Doutorada em Direito, na área das Ciências Jurídico-Empresariais, pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
GOVERNAÇÃO E REGIME ECONÓMICO DAS COOPERATIVAS
É autora do livro O seguro de responsabilidade civil dos administradores. Entre a exposição ao risco e a delimitação da cobertura, Almedina, Coimbra, 2010, que corresponde à sua tese de doutoramento.
Não basta fazer o diagnóstico. É necessário propor novos rumos e soluções alternativas. Para esta reflexão em torno da reforma da governação cooperativa e regime económico, as autoras convocam, por um lado, soluções colhidas em experiências legislativas estrangeiras e, por outro, disposições jurídico-societárias.
É coautora dos Estudos de direito das sociedades, 11ª ed., Almedina, Coimbra, 2013.
Tomando como referente a identidade cooperativa, as autoras formulam propostas que, em sua opinião, potenciam a melhoria do ambiente legal. Em matéria de governação cooperativa, são propostas soluções tendentes a ampliar a autonomia estatutária. Em sede de regime económico, as propostas apresentadas visam promover o empreendedorismo cooperativo e a sustentabilidade financeira das cooperativas.
Universidade de Coimbra.
É autora e coautora de comentários integrados em vários volumes do Código das Sociedades Comerciais em comentário, coordenado por J. M. Coutinho de Abreu, e publicado pela Almedina. É coautora do relatório «European Social Business Initiative: Member State Legal and Regulatory Profile – Portugal» (2013), preparado para a Comissão Europeia. É investigadora do Centro de Estudos Cooperativos e da Economia Social da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.
Muitas são as preocupações a serem geridas pelas cooperativas: não abdicar da identidade cooperativa, conseguir sustentabilidade, competir com agentes económicos de índole lucrativa numa economia aberta. A forma como se consegue o equilíbrio entre estes propósitos é, desde logo, um desafio lançado ao legislador no momento de repensar o regime da governação e o regime económico das cooperativas, num contexto de reforma legislativa. ISBN 978-989-768-033-5
www.vidaeconomica.pt ISBN: 978-989-768-033-5 Visite-nos em livraria.vidaeconomica.pt
9 789897 680335
GOVERNAÇÃO E REGIME ECONÓMICO DAS COOPERATIVAS
É autora de livros e de artigos publicados em revistas jurídicas nacionais e internacionais.
Está em curso a reforma do Código Cooperativo, que visa cumprir o imperativo de «desenvolvimento legislativo» constante do art. 13.º da Lei de Bases da Economia Social. Reformar o Código Cooperativo parece-nos necessário e oportuno. Enquanto ordens jurídicas que nos são culturalmente próximas têm acolhido uma liberalização controlada da governação e do regime económico, o regime jurídico-cooperativo português apresenta alguma rigidez nestas matérias.
Exerce atualmente as funções de Professora Auxiliar da Faculdade de Economia da
Deolinda Aparício Meira Maria Elisabete Ramos
Maria Elisabete Ramos
Deolinda Aparício Meira Maria Elisabete Ramos
GOVERNAÇÃO E REGIME ECONÓMICO DAS COOPERATIVAS Estado da arte e linhas de reforma
Deolinda Aparício Meira Doutorada em Direito Privado, pela Faculdade de Ciências Jurídicas e do Trabalho da Universidade de Vigo. Exerce atualmente as funções de Professora Adjunta do Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto e de investigadora do CECEJ (Centro de Estudos em Ciências Empresariais e Jurídicas). É autora de livros e de artigos publicados em revistas jurídicas nacionais e internacionais. É autora do livro O regime económico das cooperativas no Direito Português: o capital social, Editora Vida Económica, Porto, 2009, que corresponde à sua tese de doutoramento. É membro do CIRIEC Portugal, codiretora da Revista Cooperativismo e Economía Social e membro do Conselho científico da CIRIEC-España, revista jurídica de economía social y cooperativa. É coordenadora geral da obra coletiva Jurisprudência Cooperativa Comentada (obra coletiva de comentários a acórdãos de jurisprudência portuguesa, brasileira e espanhola), Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa, 2012, inserida nas comemorações do Ano Internacional das Cooperativas. É coautora do relatório «European Social Business Initiative: Member State Legal and Regulatory Profile – Portugal» (2013), preparado para a Comissão Europeia. É membro efetivo do SGECOL - Study Group on European Cooperative Law.
ÍNDICE PORQUÊ REFORMAR O CÓDIGO COOPERATIVO?.....9 CAPÍTULO I – A GOVERNAÇÃO COOPERATIVA........ 23 1. Governação cooperativa – o estado da arte.............................. 23 1.1 Uma regulação de fonte nacional e não harmonizada....... 23 1.2 Os órgãos da cooperativa – a assembleia geral................... 26 1.3 A direção – órgão de administração e de representação da cooperativa................................................................... 33 1.4 Delegação de poderes de representação e de administração... 36 1.5 Caraterização dos gerentes................................................. 37 1.6 A fiscalização da gestão da cooperativa.............................. 40 2. A responsabilidade civil pela administração da cooperativa..... 44 2.1 Generalidades..................................................................... 44 2.2 Critério de apreciação da culpa.......................................... 46 2.3 Da aplicação da ação ut singuli às cooperativas.................. 49 3. Um roteiro para a reforma da governação das cooperativas.... 52 3.1 Os desafios da reforma....................................................... 52 3.2 A qualidade de membro e o direito de voto...................... 54 5
Governação e Regime Económico das Cooperativas
3.3 Ampliação da autonomia estatutária.................................. 57 3.4 Composição dos órgãos de administração e de fiscalização.... 59 3.5 Eleição dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização................................................................. 61 3.6 Deveres de lealdade e de cuidado....................................... 62 3.7 Responsabilidade civil pela administração da cooperativa... 65 CAPÍTULO II – O REGIME ECONÓMICO........................ 69 1. Regime económico – o estado da arte...................................... 69 2. O regime económico no ordenamento português.................... 71 3. Os desafios ao regime económico das cooperativas no contexto de uma reforma da legislação cooperativa............ 75 3.1 Responsabilidade da cooperativa e dos cooperadores........ 75 3.1.1 A responsabilidade por perdas da cooperativa.......... 75 3.1.2 A responsabilidade por perdas imputáveis ao cooperador........................................................... 77 3.1.3 A posição do património da cooperativa perante os credores particulares do cooperador..................... 81 3.2 O regime jurídico do capital social.................................... 83 3.3 O capital social mínimo..................................................... 86 3.4 A variabilidade do capital social......................................... 89 3.5 O regime da redução do capital social nas cooperativas.... 92 3.6 O aumento do capital social nas cooperativas................... 95 3.6.1 O aumento do capital social por incorporação de reservas.................................................................... 95
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índice
3.6.2 O aumento do capital social por novas entradas em dinheiro ou bens................................................. 97 3.7 As contribuições dos cooperadores para o capital social. 100 3.7.1 Os títulos de capital................................................ 100 3.7.2 Entrada mínima a subscrever por cada cooperador.. 101 3.7.3 Realização do capital............................................... 103 3.7.4 Cumprimento efetivo da obrigação de entrada...... 104 3.7.5 Transmissão dos títulos de capital.......................... 107 3.7.6 Aquisição de títulos de capital pela cooperativa..... 110 3.7.7 Remuneração dos títulos de capital........................ 111 3.7.8 Reembolso dos títulos de capital............................ 114 3.7.9 Os novos desafios ao direito ao reembolso............. 115 3.8 Contribuições e outras formas de financiamento que não integram o capital social.................................... 120 3.8.1 A joia...................................................................... 120 3.8.2 Capital mutualístico............................................... 122 3.8.3 Títulos de investimento e obrigações..................... 124 3.9 As reservas cooperativas.................................................. 128 3.9.1 A reserva legal......................................................... 128 3.9.2 A reserva para a educação e formação cooperativas... 131 3.9.3 As reservas não obrigatórias................................... 133 3.9.4. A irrepartibilidade das reservas.............................. 135 3.10 Determinação e distribuição de resultados..................... 138 4. Um roteiro para a reforma do regime económico das cooperativas..................................................................... 140 7
Governação e Regime Económico das Cooperativas
4.1 A urgência de uma adequada sistematização das matérias relativas ao regime económico.................... 140 4.2 A necessidade de maior clarificação em matéria de responsabilidade.......................................................... 143 4.3 Clarificação do regime de aumento do capital social....... 143 4.4 Novos caminhos para o capital social mínimo................ 144 4.5 A necessária imposição de limites à variabilidade do capital social e ao direito ao reembolso...................... 144 4.6 As alterações que se impõem quanto às contribuições dos cooperadores para o capital social............................. 147 4.7 Maior clarificação no regime de transmissão dos títulos de capital......................................................................... 148 4.8 Explicitação das contribuições e outras formas de financiamento que não integram o capital social........ 149 4.9 Novas soluções normativas quanto às reservas cooperativas..................................................................... 150 4.10 Vetores de mudança quanto à distribuição de resultados... 151 CONCLUSÃO......................................................................... 153 BIBLIOGRAFIA...................................................................... 155
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PORQUÊ REFORMAR O CÓDIGO COOPERATIVO? A experiência portuguesa vive um contraste entre, por um lado, o significativo relevo económico e social das cooperativas e, por outro, a escassa atenção que os estudos jurídicos dedicam a este importante agente económico e social1. A Conta Satélite da Economía Social revela que, em 2010, as cooperativas constituíam o segundo grupo de entidades da Economía Social com maior peso relativo, em termos do número de unidades, Valor Acrescentado Bruto (VAB) e remunerações2. Em consequência, as decisões tomadas pelos órgãos das cooperativas têm impacto no tecido económico e são suscetíveis de afetar diversos interessados: cooperadores, trabalhadores, fornecedores, financiadores, Estado e terceiros em geral (quando a cooperativa realiza operações com terceiros3), etc..
1. V. Rui Namorado, Horizonte Cooperativo. Política e Projeto, Almedina, Coimbra, 2001, passim. 2. V. http://www.cases.pt/atividades/contasatelitees (visitado em 23 de junho de 2014). Steen Thomsen, «Comparative corporate governance of non-profit organizations», ECFR, 1, 2014, p. 16, também refere o relevo económico do «nonprofit setor», recordando que o recuo do Estado-Providência e a importância da responsabilidade social no exercício da atividade económica são fatores que determinarão o crescente interesse deste setor. 3. V. art. 2.º, n.º 2, do CCoop.
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Governação e Regime Económico das Cooperativas
Enquanto as matérias da governação e da pertinente estrutura financeira das sociedades (em particular, das sociedades anónimas) têm merecido profunda reflexão, seja de instâncias internacionais, seja de reguladores económicos, seja de académicos e de estudiosos, a administração, a fiscalização e o regime económico das cooperativas não têm suscitado igual atenção4. Dir-se-á que as cooperativas não estão envolvidas nos mediáticos escândalos financeiros que têm atingido grandes sociedades anónimas multinacionais5 (e têm sido um dos grandes impulsionadores do debate em torno do corporate governance)6 e que, por isso, tem sido menos premente a necessidade de reformar as estruturas organizatórias cooperativas. Esta discrição ou até apagamento mediático das cooperativas (e do setor não lucrativo em geral) pode dever-se tanto à falta de divulgação de informação como a um efetivo bom funcionamento7. Neste contexto, a primeira pergunta é a que interroga se haverá necessidade de reformar o Código Cooperativo (CCoop) e, em particular, os regimes relativos aos órgãos das cooperativas e ao regime económico. Em nossa opinião, a resposta a esta questão fundamental
4. Destacando que o setor cooperativo é uma realidade pouco estudada do ponto de vista doutrinal, não obstante ter uma grande tradição em Portugal, v. Deolinda Aparício Meira, O regime económico das cooperativas no Direito Português: o capital social, Editora Vida Económica, Porto, 2009, pp. 26-28. Este diagnóstico também é adequado para a experiência internacional. Neste sentido, v. Chris Cornforth, «The governance of cooperatives and mutual associations: a paradox perspetive», Annals of Public and Cooperative Economics, 75, 1, 2004, p. 12; Klaus Hopt, The board of nonprofit organizations: some corporate governance thoughts from Europe, ECGI, Law Working Paper n.º 125/2009, April 2009, p. 1; Steen Thomsen, «Comparative corporate governance of non-profit organizations», cit., p. 15, ss.. 5. V. por todos J. M. Coutinho de Abreu, Governação das sociedades comerciais, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2010, pp. 10-11. 6. Neste sentido, v. Steen Thomsen, «Comparative corporate governance of non-profit organizations», cit., p. 19. 7. Steen Thomsen, «Comparative corporate governance of non-profit organizations», cit., p. 19.
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porquê reformar o código cooperativo?
há de ser positiva, não porque tenha existido um clamor de mudança provocado por más práticas causadoras de escândalos financeiros (como tem acontecido amiúde nas sociedades anónimas cotadas), mas sim por razões e pressões de outra índole. Olhando o panorama internacional, observamos um renovado interesse de académicos de várias áreas e formações em torno das cooperativas, a dinamização de grupos de estudiosos dedicados exclusivamente a refletir sobre o ajustado quadro legal8, a publicação de estudos de direito comparado que reúnem um acervo relevante e precioso de informação para reflexões futuras9 e, não menos importante, os processos de reformas legislativas que ordens jurídicas que nos são próximas têm empreendido. As iniciativas internacionais devem, sem margem para dúvidas, merecer a nossa atenção e reflexão. Entre outras razões que poderíamos aduzir, destacamos a chamada «concorrência de regulações». No mercado interno – «um espaço sem fronteiras internas, no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada» (art. 26.º, n.º 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia – TFUE) – as cooperativas beneficiam
8. Merece particular relevo o Study Group on European Cooperative Law (SGECOL) que está empenhado em elaborar os Principles of European Cooperative Law (PECOL). Este grupo integra estudiosos de direito das cooperativas, entre os quais a Doutora Deolinda Aparício Meira. Para mais informação sobre esta iniciativa, v. http://www.euricse.eu/ en/node/1960 (visitado em 23 de junho de 2014). V., igualmente, Isabel-Gemma Fajardo García / Antonio Fici / Hagen Henrÿ / David Hiez / Hans-H. Münkner / Ian Snaith, El nuevo grupo de estúdio em Derecho cooperativo europeo y el Proyeto «Los Principios del Dererecho Cooperativo Europeo», CIRIEC-España, revista jurídica de economía social y cooperativa, n.º 24, pp. 331-350. 9. V., a título de exemplo, Klaus J. Hopt / Thomas Von Hippel, Comparative corporate governance of non-profit organizations, Cambridge University Press, Cambridge, 2010; e Dante Cragogna / Antonio Fici / Hagen Henrÿ (editors), International Handbook of Cooperative Law, Springer, Hamburg / Heidelberg / New York / Dordrecht / London, 2013.
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Governação e Regime Económico das Cooperativas
de liberdade de estabelecimento (arts. 49.º e 54.º do TFUE). Neste contexto, cada Estado-membro concorre com os restantes pela criação de cooperativas e, para isso, tem de oferecer um ambiente legal propício e atrativo10. Recordamos que, em 2011, a Comissão Europeia lançou a «Social Business Initiative», elegendo a melhoria do ambiente legal como uma das áreas principais de intervenção. Na mesma linha, na Declaração de Estrasburgo de janeiro de 2014 – «As empresas sociais. Agentes de inovação, de um crescimento inclusivo e de emprego» – foi destacada a necessidade de os Estados-membros criarem regimes jurídicos que potenciem o apoio à criação e desenvolvimento das empresas sociais e o acesso destas ao financiamento, sendo que, no âmbito das empresas sociais, as cooperativas se afirmam como o seu braço mais robusto. As pressões resultantes da integração neste «espaço sem fronteiras internas» têm de ser compatibilizadas com os princípios cooperativos que, entre nós, alcançaram consagração constitucional (art. 82.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP))11, a implicar a dissolução da cooperativa que não os observa nem os respeita (art. 77.º, n.º 1, al. h), do CCoop)12.
10. Sobre a concorrência de regulações e as cooperativas, v. Matthias Lehmann, «Cooperatives as governance mechanisms», ECFR, 2014, p. 46. Sobre a liberdade de estabelecimento, v. Miguel Gorjão-Henriques, Direito da União. História, direito, cidadania, mercado interno e concorrência, 6.ª ed., Almedina, Coimbra, 2010, p. 608, ss.. 11. V. Deolinda Meira, «O quadro jurídico-constitucional do cooperativismo em Portugal», Cooperativismo e Economía Social, n.º 33 (2010/2011), Universidade de Vigo, p. 31, ss.. 12. O CCoop, na decorrência do texto constitucional, dá aos Princípios Cooperativos a qualidade de norma, a que a prática cooperativa terá que se subordinar. Dá-se, deste modo, uma espécie de receção constitucional a estes Princípios, os quais adquirem valor jurídico-constitucional, com o preciso sentido e alcance que possuem na doutrina cooperativa. Francisco Vicent Chuliá, «El futuro de la legislación cooperativa», Cooperativismo e Economía Social, n.º 24 (2001-2002), Universidade de Vigo, p. 30, entende que os Princípios Cooperativos são normas obrigatórias. Em sentido diverso, defendendo a natureza soft law dos princípios cooperativos, v. David Hiez, Coopératives. Création, Organisation, Fonctionnement, Éditions Delmas, Daloz, 2013, pp. 46-49.
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porquê reformar o código cooperativo?
Na legislação ordinária, o art. 13.º da Lei n.º 30/2013, de 8 de março (Lei de Bases de Economía Social (LBES))13, impõe o «desenvolvimento legislativo» que concretize, também para as cooperativas, a reforma à luz dos princípios orientadores consagrados no art. 5.º. Muitos deles têm relevo direto em matéria de governação e regime económico: o primado da pessoa e dos objetivos sociais; o controlo democrático dos respetivos órgãos pelos seus membros; a conciliação entre o interesse dos membros, utilizadores ou beneficiários e o interesse geral; o respeito pelo valor da transparência, a gestão autónoma e independente das autoridades públicas e de quaisquer outras entidades exteriores à economia social; a afetação dos excedentes à prossecução dos fins das entidades da economia social de acordo com o interesse geral, sem prejuízo do respeito pela especificidade da distribuição dos excedentes, própria da natureza e do substrato de cada entidade da economia social, constitucionalmente consagrada (art. 5.º da LBES)14. Em respeito e homenagem aos princípios cooperativos e aos princípios orientadores da economia social serão moldadas as especificidades da governação e do regime económico das cooperativas que preservarão a identidade cooperativa. Esta é definida pela Aliança Cooperativa Internacional (ACI) e assenta num conjunto de princípios (os Princípios Cooperativos), num conjunto de valores (os Valores Cooperativos) que enformam aqueles princípios e numa Noção de Cooperativa15.
13. Sobre o processo de elaboração da LBES, v. Deolinda Aparício Meira, «A Lei de Bases da Economía Social Portuguesa: do projeto ao texto final», CIRIEC-Espãna. Revista Jurídica de Economía Social y Cooperativa, n.º 24, 2013, pp. 21-52. 14. Para uma análise desenvolvida destes princípios orientadores, v. Deolinda Aparício Meira, «A Lei de Bases da Economía Social Portuguesa: do projeto ao texto final», cit., pp. 35-41. 15. Sobre o conceito de «identidade cooperativa», v. Rui Namorado, «A Identidade Cooperativa na Ordem Jurídica Portuguesa», Oficina do Centro de Estudos Sociais, n.º 157, março de 2001, Faculdade de Economía da Universidade de Coimbra; e Antonio Fici, «Cooperative Identity and the Law», European Business Law Review, n.º 24, 2013, pp. 37-64.
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Governação e Regime Económico das Cooperativas
Não abdicando da identidade cooperativa, parece-nos que podemos retirar contributos importantes do debate e reflexão em torno das sociedades e, em particular, das sociedades anónimas16/17. Como sublinha Klaus Hopt, «transplanting is always a problematic venture»18, e é-o especialmente se se pretendesse «transplantar» para as cooperativas a disciplina das plutocráticas sociedades anónimas que estão sujeitas aos mercados financeiros e por isso sujeitas a vigorosos requisitos de transparência, às ameaças de «take overs», etc.. Em Portugal, é centenária a aplicação do regime das sociedades anónimas às cooperativas. Já o prescrevia o art. 10.º da Lei Basilar do Cooperativismo (Lei de 2 de julho de 1867)19; ditou-a o Código Comercial de 1888; foi mantida com os Códigos Cooperativos de 1980 e de 1996 quando elegeram o direito das sociedades anónimas
16. Carlos Vargas Vasserot, «La estructura orgânica de la sociedad cooperativa y el reto de la modernidad corporativa», CIRIEC-Espãna. Revista Jurídica de Economía Social y Cooperativa, n.º 20, 2009, p. 3, assinala o paralelismo que, no regime espanhol, existe entre as cooperativas e as sociedades anónimas. Sobre esta questão, v. ainda Deolinda Aparício Meira, «Revisitando o problema da distinção entre excedente cooperativo e lucro societário», in: II Congresso Direito das Sociedades em Revista, Almedina, 2012, pp. 355-376. 17. Para um confronto entre a governação cooperativa e a governação societária, v. Deolinda Aparício Meira, «A governação cooperativa – Encontros e desencontros com a governação societária», III Congresso Direito das Sociedades em revista, Almedina, Coimbra, 2014, p. 301, ss.. 18. Klaus Hopt, The board of nonprofit organizations, cit., p. 7. A expressão «Legal transplant» foi cunhada por Alan Watson, Legal transplants. An approach in comparative law, 1st edition (1974) 2nd edition (1993), p. 21, ss.. Para uma apreciação crítica, v. Holger Fleischer, «Legal transplants in European Company Law – The case of fiduciary duties», ECFR, 2005, p. 378, ss.. 19. Determinava este preceito que «As sociedades que, empreendendo alguma das operações indicadas no art.°2.°, adotarem na sua constituição as formas prescritas pelo Código Comercial para as sociedades ou parcerias comerciais, ou pela lei das sociedades anónimas, ou se constituírem por comandita, serão regidas pelas leis que regulam essas associações e não pelos preceitos da presente lei».
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porquê reformar o código cooperativo?
como direito subsidiariamente aplicável às cooperativas20. Ainda que se considere que as cooperativas não são sociedades21/22 – matéria que continua a ser debatida na doutrina portuguesa –, há uma certa societarização das cooperativas resultante da sua exposição ao regime das sociedades anónimas. Tudo isto autoriza, parece, que, com espírito crítico e norteados pelos princípios cooperativos e pelos princípios orientadores consagrados na LBES, olhemos para o debate sobre a governação e estrutura financeira das sociedades anónimas.
20. V. art. 9.º do CCoop. Sobre esta remissão, v. Rui Namorado, Cooperatividade e direito cooperativo – Estudos e pareceres, Almedina, Coimbra, 2005, p. 174, ss.; e Maria Elisabete Ramos, «Da responsabilidade dos diretores e gerentes de cooperativas – uma introdução», Cooperativismo e Economía Social, n.º 32 (2011/2012), Universidade de Vigo, p. 41, ss.. 21. Sobre esta questão, v. Maria Elisabete Ramos, «Da responsabilidade dos gestores e dirigentes da cooperativa – uma introdução», cit., pp. 35, ss.. No sentido de que as cooperativas não são sociedades, v. Vasco Lobo Xavier, Sociedades comerciais (Lições aos Alunos de Direito Comercial do 4.º ano jurídico), ed. copiogr., Coimbra, 1987, p. 24-25, 38-40; L. Brito Correia, Direito comercial, 2.º vol., AAFDL, Lisboa, 1989, p. 62, ss.; Rui Namorado, Introdução ao direito cooperativo, Almedina, Coimbra, 2000, p. 241, ss.; Carvalho Fernandes, Teoria geral do direito civil, I, 4.ª ed., Universidade Católica, Lisboa, 2007, p. 478, ss.; e J. M. Coutinho de Abreu, Da empresarialidade. As empresas no direito, Almedina, Coimbra, 1996, p. 170, ss.; Curso de direito comercial, vol. I, 9.ª ed., Coimbra, Almedina, 2013, p. 282, ss.; «Artigo 1.º», Código das Sociedades Comerciais em comentário, coord. de J. M. Coutinho de Abreu, vol. I, Almedina, Coimbra, 2010, p. 41, ss.. No sentido de que as cooperativas são um tipo sui generis de sociedade, v. Deolinda Aparício Meira, «A natureza jurídica da cooperativa. Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de fevereiro de 2002», Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas, n.º 7, 2006, p. 147, ss.; «A natureza jurídica da cooperativa (anotação ao Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12 de novembro de 2008)», Cooperativismo e Economía Social, n.º 31 (2008/2009), Universidade de Vigo, p. 285, ss.. Na doutrina portuguesa, defendendo que as cooperativas são sociedades, v. António Menezes Cordeiro, Manual de direito das sociedades, vol. I. Das sociedades em geral, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2007, p. 365; e Miguel Pupo Correia, Direito comercial. Direito da empresa, 12.ª ed., Ediforum, Lisboa, 2011, p. 141. 22. Sobre a orientação jurisprudencial que sustenta que as cooperativas não são sociedades, v. Francisco Costeira da Rocha, «Ação de anulação de deliberação da assembleia geral de uma cooperativa – caducidade, competência e natureza jurídica da cooperativa. Breve anotação ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 31 de janeiro de 2008», Cooperativismo e Economía Social, n.º 31 (2008-2009), p. 255, ss..
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Governação e Regime Económico das Cooperativas
O chamado corporate governance movement teve início na década de 70 do século passado, nos EUA23. Vários escândalos reveladores de más práticas e falhanços em matéria de corporate governance têm, desde então, reavivado o debate (veja-se o caso dos escândalos Watergate, Enron, WorldCom, etc.). Este movimento de corporate governance não ficou confinado aos EUA. Nos anos 90 do século passado chega à Europa, através do Reino Unido24, e, mais uma vez, os escândalos financeiros tiveram o seu papel. Como resposta aos problemas suscitados pelas más práticas em matéria de governação societária, assistimos à elaboração e divulgação de «códigos» de corporate governance – destaque-se, a este propósito, o Cadbury Report, de dezembro de 1992. A separação entre a propriedade e o controlo – servindo-nos de uma expressão consagrada na literatura económica25 – provoca específicos problemas de governação das sociedades anónimas e, em particular, no funcionamento do órgão de administração. «Os administradores (ou, mais latamente, os managers), sem controlo-fiscalização dos acionistas, detendo o “controlo” (domínio) de facto da empresa social, são muitas vezes tentados a gerir em proveito próprio e podem manter-se em funções ainda quando administram ineficientemente a sociedade – problema (em linguagem económica) dos custos de agência (agency costs, custos derivados das relações – ou falta delas, designadamente das de fiscalização – entre os acionistas-principals e os administradores-agents)»26.
23. J. M. Coutinho de Abreu, Governação das sociedades comerciais, cit., p. 9, ss.. 24. J. M. Coutinho de Abreu, Governação das sociedades comerciais, cit., p. 11. 25. Referimo-nos à obra A. Berle / G. C. Means, The modern corporation and private property, Harcourt, Brace & World, New York, 1932. Sobre os antecedentes desta expressão, v. J. M. Coutinho de Abreu, Da empresarialidade, cit., p. 236, ss.. 26. J. M. Coutinho de Abreu, Governação das sociedades comerciais, cit., p. 15.
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É autora do livro O seguro de responsabilidade civil dos administradores. Entre a exposição ao risco e a delimitação da cobertura, Almedina, Coimbra, 2010, que corresponde à sua tese de doutoramento.
Não basta fazer o diagnóstico. É necessário propor novos rumos e soluções alternativas. Para esta reflexão em torno da reforma da governação cooperativa e regime económico, as autoras convocam, por um lado, soluções colhidas em experiências legislativas estrangeiras e, por outro, disposições jurídico-societárias.
É coautora dos Estudos de direito das sociedades, 11ª ed., Almedina, Coimbra, 2013.
Tomando como referente a identidade cooperativa, as autoras formulam propostas que, em sua opinião, potenciam a melhoria do ambiente legal. Em matéria de governação cooperativa, são propostas soluções tendentes a ampliar a autonomia estatutária. Em sede de regime económico, as propostas apresentadas visam promover o empreendedorismo cooperativo e a sustentabilidade financeira das cooperativas.
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É autora e coautora de comentários integrados em vários volumes do Código das Sociedades Comerciais em comentário, coordenado por J. M. Coutinho de Abreu, e publicado pela Almedina. É coautora do relatório «European Social Business Initiative: Member State Legal and Regulatory Profile – Portugal» (2013), preparado para a Comissão Europeia. É investigadora do Centro de Estudos Cooperativos e da Economia Social da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.
Muitas são as preocupações a serem geridas pelas cooperativas: não abdicar da identidade cooperativa, conseguir sustentabilidade, competir com agentes económicos de índole lucrativa numa economia aberta. A forma como se consegue o equilíbrio entre estes propósitos é, desde logo, um desafio lançado ao legislador no momento de repensar o regime da governação e o regime económico das cooperativas, num contexto de reforma legislativa. ISBN 978-989-768-033-5
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Está em curso a reforma do Código Cooperativo, que visa cumprir o imperativo de «desenvolvimento legislativo» constante do art. 13.º da Lei de Bases da Economia Social. Reformar o Código Cooperativo parece-nos necessário e oportuno. Enquanto ordens jurídicas que nos são culturalmente próximas têm acolhido uma liberalização controlada da governação e do regime económico, o regime jurídico-cooperativo português apresenta alguma rigidez nestas matérias.
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Deolinda Aparício Meira Maria Elisabete Ramos
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Deolinda Aparício Meira Maria Elisabete Ramos
GOVERNAÇÃO E REGIME ECONÓMICO DAS COOPERATIVAS Estado da arte e linhas de reforma
Deolinda Aparício Meira Doutorada em Direito Privado, pela Faculdade de Ciências Jurídicas e do Trabalho da Universidade de Vigo. Exerce atualmente as funções de Professora Adjunta do Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto e de investigadora do CECEJ (Centro de Estudos em Ciências Empresariais e Jurídicas). É autora de livros e de artigos publicados em revistas jurídicas nacionais e internacionais. É autora do livro O regime económico das cooperativas no Direito Português: o capital social, Editora Vida Económica, Porto, 2009, que corresponde à sua tese de doutoramento. É membro do CIRIEC Portugal, codiretora da Revista Cooperativismo e Economía Social e membro do Conselho científico da CIRIEC-España, revista jurídica de economía social y cooperativa. É coordenadora geral da obra coletiva Jurisprudência Cooperativa Comentada (obra coletiva de comentários a acórdãos de jurisprudência portuguesa, brasileira e espanhola), Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa, 2012, inserida nas comemorações do Ano Internacional das Cooperativas. É coautora do relatório «European Social Business Initiative: Member State Legal and Regulatory Profile – Portugal» (2013), preparado para a Comissão Europeia. É membro efetivo do SGECOL - Study Group on European Cooperative Law.