Stefan Zweig Pequena viagem ao Brasil
Stefan Zweig Pequena
viagem ao Brasil
copyright desta edição © Versal Editores, 2016 PRODUÇÃO EDITORIAL Fernanda Cosenza TRADUÇÃO Petê Rissatti NOTAS E REVISÃO DE TRADUÇÃO Heike Muranyi CAPA, PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Bettina Muzzio REVISÃO Guilherme Semionato FOTO DA CAPA Marcel Gautherot/ Acervo Instituto Moreira Salles
A tradução desta obra foi subsidiada pelo Programa de Apoio à Tradução do Goethe-Institut, financiado pelo Ministério das Relações Exteriores da Alemanha. [2016] Todos os direitos desta edição reservados à VERSAL EDITORES LTDA. Rua Jardim Botânico, 674 - sala 315 22461-000 - Rio de Janeiro - RJ Tel.: +55 21 2239-4023 versaleditores.com.br
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ Z96p Zweig, Stefan, 1881–1942 Pequena viagem ao Brasil / Stefan Zweig ; organização Heike Muranyi ; tradução Petê Rissatti. – 1. ed. – Rio de Janeiro : Versal, 2016. 80 p. : il. ; 21 cm. Tradução de: Kleine reise nach brasilien prefácio e posfácio ISBN 978-85-89309-78-3 1. Brasil – Descrições e viagens. I. Muranyi, Heike. II. Título. 16-34977 CDD: 918.1 CDU: 913(81)
Stefan Zweig Pequena
viagem ao Brasil TRADUÇÃO Petê Rissatti ORGANIZAÇÃO DO PROJETO Heike Muranyi
1ª edição Rio de Janeiro, 2016
PREFÁCIO Heike Muranyi
Há oitenta anos, Stefan Zweig visitou o Brasil pela primeira vez. Não foi, como sabemos, a última estadia do autor no país. Ao contrário: foi o início de um fascínio. Apesar de ter permanecido apenas alguns dias – de 21 de agosto a 4 de setembro de 1936, quando continuou a viagem rumo a Buenos Aires, onde participaria do congresso do PEN Clube –, Zweig impressionou-se com o Brasil de maneira excepcional e duradoura. Pequena viagem ao Brasil é fruto dessa primeira visita de Stefan Zweig ao país. Logo após o seu retorno à Inglaterra, onde residia na época, ele pôs-se a escrever os nove textos que constituem a coletânea. Tais textos foram publicados pela primeira vez no jornal Pester Lloyd, em outubro e novembro de 1936. Em 1937, a editora vienense Herbert Reichner lançou Begegnungen mit Menschen, Büchern, Städten [Encontros com pessoas, livros, cidades], que conta, nas páginas 288-322, com “Kleine Reise nach Brasilien” [Pequena viagem ao Brasil]. O texto teve ainda uma reedição na coletânea Länder, Städte, Landschaften [Países, cidades, paisagens], editada por Knut Beck e publicada pela Editora Fischer em 1981. No Brasil, por sua vez, o editor Abraão Koogan propôs uma tradução de “Pequena viagem ao Brasil”, logo após a publicação no Pester Llyod, mas Zweig não se mostrou interessado. Ele suge-
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riu uma segunda viagem ao Brasil – possivelmente porque já estava planejando uma publicação maior sobre o país,1 plano que resultaria no famoso Brasil, país do futuro, lançado em 1941, em Estocolmo, na editora exilada Bermann-Fischer, e, simultaneamente, em traduções para o inglês, francês, espanhol, português e sueco. Zweig usou vários trechos, e por vezes textos inteiros, da Pequena viagem ao Brasil (como no caso de “Visita ao café”) ao escrever Brasil, país do futuro. Pequena viagem ao Brasil foi, dessa forma, usado como um esqueleto-suporte, cujas partes foram transformadas ou ampliadas por Zweig para construir o tão famoso elogio à terra do seu exílio. Pequena viagem ao Brasil, no entanto, traduzido para o português e incluído na edição das obras completas de Zweig2 em 1938, cairia em breve no esquecimento, já que a recepção e a percepção da relação do escritor com o Brasil começou a focar-se em seu último capítulo: a chegada do casal Stefan e Lotte Zweig ao Rio de Janeiro em setembro de 1941, a mudança para a casa na Rua Gonçalves Dias, em Petrópolis, a publicação de Brasil, país do futuro dois meses depois, e o suicídio do casal em fevereiro de 1942.
1 Cf. Jeroen Dewulf, Neue Perspektiven zu Stefan Zweigs Brasilien. Ein Land der Zukunft. Em: Stefan Zweig – Abschied von Europa. Organizado por Klaus Renolder. Viena: Christian Brandstätter Verlag, pp. 137-146, aqui: 137-138. [HM] 2 No Brasil: Obras completas de Stefan Zweig. 20 vols. Rio de Janeiro: Guanabara, Waissman Koogan, 1934-1950. Vol. 10: Encontros com homens, livros e países. Tradução de Milton Araujo, 1938. Em Portugal: Obras de Stefan Zweig. 32 vols. Porto: Livraria Civilização, 1934-1950. Vol s/n. Vol. Encontros, Vol. 2 de 3. Tradução de Maria Henriques Osswald, 1938. Cf. Klawiter, R.: Stefan Zweig. An International Bibliography. Riverside, California: Ariadne Press. [HM]
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Por ocasião dos oitenta anos da primeira visita de Zweig ao Brasil, gostaríamos de direcionar o olhar para o começo desse amor trágico de Zweig pelo país tropical. Esperamos lançar luz sobre a motivação de Zweig, tão intrinsecamente ligada à condição de exilado em que se encontrava desde 1934, para apaixonar-se – e, no final, decidir-se – tão fervorosamente pelo Brasil desde que o avistou pela primeira vez. Para esse fim, Pequena viagem ao Brasil foi traduzido novamente por Petê Rissatti – com apoio do Instituto Goethe, por meio de seu programa de fomento à tradução –, e conta com revisão de tradução, notas e comentários meus. Nesta edição, a ortografia de topônimos brasileiros citados por Zweig no original em português foi corrigida conforme as normas ortográficas atualmente vigentes. As notas feitas por Petê Rissatti são assinaladas com PR e as minhas (Heike Muranyi), com HM.
Leipzig, junho de 2016
BRASIL: PARA COMEÇAR, UMA AULA DE ATUALIZAÇÃO PARA EUROPEUS
Se eu, caro leitor europeu, começo com uma pequena aula de atualização sobre o Brasil, faço pela certeza de que nós sabemos surpreendentemente pouco sobre o país; foi essa a primeira impressão vergonhosa que eu mesmo tive. Grande parte do que aprendemos na escola já foi esquecido por nós; e, do que nos lembramos, pouco importa, pois os números e dados há muito não conferem, ficaram aquém da realidade em ritmo acelerado. Além disso, precisamos de uma vez por todas nos acostumar (já é hora, já está mais que na hora) a mudar nossa perspectiva europeia, reconhecer que os outros continentes se desenvolvem em dimensões totalmente diversas e que o enfoque se afasta de forma alarmante de nossa “pequena península da Ásia” (como Nietzsche a chamava).3 Resiste em nós um erro psicológico típico dos pais que sempre são os últimos a notar que os filhos há muito já são pessoas intelectualmente independentes e adultas; por isso, muitos ainda não conseguem se habituar com o fato de que as antigas colônias da Europa 3 Friedrich Nietzsche, Der Wanderer und sein Schatten (O viajante e sua sombra). Em: Menschliches, Allzumenschliches. Zweite Abtheilung. Leipzig: Fritzsch, 1886. O trecho citado encontra-se no capítulo 215. [HM]
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se transformaram em Estados – e até mesmo em mundos – intelectual e economicamente orgânicos. A ideia prototípica que o europeu culto tem do Brasil talvez seja mais ou menos a seguinte: uma das repúblicas sul-americanas (que continuamos a não diferenciar umas das outras), de clima quente e insalubre, com relações políticas agitadas, administrada de forma desordenada e terrivelmente atrasada no aspecto cultural, mas com paisagens belas e muita matéria-prima inexplorada, ou seja, um país para imigrantes e colonizadores audaciosos, desesperados. Em primeiro lugar, essa ideia tradicional de nossa arrogância europeia deve ser corrigida, pois o Brasil não é qualquer república sul-americana, mas um país marcado por uma cultura própria, muito pessoal e muito valorosa, isolado de todos os outros já de início pela língua portuguesa. E, para se compreender as dimensões e seu significado político internacional, devemos lembrar sempre que sozinho esse “país”, essa “república sul-americana”, tem a extensão de um continente. Que o Brasil conta com quase tantos habitantes quanto a França ou a Itália, e que seu território se estende por quase uma Europa, equivalendo a França, Alemanha, Espanha, Itália, Suíça, Holanda e Polônia, e todos os outros países do continente juntos, que essa “república sul-americana”, em seu solo rico, ainda tem espaço para centenas de milhões de pessoas, e não é preciso muita estatística nem muita astúcia para calcular que em poucas décadas será um dos países mais poderosos e importantes da Terra. Por isso, deve-se desconfiar de todo viajante que afirme conhecer bem o Brasil. Esse país, esse mundo, é tão amplo, e o trânsito em seu interior em grande parte tão complexo, que mesmo o brasileiro conhece apenas uma parte ínfima de sua
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terra natal: apenas agora começa a ser possível o tráfego aéreo, ao menos em alguns trechos, para conectar os grandes centros.4 Sempre e cada vez mais é preciso refletir sobre as dimensões gigantescas para enxergar de forma razoavelmente correta o Brasil, e, mesmo quando pensamos nas dimensões mais ousadas, o cálculo ainda não basta. São necessárias semanas para cruzar o rio Amazonas, o mais poderoso do mundo, de ponta a ponta; viaja-se doze horas de trem expresso a partir da costa para dentro do país e se pensa, como europeu inculto, que já se está no interior; mas uma olhadela no mapa mostra que se está apenas na epiderme e ainda infinitamente distante de seu coração. Mas sempre é possível conseguir, também a partir dessa perspectiva estrangeira, uma visão modesta, pois o Brasil ainda não explorou sua região central; o ponto fulcral da economia e da vida intelectual fica – como na América do Norte há cem anos – nas cidades costeiras ou próximas à costa, e, como esses lugares – Santos, São Paulo, Rio, Bahia e Pará – ficam tão distantes em suas regiões como Estocolmo da Sicília, é possível se ter ao menos uma vaga ideia da multiplicidade e das possibilidades extraordinárias deste país. Certamente é apenas uma ideia; ainda não se conhece um décimo de seus recursos naturais, grande parte da força em potencial permanece inexplorada; aqui a terra ainda não foi exaurida e não precisa de estímulos com adubo ou produtos químicos. Não muda em nada se nela plantam café, cacau, grãos, algodão, laranjas ou banana, em todos os lugares a terra se enche de frutos e, nas profunde4 O começo da aviação comercial no Brasil deu-se em 1927 com o estabelecimento da “Linha da Lagoa” pela Condor Syndikat e a fundação da Viação Aérea Rio-Grandense (VARIG). [HM]
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zas, abundam minérios e pedras preciosas. Nenhum especialista sabe o que reserva o futuro nesse império, que hoje pouco vê escassez de matérias-primas e que precisa urgentemente apenas de um elemento para desenvolver de forma adequada suas possibilidades naturais: pessoas, mais pessoas – essa única matéria-prima que nós europeus temos em profusão, em uma profusão que nos oprime e sufoca. Apenas com uma centena, duas centenas, três centenas de milhões essa terra terá sua plenitude corretamente proporcionada, e essa sensação de estar no início, em ascensão, em transformação e crescimento inexorável cria aqui uma atmosfera de confiança otimista que – depois de respirar os nossos ares ocidentais de crise – revigora e dá tonicidade aos nervos, como o ozônio. Para mim, pessoalmente, essa viagem ao Brasil representou quase uma cura d’alma. Pois o sentimento comum de confiança – mesmo aquele de uma comunidade alheia – eleva a própria alma e me traz de um jeito maravilhoso a certeza de que, mesmo se a Europa continuar se dizimando, suas flores intelectuais e culturais plantadas há séculos continuarão a crescer a partir dessas mudas. Eu mesmo não consigo imaginar como essa nova comunidade, esse imenso reino chamado Brasil, surgiu. Claro que li com cuidado a história de seu descobrimento, de sua colonização, mas para mim ela continua sendo, como sempre, incompreensível. Toda a fantasia recriadora não conseguirá reconstruir a maravilha histórica que foi uma nação minúscula, Portugal dos séculos XV e XVI, com um punhado de navios miseráveis, conquistar primeiro toda a Índia, depois metade da África e esse Brasil incalculável, e maravilhados sonhamos com esses conquistadores ousados que, depois de semanas de
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viagem rumo ao desconhecido, construíram aqui, em terra incognita, em um país totalmente impraticável, suas colônias e, penetrando pouco a pouco – sempre apenas uma centena de pessoas por vez, cuja metade caiu vítima do clima –, conquistaram um reino que era mil vezes maior que sua terra natal: na história, apenas a conquista de toda a Ásia, Índia e Rússia por Gêngis Khan me parece comparável a essa expansão sem precedentes da vontade humana. E a segunda maravilha: que esse reino se mantenha todos esses séculos quase sem guerras, primeiro como colônia portuguesa, depois como império, e então como república livre independente, sempre uma unidade, uma estrutura orgânica fechada, formando-se em miscigenação constante de elementos imigrados e nativos, década a década, uma individualidade própria; também essa história precisa ser escrita para que o inimaginável nos seja compreensível. Vejam vocês, queridos leitores europeus, que lhes falo com sinceridade. Eu já lhes confessei o quanto me falta (e a qualquer um) um conhecimento geográfico total do país, como persiste em mim a surpresa da transformação de uma antiga colônia portuguesa em um império independente. Também fui, vocês hão de reconhecer isso em mim, parcimonioso em afirmações proféticas; então acredito poder contar com sua confiança quando relato duas coisas sobre esse país que parecerão, na Europa de 1936, totalmente inacreditáveis e anacrônicas. O primeiro desses fatos, que vocês pensarão que é lenda, é que o Brasil, apesar de sua dimensão imponente, é um país inteiramente pacífico, que com seus quarenta milhões de habitantes é muito menos militarizado que o menor dos microestados europeus, e que possui apenas uma mínima frota bélica, apesar
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da extensão costeira de dezenas de latitudes, e provavelmente sequer mantém disponíveis gases letais e tanques para o avanço da humanidade. A vida aqui ainda não foi obscurecida pelo medo constante da guerra, como no nosso caso, e as considerações econômicas não se apresentam apenas desse ponto de vista: a ideologia da autarquia total ainda não ergueu aqui muros chineses, e felizmente a técnica aqui não está a serviço da dizimação planejada de inimigos, mas quase exclusivamente do trabalho de avanço e ampliação. Falta a essa terra imensa qualquer tendência imperialista, que em si tem espaço de sobra para não cobiçar um centímetro das fronteiras alheias, e que ama a paz e precisa dela como base necessária de sua composição cultural. Nada me pareceu mais característico para essa convicção do que o fato de que o herói nacional do Brasil, que dá nome às mais belas vias e cujo monumento sempre se cumprimenta com respeito, não é um general ou um estadista, que conduziu guerras vitoriosas, mas Rio Branco, o verdadeiro estadista que soube evitá-las e que, em vez de usar armas, garantiu as fronteiras de sua pátria lançando mão de acordos amigáveis com os vizinhos. Quando e para quem nós, na Europa, poderemos erigir um monumento desses?! E a segunda anomalia surpreendente para a Europa de 1936: o Brasil ainda não descobriu a questão racial, mas resolveu há muito tempo esse problema da maneira mais simples e feliz, e por isso há décadas a diferença de raça, cor da pele, nação e religião é totalmente ignorada por seus habitantes. Nesse imenso caldeirão, tudo se mistura desde tempos imemoriais, brancos e índios e negros e portugueses e alemães e italianos e eslavos e japoneses, cristãos e judeus e budistas e gentios,
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não se faz diferença e nenhuma altercação domina; não se demarcou uma fronteira de cor, como na América do Norte, e também não há tantos no país que poderiam ultrapassá-las com certeza e professar com confiança uma origem. É emocionante ver crianças de todas as cores, café preto e café com leite (como se diz aqui), brincando juntas, e também os adultos pacificamente convivendo porta com porta; o branco trabalha na fábrica ao lado do negro e do crioulo, nos dancings não se percebe em nenhum lugar a mínima segregação; com uma naturalidade plena, essa mistura de raças e de cores já vem de muitas décadas e séculos. E as consequências, as terríveis consequências? – talvez perguntem muitos europeus, assustados. Elas são extraordinárias, essas consequências. Raramente se veem em qualquer lugar do mundo mulheres e crianças mais belas que esses mestiços, delicados em estatura, suaves na postura; com alegria, vemos nos rostos amorenados de muitos estudantes a inteligência ao lado da humildade silente e da cortesia; não, a mistura não “desintegra”, mas revigora e forma: uma certa malemolência, uma melancolia suave forma aqui uma oposição nova e muito feliz contra o tipo mais severo, superativo e mais realista do norte-americano. E quanta variedade, que vida individual nessas misturas! Maravilhoso ver as multidões na rua, cada um diferente, cada um pessoal, e ao mesmo tempo observar a lhaneza do tratamento, a ausência de qualquer irritabilidade e tensão que hoje dominam os compatriotas na maioria dos países europeus. Mas também, no sentido da formação do Estado, essa liberalidade se mantém de forma extraordinária. Pois, como ninguém se sente negligenciado ou deslocado para uma segun-
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da classe inferior, todos se sentem verdadeiramente cidadãos do Brasil e, visivelmente, surge aqui uma consciência nacional pronunciada – felizmente ainda não um nacionalismo imperialista. A segunda geração de imigrantes, venham eles de qual país for, e até mesmo os mais relutantes, os japoneses, sentem-se totalmente “brasileiros”, acomodam-se no clima tropical e em suas condições de vida, e, também no caso dos recém-chegados, da atual primeira geração, deve-se registrar, depois do difícil tempo inicial de aclimatação, um enraizamento surpreendentemente rápido. O fenômeno, que começou a se delinear na América do Norte na segunda metade do século XIX, a formação de um caráter nacional novo e até então inédito na história mundial, de uma nova nação, repete-se neste momento no Brasil: quem tiver olhos para enxergar a transformação, e nervos para perceber as vibrações, sente aqui o despertar de um novo tipo, de uma nova comunidade; a literatura aqui está prestes a ultrapassar as fronteiras da mera influência nacional, e logo essa nação (é o que se sente) começará a expressar e a apresentar a si mesma. De qualquer forma, quem vivencia o Brasil de hoje lançou um olhar para o futuro, e por um certo tempo – que sensação animadora! – livrou-se de nosso presente opressor, aliando-se à eterna, indestrutível juventude de nosso mundo; e, de todo o belo que seria possível testemunhar na paisagem, na cultura intelectual e nas formas de vida exóticas, é possível levar de volta à terra natal essa sensação de confiança maior como a mais valiosa e feliz.
Stefan Zweig dando autógrafos para admiradores no Rio. Biblioteca Municipal Gabriela Mistral / Fundação de Cultura e Turismo de Petrópolis
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ESSA CHEGADA DE UMA HORA AO RIO É UMA EXPERIÊNCIA ÚNICA e, em sua impressão irresistível, comparável apenas àquela de Nova York. Mas Nova Iorque nos recebe de forma mais dura, enérgica: parece mais um fiorde nórdico com seus cubos altos e brancos como gelo. Manhattan é uma saudação masculina, heroica, a vontade humana da América lançada ao alto, uma única erupção de força concentrada. O Rio de Janeiro, por sua vez, não se agiganta diante da pessoa – ele se estende com braços macios, femininos, ele recebe, puxa para si, entrega-se ao olhar com uma certa volúpia. [...] E ambígua e inesgotável, grandiosa e generosa, da mesma forma que recebe as pessoas também sabe como mantê-las; a partir da hora da chegada, já sabemos que o olho não vai se cansar e os sentidos não se fartarão nessa cidade única.”
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