A Taxa Sobre Transações Financeiras na UE

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NUNO BARROSO

A TAXA SOBRE TRANSAÇÕES FINANCEIRAS NA UE TAXA ROBIN HOOD: UM BOM IMPOSTO Prefácio de Rogério M. Fernandes Ferreira


ÍNDICE Índice de quadros .............................................................................. 11 Lista de abreviatura e siglas ............................................................... 13 Prefácio .............................................................................................. 17 Resumo ............................................................................................. 25 Abstract ............................................................................................. 27 Capítulo 1 – Introdução .................................................................. 29 Capítulo 2 – O papel da Política Fiscal .......................................... 41 2.1 A Política Fiscal na UE (incidindo no TFUE) ........................ 43 2.2 As distorções fiscais no seio da União Europeia ..................... 51 2.3 A harmonização fiscal ............................................................. 56 2.3.1 A harmonização da tributação direta .............................. 58 2.3.2 A harmonização da tributação indireta .......................... 62 2.3.3 O Direito Fiscal Europeu ............................................... 66 2.3.4 A concorrência fiscal ....................................................... 68 2.3.5 Perspetivas Futuras ........................................................ 70 Capítulo 3 – O caso da TTF: Taxa sobre as Transações Financeiras .......................................... 75 3.1 História da TTF ...................................................................... 75 7


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3.2 As (boas) bases práticas de uma TTF ...................................... 77 3.3 As mais significativas propostas teóricas de criação de TTF .................................................................... 78 3.3.1 Combater a Economia de Casino, ............................... por John Maynard Keynes ............................................. 78 3.3.2 Reagir à Excessiva Mobilidade Internacional ............... do Capital, por James Tobin .......................................... 79 3.3.3 Reprimir a Especulação nos Mercados ......................... Financeiros, por Joseph Stiglitz ...................................... 81 3.4 TTF: uma questão ideológica .................................................. 82 3.5 Análise dos relatórios da Comissão Europeia .......................... 84 3.6 A primeira proposta para uma TTF europeia (2011) ............... 88 3.6.1 Fundamentos ................................................................... 88 3.6.2 Impacto e base jurídica .................................................... 90 3.6.3 A estrutura interna .......................................................

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3.7 A segunda proposta para uma TTF europeia (2012/2013) ....... 94 3.7.1 A não aplicação da primeira proposta (2011) .................. 94 3.7.2 O pedido de cooperação reforçada ................................... 95 3.7.3. Fundamentos .................................................................. 97 3.7.4 A estrutura interna ......................................................

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3.7.5 Exemplo de tributação de uma transação sujeita a uma TTF .................................................................. 102 3.7.6 O recurso do Reino Unido ........................................... 103 3.8 Argumentos a favor e contra ................................................. 103 3.8.1 Os argumentos a favor .................................................. 105 3.8.2 Os argumentos contra .................................................. 109

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Índice

3.8.3 Os nossos argumentos em defesa ................................. de White Collar Taxes: a TTF ...................................... 113 3.9 Algumas experiências similares à TTF já implementadas ....... 116 3.10 Portugal: das autorizações legislativas constantes dos OE entre 2013 e 2015 à omissão nas GOP 2016-2019 e no OE para 2016 ................................................................ 123 3.11. As decisões do ECOFIN (em 2015) ............................... 124 Capítulo 4 – Conclusões ................................................................ 127 Bibliografia ........................................................................................ 133 Legislação e jurisprudência ............................................................... 147

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ÍNDICE DE QUADROS Quadro 1: Dias de trabalho para pagamento de impostos na UE (2013) .............. 52 Quadro 2: Peso da carga fiscal na UE (2012) ........................................................ 53 Quadro 3: PIB per capita medido em função do poder de compra (2012) ............. 54 Quadro 4: Distribuição estimada das receitas da TTF pelos 11 EM .................... 97 Quadro 5: Quadro-resumo exemplificativo da tributação duma transação pela TTF .................................................................. 102 Quadro 6: Quadro-resumo do estado de TTF nas 20 maiores economias mundiais ............................................................ 116 Quadro 7: Quadro-resumo de TTF (ou similares) já implementadas ................ 118

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ADT – Acordo sobre dupla tributação BCE – Banco Central Europeu BP – Banco de Portugal BTT – Bank Transaction Tax CdR – Comité das Regiões CE – Comissão Europeia CECA – Comunidade Europeia do Carvão e do Aço CERS – Comité Europeu de Risco Sistémico CESE – Comité Económico e Social Europeu CIS – Código do Imposto de Selo CIVA – Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado CMVM – Comissão do Mercado de Valores Mobiliários CREST – Certificateless Registry for Electronic Share Transfer CSWD – Comission Staff Working Document CSWPIA – Comission Staff Working Paper Impact Assessment CTT – Currency Transaction Tax DL – Decreto-Lei DMIF – Diretiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros (2004/39/CE) 13


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EM – Estado(s) Membro(s) EURATOM – Comunidade Europeia da Energia Atómica FMI – Fundo Monetário Internacional FTT – Financial Transaction Tax GOP – Grandes Opções do Plano HFT – High Frequency Trading IAF – Imposto sobre Atividades Financeiras IEC – Impostos Especiais sobre o Consumo IMF – International Monetary Fund IOF – Imposto sobre as Operações Financeiras TTF – Taxa sobre as Transações Financeiras IVA – Imposto sobre o Valor Acrescentado JOUE – Jornal Oficial da União Europeia LSE – London Stock Exchange MF – Ministério das Finanças NASDAQ – National Association of Securities Dealers Automatic Quotation System NYSE – New York Stock Exchange OCDE – Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico OE – Orçamento de Estado ONU – Organização das Nações Unidas OTC – Over-the-counter PE – Parlamento Europeu SD – Stamp Duty STT – Securities Transaction Tax

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Abreviaturas

SWIFT – Society for Worlwide Interbank Financial Telecommunication TFUE – Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia TUE – Tratado da União Europeia UE – União Europeia WPTQ – Working Party on Tax Questions

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PREFÁCIO A Politica Fiscal da União Europeia e a Taxa sobre as Transacções Financeiras. Começo por agradecer ao Dr. Nuno Barroso o amável convite para prefaciar este seu livro, que me honrou e a que aderi com muito gosto. A discussão do tema, não sendo recente, é muito oportuna, mormente no momento, como acentua o Autor, em que, até ao final da legislatura do anterior Governo, nenhum projecto foi apresentado à Assembleia da Republica. * A crise europeia e portuguesa tem sido imputada a algumas patologias, precisamente no sector financeiro, nomeadamente deficiências regulatórias. Mas também a uma condição de subtributação (que se traduz, por exemplo, na isenção, em termos de IVA, das operações financeiras), a qual, na opinião de alguns, representa um estímulo para actuações impulsivas e sem preocupaçoes de estabilidade, cuja factura é paga a jusante pelo contribuinte comum, e não pelos players que lhe deram origem. Daí os Acordos de Basileia no esforço (e reforço) do controlo no plano da supervisão bancária, assim como várias diligências legislativas de regulação, no âmbito dos mercados financeiros, da constituição de Organismos de Investimento Colectivo (OIC), Organismos de Investimento Colectivo em Valores Mobiliários (OICVM), Fundos de Investimento Alternativo (FIA) ou Fundos de Investimento Mobiliários e Imobiliário. No plano fiscal, a discussão veio centrar-se, já não tão recentemente, na criação de um Imposto sobre as Transacções Financeiras.

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Este tributo, cuja base de incidência assentaria, como o nome indica, sobre as transacções operadas no sistema financeiro – envolvendo, nomeadamente, acções, obrigações e derivados -, é o resultado, num primeiro momento (como também nos lembra o Dr. Nuno Barroso), de uma sugestão de KEYNES, com base a ideia de que a economia real estava submetida a uma espécie de “economia de casino”, especulativa, praticada nos mercados financeiros, em que serão importante dificultar o acesso - em nome do interesse público e mediante uma tributação a incidir, preferencialmente, sobre os investimentos de curto prazo. JAMES TOBIN inspirou-se também nesta ideia, propondo a criação de um novo imposto, internacionalmente uniforme, sobre as operações financeiras, proporcional à dimensão da transacção e visando colocar areia nas engrenagens dos excessivamente eficientes mercados financeiros, pretendendo assim obter um efeito dissuasor sobre os investimentos especulativos (de curto prazo) e sobre a volatilidade dos mercados – a designada Taxa TOBIN. As propostas posteriores mantiveram a mesma ideia: a da tributação internacional uniforme das transacções financeiras, tendo em vista o combate ao short-termism e a movimentos especulativos, com garantia de iguais condições nos mercados mundiais no plano da concorrência. Mas o destino a dar ao montante arrecadado sofreu mudanças, consoante as propostas em causa (o Presidente Hollande chegou a referir que a receita obtida devia ser utilizada na luta contra as alterações climáticas). Contudo, o intuito que tem tido em conta é o de redistribuir riqueza e de forçar, de alguma forma, alguma expiação aos mercados financeiros, mediante uma contribuição extraordinária, destes para os cofres dos Estados, razão pela qual o Imposto sobre as Transacções Financeiras veio também a ser designado – de forma ilustrativa (como bom imposto que é ...), por Robin Hood Tax. A proposta da Comissão Europeia para este Imposto sobre as Transacções Financeiras, de Setembro de 2011, teve como principais características a base de incidência alargada, o princípio da territorialidade e o uso de taxas baixas. A Comissão começou, por querer sujeitar ao novo Imposto

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Prefácio

sobre as Transacções Financeiras todas as instituições financeiras com sede ou estabelecimento estável num Estado-Membro que fossem parte numa transacção financeira, nomeadamente, empresas de investimento, organismos de investimento colectivo em valores mobiliários, fundos de investimento alternativo (v.g. hedge funds), as sociedades gestoras e, ainda, sociedades veículo (special purpose vehicles). De fora da incidência pôs, por exemplo, as contrapartes centrais (CPC), uma vez que não são instituições financeiras, no sentido em que as operações por si realizadas não são classificadas como verdadeiro trading. No que toca ao tipo de instrumentos financeiros, a incidência seria quase tão abrangente quantos os tipos de instrumentos financeiros (definidos na Directiva MiFID), incluindo derivados. E, com o objectivo é da obtenção de receita, utilizando taxas reduzidas, a incidência tenderia a ser muito larga, até para não fomentar a preferência, com base em efeitos fiscais, de uns instrumentos em relação a outros. A incidência sobre as transacções financeiras não se limitaria, por seu turno, à negociação em mercados regulamentados, aplicando-se também, por exemplo, em negociação over-the-counter (OTC), mesmo, quando a transacção de instrumentos financeiros ocorre sob a forma de transferências entre sociedades do grupo. Por forma a evitar um impacto negativo na economia real, haveria uma exclusão no âmbito de incidência das operações de subscrição de acções e títulos de dívida realizadas nos mercados primários (ainda que com excepções), atenta a opção de não taxar as operações de aumento de capital, mediante a emissão de instrumentos financeiros, mas, antes, de onerar as transacções destes instrumentos nas negociações em mercado secundário. E excluídas ficariam, também, as transacções realizadas com os Bancos Centrais dos Estados-Membros, as transacções cambiais – excepto derivados (pois estes não são considerados operações cambiais, ainda que tenham como activo subjacente um instrumento cambial) – realizadas nos mercados a contado e, em geral, as operações que não tivessem como objecto instrumentos financeiros, como contratos de seguro, créditos hipotecários e créditos ao consumo ou às empresas.

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O âmbito de aplicação territorial do Imposto sobre as Transacções Financeiras foi também desenhado por forma a tapar o maior número de loopholes. A aplicação do imposto ocorreria no Estado-Membro onde esteja sedeado o actor financeiro, independentemente do local onde ocorre a transacção. E também foi proposto que as transacções que envolvessem instituições financeiras não-residentes num Estado-Membro, com instituições que o sejam, ou que envolvem subsidiárias que sejam residentes num Estado Membro, seriam tributadas na União Europeia no Estado-Membro em causa. E o valor tributável, por seu turno, variaria consoante o instrumento financeiro seja derivado ou não. Caso, por seu lado, o instrumento financeiro não fosse derivado, seria considerado como valor tributável o montante bruto recebido ou a receber da contraparte, adquirente ou terceiro, a título de contraprestação (ou o valor de mercado, se for superior) antes de existir qualquer compensação. Já nos instrumentos financeiros derivados seria tributável o seu valor nacional calculado no momento da transacção financeira. E, no caso de transacções financeiras realizadas intra grupo, tal valor tributável seria calculado de acordo com as regras de preços de transferência. As taxas do imposto seriam escolhidas livremente por cada Estado Membro. Não poderiam ser inferiores a 0,01% para instrumentos financeiros derivados e 0,1% para os restantes instrumentos financeiros (esta diferença, na taxa, justificava-se pelo método de cálculo do valor tributável). Na proposta, posterior, da Comissão Europeia, de Fevereiro de 2013, os objectivos e o âmbito de aplicação do Imposto sobre as Transacções Financeiras da proposta inicial foram mantidos. Além das alterações que tiveram por objectivo maior clareza e segurança, a proposta de 2013 manteve o seu anterior espaço, aplicando o imposto sobre as transacções financeiras onde, pelo menos, uma entidade fosse residente num Estado-Membro e mantendo a sua inaplicabilidade aos instrumentos financeiros mais utilizados no dia-a-dia da economia real e a exclusão do seu âmbito de incidência nas operações de aumento de capital, não alterando também, nem as taxas mínimas, nem a liberdade de os Estados-Membros as fixarem.

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Prefácio

As principais alterações centraram-se, assim, nos mecanismos de anti evasão e nas regras anti-abuso. Reforçou-se o âmbito de aplicação territorial do Imposto sobre as Transacções Financeiras, adicionando-se ao princípio da territorialidade (estabelecimento) o princípio da emissão e desincentivou-se a deslocalização, pois a negociação de instrumentos emitidos na jurisdição de um Estado-Membro participante passaria, agora, a ser tributável – como aplicação extraterritorial. E foi também prevista uma cláusula geral anti-abuso, contra o planeamento fiscal abusivo, bem como uma cláusula anti-abuso específica, ditando esta que qualquer modificação material (como a substituição de uma parte, a alteração do objecto ou do âmbito do instrumento, ou a alteração do seu âmbito temporal) num instrumento financeiro sujeito a Imposto sobre as Transacções Financeiras deveria ser considerada como uma nova transacção financeira do mesmo tipo da original – logo, também, sujeita a imposto. Têm sido esgrimidos vários argumentos, a favor deste imposto (que o Autor, aliás, bem sintetiza). E o principal argumento utilizado é o da capacidade de gerar receitas significativas. As estimativas da Comissão Europeia para um Imposto, amplo, sobre as Transacções Financeiras europeu, de 0,1%, colocaram a receita em valores superiores a 145 biliões de euros (entre os 145 e 372 biliões de euros)! Este argumento relaciona-se com um outro, e que reclama que o sector financeiro passe a contribuir de forma mais significativa para os custos decorrentes da recente crise europeia. Relacionado, ainda, com a receita decorrente do Imposto sobre as Transacções Financeiras, encontra-se o argumento – de política fiscal – em que, através do novo imposto, se pode compensar a actual isenção do sector financeiro em sede de IVA. Mas o argumento mais forte, a favor, prende-se, com o seu efeito moderador sobre o sector financeiro. Na verdade, os defensores deste novo imposto apontam que, aumentando os custos da transacção, se desincentiva a especulação de curto prazo e, mais ainda, as operações de high frequency trading. O argumento assenta, porém, nos seguintes pressupostos: o de que existe negociação e liquidez excessiva nos mercados, devido à especulação de curto prazo, o de que esta especulação é desestabilizadora, afastando o preço do valor fundamental subjacente ao 21


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activo transaccionado, que este comportamento especulativo prejudica a volatilidade de médio e longo prazos, que esse afastamento, entre o preço e o valor fundamental do activo negociado,além de beneficiar a especulação, prejudica a economia real e, por último, o de que o novo imposto sobre as transacções financeiras afecta tais transacções, especulativas, na proporção do encurtamento do seu prazo. Não há, contudo, ao que parece, estudos suficientes que apoiem todos os argumentos invocados. E sabe-se, também, que, quando a Suécia quis introduzir Imposto sobre as Transacções Financeiras houve quebra de negociação de acções à volta dos 50% (que foi de 85% quando se estendeu às obrigações!), em virtude de os investidores se deslocalizarem, fugindo do âmbito de incidência do imposto. Os principais argumentos contra a existência de um novo imposto, sobre as transacções financeiras, prendem-se, porém, sobretudo, com o facto de não se encontrarem dados fiáveis sobre o seu efeito moderador nos mercados, nem, mesmo, do potencial efeito de aumento da receita que lhe anda associada (é que o imposto torna as transacções mais onerosas). Assim, os seu detractores lembram-nos sempre que o seu efeito no acesso aos mercados vai provocar drástica diminuição do volume das transacções financeiras, diminuindo a liquidez dos mercados, sujeitando-os a perdas grandes. E invoca se, ainda, que o imposto acaba por não ser pago pelas entidades que visa onerar, uma vez que estas repercutem o pagamento do imposto nas suas relações com a economia real. Numa altura em que o acesso ao crédito passa por dificuldades, onerar o recurso a mecanismos alternativos de financiamento é solução que acaba, afinal, por prejudicar, principalmente, a economia real (que é o que a introdução do imposto sobre as transacções financeiras pretende, precisamente, salvaguardar). No que diz respeito ao argumento – a favor – invocado em torno da recuperação de estabilidade no sector financeiro, esta perspectiva, contrária, vai no sentido de salientar que inexiste correlação entre o novo imposto sobre as transacções financeiras e a redução do risco sistémico. E, ainda que a relação com o factor volatilidade seja incerta, há também

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Prefácio

quem manifeste a preocupação de a introdução deve imposto sobre as transacções financeiras em mercados mais maduros poder provocar efeitos diametralmente opostos. * Portugal foi um dos (onze) Estados-Membros signatários da proposta de 2013, estando incluído no âmbito da cooperação reforçada que lhe subjaz. As duas últimas leis do orçamento do Estado – para 2014 e para 2015 – incluiram mesmo autorizações legislativas para o Governo legislar neste domínio (e que, aliás, só caducariam no fim dos exercícios em causa). A discussão regressará para 2016 ? O programa da coligação Pàf foi omisso nesta matéria. E os partidos da ala esquerda não peticionaram o novo imposto da mesma maneira: o programa do PCP previu a criação de um imposto sobre todas as transacções financeiras, de 0,5%, e o Bloco de Esquerda referiu-se à criação de uma nova taxa sobre dividendos aos accionistas e sobre as transacções bolsistas. O programa do PS não chegou a propor o imposto sobre as transacções financeiras, mas referiu-o (como bem lembra também o Dr. Nuno Barroso) como “possível” e como importante “fonte de receita em termos europeus”. O certo é que, logo que apareceram as primeiras propostas europeias para a tributação das transacções financeiras, surgiram, simultaneamente, vozes que manifestaram sinais negativos. Afirmando que o aumento dos encargos fiscais neste sector afugentaria de Portugal os investidores e o investimento, implicando menos receitas para a economia e para os cofres do Estado. E essas vozes acusaram a Comissão Europeia de não mensurar o desinvestimento que este imposto provoca, a fuga de investidores para outras bolsas estrangeiras, e criticaram também as suas previsões, por optimistas no que toca à expectativa de receitas a cobrar. Pelo que a questão (que o Autor tão bem suscita e aborda) é a de saber se o título desta obra se justifica, ... se um imposto bom é, afinal, um bom imposto. Lisboa, 16 de Março de 2016 Rogério M. Fernandes Ferreira Advogado e docente universitário | (rff@rffadvogados.pt)

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RESUMO Um bom imposto: a Política Fiscal da União Europeia e a Taxa sobre Transações Financeiras (TTF) Por força da presença na União Europeia (UE), o desenvolvimento e a aplicação do Direito Fiscal nos Estados Membros é também resultado das opções da Política Fiscal Europeia, sendo que as suas legislações internas devem ser analisadas à luz dos Direitos Fundamentais, dos Tratados, dos Códigos de Conduta, das Diretivas Comunitárias e da própria jurisprudência do TJUE. Na UE e em defesa do mercado interno, a política fiscal deu primazia às soluções de harmonização, e não de integração plena. No contexto da crise económica e financeira que afetou a União Europeia nas primeiras duas décadas do séc. XXI, existe cada vez mais o consenso de que o setor financeiro deveria contribuir de modo mais equitativo para as contas nacionais. Este setor tem sido alvo de uma subtributação, em grande medida por efeito da isenção de IVA na maior parte dos serviços financeiros. A proposta de criação de um imposto comum sobre as transações financeiras possui como grande objetivo tornar a participação das entidades que operam nesse setor mais equitativa, para que estas contribuíssem para evitar uma fragmentação mais acentuada do mercado interno de transações financeiras, especialmente em cenários de crise profunda. Perante uma eventual aplicação generalizada, estaríamos perante um verdadeiro imposto/taxa de origem europeia, o que nos levará a questionar as limitações impostas pelos tratados europeus no que concerne à política fiscal, e ainda à própria organização e gestão de uma nova realidade. 25


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Palavras-chave: Política Fiscal, União Europeia, harmonização, integração, tributação, taxa sobre transações financeiras, taxa Tobin, taxa Robin Hood

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ABSTRACT A Good Tax: Tax policy in the European Union and the Financial Transactions Tax (FTT) By virtue of the presence in the European Union (EU), the development and application of tax law in the Member States is also a result of the options taken by the European Fiscal Policy, and their domestic legislation should be reviewed in the light of the Fundamental Rights, Treaties, Codes of Conduct, European Community Directives and the Case Law of the EUJC itself. In the EU and in defense of the internal market, fiscal policy gave priority to solutions of harmonization, and not a full integration. In the context of the economic and financial crisis affecting the European Union in the first two decades of the XXI century, there is a growing consensus that the financial setor should contribute more equitably to the national accounts. This setor has been the target of a subtaxation, largely as an effect of the VAT exemption in most financial services. The proposal to create a common tax on financial transactions has the major goal to make the participation of the entities operating in that setor more equitable, so that they contribute to prevent a greater fragmentation of the internal market for financial transactions, especially in moments of profound crisis. Facing the possible widespread application, that would make this solution a true tax of European origin, we must question the limitations imposed by the European treaties in regard to the fiscal policy, and also to the organization and management of that new reality. 27


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Keywords: Tax Policy, European Union, harmonization, integration, taxation, financial transaction tax, Tobin tax, Robin Hood tax

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CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO A Europa tem vivido, ao longo da sua história, períodos de paz alternados por períodos de conflito armado extensíveis a praticamente todo o seu território. Bastará analisar as constantes reconfigurações das fronteiras dos países europeus1 ao longo dos séculos para compreendermos que existirão sempre dúvidas e/ou desconfianças entre os povos europeus que se enraízam na sua história e, como tal, na sua identidade enquanto indivíduos e coletivos. Podendo afirmar-se que a Europa (especialmente, a sua parte ocidental) sempre se mostrou unida em volta da fé (o Cristianismo) ao mesmo tempo que desenvolvia e aprofundava (embora com muitos, e alguns longos, interregnos) a sua visão da democracia moderna, ao “pregar” a sua “fé” na liberdade individual e no respeito pelos direitos humanos, apenas a partir do século XX fomos confrontados com iniciativas que propunham políticas multilaterais e supranacionais que permitissem dirimir os conflitos entre nações antes que os mesmos se materializassem em guerras. A Sociedade das Nações (após a 1.ª Guerra Mundial), a ONU (após a 2.ª Guerra Mundial), o Conselho da Europa e as organizações precursoras da atual União Europeia (CECA e EURATOM) são, provavelmente, aquelas (com maior ou menor sucesso) que representaram de forma mais evidente a vontade e a necessidade de encontrar espaços de debate, de colaboração e de solidariedade. 1. As fronteiras na Europa entre 1140 e 2012, trabalho da empresa ‘Centennial Historial Atlas’, disponível em http://www.dailymotion.com/video/x153pu9_as-fronteiras-da-europa-desde-oano1140-ate2012_people.

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Construção de espaços de unidade: o confronto com a realidade Não temos dúvidas que entre os setores intelectuais e políticos existe uma evidente consciência de pertença europeia que se demonstra de forma ativa, e que se funda em valores éticos, em reconhecimento histórico, civilizacional, filosófico e político. Da mesma forma, os mesmos reconhecem caraterísticas de ordem racional, humanista e mesmo espiritual, que lhes permite defender uma unidade continental. E se os períodos pós-guerra eram facilitadores do alargamento dessa “vontade” a todas as classes, observamos que as “formações políticas de unidade no continente europeu” foram aquelas que permitiam incluir preocupações comerciais, financeiras e económicas. Mas, se todas estas linhas temáticas se vão unindo em torno de um eixo forte, unificador, e muitas vezes homogeneizador, certamente que deveria ser fácil a criação de uma identidade “supranacional” que acompanhasse a criação do cidadão europeu e o fortalecimento das instituições europeias. Contudo, a realidade desconstrói essa aparente facilidade. Fernandes (2011: 25) afirma “que não basta a participação no mesmo sistema económico e social. Este sistema não possui a força da união e é na união que se baseia a identidade”.

O lugar-comum: um gigante económico, um anão político Mais do que qualquer outra construção supranacional em todo o mundo, a União Europeia permitiu seis décadas de paz no continente europeu (com exceção feita aos conflitos decorrentes da desagregação dos países do Bloco de Leste, para lá da “cortina de ferro”), e essa foi certamente a maior conquista que se alcançou desde o Tratado de Roma.

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No contexto da crise econĂłmica e financeira que afetou a UniĂŁo Europeia nas primeiras duas dĂŠcadas do sĂŠc. XXI, existe cada vez mais o consenso em levar o setor financeiro a contribuir de modo mais equitativo para as contas nacionais e/ou europeias. Perante uma eventual aplicação generalizada, na UE, de uma taxa sobre as transaçþes financeiras, serĂ­amos finalmente confrontados com uma verdadeira taxa com origem nas instituiçþes europeias, o que nos deveria levar a questionar as limitaçþes impostas pelos tratados europeus no que concerne Ă polĂ­tica fiscal, e ainda Ă prĂłpria organização e gestĂŁo dessa nova realidade. As soluçþes similares Ă â€œTaxa Tobinâ€? ou “Taxa Robin Hoodâ€? tĂŞm sido apresentadas como sendo as que melhor agiriam contra o poder dos mercados financeiros especulativos, em defesa dos mais afetados pelas consequĂŞncias socioeconĂłmicas da desregulação desses mesmos mercados. A implementação de um sistema de tributação sobre a generalidade das operaçþes financeiras ĂŠ claramente um processo dependente da vontade polĂ­tica. Essa libertação ideolĂłgica depende de uma mudança de paradigma do conhecimento econĂłmico, ao procurar objetivos para alĂŠm da mera acumulação de capital, insistindo numa economia polĂ­tica ao serviço do desenvolvimento social, mais humanizada e dirigida Ă s pessoas e Ă s comunidades. A taxa sobre as transaçþes financeiras, por si sĂł, nĂŁo impedirĂĄ nem resolverĂĄ as crises financeiras ou o colapso da economia de paĂ­ses “imprudentementeâ€? governados. Mas a UniĂŁo Europeia deverĂĄ utilizar esta ferramenta como um mecanismo, entre outros, de desenvolvimento dos seus objetivos primordiais: solidariedade, coesĂŁo, equidade, humanidade.

NUNO BARROSO - Mestre em PolĂ­ticas ComunitĂĄrias e Cooperação Territorial pela Universidade do Minho (Portugal), em cotutela com a Universidade de Vigo (Espanha) - Graduado em Contabilidade e Administração pelo ISCA da Universidade de Aveiro (Portugal) - Inspetor TributĂĄrio na AT – Autoridade TributĂĄria e Aduaneira - Presidente da Direção da APIT – Associação Sindical dos Profissionais da Inspeção TributĂĄria e Aduaneira - Membro da AFP – Associação Fiscal Portuguesa e da IFA – International Fiscal Association

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9 789897 682223


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