O BRASIL CONTINUA A LUTA CONTRA A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. APESAR DOS 10 ANOS DA LEI MARIA DA PENHA, HÁ MUITO O QUE CONQUISTAR
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Flora Silberschneider
Marianne Fonseca
Flora Silberschneider
ESTACIONAMENTO NO CORAÇÃO EUCARÍSTICO PODE SER APERFEIÇOADO PARA ATENDER MELHOR OS USUÁRIOS
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A CINEASTA ANNA MUYLAERT DÁ EXEMPLO DE FORÇA FEMININA E CONTA COMO LUTA PARA CONQUISTAR SEU ESPAÇO NO CINEMA
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marco Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo . Faculdade de Comunicação e Artes . PUC Minas . Ano 43 . Edição 324 . Outubro . 2016
Apatia desafia os candidatos Primeiro turno das eleições municipais chega ao fim sem empolgar boa parcela dos eleitores. Mobilização se concentra nas redes sociais. Páginas 3 - 5 Divulgação Campanha PSB
Marianne Fonseca
2012 2016 leia ainda
Ex-atletas vivem de forma humilde na capital mineira
Vila São Vicente tem história de resistência
Fora dos gramados, jogadores de futebol aposentados estão longe da realidade vivida nos tempos de craques de seus times. Sem muito luxo, fama e fortuna, buscam a melhor forma de seguir em frente. Página 11
Localizada na região noroeste, a Vila São Vicente, mais conhecida como Vila dos Marmiteiros, ocupa um pequeno espaço dentro da capital. Cenário de lendas urbanas e casos pitorescos, a Vila guarda características de harmonia mas também de lutas de resistência Página 9
Kelly Diniz
Marianne Fonseca
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m editorial
Debate eleitoral exige respeito
OPINIÃO CRÔNICA
Camisa 10: mais que um número
7º Período
5° Período
O debate entre os candidatos a prefeito de Belo Horizonte, que aconteceu no dia 1° de setembro na PUC Minas, evidenciou, mais uma vez, o despreparo de alguns eleitores para o diálogo democrático. Houve insultos entre alguns estudantes e assessores de comitês. Acertada, por outro lado, a iniciativa do Nesp (Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC ) de produzir, em vídeo, material educativo voltado para a conscientização politica e participação cidadã na vida do País. O fraco envolvimento da população nas eleições é consequência, entre outros motivos, de mudanças na legislação e, como efeito, nas campanhas eleitorais que economizaram em cartazes, bandeiras, santinhos e concentraram-se nas redes sociais para divulgar suas propostas de trabalho. Fora das eleições municipais, a política continua chamando a atenção: após mais de 45 dias de governo efetivo, o povo quer saber o que mudou sob a liderança de Michel Temer. A equipe do jornal procurou algumas respostas. Saindo do âmbito politico, há matérias sobre os planos de saúde, cujos aumentos assustaram os maiores de 60 anos; o aniversário de 30 anos do metrô de BH. A luta das minorias poéticas LGBT consegue mais um avanço: editoras começam a introduzir sutil ou explicitamente personagens homossexuais em histórias e desenhos infantis, provocando reações contraditórias de pais e educadores. O MARCO traz um pouco de tudo isso para vocês, leitores. Desejamos-lhes uma excelente leitura e sintam-se à vontade para enviar comentários, criticas e sugestões pelo e-mail: jornalmarco@pucminas.br
Grupo Corpo inova com sua linguagem Juliana Gusman
Ana Clara Carvalho Karine Borges
CRÍTICA
Assistindo a um jogo de futebol, nossos olhos se fixam na camisa 10 como uma espécie de referência, a estrela do jogo. É comum acreditar que quem veste essa camisa pode mudar o resultado. É dela que esperamos o gol da vitória nos 45 minutos do segundo tempo quando gritamos “Eu acredito”. Desde que Pelé se destacou como craque, na década de 70, a camisa dez se tornou especial. O número 10 não é destaque só no futebol; é também a alegria dos blocos carnavalescos e dos alunos na escola. Ser camisa 10 é se destacar como o melhor naquilo que se faz. Se o time está perdendo, é dela que a torcida vai cobrar uma vitória. Camisa 10 é sinônimo de liderança. É a do comandante da equipe, desde Marta a Neymar, quem veste é como o maestro
João Carlos Martins: rege uma orquestra. E nela a torcida deposita toda esperança de realizar o impossível e imprevisível. Essa imprevisibilidade torna tudo ainda mais especial, pois quando menos se espera ela faz a coisa acontecer e surpreende. Os adversários sempre miram o camisa 10. Tentam prever seus movimentos, impedir sua mágica. Quando não conseguem, vem o show de quem veste a camisa 10: jogadas inesperadas, dribles sensacionais que tornam aquele momento e sua imagem imortais aos olhos dos torcedores. Usar a camisa 10 não é fácil. Desejada por muitos, é conquistada por poucos. Não é só vestir uma camisa. É ser a camisa. Precisamos, como nunca, de uma Camisa 10 para resgatar o Brasil.
8º Período
A escrita vai precisar se esforçar para dar conta desse outro universo criado pela dança que é traçado por organismos harmonizados em sua heterogeneidade. Da vírgula quadril e do ponto cabeça, de frases que são arranjadas pelo verbo mover e pelo substantivo corpo. Entre os dias 7 e 11 de setembro, uma das maiores companhias de dança do país deixou sua terra natal em silêncio. O grupo mostrou o discurso indizível de sua fala única: o corpo em movimento. O espetáculo Dança Sinfônica é memória, a começar pelo cenário: o painel de fundo é feito de lembranças; mural de fotografias que compõem um quadro abstrato. Permite ao coreografo Rodrigo Pederneiras revisitar o passado e, ao som da Orquestra Filarmônica de
MG e do grupo Uakti, compor vocabulário que sintetiza 40 anos do grupo. Dança Sinfônica é físico, humano. Os bailarinos se articulam, recebem uns aos outros em seus espaços-corpo. Formada por uma sequência de virtuosos pas-de-deux que traduzem em movimento a música de Ernesto Lecuona, a segunda peça não poderia ter outro nome senão o do compositor.. Ágil e sensual, Lecuona esbanja cor e potência, além de nostalgia. A valsa final, emoldurada por cubos de espelho que multiplicam os casais de bailarinos, torna-se um iluminado baile de um tempo onírico. No entanto, não se deve ver apenas a dança dos grandes grupos mas também a dos menores, os independentes.Que, através da popularidade do Corpo, outros corpos ganhem visibilidade. Cabe aos instituidores de narrativas falar sobre eles.
m expediente Jornal MARCO Laboratório da Faculdade de Comunicação e Artes da PUC Minas www.pucminas.br | e-mail: jornalmarco@pucminas.br Rua Dom José Gaspar, 500 | CEP 30.535-610 | Coração Eucarístico Belo Horizonte | MG | Tel: (31) 3319-4920 Sucursal PUC São Gabriel: Rua Walter Ianni, 255 | CEP 31.980-110 Bairro São Gabriel | Belo Horizonte | MG | Tel: (31) 3439-5286 Diretora da Faculdade de Comunicação e Artes: Profª. Cláudia Siqueira Chefe de Departamento: Prof. Ercio do Carmo Sena Cardoso Coordenador do Curso de Jornalismo: Prof. Francisco Braga Coord. do Curso de Comunicação / S.Gabriel: Profª. Alessandra Girard Coordenador do Curso de Jornalismo (S. Gabriel): Prof. Jair Rangel Editora: Profª. Ana Maria Oliveira Subeditores: Profª. Maura Eustáquia e Prof. Getúlio Neuremberg Editor Gráfico: Prof. José Maria de Morais Monitores de Jornalismo: Ana Clara Carvalho, Débora de Souza, Giulia Staar, Karine Borges, Letícia Perdigão e Marina Moregula Monitoras de Fotografia: Flora Silberschneider e Marianne Fonseca Monitores de Diagramação: Laura Brand e Samuel Lima Apoio: Laboratório de Fotografia e NEP CTP e Impressão: Fumarc. Tiragem: 12.000 exemplares
m errata Retificamos esta informação publicada na página 8 da edição passada: Em uma cerimônia realizada no Dia Nacional do Patrimônio Histórico, 17 de agosto, no Museu de Arte da Pampulha, foi entregue ao prefeito Márcio Lacerda o certificado de inclusão [ao invés de inscrição] do Conjunto Moderno da Pampulha na lista de Patrimônio Mundial da Unesco.
m forum dos leitores Temáticas sociais Fui aluno da PUC quando ela ainda se chamava “Católica”, e naquela época o Jornal Marco já existia, mas sua linha editorial era outra. Me surpreendi muito com os avanços em seus posicionamentos políticos, preocupação social e modernidade. Parabéns para a equipe, muito sucesso! Fernando Araujo, ex-aluno do curso de Psicologia da PUC
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POLÍTICA
Eleições: tudo ficou diferente
Marianne Fonseca
Legislação exige maior transparência e menores gastos com campanha Marina Moregula Samuel Lima 4º Período
As formas de engajamento dos cidadãos nestas eleições municipais têm sido diferentes em relação aos anos anteriores. A nova legislação eleitoral exigiu adaptações por parte dos comitês e dos movimentos políticos. Algumas mudanças substanciais foram a organização de campanhas mais enxutas e uso das redes sociais. Adriana Valério é assessora de comunicação do candidato João Leite, da coligação Juntos por BH. Ela ressalta que “redes so-
ciais tornaram-se uma ferramenta importante já que os conteúdos são altamente compartilháveis e a informação circula entre grupos de pessoas que se conhecem.” Mas Adriana não notou diferenças de intensidade entre a mobilização nas ruas e na internet. Já a equipe do candidato Reginaldo Lopes, da coligação BH no Século XXI, fez transmissões ao vivo no Facebook todos os dias, além de transmitir debates. Patrícia Aranha é assessora de comunicação do comitê. Ela diz que campanhas nas redes sociais e nas ruas são igualmente importantes. A internet ganhou um papel Marianne Fonseca
Os integrantes do Muitas ocupam a Praça da Estação
fundamental na divulgação dos eventos presenciais. NA RUA Reginaldo Lopes e João Leite visitaram pessoalmente todas as regiões de BH. A campanha de Reginaldo priorizou hospitais e UPAs, uma vez que pesquisas apontaram a saúde como área de maior preocupação dos moradores. Ele também foi a eventos tradicionais da cidade, como o duelo de MCs. Já a campanha de João Leite apostou em ouvir o cidadão para inclui-lo na elaboração das propostas. “Isso tem demonstrado grande poder de agregação. Nas agendas públicas de campanha, como caminhadas e debates, a participação popular espontânea tem dado grande respaldo à candidatura”, diz Adriana, que enfatiza o contato “olho no olho” entre eleitor e candidato. A crise política que o Brasil vive desde as manifestações de 2013 gerou efeitos no engajamento político da população. Segundo Patrícia, em comparação com eleições passadas, os eleitores estão mais apáticos esse ano, devido aos
Lei proíbe doação de empresas As atuais eleições são as primeiras após a lei 13.165, sancionada pela expresidente Dilma Rousseff em 2015. A principal mudança é que empresas não podem mais doar recursos para campanhas. Luciana Nepomuceno é juíza do Tribunal Eleitoral de Minas Gerais (TER-MG) e professora da Faculdade de Direito da PUC Minas. Ela afirma que o candidato pode usar recursos próprios, de eventos de arrecadação, doações de pessoas físicas e fundos dos partidos. Entretanto, não pode usar recursos do fundo partidário doados por empresas antes da lei. O objetivo da nova lei é combater a corrupção. A professora explica que, com a reforma, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) define limites de gastos de acordo com eleições anteriores: “Por exemplo, em cidades com mais de 10 mil habitantes, o limite será 70% do maior gasto nas últimas eleições municipais”. Caso o candidato ultrapasse o limite, pode ficar inelegível ou ter o mandato cassado. Há também limite para o valor das doações: 10% do valor declarado pelo doador no imposto de renda do ano anterior. A professora Luciana
ressalta que há dois tipos de doação: em dinheiro e estimáveis em dinheiro. Essas últimas são de serviços ou produtos, como serviço de advocacia ou o empréstimo de um veículo para campanha. “Essas doações também têm que estar na prestação de contas e todas elas precisam ser identificadas com o CPF do doador.” Os eleitores podem ter acesso à prestação de contas no site da Justiça Eleitoral. “Tem que fiscalizar os gastos, tem que conhecer seu candidato e ver quais estão tendo irregularidades.” Outro efeito das mudanças decorrentes das leis foi a diminuição da poluição visual. “A cidade está mais limpa porque não pode mais ter pintura, faixa, cavalete, outdoor ou nada fixo.” Apesar da reforma, a professora acredita que o problema não foi solucionado: “Temos doações de beneficiados por programas do governo, de desempregados, de pessoas que já faleceram, de vários funcionários de uma mesma empresa. Isso é lavagem de dinheiro. Temos que ver qual vai ser o saldo dessa eleição. Caso não dê resultado, podemos pensar na alternativa de financiamento apenas com recursos públicos.”
O Cidade que Queremos é um movimento fruto de um ano e meio de debates nas ruas escândalos de corrupção que deixam as pessoas desanimadas com a política. Mas Adriana percebeu o contrário: “A evolução do processo político nacional, nos últimos anos, gerou uma forte politização, sobretudo dos mais jovens. E isso é muito positivo para o processo democrático como um todo”. Entretanto, ambas concordam que não há dificuldade para mobilizar as pessoas e que a participação popular nos atos de campanha de rua foi intensa. NAS REDES O Muitas - Cidade que Queremos BH é uma movimentação política de centenas de pessoas, que defende causas das minorias, o direito à cidade e promove o engajamento político dos cidadãos, por meio das redes sociais e de atos de rua. O grupo criou uma plataforma virtual participativa para promover a mobilização política em BH. Apesar
de ser um movimento apartidário, lançou 12 candidatos a vereador pelo PSOL, dentre eles as primeiras candidaturas de transexuais e indígenas de BH. A plataforma virtual do movimento, que se chama Muitxs, é um espaço de discussão na internet para proposição e votação de pautas relacionadas à cidade. Mas a principal forma de mobilização do grupo continua sendo nas ruas. Segundo o antropólogo e integrante da movimentação Rafael Barros, o Muitas foi criado após debates e rodas de conversa em espaços públicos. Barros afirma que o objetivo é discutir a desconstrução do modelo político atual: “É um movimento que agrega diferentes pessoas de diferentes grupos, que tem entendimentos diversos da politica.” Em geral, o grupo acredita em mandatos abertos, participativos e deliberativos, e defende que os projetos de lei sejam construídos em
oficinas com a população. Nos dias 21, 22 e 23 de setembro, o Muitas organizou encontros no Cefet, UFMG, Barreiro e na Praça da Estação, divulgados antes no Facebook. Os candidatos a vereador do movimento participaram desses encontros para discutir questões como a legalização da maconha e a realidade da juventude negra. Já no dia 26 de setembro, em um espaço cultural no centro, foi organizado um ato de campanha dos candidatos, também pelo Facebook. Para o antropólogo, “a efetiva mobilização se dá num canal tradicional corpo a corpo, através da confiança e participação, e nesse campo cada vez mais forte do mundo virtual”. Barros avalia que o momento de crise política causa um clima de letargia e descrença coletiva mas, ao mesmo tempo, provoca vontade de mudar a situação do país.
Comitês enfrentam desafios As campanhas dos candidatos à Prefeitura tornaram-se mais enxutas para se adequar à nova lei de financiamento de campanha. Os comitês apostaram em novas estratégias para envolver os eleitores, como o uso da internet, embora as campanhas de rua tenham sido o foco principal. Segundo Adriana Valério, o comitê de João Leite se empenhou em reduzir custos: “As equipes estão mais enxutas, a produção de material é menor, os custos com a campanha na televisão caíram muito.” O comitê funciona na sede do PSDB, utilizando estrutura já existente para economizar despesas com aluguel de equipamentos. O mesmo aconteceu na campanha de Reginaldo Lopes. Segundo Patrícia Aranha, devido à falta de dinheiro e à necessidade de se adequar à lei, o par-
tido e o candidato optaram por uma campanha sem publicitários e panfleteiros pagos. Eles não contrataram instituto de pesquisa e usam a sede do PT como ponto de referência. O candidato conta com a colaboração do Mídia Ninja, uma organização sem fins lucrativos de jornalismo independente. “Eles têm feito todas as gravações e cobertura fotográfica. Todo mundo já sabia que ia ter pouca doação esse ano; a gente queria inaugurar um novo jeito de fazer campanha.” CUSTOS Os candidatos estimaram o custo de suas campanhas para garantir que não ultrapasse o permitido ou fosse além do que foi arrecadado. Tanto a campanha de João Leite quanto a de Reginaldo Lopes têm como principais fontes de recur-
sos financeiros os repasses dos seus partidos e doações de pessoas físicas. Patrícia Aranha comenta que muitos candidatos utilizaram panfletos e bandeiras, mas tiveram que demitir pessoas porque não receberam doações como esperavam. Os custos da campanha do Reginaldo Lopes foram estimados em R$5 milhões, mas não devem chegar nem mesmo a R$2 milhões. Os gastos da campanha de João Leite não foram divulgados, mas são maiores. Patrícia Aranha afirma que não houve muitos esforços para adequar os gastos da campanha de Reginaldo à nova lei porque já se pretendia fazer uma campanha mais simples: “Estamos voltando a um estilo muito antigo do PT de fazer divulgação. As campanhas de esquerda também sempre foram mais modestas”.
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POLÍTICA
País perde avanços na cena mundial Marianne Fonseca
Professor analisa as políticas interna e externa do governo de Michel Temer Ana Flávia Barbosa 1º Período
Após meses de discussões no Senado, na Câmara dos Deputados e em setores da sociedade brasileira, Michel Temer foi legitimado como o 37º presidente do Brasil. A forma indireta pela qual chegou ao poder levanta questionamentos entre a população sobre o que esperar deste governo, que deve durar dois anos e quatro meses. O professor Otávio Soares Dulci, doutor em Ciência Política, leciona no programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da PUC Minas. Ele afirma que o Governo Temer assume o Estado brasileiro em uma época de crise nos campos econômico, político e social. Mesmo que queira realizar mudanças drásticas, as manifestações populares contrárias e a falta de apoio suficiente no poder legislativo podem servir como impedimento para tais mudanças, nos próximos dois anos. Segundo o professor, os movimen-
tos populares têm se mostrado resistentes em aceitar o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e a política neoliberal, que defende pequena intervenção do Estado nas diferentes esferas da sociedade. Grandes manobras em programas sociais como o ProUni, Fies e o Bolsa Família podem ficar limitadas, justamente pela falta de prestígio e de apoio pela maioria dos brasileiros. O professor Dulci lembra que “a educação e a saúde, pela Constituição Federal, têm porcentagens relativamente boas do orçamento. Isso é constitucional, não é lei comum. Essa é uma das coisas que ele precisa de quórum alto para poder derrubar. E isso eu acho que ele não vai conseguir”. Quanto ao programa Bolsa Família, o especialista observa que ele já se tornou um ícone do Estado e referência para outros países. Assim, é pouco provável que Temer, ou qualquer outro governante, prejudique seu funcionamento por receio de desgastar
também sua imagem popular e internacional. REFORMAS
Um dos assuntos que mais afligem grande parte dos brasileiros são as reformas trabalhista e previdenciária. “A reforma na Previdência é considerada importante para acertar o orçamento público”, afirma o professor. Devido ao aumento da expectativa de vida, ele acha que há mesmo necessidade de realizar mudanças. Todavia, é necessário que haja cautela ao realizá-las, pois há setores sociais que começaram a trabalhar quando muito jovens, assim como servidores públicos civis ou militares que recebem benefícios maiores. É uma reforma que precisa ser feita de forma justa e equilibrada. Já sobre a reforma trabalhista, o professor Dulci afirma que o projeto de mudar as leis trabalhistas, oriundas do governo Getúlio Vargas, usa o argumento de que a terceirização e a alteração da jornada de
Segundo Dulci, falta de apoio pode impedir que Governo Temer realize mudanças drásticas
trabalho podem gerar mais empregos. Os movimentos sindicais veem esta “modernização” como a degradação de todos os direitos trabalhistas conquistados, como a obrigatoriedade de pagamento do décimo terceiro salário, a carga horária máxima diária de 8h e a folga aos domingos. O professor lembra que a Central Única dos Trabalhadores (CUT), instituto de maior defesa dos direitos trabalhistas, não reconhece o Governo Temer. A falta de diálogo pacífico com esse movimento prejudicará qualquer avanço para ambos os lados. Arte: Laura Brand
Novos contornos da economia e política externa A política externa do atual governo é diferente da adotada pelo governo Dilma. Segundo Dulci, alguns indicativos são as relações do país com o Mercosul (Mercado do Cone Sul), EUA e os Brics. “As relações internacionais estão dando uma guinada”, afirma. Alguns dos avanços que o Brasil teve no plano internacional, como sua liderança na América do Sul, foram prejudicados. O governo se afastou do Mercosul e dos Brics sem nenhum motivo real. “Isso representa uma perda de influência do Brasil no mundo, já que a nossa influência começa em casa, aqui na América do Sul.” “O discurso das forças que participam do Governo Temer, através do ministro das Relações Exteriores José Serra, é de que o Brasil deve voltar sua política externa ao leito natural. E isso significa uma aliança forte com os Estados Unidos e o Norte em geral e um abandono gradual nas relações com o Sul.” Ao falar
sobre o Norte, Dulci se refere a países com maiores economias e influência: EUA, Nova Zelândia, Austrália e países europeus. ECONOMIA
Dulci observa que o principal impacto que os brasileiros sentirão virá do “ajuste fiscal”. Para a elite empresarial, é desvantajoso aumentar os impostos e viável cortar investimentos em programas sociais. Já as classes trabalhadoras defendem a cobrança de impostos sobre grandes fortunas e classes concentradoras de renda. O conflito de interesses é visível. Ele observa que, assim como no golpe militar de 1964 e na tentativa de depor Getúlio Vargas em 1945, o impeachment de Dilma tem a elite empresarial como uma protagonista. Frente às conquistas populares, sente que seus privilégios estão ameaçados e tenta neutralizá-las. Mas, como vivemos numa democracia, Temer não tem poder para adotar, sozinho, mudanças radicais.
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Karine Borges 5° Período
Moradia, água, luz, asfalto, educação, saúde e cultura. É o que todos precisam e benefícios a que se tem direito. Branco ou negro, pobre ou rico, homem ou mulher, jovem ou idoso todos são parte integrante da cidade e querem ser levados em conta, o tempo todo, e não apenas na época das eleições. Por isto os cidadãos se ressentem de os candidatos a cargos políticos aparecerem somente durante campanhas eleitorais. Eleitores ou não, todos querem ser respeitados e considerados parte da sociedade, não só em alguns momentos, mas em todos, e participar das propostas de melhoria e desenvolvimento do local em que moram. Este é o tema de um dos 20 micro vídeos, com cerca de três minutos, produzidos pelo Nesp (Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas) como instrumento de educação para a participação política nas eleições municipais no país, que acontecem agora. Eles foram todos produzidos para uma campanha chamada Eleições 2016: #AcidadeÉprioridade,
POLÍTICA
Formação política é tema central de microvídeos Eleições municipais de 2016 são o ponto chave para a realização de projeto do Nesp nas redes sociais que se iniciou no dia 1º de setembro, com o objetivo de aprofundar as reflexões sobre este assunto. Os vídeos giram em torno de três eixos temáticos básicos: informação - o que são as eleições, qual o papel do vereador, prefeito, o processo eleitoral deste ano no geral; formação política - cidadania, democracia e participação; e provocativos – o humor como forma de levar o público a refletir sobre os vários temas propostos, tendo como inspiração os esquetes de humor do canal do Youtube,“Porta dos Fundos”. Os vídeos de informação são responsáveis por alertar a população sobre o que pode ser, ou não, verdade nas falas dos candidatos, mas principalmente no que é veiculado pela mídia durante o período das eleições. Esses vídeos acabam gerando
dúvidas entre a população e fazendo com que as pessoas procurem saber mais sobre os candidatos, em mais de um veículo de comunicação, buscando opiniões diferentes. Os vídeos provocativos são os que têm maior poder de abertura dos olhos da população para o que pode estar por trás das campanhas e dos compromissos assumidos pelos candidatos, após ganhar às eleições. Um desses vídeos é constituído de desenho animado que conta, através de uma “história,” de que os políticos são “feitos”, mostrando como todos se constituem da mesma forma. Para isso utilizaram o modelo de produção em larga escala, o fordismo, com a tradicional esteira rolante onde, no caso, os candidatos/produtos passam e são construídos pela incorporação de faixas de partidos e
máscaras; trata-se de insinuar, criticamente, que eles não mostram suas verdadeiras intenções para a população. Essa não é primeira campanha deste porte produzida pelo Nesp. Desde 2006 eles trabalham na mesma linha, durante as eleições, com o mesmo propósito de formação política. Os vídeos foram agregados às ações em 2012. O professor de cultura religiosa da PUC Minas, Robson Sávio, é o coordenador do Nesp e um dos responsáveis pela elaboração do projeto. Segundo ele “o material destas eleições está melhor distribuído em relação ao das eleições de 2012 e 2014, que eram peças bem mais longas e de conteúdo mais reflexivo”. A campanha deste ano tem como pontos positivos uma nova e diversificada forma de
abordagem dos temas com uma linguagem visual que ainda não havia sido utilizada, com mais criatividade e recursos de tecnologia. Este conjunto de instrumentos torna possível atingir um público maior e diferente dos já trabalhados por materiais anteriores. O material foi produzido e roteirizado em
conjunto com o estúdio Caturra Digital. O Nesp já divulgou o conteúdo completo dos vídeos em seu canal do Youtube. Em sua página do Facebook é divulgado um vídeo por vez sem uma ordem fixa; eles também já estão disponíveis para veiculação no Whatsapp. Além das plataformas digitais de divulgação, existem acordos com uma série de canais televisivos associados e parceiros como a Arquidiocese de BH, CNBB (Conferência Nacional de Bispos do Brasil), PUC TV, TV Horizonte. O Nesp ainda esta em contato com outras emissoras de televisão de âmbito nacional para ampliar o alcance dos vídeos. Flora Silberschneider
A PUC TV é um dos veículos que transmitem os vídeos
Debate de candidatos à Prefeitura termina em confusão Cristino Melo 5° Período
No dia 1° de setembro, os onze candidatos à Prefeitura Municipal de Belo Horizonte se reuniram na PUC Minas para debater suas ideias sobre melhorias das condições de vida na capital. Apesar das boas intenções, não foi o que ocorreu. O debate, na maior parte do seu tempo, foi marcado por questionamentos e brigas, não só en-
tre os candidatos: militantes e estudantes também batiam boca, o tempo todo defendendo suas posições ideológicas. Por fim, com todo o clima hostil, o debate foi encerrado antes do previsto. Apesar de todos os problemas, algumas (poucas) propostas apresentadas podem ajudar Belo Horizonte a melhorar. A primeira refere-se ao passe-livre para os estudantes. Atualmente
a Prefeitura oferece meio passe para cerca de dez mil alunos. Pouco, para uma cidade que conta com mais de vinte mil estudantes. O passe livre já foi tema de vários protestos na capital e para os estudantes é uma medida necessária. Ajudaria muitos alunos do ensino fundamental e médio, já que são poucos os que têm a oportunidade de estudar em local próximo as suas casas. Marianne Fonseca
Os onze candidatos à Prefeitura de BH estiveram presentes ao debate
A questão da mobilidade urbana foi outro tema recorrente no debate. Atualmente, em Belo Horizonte, 50% da população usa transporte particular. O índice está muito longe do ideal. Cidades como Barcelona (Espanha) e Nova York (Estados Unidos) têm predominância de utilização do transporte público graças à quantidade deles. Sobre essa questão, foi apresentada a ideia da criação do Transporte Rápido por Ônibus (BRT) em outras avenidas como a Amazonas e a Pedro II. Também de promover uma integração maior entre as linhas principais com as de bairros e também com as de outras cidades da Região Metropolitana. Houve menções à ampliação do metrô e a defesa da criação de ciclovias. Sobre segurança pública nada de novo. O que se oferece é maior investimento na guarda municipal, em câmeras de segurança e até promessas de concurso público para polí-
cia militar foi mencionada. No campo da educação, falou-se em novas Unidades Municipais de Educação Infantil (Umei). Atualmente as unidades atendem no máximo 11 mil crianças de 0 a 5 anos. Entre as propostas, a novidade foi relativa a um projeto de centro de convivências nas regionais, ideia que mudou cidades na Colômbia, e que Recife replicou com sucesso. Esses centros contariam com espaços de convivência, bibliotecas, quadras poliesportivas, lan houses. Vale ressaltar que os candidatos disseram que todas as propostas são de alto custo e o dinheiro é cada vez mais escasso. AVALIAÇÃO Apesar de todos os problemas que houveram no debate, o Diretório Acadêmico de Direito, por meio do seu diretor de Comunicação e Imprensa, Juan Augusto Oliveira Ramos, avaliou o evento como positivo. “Foi um momento
magnífico, de uma proporção que superou, e muito, toda e qualquer expectativa inicial de todos os integrantes da gestão.” Para o DA de Direito, o precoce fim da discussão foi por causa da má conduta da plateia. “Não fomos ingênuos desde o início, em acreditar que não teríamos manifestações políticas; mas, acreditávamos, fielmente, que as pessoas saberiam se comportar. O debate só se findou precocemente, pela simples falta de respeito de uns à opinião do outro.” Apesar da plateia ter desrespeitado as regras, estabelecidas, não houve medida extrema de retirar os participantes exaltados. De acordo com o diretor de comunicação, esse tipo de ação só geraria um problema maior. “Estávamos em um ambiente altamente inflamável e qualquer faísca poderia causar uma explosão. A retirada de uma pessoa não seria uma faísca, mas sim uma explosão por si só”.
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CULTURA
Saraus resgatam prestígio da poesia Em Belo Horizonte, a mobilização de jovens poetas busca discutir temas recorrentes diante da barbaridade e violência da cidade, indo além dos textos rebuscados Ana Carolina Diniz 1ª Período
Saraus de poesia parecem coisa do passado. Na realidade, vão se tornando cada vez mais atuais e modernos, graças à ação de movimentos que buscam a popularização da cultura. Eles se dispersam por diferentes regiões de Belo Horizonte e com isso perdem, cada vez mais, sua imagem de coisa erudita, longe do povo. Coletivoz é uma das organizações que abrem espaço na periferia para inúmeros artistas recitarem seus textos. Desde o início de suas atividades, os encontros são feitos em bares, praças e teatros de BH. Atualmente, tenta manter essa atividade cultural em local independente e fixo. Com sede no Barreiro, o grupo é liderado atualmente por Eduardo Vieira e Rogério Coelho. Ele surgiu em 10 de agosto de 2008 com a intenção de dar oportunidade a cada um que participa de disseminar a poesia na periferia. Há vários exemplos de pessoas que foram uma vez e gostaram tanto que agora participam da cena
poética por toda a cidade. Como a maioria dos grupos de sarau, em Belo Horizonte, o Coletivoz não tem vínculo com partidos políticos ou entidades religiosas e vive de forma independente, sem fins lucrativos ou financeiros. Já fizeram um pedido à Prefeitura de Belo Horizonte de espaço, mas não conseguiram. Onde se apresenta, o sarau recebe pessoas de diferentes regiões que compartilham o interesse
pelo poesia. Vieira observa que a dificuldade de locomoção é que funciona como barreira geográfica à expansão da atividade: “Por isso é tão importante melhorar o transporte público. As pessoas têm que chegar aqui sem sentir que fizeram enorme sacrifício pra vir. Hoje ainda é difícil de chegar a alguns locais.” Bruno Valente frequenta saraus e afirma que há um crescimento significativo em Belo Horizonte: “Não só em BH, mas em
Contagem e Betim também.” Segundo ele, o objetivo principal dos encontros é reunir as pessoas de diferentes idades e estilos para ouvir um ao outro. Para ele, o movimento cultural por aqui têm sido fundamental para a ampliação e construção de conhecimento dos jovens. Nathalia Campos, bacharel em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais e professora de literatura e língua portuguesa, frequenta e recita Anna Lages
Eduardo participa junto com o Coletivoz do sarau no Sesc Palladium, em agosto
seus versos em saraus. Segundo ela, foi possível observar no Sarau Libertário (o último do qual participou) que a oralidade está representando uma possibilidade de sobrevivência da poesia na contemporaneidade: “A ideia, no senso comum de poesia, é de uma coisa erudita; no sarau temos a presença de rappers, que representam uma classe não incorporada por essa categoria de linguagem, que é a escrita. O resgate dos saraus tem relação com a força que a poesia falada está ganhando”. Nathalia conta que percebe nas pessoas, de fora de seu meio acadêmico, uma ideia da poesia como algo muito exigente, de um texto que exclui e que não integra. “Mas os saraus servem pra aproximar o texto à expressão de indivíduos comuns ao cotidiano das pessoas. É algo que entra em choque com a ideia do texto poético clássico que toma tempo demais.” Ela acha os saraus importantes: “Temos uma safra forte hoje, na poesia contemporânea, de autores que resgatam o mini-
malismo, essa poesia rápida, enxuta. No ambiente em que estamos vivendo, a poesia, a literatura e a arte dizem sobre um momento de delicadeza que está meio perdido, esquecido em tempos de barbárie, de brutalidade, de violência.” Ela acredita que a arte tem essa finalidade de nos re -humanizar e nos devolver à nossa condição de seres humanos. Observa que são nítidos “os reflexos dos saraus sobre as pessoas. Há uma geração muito jovem de poetas e leitores. A gente pode ver meninos de 13 e 18 anos, ali, curtindo e que depois vão defender seus textos. O retorno que eu tenho de pessoas que participam desses eventos é sempre muito intenso. São sempre pessoas muito tocadas pelo texto poético”.
Monumentos passam despercebidos na cidade Isabela Maia Pinheiro 6º Período
Minas Gerais representa uma página importante na história do Brasil colônia. Grandes mártires e nomes da Inconfidência nasceram nessas terras e ajudaram o país a se tornar independente de Portugal. A capital Belo Horizonte traz, em suas praças e museus, sinais dessa história por meio de monumentos, prédios históricos e bustos de personagens importantes. Poetas, políticos, diplomatas e outras figuras relevantes ajudam a contar a história da cidade. Apesar de sua importância, muitos deles passam despercebidos aos olhos dos cidadãos já acostumados à paisagem. EMANCIPAÇÃO No encontro entre as avenidas Brasil e Afonso Pena, na região centro-sul, localiza-se a estátua de Tiradentes, que dá nome à praça. De acordo com a Belotur (Empresa Municipal de Turismo de Belo Horizonte), a estátua está ali desde 1962, quando foi
inaugurada pelo prefeito Amintas de Barros. A homenagem é feita a Joaquim José da Silva Xavier, líder da Inconfidência Mineira, que ficou conhecido como Tiradentes devido à profissão de dentista. O movimento revolucionário tinha, como objetivo, a emancipação do Brasil colônia. Quem transita pelo cruzamento todos os dias, muitas vezes não vê a estátua. Selma Parreiras trabalha há 19 anos em um restaurante na esquina das avenidas Brasil e Afonso Pena. Ela conta que as pessoas quase nunca reparam no monumento: “Quem olha é turista. Os que passam aqui todos os dias geralmente não admiram”. Ela acredita que essa é uma característica humana: “Quando a gente se acostuma com algo, passa despercebido.” Além dos turistas, que tiram fotos, Selma ressalta que as pessoas prestam atenção no monumento quando ele é lavado. Segundo a Belotur, essa limpeza é uma tradição e acontece todos os anos, no dia
21 de abril (dia de Tiradentes), desde 1995. A filha de Selma, Sarah Figueiredo, trabalha no mesmo estabelecimento que a mãe, desde dezembro de 2015. Ela passou a reparar na estátua de Tiradentes quando começou a trabalhar ali, mas não se interessa pelos monumentos da cidade. “Gosto muito das praças, mas os monumentos não me chamam a atenção”, comenta. HISTÓRIA O professor Marcelo Cedro, doutor em ciências sociais pela PUC Minas e professor do Departamento de História, explica que vários fatores motivam a construção de um monumento: enaltecer algum evento relevante, resgatar e eternizar a memória de determinadas personalidades, reverenciar heróis e marcar o acontecimento de grandes fatos. “Tudo isso foi praticado desde a Antiguidade, haja visto os imperadores romanos, a época do Renascimento, a história moderna e a Modernidade como um todo, até a época
contemporânea”, observa. Além da materialidade e das características estéticas que revelam a época em que o monumento foi criado, o professor destaca que há também um conteúdo simbólico, ligado à subjetividade de cada um. Esse conteúdo está relacionado à história do indivíduo e sua relação com a cidade. Cedro acrescenta que a paisagem urbana é delimitada por esses monumentos, apesar deles terem sido construídos em temporalidades distintas. “Se sairmos pelas ruas de Belo Horizonte catalogando, analisando, identificando e mapeando os monumentos, os itinerários dessa cidade podem ser lidos a partir da narrativa pelos seus monumentos”, explica. Apesar da importância histórica e estética dos monumentos, Cedro identifica certo descaso tanto da população quanto do poder público em relação a eles. “Não há um interesse, não há um diálogo do cidadão com o monumento. Acham que é apenas uma estátua, algo para enfeitar ou homenagear alguém”, comenta.
Em relação ao poder público, o professor ressalta a falta de preservação. De acordo com a assessoria de comunicação da Regional Centro-Sul, responsável pela guarda da estátua de Tiradentes, não
há manutenção dos monumentos, só restauração quando existe algum dano, além da conservação dos locais em que eles estão. A restauração é de responsabilidade da Fundação Municipal de Cultura. Flora Silberschneider
Estátua de Tiradentes poderia receber maior atenção
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CULTURA
Diversidade de gênero é tema de contos infantis
Arquivo pessoal
Publicações para crianças tratam com delicadeza o assunto ainda tabu para muitas famílias e escolas Ana Clara Carvalho Jacqueline Caixeta 7º Período
As discussões sobre a diversidade de gênero vêm ganhando espaço na sociedade, principalmente pela entrada da comunidade LGBT na mídia. Os diversos gêneros reconhecidos hoje passam por uma aceitação maior pela sociedade, que se mostra mais disposta a discutir o preconceito ainda remanescente. Agora, essa discussão começa a entrar no mundo infantil, trazendo consigo maneiras didáticas e simples de explicar para aqueles que ainda estão conhecendo o mundo, o que é a diversidade de gênero. Essa entrada vem se dando, principalmente, através de livros, filmes e desenhos animados com personagens homossexuais. A campanha realizada por usuários do Twitter, usando a hashtag #GiveElsaAGirlfriend (dê uma namorada para Elsa, em português), trouxe internautas para encorajar a Disney a apresentar a princesa do desenho “Frozen” como lésbica, na continuação da
animação. O objetivo é o de aumentar a representação LGBT, apelando ao estúdio considerado um dos mais atentos à causa. Muitos pais ainda não estão prontos, ou não concordam, que gênero deva ser discutido com crianças e pré-adolescentes. Daniela Prado, de 32 anos, tem uma filha de 4 anos e confessa sua dificuldade para ter essa conversa com ela. “Eu não saberia o que dizer; é complicado”, observa. A psicóloga Maria Ignez Costa Moreira, que atua na área da Psicologia Social com ênfase em gênero, tem uma visão positiva sobre colocar personagens homossexuais nos livros, filmes e desenhos infantis. Ela considera necessário formar pessoas que tenham respeito pelas diferenças e que não as transformem em desigualdades. “Precisamos considerar que as mudanças nas relações sociais têm dado visibilidade às famílias homoafetivas e suas crianças, que estarão nas escolas, não devem ser discriminadas”. Maria Ignez explica que as relações de gênero são
vivenciadas pelas crianças; elas observam o comportamento de homens e mulheres nos mais diversos contextos sociais, percebendo os papéis de gênero vividos por eles. “A função da educação é promover pessoas capazes de conviver com as diferenças”. Mestre em gestão social, a advogada Corinne Julie acredita ser necessário fazer uma discussão, de forma lúdica, desde a infância. Para ela, a idade da criança não é um problema para tratar do assunto e que, o quanto antes isso for abordado, mais o processo será cuidadoso, leve e natural. Porém, ressalta que é preciso ter atenção quanto às estratégias de abordagem para cada faixa etária. Os pais Júlia Furtado e Daniel Bertachini, de uma menina de 13 anos e um menino de 4, contam que, quando sua filha era mais nova, passou pela situação de ver um casal homossexual na praia, próximo de onde eles estavam. “Eu fiquei sem reação”, disse Júlia, “não sabia se falava algo pra ela ou se fingia que nada estava acontecendo.
Pais resistem a debater questão Muitos pais ainda não aceitam a ideia de as escolas discutirem a questão de gênero e isto dificulta o trabalho. Os pais de Rafael, de 5 anos, Fernanda e Alexandre Nogueira, são evangélicos e explicam que não aceitam que o filho assista a filmes que possam ter personagens homos-
sexuais. “A nossa religião condena essa prática, mas nós respeitamos. Acho, porém, que o Rafael ainda é muito novo para discernir o que é certo e o que é errado”, comenta o pai. Os dois, preocupados com essa questão, já foram até a escola em que filho está estudando
para ter certeza de que não haveria assuntos relacionados tanto à homossexualidade quanto à própria educação sexual, ao longo dos anos. “É uma questão mais religiosa, mesmo. Não sei o que faria se a escola passasse um filme com um personagem gay, sem o nosso consentimento” diz Fernanda. Ana Ferri
Janaína Leslão demorou cinco anos para publicar o seu livro
Olhei para o meu marido assustada e ele disse ‘o que que tem? É um casal, como qualquer outro’ eu concordei e me despreocupei”. Júlia afirma que conversa abertamente com seus dois filhos sobre gênero e acredita que os personagens de filmes, livros e desenhos podem ser uma maneira natural de tratar do assunto. “A criança não tem noção do que é aquilo, para ela é só mais um casal de gente que se gosta”.
FORA DE CASA Mas o assunto agora sai das casas e está chegando também às escolas. Como parte responsável pela formação das crianças, a escola tem responsabilidade social e com as próprias crianças no sentido de formar cidadãos aptos a viver em sociedade, democrática e diversa. Porém, tratar de um assunto tão polêmico nas escolas pode ser complicado. Muitas crianças têm famílias que pensam de maneiras diferentes sobre abordar ou não o assunto e isso, muitas vezes, pode ser um impedimento.
Quanto a isso, a advogada Corine Julie afirma que os pais não podem, na maioria dos casos, recorrer à Justiça para resolver o problema. “Mesmo que os pais escolham não falar sobre o assunto, eles não têm o poder de proibir que a escola ensine aos alunos. Porém, a forma de condução desse processo deve ser, muito respeitosa e cuidadosa” observa. Questionada, a Secretaria de Estado de Educação, por nota, esclarece: “A Secretaria trabalha com a temática de gênero e diversidade seguindo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica: Diversidade e Inclusão, do Conselho Nacional de Educação e Ministério da Educação”. Essas diretrizes se encontram em um caderno, escrito pelo MEC como orientação para escolas públicas sobre as diversas questões da diversidade. Porém, o material ainda é muito pobre quando se trata de homossexuais;
Os livros ajudam as crianças a falar sobre o assunto A pedagoga Patrícia Cardoso trabalha na instituição de ensino particular Colégio Paulo Freire, localizado em Contagem, e diz que apesar de a escola ter uma abordagem socioemocional, esse ainda é um assunto delicado. Patrícia conta que já passou por situações onde, principalmente pré-adolescentes vêm conversar com ela sobre a propria opção sexual e ela ainda se sente despreparada para conseguir ajudá-los. “Acho que o mais difícil é começar a discussão, principalmente para os professores que se sentem inseguros. Esses recursos de livros e filmes ajudariam nesse ponto, abririam a discussão e assim os alunos se sentiriam mais a vontade de pergun-
quase não há nada sobre o assunto. DIFÍCIL Com a pressão feita por parte da sociedade, ainda é difícil encontrar livros, filmes e desenhos no mercado, voltados para crianças e adolescentes, que trabalhem com a temática LGBT. Janaína Leslão é psicóloga e teve a ideia de escrever um livro com uma princesa lésbica. A história se baseia em uma princesa chamada Cíntia que está prometida para o rei de um outro reino, mas acaba se apaixonando pela costureira que vai fazer seu vestido. As ilustrações do livro foram pagas por financiamento coletivo. A história nasceu na cabeça de Leslão pela vontade de que crianças e pré-adolescentes possam se identificar com os personagens, caso estejam passando por uma situação parecida. “Eu queria que eles pudessem se aju-
tar, discutir.” Lorena de Carvalho Oliveira é antropóloga e está atualmente fazendo pesquisa para sua dissertação de mestrado sobre gênero e diversidade. Ela explica que personagens homossexuais nada mais são que personagens, como quaisquer outros. “A sexualidade deles não deveria ser sua característica mais marcante; incluí-los é abrir espaço para a diversidade que existe da vida real.” Segundo ela,”identidade de gênero é essencial para alcançarmos uma convivência de respeito mútuo e igualitária,” mas o assunto ainda é muito controverso pelo fato dos próprios educadores não entenderem o que é ou não terem conhecimento suficiente para falar do assunto.
dar ou ajudar amigos que estão gostando de outros colegas do mesmo sexo, a terem um diálogo tranquilo sobre as dificuldades, mas também com a possibilidade de um final feliz” explica. A autora afirma que teve muita dificuldade em conseguir que a história fosse publicada por uma editora. “Enviei meu livro para editoras do Brasil inteiro e por cinco anos não obtive nenhuma resposta positiva.” Leslão afirma que isso mostra o medo do mercado de lançar livros com essa temática, ainda nos dias de hoje. Apesar da dificuldade, depois do lançamento do livro “A princesa e a costureira” em agosto de 2015, a psicóloga conta que vem recebendo um “feedback” muito positivo dos pais. “Eles acreditam que o livro abre um diálogo bacana com os filhos para uma conversa sobre tolerância, diversidade e respeito”.
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COMUNIDADE
Sociedade não sabe o que é Direitos Humanos Desconhecimento do assunto leva muita gente a se opor aos organismos que defendem tais questões Letícia Perdigão 4º Período
No Brasil de hoje, mesmo após o fim da ditadura militar e o reestabelecimento da democracia, a defesa dos direitos humanos é mal entendida por muitos setores da sociedade. O desconhecimento do que as garantias representam e o interesse de alguns de manter determinados privilégios levam a uma campanha contra a integridade física e mental de grupos mais carentes da sociedade. A imprensa, via programas sensacionalistas, muitas vezes reforça tal posição ao ironizar os grupos de defesa dos direitos humanos. Quais os caminhos possíveis para garantir os direitos humanos e construir uma sociedade justa e democraticamente sólida? Para o defensor regional de Direitos Humanos na Defensoria Pública da União, em Minas Ge-
rais, Estêvão Ferreira Couto que ministrou uma palestra no dia 31 de agosto, na PUC São Gabriel a convite do projeto de extensão “Articulando Redes, Fortalecendo Comunidades” diz que “o passo inicial é a desmistificação da linguagem jurídica”. Explicou, durante seu tempo com os alunos, conceitos constitucionais fundamentais, como Estado Democrático de Direito, Constituição, Princípio da Supremacia da Constituição e Princípio da Soberania Popular, é possível demonstrar a importância da efetividade das ações de defesa de direitos para a sociedade. De acordo com ele, “é preciso diferenciar direitos de garantia de direitos. Ter passivamente direitos, na maioria das vezes, implicará em que eles não serão exercidos”. Há várias situações em que a teoria entra em conflito com a prática e,
apesar de legalmente o direito existir, ele não é respeitado a favor do cidadão, por causa de brechas na lei e de interpretação judiciais. Já para o advogado Greg Andrade, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), e sobrevivente do sistema penitenciário, “o primordial é apontar a complexidade da Justiça e deixar de tratá-la de maneira simplista”. Para ele, que também participou do evento, “a gente tem que se rever como sociedade. Nesta sociedade, a do consumo, onde se vive e se consome a todo momento, não há justiça, há o ‘drama da cadeia e favela, túmulo, sangue, sirenes, choros e velas’”, argumentou citando o trecho de uma composição do grupo de rap Racionais. Andrade observa que o direito no Brasil precisa sair do autoritarismo e se tornar um sistema que funcione
articulando defesa, promoção e controle; integrando a sociedade civil e os governos, e compartilhando responsabilidades para um fim comum. “Os componentes do sistema devem dialogar com a comunidade e com o que é relativo a ela”, disse ele, mostrando que para a garantia total de direitos é necessária a reestruturação jurídica da sociedade. O Articulando Redes, Fortalecendo Comunidades, projeto de extensão da PUC Minas São Gabriel, atua em três comunidades de Belo Horizonte: Lajedo, São Gabriel e Vila Cemig, desde maio de 2012. O propósito do projeto é contribuir para o fortalecimento e articulação das regiões atendidas, potencializando o que já existe e possibilitando novas ações, conjuntas, que beneficiem as populações locais.
Como tudo começou A noção de direitos humanos é muito antiga no mundo. Possivelmente, desde 1.700 antes de Cristo existem leis de proteção aos considerados mais fracos e leis de contenção de ação das autoridades. Porém, apenas em 1.215 foram registradas, de fato, garantias mais concretas de direitos, na Carta Magna, documento que limitou o poder dos monarcas da Inglaterra e que pode ser considerado o início dos registros de diversas ações visando proteger a integridade humana. Em 1945, depois de muitas ocorrências de barbaridades durante a Segunda Guerra Mundial, fez-se necessário definir medidas que impedissem a repetição desses fatos. Foi então redigida a Carta das Nações Unidas, um acordo que resultou na constituição da ONU (Organização das Nações Unidas) como entidade máxima da discussão do direito internacional e fórum de relações e entendimentos supranacionais. As disposições da Carta foram usadas como base para a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que reuniu 148 nações, e a ONU para firmar o mais importante e completo documento existente em favor dos Direitos Humanos, dos Povos e das Nações. Em seus 30 artigos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos contém direitos e deveres fundamentais do homem, sob os aspectos individual, social, cultural e político, independentemente de nacionalidade, etnia ou situação. Os princípios dela estão inseridos em todas as constituições do mundo moderno, representando um horizonte para os atuais parâmetros da democracia.
Flores e perfumes estão no ar e enfeitam a capital mineira Flora Silberschneider
Flora Silberschneider 7º Período
Rosa, amarelo, roxo, lilás. São diversas as cores que explodem na primavera. No alto das árvores, embelezam caminhos, colorem a paisagem da cidade e nos convidam a olhar para cima e apreciar. Em meio ao asfalto, fios elétricos, postes e prédios, as árvores floridas lutam por espaço e atenção. Na correria do dia a dia, deixamos de reparar e valorizar a natureza que se
Flora Silberschneider
Flora Silberschneider
mistura ao concreto da cidade. As árvores garantem mais ar puro, refrescam o ambiente e nos ajudam a fugir do calor debaixo de suas sombras. Do dia 22 de setembro a 21 de dezembro, reina a primavera abrindo caminho ao verão que está por vir; até lá, o calor consome os dias e a chuvas começam a aparecer. É tempo de valorizar a natureza e diminuir a velocidade dos passos para apreciar as cores da capital. Observemos ao passar pelas avenidas, seja na Amazonas, na Franscico Sá, seja na Contorno.
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COMUNIDADE
Vila dos Marmiteiros tem muitas histórias a contar
Marianne Fonseca
Nascimento de gêmeos e corte do braço do ribeirão Arrudas ilustram narrativas curiosas do local Luciana Mendes Marianne Fonseca 1º e 5º Períodos
“Aqui tem mais de 16 casais de gêmeos. Antigamente, antes de construir a Via Expressa, em 1975, o Ribeirão Arrudas tinha dois braços, um deles cercava a Vila. Cortaram esse braço que fazia a curva e saía de trás dela. Então, deduzimos que, devido a isso, muitos gêmeos nasceram. Nos arredores da vila, não nascem tanto gêmeos assim, só aqui mesmo. Cortou o braço do rio, aumentou os gêmeos.” Essa é uma das lendas urbanas da Vila São Vicente, narrada por Jackson da Silva, morador há 26 anos e orgulhoso do lugar onde vive. As irmãs gêmeas Iasmim Caroline e Iara Carine, 19,
não acreditam na estória. “Eu penso que não tem nada a ver o ribeirão com os gêmeos; isso se deve a outros fatores”, afirma Iasmim. Localizada próximo ao Padre Eustáquio, na região noroeste de Belo Horizonte, a Vila tem 785 habitantes. Ela surgiu em meados de 1940, quando as autoridades desapropriaram moradores de outras vilas para abrir ruas e avenidas na capital. No início, era chamada Vila dos Marmiteiros. Existem algumas histórias por trás do nome: alguns afirmam que se chama assim, porque todos os dias os moradores saíam muito cedo de casa com suas marmitas. Outros, que não queriam chamar as pessoas de pobres, os apelidavam de marmiteiros.
ARTISTA
Um senhor simpático e descontraído relata suas lições de vida e como a arte o alegra. Roberto Coelho, 66 anos, demonstra felicidade e orgulho com os que param para ver sua igreja, exposta na calçada da Avenida dos Esportes. Morador da Vila desde que nasceu, diz-se apaixonado por ela e não ter vontade de sair de lá. A igreja, que ele mesmo arquitetou, é toda feita de jornais, desde a sua base até os mais simples detalhes, como a cruz que fica no alto. Uma escada na frente, duas torres com relógios e uma imagem de Nossa Senhora no centro compõem a fachada de sua igreja. Roberto começou a fazer esse tipo de arte, há oito anos, quando se aposentou, pois ficava
muito quieto e se sentia frustrado com isso. Criou, primeiro, um tapete, depois uma sacola e passou a fazer monumentos, como o Mercado Central de Belo Horizonte. Em sua última produção, a igreja, gastou 12 dias de trabalho. Ele já foi marceneiro e locutor, também fazia propaganda para as rádios. Quanto ao local, Roberto questiona a falta de segurança. “Sinto falta disto, não só na Vila, mas em toda a capital. Antigamente, saía a qualquer hora com meu violão e, hoje, não posso fazer isso mais.” Na Vila existem trabalhos sociais e pessoas dispostas a ajudar, como Amadeu Martins, conhecido como grão-mestre Dunga que, desde 1970, realiza um trabalho de divulgação da capoei-
pressiva de lava-jatos nas proximidades da Vila. César de Castro manteve o seu estabelecimento alí por bastante tempo, mas fechou-o há algum tempo devido ao alto preço do aluguel. Ele comenta que o fluxo de veículos é bom. “Tem grandes empresas por perto, mecânicos e concessionarias, os alunos da PUC também levam muito os seus veículos, aproveitam para lavar o carro e, depois, ir para a faculdade. Algumas concessionarias até fechavam negócio com um só lava jato”, comenta César. Entre algumas histórias marcantes, a Vila deu uma contribui-
ra, visando tirar jovens do mundo das drogas. Tornou-se o patrono da capoeira na cidade, destacando-se por ajudar a proteger a prática do esporte frente à repressão existente em epocas passadas. No espaço Senzala, grão-mestre Dunga oferece capoeira e massoterapia, sendo a capoeira um trabalho social. Dunga relata que esse é um trabalho difícil: “Tiramos os meninos do mundo das drogas, mas não temos condições de mantê-los, pois não re-
ção para a capoeira em Minas, já que, no início da década de 1970, Dunga começou a construção da sede da Senzala e ali formou muitos mestres e contramestres da capoeira, que desenvolveram trabalhos em todo o Brasil. No início, em Minas Gerais havia muita repressão, “Aconteceram muitas prisões, pois não se podia lutar capoeira, a polícia nos impedia”, conta ele. São esses detalhes que tornam a Vila um lugar agradável e aconchegante para se morar e desfrutar uma vida tranquila em meio às confusões da cidade grande. Marianne Fonseca
Inaugurada em 2004, a Umei São Vicente (Unidade Municipal de Educação Infantil) é elogiada pelos moradores, mas alguns reclamam que nem todas as crianças da Vila são atendidas pela instituição. Jackson da Silva disse que as crianças ficam prejudicadas: “Mandam elas para a outra unidade, que fica longe e isso dificulta”. A Gerência Regional de Educação, ligada à Secretaria de Administração Regional Municipal Noroeste, ressalta que os critérios para as crianças entrarem na Umei são publicados no Diário Oficial do Município (DOM). Evidencia que, para quatro e cinco anos, o atendimento é obrigatório e que todas as crianças, para as quais os pais buscaram vagas, foram atendidas este ano. O critério da distribuição de vagas contempla qualquer público, sendo 10% dos inscritos que moram ou que os pais trabalham a até 1 km da instituição. LIXO
Moradores ainda podem obter conquistas, como melhor recolhimento e destinação do lixo
cebemos apoio algum”. Também faz reuniões com a comunidade e oferece sopão para crianças e adultos, nas segundas e quartas-feiras. Ele dá suporte para a comunidade, com a arrecadação de roupas. Dunga acolheu meninos de rua, vilas e favelas, inserindo-os em atividades de aprendizagem e treinamento, de modo que muitos se tornaram mestres de capoeira. Eles fazem trabalho social em comunidades carentes.
Vagas na escola
Aspectos singulares do cotidiano A Vila São Vicente é um lugar calmo e harmonioso. “Aqui é tranquilo, não tem muito problema com brigas e homicídios”, conta mestre Dunga. Os moradores vivem de forma amigável, muitos se conhecem e se encontram nas ruas para conversar. Ela é composta por 236 domicílios distribuídos em uma avenida e algumas ruas, com casas bem próximas, um campo de futebol, estabelecimentos comerciais, como alguns lava jatos. A Vila tem um aspecto singular e atrai a atenção de quem passa por lá. Existe uma quantidade ex-
Roberto construiu sua igreja de papel em 12 dias
Há um grande acúmulo de lixo em frente às casas. Para se evitar esse problema, a Prefeitura so-
licita que os moradores coloquem os sacos de lixo para fora de casa somente nos dias de coleta, que é realizada regularmente todas as segundas, quartas e sextas feiras, como destaca a Regional. Na Rua das Oliveiras, há um descarte irregular de entulho, cuja remoção é realizada semanalmente. Rodrigo Araújo, assessor de comunicação da Regional, ressalta que esses entulhos podem causar danos à saúde pública. “Pedimos aos moradores para que não depositem resíduos nesses locais, porque o lixo atrai vetores que transmitem doenças, e causa entupimento do sistema de drenagem, inundações”, alerta. Entulhos volumosos como os de construção civil, podas de árvore devem ser encaminhados, gratuitamente, para a Unidade de Recebimento de Pequenos Volumes (URPV), situada à Rua Tamandaré, 5, bairro João Pinheiro. Nessa unidade, são recebidos até 1,00 m3 de material por transportador/dia. Caso queira, o morador pode contratar um carroceiro para realizar o transporte desse material.
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10 CAMPUS
Sistema de estacionamento muda Transtornos dentro e fora da universidade, e a falta de passagem de pedestres geram reclamações dos estudantes e funcionários da PUC no campus Coreu Flora Silberschneider
Caroline Andrade Sílvia Pires 3° Período
A PUC Minas disponibiliza estacionamento gratuito aos alunos e funcionários durante o horário de funcionamento da universidade. Professores podem utilizar qualquer um dos estacionamentos sem rotatividade, para alunos, em dias laternados. Recentemente, o estacionamento próximo à biblioteca, portarias de acesso 10 e 11, passou a funcionar diariamente para qualquer estudante ou funcionário. Segundo o professor Rômulo Albertini, pró-reitor de Logística e Infraestrutura, a mudança visa preencher as vagas ociosas do estacionamento. “Nós observamos que estavam sobrando muitas vagas e, por isso, decidimos deixar o estacionamento da biblioteca fora do sistema de rotatividade para que elas sejam ocupadas”, explica. A medida também reflete preocupação com a segurança. “Muitos alunos deixam os carros na rua, correndo o risco de ser assaltados. Se eu loto o estacionamento, estou tirando os carros dos alunos da rua e garantindo-lhes mais segurança; esse é o objetivo”, disse o pró-reitor. Com a mudança, o estacionamento está mais movimentado e formam-se filas na entrada e saída dos carros. Vanderson Alves, operador de áudio e vídeo na PUC TV
Filas para entrar no estacionamento tornaram -se frequentes
reclama da mudança que, a princípio, está confusa. Já o estudante de Jornalismo, Felipe de Souza, acredita que a mudança é positiva. “Foi muito bom terem retirado o rodízio. Era uma confusão, um dia ter que estacionar o carro lá em cima e no outro cá embaixo”. Essa alteração ocorreu no semestre passado e ainda está em fase de testes, como explica o pró-reitor. Nos demais estacionamentos continua operando o rodízio, de acordo com o esquema de cores. Os alunos e funcionários com credenciais de cor verde estacionam, nos dias pares, no acesso 3 e 5. Já aqueles com as credenciais amarelas, nos acessos 10 e 11. Aos sábados, a entrada é livre para qualquer uma das credenciais.
Além das mudanças dentro do estacionamento, a BHTrans anunciou alteração no sentido de circulação das ruas de acesso à portaria 10. As ruas Padre Júlio Lombard e Me. Beatriz Frambach passaram a operar em mão única. Isso tem confundido alguns motoristas menos atentos. Lucas Rocha Miranda, cinegrafista da PUC TV, acha que é preciso atuação da BHTrans uma vez que “as chegadas estão sempre congestionadas e perigosas no acesso 10. Quem está chegando não consegue ver quem está saindo”. PEDESTRES
A falta de acesso exclusivo para pedestres, nos estacionamentos da universidade, também tem sido re-
clamada pelos alunos. Eles observam que o pedestre, ao transitar pela PUC, em alguns pontos tem um inevitável contato com carros nos estacionamentos. É que não existem, em algumas entradas, acesso exclusivo de pedestres. Samuel Oliveira, aluno de Publicidade e Propaganda, reclama: “Somos obrigados a disputar lugar com carros e motos, sendo que esses, muitas vezes, não respeitam as pessoas que transitam pelo local”. O pró-reitor prof. Rômulo Albertini reconhece a necessidade de implantar medidas para a segurança dos pedestres e informou: “Isso faz parte dos nossos planos; antes não fizemos porque sobravam vagas e o estacionamento ficava aparentemente vazio”. Ele explica que a gerência do estacionamento PUC passou por uma transição. Antes, o serviço era terceirizado pela empresa AutoPark. Agora, a vigilância é toda internalizada pela PUC, que tem focado na educação dos pedestres e motoristas. “A tarefa de uma escola e de um ambiente universitário é educar e respeitar; então vamos organizar o estacionaento, pois temos professores e alunos mais velhos, alunos e professores portadores de deficiência física que merecem atenção”.
Uma vida dedicada aos livros Chiara Ribeiro Larissa Duarte 2º Período
Quem frequenta a biblioteca, com certeza, já reparou na ótima organização dos livros e no vasto acervo disponível. Tudo isso é fruto do trabalho dos bibliotecários, entre eles Rogério da Silva Marques, 54 anos. Ele começou a trabalhar na PUC no DCM (Departamento de Conservação e Manutenção) como limpador de vidros e logo foi para biblioteca, onde trabalha há mais de 30 anos. “Comecei aqui em 1980. Antigamente, cada prédio tinha sua biblioteca. O prédio que conhecemos hoje tinha acabado de ser construído e eu ajudei a transportar tudo dos outros prédios pra cá. Eu era do DCM, mas trabalhava emprestado pra bibliote-
ca”, contou. A paixão pela nova função foi tanta que Rogério pediu transferência do emprego para se dedicar às atividades bibliotecárias. “Eu me formei em ciências contábeis na PUC e passei a trabalhar como auxiliar administrativo na biblioteca. Em 2003, comecei a cursar biblioteconomia na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerias) e aproveitei pra trabalhar como bibliotecário aqui”. Quanto aos alunos, Rogério disse que são poucos os problemas. “Sempre tem aqueles que acham que estamos aqui só para servi-los, mas é minoria. Nunca tive grandes problemas lidando com o público. As pessoas faziam até fila para eu atendê-las”. Atualmente, ele trabalha internamen-
te, no escritório da biblioteca. Além de se realizar profissionalmente na biblioteca, Rogério encontrou ali o amor de sua vida: Marta Lúcia Thomas Marques. Eles se conheceram na época em que ela era aluna do curso de economia. De tanto frequentar o local, ficou amiga dos funcionários, principalmente dele. A amizade ultrapassou os limites do campus e eles começaram a namorar; são casados há 22 anos. O trabalho também é um hobby para Rogério: tanto que, fora do campus, atua voluntariamente como bibliotecário no Grupo da Fraternidade Espírita “Irmão Vítor”, sediada no Padre Eustáquio. “Minha esposa frequentava a instituição. Lá existe uma biblioteca que pre-
cisava ser organizada; os livros ficavam bem soltos. Eu me ofereci pra realizar o serviço como parte do meu TCC (trabalho de conclusão de curso)”. No início, o acervo tinha cerca de 773 livros; hoje são mais de três mil exemplares. Apesar do importante trabalho que realizam, poucos alunos conhecem os bibliotecários. Muitos não conseguiram dizer quem eram, mas destacaram a importância do serviço prestado à comunidade acadêmica. “O papel do bibliotecário é organizar a divisão dos livros, instruir as pessoas a encontra-los e também divulgar o material. Acho que a importância dele é essa, a gente já encontra o local todo determinado, organizado, reposto”, disse Vitor Morais, 18,
Marianne Fonseca
Rogério é o funcionário mais antigo da biblioteca
aluno de engenharia de energia. Jonatas Mendes, 18, também aluno de engenharia, destacou a importância de manter e melhorar a estrutura da biblioteca, de modo a facilitar a busca de conhecimento por parte dos alunos. Muitos acham que a principal função do bibliotecário é organizar os livros e atender os alunos, mas existem diversas funções inerentes ao cargo, que vão desde selecionar livros prove-
nientes de doações e distribuí-los pelas unidades da PUC; conferir, corrigir e manter os registros atualizados no sistema, identificar documentos, digitalizar livros e disponibiliza-los em PDF até zelar pela manutenção, limpeza e conservação do acervo. É graças a pessoas como Rogério, que trabalham com dedicação e amor, que a biblioteca da PUC é um lugar tão estimulante e agradável.
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ESPORTE
Jogadores aposentados vivem uma vida modesta
Kelly Diniz
Depois da fama e fortuna como craques de futebol, ex-atletas encaram a realidade fora dos gramados Débora de Souza Letícia Perdigão 3º e 4º Períodos
Ao contrário do que muita gente pensa, a maioria dos jogadores de futebol no Brasil (quase 96%) recebe até R$ 5 mil de salário, segundo dados da própria CBF (Confederação Brasileira de Futebol) divulgados em fevereiro deste ano. Essa realidade derruba mitos sobre o esporte como fábrica de fortunas ou pelo menos um meio de ascensão social. Se os atletas do presente vivem essa situação, craques do passado contam casos de glórias, mas de muita dificuldade também. Hoje, é possível encontrar alguns deles vivendo modestamente, no anonimato. “Jogador de futebol era muito mal visto na minha época; a família não queria que a filha se casasse com
jogador. Além disso, não se podia só jogar futebol, tinha-se que trabalhar em um emprego e conciliar as atividades. Muitos jogadores jogavam por amor, tinha nada de dinheiro, não; o que se recebia dava para completar a renda, mas não para comprar casa, carro, essas coisas”, conta Procópio Cardoso Neto, 77 anos, que, entre tantos títulos, foi campeão brasileiro como jogador do Cruzeiro em 1966, e hexacampeão mineiro pelo Atlético, como técnico, em 1978 a 1983. O fato de permanecer no futebol depois de se aposentar como jogador contribuiu para que Procópio hoje tenha uma vida mais confortável. Entretanto, não perdeu contato com ex-colegas de bola que passaram a levar uma vida bem difícil distante dos gramados. É o caso de
Dirceu Alves Ferreira, 66 anos, natural de Araxá. Ele começou sua carreira no juvenil do América e chegou ao Corinthians, onde jogou por três anos, ao lado dos tricampeões mundiais Rivelino, Zé Maria e Ado. De volta ao América, por empréstimo, foi campeão mineiro em 1971. Retornou ao Corinthians, mas foi emprestado novamente ao futebol mineiro em 1973, contratado pelo Cruzeiro, onde foi campeão ao lado de Raul, Nelinho, Perfumo, Morais, Dirceu Lopes e Vanderlei. “Eu não tenho mágoa nenhuma do futebol, porque na época eu fui até vendido muito bem. O problema é que a gente vem de família pobre, e quando começa a ganhar dinheiro ajuda um irmão, compra casa para os pais primeiro, para depois ir ajeitando a sua vida; nem
Ídolos do futebol brasileiro têm suas histórias contadas em livros e filmes A jornada de alguns dos ídolos do futebol brasileiro foi tema de obras literárias e cinematográficas, que reconstituem o passado glorioso que pouco lembra a vida simples que alguns desses ex-craques levam atualmente. Retratar a vida de alguém exige dedicação e aprofundamento, e um bom exemplo desse empenho se vê no livro “Estrela solitária - Um brasileiro chamado Garrincha”, de Ruy Castro. Para contar a história do ponta-direita de pernas tortas, Ruy realizou mais de 500 entrevistas com 170 pessoas, que ajudaram a descrever a trajetória do ídolo no Brasil. Vários outros livros se propuseram a descrever o percurso cheio de glória dos futebolistas mais famosos do Brasil, como: Rivellino, Sócrates, Nunca houve um homem como Heleno - também retratado no filme Heleno (2012) e Zico,
uma lição de vida. Maior artilheiro da história do futebol e autor de 1281 gols, Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, tem os momentos mais marcantes de sua vida retratados no filme Pelé Eterno (2004). Já o caminho cheio de obstáculos percorrido por Zico até o time principal do Flamengo e a Seleção Brasileira foi retratado pelo diretor Elizeu Ewald, em “Zico”, de 2002. A sequência Boleiros – Era uma vez o futebol (1998) e Boleiros 2 – vencedores e vencidos (2006), de Ugo Giorgetti, mistura realidade e ficção com depoimentos de ex-jogadores e torcedores, para mostrar a paixão pelo futebol no Brasil. O jornalista Pedro Blank descreve nas 344 páginas do seu livro “O Príncipe - a real história de Dirceu Lopes” alguns dos momentos memoráveis da carreira de Dirceu Lopes. Kelly Diniz
Dirceu e Vanderlei são alguns dos jogadores que hoje batalham pela vida com outra profissão
sempre sobra muito. Não tenho nada a reclamar do futebol, não”, reconhece. Depois de pendurar a chuteira, o ex-volante passou a dedicar-se mais à família. Tem duas filhas (Alessandra e Isabela, do primeiro casamento com Angelita). Sua segunda esposa é Maria da Conceição, com quem vive até hoje e divide o trabalho de venda de picolé no Parque Municipal de Belo Horizonte. Simpático e sorridente, Dirceu não parece incomodado com sua vida pacata e simples de aposentado. Por outro lado, ele confessa que, se tivesse oportunidade de começar de novo, não seria médio-volante, mas sim atacante, que segundo ele é mais valorizado. REALIDADE Dario José dos Santos, o Dadá Maravilha, 70 anos, hoje cronista esportivo, jogou até os 40 anos, mas confessa que já sentia estar na hora de parar, desde os 35: “Eu não jogava futebol pelo dinheiro, eu jogava porque amava o que eu fazia, tanto que, depois que larguei o futebol, passei uma fase esplendorosa jogando na seleção de Masters do Luciano do Vale (ex-locutor da TV Bandeirantes), na Seleção Brasileira, onde fiz muitos gols,
Dirceu largou o futebol e vende picolé no Parque Municipal e fui me iludindo com isso também”. A aposentadoria do futebol foi dolorosa para Dadá, ídolo da torcida do Atlético, autor do gol que deu o título de Campeão Brasileiro ao clube em 1971. “A vida, depois, ficou difícil; eu não estava preparado para parar. Eu, que ganhava um bom dinheiro, de repente não ganhava mais nada. Passei dificuldades, comecei a vender meus imóveis, vendi terreno, fui vendendo e os anos passando e a dificuldade só aumentando. Depois não me via mais como herói, não era mais o rei Dadá, não era mais Dadá Maravilha. Era só um rosto da multidão, e todos me esqueceram”. Como comentarista na TV Alterosa, hoje Dario diz que recuperou seu prestígio junto à torcida do Galo, e é respeitado até por cruzeirenses e americanos. Dentro e fora dos gramados, a carreira de Dadá sempre foi marcada por muito folclore. “As frases do Dadá são as mais faladas no Brasil: para toda problemática tem a solucionática; não existe gol feio, feio é não fazer gol. Mas a frase que eu mais amo não tá na mídia: “faço tudo com amor,
inclusive o amor”, brinca. Getúlio Oliveira, 62 anos, é outro atleticano que teve que aprender a conviver com o anonimato, depois que parou de jogar futebol. O ex-lateral-direita - que começou a carreira como atacante, mas mudou de posição devido à concorrência de craques como Reinaldo - jogou pelo Atlético até 1977, quando foi vendido ao São Paulo, pelo qual foi campeão brasileiro daquele ano, em cima do clube que o revelou. Getúlio não esconde a frustração de ter sido cortado da Seleção Brasileira pelo técnico Telê Santana em 1982, dando lugar a Leandro e Edvaldo. Aposentado ele trabalhou cerca de 20 anos nas categorias de base do Atlético. Depois disto foi que percebeu o quanto o futebol mudou:“na minha época as coisas eram mais simples; hoje os clubes contam com patrocínio para tudo, as relações ficaram mais difíceis e burocráticas, tanto que eu nem conheço o Mineirão depois da reforma. Para entrar na Cidade do Galo e outra dificuldade.
Fora do campo, um recomeço Vanderlei Lázaro, 69 anos, é outro ex-jogador que trabalha no Parque Municipal de Belo Horizonte. Viúvo, pai de 8 filhos e avô de 18 netos, este uberabense tranquilo lembra muito bem do tempo em que jogou pelo Cruzeiro Esporte Clube. Ele integrou o que considera uma das duas melhores formações da Raposa de todos os tempos: a geração campeã da Taça Libertadores, em 1976. Mais reservado e de frases curtas, Vanderlei considera que o futebol hoje é bem diferente de antigamente, pois, hoje, o jogador pode “fazer sua vida” em apenas um ano. “Na nossa época era muito difícil fazer um pé de meia para o resto da vida. São pouquíssimos os que conquistaram uma vida tranquila, como Pelé, Tostão. A maioria, se não tiver uma atividade (depois que parar de jogar futebol), não consegue se manter”, desabafa. Vanderlei diz não se arrepender do que fez com o dinheiro que ganhou como jogador: “Pra mim, importante foi o que eu fiz para os meus pais, mi-
nha mãe, meus irmãos, pra minha família. Tem-se que encarar a vida como ela vem pra você”, aconselha. Aposentado pelo INSS, Vanderlei divide com a família o negócio do carrinho de pizza que, há quase 34 anos, mantém no Parque Municipal, graças à licença que ele, e o também ex-lateral-esquerdo cruzeirense, Neco (Manuel Caetano Silva, 76 anos, campeão da Taça Brasil, em 1966), conseguiram, graças a Wilson Piazza, presidente da Associação de Garantia do Atleta Profissional (Agap). A entidade presta assistência a jogadores e ex-jogadores também em problemas de saúde, como é o caso de Zé Carlos que sofreu, recentemente, um Acidente Vascular Cerebral (AVC) aos 71 anos. Uma campanha em favor de Zé Carlos, iniciada pela Agap, também é apoiada por Procópio Cardoso, que está escrevendo um livro para contar muitas histórias de alegrias e dificuldades que viveu no futebol.
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12 CIDADE
Descaso marca os 30 anos d0 metrô Verbas do governo federal não são suficientes para melhorias e ampliação das linhas. A única mudança significativa foi a modernização de alguns trens Deborah Almeida Elisa Senra 2º Período
Em 30 anos de existência, o metrô de Belo Horizonte sofreu pouquíssimas mudanças, por causa da escassez de investimentos governamentais. As verbas liberadas não são suficientes para as melhorias necessárias e, dessa forma, a sua ampliação está, há anos, prejudicada. Fundado em 1986, o metrô tem uma linha única, com 28,1 km de extensão e 19 estações, ligando o bairro Eldorado (Contagem) ao Vilarinho (Venda Nova). Ao longo de três décadas, a única mudança foi a modernização de alguns trens. A linha única não é suficiente, para atender os moradores, dado o tamanho de Belo Horizonte. Várias promessas de ampliação foram feitas, ao longo desse tempo, mas nenhuma foi concretizada. De acordo com o secretário-geral do Sindicato dos Metroviários de Minas Gerais (Sindimetro), Romeu José Machado Neto, a falta de verbas impediu transformações. O maior problema, para ele, é a falta de comunicação entre os governos municipal, estadual e federal. “O problema da expansão é político. Não
é financeiro, não é de projeto. Não é nenhum outro problema a não ser uma questão de vontade política”, afirma. Segundo Neto, a falta de investimento tem como causa principal a pressão das empresas mineiras de ônibus, boa parte delas amigas de políticos. Visando manter os altos lucros, os empresários colocam empecilhos ao crescimento do transporte ferroviário. O diretor júridico do Sindimetro, Robson Severino Gonçalves, afirmou “que quase todos os políticos atuais têm algum benefício prestado por alguma empresa de ônibus”. Dessa maneira, “são poucos os que defendem os projetos de extensão do metrô”. NOVAS ROTAS
A Assessoria de Imprensa da Companhia Brasileira de Trens Urbanos de BH (CBTU) informou que os investimentos previstos para as expansões e melhorias na linha 1 somam R$ 5 bilhões em recursos dos governos federal, estadual, local e da iniciativa privada. Desses, R$ 90 milhões foram consignados no orçamento da União. Esse recurso seria destinado a construção da Linha 2 (Barreiro-Calafate).
Existe também o projeto de criação da linha da zona Sul, que ligaria os bairros Lagoinha e Savassi, com trens subterrâneos. As obras de ampliação do Calafate ao Barreiro, também subterrâneas, já foram iniciadas, mas acabaram suspensas pela primazia da zona Sul, o que não tem sentido para o Sindimetro. Para o sindicato, não há motivo aparente para tal escolha, ainda mais que o número de usuários seria ampliado drasticamente caso houvesse uma linha para o Barreiro. A privatização do metrô é outro ponto de constante debate. Especialistas explicam que enquanto a empresa privada teria altos lucros, o governo que fez os investimentos levaria tempo para recuperar este dinheiro e a população ficaria sujeita a aumentos de tarifa aleatórios. Faz 10 anos que o preço da passagem está congelado em R$1,80 e é isso que atrai boa parte dos usuários. É o caso de Matheus Rocha, que usa o metrô todos os dias para ir à escola. “Outro meio de transporte mais caro seria inviável”, diz ele. Uma passagem de ônibus convencional, por exemplo, custa R$3,70.
Marianne Fonseca
Se for expandido, número de passageiros poderá quadruplicar
Para quem precisa do transporte público todos os dias, a diferença de preço é significativa. Juntamente com a ampliação das linhas, o Sindimetro reivindica a melhoria da segurança. Nos horários de pico e, principalmente, nas estações próximas ao centro, o metrô é relativamente tranquilo. Contudo, quando está mais vazio e em zonas periféricas, os usuários não se sentem seguros: é real sua vulnerabilidade e o risco de assaltos. A estudante Leticia Nogueira (19), que utiliza o metrô com frequência, afirma que vários casos de abuso sexual são relatados nas estações e dentro do metrô, e que nenhuma medida é
tomada para reverter tais ocorrências. A situação dos próprios funcionários não está boa. Com a atual crise financeira, os recursos de custeio foram comprometidos e, segundo o Sindimetro, o dinheiro para materiais e manutenção vem a conta-gotas e o racionamento quase inviabiliza o serviço. Até fizeram uma ação contra o governo, pedindo melhores condições, mas até agora não obtiveram respostas. Para os servidores, sem as verbas necessárias, fica muito complicado fazer com que toda a estrutura do metrô funcione como deveria. O metrô é um meio de transporte muito efi-
ciente: “Tem índice de regularidade e de pontualidade na casa dos 98%. O de BH é aprovado por mais de 72% de seus usuários,” informa a CBTU. Atualmente, cerca de 600 mil pessoas o utilizam por dia, número que pode até quadruplicar caso haja a expansão. A maioria dos usuários afirma que, apesar de todos os problemas, é um ótimo meio de locomoção. Como a estudante Ana Carolina Freitas: “O metrô é excelente por ser prático, rápido e barato”. Só reclama da linha única. De acordo com o universitário Vitor Andrade (19), “uma linha só limita o serviço prestado à população”.
Deixar o carro em casa é saudável para o corpo e o mundo O Dia Internacional Sem Carro (World Car Free Day), comemorado em 22 de setembro, propõe que as pessoas deixem seus carros em casa e usem transportes coletivos, como ônibus e metrô, ou alternativos, como bicicleta. A ideia é capaz de reduzir significativamente a quantidade de gás carbônico, CO2, lançada ao ar. Na cidade de São Paulo, que tem
a maior frota de automóveis do país (cerca de 9 milhões), estima-se que mais de 500 toneladas de CO2 deixariam de ser emitidas por dia. A data foi criada na França, em 1997, com o objetivo de incentivar as pessoas a evitar o uso de seus carros em favor da qualidade ambiental. A iniciativa só chegou no Brasil em 2003 e, infelizmente, tem ainda baixa adesão. Uma manei-
ra de incentivar o uso dos transportes coletivos nesse dia - e em outros também - seria melhorar a qualidade deles. O tempo longo de viagem e a superlotação são fatores que geram desânimo. Segundo o especialista em engenharia de transportes e professor da PUC Minas, Ivan Luís Viera de Araújo, em Belo Horizonte, o ideal seria a ampliação do metrô, tendo
em vista sua rapidez, e aumentar a quantidade de trens e ônibus para que fiquem menos lotados
em horários de pico. Para ele, também é válido encorajar o uso dos transportes alternativos, for-
necendo estacionamento gratuito e construindo vias próprias ao longo da cidade. Arte: NEP
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Ester Rodrigues Giulia Staar 1º e 4° Períodos
Dona Lúcia Helena de Oliveira Castro tem 74 anos, é pensionista e natural de Diamantina. Atualmente, a moradora do bairro JK, Contagem, é também mais uma vítima de altos reajustes de planos de saúde, em Belo Horizonte. Cliente da Unimed desde 1996, Lúcia afirma que sofre com os aumentos. Casos como o dela são cada vez mais frequentes entre idosos. De 1º de junho de 2015 a 31 de maio, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) registrou 420 reclamações de beneficiários com mais de 59 anos, que relatam que as mensalidades dos seus planos de saúde foram reajustados de forma abusiva. Antes de 1999, contratos de planos de saúde poderiam ter reajustes de acordo com o interesse das operadoras. O aumento com base na faixa etária, acontecia de forma indefinida, crescendo livremente, atingindo pessoas na faixa dos 70, 80 anos. Mas, em 2004, entrou em vigor no Brasil o Estatuto do Idoso e os participantes dos planos de saúde começaram a ser protegidos pela lei. Desde então, os reajustes passaram a ser proibidos pela ANS após os 59 anos. Mas, mesmo assim, eles não foram completamente extintos. De acordo com a ANS, para idosos com contratos de planos iniciados até 2 de janeiro de 1999, a nova
CIDADANIA
Planos de saúde cobram mais caro para os idosos Lei que entrou em vigor em 2004 não é suficiente para evitar reajustes periódicos mais altos que o devido legislação não se aplica e os aumentos devem seguir o que estiver escrito no contrato. Ou seja, os idosos que têm contratos anteriores à lei 9.656/98 continuam a sofrer os reajustes etários como se o Estatuto não existisse. “Se o plano é antigo, ou seja, foi assinado até janeiro de 1999, data da entrada em vigor da lei dos planos de saúde (9.656/98), não existem regras claras sobre o assunto”, explica a consultora jurídica do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa ao Consumidor), Daniele Trettel. No entanto, o beneficiário deve
verificar se o aumento foi muito alto, o que pode ser considerado abusivo e, nesse caso, contestado via administrativa ou judicial. Para os que contrataram algum plano após essa época, os reajustes foram antecipados. Ou seja, alguns planos de saúde passaram a impor aumentos absurdos até o último prazo permitido por lei, ou seja, na ocasião do aniversário de 59 anos do cliente. O professor de direito da PUC Minas, Leonardo Macedo Poli, explica: “Foi determinado pela ANS que quando a pessoa entra na última faixa etária (59
anos ou mais), o aumento não pode ser maior do que seis vezes o da primeira faixa etária (0 a 18 anos). Contudo, o reajuste não pode ser feito de forma acumulativa quando o consumidor atingir os 59 anos: ele tem que ocorrer ao longo dos anos, ou seja, progressivamente”. Poli diz que não é o que tem acontecido. Segundo ele, os planos de saúde têm concretizado os aumentos na última faixa permitida. Foi o que aconteceu com dona Lúcia que, mesmo após seu aniversário de 60 anos, ainda é atingida por aumentos sucessivos
no valor do seu plano da cooperativa Unimed. De acordo com ela, na data do seu aniversário de 60 anos, o reajuste foi muito grande. “Após os 60 a cada ano aumentava mais. Metade da minha renda passou a ser destinada ao plano de saúde”, relata. Quanto à legislação vigente, Lúcia disse: “nunca ouvi falar sobre isso, mas denunciaria o aumento se recompensada financeiramente”. Diferentemente de Lúcia, a aposentada M.C, de 73 anos, é bem informada sobre seus direitos. Assim que identificou o aumento indevido em seu plano da Flora Silberschneider
Antes mesmo de contactar um advogado, o consumidor lesado pode recorrer ao Procon para denúncias e reclamações
Adpuc realiza assembleia para discutir planos de saúde Procurando garantir seus direitos, os professores da Associação de Docentes da PUC Minas (Adpuc) realizaram uma assembleia ordinária, no dia 28 de setembro, para discutir os aumentos no plano de saúde coletivo da Unimed. É que, segundo acordo Unimed/ PUC, há clausula garantindo que os reajustes serão iguais para professores e funcionários da ativa e apossentados, mas isto não está sendo cumprido. Em 2015, por exemplo, os aposentados tiveram aumento de 19,08%, enquanto os da ativa, 8,10%. Nos últimos três anos, os sucessivos aumentos acumulam majoração de quase 60% nos valores dos planos dos aposentados. Rita de Cássia Liberato, tesoureira da associação, explica que estes professores têm sofrido bastante com o preço exorbitante. Nem o
limite estabelecido pela ANS vem sendo respeitado: 13,55%.“Eles colocam os preços que querem,” apesar de os juizes, que tem julgado ações de aposentados, estipularem em decisão preliminar o limite da ANS como referência para reajustes. Contudo, a ANS explica que não define aumento percentual máximo de reajuste para planos coletivos antigos, pois eles são estabelecidos com base em livre negociação entre as operadoras e as instituições. Entretanto, a agência ressalta que, para prevenir abusos, monitora os reajustes de planos coletivos. Em sua defesa, a assessoria da Unimed BH esclarece que os seus reajustes referentes a planos coletivos empresariais obedecem aos índices definidos em contrato e que considera também a variação dos custos assistenciais de cada carteira.
entrou em contato com o Procon MG e fez sua denúncia. “Não sou bobona não, meu plano aumentou de R$ 500 para R$ 687 de um mês para o outro. Fui no Procon e depois voltaram ao preço original”, conta. A assessoria de imprensa da Unimed BH explicou que os reajustes por faixa etária seguem as normas estabelecidas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). “No caso de planos anteriores a 1999, seguimos os contratos firmados com os clientes.” Dados disponibilizados pelo Procon MG, mostram que em 2015, ocorreram 129 queixas em relação a planos de saúde em Belo Horizonte: Eles ocupam o 18º lugar no ranking de denúncias. E em 2016, até o dia 9 de setembro, o Procon já tinha registrado 72 reclamações, situando os planos de saúde em 22° lugar no ranking. Para o professor Leonardo Poli, o total de denúncias poderia ser muito maior. Não cresce mais porque “envolve muito comodismo, às vezes. A pessoa sabe que tem que fazer a denúncia, mas fica pensando que não quer mexer com isso, que só vai trazer problema. Ela não procura exercer seu direito.” Poli também instrui as pessoas a denunciar cobranças indevidas: “Não só pelo dinheiro, mas pelo direito que ela tem como consumidor. Seu direito não tem preço”, opina.
Luta pelo direito do consumidor Na hora em que o consumidor identifica reajustes abusivos, existem três vias para fazer valer seus direitos. De acordo com o professor Leonardo Macedo Poli, essas vias são: “Reclamação direta aos planos de saúde, reclamação através de recursos administrativos, ou através do sistema judiciário”. Poli instrui que se deve buscar, primeiramente, os planos de saúde através da ouvidoria deles, o SAC ou o Call Center para fazer a denúncia. Não obtendo sucesso, o consumidor deverá fazer um recurso administrativo para reivindicar o seu direito, frente à ANS ou ao Procon. “Eles fazem a comunicação entre o consumidor e o plano de saúde. Se, ainda assim, não for resolvido, deve-se procurar a via judicial através do Juizado Especial de Consumo ou da justiça comum”, diz. Ele explica que, ao revindicar seus direitos, “a vítima pode pedir
uma revisão contratual, dentro das disposições que garantem os direitos do consumidor, para que a cláusula abusiva seja retirada do contrato”. Além disso, o cliente pode pedir a repetição em dobro (ressarcimento) de todos os valores que foram cobrados indevidamente, nos últimos dez anos, acrescidos com taxas e juros. Porém, o professor recomenda que a via judicial nunca seja a primeira opção do cliente. “Só em situações de total discordância é necessário a busca da Justiça. Nesse caso, o cliente deve contatar um advogado particular ou buscar ajuda da defensoria pública”. Ele comenta que muitos consumidores confundem o Procon como recurso judicial: “Na verdade, o Procon funciona como recurso administrativo. Ele recebe a denúncia e comunica ao fornecedor exigindo explicações e acordos. Muitas vezes, dependendo do seu caso, a ida ao Procon é a solução ideal”.
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Bruna Leão 3° Período
A lei Maria da Penha, que completou 10 anos em agosto, criada para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher e dar visibilidade ao problema de violência doméstica ainda não atingiu, plenamente, seus objetivos. Com a lei surgiram delegacias especializadas, intensificou-se o questionamento sobre a violência de gênero e aumentaram as denúncias contra agressores, mas há muito o que fazer para amenizar a discriminação e tornar homens e mulheres cidadãos iguais, como afirma a Constituição Federal. Violência doméstica é qualquer ação ou omissão, baseada no gênero, que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, praticado entre os membros de um ambiente familiar comum, ligados ou não por laço de sangue. Anne Shirley professora de direito da família da Faculdade Mineira de Direito da PUC Minas explica que “o que se verificou, ao longo desses anos, foi uma certa diminuição dos casos de violência, na medida em que a pessoa denuncia e com isso inibe o agressor”. A advogada observou que mesmo imperfeita a Lei Maria da Penha contribui para a proteção da família na medida em que ela garante a integridade física das pessoas, a reciprocidade dos direitos
DIREITOS HUMANOS
Lei ainda não protege a mulher contra violência Lei Maria da Penha é importante, mas ainda há muito a conquistar na luta contra a violência doméstica daqueles que compõem a família e preserva a vida. “A lei auxiliou na evolução, também, do conceito de família já que aceita a existência de uma pluralidade de arranjos familiares, unidos por laços de afinidade ou por vontade expressa, e não necessariamente pelo casamento ou laços de sangue.” De acordo com o parágrafo único do artigo 5 da Lei Maria da Penha, desde que haja violência em razão de gênero, praticada por agressor, homem ou mulher, que tenha mantido relação de afetividade e intimidade com a vítima; a lei pode ser usada como proteção efetiva. Logo, sua aplicação sai dos casos de agressão a mulheres e se aplica também as transexuais e travestis, mesmo que a vítima não tenha feito cirurgia de mudança de sexo. Anne Shirley explica que a lei não serve exclusivamente para proteger a mulher, mas qualquer vítima de violência familiar, seja ela homem, mulher, transexual ou transgênero. Nesse sentido a vítima é aquela pessoa que sofreu violência familiar independente do gênero,
em respeito ao dispositivo constitucional segundo o qual todos nós somos iguais perante a lei. “O que a gente tem hoje é uma dificuldade das autoridades promoverem a devida proteção às pessoas que não sejam do gênero feminino.” A Delegacia de Mulher de Belo Horizonte não faz atendimento a mulheres transexuais, a não ser que haja uma alteração de masculino para feminino no documento da vítima. A deputada Marília Campos, integra a Comissão Extraordinária das Mulheres na Assembleia e trabalha visando à prevenção da violência através da divulgação da lei, “Creio que esse papel
7º Período
Criar creches, delegacias e casas de abrigo para mulheres vítimas de violência ou em estado de carência são os principais objetivos do movimento de mulheres “Olga Benário”, de caráter nacional, que hoje está presente em 17 estados brasileiros. Em março deste ano, as militantes de BH ocuparam as dependências do antigo prédio do curso de engenharia da UFMG, no centro da cidade, com o objetivo de chamar atenção das autoridades para suas demandas. A intenção era de ficar ali uma semana, mas permaneceram por lá três meses. É que desde o primeiro dia apareceram mulheres precisando de acolhida. Tatiane Mate, militante, conta que o movimento participou, desde então, de mesas de conflito do estado para mostrar que existe demanda insatisfeita de proteção à mulher. Foram acolhidas mais de 25 mulheres por dia. Assim, o local, que funcionava como um abrigo, tornou-se referência para as mulheres desamparadas.
DURA
REALIDADE
A Delegacia da Mulher de Belo Horizonte atende de 30 a 40 mulheFlora Silberschneider
Delegada Danúbia acredita que lei pode melhorar
Casa Tina Martins é uma esperança Ana Clara Carvalho
formador cabe ao trabalho parlamentar também. Em meu gabinete, ainda tenho assessoria exclusiva para cuidar de assuntos de mulheres. Trabalhamos muito em prol das políticas de empoderamento e emancipação das mulheres”. “O fato de existir uma legislação já pode ser considerado um avanço. Entretanto, se por um lado temos uma boa legislação no papel, ainda falta muito para que ela esteja inserida na prática na vida das brasileiras”, disse ela.
Hoje a “Casa de Referência da Mulher Tina Martins” é uma realidade, mas ainda vive de doações. O nome homenageia uma garota de Porto Alegre, trabalhadora, que esteve na linha de frente da luta de classes. Quatro mulheres do movimento foram destacadas para trabalhar na casa que funciona em quatro eixos: formação das mulheres dentro do feminismo; formação e emancipação financeira, empoderamento da mulher; acolhimento, encaminhamento e abrigamento. De acordo com a delegada Danúbia Quadros há possibilidade da casa se tornar um abrigo oficial: “Não há inciativa estatal de unir polícia civil e município para encaminhar vítimas ao abrigamento. É difícil manter a Tina Martins como tal porque todo mundo sabe onde é. O agressor tem acesso, pode ir até lá, mas há uma possibilidade torna-la oficial, já que a Casa está crescendo tanto”. A instituição acolhe todas as vitimas que chegam à casa e avalia suas necessidades imediatas. Só as encaminham para abrigamento em último
res por dia. Como medidas de proteção a vítima e à sua família o agressor tem que se retirar do domicílio e é proibido de aproximar-se da mulher e dos filhos. Segundo a delegada Danúbia Quadros “As medidas protetivas não alcançam somente a vítima, mas também a família, principalmente as pessoas mais próximas”. Nos casos mais graves, existe a Casa Abrigo, resultante de política pública criada para abrigar as vitimas, imediatamente. O local é sigiloso e sem contato com o mundo exterior para garantir total proteção. As mulheres e seus filhos menores de idade podem ficar lá por no máximo três meses, pois o local só tem 14 quartos e é necessário rotatividade para atender maior número de vitimas. Um dos maiores problemas que as mulheres enfrentam é conseguir a medida preventiva de urgência que afaste delas o agressor. O processo ainda é muito demorado. Há uma proposta de lei no sentido de conferir ao próprio delegado o poder de adotar essa medida preventiva. O projeto de lei, nesse sentido já foi
caso, pois só têm 10 quartos disponíveis. São aceitas mulheres e homens trans, além da família, inclusive, de outros Estados. Não há tempo determinado para a permanência; depende da necessidade da pessoa. São oferecidas aulas de espanhol e francês, de pole dance, além do espaço ter biblioteca, sala de estudos e um galpão para eventos, rodas de conversa e debates. Todas as pessoas que trabalham ali são voluntárias, tanto os que dão aula, quanto os que oferecem avaliação psicológica. Quem chega preenche um formulário e lhe são passadas as regras da Casa sobre o uso de álcool, drogas, e entorpecentes em geral. “É uma casa
aprovado na Câmara dos Deputados e agora está em discussão no Senado Federal. A vitima J.J estava na delegacia da mulher para fazer um boletim de ocorrência e contou que o processo é muito burocrático inclusive para conseguir a medida protetiva. Ela estava na delegacia pela segunda vez, já que na primeira não conseguiu atendimento por causa da demora. Decidiu voltar, pois foi ameaçada novamente e dessa vez na frente de seu advogado. Ela deseja uma medida protetiva urgente, pois se sente muito vulnerável e acredita ser essa a única maneira de resolver o problema. Também na delegacia, a vitima V.P reclamou da demora do atendimento. Era sua primeira denúncia e já estava esperando há quatro horas. Ela deseja uma medida protetiva para garantir o afastamento do agressor. Decidiu denunciar, pois tentou resolver o problema sozinha e não teve resultado. Entende, agora, que precisa de ajuda profissional. Estava com mensagens e ligações para provar as ameaças. V.P procurou pela delegacia na internet e observa que falta melhor divulgação. “As pessoas acham que a gente vem aqui à toa. Todas as vítimas que procuram a delegacia precisam ser atendidas urgentemente. Não é frescura, ser ameaçada o tempo todo; é prejudicial também para o nosso psicológico”.
que tem engajamento politico, não é somente um abrigo. É preciso saber se colocar nos espaços públicos, porque esse direito é negado pra nós, mulheres, o tempo todo.” explica Tatiane. Sobre a Lei Maria da Penha, a militante acredita que ela garante muitas coisas, só que na pratica não acontece como a lei dispõe. “O que está no papel é bonito, mas na realidade não funciona. Então, nesses dez anos a ideia é de melhorar o fluxo entre os dispositivos, para a mulher não precisar relatar mil vezes o que aconteceu. Eu acho que ainda falta muita coisa pra ela funcionar 100%”. Marianne Fonseca
Instituição objetiva proteger e empoderar a mulher
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DIREITOS
Domésticas ainda sofrem no trabalho Hoje a lei ampara a empregada doméstica, mas ainda há muito o que fazer para evitar a exploração e superar a cultura de humilhação que persiste Bárbara Sier Giovanna Mozelli Isabela Maia Roberto Barcelos 6º Período
O despertador toca às seis. Às sete já é hora de enfrentar o ônibus lotado que parte da periferia rumo à região centro-sul da capital mineira. Pela frente, um dia dedicado a cuidar, com zelo, de uma casa que não é a sua. Esta é a experiência de muitas mulheres que diariamente enfrentam a mesma rotina, como empregadas domésticas. Iuny Stephanie Nunes dos Santos, 24 anos, cuida da filha de seis e tira seu sustento do trabalho de diarista. Sua mãe, Luciane Nunes, mantém a família como empregada doméstica, há 28 anos. O que elas têm em comum, além do trabalho, é a vontade de construir um fu-
turo diferente. Realidade forte no Brasil, esse trabalho de empregada doméstica é a saída para muitas mulheres da periferia. Conceitualmente, empregado doméstico é aquele que trabalha no âmbito da casa. Dessa forma, tanto o caseiro quanto a doméstica são considerados empregados domésticos, conforme explica a advogada trabalhista Adriana do Valle: “Em 95% dos casos, os trabalhadores dessa categoria são mulheres. Ainda existe uma herança patriarcal e machista nessa relação”. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) em relatório de 2013, 17% das mulheres que trabalham no Brasil executam tarefas domésticas. No total, são 7,2 milhões de domésticos, sendo 6,7 milhões mulheres e 504 mil ho-
mens. Em meio a esta realidade, o país que aboliu a escravidão há quase 130 anos ainda comete abusos contra domésticas, tratadas às vezes como cidadãs de segundo nível pelos patrões. Iuny, por exemplo, já foi vítima. Há dois meses desempregada, ela resolveu sair do último trabalho por causa de abusos. Seu serviço era cuidar da cozinha de uma casa no bairro Santo Antônio. Lá, almoçava apenas o que sobrava; sentar-se à mesa era proibido e ela era, constantemente humilhada. O estopim de sua indignação foi ao ouvir uma conversa na qual sua patroa chamou-a de “caminhão de banha”. “E não foi só isso. Uma vez minha filha passou mal e eu precisei faltar para levá-la ao médico. Avisei o porquê de não ter ido e, no dia seguin-
Relações podem ser de amor Melquida de Oliveira, quando veio para Belo Horizonte, não sabia que ganharia duas coisas preciosas: a visão, que estava quase perdida por uma doença que lhe acometia os olhos, e uma nova família, que ainda estava sendo formada. As duas conquistas a acompanharam para o resto da vida. A primeira, ajudando, literalmente, a ver o mundo; a segunda, sendo suporte emocional e objetivo de pessoas sensíveis mesmo na ausência de laços sanguíneos. Em meados da década 1950, a mineira natural de Teófilo Otoni foi enviada pelos pais adotivos à capital, em busca de tratamento oftálmico. A chegada à cidade grande despertou a vontade de ficar por ali e, por isso, logo após uma bem sucedida cirurgia, começou a procurar uma ocupação que lhe oferecesse sustento e acolhimento. Foi na casa daquela que viria a ser professora da PUC Minas, Ana Maria Rodrigues de Oliveira, que Melquida encontrou hospedagem e trabalho. “Papai e mamãe já tinham três filhos e precisavam de uma pessoa pra ficar trabalhando lá em casa”, conta a quarta dos cinco filhos do casal. Tão logo souberam que suas necessidades coincidiam, a família Oliveira acolheu Melquida quando ela ainda se recuperava da cirurgia.
Ana Maria recorda, através das histórias que ouviu dos pais, que o cuidado mútuo aconteceu desde o primeiro momento. A empregada do interior era muito zelosa com a casa e com os filhos dos patrões e, ao mesmo tempo, recebia o carinho e atenção de uma família que a protegia e orientava, quando necessário. Passados 22 anos de trabalho na casa da família Oliveira, Melquida aposentou-se, graças à contribuição ao INSS que os patrões a orientaram a fazer. Ao longo dos anos de serviço prestados, a empregada conseguira um barracão no Aglomerado da Serra e, posteriormente, mudou-se para a casa que construira, com seu dinheiro, no bairro Piratininga, na região de Venda Nova. Quando já estava mais velha, a família Oliveira retribuiu os serviços prestados e cuidou de Melquida. Já doente, colocou-a em um bom asilo, onde recebia os cuidados necessários à idade. Antes, ao se aposentar, a empregada surpreendeu os antigos patrões: deixara sua casa para duas filhas da família. “Com isso, ela estava retribuindo os cuidados dos meus pais com ela. Melquida morreu há três anos como uma pessoa da família”, relata Ana Maria.
Flora Silberschneider
Iuny saiu do úlitmo emprego após sofrer preconceito, agora está à procura de um novo
te, levei o atestado médico, justificando minha ausência. Foi então que ela duvidou e disse que eu estava mentindo, que eu tinha comprado aquele atestado e que ia descontar o dia no meu salário”. Em outro emprego, dessa vez no bairro Buritis, Iuny ouviu as palavras “empregada eu sei como é que se trata”, quando o marido de sua patroa questionou-a sobre a forma como ela tinha tratado a jovem, na época, com 19 anos. “O que mais chateia é que a gente faz de tudo pra agradar o patrão e é tratado desse jeito. Já fui muito humilhada e
sei que não sou a única”, desabafa. Iuny e sua mãe têm o sonho, de mudar de profissão. No ônibus, no trajeto de volta para casa, elas e outras domésticas compartilham a esperança, de um dia, mudarem suas vidas. Dalva Nilce não conhece Iuny e Luciane, mas enfrenta dilemas parecidos. Tem 53 anos e trabalha como doméstica desde os 16. Foram tantas casas nas quais trabalhou que perdeu a conta. Os empregos no ramo começaram nos primeiros meses após o casamento: o marido não recebia o suficiente para sustentar a casa
e o filho estava para nascer; então, precisou procurar algum emprego para ajudar com as despesas do lar. A primeira oportunidade foi na casa do pastor da igreja que frequentava. Trabalhou lá até chegar ao nono mês de gestação, quando deu a luz e ficou um mês cuidando do bebê. Depois disso, precisou deixá-lo com sua cunhada para retornar ao emprego de doméstica. Não houve volta às atividades: teve de buscar uma nova oportunidade, já que havia sido demitida da casa do pastor.
Leis trabalhistas são melhores A advogada trabalhista Adriana do Valle considera que a Emenda Constitucional de 2015 ajudou muito as empregadas domésticas de forma cultural, financeira e psicológica. “Culturalmente, porque as pessoas começam a valorizar as relações humanas e a necessidade do outro. Financeiramente, porque elas passam a receber um salário mais digno: se faz hora extra, tem que receber a hora extra. E, por fim, muda a autoestima dessas mulheres, que antes se viam numa condição inferiorizadas e hoje passam a ter visão positiva do trabalho que fazem”, explica. A
luta pelos direitos havia começado oficialmente em 2013, com a PEC das Domésticas. Hoje, os empregados domésticos estão equiparados a todos os trabalhadores urbanos. A advogada ressalta que, por ser uma relação doméstica e, por consequência, mais pessoal, diferente da relação empresarial, que visa o lucro, o Brasil conseguiu atingir um equilíbrio em relação às conquistas da categoria. Há punições administrativas feitas pelo Ministério do Trabalho para os empregadores domésticos que não seguirem as exigências prescritas
pela Lei Complementar nº 150/2015, que regulamenta a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) das Domésticas, de 2013. Se um empregado doméstico for lesado, pode fazer uma denúncia anônima ao Ministério do Trabalho ou ao Ministério Público do Trabalho. Outro caminho possível é o das chamadas Sanções Judiciais, quando os empregados domésticos vão até a Justiça do Trabalho e buscam as medidas judiciais para receber os seus direitos. As ações na Justiça do Trabalho não necessitam de advogados, basta que o trabalhador se apresente e exija seus direitos.
m jornalmarcoedição324outubro2016
ANNA MUYLAERT
ENTREVISTA
Ana Clara Carvalho e Flora Silberschneider, 7° Período
Cineasta brasileira rompe estereótipos em seus filmes Forte, determinada, corajosa e ousada. Assim é Anna Muylaert, cineasta e roteirista brasileira que ganhou maior visibilidade com seu filme “Que horas ela volta?”. A paulistana formou-se na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo e produziu desde vídeoarte, curtas até longas metragens de grande sucesso. Seu nome integra a lista de responsáveis por produções como do “Castelo Rá-tim-bum” (1995), roteiros e direção de filmes como “Durval Discos” (2002), “É Proibido Fumar” (2009) e de seu mais recente filme “Mãe só há uma” (2016). O roteiro de seu maior sucesso “Que horas ela volta?” demorou 19 anos para ser concluído e resulta de profundo amadurecimento pessoal e profissional. Conhecida por quebrar estereótipos e fortalecer o espaço do feminino, Anna acredita que as mulheres tão oprimidas, na verdade, “sofrem impeachment todos os dias” e quer mostrar, para as jovens, que elas podem ter força e espaço, coisa que ela diz que demorou demais para perceber.
O que a motivou a fazer cinema? Desde criança eu tenho um lance com imagem e achava que, se filmasse, a pessoa não morria. Meu avô era velho e eu tinha muito medo de que ele morresse; achava que filmar era um jeito de mantê-lo vivo. Isso veio muito antes do interesse por filmes. Depois, com 13, 14 anos, eu comecei a ir para cine clubes. Quando vi o “Amacord” falei: Nossa! que coisa grande! E me interessei em fazer cinema e comecei a estudar. Sentia-me um grão de areia naquele mar porque eu não tinha a menor noção do que era aquilo. O porquê que eu quis fazer cinema eu não sei; acho que é destino, eu nunca tive dúvida. Sempre gostei de escrever, gostei de música, de foto e de colar foto com texto. Eu acho que essa ideia de escrever para virar imagem é algo que eu nunca tive dúvida.
Seus filmes tratam questões problemáticas de forma leve. Como você encontrou esse caminho?
seguinte está de tênis andando de bicicleta. A minha ideia é dar colo para identificação de cada um, seja de que maneira for. Procuro não trabalhar com preconceito e nem com pré-julgamento.
Quais os reflexos do filme “Que horas ela volta?”para o cinema brasileiro? Até o “Que horas ela volta?” meus filmes eram conhecidos por apreciadores de cinema; ele levou a coisa pra uma outra dimensão. O fato de ter o download ilegal acessível já na segunda semana de exibição, fez o filme ser uma bomba atômica. Acho que ele tem uma história inédita, de penetração em camadas que normalmente não vão ao cinema. Se tornou uma referência de mercado de distribuição; por outro lado também o debate que ele trouxe mexeu com a estrutura das pessoas. Nunca mais vai se olhar para uma empregada doméstica da mesma maneira, porque o filme mostrou o lado dela, coisa que os filmes em geral não fazem. Ajudamos a dar um pequeno passo na conscientização em relação às pequenas violências do cotidiano da nossa sociedade.
Eu tenho um verdadeiro horror ao autoritarismo. Acho que o respeito deveria ser o mínimo que a gente deve ter nas relações. Eu não queE para você ro atacar ninguém; o Nunca mais vai como diretora? que eu quero é fazer se olhar para Ele me projetou no Bracrítica de tal modo uma empregada sil e internacionalmente que ela seja respeidoméstica da também; mas eu não sei tada, senão ela não mesma maneira no que isso, exatamenchega da maneira te, vai dar. A criação da certa. Estou mais Jéssica foi algo que me procurando consmodificou: a minha reciência do que vinbeldia veio à tona, eu venci um certo gança, vamos dizer assim. nível de construção, dei um passo conO ator Naomi Nero (Pierre) tem uma tra o machismo que há em mim, que irmã trans; 2 ou 3 anos antes da fileu chamo de timidez. Mulher é tímimagem do filme “Mãe só há uma”, o da, porque a gente nasceu pra ser tíirmão dele era hétero. Um dia ele chemida, enquanto os homens estudavam gou pra família e falou: Eu sou mulher karatê a gente estudava bordado. O e vou virar mulher. Hoje, ela virou “Que horas ela volta?”, a própria criamulher e está tudo bem, mas no período da bagunça o Naomi apoiou esse ção da Jéssica, me deu um aval interirmão. Ele leu o roteiro do filme e fino para falar ‘não vou concluir o que cou impactado ao perceber a vida dunão estou afim’ e, em seguida, quando pla que o irmão levava a vida inteira. o filme fez sucesso, eu comecei a soPor mais que o irmão falasse, ninguém frer muitos ataques sexistas e já estaacreditava. Em uma cena ele está de va um pouco mais perto de quebrar a casca do ovo e falar ‘vai se foder’. calcinha passando batom e na cena
A figura da mulher tem sido recorrente em seu trabalho. Comente isso.
fessores, quanto da mãe. No entanto, a guerra, a destruição, o dinheiro valem mais nesse mundo em que a gente está.
Como você vê o impacto do seu trabalho no cinema brasileiro? O Kleber Mendonça Filho, com “O Sol ao Redor” trouxe de volta uma tradição de intelectualidade, de crítica e, de uma certa maneira, ele volta ao cinema novo. Em seguida vem o “Que horas ela volta?” e agora “Aquarius”. Eu não acho que influenciei o Kleber, esses filmes já estavam ali. À medida em que eles tomam grande proporção popular, talvez haja uma influência, por exemplo sobre os estudantes. Que os próximos filmes, daqui para frente, possam evidenciar uma influência não só dos temas. Não dá pra fazer uma onda de filmes de empregadas, mas são filmes que servem para pensar, criticar. Se houvesse essa tendência eu acharia muito positiva. Porque num país como o nosso com tanto problema, cinema é uma coisa tão cara, que seria bom utilizá-lo para algo mais do que apenas divertimento.
Virar mãe é algo extremamente transformador. Nessa experiência de ter um outro eixo você renasce. Quanto mais Ao se posicionar contra o impeachment da você se entrega mais você tem chance ex-presidente Dilma Rousseff, você sofreu de se fortalecer. Quando eu estava no alguma interferência no seu trabalho? final da gravidez, eu saí da TV Cultura Ainda não. O Ministério da Cultura e fiquei dois anos sem trabalhar, realjá está com um quadro golpista; se a mente. Saí muito fortaAncine alinhar-se tamlecida, outra pessoa. bém com uma presidênQuando eu fui fazer cia igual, pode sim ina primeira versão do A minha ideia terferir. Não só quanto “Que horas ela volé dar colo para a mim, mas quanto aos ta?”, que na época se identificação de vários outros que estão chamava “A porta da cada um, seja de se colocando contra. O cozinha”, foi a partir que maneira for que a gente já viu foi o dessa observação. boicote ao “Aquarius”, Isso é tão poderoso que foi bem surreal. e tão desvalorizado, ninguém fala disso: a questão da mãe. É algo tipo meio default, todo mundo tem mãe, então esquece. Eu decidi comigo mesma ‘espera aí, vamos começar a construir uma narrativa de valorizar não só a mãe, mas todo o feminino, que está presente tanto na mulher, quanto no homem’. Quando explodiu o debate do feminismo decorrente do filme, eu achei muito louco, isso não estava em primeiro plano no filme, mas estava no nascimento. Por que uma mãe é desvalorizada, quando esse trabalho é o trabalho mais difícil e mais importante que a gente pode fazer nessa terra? Educação! Acho que educação é o maior dos trabalhos, tanto de pro-
Como o cenário político e cultural do Brasil afeta a produção de filmes? Na verdade a gente ainda está com Manoel Rangel na presidência da Ancine. Enquanto ele estiver lá até maio do ano que vem, eu acho que isso não vai afetar muito, em termos práticos. A partir da troca da presidência da Ancine, se vier um quadro do governo atual, aliado a eles, talvez possa afetar, inclusive, o financiamento de filmes de diretores que vêm se colocando contra o golpe. Isso do ponto de vista prático. Do ponto de vista de conteúdo, eu não sei; ainda é muito cedo pra falar. Flora Silberschneider