Ternura

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ternura





ternura VERONICA CRISTONI


Ficha Catalográfica Elaborada pelo Sistema de Biblioteca e Informação - SBI - PUC-Campinas m770 C933t

Cristoni, Veronica Ternura / Veronica Cristoni. - Campinas: PUC-Campinas, 2016. 50p. Orientadora: Luísa Angélica Paraguai Donati. Monografia (conclusão de curso) - Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de Linguagem e Comunicação, Faculdade de Artes Visuais. Inclui bibliografia. 1. Fotografia. 2. Arte. 3. Amor. 4. Afeto (Psicologia). I. Donati, Luísa Angélica Paraguai. II. Pontífica Universidade Católica de Campinas. Centro de Linguagem e Comunicação. Faculdade de Artes Visuais. III. Título.

18.ed.CDD - m770


SUMÁRIO

Agradecimentos.......................................... 09

2 A PRESENÇA..........................................34

Resumo....................................................... 11 Introdução..................................................12

2.1 Sem título, Performance, 2014...............34 2.2 Intimidade, Happening, 2014 ...............35 2.3 Singularidade, Happening, 2014............36

1 A FUGACIDADE....................................13

3 O INTRÍNSECO.....................................37

1.1 A densidade na ausência da cor...............13 1.2 O vestígio...............................................15 1.3 O enquadramento do cotidiano.............18 1.4 A transparência.......................................27

3.1 Punctum e Studium.................................37 3.2 O que é impar.........................................38 3.3 O Olhar indireto.....................................42 Considerações finais....................................44

Referências


A minha luta é dura e regresso com os olhos cansados às vezes por ver que a terra não muda, mas ao entrar teu riso sobe ao céu a procurar-me e abre-me todas as portas da vida. (NERUDA, 2004, p.135)

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AGRADECIMENTOS

À minha orientadora Luísa Paraguai, por todo apoio, dedicação e competência ímpar nessa trajetória, da qual não seria possível sem a sua presença e vivência no meio acadêmico. Ao corpo docente da Faculdade de Artes Visuais da PUC-Campinas, responsáveis por todo o conhecimento transmitido nesses quatro anos. Em especial ao professor Helder de Oliveira, co-orientador nesse processo de realização do trabalho de conclusão de curso. À minha família, por toda dedicação e apoio em todos os momentos da minha vida, em especial durante esses quatro anos de Universidade. À minha irmã Sabrina por ter me ajudado na confecção das obras finais, ao meu pai pelo suporte dado na revisão deste trabalho, e à minha

mãe pelo apoio e paciência durante todo esse período. À todos os meus companheiros de graduação, em especial àqueles que foram retratados nessas fotografias. Ao João Vitor por todo o suporte dado com os materiais que foram utilizados ao longo da pesquisa, principalmente pela paciência de me ensinar, e ao Mateus por ter me ensinado uma maneira mais eficiente de utilizá-los. Ao Centro Cultural Ideia Coletiva, por ter cedido o espaço para a realização da exposição pública ‘Confesso que só estou aqui por um motivo’ e aos meus colegas que participaram junto comigo nessa exposição, pois sem vocês não seria a mesma coisa. Ao fotógrafo e ex-professor da Faculdade de Artes Visuais da PUC-Campinas, Flávio

Shimoda, por ter me ensinado o que é a Fotografia, linguagem artística da qual me apaixonei. Aos meus queridos parceiros Bruno Canova e Jéssica Enoki, por todo carinho e amizade cultivados durante esses quatro anos e todo apoio, principalmente ao longo desse semestre. Vocês são pessoas únicas na minha vida, sem dúvida uma das melhores coisas que me aconteceram nesses quatro anos de graduação. Acredito que jamais conseguirei retribuir todo o carinho que recebi, ou se quer explicar o quanto vocês são importantes para mim. Eu amo vocês.

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RESUMO

A pesquisa aborda o tema Ternura através de capturas fotográficas de sorrisos, utilizando elementos da linguagem fotográfica, como a fotografia em preto e branco, foco e movimento, enquadramento e sobreposição das fotografias; sob referências dos fotógrafos de Henri CartierBresson, Robert Doisneau, Eugene Atget e David Hockney, e também do teórico Roland Barthes. O trabalho mostra a trajetória criativa que levou ao processo de criação da obra, a partir de performances que discutiam a relação da intimidade com a solidão, bem como a trajetória das experimentações para a poética. A pesquisa também aborda a análise e relação punctum - studium, conceitos estabelecidos pelo teórico Roland Barthes, com as foografias tiradas e também faz

uma reflexão a respeito da fotografia subjetiva e indireta através do olhar do espectador. The research approaches the theme Tenderness through the photographic captures of smiles, using elements of the photographic language, such as black and white photography, focus and movement, framing and overlapping of photographs; Under the references of the photographers of Henri Cartier-Bresson, Robert Doisneau, Eugene Atget and David Hockney, as well as the theorist Roland Barthes. The work shows the creative trajectory that led to the process of creation of the work, from performances that discussed the relation of intimacy with solitude, as well as the trajectory of the experiments to poetics.

The research also addresses the analysis and relation punctum - studium, concepts established by the theorist Roland Barthes, with the photographs taken and also makes a reflection on subjective and indirect photography through the viewer ‘s gaze.

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INTRODUÇÃO

Essa pesquisa aborda o tema ternura através dos sorrisos, na linguagem visual da fotografia. Os elementos visuais escolhidos caracterizam o tema, bem como o sentimento de intimidade estabelecidos ao longo do processo criativo da obra. A fotografia em preto e branco estabelece essa relação de intimidade com o tema, assim como os demais elementos de linguagem (desfoque, enquadramento e sobreposição) presentes do processo de execução. A pesquisa também aborda outros trabalhos performances e happenings - que levaram à discussão

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do tema, e tem como objetivo analisar e discutir a ternura atraves da captura fotográfica de sorrisos e oferecer uma análise subjetiva a partir dos conceitos de punctum e studium elaborados por Barthes (1980). As referências artísticas para esta pesquisa são, em suma fotógrafos, Henri Cartier-Bresson, Eugene Atget e Robert Doisneau, porém há também influência do artista David Hockney, a respeito da fotografia cubista. A pesquisa é dividida em três capítulos, sendo o primeiro a discussão dos elementos visuais da fotografia e a relação dos mesmos com as fotos, o segundo a

apresentação de performances que desenvolveram o tema que posteriormente tornou-se o ponto-chave dessa pesquisa, e o terceiro capítulo trata-se da discussão e relação subjetiva, através do olhar indireto do leitor às fotografias.


*Ternura (2016) foi um projeto que consistiu na captura fotográfica de sorrisos a partir da poética do sentimento de ternura e intimidade da artista com as pessoas retratadas. O projeto foi dividido em duas etapas de produçao e de exposição, sendo a primeira (Cartas para: Guai) realizada na Galeria da Faculdade de Artes Visuais da PUC-Campinas, no dia 12 de setembro de 2016, com quatro fotografias impressas em papel transparente, e a segunda (Confesso que só estou aqui por um motivo) realizada no espaço cultural Ideia Coletiva, no dia 12 de novembro de 2016, em Campinas, com três peças impressas em adesivos de vinil e, posteriormente aplicados à placas de acrílico transparente.

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A FUGACIDADE

Todo artista busca influências em outros artistas ou teóricos, e quando se encontra um artista que ‘fala a mesma lingua que você’ é como novo um horizonte, um universo, que aponta novas ideias, respostas ou perguntas. Esse capítulo abordará os elementos da linguagem fotográfica que foram referências para a obra Ternura (2016)¹ , articulada com teóricos e artistas no campo da fotografia. 1.1

A densidade na ausência da cor

Henri Cartier-Bresson é uma artista inato. Pensa como artista, vive como artista. Genuíno em tudo o que faz e em tudo o que diz. Descomplicado para falar, para fotografar, para pintar, para viver... Fala o óbvio ululante e por isto

mesmo é genial. Ama a liberdade acima de tudo e antes de tudo. Não se deixa prender, não se deixa encurralar. Dá o fora sempre. A liberdade é sua religião. Jamais fica num brete. Ama o rádio, pois diz que através deste veículo se usa mais a imaginação. Não gosta da luz ofuscante. Não gosta que tirem fotografias deles... diz que não quer que façam com ele, aquilo que fez toda a vida com os outros. Cobre o rosto sempre que pode. CartierBresson é artista de vanguarda, lírico, pintor, desenhista, literato, foto-jornalista... um poeta. Faz poesia através da câmera fotográfica. Tem graça e leveza. Sempre passa desapercebido. Sempre é invisível. Por isto é genial. Suas imagens não conhecem limites. Ele não conhece limites. Diz que todos deveriam desenhar, não importa o resultado, o importante é desenhar. Não importam as respostas, só importam as perguntas. Diz que devemos questionar tudo e sempre. (MEUCCI, s.d., p.1).

Cartier-Bresson foi uma das influências para a discussão e relação dos registros à respeito da fugacidade, principalmente pela maneira como o fez em seus trabalhos. Valorizava o instantâneo, o momento do clique, sem montar cenário, projetar a posição do modelo com relação a luz ou arquitetar uma estrutura visual. Aquele momento só existiria naquelas condições, e ele precisava ser registrado daquela forma. Segundo o curador Chéroux (2014), essa fotografia (figura 1) pode ser considerada como “fixoexplosiva”. Ao pressionar o botão de disparo em sua Leica, ele parava o movimento, mas ao mesmo tempo ele foi capaz de produzir imagens que, através do seu enquadramento, composição

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e ritmo, ainda preservava o dinamismo da ação. De acordo com o princípio da síntese dialética, elas são, portanto, a um e ao mesmo tempo em movimento e em repouso: Fixo-explosivo (CHÉROUX, 2014, p.86).

A combinação dos elementos da composição fotográfica, no caso a escadaria em espiral e a curva da rua, sugerem o percurso que leva os olhos do leitor à bicicleta. Para CartierBresson (1952): A fotografia é o reconhecimento simultâneo, na fração de segundo, do significado de um evento, bem como de uma organização precisa de formas que dão esse evento a sua expressão adequada (CARTIER-BRESSON, 1952, p.16).

O autor argumenta sobre o momento decisivo do fotógrafo, que é diferente do pintor ou escultor, pois podem reformar e retocar seu trabalho repetidas vezes. Cada momento capturado é, na verdade, uma história, como aponta a figura 2. Às vezes, há uma imagem única cuja composição possui tal vigor e riqueza, e cujo conteúdo irradia para fora dela, que esta imagem única é toda uma história em si. O quadro-história envolve uma operação conjunta do cérebro, do olho e do coração. O objetivo desta operação conjunta é para representar o conteúdo de algum evento que está no processo de desdobramento, e para comunicar impressões. (CARTIER-BRESSON, 1952, p.5).

Neste sentido, importa na obra Ternura (2016) investigar o preto e branco e tons de cinza variados como operação poética que exercita o registro fugaz do sorriso. A densidade do tema na obra se faz vigoroso e rico, que preenche o ser retratado e transborda ao ambiente. Isso faz com que cada clique seja singular e decisivo, que conta uma história. Ainda que sejam efetuados vários disparos de um mesmo momento, por exemplo, cada um deles revela detalhes que não serão expressos da mesma forma novamente.

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Figura 1: Hyères, 1932 Henri CartierBresson Figura 2: Traseiras da Gare Saintlazare, 1932 – Henri CartierBresson


*Os números que indicam a abertura do diafragma são inversamente proporcionais a abertura, ex: a abetura f/22 corresponde ao diâmetro mais fechado que uma câmera possui, então o f/1.4 o mais aberto ³A profundidade de campo é a gama de distâncias em torno do plano focal na qual há nitidez aceitável.

Figura 3: Paulo Cheida, Ternura, 2016 - Exposição Experimental “Cartas para: Guai” – Veronica Cristoni

Na figura 3 é possível perceber a agitação da pessoa retratada, que gargalha, e dessa forma podemos relacioná- la com Barthes (1980) quando descreve a força da impressão do momento. A fotografia em questão está imersa em alegria que irradia para fora dela, não só pela gargalhada, mas também pelos olhos quase cerrados, que completam o gesto de sorrir. 1.2

O vestígio

De forma geral, a fotografia se dá na combinação equilibrada de três elementos: ISO, obturador e diafragma. O ISO é a sensibilidade do sensor à luz.

O obturador é uma parte da câmera responsável pelo tempo de exposição do filme ou do sensor digital, à luz. Essa peça pode ser entendida melhor quando comparada com uma cortina que mantém o sensor coberto e abre-se quando acionado. Quanto mais tempo deixá-la aberta, mais a entrada da luz é permitida. Portanto, o obturador está relacionado com duração e velocidade. Quanto mais rápido estiver configurado (por exemplo 1s/640), mais é possível congelar a movimentação de algo. Por fim, o diafragma é o dispositivo que regula essa mesma peça da câmera, mas em termos de tamanho. Quanto mais fechado² está o diafragma, menos quantidade de luz entra, podendo deixar boa parte da imagem borrada, o que é chamado de “profundidade de campo” ³.

Quando há a combinação equilibrada desses três elementos técnicos, temos uma fotografia com nitidez e regulada conforme a quantidade de luz. Mas isso não impede que essas configurações sejam alteradas a fim de se obter um resultado específico. A profundidade de campo e a manipulação do foco manual de um dispositivo fotográfico podem ser utilizados para guiar o leitor até um ponto específico da imagem, da qual o fotógrafo quer chamar atenção. Um exemplo é a figura 4, de Robert Doisneau, que através desse recurso deu mais ênfase ao casal, além de ambos estarem centralizados no enquadramento da fotografia. Sua característica mais marcante era a paixão pela fotografia de rua, que registrava a vida das pessoas,

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Figura 4: O beijo do Hotel de Ville, 1950 - Robert Doisneau

observava e reproduzia os momentos de alegria dos cabarés e subúrbios parisienses capturando cenas do cotidiano. Essa questão se fazia insistente. Em relação à Fotografia, eu era tomado de um desejo “ontológico”: eu queria saber a qualquer preço o que ela era “em si”, por que traço essencial ela se distinguia da comunidade das imagens. Um desejo como esse queria dizer que, no fundo, fora das evidências provenientes da técnica e do uso e a despeito de sua formidável expansão contemporânea, eu não estava certo de que a Fotografia existisse, de que ela dispusesse de um “gênio” próprio (BARTHES, 1980 p.12).

A partir do conhecimento da linguagem fotográfica, é possível refletir a respeito da sua estrutura visual e intenção,

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e o que se pretende narrar, mas também fazer uso da desconstrução dos conceitos a fim de se obter o efeito desejado. Importa-nos enquanto processo de criação experimentar novas construções e deixar de pautar que uma boa fotografia é aquela que segue as regras de enquadramento, luz, contraste, foco, abertura do diafragma e etc, mas isso não quer dizer que não seja necessário conhecê-las. O trabalho mais importante do fotógrafo não é o de aprender o manejo da sua câmera, nem o de revelar a película, nem de fazer as provas. É o de aprender a ver com olho fotográfico, quer dizer, aprender a contemplar o seu tema em termos adequados à capacidade dos seus instrumentos e processos, para assim traduzir instantaneamente os elementos e valores

da cena escolhida na fotografia que se deseja criar (WESTON apud SHIMODA, 2009, p.3).

As figuras 5 a 10 são exemplos sobre a intenção articulada e as construções estéticas da fotografia. O que é enfatizado na obra Ternura (2016) são os sorrisos, portanto, mesmo que a fotografia não se apresente de acordo com as regras convencionais da linguagem, quando o sorriso é perceptível nela, a mesma já cumpre com a intenção do trabalho. Na figura 5, o disparo foi feito em um momento em que a pessoa retratada não estava apenas sorrindo, mas gargalhando, o que fez com que neste caso (diferente da figura 3) a movimentação fosse capturada junto com o sorriso.


Figura 5: Andreia Dulianel, Ternura, 2016 – Veronica Cristoni Figura 6: Bruno Canova, Ternura, 2016 - Exposição Experimental “Cartas para: Guai” – Veronica Cristoni Figura 7: Guilherme e Bianca, Ternura, 2016 - Veronica Cristoni

Nas figuras 5 a 10 o desfoque e a movimentação não atrapalham a leitura do sorriso capturado, permitindo exercitar a poética da ternura e do afeto, bem como enfatizálas (nas figuras 7 a 10) pela nitidez. Essas fotografias ilustram a citação de Weston (apud SHIMODA, 2009) sobre a necessidade de olho fotográfico.

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1.3

Figura 8: Guilherme e Bianca, Ternura, 2016 - Veronica Cristoni Figura 9: Helder e Renata, Ternura, 2016 - Veronica Cristoni Figura 10: Coró, Ternura, 2016 Veronica Cristoni

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O enquadramento do cotidiano

Assim como o exercício de preto e branco e da nitidez na fotografia, importam nessa pesquisa as convenções sobre o enquadramento dos elementos compositivos. Existem algumas regras que indicam a leitura da imagem e podem ser aproveitadas pelo fotógrafo para enfatizar determinado objeto ou pessoa no cenário. Talvez a mais comum seja a regra dos terços, que consiste em traçar duas linhas verticais e duas linhas horizontais, fazendo com que elas se cruzem em quatro pontos.


Figura 11: Exemplo da Regra dos Terços, Jodhpur, Rajasthan, Índia - Steve McCurry Figura 12: Exemplo das Linhas Diagonais Steve McCurry Figura 13: Renata, Bruna e Jeison, Ternura, 2016 - Veronica Cristoni

A Cooperative of Photography realizou um trabalho em cima das fotos de Steve McCurry, que mostra algumas técnicas de enquadramento usadas por ele, como por exemplo a Regra dos Terços (figura 11) e as Linhas Principais (figura 12), que consistem em se basear nas linhas de movimento da fotografia, que levam os olhos do leitor a um determinado ponto. Nas figuras 13 e 14 pode-se perceber o enquadramento utilizando a Regra dos Terços, onde o rosto das três figuras encontram-se na porção central da fotografia, entre as duas linhas horizontais imaginárias.

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Figura 14: Mariana, Guilherme e Ariane, Ternura, 2016 - Veronica Cristoni Figura 15: Bruno Canova, Ternura, 2016 - Veronica Cristoni Figura 16: Helder de Oliveira, Ternura, 2016 Veronica Cristoni

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No caso das figuras 15 e 16, também nota-se a Regra dos Terços, pois as pessoas retratadas estão localizados em partes na porção central e uma das laterais da fotografia. Porém, se traçarmos as quatro linhas imaginárias, ambos estariam localizados em dois pontos de foco da Regra, no caso da figura 15, à direita e na 16 à esquerda. O mesmo acontece com as figuras 17 à 21.


Figura 17: Bruno Canova, Ternura, 2016 - Veronica Cristoni Figura 18: Paulo Cheida, Ternura, 2016 - Veronica Cristoni Figura 19: Mariana Vieira, Ternura, 2016 - Veronica Cristoni

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Figura 20: Mateus Pinheiro, Ternura, 2016 - Veronica Cristoni Figura 21: LuĂ­sa Paraguai, Ternura, 2016 - Veronica Cristoni

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O enquadramento escolhido para uma composição pode modificar a leitura da foto, como mostram as figuras 22 e 23, sugerindo outra narrativa. O enquadramento original da fotografia Guns 2 (figura 22) é de plano médio, no qual as crianças estão enquadradas da cintura para a cima. Mas ao realizar outro recorte no rosto das mesmas, que estão lado a lado, omite-se o portador da arma. Estaríamos assim manipulando o discurso, ao omitir parte do registro. Esse exercício do recorte poderia ser repetido com a figura 24, omitindo a figura desfocada ao fundo. No caso deste exemplo e se comparado com o recorte da figura 23, não há mudança na narrativa da fotografia, e passa-se de primeiro plano para plano próximo* (Figura 25). Além da possibilidade da modificação de narrativa, há também o enquadramento que possibilita a visão ampla da cena retratada, como é o caso do plano geral, muito utilizado por Eugene Atget. Ao contrário de Doisneau, dedicou sua carreira fotográfica à capturar imagens de uma Paris solitária. Ainda que em um período anterior, o contraste desses dois artistas é importante para compreender a relação pessoal que ambos tinham a respeito do mesmo local. Atget tinha uma relação de intimidade com sua cidadenatal e, embora não tivesse fotografado muitas pessoas, o que sentia pelo cotidiano de Paris fez com que fosse considerado pioneiro das fotografias urbanas. Essa construção subjetiva de intimidade, no caso de Doisneau e Atget com a cidade, é percebida no tema dessa pesquisa, pois interessa-nos discutir tanto a forma como um indivíduo se relaciona com outros, como também a maneira que este se articula com o próprio cotidiano Muitas de suas fotografias mostram as ruas e becos logo nas primeiras horas da manhã, em parte devido à técnica, pois utilizava um dispositivo muito grande

*Primeiro plano: Posição ocupada pelas pessoas ou objetos mais próximos à câmera, à frente dos demais elementos que compõem o quadro. Plano próximo: Enquadramento da figura humana da metade do tórax para cima.

Figura 22: Guns 2, 1954, Nova York - Willian Klein Figura 23: Recorte

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Figura 24: Grazieli Rodrigues, Ternura, 2016 Veronica Cristoni Figura 25: Recorte em plano próximo

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(uma câmera de fole de madeira com lente retilínea) que precisava de longos períodos de exposição à luz (por exemplo figuras 26 e 27). Essa escolha de linguagem possibilita a observação de mais detalhes do ambiente fotografado, pois o plano geral amplia o número de elementos constitutivos da narrativa, sem recortes específicos. A relação estabelecida entre os enquadramentos utilizados, e a poética articulada ao cotidiano, faz com esses fotógrafos tornem-se influências para o projeto desta pesquisa. O instante de capturar o sorriso dá-se através dos elementos de linguagem da fotografia citados, e faz com que essa relação


Figura 26: Rua Montagne-SaintGenevière, 1898 - Eugene Atget Figura 27: Passagem Vandrezanne, Batteaux-Cailles, 1900 - Eugene Atget Figura 31: Bruno Canova, Ternura, 2016 - Veronica Cristoni

expanda-se pela efemeridade do ato de sorrir, como nas figuras 31 à 33. A relação estabelecida entre os enquadramentos utilizados, e a poética articulada ao cotidiano, faz com esses fotógrafos tornem-se influências para o projeto. O instante de capturar o sorriso se dá através dos elementos de linguagem da fotografia citados, e faz com que essa relação se expanda através da efemeridade do ato de sorrir, como nas figuras 31 à 33. Em primeiro lugar, eu não saía e não tentava sair de um paradoxo: por um lado, a vontade de poder enfim nomear uma essência da Fotografia e, portanto, esboçar o movimento de

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Figura 32: Renata Cavalcante, Ternura, 2016 Veronica Cristoni Figura 33: Jeison Lopes, Ternura, 2016 - Veronica Cristoni

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uma ciência eidética da Foto; por outro lado, o sentimento intratável de que a Fotografia é essencialmente, se assim podemos dizer (contradição nos termos), apenas contingência, singularidade, aventura: minhas fotos participavam sempre, até o fim, do “alguma coisa qualquer”: não é a própria efermidade da Fotografia essa dificuldade para existir que chamamos de banalidade? (BARTHES, 1980, p.38).


*A denominação “fotografia cubista” surgiu por conta de que as printuras cubistas tratavam-se de colocar dentro de um quadro múltiplas referências de diferentes pontos de vista de um mesmo assunto.

Figura 32: Exercício de transparência

1.4

A transparência

Além do exercício da ausência da cor, do desfoque do movimento e do enquadramento, o último elemento da linguagem fotográfica a ser abordado na obra Ternura (2016) é a transparência visual das fotografias. As imagens produzidas deram-se pelo acúmulo de fotografias em camadas, com alteração de opacidade e transparência, fazendo com que cada fragmento sobreposto fizesse parte da composição final. A figura 32 mostra o primeiro exercício. A não utilização do recorte conforme o contorno do rosto, mas o quadrangular do retrato, de forma sobreposta, remete ao artista David Hockney, e o que chamou de “fotografia cubista” (1982)*, pois até então, Hockney

utilizava a fotografia como um esboço para suas pinturas. Para Hockney (1982), a fotografia não apresentava movimento, não conseguia mostrar a passagem do tempo, e não retratava os eventos do cenário. Sua forma de fotografar consistia em captar distintos ângulos de uma mesma cena, e posteriormente compor uma colagem, revelando novos pontos de vista, ampliando a percepção do tempo. Utilizando-se dessa técnica, Hockney constrapõe-se a Bresson, negando o que chamava de “momento decisivo”. Na fotografia da série “Joiners”, o artista utilizou uma Polaroid 35mm para reconstruir as partes de seu estúdio agrupando, conforme a figura 33. O estudo de justaposição das fotografias apresenta-se como um conceito fotográfico de retrato múltiplo do elemento escolhido (espaço, pessoa

ou objeto). Neste exercício revela-se uma narrativa, onde o leitor consegue movimentar-se, que se amplia rompendo a perspectiva linear. As figuras 33 à 35 mostram o mesmo processo realizado utilizando a figura humana. As figuras 36 à 39 mostram o processo de algumas experimentações, focadas nos sorrisos, com o recorte quadrangular e um valor baixo de opacidade. As composições tornam-se uma abstração, não sendo possível identificar de quem pertence o sorriso, pela repetição acumulativa dos fragmentos. A indentificação do sorriso, e de quem ele pertence, é fator necessário para a obra. Dessa forma, foi preciso realizar novos estudos e composições, a fim de que a peça atendesse às proposições do trabalho. As figuras 40 à 42 mostram as composições finais.

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Figura 33, 34 e 35: Joiners, David Hockney, 1982

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Figuras 36 e 37: Exercício de sobreposição

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Figuras 38 e 39: Exercício de sobreposição

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Figura 40: A Ternura em mim, Ternura, 2016 - Exposição “Confesso que só estou aqui por um motivo” - Veronica Cristoni

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Figura 41: A Ternura em mim, Ternura 2016 - Exposição “Confesso que só estou aqui por um motivo” - Veronica Cristoni

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Figura 42: A Ternura em mim, Ternura, 2016 Exposição “Confesso que só estou aqui por um motivo” - Veronica Cristoni

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*A performance é entendida como como uma forma de arte não-objetual que pode combinar elementos do teatro, das artes visuais e da música. De modo geral não há participação do público, caracterizando uma ação realizada somente pelo(s) artista(s). É comumente confundida com o happening, mas o que difere as duas linguagens é a possibilidade de interação com o público. Por ser uma manifestação que ocorre na base do incerto, não pode, portanto, ser reproduzido.

Figuras 43 e 44: Sem título, Performance, 2014, Veronica Cristoni Fotografia por: Jéssica Enoki

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A PRESENÇA

Esse capítulo trata sobre o percurso entre o que era e o que passei a ser a partir da produção de performances e happenings*. A condição de solidão iniciou essa trajetória e permitiu, posteriormente, a articulação com a intimidade, gerando interação com mais indivíduos. Não se tratava de representar esses sentimentos, e sim de experimentá-los através de uma linguagem que proporcionava, considerando experiências pessoais, o que era novo.

ali. Estar só permitiu que pudesse compreender e aproveitar a solidão, transformando e produzindo auto-conhecimento. Os momenos anteriores à realização dessa performance deram-se principalmente por conta da timidez pessoal que impedia a ação de acontecer. Somente após o ato percebeu-se que “os artistas têm de ser guerreiros, têm

2.1

da performance.

Sem Título, performance, 2014

A primeira performance tratava-se de sentar no centro de um foco de luz de um ambiente com um caderno e uma caneta, e nele escrever tudo o que sentia enquanto estava

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de estar determinados e ter energia para conquistar não só novos territórios, mas também eles mesmos e suas fraquezas (ABRAMOVIC, 2012)” . As figuras 43 e 44 retratam momentos O que não aconteceu foi rápido, fiquei para sempre, sem saber, sem que me soubessem, como debaixo de um sofá, como perdido pela noite:

assim foi aquilo que não foi, e assim eu fiquei para sempre. Aos astros perguntei depois, para as mulheres, para os homens, o que faziam com tanta razão e como aprenderam a vida: na realidade não falaram, seguiram dançando e vivendo. O que não passou com alguém é que determina o silêncio, e não quero seguir falando porque eu fiquei ali esperando: nessa região, naquele dia não sei o que me aconteceu porém eu não sou mais o mesmo (NERUDA, s.d.)


Figuras 45 e 46: Intimidade, Happening, 2014, Veronica e Bruno Fotografia por: Mateus Pinheiro e Beatriz Julian

2.2

Intimidade, happening, 2014

Na segunda performance um grande amigo compartilhou o espaço comigo, e sem roteiro, instalou-se um contexto de ação-reação, fruto da nossa parceria, concentração e intimidade. Era preciso sintonia para realizar os movimentos não-combinados. Para isso, sentamos de frente um para o outro, esperando que a respiração de ambos se estabilizasse. Após isso, demos início a movimentos curtos até que a ação-reação tomasse conta do ambiente. Em “The Artist is Present”, Abramovic (2012) fala dos desafios em performar justamente por não se ter objeto artistíco. Ninguém entende que o mais difícil é fazer algo que é quase nada. Isso exije 100% de você, não há mais história a contar, não

há objetos atrás dos quais se esconder. Não há nada. É sua pura presença, você só tem sua energia e nada mais (ABRAMOVIC, 2012).

Esse momento representou o desafio de estar com alguém, fazendo com a solidão caminhasse para a intimidade, compartilhada no happening. As figuras 45 e 46 mostram momentos da ação.

Na palavra que diga mais brandura, Na raiz que me desse, mais esconde, No silêncio mais fundo desta pausa, Em que a vida se fez perenidade, Procuro a tua mão, decifro a causa De querer e não crer, final, intimidade. (SARAMAGO, 1966, p. 151).

No coração da mina mais secreta, No interior do fruto mais distante, Na vibração da nota mais discreta, No búzio mais convolto e ressoante, Na camada mais densa da pintura, Na veia que no corpo mais nos sonde,

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Figuras 47 e 48: Singularidades, Happening, 2014, Veronica Cristoni Fotografia por: Jéssica Enoki

2.3 Singularidades, happening, 2014 Enquanto na primeira estava isolada em meus pensamentos escritos, e na segunda permiti compartilhar o espaço com alguém íntimo, a terceira performance representou o último passo da transformação pessoal: compartilhar o momento e o espaço com outras pessoas, e criar uma relação de confiança com as mesmas. As pessoas, de maneira espontânea, escreveram relatos pessoais, optando por compartilharem um segredo. As figuras 47 mostra o início do happening e a 48 mostra o momento em que o segredo é escrito no caderno. Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus

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conhecidos têm sido campeões em tudo. E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, indesculpavelmente sujo. Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas, que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, que tenho sofrido enxovalhos e calado, que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda; Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel, eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes, eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar, eu, que quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado para fora da possibilidade de soco; Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, eu verifico que não tenho par nisto tudo nesse mundo. Toda a gente que eu conheço e que

fala comigo nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu exovalho, nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida... Quem me dera ouvir de alguém a voz humana que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! Não, são todos os Ideal, se os ouço e me falam. Quem há nesse largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? Ó príncipes, meus irmãos, arre, estou farto de farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra? Poderão as mulheres não os terem amado, podem ter sido traidos – mas ridículos nunca! E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído, como posso eu falar com os meus superiores sem titubear? Eu, que tenho sido vil, literalmente vil, vil no sentido mesquinho e infame da vileza. (CAMPOS, 1972, p.418).


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O INTRÍNSECO

A subjetividade remete ao que faz parte de algo, ou que constitui a sua essêcia ou natureza. É o que é próprio ou inerente de algo ou alguém, é real, tem importância, significação por si próprio independentemente da relação com outras coisas. É íntimo, é o que está no interior. Por subjetivo, ou intrínseco, pode-se relacionar com punctum, e não há relação feita através deste que não seja possível analisá-lo juntamente com o studium, conceitos elaborados por Barthes (1980). Este capítulo abordará esses conceitos e a relação dos mesmos com Ternura (2016), bem como abordará a espontaneidade e a fotografia indireta, através da análise das fotografias. 3.1 Punctum e studium

O que experimento em relação a essas fotos tem a ver com um afeto médio, quase com um amesramento. Eu não via, em francês, palavra que exprimisse simplesmente essa espécie de interesse humano; é o studium, que não quer dizer, pelo menos de imediato, “estudo”, mas a aplicação a uma coisa, o gosto por alguém, uma espécie de investimento geral, ardoroso, é verdade, mas sem acuidade particular. É pelo studium que me interesso por muitas fotografias, quer as receba como testemunhos políticos, quer as aprecie como bons quadros históricos: pois é culturalmente (essa conotação está presente no studium) que participo das figuras, das caras, dos gestos, dos cenários, das ações. (BARTHES, 1980, p. 45-46).

Para o autor, o studium é definido pela consciência, de características ligadas ao contexto da

imagem, seja ele cultural ou técnico. É o interesse racional que permite uma reflexão e análise a respeito da imagem. Portanto, é sempre observável. O studium é a decodificação de elementos da fotografia (signos) em função de conhecimentos prévios de quem observa a foto. Já o punctum é subjetivo, trata-se do interesse que se impõe a quem olha a fotografia. Pode-se dizer que o punctum refere-se ao estado primeiro que o que o leitor se dispõe quando observa uma imagem sem análises. O segundo elemento vem quebrar (ou escandir) o studium. Dessa vez, não sou eu que vou buscá-lo (como invisto com minha consciência soberana o campo do studium), é ele que parte da cena, como uma flecha, e vem me transpassar. Em latim, existe uma palavra para designar essa ferida, essa

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Figura 49: Juliana Rocha, Ternura, 2016 Veronica Cristoni

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picada, essa marca feita por um instrumento pontudo; essa palavra me serviria em especial na medida em que remete também à ideia de pontuação e em que as fotos de que falo são, de fato, como que pontuadas, às vezes até mesmo mosqueadas, com esses pontos sensíveis; essas marcas, essas feridas são precisamente pontos. A esse segundo elemento que vem contrariar o studium chamarei de punctum; pois punctum é também picada, pequeno buraco, pequena mancha, pequeno corte. (BARTHES, 1980, p. 46).

câmera, na figura 49, não se vê diretamente o sorriso, apenas uma pequena parte dele é identificável. Isso se dá pelo formato que o rosto assume quando sorrimos, e que nos permite interpretá-lo sem vê-lo totalmente. Os olhos cerrados, e as rugas que se formam nos cantos, também mostram que ela sorri com toda a sua expressão facial. Essa decodificação dos elementos sígnicos da fotografia encaixam-se na definição de studium.

O punctum pode ser o ponto chave de uma fotografia, enquanto ação subjetiva do leitor, apresentase singular, pessoal e instransferível. Cada observador fará leituras “punctuais” diferentes a respeito de uma mesma imagem. Devido ao ângulo entre a pessoa retratada e a

Eu não podia, portanto, chegar a essa noção cômoda, quando se quer falar de história, cultura estética, que é chamada de um artista. Eu sentia, pela força de meus investimentos, sua desordem, seu acaso, seu enigma, que a Fotografia é uma arte pouco segura (BARTHES, 1980, p.32).

Já a análise subjetiva dessa mesma fotografia, ou das outras expostas no projeto, ou seja, o punctum, varia de acordo com cada observador, reforçando o autor acima, pois não se pode ter uma análise “puncutal” que seja igual para dois ou mais leitores. 3.2

O que é ímpar

O que a Fotografia reproduz ao infinito só ocorreu uma vez: ela repete mecanicamente o que nunca mais poderá repetir-se existencialmente. Nela, o acontecimento jamais se sobrepassa para outra coisa: ela reduz sempre o corpus de que tenho necessidade ao corpo que vejo; ela é o Particular absoluto, a Contigência soberana, fosca e um tanto boba, o Tal (tal foto,


Figura 50: Coró, Ternura, 2016 - Exposição Experimental “Cartas para: Guai” - Veronica Cristoni Figura 51: Vanessa Rodrigues, Ternura, 2016 - Exposição Experimental “Cartas para: Guai” - Veronica Cristoni Figura 52: João Vitor Ferreira, Ternura, 2016 Veronica Cristoni

e não a Foto), em suma a Tique, a Ocasião, o Encontro, o Real, em sua expressão infatigável (BARTHES, 1980, p.13).

O registro fotográfico, em Ternura (2016), caracteriza-se pela espontaneidade da cena, onde não há a intenção de arquitetar uma estrutura visual. Essa característica reforça e utiliza-se da citação de Barthes (1980) como o pontochave para o registro da poética. As figuras 50 à 55 foram capturadas durante conversas entre as pessoas retratadas revelando a espontaneidade do momento. O registro da espontaneidade através do sorriso é ainda mais natural e vísivel quando olhamos para as figuras 55 à 58, pois o momento em questão consistia em uma conversa direta com a pessoa retratada. Mesmo que essas pessoas soubessem que haveria a captura, ainda sim, não houveram poses.

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Figura 53: Vanessa Rodrigues, Ternura, 2016 Veronica Cristoni Figura 54: JĂŠssica Enoki, Ternura, 2016 - Veronica Cristoni Figura 55: Guilherme de Souza, Ternura, 2016 - Veronica Cristoni

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Figuras 56 e 57: Fernanda Villar, Ternura, 2016 Veronica Cristoni Figura 58: Bruno Canova, Ternura, 2016 Veronica Cristoni

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3.3

Figura 59: Otavio e Gabriel, Ternura, 2016 - Veronica Cristoni Figura 60: Monica e Abilena, Ternura, 2016 Veronica Cristoni Figura 61: Gabriel Neftali, Ternura, 2016 Veronica Cristoni

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Olhar indireto

Um dia, há muito tempo, dei com uma fotografia do último irmão de Napoleão, Jerônimo (1852). Eu me disse então, com um espanto que jamais pude reduzir: “Vejo os olhos que viram o Imperador”. Vez ou outra, eu falava desse espanto, mas como ninguém parecia compartilhá-lo, nem mesmo compreendêlo, a vida é, assim, feita a golpes de pequenas solidões, eu o esqueci (BARTHES, 1980, p.11).

Quando Barthes (1980), na citação acima, diz “vejo os olhos que viram o Imperador”, faz uma análise subjetiva da fotografia. Jerônimo provavelmente tinha hábitos comuns. Gostava e odiava determinadas coisas, talvez tivesse hobbies e uma música favorita, por exemplo. Essa fotografia não revela


essas informações, mas o autor ao olhar talvez tenha captado esses detalhes. É possível traçar um paralelo entre a citação do autor com a figura 59 e 60. Da mesma forma que Barthes (1980) não vê o Imperador, mas sim os olhos que o viram, os leitores dessas fotografias também não encontram os olhos das pessoas que estão de costas para as lentes, mas verão os olhos das pessoas que as vêem. A mesma relação pode ser estabelecida ao olhar para a figura 62, de forma mais atenuada. Apesar de não haver diálogo entre duas pessoas, como há nas duas figuras anteriores, ainda sim há o conteúdo não revelado através do celular que a pessoa segura, e da qual há um retorno, o sorriso, para com esse conteúdo. Novamente, não vemos o que há no celular,

mas vemos os olhos que o vê, e de forma indireta pudemos compartilhar as mesmas informações. Tira-me o pão, sequiseres, tira-me o ar, mas não me tires o teu riso. Não me tires a rosa, a lança que desfolhas, a água que de súbito brota da tua alegria, a repentina onda de prata que em ti nasce. A minha luta é dura e regresso com os olhos cansados às vezes por ver que a terra não muda,

mas ao entrar teu riso sobe ao céu a procurar-me e abre-me todas as portas da vida. [...] ri, porque o teu riso será para as minhas mãos como uma espada fresca. À beira do mar, no outono, teu riso deve erguer sua cascata de espuma, e na primavera, amor, quero teu riso como a flor que esperava, a flor azul, a rosa da minha pátria sonora. [...] (NERUDA, 2004, p.135).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa fatalidade (não há foto sem alguma coisa ou alguém) leva a Fotografia para a imensa desordem dos objetos – de todos os objetos do mundo: por que escolher (fotografar) tal objeto, tal instante, em vez de tal outro? A Fotografia é inclassificável porque não há qualquer razão para marcar tal ou tal de suas ocorrências; [...] Seja o que for o que ela dê a ver e qualquer que seja a maneira, uma foto é sempre invisível: não é ela que vemos. (BARTHES, 1980, p.16).

Quando olhamos uma fotografia, na verdade, não vemos a sua essência, isto é, nem sempre captamos a intenção do fotógrafo para com determinada composição. Portanto, o que vemos é uma imagem em meio a um contexto, e o que fazemos é interpretá-la.

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As fotografias que compõem Ternura (2016) podem ser interpretadas de outras formas que não somente a leitura que essa pesquisa propõe, mas ainda sim, e retornando à discussão sobre punctum e studium, cada leitor fará uma interpretação a respeito das mesmas utilizando o contexto em que está inserido, e para cada um, um elemento específico fará esse papel de punctum. O propóstio dessa pesquisa foi registrar o sensível de um gesto comum - o sorriso - articulando-o à elementos da fotografia. Reuniu questões a respeito dos elementos discutidos ao longo do processo e permitiu uma discussão mais abrangente da linguagem fotográfica, bem como a relação subjetiva do olhar do leitor com as mesmas. Os elementos de linguagem abordados na pesquisa, bem

como as referências escolhdias para tratar das questões, despertaram maior interesse em continuar trabalhando com a fotografia, traduzindo as poéticas e analisando, posteriormente, os resultados. As questões subjetivas a respeito do tema ficam abertas para mais reflexões por parte dos leitores, porém, despertou um interesse maior pelo registro sensível da initimidade, do cotidiano e da ternura das pessoas, o que fará com que essa temática seja abordada novamente em meus trabalhos.


Quiero que siempre recuerdes Lo que dijimos un día Que cada vez que te ríes Río contigo mi amor (ROOS - SOSA, 2010)

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS CENTRO DE LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO FACULDADE DE ARTES VISUAIS TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO VERONICA CRISTONI CAMPINAS 2016



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