rabelo

Foto:Alícia Garcia Sad,Ana Paula Braga Araújo e Giuliana Paúra Bueno

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LIBA Velha Liba Em seu colo deitam poetas poetas amantes amantes mendigos pássaros cães gatos vadios ou não Filhos indistintos Distintos Olho pra você e arrisco Uma inferência meio doida em seu cotidiano Senhora de linhagem Dobra Desdobra Enrosca Estica As linhas e as curvas de suas palmeiras fincadas Que assumem a não identidade fixa Parecendo um domingo de tarde A dar respaldo aos devaneios de alguns.

Patrícia Helena Bernardes Ferreira

Foto: Joana Laviola de Lira,João Vítor de Resende Lima, Julia Carolina Sales de Mesquita Seixas e Mariana Carolina Carneiro Loureiro

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