Cabeça mofada Por Igor Patrick Silva e Rafaela Romano É uma terça-feira serena, dia 25 de abril, e as árvores do Parque Municipal Américo Reneé Giannetti filtram pelos seus galhos e folhas, a luz do sol a pino de início de tarde. No local banhado pela dourada atmosfera do vespertino, o silêncio encontra seu abrigo. O canto dos pássaros abafa satisfatoriamente o barulho de buzinas, o ruído de pneus riscando o asfalto e o zumbido da condensação de vozes tão característico de avenidas como aquela que enjaula com concreto o pequeno bosque no coração da selva de pedra mineira. Os brinquedos, fontes de alegria nos finais de semana, agora estão parados, inertes em uma solidão trazida pela agitação do meio de semana que tolhe dos homens o tempo para diversões amenas. À exceção de um ou outro morador de rua, poucas pessoas estão sentadas no gramado, olhando para o lago enquanto procuram respostas na languidez com que os cisnes deslizam sobre a água. Debaixo de uma árvore específica, próxima ao antigo prédio do IMACO, está um senhor. Junto com a amiga, ele conta na palma da mão algumas poucas moedas que representam o seu faturamento do dia com mendicância e com a venda de latinhas para centros de reciclagem. De pele escura, cabelos brancos e sobrancelha rala, usa uma camisa preta surrada, estampada com a logo da Dark Side of the Moon World Tour, do Pink Floyd. É pouco provável que ele conheça quaisquer músicas do Pink Floyd, mas a figura incomum em meio ao mar de verde é o suficiente para me fisga a atenção no ato. Cautelosamente, aproximo-me. Pergunto seu nome. “Não lembro meu nome,” responde para depois cair na gargalhada. A amiga, que se identifica apenas como Cléia, dá uma bronca com tom gozador. “Ô Cabeça Mofada, fala com eles direito”. O senhor ri novamente. “Anota aí: Evandro Soares de Souza, 60 anos,” ao que olha para Cléia incrédulo. “Olha só, não é que eu lembrei?”. Evandro tem aquele tipo raro de olhar que aparenta ter visto tudo sem deixar perder nada. Apesar das brincadeiras, fala com eloquência quando lhe é exigida seriedade e lembra com assustadora riqueza de detalhes, pormenores de uma vida perdida nos idos do século passado. Quando questiono se ele fica sempre ali, ele nega. “Não, só hoje e no resto do ano,” diz, rindo uma vez mais. Quero saber sobre as decisões de sua vida que o resultaram em uma vida em um banco de praça, mas Evandro me olha com curiosidade. Não enxerga seu banco como o fundo do poço, mas sim como o próprio poço em si. Com o indicador em riste, declara: “Já rodei o Brasil inteiro e não encontrei melhor lugar que Belo Horizonte e esse Parque Municipal. Ela,” diz, apontando para Cléia, “já até me pediu, mas não vendo isso aqui nem por todo o dinheiro do mundo”. Evandro então começa a narrar suas desventuras. Logo novo, com dezenove anos saiu de Teresina no Piauí para servir ao Exército no Distrito Federal (em Gama), quando a cidade tinha pouco mais de uma década de criação e o chão “ainda era de terra batida,