EDUARDO SÁ SILVA
A CONCESSÃO DE CRÉDITO NA LÓGICA DE UM PROJETO DE INVESTIMENTO
FICHA TÉCNICA Título A Concessão de Crédito na Lógica de um Projeto de Investimento Autor Eduardo Sá Silva Editor Vida Económica - Editorial, SA R. Gonçalo Cristóvão, 14 - 2º • 4000-263 Porto www.vidaeconomica.pt • http://livraria.vidaeconomica.pt Composição e montagem Vida Económica Impressão e acabamento Uniarte Gráfica, S.A. • 4300-414 Porto Depósito Legal 420111/17 ISBN 978-989-768-250-6 Executado em janeiro de 2017
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Índice Agradecimentos............................................................................................. 7 Nota de apresentação .................................................................................. 9 Introdução ................................................................................................... 11 As Árvores de Decisão na Tomada de Decisão .................................... 21 Um Caso de Aplicação das Árvores de Decisão às Operações de Crédito ........................................................................... 27 O Cálculo do Pricing das Operações de Crédito .................................. 39 Bibliografia .................................................................................................. 57 Anexo 1 – cálculo do Valor Atual Líquido ............................................ 59
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agradecimentos Agradeço ao colega Dr. Adalmiro a revisão do texto.
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Nota de apresentação Trata-se de uma obra que cruza conceitos provenientes da análise de projetos com conceitos provenientes da análise do risco de crédito. Regra geral, as obras existentes no mercado ou tratam de uma temática ou de outra. Nesta obra, equiparam-se os princípios que presidem à concessão de crédito aos que presidem à analise de um investimento. Recorre-se igualmente à utilização de árvores de decisão e aos parâmetros de risco constantes do Acordo de Basileia, a saber: exposição no momento do incumprimento (EAD), probabilidade de incumprimento (PD) e perda dado o incumprimento (LGD).
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Introdução A concessão de crédito a um cliente pode ser equiparada a um projeto de investimento quando se aplica um determinado montante monetário (fluxo de saída) na expectativa de obtenção de montantes monetários futuros (fluxos de entrada), que, descontados para o momento presente, superem o crédito concedido. O critério mais comummente aplicado é o VAL (Valor atual líquido ou, na língua inglesa, NPV – Net present value). O seu cálculo é processado a partir da projeção dos fluxos monetários futuros – ou meios libertos líquidos (cash-flow) – gerados pelo projeto ou investimento em análise. A expressão algébrica utilizada nesse cálculo reflete então o ganho líquido acumulado face ao valor investido (que geralmente se representa por I0 ), que resulta dos vários cash-flows gerados ao longo do tempo (T períodos), descontados para o presente (período 0). O desconto ou atualização desses cash-flows deve ser feito com base numa dada taxa de atualização (i), levando em consideração o custo médio ponderado dos capitais alocados ao investimento. O custo de capital para um investimento é um custo de oportunidade: é a taxa de retorno esperada que os investidores num projeto conseguem ganhar no mercado de capitais sobre outros investimentos de riscos similares. Assim:
T
VAL = - I0 + tΣ= 1 (Rt + De ) / (1 + i ) t
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Em que: - I0 − capital inicial despendido (fluxo monetário de saída). Pode comportar, eventualmente, saídas periódicas ao longo da vida útil do projeto; - Σ − somatório de t=1 a T períodos; - Rt − fluxos monetários de entrada correspondente às receitas; - De − fluxos monetários de saída correspondente às despesas; - i − taxa de atualização. A diferença entre as R (receitas) e D (despesas) corresponde ao cash-flow. Podemos resumir a criação de valor através do seguinte esquema: Risco do projeto
Previsão dos fluxos de caixa (free cash-flows - FCF)
Custo de oportunidade ajustada ao risco do projeto (i)
O VAL permite conhecer se o projeto de investimento gera valor ou não1. Deste modo, projetos com VAL positivo geram valor e, como tal, devem ser efetuados. Por seu turno, projetos com VAL negativo destroem valor, por isso, devem ser rejeitados.
1 - No anexo 1 – segue um exemplo do cálculo do Valor Atual Líquido.
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Introdução
Podemos resumir esta situação através da seguinte regra: Se os fluxos de caixa para os fornecedores de capital > custo de capital à aceitar o projeto Se os fluxos de caixa para os fornecedores de capital < custo de capital à rejeitar o projeto Sem entrarmos em consideração com a variação das NFM (necessidades de Fundo de Maneio2), os fluxos de caixa para os fornecedores de capital são dados pela seguinte expressão: Fluxos de Caixa para os fornecedores de capital (Cash Operating Income) = EBIT (1-t)3 + Depreciação e outros gastos que não representam saídas de dinheiro É igualmente importante calcular o rácio ajustado pela média dos capitais investidos (valores contabilísticos). Rácio Cash Operating Capital = Cash Operating Income / Média do Valor Contabilístico do Capital (Average Book value of Capital ) Um pequeno exemplo ilustra estes cálculos: Ano: 1 EBIT (1-t) = 609 Depreciação e outros gastos que não representem saídas de dinheiro: 608 Cash Operating Income: 1217 (609+608) Média do valor contabilístico investido: 8472,69 Rácio Cash Operating Capital: 14,36% = 1217 / 7472,69 2 - As Necessidades de Fundo de Maneio, em terminologia anglo-saxónica, designam-se por working capital. 3 - Sendo EBIT = resultado/retorno antes de impostos e juros (correspondente ao resultado operacional) e t = taxa de tributação.
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Este valor pode ser comparado com o custo de capital. Se, porventura, o custo de capital (proveniente das diversas fontes) for, por exemplo, de 10%, interessa avançar com o projeto. Em termos financeiros (fluxos monetários):
No entanto, podemos analisar só pela ótica dos fornecedores dos capitais próprios (acionistas). Nesta situação, o que interessa é o retorno/resultado obtido por estas entidades. Não considerando igualmente as variações das NFM, o fluxo para os acionistas é dado pela seguinte expressão: – Fluxo para os acionistas (cash equtiy income) = resultado líquido (net income) + Depreciação e outros gastos que não representam saídas de dinheiro. E calcular um rácio similar: – Fluxos para os acionistas = cash equity income / média dos valores contabilísticos dos capitais próprios.
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Introdução
Com a seguinte regra: – Se os fluxos para os acionistas > custo oportunidade para os acionistas -> aceitar o projeto – Se os fluxos para os acionistas < custo oportunidade para os acionistas -> rejeitar o projeto Deste modo, a concessão de crédito para proporcionar valor deve ser realizada desde que o retorno marginal que daí se espera seja igual ou maior a zero. O mesmo é dizer que, existindo capital suficiente − e à semelhança de outros projetos de investimentos −, todos os empréstimos deveriam ser concedidos, desde que os cash-flows esperados gerem um valor positivo do VAL ajustado ao risco. Assim, a concessão ou a recusa do crédito tem implícito um padrão de evolução dos resultados decorrentes de cada uma dessas decisões. Enquanto para a recusa do crédito o valor corresponde ao custo operacional da análise comercial, e, eventualmente, seguida da recusa subsequente por parte do órgão de análise de risco, corrigida do custo de oportunidade de deixar de conceder crédito a um bom pagador, situação em que o resultado negativo poderia ter algum significado, com a concessão do crédito o resultado esperado (VAL) dependerá do valor concedido, da probabilidade de cumprimento (1-PD)4 do cliente, do valor previsto da receita e dos encargos futuros associados ao crédito concedido, bem como do fator de desconto que atualiza os recebimentos futuros para o período atual.
4 - Probabilidade de incumprimento
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O CUSTO DAS DIVERSAS FONTES DE FINANCIAMENTO (FATOR DE DESCONTO) O capital a utilizar no financiamento de um investimento pode ter diversas origens: (i) lucros retidos, (ii) emissão de novas ações preferenciais ou outras formas similares e (iii) capitais alheios (de diversas origens e a custos distintos). Numa aceção em que só tenhamos capitais próprios (ações ordinárias) e capital alheio, o fator de desconto corresponde ao CMPC (custo médio ponderado do capital ou, na terminologia anglo-saxónica, WACC) e exprime-se pela seguinte relação: CMPC = (D/V) x Kd x (1-T) + (S/V)* Ks Em que: D = valor de mercado das dívidas da empresa; V = valor do mercado da empresa; Kd = custo de mercado do endividamento; T = taxa de tributação; S = valor de mercado dos capitais próprios; Ks = custo dos capitais próprios. Esta aceção pode ser mais alargada e o custo médio de capital será obtido pela média aritmética ponderada das diversas taxas: CMPC = w1 k1 + w2 k2 + ……… + w n k n sendo wi a proporção de cada fonte de financiamento para financiar o investimento em análise. Note-se que o somatório do wi terá de ser igual a 1. Podemos analisar alguns exemplos do cálculo destas taxas:
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Introdução
Kd – custo de mercado do endividamento – a taxa deve ser líquida do imposto. Se, por exemplo, a empresa contrair um empréstimo à taxa anual de 6% e se t = 25%, então o custo para a empresa será: Kd (1 – t) = 6% (1-25%) = 4,5% No caso de a empresa estar isenta de imposto, não há que abater o imposto e o custo do endividamento será de 6%. Ks – taxa que traduz o custo de capital associado à retenção de lucros. Esta taxa será definida em função da rendibilidade desejada pelos acionistas, uma vez que os lucros retidos são investidos na empresa. Esta taxa é igual àquela que se encontra associada a um negócio de risco nulo (Kf) mais uma parcela que traduza o risco da empresa (r)5, ou seja: Ks = Kf + r Para as ações que estejam estabilizadas, isto é, estejam em equilíbrio, a taxa de rendibilidade desejada (ks) é função da cotação do título e dos dividendos futuros6. Se, por exemplo, uma ação se encontra cotada a 4,85 5 - Risco não quer dizer, necessariamente, volatilidade. Por exemplo, nas empresas com sazonalidade, os rendimentos flutuam de trimestre para trimestre, como, por exemplo, nas empresas de gelados, em que no inverno o volume de negócios decresce, sem que necessariamente implique risco. No entanto, se o volume de negócios no verão decrescer (o que contraria a sazonalidade), já implica risco. Deste modo, podemos concluir que a volatilidade dos rendimentos não significa necessariamente risco – devem-se, numa primeira fase, analisar as causas dessa diferença. No entanto, a volatilidade dos preços das ações já significa risco. 6 - A principal vantagem desta abordagem dos crescimentos dos dividendos é a sua simplicidade. No entanto, existem diversas limitações, a saber (ver Ross, Stephen e outros Administração Financeira – 8ª Edição, Mc Graw Hill). Antes de mais, o modelo de crescimento de dividendos aplica-se somente às empresas que pagam dividendos. Isto significa que às empresas que não pagam dividendos não se pode aplicar. Para as empresas que pagam dividendos, é que os dividendos aumentem a uma taxa constante. Em situações em que a taxa de crescimento tenha comportamentos aleatórios, um aumento de um ponto percentual na taxa de crescimento aumenta, pelo menos, um ponto percentual no custo de capital. Finalmente, esta abordagem não considera explicitamente o risco. Numa análise simplista (não considerando outras variáveis que possam ter influência no preço), quanto maior o risco, mais baixa a cotação da ação. Deste modo, quanto mais baixa a cotação, maior será o custo do capital próprio. A abordagem LMT (linha mercado dos títulos) tenta ultrapassar esta deficiência. A abordagem LMT parte do pressuposto de que o custo de capital próprio depende de três fatores:
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euros, esperando-se que o próximo dividendo a distribuir seja de 0,24 euros e admitindo-se uma taxa de crescimento de 2,1%, o Ks virá a ser de: Ks = 0,24 / 4,85 + 2,1% = 7,05% – A taxa livre de risco Rf; – O prémio de risco de mercado, E(RM) – RF, sendo E(RM) a rentabilidade esperada do mercado, podendo eventualmente considerar só a rentabilidade efetiva e nesse caso será RM, a fim de ser compatível com o modelo de crescimento dos dividendos; – O risco sistemático do ativo em relação ao mercado, que se designa pela letra beta, β. Assim, o retorno (custo de capital dos fundos próprios) será dado pela seguinte expressão: Ks = Rf +β x (RM – Rf) O beta resulta do modelo de valorização de ações Capital Asset Pricing Model (CAPM), que decompõe o retorno esperado de uma ação em duas partes: a taxa de juro sem risco (normalmente da dívida pública) e uma recompensa pelo risco de mercado, cuja sensibilidade é medida pelo beta. Um beta de 1 significa que a ação reproduz na perfeição os movimentos do mercado. Betas superiores a 1 correspondem aos títulos que amplificam as variações do índice de mercado. O inverso passa-se com betas inferiores a 1. A utilização dos betas nas decisões de investimento pode ser útil. Nas fases em que os mercados estão em alta, pode ser vantajoso apostar em títulos com maior beta. Pelo contrário, em fase de queda, os investidores podem optar por betas mais baixos, ou seja, ações mais defensivas. No mercado português escasseiam estudos sobre o comportamento das empresas que evidenciem de forma clara os respetivos betas. De acordo com um artigo publicado no Expresso, em 29 de agosto, de 2009 os betas do BCP e BPI apresentam valores de 1,33 e o do BES de 0,92. Bancos de menor dimensão, como o Finibanco, apresentam betas de 0,55. No entanto, nos bancos mais pequenos o turnover médio por sessão (quantidade transacionada) é reduzida, o que implica menos liquidez, e a frequência de transação, que indica a percentagem de sessões em que a ação se transacionou, é inferior a 100%. Em mercados eficientes, a abordagem LMT tem vantagens, dado que se ajusta ao risco. Por outro lado, também se aplica às empresas que não têm crescimento constante de dividendos. No entanto, comporta sérias desvantagens na estimação do risco de mercado e do beta. Regra geral, são utilizadas séries históricas de dimensão considerável (várias décadas). A utilização de diferentes períodos e de diferentes ações conduz a estimativas diferentes. Por outro lado, dependemos do passado e das condições económicas, que podem variar muito rapidamente, sendo que, e, como sempre, o passado pode não ser um bom guia para o futuro. O ideal seria que os resultados obtidos através do modelo de crescimento e a LMT conduzissem ao mesmo resultado. Um exemplo elucida esta situação (Ross, Stephen e outros, Administração Financeira, pp. 484/485). A ação XL tem um beta de 1,2. O prémio do risco de mercado é de 8% e a taxa livre de risco é de 6%. O último dividendo pago foi de 2 euros e tem-se a expectativa que deve aumentar 8% indefinidamente. Neste momento, a ação tem a cotação de 30 euros. Modelo de crescimento dos resultados: Ks = 2 x (1+8%) / 30 + 8% = 15,2% LMT Ks = 6% + 1,2 x 8% = 15,6% Neste caso, as estimativas através das duas abordagens aproximam-se, pelo que é razoável fazer uma média das duas, ou seja, 15,4%. Quando não é possível utilizar estas abordagens, tem que se avançar com um valor consentâneo com o perfil de risco da instituição, conjugado com uma média do mercado.
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Introdução
No caso de existirem custos associados à emissão de novas ações ou transação, o Ks teria de ser corrigido. Assim, se assumirmos que o custo de emissão/transação fosse de 5% relativamente ao montante emitido ou transacionado, teríamos: Ks = 0,24 / 4,85 (1-5%) + 2,1% = 7,31% No caso de ações preferenciais (têm direito a um dividendo preferencial7), os cálculos para o apuramento do custo de capital seriam os seguintes, partindo dos seguintes dados: emissão de cada nova emissão ― 10 Euros; dividendo preferencial previsível ― 0,80; e despesas de emissão de 0,1 por ação: Kpref. = 0,8 / (10 -0,1) = 10,1% Consideremos o seguinte exemplo para melhor exemplificação: Estrutura de financiamento de uma empresa Valor (euros) % Empréstimos a longo prazo (kd)
300 000
30%
Ações preferenciais (Kpref)
100 000
10%
Ações ordinárias (ks)
600 000
60%
1 000 000
100%
Total
7 - Ações preferenciais são uma classe de ações que pagam uma taxa predefinida de dividendos acima do dividendo atribuído às ações ordinárias, e com preferência sobre estas relativamente ao pagamento de dividendos e à liquidação de ativos. O dividendo preferencial é normalmente cumulativo, o que significa que, se, por qualquer razão, não for pago, deverá ser adicionado ao dividendo do exercício seguinte. As ações preferenciais não conferem, habitualmente, o direito a voto. O não pagamento de dividendos durante um número de exercícios preestabelecido pode levar ao acionar de cláusulas que convertem as ações preferenciais em ações ordinárias, com todos os direitos destas, nomeadamente, o de voto.
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Os valores para as taxas de remuneração pretendidas são os anteriormente mencionados: CMPC = 30% x 6% X (1-25%) +10% x 10,1% + 60% x 7,31% = 6,746% Podemos eventualmente considerar o CMPC antes dos efeitos dos impostos = 6,746% / (1-25%) = 8,99%. Por exemplo, para as ações ordinárias, o custo seria de 7,31% / (1-25%) = 9,475%.
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