Outsourcing no setor hospitalar (papel)

Page 1

A tese transforma-se, agora, em livro, como lhe sugeri há um ano, porque o tema é atual e importante e constitui um instrumento de grande utilidade para investigadores da economia, da gestão, do direito, da administração pública, mas também para os decisores que aqui encontram evidência para as suas escolhas.» In Prefácio, por Professor Doutor Jorge Simões

Este livro reflete sobre as áreas e as circunstâncias em que um contrato com uma empresa especializada permite obter melhores resultados do que a prestação interna dos serviços por parte dos hospitais. Utilizando diversas perspetivas teóricas e cruzando resultados de um estudo de caso na área da Imagiologia, de um inquérito aos hospitais portugueses e de um tratamento econométrico de dados, identifica os principais fatores que devem ser equacionados no processo de tomada de decisão.

ISBN 978-972-788-840-5

www.vidaeconomica.pt ISBN: 978-972-788-840-5 Visite-nos em livraria.vidaeconomica.pt

9 789727 888405

OUTSOURCING no setor hospitalar

«Releio os meus apontamentos, de maio de 2012, nas provas de doutoramento da autora: “esta tese é sólida, doutrinalmente sustentada e ficará como obra de referência. É uma tese “culta”, não esconde ou esquece o que está a montante ou circundante ao tema em investigação”.

Susana Sampaio Oliveira

OUTSOURCING no setor hospitalar

Susana Sampaio Oliveira

OUTSOURCING no setor hospitalar


ÍNDICE Agradecimentos .......................................................................................

5

Prefácio ....................................................................................................

13

Nota prévia ..............................................................................................

17

Resumo ....................................................................................................

19

Abreviaturas............................................................................................

21

1. Introdução ...........................................................................................

23

1.1. Importância do outsourcing .......................................................

23

1.2. Relevância teórica do tema ........................................................

24

1.2.1. Perspetivas teóricas sobre as fronteiras verticais das empresas ........................................................................

25

1.2.2. Especificidade do setor da saúde ........................................

29

1.3. Setor hospitalar e relevância prática da investigação ..............

30

1.4. Questões de Investigação ............................................................

35

1.5. Conclusão.....................................................................................

38

2. Definição de outsourcing e distinção relativamente a conceitos próximos ..........................................................................

41

2.1. Conceito de outsourcing ..............................................................

41

2.2. Outsourcing como decisão de não internalização ......................

43

2.3. Distinção relativamente ao conceito de privatização ................

44

2.4. Distinção relativamente a outras modalidades de colaboração

46

3. Perspetivas teóricas sobre outsourcing ..............................................

51

3.1. Introdução ...................................................................................

51

3.2. Teoria dos Custos de Transação .................................................

52

3.2.1 Aspetos fundamentais ...........................................................

53

3.2.2. Aplicações e estudos empíricos na área da saúde...............

59

3.2.3. Crítica e breve comparação com outras teorias explicativas

66


8

Outsourcing no setor hospitalar

3.3.Teoria da Agência.........................................................................

69

3.3.1. Aspetos Fundamentais.........................................................

69

3.3.2. Evidência empírica ...............................................................

74

3.4. Teoria Baseada nos Recursos .....................................................

74

3.4.1. Do conceito de recursos ao conceito de competências nucleares...............................................................................

75

3.4.2. Visão Baseada no Conhecimento e Perspetiva das Competências.................................................................

81

3.4.3. Problema das “inflexibilidades nucleares” ..........................

86

3.4.4. Comparação com a Teoria dos Custos de Transação ..........

86

3.4.5. Comparação com a Teoria Evolucionista ............................

90

3.4.6. Comparação com a Teoria das Opções Reais ......................

93

3.4.7. Comparação com a Teoria da Dependência dos Recursos ..

97

3.4.8. Conclusão ..............................................................................

93

3.5. Perspetiva Política das Organizações ........................................

98

3.5.1. Fontes de poder ....................................................................

99

3.5.2. Estratégias e táticas políticas ..............................................

100

3.5.3. Aplicações e estudos empíricos ............................................

103

3.6. Teoria Institucional.....................................................................

106

3.6.1. Aspetos fundamentais ..........................................................

106

3.6.2. Aplicações e estudos empíricos na área da saúde ..............

107

3.6.3. Conclusão ..............................................................................

111

3.7. Teoria dos Direitos de Propriedade ............................................

112

3.7.1. Aspetos Fundamentais.........................................................

112

3.7.2. Aplicações .............................................................................

114

3.8. Outros fatores a considerar ........................................................

119

3.8.1. Ao nível dos decisores individuais .......................................

119

3.8.2. Dimensão das organizações, economias de escala e de gama ..............................................................................

119

3.8.3. Estrutura de propriedade dos hospitais ..............................

121

3.8.4. Nível de concorrência atual e potencial no mercado .........

122

3.9. Conclusão.....................................................................................

124

4. Especificidade do setor da saúde e prestação de serviços públicos por parte de instituições privadas ......................................

127


Índice

4.1. Introdução ...................................................................................

127

4.2. “Falhas” do mercado ...................................................................

129

4.3. Indução da procura .....................................................................

131

4.4. Variações de prática clínica e medicina defensiva ....................

134

4.5. Importância da medicina e da gestão baseada na evidência ....

137

4.6. Saúde gerida ................................................................................

141

4.7. Diferentes tipos de intervenção governamental .......................

142

4.8. Problemas associados à prestação pública (falhas do governo)

145

4.9. Outsourcing como eventual solução ..........................................

147

4.10. Mercados internos e separação entre financiador e prestador

149

4.11. Problema do intuito da maximização do lucro ........................

152

4.12. Conclusão ..................................................................................

154

5. Caracterização do outsourcing no setor hospitalar português .........

155

5.1. Introdução e questões de investigação .......................................

155

5.2. Medidas tomadas para minimizar possíveis erros ...................

156

5.2.1. Minimização do erro de cobertura ......................................

157

5.2.2. Minimização do erro de medição .........................................

161

5.2.3. Minimização do erro de não resposta ..................................

165

5.3. Caracterização dos respondentes ...............................................

167

5.3.1. Atendendo ao tipo de instituição .........................................

167

5.3.2. Atendendo à sua localização ................................................

168

5.3.3. Atendendo à sua dimensão ..................................................

168

5.4. Extensão e intensidade do recurso a meios externos ................

170

5.4.1. Leque de atividades objeto de externalização ....................

171

5.4.2. Atividades gerais onde há maior utilização de recursos externos.............................................................

173

5.4.3. Atividades clínicas onde há maior utilização de recursos externos.............................................................

176

5.4.4. Teste de Kruskal-Wallis.......................................................

179

5.5. Análise por atividade ..................................................................

180

5.5.1. Atividades e Serviços de natureza clínica ...........................

181

5.5.2. Atividades e Serviços de natureza geral .............................

200

5.5.3. Conclusão .............................................................................

211

5.6. Motivação para a realização do outsourcing ..............................

214

9


10

Outsourcing no setor hospitalar

5.6.1. A nível internacional ............................................................ 5.6.2. Em Portugal.......................................................................... 5.7. Motivação para a não realização do outsourcing............................ 5.8. Impacte do Outsourcing................................................................... 5.8.1. A nível internacional................................................................

214 220 223 227 266

5.8.2. Em Portugal.......................................................................... 5.9. Importância de diferentes fatores na tomada de decisão .............

228 232

5.9.1. Fatores relacionados com a Teoria Baseada nos Recursos, a Teoria dos Custos de Transação e a Teoria da Agência .................................................................

233

5.9.2. Problema da incerteza tecnológica ......................................

238

5.9.3. “Armadilha” dos custos irreversíveis ..................................

243

5.9.4. Fatores relacionados com a Perspetiva Política das organizações e com a Teoria Institucional ...................

245

5.9.5. Empresarialização e integração em centros hospitalares ..

246

5.10. Limitações do estudo ................................................................

246

5.11. Discussão e Conclusões .............................................................

247

6. Outsourcing da Imagiologia na Unidade Local de Saúde do Alto Minho .....................................................................................

251

6.1. Introdução ...................................................................................

251

6.2. Reflexão sobre problemas e tendências do setor da Imagiologia em alguns países desenvolvidos .......................

254

6.2.1. Introdução e identificação dos principais problemas do setor .................................................................................

254

6.2.2. Indução da procura e problema da auto-referenciação .....

255

6.2.3. Progresso tecnológico e tendência de subespecialização ....

258

6.2.4. Conclusão e implicações para o presente estudo ...............

261

6.3. Estratégia e táticas de investigação...........................................

261

6.4. Apresentação e história da ULSAM ..........................................

263

6.5. Decisão inicial de outsourcing e problemas judiciais subsequentes: análise à luz da Teoria dos Custos de Transação

264

6.5.1. Procedimento por Negociação inicial...................................

264

6.5.2. Breve síntese das decisões judiciais ...................................

267

6.5.3. Discusão à luz da Teoria dos Custos de Transação ............

269

6.6. Motivações para a realização do outsourcing e alterações nos documentos dos procedimentos ...........................................

271


Índice

6.7. Propriedade dos equipamentos, modalidade de pagamento e outras cláusulas contratuais: análise à luz da Teoria dos Direitos de Propriedade .......................................................

280

6.8. Resultados obtidos ......................................................................

287

6.8.1. Evolução dos custos e a hipótese de indução da procura ...

288

6.8.2. Melhoria da qualidade e aumento da satisfação: análise à luz da Perspetiva das Competências ...................

311

6.9. Conclusões ...................................................................................

322

7. Impacte do outsourcing nos serviços hoteleiros ...............................

327

7.1. Introdução ...................................................................................

327

7.2. Revisão de literatura...................................................................

328

7.2.1. A experiência do Reino Unido..............................................

332

7.2.2. A experiência da Austrália ..................................................

337

7.2.3. A experiência dos EUA ........................................................

337

7.2.4. Conclusão ..............................................................................

338

7.3. Funções estimadas e caracterização das variáveis ..................

339

7.3.1. Proveniência dos dados ........................................................

340

7.3.2. Justificação da escolha de algumas variáveis .....................

342

7.4. Resultados: Efeitos na eficiência ................................................

346

7.4.1 Análise prévia dos dados e resultados obtidos com diferentes métodos........................................................

346

7.4.2. Discussão dos resultados em termos de eficiência..............

355

7.5. Resultados: Efeitos na qualidade apercebida ............................

358

7.6. Potenciais problemas e limitações do estudo .............................

361

7.7. Conclusões e pistas de investigação futura ...............................

362

7. Conclusões, contributos e direções de pesquisa futura .....................

365

Referências Bibliográficas ......................................................................

379

11


PREFÁCIO Releio os meus apontamentos, de maio de 2012, nas provas de doutoramento da autora: “esta tese é sólida, doutrinalmente sustentada e ficará como obra de referência. É uma tese “culta”, não esconde ou esquece o que está a montante ou circundante ao tema em investigação”. A tese transforma-se, agora, em livro, como lhe sugeri há um ano, porque o tema é actual e importante e constitui um instrumento de grande utilidade para investigadores da economia, da gestão, do direito, da administração pública, mas também para os decisores que aqui encontram evidência para as suas escolhas. Este livro trata do outsourcing no sector hospitalar e pretende responder à questão de saber quais as áreas e as circunstâncias em que um contrato com empresas especializadas pode permitir a obtenção de melhores resultados relativamente à prestação interna de serviços. E até chegar às conclusões, o leitor acompanha a autora num percurso que inclui a definição de outsourcing e a distinção relativamente a conceitos próximos, as perspectivas teóricas, a especificidade do sector da saúde, o outsourcing no sector hospitalar português, e o estudo de dois casos - imagiologia e serviços hoteleiros - em hospitais públicos portugueses. Estamos, pois, a falar, em Portugal, da administração pública e dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS). A administração pública deixou, há muito, de ser homogénea e assume, hoje, diversos modelos: a descentralização exercida através das ordens profissionais; a auto-administração, como acontece com as universidades; os institutos públicos dotados de um governo próprio; o processo de empresarialização, que teve tradução significativa nos hospitais; a utilização progressiva das parcerias público-privadas; as entidades reguladoras, que são autoridades administrativas independentes; o outsourcing, ou seja o abandono por parte do Estado de certas prestações de que, anteriormente, se encarregava e a sua contratação a privados.


14

Outsourcing no setor hospitalar

E neste quadro, o Estado assume, cada vez mais, um papel de regulador, ou seja de imposição de regras públicas, precisamente em domínios dos quais o Estado se retirou, parcial ou totalmente. Aos hospitais do SNS aconteceu algo de semelhante: até ao final do ano de 2002, eram pessoas colectivas de direito público, mas, entre 1995 e 2002, já se tinham desenvolvido dois modelos alternativos de gestão. O primeiro correspondeu à experiência pioneira de gestão privada de um hospital público, ocorrido em 1995 com a celebração de um contrato de gestão para o Hospital Fernando Fonseca, que permitiu que o Hospital fosse gerido, até ao final de 2008, por uma entidade privada. O segundo desenvolvimento resultou da aplicação de novos estatutos – que preconizaram a introdução de mecanismos de gestão privada em estabelecimentos públicos – conferidos, em 1998, ao Hospital de São Sebastião, em Santa Maria da Feira, e que deu início ao que se convencionou chamar de “empresarialização” dos hospitais públicos. A partir de 2002, a natureza jurídica dos hospitais do SNS ficou tipificada em diversos modelos: hospitais do sector público administrativo, hospitais entidades públicas empresariais, hospitais sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos e hospitais do SNS geridos por outras entidades públicas ou privadas, mediante contrato de gestão ou em regime de convenção por grupos de médicos. Ensaiámos, pois, em Portugal, métodos de gestão hospitalar baseada na “moderna gestão pública”, iniciámos experiências de hospitais-empresa, bem como de concessão da sua gestão a empresas privadas. Tendo em conta a enorme dimensão financeira da saúde, o aperfeiçoamento do sistema pode constituir um forte contributo para o crescimento económico, incluindo a dinamização da sua componente exportadora. Mas para que os gastos em saúde sejam um investimento e não um mero consumo, eles terão que ser escrutinados pelo seu valor acrescentado, as suas tecnologias terão que ser devidamente avaliadas, o seu pessoal terá que ser constantemente actualizado, os resultados terão que ser comparados com os meios, para se melhorar a combinação produtiva. Só assim a comunidade se assegurará da qualidade e reprodutividade do investimento. No actual contexto económico, financeiro e social de grande exigência, e atenta a pressão demográfica, é imperativo reforçar a eficiência, mas também a equidade do sistema de saúde. E o sistema de saúde deve ter por base um SNS reforçando os valores de universalidade, generalidade e quase gratuitidade no ponto de acesso aos cuidados.


Prefácio

Um SNS de qualidade, que garanta elevada satisfação aos cidadãos utilizadores e aos profissionais. Por isso, também, este livro é útil porque nos fornece, em ambiente académico - leia-se isento - lições para o presente e para o futuro sobre as alternativas que se colocam à gestão de unidades de saúde, de forma a aperfeiçoar e a ampliar o seu desempenho.

Jorge Simões Junho de 2013

15


NOTA PRÉVIA O estímulo inicial para a investigação do tema do outsourcing teve origem numa solicitação profissional, em meados dos anos 90, no sentido de avaliar a viabilidade e o interesse do recurso a esta ferramenta de gestão, num departamento do banco onde trabalhava. A minha tese de mestrado foi, então, dedicada ao estudo do outsourcing no setor bancário. Curiosamente, em dois contextos distintos, fui incentivada a prosseguir a minha investigação, equacionando alguns problemas particulares que poderiam surgir no âmbito do outsourcing de serviços públicos. Desde logo, nas provas de defesa da tese de mestrado, pelo Senhor Professor Doutor Oliveira Marques e, mais tarde, pelo Senhor Dr. Magalhães Pinto, que, gentilmente, aceitou o meu convite para apresentar o livro a que a tese deu origem. Em 2001, numa conferência realizada na FEP, o Senhor Professor Doutor Manuel Antunes elencou, de modo fascinante, algumas das especificidades da gestão hospitalar. Este momento representou um marco na minha escolha do setor da saúde como objeto de investigação. A opção por esta área foi, também, vivamente encorajada pelo Senhor Professor Doutor José Costa, então Diretor da FEP, e foi facilitada pela compreensão dos múltiplos condicionalismos associados ao exercício da atividade médica, proporcionada pela existência de variados laços de amizade e familiares com diversos médicos (o meu avô paterno era médico, o meu pai e as minhas irmãs também são). Entretanto, em 2003, fui convidada a assumir as funções de vogal executiva do Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia, funções que exerci até 2006 e que me permitiram conhecer a estrutura das organizações hospitalares, bem como dificuldades e problemas sentidos pelos gestores destas instituições. Na sequência do exposto, o presente trabalho deixa transparecer, necessariamente, algumas das minhas reflexões, decorrentes não só do contexto familiar, mas, sobretudo, da experiência adquirida ao longo do meu percurso académico e profissional (em especial, na lecionação da disciplina de “Economia da Saúde” e na gestão hospitalar). Espero ter conseguido responder devidamente aos diversos reptos que me foram lançados.


RESUMO Nos últimos anos, tem-se assistido à intensificação e à diversificação das atividades que são realizadas em outsourcing e essa tendência também se faz sentir nas organizações hospitalares portuguesas. Este estudo, recorrendo a múltiplas perspetivas teóricas e utilizando dados qualitativos e quantitativos, procura identificar em que áreas e circunstâncias o estabelecimento de uma relação contratual (com uma entidade externa especializada) é preferível à integração vertical. Realizou-se um inquérito, onde se concluiu que quase todos os hospitais portugueses recorrem ao outsourcing, existindo um vasto leque de atividades que são objeto de externalização. Foi efetuado um estudo de caso, onde se procuraram e discutiram hipóteses explicativas da recente opção pelo outsourcing na área da Imagiologia, por parte de algumas instituições, assim como dos resultados conseguidos e dos riscos envolvidos. Por fim, procedeu-se ao cruzamento de dados provenientes de diversas fontes (ACSS e INE), com o objetivo de avaliar o impacte do outsourcing nos custos e na qualidade apercebida de certos serviços hoteleiros. Foram identificados vários fatores a considerar no processo de tomada de decisão, designadamente, as características da envolvente, do hospital, da empresa prestadora de serviços e da transação (entendida em sentido amplo, e abrangendo características da atividade e opções contratuais), bem como os diferentes relacionamentos entre empresas prestadoras de serviços, entre hospitais, entre atividades e entre profissionais.


1. INTRODUÇÃO 1.1. Importância do outsourcing A nível mundial, nos últimos anos, tem-se assistido à intensificação e à diversificação do leque de atividades que são objeto de outsourcing por parte das empresas (Friedman (2005); Grant (2008)1). Na verdade, se, há alguns anos atrás, as organizações revelavam bastante receio em confiar a terceiros o controlo operacional de várias tarefas tradicionalmente realizadas por colaboradores e outros recursos da própria instituição (exceto em determinados casos pontuais, como o da segurança e limpeza), hoje em dia, a nível internacional, observam-se inúmeras situações em que as empresas “entregam” a organizações externas a totalidade das funções anteriormente desempenhadas pelo seu Departamento de Sistemas de Informação, ou mesmo pelo seu Departamento de Recursos Humanos (Drucker (2002); McIvor (2005)). Uma tendência análoga verifica-se ao nível dos serviços públicos: os governos de vários países começaram a questionar a realização de determinadas atividades por instituições ou funcionários públicos, considerando, inclusivamente, a hipótese de confiar a entidades privadas a própria gestão dessas instituições2. Transformações deste género têm vindo a observar-se no setor hospitalar português, nos anos mais recentes. A contratação de serviços de terceiros para assegurar a prestação de certas tarefas de apoio geral é um dado adquirido dentro dos hospitais portugueses (Delgado (1994)); tem havido um alargamento do âmbito das atividades realizadas em outsourcing, e, nalgumas iniciativas 1. Como afirma Grant (2008), p. 357: “Outsourcing has extended from components to a wide range of business services including payroll, IT, training, and customer service and support. Increasingly outsourcing involves not just individual components and services, but whole chunks of the value chain.” 2. Em Inglaterra, na apresentação de uma “Private Finance Initiative”, em 1993, o Secretário de Estado das Finanças questionou: “We ask ourselves, ‘what is the core activity of the NHS?’ It is not the management of hospitals – that is essentially a secondary activity. The core activity of the NHS is to secure a universal healthcare system available on the basis of clinical need rather than on the basis of ability to pay.” (Artigo do Health Services Journal de 24/07/1993, Londres, p. 22, referido por Ovretveit (1996), p. 84).


24

Outsourcing no setor hospitalar

de parcerias público-privadas (PPP), as entidades privadas detêm um papel importante na gestão de instituições públicas3. De um ponto de vista económico, a decisão de externalizar ou não uma atividade pode ser encarada como um “mero” problema de “comprar ou fazer”, sendo várias as perspetivas teóricas que contribuem, embora apenas parcialmente, para dar resposta a esta questão. Todavia, no caso particular dos serviços de saúde, a opção torna-se mais complexa, atendendo não apenas à especificidade do setor, como também, no caso particular dos hospitais públicos, aos aspetos de natureza ideológica associados a decisões de transferência de atividades do setor público para o setor privado e à convicção generalizada de que esta transferência pode acarretar uma diminuição da sua qualidade (Sclar (2000); Pollock (2004)), ou mesmo fenómenos de cream-skimming ou seleção de doentes (Hart et al. (1997)). Apesar de se invocarem argumentos de eficiência para este tipo de opções (Domberger e Jensen (1997)), os opositores contrapõem problemas de equidade, garantia de acesso universal e assimetria de informação, o que torna mais interessante o estudo deste tema no setor da saúde.

1.2. Relevância teórica do tema Na sequência do exposto, a literatura relevante para o tema em estudo pode englobar-se em dois grandes domínios: • Principais perspetivas teóricas sobre as fronteiras verticais da empresa e o outsourcing, enquanto problema de “comprar ou fazer” (a revisão desta literatura é aprofundada no capítulo 3); • Especificidade do setor da saúde e considerações sobre a prestação destes serviços públicos por parte de instituições privadas (aspetos que são desenvolvidos no capítulo 4). De acordo com Hart (2003), existe um grande paralelismo entre a(s) teoria(s) da empresa e a teoria da privatização (entendida em sentido amplo). Como ambas se preocupam em saber se é melhor regular uma relação através de um contrato ou através de uma transferência de propriedade, seria de esperar que se tivessem desenvolvido de modo semelhante4. Contudo, com exceção da Teoria 3. O papel das instituições privadas na gestão de instituições públicas poderá, até, ser alargado, de acordo com o estabelecido no Programa do XIX Governo Constitucional (eleito a 5 de junho de 2011): “Avaliar oportunidades da concessão da gestão de hospitais a operadores dos setores privado e social sempre que se revele mais eficiente (…)” (página 81). 4. Como refere Sclar (2000), p.18, se as decisões de outsourcing forem tomadas por preocupações de gestão, e não por questões ideológicas, constituem um tipo de decisão “comprar ou fazer” que exige uma análise semelhante.


1. Introdução

dos Direitos de Propriedade, os percursos teóricos têm sido distintos, como se expõe nos referidos capítulos. Antes, porém, de se proceder a uma sistematização destas perspetivas, importa clarificar o conceito de outsourcing e de várias expressões ou termos relacionados, designadamente os de “privatização” e de “introdução de concorrência”, o que se efetua já no segundo capítulo.

1.2.1. Perspetivas teóricas sobre as fronteiras verticais das empresas De entre as várias perspetivas que permitem estudar o problema da integração vertical nas empresas, apresentadas com mais profundidade no capítulo 3, merecem destaque: • a Teoria dos Custos de Transação (Williamson (1979); Williamson (1991a); Williamson (1991b); Williamson (1999)); • a Teoria Baseada nos Recursos (Wernerfelt (1984); Wernerfelt (1995); Barney (1986); Barney (1991); Barney (1999); Conner (1991); Collis e Montgomery (1995)) e a Perspetiva das Competências (Loasby (1998a); Loasby (1998b); Langlois (1992)); • a Teoria da Agência (Eisenhardt (1989)); • a Perspetiva Política das Organizações (Pfeffer (1992)); • a Perspetiva Institucional (DiMaggio e Powell (1983)); • a Teoria dos Direitos de Propriedade (Grossman e Hart (1986); Hart (1995)). A Teoria dos Custos de Transação, para além de ser a mais desenvolvida das várias abordagens teóricas existentes para o estudo deste problema, é simples e tem recebido suporte empírico (Williamson (1999) e Barney (1999)). Contrariamente à Teoria dos Custos de Transação, a explicação encontrada pela Teoria Baseada nos Recursos para a integração vertical não se encontra na especificidade dos ativos (isto é, na ausência de oportunidades de utilização alternativa que os recursos encontram no mercado), mas, sim, no papel que os recursos desempenham nas atividades das empresas e na facilidade com que podem ser substituídos por outros, equivalentes ou similares, no caso de não ser possível continuar a utilizá-los (Kay (1997)). Esta perspetiva defende, assim, que o outsourcing pode permitir aceder a capacidades que não estariam disponíveis de outra forma, mas não deixa de advertir que, havendo transferência de recursos para empresas externas, as organizações devem efetuar previamente

25


26

Outsourcing no setor hospitalar

uma análise das suas competências nucleares, de modo a não “delapidarem a fortuna”. As relações de outsourcing podem também ser encaradas como relações de agência (Geis (2007)), sendo possível distinguir situações em que é preferível optar por contratos baseados no comportamento de outras, em que é preferível optar por contratos baseados em resultados (Eisenhardt (1989)). A Perspetiva Política das Organizações enfatiza o papel desempenhado por receios de diminuição de poder dos agentes organizacionais, ou pela procura da sua obtenção, na colocação e avaliação de hipóteses de outsourcing. Já a Perspetiva Institucional (DiMaggio e Powell (1983)) releva a importância de fatores não económicos, como fenómenos de imitação, na adoção de determinadas inovações ou estruturas organizacionais. Por fim, a Teoria dos Direitos de Propriedade (Hart (1995)) salienta o facto de o outsourcing acarretar a perda de direitos residuais de controlo sobre ativos físicos, o que é prejudicial, quando esses ativos são complementares dos pertencentes à empresa. Relativamente aos estudos empíricos existentes sobre estas perspetivas teóricas, em geral, podem retirar-se algumas conclusões: • a questão das fronteiras verticais da empresa continua a atrair o interesse da investigação quer em economia, quer em gestão (tal como afirmam Mota e De Castro (2004), p. 295); • a especificidade dos ativos é uma determinante importante das relações contratuais verticais, mas não é a única (Klein (2005)). Mesmo em situações de incerteza, a contratação pode proteger os investimentos específicos à relação. Segundo David e Han (2004) (que reveem 63 artigos), a Teoria dos Custos de Transação consegue apenas um apoio global misto (cerca de 47%) na previsão da escolha “comprar ou fazer”; • a Perspetiva Baseada nos Recursos é importante, talvez até dominante na literatura de gestão estratégica, mas ainda não deu origem a um corpo substancial de trabalho empírico (Klein (2005)), pelo que poucos estudos têm investigado o seu poder explicativo das decisões de outsourcing (Mahnke et al. (2005), p. 239); • a dificuldade em realizar trabalho empírico com base na literatura dos contratos incompletos de Grossman e Hart pode limitar a sua popularidade (Klein (2005)); • muitos hospitais tomam opções, em termos de integração vertical ou de adoção de inovações de gestão, apenas porque “todos o fazem”(Arndt e Bigelow (1992); Walston e Kimberly (2001)), tal como prevê a Teoria Institucional;


1. Introdução

• “comprar” ou “fazer” são os extremos de um leque de opções com muitas variantes de cinzento: as relações verticais são, muitas vezes, subtis e complexas. Assim, “[although] the literature on hybrids has grown dramatically in the last ten years, (…) there are fewer studies of mundane issues such as outsourcing versus in house production per se” (Klein (2005), p. 456). A conclusão principal de vários estudos é a necessidade de realizar mais trabalhos comparativos entre as diferentes perspetivas, procurando distinguir as várias explicações rivais (Klein (2005), p. 456). Para explicitar melhor esta questão, identificam-se no Quadro 1.1, as principais variáveis que, à luz destas teorias, influenciam as decisões de outsourcing e o sinal esperado dessa relação. Facilmente se deduz que a consideração isolada de apenas alguma(s) destas teorias pode conduzir a uma perspetiva parcial e incompleta do outsourcing. Como sustentam Mahnke et al. (2005), p. 245: “The first pathway for future research should aim at developing a better understanding of the complementarities of the current theories used in empirical outsourcing studies (…)”. De modo análogo, Mol (2007), p. 100-101, afirma:

“(…) outsourcing decisions are subject to multiple realities simultaneously. These include, but are probably not limited to, economic, social, psychological and political rationalities. (…) If we want to understand outsourcing as a phenomenon better, we need to draw upon each of these rationalities and understand the various functions for which outsourcing may be used.”

27


28

Outsourcing no setor hospitalar

Quadro 1.1: Variáveis relevantes e relação com o nível de outsourcing


1. Introdução

Apesar das várias tentativas de integração que têm estado a ser propostas por autores como Williamson (1999) e Foss (1996), ainda não está disponível uma teoria da empresa unificada (Garrouste e Saussier (2005)) que permita compreender plenamente este instrumento de gestão, sendo necessário testar em simultâneo as várias teorias (Dragonetti et al. (2003)). Saliente-se, também, que, quer a Teoria dos Custos de Transação, quer a Teoria Baseada nos Recursos se têm empenhado em demonstrar as virtudes da hierarquia, quando a tendência das empresas tem sido a de desintegração e concentração, o que, no entender de Poppo e Zenger (1998) e de Holmstrom e Roberts (1998), exige uma investigação adicional. Em suma, não existe, atualmente, um modelo teórico integrado que explique de modo cabal a tendência de desintegração vertical que se tem vindo a observar a nível internacional.

1.2.2. Especificidade do setor da saúde No caso particular do setor da saúde, Luke e Walston (2003) defendem que nenhuma das perspetivas teóricas existentes é suficientemente robusta para explicar as opções de integração vertical tomadas pelos hospitais americanos, sendo fundamental compreender as características específicas deste setor (p. 293). No ponto 1.3. serão apresentadas as diferentes opções que têm sido tomadas em vários hospitais do mundo em termos de integração ou desintegração vertical, enquanto neste ponto se esboça, em traços gerais, a problemática da especificidade do setor da saúde e da controvérsia em torno da prestação de serviços públicos por parte de entidades privadas. As questões relacionadas com a prestação de serviços públicos por parte de empresas privadas continuam a ser controversas, como refere Shleifer (1998), p. 133: “What kind of goods and services should be provided by government employees as opposed to private firms? (…) Should teachers and doctors be publicly employed or should they work for private schools and practices? (…) Although these are age-old questions in economics, the answers economists give to them, as well as the reasons for arriving at these answers, have been changing.” No debate quanto à possibilidade de organizações privadas prestarem serviços tradicionalmente realizados por organizações do setor público, há, regra geral, duas perspetivas antagónicas (Ovretveit (1996)): Uma defende que as organizações não públicas, independentemente de terem ou não intuitos lucrativos, não podem e não devem prosseguir fins públicos. Para

29


30

Outsourcing no setor hospitalar

que os objetivos públicos sejam alcançados é necessário que as organizações, os gestores e os funcionários sejam públicos. Para esta perspetiva, a contratação e a regulação não podem assegurar que as organizações privadas irão prosseguir fins públicos, por existir um óbvio conflito de interesses, com sobreposição dos interesses privados. Outra perspetiva alega que está em causa apenas uma questão de eficiência. Este ponto de vista relaciona-se com a ideia de que as questões de financiamento e de prestação são distintas. O financiamento público não implica, nem exige, uma propriedade e uma gestão pública. No caso da prestação de cuidados de saúde, argumenta-se que estamos perante um setor muito específico, onde se verificam várias falhas de mercado que impedem a possibilidade de confiar a realização destas atividades, na íntegra, ao setor privado, sem qualquer intervenção por parte do setor público. Como se demonstrará no capítulo 4, existe alguma controvérsia em torno da possibilidade de confiar a prestação de serviços públicos a entidades privadas, mantendo o financiamento público e uma regulação independente. Os debates sobre a superioridade de um modelo de cuidados de saúde predominantemente público ou privado têm mais de 20 anos, mas, de acordo com Saltman (2003), a divisão público-privado existe sobretudo em termos teóricos e tem sido dominada por convicções ideológicas. Na realidade, observa-se a emergência de situações em que o setor público e privado se inter-relacionam, de modo complexo e único. Lundsgaard (2002), p. 47, afirma que o processo de aprendizagem com estas experiências está restringido pela fraca disponibilidade de dados relativos a serviços financiados pelo setor público. Assim, prossegue Lundsgaard, continuamos, provavelmente, a saber ainda pouco em relação às diferentes alternativas possíveis de prestação de serviços financiados por fundos públicos, não existindo respostas teóricas universais, uma vez que dependem da ponderação de diferentes objetivos e circunstâncias.

1.3. Setor hospitalar e relevância prática da investigação No ponto anterior, defendeu-se a inexistência de um modelo teórico que permita explicar cabalmente a tendência de desintegração vertical que se tem vindo a observar a nível internacional, bem como a necessidade de mais respostas teóricas sobre as diferentes alternativas de public-private mix quanto à prestação de serviços de saúde. Neste ponto, procura-se justificar a relevância de um estudo sobre o outsourcing no setor hospitalar, em particular.


A tese transforma-se, agora, em livro, como lhe sugeri há um ano, porque o tema é atual e importante e constitui um instrumento de grande utilidade para investigadores da economia, da gestão, do direito, da administração pública, mas também para os decisores que aqui encontram evidência para as suas escolhas.» In Prefácio, por Professor Doutor Jorge Simões

Este livro reflete sobre as áreas e as circunstâncias em que um contrato com uma empresa especializada permite obter melhores resultados do que a prestação interna dos serviços por parte dos hospitais. Utilizando diversas perspetivas teóricas e cruzando resultados de um estudo de caso na área da Imagiologia, de um inquérito aos hospitais portugueses e de um tratamento econométrico de dados, identifica os principais fatores que devem ser equacionados no processo de tomada de decisão.

ISBN 978-972-788-840-5

www.vidaeconomica.pt ISBN: 978-972-788-840-5 Visite-nos em livraria.vidaeconomica.pt

9 789727 888405

OUTSOURCING no setor hospitalar

«Releio os meus apontamentos, de maio de 2012, nas provas de doutoramento da autora: “esta tese é sólida, doutrinalmente sustentada e ficará como obra de referência. É uma tese “culta”, não esconde ou esquece o que está a montante ou circundante ao tema em investigação”.

Susana Sampaio Oliveira

OUTSOURCING no setor hospitalar

Susana Sampaio Oliveira

OUTSOURCING no setor hospitalar


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.