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TERRITÓRIO DO BARRO: Parque Ribeirão Pederneiras
Victor Berbel Monteiro Orientador: Luís Antônio Jorge
Universidade de São Paulo Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Trabaho Final de Graduação 2013
AGRADEÇO: A oportunidade de estudar na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP Minha maravilhosa família. Pai, Mãe, Tiago e Talita, que me apoiam em todos os momentos Ao Luís Antônio Jorge pela rica e atenciosa orientação. Ao Fábio Mariz pela coorientação fundamental neste trabalho, e principalmente pelos esinamentos cotidianos ao longo dos anos na FAU. Ao Chico Fanucci por aceitar o convite para participar da banca. Aos caipiras da minha eterna República mais conhecida como “Bola de Pêlo” - Muralha, Pimpolho, Thobias e Alba À Marcia, Ana Teresa, Annkristin e Rodolfo pela imprescindível ajuda na confecção final do trabalho, além da amizade nesses anos. À Carina e ao Sunga pelo inesquecível ano em Milão e primorosa maquete do nosso menino. Aos grandes amigos e arquitetos fundamentais a minha formação. Diogo, Flávia, Isa e Catto Sem os quais não apenas esse trabalho, todavia meus pensamentos como arquiteto e homem não seriam os mesmo Ao Carlos, Muralha, Victor Matano e tio Mário pelo companhia nas “expedições” à nossa cidade Ao Max e Lu por compartilharem as orientações e discussões. Ao Sérgio Erba e Berto Frascareli por sempre me receberem, mesmo que num sábado depois de expediente, na Cerâmica Frascareli Ao Sr. Reinaldo Toufik pelas conversas. À Camila e Victor Pelegrinelli, da Prefeitura de Pederneiras pelas informações, dados e fotos. Aos que juntos cruzamos esse duro e produtivo chão do cuso de Arquitetura e Urbanismo
Muito Obrigado
s- E depois fecha com a abobrinha. Como foi feita abóbada do forno, é fechado isso aqui lá embaixo. v- Tá! s- Tá fechado! Chaminé puxou! Puxou do buraco, puxou dos canais, puxou desse canal; esse canal vai puxar da onde? v- Do meio, desse meio aqui. s- Tem que puxar de todos esses, essas fichiu fichiu! Puxou daí puxou daqui! v- Tá!
[1] Esquema forno abóboda e Chaminé Cerâmica Frascareli
s- porque não tem mais de onde puxar! v- Entendi! Mais ou menos mas eu entendi! Não tudo. s- É uma engenharia milenar linda! v- Não, porque puxa... tem... parece um monte de canal de... derivando.... s- Vai puxando! Capilar vai puxando ai! v -Tá! s- É coisa de outro mundo isso aqui! v- O principal é esse. s- O centro v- Que é esse s- O centro (...) de lá e aqui! v- Tá! s- O Berto tá querendo simplificar, porque na realidade o que eu tô falando pô cê é um pouquinho mais complicado. Porque você faz os canais; aterra de terra inteirinho; cê não vê esses. v- Tá! s- Eles são aterrados. v- Tá! s- Em cima desse aterro; faz-se as banquinas. As banquinas são isso.
v- Ahhhhhh! s- Banquina é isso aqui ó! v- Por cima do aterro. s- Por cima de tudo, em cima dos canais, dos oito, faz uma banquina e começa e começa a por esse tijolo aqui no piso! v- Então são quatro layer, vamu fala! Quatro camada, essa camada aqui. s- Essa é uma. v- A primeira, mais alta. s- As banquinas são outra.
v- Que é essa, esse pedaço de pizza, as banquinas aqui!
v- As banquina segunda.
s- Cê qué vê, não não....
s- Os canais são outro. E o centro é último.
v- Tá.
v- E é esse canal aqui.
s- Não.
s- Tá esse canal da beirada tá ligado, ligado nas...
v- Do canto pega todos... ele é mais profundo. s- Fudido! v- Porra! Hehehe... s- Dizê que isso quantos anos tem né!? Isso que eu acho interessante! v- Massa! O cara bolô um jeito de dele ir pra baixo... v- Que é isso! s- Não é... é lindo é lindo é lindo! v- Não e... e só sendo de de de alvenaria né , de barro pa podê resistir. Que se fosse metálico derretia a quantos graus!? s- Cê vê... cê vê um tio morou lá, um tio meu, que era cunhado do meu avô, morou naquela casinha... Ah! Ele era o único queimado do meu avô, tinha três forninho, dois forninho! Então quando ele saía aqui, ele olhava lá assim ó, ele olhava no chaminé e falava pro meu avo: ihh ó lá... não tá puxando nada hoje, hein. Porque a fumaça saía e descia. Que tem dia que a gente tá aqui, a gente vê que a fumaça tá aqui embaixo, então vai no registro e abre mais... hoje os nego não sabe nada. s- Então meu tio olhava e falava assim: uhhh ó lá ó o forno, a fumaça tá subindo... parece que continua o chaminé! Ela vai embora. Por que? Porque o ar ta bão! v- Tá! s- Porque o vento... o vento passa um ar frio, o vento o vento vem frio, o calor o ar quente qué i pra onde? Qué subi! v- Subir! s- Aí ele passa no chaminé ele ta c`aquela maremoto de ar frio! Ele sai? v- Ele puxa! s- Ele não sai! [2] FornoAbóboda ligado à Chaminé Cerâmica Frascareli
m- ele fica... v- Ah entendi, porque o ar frio é mai pesado! s- Cê já reparou nesse calor dentro de casa? v- Tá. s- Dende casa é estufa!? v- Tá.
[3] ChaminÊ de 40 metros Cerâmica Pederneiras
s- Lá fora tá ventando e dende casa o calor não sai? por quê que não sai? Ele n... n... ele é fraco, ele é mai fraquinho! Ota coisa que eu vô faze! Uma casa com chaminé!
v- Então é melhor que ou não tenha vento...
Não precisa por ventilador não precisa por nada!
s- Que tenha... na época do calor é um pouco melhor, porque o calor qué subi tamém!
O dia que o cara bolá uma casa com chaminé... Chaminé nas ideia! v- Má dae peraê! O ar, vento passando é ruim então? s- Oh, oh, Vitinho bola umas casa que tem uns canto com chaminé! Da laje sai...
s- Que não tenha vento!... v- Ou, ou tenha um vento quente!
v- Entendi! s- Sempre é... é é a regra né! v- Sei.....Ohhh lôco!
m- Sai tudo. s- Sai o calor! Por que que cê viu esse ventilador virando nesses barracão metálico aí! Aquele negocio é o que? v- Chaminé! s- Vira com que? Vira com calor! Porque o ar quente quer subir, aí ele começa a virar, e ele começa a puxar mais! então cê calculou numa casa se você tiver um chaminé.... m - Tá! s- Natural v- Mas aqui Erba... s- É ota coisa!... v- Mai por exemplo e daí... s- Eu vô me formá ano que vem! Cê tem um ano pra saí na minha frente! v- Quando passa o ar frio é ruim então porque ele pesa! Ele é mais pesado!? Então é melhor que seja ar quente ou não?
[4] Forno Abóboda, tipos e medidas de algumas cerâmicas Cerâmica Frascareli
s- Venta! Tá ventando, tá ventando! v- É ruim o vento ou é bom!? s- Frio!....eu acho que é ruim! v- O vento frio!? s- Acho não, eu tenho certeza! Porque... o calor precisa subir! E ele não encontra saída! Ele atrapalha a queima do forno! v- O frio tá tampando.... s- O frio tá.....
Conversa entre mim, Sérgio Erba - administrador da Cerâmica Frascareli e Victor Matano - um grande amigo de Pederneiras, arquiteto, numa das visitas que fiz ao longo do projeto. Sobre a construção dos fornos, o domínio do saber fazer e entendimento dos fenômenos acerca da produção nas olarias. 03/11/2012
CONSIDERAÇÕES INICIAIS Cotidianamente estudamos os problemas e dificuldades da grande metrópole São Paulo. Entretanto, o olhar sobre pequenos municípios enseja outras problemáticas, discussões e perspectivas. Grande parte desses municípios no Estado de São Paulo participam fortemente de dinâmicas econômicas regionais, estaduais e mesmo nacionais. Assim, é fundamental que não se estabeleça soluções a priori, pasteurizadas, as quais dificilmente atenderiam às inquietações de uma pequena cidade. Inexistência de relevantes áreas públicas, verdes e livres; o não contato da cidade com os rios e, mais sintomático, a ausência de relacionamento entre as pessoas em um ambiente mais favorável, distanciam a possibilidade de urbanidade. Neste caminho, o estudo proposto debruça-se sobre uma dessas pequenas cidades e a desejada relação cotidiana. Certa homogeneidade do tipo de solo, de cultivo, atividades econômicas, bem como o desenvolvimento das diversas cidades ao longo do Rio Tietê - rio das entradas paulistas - indaguei-me se haveria um elemento chave para estudarmos essa cidade? Se sim, qual seria? A resposta mais interessante: O Barro - A Terra Roxa A centralidade do que chamamos de “Barro” não se deu a priori. Foi assumida durante a construção do problema. Das cidades do interior paulista, suas formações ao longo do tempo e do rio Tietê, dados e características, sistemas e possíveis hipóteses, aliado à aproximação do lugar e temática escolhidos. Análises, problemáticas e percepções - matéria - fruto do modo como os lugares são e foram por mim revisitados. Razões afetivas e memoriais conduziram-me à minha cidade natal no centro-oeste paulista: Pederneiras. Assim, peço permissão para o uso da ideia-ideal da centralidade de tal elemento. Que este faça através do presente a ponte entre o passado e futuro. Represente o chão da terra/território. Solo em que se lavora o café, a cana e os próprios trabalhadores. Do barro retirado das antigas barrancas do rio Tietê - naquele tempo menor em largura - e que se tornava alvenarias de taipa, blocos cerâmicos, e novamente paredes, colunas e vedações, edifícios ou praças, um conjunto, conjunto de conjuntos, sistemas construtivos e construídos, complexos, e que, ao mesmo tempo, formam e é construção da própria cidade. O presente trabalho é um jeito de pensar e repensar os espaços e os lugares da cidade em relação aos habitantes deste Território feito do Barro.
ÍNDICE 16
BARRO Argila Terra roxa
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APROXIMAÇÕES
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A Cerâmica Pederneiras
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Na Fábrica de Tijolos e Telhas A Cerâmica Frascareli
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SOBRE CERÂMICAS
29
EXPANSÃO DO OESTE PAULISTA
32
O MUNICÍPIO DE PEDERNEIRAS
34
Geografia
35
Agricultura
36
Ferrovia
39
Indústria
40
Porto Intermodal
44
O CENTRO E A CIDADE
47
CAIPIRA DO BARRO, DA TERRA ROXA
50
APROFUNDAMENTOS
50
Percursos
21
Conversas
52
Levantamento Físico e Material da Antiga Olaria
54
TERRITÓRIO, MEMÓRIA E MATERIALIDADE
56
PARQUE RIBEIRÃO PEDERNEIRAS
83
PRAÇA DA OLARIA
84
Projeto
88
Programas
139
CONSIDERAÇÕES FINAIS
140
REFERÊNCIAS
O BARRO Terra amolecida com água. sm (voc pré-romano) 1 Terra empregada no fabrico de vasos, vasilhas e louças. 2 Argila. 3 pop Coisa insignificante. s.m. Terra vermelha, amarela ou branca, composta principalmente de alumina e sílica, que é utilizada na fabricação de telhas, tijolos, vasos, potes etc. Argila, greda. Fig. Coisa insignificante, de pouco valor. 1. Argila. 2. Louça ordinária. 3. Insignificância da matéria humana. 4. Prédio rústico. 5. atirar barro à parede: ver se tem bom êxito qualquer plano. Dos vários significados da palavra “Barro”, nos valenos dois que mais diretamente podemos relacionar à Arquitetura. Tanto a matéria da qual foi possível fazer os primeiros abrigos humanos, bem como sua evolução na produção de blocos e alvenarias. A argila. Matéria-prima para cerâmicas e utensílios ao longo do tempo. Quanto à caracterização de solo, terreno. Terra Roxa. Tipo de latossolo rico à agricultura. Aqui os principais significados, dos quais se pode derivar tantos outros, como as atividades econômicas correlatas, o trabalho humano por trás das mesmas, suas dinâmicas; as questões fundiárias. O poder de fixar ou expulsar o homem de seu chão. Questionamentos e discussões acerca do território e alguns diálogos com a arquitetura.
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Argila
Terra roxa
Ainda que certas espécies de argila sejam geologicamente antigas, não pertencem ao período das rochas formadas ao solidificar a crosta terrestre. Surgiram em períodos geológicos posteriores com a vitrificação dos minerais e rochas que contêm silicatos de alumínio, especialmente feldspato e granitos feldspáticos, pórfiros e vulcânicas.
Tipo de solo vermelho muito fértil, caracterizado como resultado de milhões de anos de decomposição de rochas basálticas, pertencentes à Formação Serra Geral, que se originaram do derrame vulcânico causado pela separação do antigo supercontinente Gondwana nos atuais continentes América do Sul e África, na Era Mesozóica.
Por mais diferentes que sejam, todas as argilas contêm silicato de alumínio aquoso como principal componente. A esta substância, que é a verdadeira cerâmica, se associam propriedades peculiares, que são, antes de tudo, a plasticidade em estado úmido, e valiosa propriedade de ao serem queimadas se transformarem quimicamente, ganhando rigidez e durabilidade. A maioria das espécies possuem mesclas de outros minerais que em estado puro não mostram propriedades plásticas, entretanto, ao serem manipuladas e queimadas, transformam as argilas. A presença natural ou adjunta desses minerais nas argilas podem dar outras características ao material e aumentar consideravelmente suas aplicações, tais como fundentes que abaixam a temperatura de cozimento; ou como os meios, que diminuem a contração e fragilidade da argila e facilitam sua modelagem.
É caracterizado pela sua aparência vermelho-arroxeada inconfundível, devido à presença de minerais de ferro. No Brasil, presente nas porções ocidentais dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, sul e sudoeste de Minas Gerais e sudeste do Mato Grosso do Sul, destacando-se sobretudo sua fertilidade. De grande importância ao Brasil durante o fim do século XIX e o início do século XX, quando se plantava nestes domínios grandes lavouras de café. Que de seus excedentes se propiciaram as ferrovias e o crescimento de cidades como São Paulo. O termo Terra Roxa foi apropriado dos imigrantes italianos das fazendas de café, que se referiam ao solo pelo nome terra rossa - vermelha. Aportuguesado, então, para terra roxa.
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SOB AS LEMBRANÇAS... Da infância me lembro daquelas chaminés. Da casa do padrinho onde se passavam festas, natais, passagem de ano, se via o conjunto de tijolinhos. A fábrica continuou vazia, intocada, invisível, pois não apropriada. Já a casa da madrinha, ainda que bem mais recente, fora demolida. Nada mudou. Nunca entrara naquele lugar. A sensação de imensidão sempre foi a mais próxima das escalas imaginadas. Receio do mato, da terra, dos bichos e dos homens que por ali poderiam estar. Assim ficou. Lembro-me, há uns três anos, sábado de festa. Uma boa conversa com amigos, aquele lugar, a visada das chaminés, ali aos meus olhos; e sempre estivera. Curiosidade e interesse tamanhos que correram o tempo. Aumentaram no decorrer do curso de arquitetura e urbanismo; na experiência de um ano na Itália e em relação a outros desejos que pretensiosamente tentamos dominar ao longo da trajetória de estudante. Era preciso entrar naquele território desconhecido - necessário e fundamental ao entendimento do lugar. Vagarosos, as imagens e meus anos ocorreram-me no momento em que ganhei aquelas estruturas. Quis ali ficar, contar, recontar, fotografar e anotar as renovadas sensações. Chaminés e galpões, além da persistente natureza que ao longo de cinquenta anos reclamou e retomou o seu espaço por excelência. Barro em estado de trabalho. Literalmente do chão às coberturas - ou mesmo às nuvens como parecem desejar as chaminés. Cortes, aterros, taludes, paredes, arrimos, pilares, vigas, tesouras e telhas; tudo como minha imaginação memorial inventora jamais poderia descrever com tamanha fidelidade. Deixei naquele chão uma picada para retornar, o desejo de revisitar, um farol para guiar.... De maneira estranhamente simples, a cada incursão, a apreensão era melhor. A imensidão diminuía e a antiga olaria já cabia na palma da minha mão; nos cadernos, desenhos, e assim definitivamente na minha material imaginação. Seria esse, espaço para projeto?
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Só este poderia ser o lugar.
APROXIMAÇÕES O breve significado e descrição do Barro, entendase aqui Argila ou Terra Roxa, constituem-se como os elementos materiais que permearão o presente trabalho. Idas e vindas dos elementos à construção; dos espaços aos lugares específicos. Através de conversas e um caderno diário/anotações de memórias e impressões, buscamos ilustrar as recorrentes visitas e acompanhamentos à produção de uma olaria no interior de São Paulo.
[3] Cinco das onze chaminés, alinhadas ao arrimo de tijolinhos, junto à descida da topografia até o Ribeirão Pederneiras Cerâmica Pederneiras
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[4] Conjunto de galpões da antiga olaria Pé direito triplo descoberto das tesouras originais Cerâmica Pederneiras
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A Cerâmica Pederneiras Apesar da pouca precisão das informações, sabe-se que a Cerâmica Ruiz/Pederneiras, instalada no centro da cidade, na realidade era propriedade de banqueiros, que também possuíam beneficiadora de café, e exerciam tais negócios na cidade de Santos, lugar estratégico para administração da produção e exportação do café no inicio do século XX. Segundo relatos, no período de maior produção, foi responsável por 90% dos empregos em Pederneiras. Ainda para outros, a maior Olaria da América Latina - o que mereceria melhor averiguação. Independente de curiosidades, foi uma grande Indústria do Barro. Ocupava extensa área no centro da cidade como se nota em imagens antigas e presentemente no considerável vazio urbano que se instituiu. Narrativas orais indicaram que foi fechada em 1963. Portanto, três anos antes da inundação da represa da Usina Hidroelétrica de Bariri e consequentemente das jazidas de Argila das margens do Tietê. Como hipótese, imaginemos que, como grandes empresários, talvez já soubessem do iminente prejuízo no setor. Além das histórias, nos importa a relação da área remanescente da antiga fábrica, que ocupava valiosa área urbana e ambiental no coração da cidade e que, após 50 anos do fechamento continua vazia, sem utilização e relação com a cidade de Pederneiras.
[5] Coberturas avarandadas Estruturas em melhores condições Cerâmica Pederneiras
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Na Fábrica de Tijolos e Telhas A CERÂMICA FRASCARELI Terça-feira 19/03/201 Sob o calor dos fornos e do trabalho... 4 pessoas e o operador do trator que colocava o barro no início da produção. 2 homens 2 mulheres. Uma delas vinha à olaria apenas às terças feiras. O dia de fazer telhas. O produto mais valorizado e portanto rentável dos Frascareli. A produção caíra sensivelmente devido aos elevados custos e à concorrência das telhas cerâmicas de piso, assim explicaram. Tal produção é semelhante à dos revestimentos feitos de blocos de argila já cristalizado, encontrados a 20 metros de profundidade nos rios.
[7] Sequência do processo de entrada do barro nas máquinas até a prensa, e descanso das peças antes de levadas à estufa e fornos. Cerâmica Frascareli, 2013
Tijolo Baiano R$250,00 Tijolinho R$450,00 Telha R$1200,00 Valores para o milheiro - mil unidades. Assim, o trabalho da senhora especialista em tais peças é requerido uma vez na semana, acredito que todas as semanas. Na olaria, experiência e trabalho bem feito são reconhecidos.
[6] Galpões de produção “encaixados” no terreno Cerâmica Frascareli, 2013
[8] Telhas há pouco prensadas, “descansando” nos “ranchos Cerâmica Frascareli, 2013
O peso do tijolo após sair da prensa é de 3.8 kg Após a queima, 2.8 kg, em função da perda de água. Na queima, os fornos funcionam 7 dias corridos. Fornos Pequenos [5.000 tijolos + 15.000 telhas]
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Fornos Grandes [o dobro ou o triplo do pequeno]. Imprecisão devido às diversas conversas e números fornecidos pelos trabalhadores.
CLÁUDIO Talvez trabalhador, testemunho atividades desse território.
ROBERTO FRASCARELI - PROPRIETÁRIO DA CERÂMICA - BERTO das
principais
Passou pelo corte da cana de açúcar, pelo porto intermodal e atualmente na olaria. Cortou cana dos 12 aos 40 anos. Tem 46 anos. Fez curso de caldeiro. Trabalhou na Torque Navegações, no porto intermodal. Disse chegar a ganhar R$6.000,00/mês
Discutimos o “Barro”. As eras geológicas, se a terra roxa era mais jovem ou mais velha do que a areia e a pedra. Explicou a baixa produção de sua olaria. 10.000 telhas por turno. 6 pessoas. Portanto 2 turnos - 12 pessoas. 20.000 telhas dias - sem secar ou queimar.
Foi mandado embora.
Considerando o processo completo, seriam 11 dias:
Surpreendentemente, vê o trabalho da olaria mais pesado que o corte da cana, e que se ganha R$1800,00/ mês
1 dia moldar.
Explicou o funcionamento geral do Porto Intermodal. A Torque transporta soja, milho, farelo, petróleo, álcool. Existem dutos sob os galpões e silos. Trabalho pesado e arriscado, sem proteção à saúde. Estava há um ano e meio na Cerâmica. Gostaria de sair daquele trabalho. Isso enquanto alimentava os fornos com a “cavaca” (lascas de madeiras aos fornos).
[8] “Cavaca” - lascas de madeira paraalimentar os fornos Cerâmica Frascareli, 2013
1 dia secar. 6 dias queimar. 3 dias resfriar. Ao passo que cerâmicas na Itália ou Alemanha, por exemplo, produziam 50.000 telhas/dia, com 5 trabalhadores. Já prontas e acabadas para uso. Mesmo no Brasil, fábricas de cerâmicas e pisos fazem seus produtos em 1:20h. A matéria prima, o barro dessas indústrias, é pedra triturada - não mais se usa um tipo de “massa branca” (mistura que encarecia os pisos e revestimentos). A mesma rocha é dinamitada e triturada. O esmalte sobre a argila aquece a mesma temperatura de queima e se funde ao Barro. Acabada, estanque, duradoura - todavia até o momento, seguramente peças menos belas que as telhas de barro tradicionais. Segundo Berto, essas fábricas têm maiores condições de crescimento que sua olaria. Como os processos dependem de maquinários, quanto mais novos, maior a produção. Tais fábricas produzem 1.500.000 peças/mês, contraposição às 200.000 da Cerâmica Frascareli.
em
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O BARRO TANGUÁ: Encontra-se em terra. Barro duro, tirado mais longe da beira do rio, mas ainda em suas vargens. É úmido e trinca com maior facilidade quando queimado. Assim, o repouso de 5 anos - geralmente não aguardados - daria o ponto ao Barro, perdendo o excesso de sais com a ação do tempo. Já o Barro tirado do rio, “de aluvião”, se assim podemos chamar, já está pronto para a feitura das cerâmicas. As argilas são ricas em óxidos de ferro, que ao secarem ou queimarem adquirem manchas escuras. Por esta razão o repouso e a espera do tempo do Barro para uso se fazem necessários. Breve diálogo com Berto Frascareli. Sujeito paciente e inteligente. Pertencente a um meio ligado à densidade do trabalho manual e à impregnação da argila e suas matizes marrons e vermelhas. Um cavalheiro. Caipira cavalheiro do Barro.
[10] paredes externas dos fornos usadas como estufas à secagem das Cerâmica Frascareli, 2013
[9] Relação entre o tipo de argila e proximidade à água Cerâmica Frascareli, 2013 [11] Prensas de telhas e “ranchos”para o descanso das peças Cerâmica Frascareli, 2013
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Percebo nestas páginas lidar com um processo rudimentar. Apesar de reconhecida beleza e qualidade das peças, pouco produtivo. Talvez fadado ao fim. Possivelmente a própria razão que encaminhou o acompanhamento do dia de trabalho nessas olarias e essas anotações. Processos históricos e culturais de longa data, que naturalmente serão substituídos. Paulatino declínio e possível fim desse modo de fazer, do modus operandi arcaico e certamente rico, da cultura da produção de materiais cerâmicos, da cultura material e da própria cultura caipira.
RETORNO À PRODUÇÃO O forno sendo preenchido. Aproximadamente 15.000 peças, entre telhas e tijolos. De baixo pra cima são 3 fiadas de tijolos e de telhas (intercalados entre si) e 2 de tijolos. Por sobre, alguns blocos cerâmicos para baldrame. 11h da manhã e a produção de telha talvez já cessara. Não há mais o barulho do fazer. Seria o almoço? Com o silêncio e o vazio nem se parecia o mesmo de pouco tempo atrás. As máquinas, pelas formas, tempo - idade e cor de barro, pareciam abandonadas. Estes galpões me fizeram voltar no tempo. Um tempo que não conheço, conheci ou conhecia. Agora só o som de alguma água escorria. [12] Almoço mantido quente pelo calor do forno Cerâmica Frascareli, 2013
Além da ventoinha da estufa. Passo próximo aos fornos. Os mesmos que queimavam cerâmicas à 900 °C, em cujos aquecidos muros de tijolos exteriores, viam-se sacolas de marmitas encostadas às 7h. [evitar a boia-fria] Restava apenas 1. Era o almoço. Voltariam ao trabalho às 12h. Quanto a mim, gostaria de levar um pouco da argila para casa. São 11:30h. Aguardaria meia hora? Talvez apanharia no turno da tarde.
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SOBRE CERÂMICAS “Visto que os homens são por natureza imitadores e tenham facilidades para aprender, blasonando-se de suas descobertas, exibiam uns aos outros as qualidade de seus edifícios e assim, cultivando o engenho por meio do confronto, buscavam diuturnamente o julgamento mais favorável. Primeiramente, erguidos os esteios e interpostas as vergônteas, cobriam as paredes com barro. Outros fazendo secar terras lamacentas ligandoas com peças transversais de madeira e, para evitar a chuva e o calor, cobriam-nas com caniços e folhagens. E depois que, por ocasião do inverno, as coberturas não puderam conter as chuvas, fizeram conduzir as águas pluviais por tetos inclinados instalando cumeeiras revestidas de barro.” (POLIÃO, 2002, 71)
A grande qualidade das argilas é a plasticidade. Mediante giro, molde, pressão, modelagem, molde mecânico, entre outros, se produzem múltiplas variedades cerâmicas que compreendem de ladrilhos e potes, a dentes postiços, vasilhas, isolantes elétricos, banheiras e valiosos objetos de arte, além de instrumentos musicais. Para tal, a proporção d’água é fundamental. Mais água nas argilas gordas, de grãos mais finos e maior conteúdo coloidal, como as argilas vermelhas e azuis. E menos plásticas nas argilas magras, de grãos mais grossos.
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“Desde los tiempos más remotos El hombre há conocido y aprovechado La cualidad peculiar de la arcilla de dejarse moldear cuando está húmeda, conservando La forma después de secada y cocida, y transformándose en un material duro e fuerte. Gracias a La gran resistencia de La arcilla cocida, objetos hechos con Ella han podido conservarse enterrados miles años . Los cacharros, figuras y otros objetos cerámicos que han sido encontrados, reflejan La cultura de las épocas que los produjeron, y constituyen, por lo tanto, una fuente de gran valor para La investigación arqueológica.” (HALD, 1952, 79-80) “La cerámica es un vasto campo de arte y de técnica. En todos sus aspectos existen posibilidades de perfeccionamiento y de conseguir resultados completamente nuevos. [...] puesto que el resultado realmente feliz solo se obtiene con la afortunada conjugación de los materiales que componen las piezas, los esmaltes, en combinación con El debido proceso de cocción, circunstancias éstas que el ceramicista sólo consigue dominar cuando posee un exacto conocimiento de sus materiales y de métodos técnicos de su arte.” (HALD, 1952)
O bairro dos alfareiros (oleiros) em Atenas tinha como nome kerameikos. Porém a arte da olaria é muito mais antiga. O homem da pré-historia, tanto do Velho quanto do Novo Continente, produzia cerâmica há 10.000 anos.
Mesmo com a mecanização, muitos dos processos como a queima, ainda dependem do hábito e intuição dos trabalhadores. O valor do saber fazer, memória coletiva passada ao longo dos tempos; assumir as alvenarias e telhas e seus resultados tal como são: misto de bom e mal de cada material e produto. Entendermos suas imperfeições, e compreendermos os limites naturais do material. A cerâmica goza da beleza de ser diferente, não raro, rebelde. Material que ainda que possua formas de se fazer, certa regra, pode imprevisivelmente comportarse diferentemente. “[...] no tocante às alvenarias de tijolos, contanto que estejam perfeitamente a prumo, nada se deduz de extraordinário, mas, apesar de terem sido feitos há muito tempo, haverão de ser sempre admiradas.” (POLIÃO, 2002, 80)
Na evolução da história do mundo da construção e da arquitetura, deve-se sempre memorar as utilizações e contribuições do ponto de vista técnico e estrutural dos materiais em Argila. Basta olharmos, como exemplo, a engenhosa cúpula da Catedral de Santa Maria del Fiori, em Florença, proposta por Brunelleschi, “[...] de quem temos informações seguras, as habilidades eram no mínimo as seguintes: [...] conhecimento das argilas e sua correta composição com a areia para se obterem tijolos e telhas com pouca deformação, bem como a queima adequada, para se obter o máximo de resistência das peças. Ainda hoje, tijolos ‘requeimados’ são considerados inadequados para certos esforços.” (KATINSKY In POLIÃO, 2002, 14) Postura em relação aos materiais e suas técnicas que perduraram e desenvolveram-se, de maneiras distintas, da extrema habilidade e tectônica em Eládio Dieste; à contemporânea e profunda poética de Solano Benitez.
[13] Tijolinho já utilizados da antiga Cerâmica Pederneiras e Tijolo “Baiano” novos da Cerâmica Frascareli
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[14] Rio Tietê e algumas cidades do interior do Estado De montante à jusante: São Paulo, Barra Bonita, Bauru, Jaú, Pederneiras, Araçatuba e Pereira Barreto.
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[15] Antigas margens, ponte rodoviária e ferroviaria no Rio Tietê em Pederneiras, antes da fomação da represa de Bariri.
EXPANSÃO DO OESTE PAULISTA A expansão do Oeste Paulista está profundamente ligada às conquista da terra roxa. Guiados pelas águas, principalmente pelo rio Tietê, as entradas visavam encontrar minérios, bem como a ampliação das “fronteiras agrícolas” em busca de solos férteis para o cultivo do café e sua direcionada exportação. Os “sertanistas”, como foram chamados, seguiam o leito dos rios e fixavam-se quando da constatação de elementos que favoreceriam sua sedentarizarão: recursos hídricos, solos férteis, interessante posição geográfica.
buscaram se instalar e cultivar essas terras, acarretando certo desenvolvimento e, se podemos dizer, “mistura humana” a esses “sertões”. Portanto, se essa expansão está intimamente ligada tanto ao tipo de solo como à proximidade do Rio Tietê, torna-se possível tecermos algumas relações entre a ocupação do interior do estado ao longo da água e a terra roxa.
Mais tarde, tais lavouras foram servidas pelas ferrovias do estado. Buscavam o mais rápido e melhor escoamento para o porto de Santos e, consequentemente, para sua exportação. Por vezes, as ferrovias também seguiam os rios, principalmente devido à facilidade de construção nas várzeas mais planas.
Dentre algumas cidades ao longo do Rio Tietê e as respectivas relações de proximidade e utilização dos tecidos urbanos com o rio, notamos as diferenças de ocupação e apropriação dessas águas. No sentido do curso da água, São Paulo - Interior: Barra Bonita e Igaraçu do Tietê - talvez as mais interessantes do ponto de vista da implantação e apropriação das águas - encontram-se sobre o rio, ocupando as duas margens, Pederneiras à uma distância média de 5 km; Itapuí, contígua à margem direita, Iacanga também contígua, porém não do leito maior do rio, mas de um braço da represa à esquerda, Araçatuba, já mais afastada, situa-se a 15 km, e Pereira Barreto - cidade que possui a fendacanal navegável que conecta os rios Paraná e Tietê encontra-se, como espécie de península, abraçada por um braço d’água e pelo canal.
Esse processo, além de escoar café, trouxe, de maneira positiva, mercadorias e principalmente homens para os novos territórios. Tanto imigrantes, quanto brasileiros de outras partes do estado e do país
Sob esse aspecto de proximidade ou distanciamento, a cidade escolhida para o presente estudo e projeto Pederneiras, encontra-se a distância média do rio Tietê - hiato urbano de 5 km lineares ainda pouco ocupado.
Ótimas terras foram encontradas. Iniciaram-se os cultivos de café, fumo e outros. Com o tempo essas fazendas transformaram-se em vilas, que se transformaram em freguesias e posteriormente em cidades.
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[16]Inserção regional Pederneiras (ao centro) À oeste Bauru, à sudoeste Agudos, ao sul Barra Bonita e a leste Jaú
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[17] Tecido Urbano pouco denso e descentralizado Pederneiras, 2012
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O MUNICÍPIO DE PEDERNEIRAS Região localizada no centro-oeste do estado, até meados do século XIX figurava nos registros cartográficos como “sertão desconhecido”, ocupado pelos Índios Caingangues. A cultura cafeeira, com seu avanço em direção ao oeste paulista, foi responsável pela ocupação da região, secundada pela pecuária e culturas alimentícias, principalmente cana-de-açúcar. Essa ocupação iniciouse a partir de sua porção mais ao sul, em Jaú, Dois Córregos, Lençóis Paulista e Pederneiras, no final da década de 1950 do século XIX. O Rio Tietê, principal rio do município é o responsável pela chegada e ocupação dos ditos “sertanistas” que durante as investidas para o Oeste em busca de riquezas e terras, além de fugirem da Revoltas Liberais; em meados do século XIX ali chegaram e foram os primeiros posseiros das terras em que se localiza a cidade. Em 1848 Manoel dos Santos Simões e seus filhos fizeram o registro de posse das terras na sede paroquial de Botucatu, denominando-as “Fazenda Pederneiras” devido à grande quantidade de “pedra de fogo” encontrada no local. Pederneira(s) - “pedra dura que produz lume”.
Em 1865 desligou-se de Botucatu, passando ao domínio de Lençóis Paulista para em 1879 ser elevada à categoria de Freguesia. Em 1881, este núcleo torna-se o município de “São Sebastião da Alegria” e cinco anos mais tarde reutiliza seu antigo nome, Pederneiras. Inicialmente o núcleo urbano ocupava a área entre a ferrovia da Companhia Paulista e o Ribeirão Pederneiras. Nessa época, a economia era baseada na fabricação de tijolos, telhas comuns e ladrilhos, em olarias nas fazendas Barreiros, Patos e Macacos. Em 1904, depois de terminada a construção da ponte metálica da estrada de ferro sobre o Tietê, surgiu a primeira cerâmica de Alberto Borsetto que produziu, na borda do Rio Tietê, as primeiras telhas francesas, usando a ferrovia para transporte. Mais tarde, expandiu-se na direção noroeste, onde se instalaram as cerâmicas Romero e São João, e o Matadouro Municipal. Na outra margem da ferrovia, no sentido sudoeste foram implantadas, dentre outras, as cerâmicas Massad e Fornazari.
[18] Malha Urbana Azul - Ribeirão Pederneiras , Córrego Monjolo e Rio Tietê / Amarelo - Ferrovia / Vermelho - Rodovias Bauru Jaú e Pederneiras-Lençois Paulista
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O núcleo urbano sempre manteve pouca relação com o rio Tietê, pois sua expansão inicial ocorreu no sentido inverso. Com a construção da SP-261, rodovia que liga Pederneiras a Lençóis Paulista, o crescimento orientouse para o leste, onde está localizado o rio Tietê; entretanto, em função da rodovia, e não do rio. Atualmente a cidade possui 41.497 habitantes, segundo o Censo de 2010. As atividades econômicas são calcadas na agricultura da cana de açúcar e na indústria de base e usinagem.
[19] Núcleo Urbano entre o Ribeirão Pederneiras e os trilhos do trem Pederneiras, 1910
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Geografia O município está localizado próximo ao centro geográfico do Estado de São Paulo, ocupando, atualmente, uma área de 743 Km², a 5 km da margem do Tietê. O solo da região é formado pelo Arenito Bauru, que apresenta diversos tipos de latossolos e podzòlicos e elevados índices de fertilidade. Apesar de adequadas aos cultivos anuais, a quase totalidade da área rural é ocupada por cana-de-açúcar, seguida de pastagens à pecuária, as quais substituíram o café. O relevo é composto por planícies, e no perímetro urbano alguns acidentes mais íngremes. Os principais rios urbanos são o Córrego Monjolo e o Ribeirão Pederneiras, que recebe as águas do primeiro e segue em direção ao rio Tietê, já em trecho rural. Também consideráveis eram as jazidas de argila, antes da inundação do reservatório da UHE Álvaro de Souza Lima-Bariri, em 1966, quando 2.8% do território da cidade foi inundado, incluindo aquelas reservas. Notam-se também pedreiras e extração de cimentos, propiciados pela existência de maciços de pedras propícias a essas atividades. As características físicas do município indicam, portanto, uma vocação para desenvolvimento de atividades agrícolas diversificadas. Todavia, o que se encontra é o processo de monocultura notado ao longo da história. [20]Terra roxa e canavial Geografia e Agricultura
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Agricultura A terra roxa da região de Pederneiras teve sua ocupação através da expansão cafeeira em meados do século XIX, e chegou a ocupar o 8° (oitavo) posto em produção do estado de São Paulo. Como já citado, as condições geográficas e geológicas direcionaram as atividades agrícolas. Do café e poucas áreas de cultivo de fumo e banana, à forte produção cana-de-açúcar para o setor sucroalcooleiro. Posição de certo privilégio que propiciou a chegada da estrada de ferro no início do século passado e seu desenvolvimento. O que se produzia era facilmente escoado através dos trilhos para Santos ou para outros interiores do país. Após a crise da década de 20 do século passado, intensificou-se a pecuária e, concomitantemente, a troca da monocultura do café para a cana-de-açúcar, tanto para a produção de açúcar quanto, posteriormente, de álcool. Para além dos dados, podemos questionar a adoção do modelo monocultor numa terra tão rica. Solos propícios a produções diversas e que foram ao longo da sua história renegados a apenas duas culturas, isoladas em seus respectivos períodos. Sendo assim, a esse histórico do manejo da terra roxa, agravado à paulatina concentração da terra, atualmente nota-se que cerca de 70% do solo rural é ocupado por canaviais e pasto para o gado, com pouquíssimas culturas de café, citros, milho ou feijão. portanto, num primeiro momento, terras cultivadas pelos proprietários e suas famílias a quem, posteriormente, se adicionam os imigrantes italianos, árabes, turcos, libaneses, entre outros que se instalaram em Pederneiras em busca de terras; não apenas para serem colonos/trabalhadores das fazendas já existentes, mas para cultivo da terra própria. Assim, a estória da cidade é fortemente costurada com a dos imigrantes. À mistura cultural, adequações, e imposições. Aos sobrenomes existentes por toda a cidade. Bem como grandes obras, fazendas cultiváveis, produção de cerâmicas através de relevantes olarias, beneficiamento de café, tanto quanto ocupação no varejo do comércio local, e em áreas como a medicina, o direito e a engenharia. Mais recentemente, já no cultivo da cana, notou-se que tanto proprietários quanto as propriedades tornaram-se grandes. As famílias não mais participam diretamente
da cultura. Portanto adotara-se a política de contratação de mão de obra de outras regiões do país. Trabalhadores que inicialmente moravam nas propriedades agrícolas as colônias das fazendas - e que, com o êxodo rural, transformaram-se em citadinos, porém continuando a trabalhar na roça todos os dias: a constituição do Boia Fria. Sujeito sem vínculo com o valor dessa terra, ligações financeiros, afetivas, ou memoriais; e que agora vivem nas cidades e assumem - mesmo que inconscientemente - a multiplicidade e complexidade da vida urbana. Como caso específico e isolado, segundo a Casa da Lavoura Pederneiras, em 2007, vimos o assentamento rural de 360 famílias Sem Terra em lotes de 5 a 12 hectares no horto florestal de Aimores, à margem da estrada que liga Pederneiras à Bauru. À relação contemporânea da terra e dos trabalhadores, soma-se o fato do futuro fim da queima da “palha” da cana, previsto para 2013. A queima, feita para tirar as folhas, afastar animais peçonhentos dos canaviais e propiciar o corte manual, vem diminuindo de forma consistente, e possui data limite para ocorrer. No estado de São Paulo, no ano de 2009 foi notável sua diminuição; estima-se para 2014 o fim da queimada em áreas mecanizadas, e para 2017 para as áreas não mecanizáveis, em declive de mais de 12%. Apesar de significar certas melhorias do ponto de vista ambiental, salientamos que ao mesmo tempo indica o fim do trabalho rural do corte manual da cana-de-açúcar. É, portanto, o fim de uma profissão, que historicamente contribuiu para a construção não apenas dePederneiras, mas para diversas cidades de terra roxa no Oeste Paulista. Assim, qual seria o destino desses trabalhadores? Como auxiliar o desemprego? Qual o reflexo nas atividades de comércio e serviços da cidade? Em que medida afeta a sociabilidade - que já se notara baixa - entre as pessoas? Como será a passagem do Cortador de Cana ao setor de serviços e operariado? Se é que isto acontecerá...
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Ferrovia Chegou a Pederneiras através do ramal de Agudos em 1903. A formação da cidade está intimamente ligada à ferrovia. O primeiro loteamento entre a estrada de ferro e o Ribeirão Pederneiras, a primeira ponte sobre o rio Tietê em 1904. Os alicerces de seu edifício principal, muros e muretas foram assentados com rochas basálticas talhadas a mão, parte delas sendo notada até hoje. A Gare existente foi inaugurada em 1º de Outubro de 1913 sob a chefia de Benedicto Machado., segundo Mario Pinto Serva: “Construção moderna e uma das mais elegantes da Companhia”. A estação atraía os passageiros que por lá passavam, assim como visitantes curiosos em conhecê-la com seus azulejos de origem alemã - novidade na época – conhecidos como “ouro preto”. Os pisos hidráulicos do hall de entrada, sala de encomendas e do bar eram provenientes da Casa Helvetia de São Paulo. Fruto do movimento de expansão agrícola, o povoamento dessa região vincula-se à implantação da ferrovia, destacando-se Bauru como nó ferroviário estrategicamente localizado, que durante certo tempo constituiu a “porta de entrada do sertão” e a base logística para sua penetração.
A cidade de Pederneiras interliga-se à malha Oeste da ferrovia do Estado de São Paulo. Transportavamse as produções de café, banana, fumo, materiais de construção e, curiosamente, cobras para o Instituto Butantã em São Paulo. A grande produção de cerâmicas no município era transportada ao longo da ferrovia e contribuía para a edificação das sucessivas estações da Companhia, bem como para a construção das cidades ao longo da linha. Junto ao reconhecimento histórico e econômico dos trilhos do estado de São Paulo e da região de Pederneiras, à medida em que o Tronco Oeste atravessa cidades de forte dinamismo econômico e social, entende-se a importância dos trilhos, do seu traçado e estações como responsáveis diretos na formação das cidades ao longo do interior de terra roxa. Portanto, além da ótica da economia e do transporte regional, também nos faz pensar a relação das ferrovias com a formação da cidade. Como a locação de seus trilhos, Gare e edifícios correlatos influenciaram na formação da cidade e no cotidiano dos Pederneirenses.
[21] Nova ponte ferrovária e antiga ponte rodoviária sobre o Tietê, Pederneiras, 1967
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[22] Estação e Gare Pederneiras
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[23] Parque Industrial Destaque para a IndĂşstria VOLVO Pederneiras, 2012
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Indústria A fertilidade da terra propiciou o cultivo de café. Produção, beneficiamento e interessante organização para seu escoamento, fazem dele talvez o primeiro “ramo industrial” da cidade. Seguido da considerável produção oleira-ceramista dada abundância de jazidas de argila próximas ao Tietê, tendo se destacado na produção de telhas francesas, a qual, no final da década de 1960, sofreu retração devido à inundação das mesmas jazidas aqui citadas, ocasionada pela formação do reservatório da UHE Álvaro de Souza Lima-Bariri, em 1966. Na década de 1940, perceberam-se mudanças no quadro rural e urbano, a substituição do café pela pecuária e algodão quando se iniciou o êxodo rural. Nesse período, torna-se negativa a taxa de crescimento e o saldo migratório da região. No fim da década de 1970 consolida-se a ascensão da cana-de-açúcar reforçada pelo Programa Pró-álcool além da instalação de novas usinas. Paralelamente à indústria agrícola, a partir da década de 1960, perceberam-se importantes alterações no setor secundário. Crescimento dos setores de química, mecânica e metalurgia, especialmente nos ramos ligados à produção da cana de açúcar. Na década de 1970 a produção de álcool na região de Bauru passa a 3° lugar do Estado.
Indústrias de usinagem e peças fabris como a Thermic, ou a Pedertractor - a maior delas com aproximadamente 3000 funcionários - são ao mesmo tempo de grande importância econômica e também social, devido à geração de empregos. Nesse sentido, a última grande indústria a se instalar na cidade foi a Ajinomoto em 2006. Que, próxima ao Porto Intermodal de Pederneiras, apropria-se das facilidades logísticas da multimodalidade, já que a região é atendida por três troncos ferroviários, pela rodovia Marechal Rondon, e pela hidrovia Tietê-Paraná, além de incentivos fiscais por parte da prefeitura da cidade. De certa forma, o crescente setor industrial de Pederneiras reintroduz o antigo caipira, o Boia Fria, no mercado de trabalho como operário. Por isso a necessidade de capacitação para ocupar os novos postos ofertados. Faz-se necessária ampliação e acesso aos cursos técnicos e superiores na região, a cidade gerir de melhor maneira os desempregos frutos do fim do corte manual da cana, e direcionar os jovens mais facilmente a esse novo mercado industrial.
A instalação da Clark Equipamentos S.A, hoje denominada VOLVO, na produção de caminhões e tratores agrícolas, pode ser considerada o marco desse novo processo industrial em Pederneiras. Já na década de 1990, o parque industrial da cidade cresceu devido a dois empreendimentos associados à Hidrovia Tietê Paraná, a Torque S.A, voltada à montagem de embarcações fluviais e a Mauri Brasil, dedicada à produção de fermento que, estranhamente, utilizou a hidrovia apenas como experimento e posteriormente adotou o modal rodoviário. Todavia, o setor abrigou apenas 23.6% dos postos de trabalho com mão de obra local. Atualmente o setor industrial cresceu consideravelmente e possui estabelecimentos distribuídos entre os ramos de mecânica, química, minerais não metálicos, beneficiamento de produtos agrícolas, artefatos de madeira, confecções e aproximadamente cem empresas de “induzidos” - peças responsáveis pela rotação de qualquer motor de partida - que empregam boa parte da população da cidade.
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Porto Intermodal Importante reutilização e revalorização das águas do Tietê, que originaram a cidade, é a formação do Porto Intermodal de Pederneiras. A Hidrovia Tietê - Paraná, situada entre as regiões sul, sudeste e centro-oeste do Brasil, permite a navegação de cargas e de passageiros ao longo dos rios Paraná e Tietê. Um sistema de eclusas viabiliza a passagem pelos desníveis existentes entre as represas e assim constitui-se como importante via para o escoamento da produção agrícola dos Estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e parte de Rondônia, Tocantins e Minas Gerais. O sistema de transporte hidroviário é complementado pelos terminais multimodais de carga, que compreendem as estruturas de transbordo, silagem e processamento de produtos, galpões para montagens e reparo de embarcações e estruturas para carga em geral. Os terminais multimodais de carga da hidrovia foram, majoritariamente, implantados de forma isolada, atendendo apenas a algumas empresas e, em raros casos, de forma agrupada, formando um complexo. Ao longo da Hidrovia Tietê-Paraná foram implantados quatro complexos de terminais multimodais, nos municípios de Pederneiras, Araçatuba e Anhembi, no Estado de São Paulo, e em São Simão no Estado de Goiás. Os terminais multimodais isolados foram implantados em 15 municípios, dos quais 13 são paulistas (Jaú, Conchas, Piracicaba-Distrito Anhumas, Andradina, Santa Maria da Serra, Boracéia, Iturama, Brejo Alegre, Bariri, Barra Bonita, Ilha Solteira, Presidente Epitácio e Panorama), um situado no município de Guaíra, no Estado do Paraná, e outro em Hernandarias, no Paraguai. Nesse sentido, os terminais agrupados tornam a implantação do complexo mais viável. Otimização das infraestrutura viária, de energia e de comunicações, e do transporte de mão-de-obra. Sua implantação está condicionada a aspectos logísticos e a características físicas dos territórios dos municípios e dos reservatórios a eles lindeiros. Entre alguns aspectos a arquiteta urbanista Maria Lucia Alonso Farrenberg destaca em seu mestrado:
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• Proximidade à malha ferroviária e rodoviária existente, a fim de que se possa estabelecer a multimodalidade, ou seja, a integração entre o modal hidroviário, ferroviário, e rodoviário a custos
compatíveis com a instalação de um conjunto de empreendimentos; • Proximidade à rota de navegação, evitando-se, dessa forma, obras de aprofundamento do leito do rio ou reservatório através de dragagens e/ou derrocamentos para o acesso das embarcações às margens, cujos custos situam-se na casa de US$50,00/ m3 para dragagem e US$80,00 para derrocamento subaquático; • Alta capacidade de escoamento de cargas de cada tronco rodo-ferroviário, através das novas conexões a serem implantadas para o acesso à hidrovia; • Proximidade a núcleos urbanos, para o atendimento a serviços e acesso a mão-de-obra necessária. A atividade portuária em Pederneiras corresponde ao transbordo de grãos (soja e milho) e farelo de soja, com volume diário de 2.000 t. A carga vinda de São Simão, onde é beneficiada e adequada ao padrão de exportação, chega a Pederneiras através de barcaças. Faz-se o transbordo para vagões ferroviários ou caminhões, de onde parte com destino ao porto de Santos para exportação. Como carga de retorno, fertilizantes originários de Paulínia e Cubatão vão até São Simão onde são distribuídos através da modalidade rodoviária às zonas agroindustriais do Brasil. Além das facilidades multimodais o transporte via hidroviário revela-se muito econômico. De São Simão a Santos por via rodoviária gasta-se em média US$50,99/ tonelada, ao passo que o hidroviário soma US$12,00/ tonelada, o que resulta em redução de custo do produto final e consequente maior competitividade no mercado externo. Tinha-se como meta a partir de 2013 iniciar o transporte de etanol no trecho São Simão-GO a Anhembi-SP pela hidrovia para a TRANSPETRO. Cerca de 4 bilhões de litros por ano, equivalendo 40.000 viagens de caminhão, por ano. Todavia o trecho hidroviário não se encontra concluído e, portanto, o último trecho da hidrovia propriamente dito, ainda é Pederneiras. Paralelamente à essa aparente pujança, constata-se que a contribuição do porto na receita municipal é pouco significativa. Tendo em vista a origem da carga em São Simão, os impostos são recolhidos nessa cidade; além da fatura de outras atividades correlatas, em outras cidades. Restando ao município de Pederneiras, apenas o benefício restrito ao ICMS - Imposto Sobre Circulação
de Mercadorias e Prestação de Serviços, cobrado da Ferroban - Empresa que faz uso dos antigos trilhos paulistas - que corresponde a 1% da receita municipal. Portanto, o Porto Intermodal Complexo de Pederneiras, apesar de possuir os três modais, as três bitolas ferroviárias existentes no país e certa importância e perspectivas futuras no setor logístico, teve apenas um quarto (1/4) de seu projeto inicial construído. Com capacidade de 2,5 milhões de toneladas, atualmente apenas 1.2 milhão de tonelada trafega pelo porto, ou seja, ociosidade de 52% da capacidade, aproximadamente 90%, se avaliarmos a capacidade inicial de projeto. Inevitável não se constatar que grande capacidade de desenvolvimento do Porto Intermodal não ;e utilizada por falta de planejamento e políticas públicas consistentes. Provavelmente o meio de transporte mais barato e aconselhado às grandes distâncias do Brasil, nitidamente é pouco e mal utilizado. O cultivo da cana-de-açúcar e a pequena área de plantio de café foram gradativamente substituídos por instalações com características industriais: estruturas de transbordo de carga, silos de armazenamento de grãos, galpões para montagem de equipamentos navais e escritórios administrativos. 60% da área tornou-se setor industrial, atacadista e de serviços. Transformouse, portanto, a área essencialmente agrícola em área com características urbanas, alterando-se o uso de solo, subdividindo propriedades e como consequência, a valorização da terra. “Com a expectativa desde 1987 da implantação do complexo na hidrovia Tietê-Paraná, elevaram-se tanto o valor do terreno rural quanto urbano. As unidades já instaladas adquiriram suas glebas com uma sobrevalorização do hectare da ordem de 30%, em relação aos preços anteriores praticados, ao passo que as empresas que mais recentemente adquiriram seus lotes arcaram com sobrevalorização de 50%. Também a locação de unidades residenciais e terrenos elevaramse 40%. A essa valorização pode corresponder uma maior especulação imobiliária, caso não sejam adotadas medidas de regulação pública adequadas e necessárias para contê-la.” (FARRENBERG, 1998)
[24] Porto Intermodal de Pederneiras
A relevante implantação do Porto Intermodal de Pederneiras, além dos benefícios, suscitam questões diretas à cidade e à região de ordens econômicas, políticas e sociais. A alteração do uso e ocupação do solo, a valorização da terra e especulação imobiliária, influenciam (para não dizer condicionam) a orientação da expansão do núcleo urbano - integração da área dos terminais ao perímetro urbano existente, através da interligação da malha viária e da ocupação do espaço intermediário por um nova área industrial e loteamentos residenciais -, bem como as profundas alterações sobre o espaço físico-territorial que se somam às interferências sobre a dinâmica socioeconômica do município, destacando-se a geração de empregos, influência na receita municipal, e pressão sobre equipamentos e serviços urbanos. E não menos importantes, os conflitos de uso da borda do reservatório, impactos ambientais decorrentes da implantação e operação do complexo de terminais multimodais e principalmente, a interface de todas essas possíveis mudanças com as expectativas da população.
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[25] Vista aérea do Centro, Praça e Igreja Matriz Ao fundo, a cerâmica Pederneiras Pederneiras, década de 50
“Este processo, tão usual, persistente e despercebido, expressa um curioso equilíbrio entre as grandes glebas, domínio de poucos senhores, e esses pequenos núcleos, domínio de outras gentes, uns “vizinhos” separados pelas grandes distâncias entre suas casas grandes, outros “moradores” conglomerados junto a algo comum. O que de comum? A terra, o chão que ocupam,o solo de um santo que merece um certo tipo de retorno para o sustento do “seu” culto e que já merecera para tal uma porção de terra, para o “seu” teto e para o dos que congregaria.” (MARX, 1991, 26)
O CENTRO E A CIDADE “[...] a paisagem urbana como que se desenha e redesenha continuamente a partir do chão; espelha primeiro a forma de ocupação do solo.” (MARX, 1991, 14)
Como pequena cidade que estruturou sua história e desenvolvimento entre a Igreja Matriz, o Rio, a Estação de Trem, e a rua do comércio, atualmente tal espaço não se configura como centro social. A cidade se espraiou, os bairros residenciais foram cada vez mais longe e, por falta de planejamento e vontade política, não raro carentes de comércios e serviços, bem como de infraestrutura e equipamentos públicos. Assim notamos que, apesar de possuir certo movimento, o centro não condensa a vida da população. Para se chegar a ele, os moradores dos bairros afastados dependem do transporte público - um tanto quanto ruins - ou de suas forças motoras - seja a pé ou de bicicleta. Quando chegam ao centro, concluem seus trabalhos e afazeres, todavia não habitam mais esse lugar. A desconfiguração da vida pública, coletiva; a falta de hábito, mas principalmente, ausência de oferta de lugares onde isso possa acontecer. Praças, parques, centros cívicos quadras, campos, piscinas e equipamentos públicos de modo geral não se encontram ou quando existem são precários e subutilizados. Esse talvez seja um grande problema das cidades brasileiras. O esquecimento do centro. Assim, a não apropriação também acarreta cada vez mais a alienação cultural e histórica da cidade. “Algo, entretanto, não mudará. O local da igreja matriz, ou da nova matriz, seria o mesmo - aquele ponto geograficamente destacado de quando se iniciou um ajuntamento de moradas; aquele terreno então generosamente amplo que, sempre que possível, exibia de todos os lados a capelinha original, que possibilitava o seu contorno quando das procissões; aquele setor da povoação privilegiado pela concentração de gente, de atividades e de negócios que a proximidade do tempo estimulava. A presença diante do edifício religioso, de um espaço aberto, de seu adro, palco de tantos e tão variados agrupamentos, objeto do carinho e do gasto maior da comunidade, conservado, ampliado e composto sempre com mais empenho e capricho, alcançará também outra dignidade e expressão.” (MARX, 1991, 27)
Como já discorremos, a cerâmica abandonada era parte do cotidiano. do centro da cidade.
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Ao ver um raro vídeo datado de 1951, pudemos perceber a vivacidade daquele centro. Desfiles, festas
e comemorações ao longo do ano. Certa qualidade e graça dos edifícios do entorno da igreja e imediações. Vivo. E também notamos que a cerâmica, que segundo relatos empregava 90% da população pederneirense, também era cotidianamente visitada, não apenas por seus trabalhadores, mas por crianças e pela população de maneira geral. Da Igreja Matriz, caminhando duas quadras chegava-se à prefeitura, mais duas à cerâmica, menos uma à rua de comércio, e assim sucessivamente. Tudo era próximo e coligado. Em 50 anos, notamos a perda do sentido desse centro. O jardim da praça, além de se tornar paisagisticamente mais bruto, pouco é utilizado. A cortina edilícia foi perdendo seu caráter eclético, simpático; modificada por novos edifícios bancários proto e pseudo modernos, e as casinhas transformadas em farmácias, lojas e a fins, revestidas de azulejos banais e não raro, amarelos, roxos, vermelhos, um tanto quanto exagerados, cansativos e controversos. Descaracterização devido à não regulação pública e jurídica. Nenhuma norma de conservação ou cura desse patrimônio - que mesmo de história recente - é, ou ao menos era, o existente. Foi notável o empobrecimento cultural da cidade. Paulatinamente o interessante cenário de cinemas - se considerarmos o tamanho da cidade - foi se fechando e as peças de teatro rareando. Mesmo nos esportes, o campo de futebol da cidade sobrevive vazio. O time de basquete Cruzeiro Cestobol, cuja qualidade me foi relatado, se extinguiu. Algumas obras foram descaracterizadas, outras demolidas ou estão em ruínas. O centro, recipiente das relações urbanas e citadinas minguou. Descrever e tratar de uma paisagem que não vemos arrisca parecer demasiadamente nostálgico, todavia através de fotos, vídeos, relatos e conversas e claro, um pouco de imaginação, pode-se enxergar possíveis qualidades daquele lugar. Segundo Ecléa Bosi, “A memória oral é um instrumento precioso se desejarmos construir a crônica do quotidiano”. A crônica da história - o tempo da história - o qual mesmo não vivido presencialmente pode ser apropriado. Memória coletiva construída - no presente caso de Pederneiras, desconstruída - ao longo do tempo. O valor da memória pessoal, familiar, de um grupo, de uma cidade.
Portanto, a discussão de cidade e de centro, ainda que este pareça terra batida e chão comum, se faz necessária nessa e em tantas outras cidades. “O ponto focal, se não central, o antigo e pequeno ajuntamento humano estará portanto confirmado e renovado em seu fulgor. [...] localidade que se casa com a paisagem, ou com ela se enlaça na expressão notável de Sergio Buarque de Hollanda, no capítulo IV: ‘O semeador e o ladrilhador’ de seu Raízes do Brasil.” (MARX, 1991, 28)
A hipótese a se levantar é a construção do sentido de centro, junto ao uso assíduo. Partindo do pressuposto que, ao longo do tempo, esse caráter foi deixado, esquecido, banalizado. E que sua reapropriação seja a proposta de uma cidade mais interessante. Lugar onde seus cidadãos conhecem e reconhecem onde moram, construam suas estórias e possuam qualidade no habitar.
[26] Centro da Cidade Azuil - Córrego Monjolo e Ribeirão Pderneiras Laranja - Ferrovia e Estação Ferroviária Vermelho - Rua 9 de Julho - Rua do Comércio Verde - Praça da Matriz Amarelo - Antiga Carâmica Pederneiras
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CAIPIRA DO BARRO, DA TERRA ROXA Designa um modo de ser, um tipo de vida e não característica racial. Quase restrito à área de influência histórica paulista. Independente de ser “caipira branco”, “caipira preto”, “caipira caboclo”, “caipira mulato”, o processo de acaipiração, acaipiramento, é bastante homogêneo, como indica Antônio Candido em sua obra Parceiros do rio Bonito. Segundo o autor e seus Parceiros do Rio Bonito: “[...] que a estrutura fundamental da sociabilidade caipira, consistindo no agrupamento de algumas ou muitas famílias, mais ou menos vinculadas pelo sentimento de localidade, pela convivência, pelas práticas de auxilio mútuo e pelas atividades lúdico-religiosas [...]”; “[...] todavia a satisfação das necessidades, sendo uma das molas da cultura, já se situa em pleno terreno institucional; as necessidades básicas não apenas dão lugar a reações culturais (‘cultural responses’), mas estas originam novos tipos de comportamento, que se tornam necessidades derivadas, indissoluvelmente ligadas àquelas.” (SOUZA, 1964, 10, 14) Analogamente, a casa de madeira tornou-se de tijolos; a rua de chão batido, de asfalto; o cavalo, no “caminhão/ carro de turma” e na motocicleta. Certa especialização da mão-de-obra da cidade fez com que alguns fossem trabalhar nas indústrias que apareceram a partir da década de 1970. E a questão do trabalho rural, devido à escassez e à possibilidade de se pagar baixos salários, culminou na contratação desses trabalhadores em outros estados. Daí a chegada de paranaenses, mineiros, baianos e tantos outros, para completar esse lençol de cultura caipira. Outros modos de vida, hábitos, histórias passadas, aderidos pelo Bairro - entenda-se relação entre pessoas em determinado lugar - talvez forma mais próxima do Bairro como “naçãozinha”, nas palavras de um senhor caipira, Parceiro do Rio Bonito, descrito por Antonio Candido.
Os boias-frias, como são chamados os lavradores da cana, saem de casa ainda sem a luz do dia. Sob sol forte ou chuva, após queimada, cortam os “quarteirões” de cana. A cor da terra impregna em suas densas roupas. Proteção a possíveis animais peçonhentos, e às próprias folhas da planta. Todavia de tão densas fazem suar. Mistura-se à fuligem e poeira do ar tingido, seco. Mesmo inseridos numa sistema de diferenciação de classe, empresários, comerciantes, fazendeiros, operários e os trabalhadores das lavouras, Boias-frias, enquadram-se no bojo da Cultura Caipira. Esses hábitos ditos caipiras não diferentemente, são encontrados em toda a cidade. Os trabalhadores da indústria também partilham da pelada de segunda-feira, do churrasco e futebol na televisão às quartas, da festa de sexta e sábado e novamente do futebol de domingo. “[...] O homem simples da casinha de pau a pique era um sujeito social contemporâneo, um presente popular que era também uma construção intelectual e político de Lina, do casal Bardi e da Habitat. Se o poço era arquiteto, capaz de construir obras corretas com poucos recursos, era um poço do presente, vivo nesse Brasil nos anos da redemocratização.” (RUBINO; GRINOVER, 2009, 34)
Se o homem simples e caipira talvez já não more mais no sítio e em casas de pau a pique, sua memória e jeito no fazer determinada coisa e de viver, ainda que transmutados, são compartilhados no tempo.
Nessa digressão, encontramos certo desenho, relacionando história, cultura e economia desse lugar com o basilar fato da agricultura da terra roxa. Simplificadamente, foi esse Barro que propiciou a atração e manutenção de tantos tipos e modos de vida nesse lugar. Em meados do século XIX, quando da formação da cidade, seu contato se dava através das lavouras de café, mais tarde, o desenvolvimento da cultura da cana-deaçúcar. Cultura que prevalece na região.
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A cerâmica Pederneiras, por um ângulo que naquele momento ainda não havia visto. Um entre rios, um espaço entre o Pederneiras e o Monjolo, diretamente ligado à Rua Nove de Julho, principal rua de comércio da cidade. Galpões de certa beleza e uma já densa natureza que se reapossou de suas terras de várzeas após o encerramento da produção da fábrica há 50 anos - “selvagem bosque” nas margens dos rios. O tio encantara-se. 56 anos de idade e jamais havia pisado à antiga cerâmica. Seguimos pelo rio. Atravessamos a SP261 (rodovia que liga Pederneiras à Lençóis Paulista) e, por estradas de chão, lá fomos ao encontro com o Tietê. Meandros, sítios, lagoas que levaram às largas águas do rio. O porto. As indústrias contíguas às águas. Apenas estes com o proveito, o total desfrute daquele espelho no olhar. Visita à Cerâmica, percurso ao longo do Ribeirão Pederneiras e ao Porto Intermodal com meu tio, meu padrinho Mário. Domingo 17/03/2013
APROFUNDAMENTOS
Percursos
Revisitei algumas vezes Pederneiras para reunião de dados, fotos e para conversar com pessoas da cidade. Empenho no entendimento das características e questões através do contato direto.
Desejava estudar e desenvolver um projeto na antiga Cerâmica Pederneiras. Distanciei-me. Propositalmente desfocado, meus estudos iniciaram-se pelas bordas, temas periféricos e, fisicamente, pelas bordas da cidade. Assim, foram desenvolvidos percursos primeiramente de dispersão temática e territorial, e mais tarde de aproximação. Da cerâmica central, à cidade, ao porto intermodal, ao canavial, aos elementos construtivos e novamente à cerâmica - todavia não mais no ponto em que havia iniciado, agora com maior profundidade. Portanto, desenhou-se como espiral em três dimensões, tanto temporal, como física e temática. Certo nível de abstração de um ponto central para, com o tempo, desenvolver um percurso centrífugode aterramento/ pouso, que levaram novamente ao centro da questão e da cidade - as antigas instalações da Cerâmica Pederneiras. Jeito de aproximação e entendimento da própria cidade, suas característica e questões. [28] Percurso Parque Ribeirão Pederneiras Centro - “Linha d`água - Tietê
[27] A retomada da vegetação à antiga várzea da olaria Cerâmica Pederneiras
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Conversas Nessas andanças à cidade, além de visitar o vazio da Cerâmica Pederneiras, como já exposto, visitei a cerâmica de um grande amigo. A Cerâmica Frascareli. Um sábado, próximo ao horário do almoço. A produção já havia cessado, mas o administrador e conhecido de longa data “Erba” acompanhou-me e pacientemente explicou o processo de produção dos materiais cerâmicos, contou estórias de sua olaria e de outras ao longo do tempo. Incerto do método e do que seria produtivo, vídeos foram gravados na tentativa de registrar o espaço produtivo da cerâmica, mas principalmente, as conversas. Naqueles momentos, mais importante do que captar as imagens era ouvir o que se dizia, procurar ouvir as estórias e entender a técnica da produção. Foi minha primeira visita numa fábrica de tijolos, confesso a dificuldade em entender alguns dos procedimentos expostos.
[29] Espelho d`água de chuva Cerâmica Pederneiras
Vi que, além de disposição para produzir, aqueles homens possuem grande afetividade com o material que fazem, talvez possuam um “coração de barro mole”, ou “coração mole de barro” . Pude perceber que continuam no ramo oleiro por ser seu ofício, o que sabem fazer. Ao menos Erba, se disse apaixonado por aquele cotidiano e, principalmente, pelo que os materiais, blocos e telhas são quando prontos. Sua materialidade, durabilidade, certo rigor e beleza para as futuras construções.
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Levantamento Físico e Material da Antiga Olaria A ausência de bases para o desenvolvimento do projeto conduziu a um trabalho interessante de aproximação à antiga fábrica. Foi preciso entrar na área e fazer o levantamento métrico do que restou do patrimônio construído do antigo complexo oleiro fechado em 1963. Feito de forma simples, digamos, um pouco “do jeito que deu”, do modo que foi possível. Não existindo desenho técnico, croquis foram feitos no local. Todas as imprecisões e falhas, decorrentes da ausência de ferramentas precisas e “pessoal capacitado” - nas duas visitas fui acompanhado; na primeira vez por um primo e n’outro dia por um amigo - bem como as próprias imperfeições de execução (vãos que eram apenas teoricamente os mesmos, certa modulação etc.), levaram a desenho aproximado, todavia, sem o qual, certamente não seria possível pensar o projeto em relação àquela massa construída, ao edificado e, portanto, prejudicaria sua reapropriação no futuro projeto. Após retorno a São Paulo, ao passar os desenhos a limpo, mais imprecisões e aproximações foram assumidas para que a base dimensional do projeto fosse construída. De qualquer modo, o espaço ali já se encontrava. Não perfeitamente conservado, intacto, ou dominado, mas com suas marcas e rugas do tempo, tanto do trabalho que era realizado quanto do abandono de 50 anos. Grande valor para entendimento e apreensão daquele lugar. Cada coluna, tesoura, viga de concreto, ajustes de terreno e chaminés representam algo. Remetem-nos ao que foi, ao que significavam e que atualmente incitam/ excitam, através da forma e materialidade o olhar projetual.`
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[30] Desenhos levantamento métrico das estruturas existentes Cerâmica Pederneiras
[31] Condição atual dos galpões Cerâmica Pederneiras
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TERRITÓRIO, MEMÓRIA E MATERIALIDADE “A memória se enraíza no concreto, no espaço, gesto, imagem e objeto. A história se liga às continuidades temporais, às evoluções e às relações entre as coisas.” (NORA, 1984)
das estruturas remanescentes da antiga Olaria. Relações de medidas, proporções, formas; portanto, técnicas de uso, imagem e apreensão físico-estrutural e psicológica.
Os sistemas construtivos e a tectônica dos lugares visitados suscitam, seduzem. Não apenas as peças cerâmicas, mas as próprias fábricas: o que se produz, como são feitas janelas, portas, pilares, vigas, telhas, tesouras, tijolos, ladrilhos, chaminés....
Relações de unidade, conjunto, sistemas, espaços e porque não sistemas de espaços. Como os percebemos. O que nos “falam”, se é que dizem algo. O que sentimos.
Nelas, objetos e materiais que via e documentava têm em si uma carga. Densidade material e também subjetiva. Dimensão material que reflete a cultura, o jeito de fazer, feitura e fatura dos componentes e sistemas construídos. Nesse sentido, cada elemento detém uma materialidade, formas que indicam e suscitam ideias, para Souto de Moura, a “tectônica” das coisas. Poderíamos discorrer sobre a “matéria” no sentido de disciplina, técnica, engenho e arte usada ao longo de milênios. Por outro lado, outra porta de entrada, e julgamos ser essa a que mais nos interessa, é seu sentido formal, material, sensorial, visual, tátil e porque não sonoro. O patrimônio material das peças vistas e analisadas, em seu sentido mais amplo. Materiais de construções sozinhos ou agrupados, soluções arquitetônicas e construtivas. Buscar o entendimento de como cada peça é produzida, formal e estruturalmente. O que a serventia e o uso refletem na forma de cada elemento. Sobre um simples “tijolo baiano” é possível nos perguntarmos o porquê dos furos? O que significa estruturalmente, formalmente e imageticamente? Como a luz passa ou não por seus furos? Qual a relação de luz e sombra das ranhuras, dobras estruturais? Ou mesmo, o que os processos de produção e maquinários empregados ofertam aos blocos cerâmicos? Essas foram algumas das perguntas que surgiram, logicamente sem chegarmos a grandes respostas, quanto menos, conclusões. Talvez seja apenas mais uma forma de se pensar um objeto, ou sistema deles. Como são os blocos da cerâmica Frascareli? Na Cerâmica Pederneiras? Quais suas semelhanças e diferenças? 54
Matéria nova, limpa, sem ter sido empregada em nenhuma construção civil. Noutra, alvenarias colhidas
Como desenham a luz e a sombra. Quais as porosidades e tonalidade. Cores, tanto naturais, vindas dos tipos de argila - a exemplo do “barro preto” que ao ser cozido transforma suas peças em cerâmicas brancas - bem como na mistura de óxidos e outros componentes na massa, quanto por pinturas e esmaltes, ou ainda a cor do envelhecimento, da umidade, o verde escuro dos musgos. Busca essa que pessoalmente vejo na poesia concreta de Arnaldo Antunes. A relação físico-material e psicológica dos objetos, das coisas. Que pensado para a arquitetura deparamo-nos com Kahn, Zumthor, Souto de Moura, entre outros. O discorrer das sensações vivenciadas dentro das aequiteturas.
As coisas [Arnaldo Antunes] As coisas têm Peso, massa, volume Tamanho, tempo Forma, cor Posição Textura, duração Densidade Cheiro Valor Consistência Profundidade, contorno Temperatura, função Aparência Preço, destino, idade Sentido
A aproximação ao material, à “matéria” do Barro, tornase mais forte quando somadas a questões arquitetônicas e urbanas. Como metalinguagem, ou metáfora. O lugar sobre o qual discorremos e projetamos é um vazio urbano ex-produtor de elementos cerâmicos. Uma olaria abandonada no centro da cidade. Muito próxima à Igreja Matriz. Notar que com aquele mesmo Barro se produziam os elementos construtivos com os quais se construíam a cidade, de maneira simples, nos permite imaginar que o encerramento das atividades da Olaria significou a não contribuição com a oferta de materiais construtivos e, consequentemente, com o desenvolvimento físicoterritorial e material da cidade. Perde-se a relação discorrida por Vittorio Gregotti: “A argila é a matéria empregada pelo oleiro para fazer tijolo,
este é, por sua vez, a matéria empregada pelo construtor da casa, e o conjunto das paredes constitui o tecido urbano a um nível diverso da operação e é matéria que se pode reconhecer no conjunto territorial. Deste ponto de vista, podemos considerar como matéria sistemas bastante complexos de agregação, com a condição de que sejam suficientemente estáveis para apresentar-se em formas reconhecíveis; por isso, como já dissemos anteriormente, poderemos pensar nas disciplinas (como formas de organização de certas matérias) enquanto materiais operáveis.” (GREGOTTI,
1975, 56) As coisas não têm paz As coisas
A Olaria se desativa. Deixa de produzir os tijolos com os quais se construíam a cidade. Portanto, o lugar onde se construía, hoje se desconstrói. Se esvazia.
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PARQUE RIBEIRÃO PEDERNEIRAS Elencando-se características e condições da cidade é possível traçar um rascunho, talvez ideal, de desenvolvimento sustentável, em seu sentido amplo. Do bom tipo do solo à produção agrícola, abundância e qualidade da água, elementos paisagísticos, de lazer e modal de transporte, às antigas jazidas de argila que originaram o grande número de olarias. O posicionamento geográfico que contribui ao planejamento estratégico regional e nó multimodal. A existência do Gasoduto Brasil-Bolívia, que junto à produção de Etanol complementa os recursos energéticos e viabiliza a instalação de novas indústrias no município, além daquelas ali já instaladas que crescem e necessitam de mais mão-de-obra. O desejo e a necessidade de absorção do futuro extinto boiafria em novas frentes de trabalho, amparados políticolegal e socialmente, com jornada de trabalho e salários regulares, garantias trabalhistas que propiciem o desenvolvimento pessoal e cultural - urbanidade. Compreender a intervenção arquitetônico-urbanística como sobreposição de espaços e tempos, como construção mental. Do ambiente Rural e Urbano, do Canavial, do Tijolo e do Barro e as atribuições físicoquímicas, geológica, geográfica, histórica, político e social. Elementos que contemporaneamente aglutinam e disseminam as dinâmicas na cidade. Entender e construir a cidade como expressão cultural, imaginaria; o que constitui o conjunto de valores. Relações afetivas, memória e tradição. Dimensão subjetiva e transdisciplinar.
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Construir lugares que nos fazem pensar a melhor a cidade; a expressão da ação humana e cultural num território. Estrutura fundamental para a sociabilidade, mais ou menos vinculada pelo sentimento de localidade, pela convivência; pelo “Bairro” de Antônio Candido. “O que é bairro? - perguntei certa vez a um velho caboclo, cuja resposta pronta exprime numa frase o que se vem expondo aqui: Bairro é uma naçãozinha. - Entenda-se: a porção de terra a que os moradores têm consciência de pertencer, formando uma certa unidade diferente das outras. [...] o sentimento de localidade existente nos seus moradores, e cuja formação depende não apenas da posição geográfica , mas também do intercâmbio entre as famílias e as pessoas, vestindo por assim dizer o esqueleto topográfico.” (CANDIDO, 1964)
Hipóteses diversas nos direcionaram ao imaginário de um Parque ao longo do ribeirão Pederneiras bem como ao projeto específico da “cabeça” desse sistema - A Praça da Olaria. Praça de equipamentos públicos e aproveitamento da paisagem. Alguns estudos e primeiros ensaios foram suficientes para não propormos o adensamento da cidade, desenhar ou redesenhar todas as áreas vazias do que chamamos de “Polígono urbano da Cidade” - entende-se a malha urbana entre as rodovias Bauru - Jaú; Pederneiras Lençóis Paulista e a Ferrovia. Talvez todas estas sejam propostas demasiadamente grandes por se tratar de uma cidade como Pederneiras. Para tal, prescindiríamos de uma cidade de no mínimo o dobro de habitantes. Portanto de 42 mil habitantes a uma de mais de 100 mil - uma medida descabida.
Talvez descrédito no “superdesenvolvimento” da cidade, ainda que esboce interessante quadro econômico baseado na agricultura da cana-de-açúcar e, principalmente, nas promessas/expectativas sobre o setor secundário, industrial, compreendido pelas grandes e médias empresas e fábricas.
A proposta torna-se mais delicada no percurso da água do Pederneiras até sua foz no Rio Tietê,. Atravessamos longos trechos de vazios urbanos ou cheios rurais, como queiramos definir. 5.000 metros até o encontro com o io Tietê, figurando-se como elo entre o urbano e o rural. Entre a Cerâmica e o Porto.
Sendo assim, a zona de intervenção consiste na porção “livre”, de aproximadamente 5 km lineares, acompanhada da água, que compreende o centro da cidade - do encontro do ribeirão Pederneiras com córrego Monjolo no vazio da antiga Cerâmica Pederneiras - seguindo o ribeirão ao encontro do Porto Intermodal no rio Tietê.
Assim, as distâncias municipais relativas são encurtadas. Permitimos a apropriação da grande orla fluvial do Tietê através dos 5 km, possivelmente percorriveis a pé ou bicicleta. Essa linha d’água poderia ser desfrutada por pequenas intervenções e leves barcos, numa visão mais romântica e europeia da situação. Ligação entre o centro e o porto; entre o urbano e o rural; através do canavial e sua oculta fisionomia. (MELLO NETO)
Essa área determina a escala da intervenção no território Pederneirense. O Parque Ribeirao Pederneiras O conjunto será configurado pela Paisagem existente ao longo do Pederneiras e dos canaviais, arrematado pelo do centro civil, esportivo e cultural na antiga cerâmica desativada, futuro lugar de encontro. Nesse percurso, que é físico, mas principlamente mental, e idealizado atravessamos o “Campo do Governo” (CAT do Governo estadual).w Fazenda de produção de mudas com qualidade ambiental e paisagística considerando pomares, hortas, árvores nativas e uma grande lagoa. Busca-se o ideal de ocupação territorial a partir dos recursos hídricos, bem como o acesso às infraestruturas e serviços no centro da cidade - constituindo-se mais apropriadamente nas características territoriais dos recursos naturais e da topografia.
À beira do rio Tietê reserva-se o porto, conectado à já existente rede de indústrias e intermodalidade de cargas. Fruição da frente d’água - o nado, a pesca, navegação -, o lazer e a utilização dos recursos naturais e antropogeográfico de poucas referências nas cidades brasileiras. Essa intervenção contribui para a gestão dos recursos naturais e hídricos do município. Preservar as nascentes e fozes dos olhos e cursos d’água. Estimar que as mesmas atravessem as lavouras, a cidade, novamente lavouras e consigam aportar ainda com qualidade no grande Tietê. Sabemos que ao longo do tempo o rio muda de rumo, muda seus meandros. Sedimenta em suas curvas, que são aterradas e dão origens a outras. Assim, a força da água molda o solo, o barro, a terra roxa na medida do tempo. Ao redesenhar o chão, configura-se como agente transformador do Território Canavial.
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A busca é por reconciliação e coexistência dos possíveis elementos estruturadores dessa cidade. A água, fator físico que propiciou a entrada pelos “sertões” paulistas. Do Barro, capaz de permitir a fixação das entradas/ bandeiras, devido à capacidade de cultivo de quaisquer produtos. O manejo do mesmo para a construção da capela, da praça, dos arredores da praça, fosse de taipa ou de tijolos. Ao desenvolvimento das olarias da cidade, à quantidade de trabalhos gerados direta e indiretamente com a agricultura, e mesmo os empregos no centro ou em zonas industriais, aquecidos e respaldados também por essas atividades. Território tão raro às camadas populares e tão caro - em seu sentido econômico. Constituidor das relações interpessoais e de grupo que [n]os originaram: os Caipiras do Interior de SP.
o que o barro quer [Paulo Leminski] o barro toma a forma que vocĂŞ quiser vocĂŞ nem sabe estar fazendo apenas o que o barro quer
PRAÇA DA OLARIA
Vista aérea Sudoeste da Praça da Olaria Entende-se a relação das praças e programas à topografia do vale, bem como a locação e níveis do conjunto da antiga Olaria.
Projeto A partir do ideário/imaginário do Parque Ribeirão Pederneiras pensamos o projeto pontual na antiga olaria.
Enseja a chegada e partida ao percurso físico-mental, ao longo do Pederneiras, que culmina no grande Rio Tietê - o Parque Ribeirão Pederneiras.
Estudos e ensaios sobre o lugar “descoberto”.
Ao mesmo tempo em que concentra usos e qualidade na Praça da Olaria, dispersa o ideal concomitante de preservação e ocupação, físico e imaginariamente ao longo da “linha d’água” - se considerarmos a pequena largura desses ribeirões.
A busca é pela apropriação do vazio que completa 50 anos - tempo decorrido desde o encerramento das atividades da cerâmica - entendendo as condicionantes territoriais: os rios e seu encontro, a considerável declividade, a vegetação que ali se espalhou após o fechamento e, principalmente, as reminiscências materiais edificadas - consideráveis galpões de tijolinhos - entendido pelo conjunto dos galpões fabris construídos em tijolo, concreto, coberto por elegantes tesouras em madeira, recobertas por telhas de Barro. Alem, é claro, das pontuais 11 chaminés. Elementos já marcados e marcantes no vale da minha memória e na apreensão da paisagem da cidade. O que poderia ser feito [n]àquela olaria abandonada no coração da cidade? Terreno em declive, encontro de rios, massa construída de galpões e chaminés, certo verde e o canavial que adentra o lugar através do horizonte. Investigou-se o trabalho no imaginário material do lugar, na imagem do barro, seja duro na forma de tijolos, muros, arrimos ou moles através de volumes de certo modo telúricos. Rampas, taludes e terraços ajardinados, que ora afloram e ora enterram-se. Livres para circulação e apreensão da paisagem de vale e de chaminés. Em tais operações o barro constrói e é escavado, visando se incorporar ao vale de chaminés. Fundir-se, todavia sem esconder-se. Cada programa se mostra de algum modo na atmosfera das chaminés.
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Junto, pode-se ressaltar o revigorado desenho das águas, dos dois rios: Córrego Monjolo e Ribeirão Pederneiras. Atualmente possuem seus trechos urbanos canalizados ou reticulados. Assim são ressignificados quando revisitados. No ideário do Parque Ribeirão Pederneiras, a água assume importante papel de conexão. Da água que “desce” e vem de toda a cidade, e que ao alagar oferece bulevares e plataformas para a fruição da água reacomodada e da paisagem de maneira geral. Configura espaços de estar na medida em que goza de posição central, no “coração” da cidade e elencado por nós, lugar de importante encontro urbano e históricopaisagístico.
A característica de fluido da água permite que ela assuma diversos recipientes, no caso específico, recipientes de barro - lugares de várzeas e barrancas de terra roxa -, e propicia que a cidade, a área rural -canavial e o porto intermodal (rio Tietê) estejam, por essas mesmas águas, desejadamente conectadas, possivelmente mais próximas que os reais 5 km que separam o Tietê e a cidade. A proposta frente à extensa área de delicado domínio - apesar de materialmente imaginada - é, de alguma forma representar o território nesse pequeno gesto no centro de Pederneiras - A Praça da Olaria. Ainda que contenhamos ferramentas e artifícios de desenho e representação infinitos, além de muitos sonhos, a escolha da escala da intervenção urbanísticoarquitetônica pontual, foi decidida também com anseio de domínio dos usos e suas formalizações, na medida da cidade e do homem.
O Córrego Monjolo e Ribeirão Pederneiras que correm a acanhados e nas “costas” da cidade, quando adentram a Praça assumem um redesenho que qualifica tanto as águas quanto às margens
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Galpão de sombra
2
Praça do comércio
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Piscinas
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Quadras descobertas
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Quadra Poliesportiva coberta
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Miradouro Tietê
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Salão Público
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Antiga Olaria
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Bicicletário | Apoio
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Biblioteca pública
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10 9 8
2 7
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4 3
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Programas A ideia de memorial do barro, do café e da cana; do tijolo, das olarias e dos trabalhadores - oleiro e boia-fria - é o próprio projeto. Os programas e seus arranjos no lugar assumem o corajoso papel memorialista, de contador de história se nos é permitido dizer - e deixam as próprias antigas construções como relato de si mesmas, de um tempo, de uma técnica, do uso dos materiais e do trabalho antes lavrado naquele vale do Monjolo e do Pederneiras. Assumiu-se o trabalho num misto de programas e espaços livres de interesse público indicados como relevantes a [re]construção do lugar. Bem poderiam ser tantos outros. Todavia acreditamos que o fomento às atividades culturais em uma cidade nunca é demasiado . O conjunto esportivo se existente será sempre utilizado. Acredita-se que equipamentos bem construídos e boa gestão política fazem desses usos profundamente úteis e profícuos aos cidadãos de maneira geral. Além, é claro dum ambiente rico do ponto de vista ambiental, desenhado por generosas praças e bosques. Portanto a distribuição do programa se divide em três partes: A Praça Cultural, a Praça Esportiva e a Praça do Comércio. PRAÇA CULTURAL Antiga Olaria Varandas nos antigos galpões. Propícias ao descanso, devido à grande área sombreada, bem como à oficinas, jogos infantis e quaisquer eventos de caráter públicos. Átrio da Cerâmica. Vazio de tripo pé direito que conecta a cota mais baixa ao bosque no último pavimento do mesmo, através de escadaria solta no vazio sobre espelho d'água, além de ser um dos acessos direto à biblioteca. Espaço multiuso a exposições, reuniões diversas, oficinas culturais e técnicas.
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Bosque + Praia + Espelho d`água Acesso à cota mais alta dos galpões, bem como suave talude ao espelho d'água da grande chaminé - A praia. Propicio ao banho de sol, pic-nics e aproveitamento de um bom dia de sol. O espelho d`'agua é desenhado por corte no terreno rente à circulação exterior da Praça. Ainda que existam outros bons espaços de água no nível dos ribeirões, sua função é dar ainda maior destaque e refletir a imagem da maior chaminé do conjunto. Grande terraço Provavelmente antiga área de descanso e secagem das cerâmicas produzidas. Verdadeiro cais ao longo do córrego Monjolo. Abraçado pela água, pela biblioteca e pelas antigas construções configura-se num espaço de infinitas possibilidades de certa escala. Imaginemos uma grande festa junina, fogueira, bandeirinhas, barracas de comidas e brincadeiras. Biblioteca pública. Necessidade basilar de toda e qualquer cidade; prevista pela secretaria de educação de Pederneiras e que atualmente não possui espaço considerável para seu funcionamento. Conectada às praças, às águas e diretamente aos galpões culturais - tanto no nível mais baixo 465, quanto na "rua cultural" - nível já existente que atravessa os galpões à cota 469,58 e tornou-se eixo estruturador e de circulação do projeto - configura-se como edifício que convida a entrada ao mesmo tempo que permite a simples passagem. Um convite ao uso. Bicicletário/Apoio Para além do programa que abriga, configura-se com importante desenho e promenade de um dos ingressos à praça. O volume dobra-se perante uma grande árvore existente ao mesmo tempo em que descortina a paisagem da antiga olaria e do proposto espelho d`água à maior chaminé do conjunto que suas paredes brancas de tijolinhos contribuem para a construção. Sobre esse programa encontra-se um terraço jardim, na
realidade uma plantação de cana-de-açúcar, do qual se poderá ter outras visadas do conjunto e principalmente acompanhar a bela florada branca da cana - já que são queimadas e cortadas para a produção sucroalcooleira antes desse período.
máximo do projeto - a cota 479 - que é justamente a cota mais alta da rua que passa ao norte da área. Também se configura como passagem de pedestre e ciclistas entre as porções da Praça à medida que o fluxo é contínuo e os desníveis resolvidos através de escadarias e rampas.
Salão Público Espaço multiuso capaz de abrigar eventos, congressos, festas e espetáculos artísticos, se configurado como auditório. O edifício se lança às cinco chaminés ao mesmo tempo em que propicia a circulação entre as cotas 465 e 469,58; delimitando a "rua cultural". Ora abraça, ora esquiva-se das chaminés; configurando interessante espaço dentro-fora - ao mesmo tempo em que se abre para o alargamento e encontro dos rios. Assim seu espaço interior quando aberto se torna contiguo ao cais, as possibilidades do ambiente se multiplicam e a água surge como adjetivo do espaço. Partilha a configuração do eixo norte-sul de toda a Praça. Do Salão à Quadra poliesportiva coberta.
PRAÇA ESPORTIVA Na porção ao sul, seccionado pelo rio, encontra-se o conjunto esportivo. Quadras Poliesportivas descobertas, locadas junto ao declive do terreno original. Edifício das Piscinas
MIRADOURO TIETÊ Acreditamos que a porção esportiva sendo a maior e mais distante das chaminés existentes seria de certa forma mencionada através do Miradouro de 30m de altura. Possui altura das chaminés de tamanho intermediário, encontradas na porção mais verde - A Praça do Comércio. Seu intuito é, para além da demarcação vertical do renovado lugar na paisagem urbana, junto das chaminés, explorar a capacidade de subir, entender toda a praça, como se subíssemos numa daquelas chaminés e, do ponto mais alto, mirar o grande Rio Tietê. Portanto, é também um elemento de união desse centro com o porto - da praça com o parque. Mais uma modo de conexão entre essas diversas escalas, além da ligação d`água. Se esse ponto da cidade está há aproximadamente 40 metros das margens do Tietê e o mirante possui 30 metros, ao subir em seu último patamar, se pode mirar o Tietê que possui em Pederneiras 100m de largura devido represa de Bariri. Em sua base encontra-se um café/restaurante, junto a pequeno remanso rebaixado à cota 468,50. Lugar de estar e de ingresso no Miradouro.
Volume aflorado do terreno original que abriga piscinas cobertas e descobertas, recreativas e treinos, além de espaço para academia e ginástica e suas áreas técnicos como administração, almoxarifado, copa/cozinha e vestiários. Quadra Poliesportiva Coberta Necessária aos jogos e treinos mesmo em dias de chuvas, além de abrigar eventos esportivos públicos como Jogos Regionais entre outros. Edifício que também aflora da cota 472 até o gabarito
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PRAÇA DO COMÉRCIO Chegada direta da rua principal de comércio, a Rua 9 de Julho, com a Praça. Retirados algumas construções que julgamos não característica e menos relevantes à antiga olaria; marcase um importante patamar de chegada e entendimento total do conjunto. Nessa porção encontra-se em meio a um bosque mais denso um antigo galpão de estar. Acreditamos no desenvolvimento de feiras livres e também reuniões diversas, bem como na acumulação de crianças menores, seus pais, além dos idosos; devido à possibilidade de implantação de parquinhos infantis e equipamentos para ginástica, bem como pela atmosfera mais tranquila que procuramos conferir-lhe. (...) "Viver lentamente, envelhecer suavemente, eis a lei temporal dos objetos da terra, da matéria terrestre. A imaginação terrestre vive esse tempo enterrado. Poderíamos segui-lo, esse tempo de lenta e notória intimidade, desde a massa fluida até a massa espessa, até a massa que, solidificada, guarda o seu passado. BACHELARD, 2001, 73) Em suma, projetar é sim desejo de habitar. Modo prático de fazer o que se sonha, a realidade física de transformar à terra e o espaço da antiga olaria abandonada. Projeto e desejo de mais estreitamente visualizar as imagens melhor materializadas de ocupação e reapropriação desses lugares. [...] A historia é feita, para além de nossa vontade, não pela "astúcia da Razão", mas pela "astúcia do desejo". Não creio que se possa falar de projeto sem falar de desejo. O projeto é o modo através do qual intentamos transformar em ato a satisfação de um desejo nosso. (GREGOTTI, 1975, 11) Portanto o novo lugar da antiga Cerâmica Pederneira é, de maneira simples, relatar diretamente a história ao homem, à memória e ao tempo da cidade num mesmo lugar, neste Território do Barro.
Vista aérea Sudoeste da Praça da Olaria Entende-se a relação das praças e programas à topografia do vale, bem como a locação e níveis do conjunto da antiga Olaria.
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Entrada princial da Praça do ComÊrcio
Encontro e alagamento dos Rios à cota 465 Salão Público e Galpões da olaria ao fundo
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Vista da cota mais alta da Praรงa 479.00
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o que o barro quer [Paulo Leminski] o barro toma a forma que vocĂŞ quiser vocĂŞ nem sabe estar fazendo apenas o que o barro quer
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Vista leste Praça Cultural e Praça do Comércio Ao fundo a Matriz e a cidade sobem o vale
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O Córrego Monjolo e Ribeirão Pederneiras que correm a acanhados e nas “costas” da cidade, quando adentram a Praça assumem um redesenho que qualifica tanto as águas quanto às margens
Praça do Comércio com antigo galpão fazendo área sombreada Bosque de frente com o Ribeirão Pederneiras
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Alagamento dos Rios, Galpões e grande eixo de circulação da Praça através do Salão Público e suas chaminés
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Entrada pela rua de pedestres entre o Bicicletário/Porta e o Salão Público
Passagem afunilada do Bicletário Configura-se também como Porta de entrada na cota mais alta de todo a Praça, a cota 479.00
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Vista Sudeste Conjunto Esportivo Quadra Poliesportiva Coberta e Miradouro TietĂŞ que enquadra a Igreja da Matriz
Ponte sobre o encontro do Córrego Monjolo com o Ribeirão Pederneiras Importante ligação entre a Praça Cultural e a Praça Esportiva Ao fundo o Ginásio de Esportes, as Piscinas e Quadras Descobertas no ajuste dos taudes.
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O Córrego Monjolo e Ribeirão Pederneiras que correm acanhados e nas “costas” da cidade, quando adentram a Praça assumem um redesenho que qualifica tanto as águas quanto às margens
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Cobertura ajardinada da Bibliteca Pública Conectada diretamente à “rua” de pedestres que passa dentro dos galpões, bem como aos grandes eixos de mobilidade da Praça.
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Átrio principal do conjunto da antiga olaria. Conexão através de escadametálica entre as cotas 465.00 e 472.84, na plataforma de chegada do bosque na porçao mais alta da Praça.
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Praça e Igreja da Matriz, seu entorno e ao fundo a Praça da Olaria Destaca-se a proximidade entre o Centro histórico e comercial de Pederneiras e o novo conjunto na antiga olaria
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O VENTO NO CANAVIAL [João Cabral de Melo Neto]
Não se vê no canavial nenhuma planta com nome; nenhuma planta maria, planta com nome de homem. É anônimo o canavial, sem feições, como a campina; é como um mar sem navios, papel em branco de escrita. É como um grande lençol sem dobras e sem bainha; penugem de moça ao sol, roupa lavada estendida. Contudo há no canavial oculta fisionomia: como em pulso de relógio há possível melodia, ou como de um avião, a paisagem se organiza, ou há finos desenhos nas pedras da praça vazia. Se venta no canavial estendido sob o sol seu tecido inanimado faz-se sensível lençol, se muda em bandeira viva, de cor verde sobre verde, com estrelas verdes que no verde nascem, se perdem. Não lembra o canavial então, as praças vazias: não tem, como têm as pedras, disciplina de milícias. É solta sua simetria: como a das ondas na areia ou as ondas da multidão lutando na praça cheia. Então, é da praça cheia que o canavial é a imagem: vêem-se as mesmas correntes que se fazem e desfazem, voragens que se desatam, redemoinhos iguais,
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estrelas iguais àquelas que o povo na praça faz.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS Entendemos o “Barro” num esforço de síntese em relação à cidade de Pederneiras. Quando decidido intervir na antiga olaria, foi necessário saber como era aquele lugar. Para isso, recorrentes incursões foram fundamentais para o entendimento e levantamento do que ali está. Junto disso, interessou-me a relação direta entre os materiais que constituíam galpões, casinhas e chaminés. Como já discorrido, a cidade de Pederneiras possuía certa importância na atividade oleira e, portanto , utilizei da persistência de algumas dessas fábricas para procurar entender melhor cada material - telhas, tijolos, entre outros através de visitas a uma cerâmica em funcionamento, a Cerâmica Frascareli. Uni a pouca experiência com os materiais de construção e com a própria construção ao longo dos anos do Curso de Arquitetura e Urbanismo ao acompanhamento da produção daquela olaria a fim de aproximar-me dos materiais e dos modos de transformação da argila em alvenarias. Assim, a cada visita, era muito bem recebido por quem ali estivesse; mais frequentemente pelo administrador Sérgio Erba. Sujeito surpreendente que a vida toda trabalhou naquela lugar e, portanto, domina os processos de produção e administrativos, bem como os pormenores e saberes sobre a beleza, durabilidade e engenhosidade dos materiais que produzem e o que, e como, com os quais, é possível se construir. Interessante observar e buscar compreender a espacialização da Cerâmica Frascareli e de modo geral; de como e porque as olarias são edificadas daquela maneira, com determinada distribuição espacial. A partir disso, a cada imersão era arrebatado não apenas pelas peças de barro, mas também pelos processos técnicos e manuais e, não menos importante, pelo trabalho empregado nessas fábricas. A fim de entender melhor o que via e sentia, a leitura de A Terra e os Devaneios da Vontade: Ensaios sobre a imaginação das forças, de Gastón Bachelard ajudou na busca pela percepção material em relação à matéria prima - O Barro; os materiais - telhas e tijolos, e suas construções - muros, casas, cidades, territórios e sociedades. Talvez numa tentativa de racionalização desses sonhos e sensações - que, cotidianamente, oleiros e pedreiros se apropriam com respeitável facilidade e fruição - cavei mais profundo quanto possível em busca de um processo cognitivo. Assumi alguns autores e arquitetos como Bachelard, Peter Zumthor, Vittorio Gregotti, Louis Kahn e Milton Santos como leituras e referências notáveis a esse processo. Através de analogias do meu modo de pensar e do que fazia sobre o estudo, e mais precisamente sobre o projeto que buscava, talvez pudemos mais fundo enraizar sonhos e desejos acerca da problematização e futura ocupação dos lugares escolhidos. Portanto, para entender uma antiga olaria era preciso entender quais os materiais que foram utilizados em sua construção, e logicamente quais materiais eram ali fabricados. A partir de qual matéria prima. Justificativa do interesse e pretensa imersão na temática de um “Território do Barro”. As massas moles, a água e o fogo que ora conferem maleabilidade, ora dureza. As peças depois de solidificadas, os tijolos empilhados, suas cores, luzes e sensações, o conjunto de paredes nos edifícios, seus fundamentais programas e suas atmosferas - o que e para quê. Isso num amalgama com a noção de pertencimento e usufruto do homem. Conclusivamente, ao longo dessa estrada, meu desejo sempre fora a intervenção através do projeto. O melhor entendimento possível do lugar baseado em propostas urbanístico-arquitetônicas e físicas. Para tal, julgamos indispensável essa concomitante ambientação às questões paisagísticas, históricas e humanas. Acreditávamos que dessa maneira, desse jeito de olhar e tentar entender, a atividade projetual seria mais forte e precisa. Espero de alguma maneira contribuir para a discussão sobre matéria e materialidade, memória, lugar e projeto - questões de forte presença para nós arquitetos, na tarefa de compreensão do nosso território e da nossa sociedade.
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REFERÊNCIAS ALBERTI, Leon Battista. De Re Aedificatoria. Madrid: Akal,1991. BACHELARD, Gaston. A Terra e os Devaneiros da Vontade: Ensaios sobre a imaginação das forças. São Paulo: Editora Martins Fontes,2001. BANDEIRA, Pedro; TAVARES, André. Eduardo Souto de Moura: Atlas de Parede, Imagens de Método. Porto: Dafne Editora, 2011. BOGÉA, Marta Vieira. TERRITÓRIO : TEMPO. São Paulo, 2009 BOGÉA, Marta Vieria. Esquecer para Preservar. BOSI, Ecléa. O Tempo Vivo da Memória: Ensaios de psicologia social. São Paulo: Ateliê Editorial,2003. DELIJAICOV, Alexandre Carlos Penha. Os Rios e o Desenho Urbano da Cidade: Proposta de Projeto para a Orla Fluvial da Grande São Paulo. Dissertação de Mestrado FAUUSP (Orientação: Arnaldo Antônio Martino). São Paulo, 1998. FARRENBERG, Maria Lucia Alonso. A Hidrovia Tietê-Paraná e a Dinâmica dos Municípios: Um Estudo de Caso(Pederneiras/SP). Dissertação de Mestrado FAUUSP(Orientador: Prof.Dr. Wilson Edson Jorge).São Paulo, 1998. FRANCO, Fernando de Melo; BOGÉA,Viera. Desvios. Jornal Arquitectos, v. JA225, p. 105-120, 2006. GREGOTTI, Vittorio. Território da Arquitetura. Tradução de BertaWaldman-Villá e Joan Villá. São Paulo: Editora Perspectiva,1975. GUERRA, Abílio; FIALHO, Roberto Novelli. O Arquiteto e a Cidade Contemporânea. São Paulo: Romano Guerra , 2009. HALD, Peder. Técnica De La Cerámica. Barcelona: Ediciones Omega S.A, 1952. JORGE, Luís Antônio. O ESPAÇO SECO: O imaginário da Arquitetura Moderna na América. Tese Doutorado FAUUSP. São Paulo, 1999. KAHN, Louis Isadore. Conversas com Estudantes. Barcelona/Portugal: Editorial Gustavo Gili GG S.A., 2002. MARX, Murillo. Cidade no Brasil: Terra de quem?. São Paulo: Nobel: Edusp, 1991. MENEZES, Ullpiano Bezerra de. A História Cativa da Memória? Para um mapeamento da memória no campo das Ciências Sociais. PEREIRA LEITE, Maria Angela Faggin. Em Favor da Paisagem. Ensaios n.21 -São Paulo p.65-72, 2006 POLIÃO, Marco Vitrúvio. Da Arquitetura. São Paulo: Hucitec; Annablume, 2° edição, 2002. RUBINO, Silvana; GRINOVER, Marina. Lina por escrito. textos escolhidos de Lina Bo Bardi. São Paulo: Cosac Naify, 2009. SANTOS, Milton. Pensando o Espaço do Homem. - 5. ed.,2.reimp. - São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009. SOUZA, Antonio Candido de Mello e. Os Parceiros do Rio Bonito: Estudo sobre o caipira paulista e transformação do seus meios de vida. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora S.A, 1964 ZUMTHOR, Peter. Pensar a Arquitectura. Barcelona. Editorial Gustavo Gili (GG), 2006. 1°Edição, 2° impressão, 2009. ZUMTHOR, Peter. Atmosferas: Entornos Arquitectonicos, as coisas que me rodeiam. Barcelona. Editorial Gustavo Gili (GG), 2006. 1°Edição, 2° impressão, 2009. 140
Estudo de Articulação Arquitetônica e Urbanística dos Estudos de Pré-viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental do Hidroanel Metropolitano de São Paulo. Grupo Metrópole Fluvial da FAUUSP coordenado por Alexandre Delijaicov, Maio 2012.
Arnaldo Antunes - As Coisas João Cabral de Melo Neto - O Vento no Canavial Paulo Leminski - O que o Barro quer IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ANTT - Agência Nacional de Transportes Terrestres Projeto Baú de Memórias - Pederneiras. http://www.pederneiras.sp.gov.br/bau/ http://www.pederneiras.sp.gov.br/
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