Relatório economico-financeiro

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Surge assim o propósito de escrever um livro que apresente de uma forma expedita os fundamentos teórico-práticos que estão na base do diagnóstico de uma empresa. Nesta conformidade, a opção foi a apresentação de casos práticos que explicitem as conclusões alcançadas e os sinais que daí se possam tirar para futuras atuações. Não podemos deixar de referir que esta obra surge na sequência de outras que o autor publicou nesta área.

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RELATÓRIO ECONÓMICO-FINANCEIRO

Esta obra de análise financeira destina-se quer a um público académico, nomeadamente, alunos de cursos superiores na área das ciências empresariais, quer a profissionais da área financeira que necessitem de utilizar a análise financeira como instrumento de apoio à decisão.

Eduardo Sá Silva

RELATÓRIO ECONÓMICO-FINANCEIRO

Eduardo Sá Silva

RELATÓRIO ECONÓMICO-FINANCEIRO ANÁLISE DE CASOS


Índice Nota prévia.....................................................................................................7 Capítulo 1 – Conceitos fundamentais ........................................ 11 1.1 – Enquadramento ..........................................................................13 1.2 – Introdução ao relatório de análise económico-financeira ....16 1.3 – Análise financeira ........................................................................24 1.4 – Da abordagem tradicional para a abordagem funcional .......36 1.5 – As NFM e o ciclo de exploração ..............................................45 1.6 – Equilíbrio financeiro a médio e longo prazo ..........................59 1.7 – Análise económica ......................................................................65 1.8 – Modelos multiplicativo e aditivo da rendibilidade .................76 1.9 – Resultado residual .......................................................................83 1.10 – Análise do risco operacional e financeiro .............................91 Capítulo 2 – Casos práticos de análise económico-financeira ... 105 Capítulo 3 – Análise de Investimentos..................................... 175 Bibliografia.................................................................................................201


Nota Prévia Esta obra de análise financeira destina-se quer a um público académico, nomeadamente, alunos de cursos superiores na área das ciências empresariais, quer a profissionais da área financeira que necessitem de utilizar a análise financeira como instrumento de apoio à decisão. Surge assim o propósito de escrever um livro que apresente de uma forma expedita os fundamentos teórico-práticos que estão na base do diagnóstico de uma empresa. Nesta conformidade, a opção foi a apresentação de casos práticos que explicitem as conclusões alcançadas e os sinais que daí se possam tirar para futuras atuações. Não podemos deixar de referir que esta obra surge na sequência de outras que o autor publicou nesta área. A estrutura da obra segue o seguinte esquema: O Capítulo 1 – Conceitos fundamentais salienta a importância das demonstrações financeiras para a análise, identifica os principais instrumentos, apresenta as principais ténicas de análise e faz uma análise desagregada de rácios e indicadores. Basicamente, são abordadas as três áreas basilares num relatório económico-financeiro, a saber: a área financeira, a área económica e o risco operacional e financeiro. Este capítulo está dividido nas seguintes secções: 1.1 - Enquadramento – faz-se um enquadramento geral sobre o objetivo da análise financeira; 7


Relatório económico-financeiro - Análise de casos

1.2 - Introdução ao relatório de análise económico-financeira – salienta-se a importância do relatório de análise económico - financeira como sendo o documento escrito em que o analista fundamenta a sua opinião sobre a situação económica e financeira da empresa e indica as recomendações adequadas às perspetivas de evolução; 1.3- Análise financeira - procura-se essencialmente conhecer se a empresa reúne as condições para solver os seus compromissos à medida que se vencem; 1.4 - Da abordagem tradicional para a abordagem funcional – a análise tradicional do equilíbrio financeiro é baseada no conceito de Fundo de Maneio (FM). Segundo esta perspetiva, deve existir uma compatibilização temporal entre as origens e as aplicações de fundos, de modo a verificar-se a regra do equilíbrio financeiro mínimo; 1.5 - As Necessidades de Fundo de Maneio (NFM) e o ciclo de exploração – o ciclo de exploração exige uma série de meios financeiros capazes de assegurar os pagamentos operacionais (fornecedores) antes de se obterem os recebimentos operacionais (clientes). Nesta secção, dá-se particular importância às NFM; 1.6 - Equilíbrio financeiro a médio e longo prazo – o equilíbrio financeiro a longo prazo está relacionado com a manutenção de uma situação financeira que permita manter a independência perante os credores e remunerar os capitais empregues, bem como o acesso a novos financiamentos; 1.7 - Análise económica – a rendibilidade consiste na capacidade das empresas para gerarem lucros, ou seja, na sua aptidão para obterem rendimentos superiores aos gastos. Manter uma rendibilidade adequada é um imperativo a que todas as empresas se obrigam; 1.8 - Modelos multiplicativo e aditivo da rendibilidade – um aspeto relevante do método dos rácios na análise financeira é a possibilidade de, além de serem considerados individualmente, serem-no igual8


Conceitos fundamentais

mente de forma integrada, tendo em consideração as diversas interdependências e efeitos conjuntos; 1.9 - Resultado residual – é um mal-entendido considerar que, havendo capitais próprios disponíveis, o recurso ao endividamento para financiar a atividade da empresa traduz-se numa má opção por causa do pagamento de juros. Nesta secção, trata-se do custo de oportunidade dos capitais investidos; 1.10 - Análise do risco operacional e financeiro – o risco pode ser definido como possibilidade de perda. Quanto maior a possibilidade de perda, maior é o risco. Costuma-se distinguir risco e incerteza, muito embora, na prática, exista alguma confusão. Risco existe quando se podem estimar objetivamente as probabilidades dos acontecimentos, enquanto na incerteza não é possível fazer essas estimativas, tendo-se de recorrer a probabilidade subjetiva. Nesta seção, trata-se de matéroas relacionadas com o efeito alavancagem. O Capítulo 2 – Casos práticos apresenta dois casos em que são analisadas as componentes financeira, económica e de risco de duas empresas. Igualmente são apresentados dois outros casos que foram objeto de avaliação que o docente orienta no ISCAP, na disciplina de Gestão Financeira. O Capítulo3 – Análise de Investimentos apresenta os conceitos fundamentais de análise de investimento e igualmente um caso prático. Refira-se, todavia, que esta matéria é tratada com maior profundidade noutras obras do autor. Trata-se de um capítulo em que o diagnóstico passado (tratado nos capítulos anteriores) deve ser complementado com as demonstrações financeiras previsionais.

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CapĂ­tulo 1 Conceitos fundamentais


1.1 - ENQUADRAMENTO A análise financeira está vocacionada para a recolha, tratamento e análise de informação económico-financeira, de modo a fornecer elementos que sustentem a tomada de decisões por parte dos gestores. A análise financeira compreende: • A utilização de um conjunto de técnicas; • O estudo da situação económica-financeira; • A análise de documentos, quer contabilísticos, essencialmente demonstrações financeiras, quer extracontabilísticos. Podem-se elencar três vertentes de atuação: • Estudo do equilíbrio financeiro, que se prende com a capacidade da empresa para regularizar atempadamente os seus compromissos no curto prazo, bem como na capacidade da empresa em solver igualmente os seus compromissos de longo prazo. Este último aspeto relaciona-se com dois fatores: o grau de cobertura do ativo com capitais próprios, por um lado, e, por outro, a capacidade da empresa para gerar resultados positivos; • Rendibilidade dos capitais, que permite aferir se a empresa gera resultados suficientes que satisfaçam os vários intervenientes, nomeadamente, com a utilização de determinados recursos utilizados, como sejam, os ativos, o capital próprio e o volume de negócios;

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Relatório económico-financeiro - Análise de casos

• Análise do risco, que envolve a abordagem da incerteza relativamente a acontecimentos futuros e o seu possível impacto nas variáveis críticas, a saber: a rendibilidade, nas várias aceções, e a capacidade de obter endividamento. Nesta sequência, surge o relatório económico-financeiro, que visa resumir as diversas vertentes, integrando as análises do equilíbrio financeiro de curto prazo e de médio e longo prazo – componente financeira, de rendibilidade, componente económica e componente do risco. O enquadramento do relatório económico-financeiro Relatório económico-financeiro Padrão de comparação outras empresas (mesmo setor)

Envolvente histórica

Análise financeira liquidez

Análise económica rendibilidade

Análise do risco incerteza

Conclusão histórica Envolvente prospetiva

Outra informação relevante Perspetiva de evoução Projeto de investimento

Num primeiro passo, há que fazer o levantamento da informação da envolvente histórica e económica da empresa. Igualmente, há que recolher padrões de comparação com outras empresas, nomeadamente, as que atuam no mesmo setor de atividade. 14


Conceitos fundamentais

Num segundo passo, com base na informação económico-financeira da empresa devidamente ajustada, procede-se à análise financeira, económica e do risco. No final deve ser realizada uma síntese. Na análise financeira, há que dar especial atenção: à liquidez (perspetiva de equilíbrio de curto prazo), à solvabilidade e à estrutura de capitais (perspetiva de equilíbrio de médio e longo prazo) e ao financiamento que sustente o crescimento da empresa. Conceitos ligados à análise financeira de curto prazo passam por: fundo de maneio (FM), necessidades de fundo de maneio (NFM), tesouraria líquida (TL), rotação de ativos, prazo ou duração média de inventários, prazo médio de recebimentos, prazo médio de pagamentos, liquidez geral, liquidez reduzida e liquidez imediata. Conceitos ligados à análise financeira de médio e longo prazo passam por: rácio de estrutura, cobertura do ativo não corrente, autonomia financeira, solvabilidade, estrutura de endividamento e cobertura de gastos financeiros. Na análise económica, procede-se ao estudo da evolução dos rendimentos e gastos, a fim de se percecionarem os efeitos dessas rubricas na capacidade da empresa para gerar resultados. Os principais indicadores utilizados são os seguintes: rendibilidade operacional das vendas, rendibilidade do ativo, rendibilidade do capital próprio e modelos aditivo e multiplicativo de rendibilidade. Na análise do risco, procede-se ao estudo tripartido dos riscos operacional, financeiro e global. Os principais indicadores utilizadores são os seguintes: gastos variáveis, gastos fixos, margem bruta, ponto crítico de vendas, margem de segurança, grau de alavanca operacional, grau de alavanca financeira, grau de alavanca global ou combinado, indicadores de risco de insolvência e classificação de rating. Num terceiro passo, perspetivam-se tendências de evolução. Esta fase do processo carece de nova recolha de informação relevante, nomeadamente sobre a envolvente macroeconómica. Pode-se recorrer a ténicas utilizadas na análise de projetos de investimento. 15


Relatório económico-financeiro - Análise de casos

1.2 - INTRODUÇÃO AO RELATÓRIO DE ANÁLISE ECONÓMICO-FINANCEIRA O relatório de análise económico-financeira é o documento escrito em que o analista fundamente a sua opinião sobre a situação económica e financeira da empresa e indica as recomendações adequadas às perspetivas de evolução. A razão para este relatório pode-se fundamentar em diversas razões. Uma das razões pode ser uma situação de crise que conduz a que a empresa seja obrigada a monitorizar a sua situação. Outras razões podem simplesmente fundamentar-se na iniciativa interna da empresa ou por interesse de entidades externas. Independentemente das situações, um objetivo bem definido deve presidir à elaboração do relatório. Por exemplo, no caso da concessão de crédito, a instituição bancária pretende avaliar o risco inerente à operação e, nesse caso, os indicadores relativos à liquidez, solvabilidade, capacidade de geração de fluxos monetários e a cobertura de encargos financeiros assumem uma relevância maior. São, assim, vários os interessados no relatório de análise económicofinanceir, a saber: gestores, credores, trabalhadores, investidores, clientes e fornecedores e, se entendermos num âmbito mais geral, o público. Os gestores têm interesse em acompanhar a evolução da situação e controlar os planos, de forma a tomar decisões sobre o futuro. Os credores precisam de conhecer a situação atual e a evolução provável, com vista a reaverem os seus créditos. Os trabalhadores estão interessados na segurança dos seus empregos. Os investidores estão interessados em conhecer a situação atual e a evolução, a fim de determinar o valor da empresa para nela investirem ou cederem a sua posição. O Estado interessa-se pela cobrança dos impostos. Os clientes e os fornecedores, pelo poder e impacto da empresa no mercado.

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Conceitos fundamentais

Cada um deles tem diferentes interesses, pelo cada um fará a análise financeira adequada aos objetivos que pretendem alcançar. Embora com objetivos diferentes, utilizam um conjunto de técnicas que se baseiam, fundamentalmente, nas demonstrações financeiras emitidas de acordo com o normativo contabilístico em vigor. Normalmente, uma análise global procura responder a algumas das seguintes questões: • A estrutura financeira é a mais adequada? • A empresa dispõe de meios financeiros líquidos para efetuar os pagamentos nas datas devidas? • A empresa utiliza de forma eficiente os seus ativos? • A rendibilidade obtida é compatível com o risco assumido? • A empresa está a criar valor para os detentores de participações sociais? Para este efeito é necessário recorrer às fontes de informação contabilísticas, nomeadamente, o relatório e contas da empresa que inclui as demonstrações financeiras e o relatório de gestão, bem como as fontes externas, tais como a disponibilizada pela Central de Balanços do Banco de Portugal, nomeadamente, a informação setorial. Deste modo, a análise financeira baseia os seus relatórios nos documentos contabilísticos: balanço, demonstração dos resultados por naturezas (eventualmente, por funções), demonstrações das alterações no capital próprio, demonstração dos fluxos de caixa e anexos. Refira-se que o sistema de informação contabilístico é uma fonte metódica de informação, dado que regista de forma sistemática os factos que têm implicações no património da empresa. Trata-se de uma fonte normalizada, o que permite a comparação e a utilização das mesmas técnicas em diferentes contextos organizacionais.

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Relatório económico-financeiro - Análise de casos

A contabilidade financeira procura dar simultaneamente satisfação a dois tipos de necessidades: 1. As necessidades externas de conhecer a situação económica-financeira global da entidade, por partes dos investidores, analistas financeiros, banca, credores, fisco e outros stakeholders; 2. As necessidades internas (dos gestores) de conhecer esta situação global para efeitos de planeamento e tomada de decisões. Estas necessidades são supridas através da elaboração periódica de três quadros: • Balanço, que traduz a situação financeira da empresa, onde se releva o conjunto de bens, direitos e obrigações afetos ao exercício da atividade num determinado momento, ou seja, elementos controlados pela empresa que irão originar futuros fluxos de caixa quer de entradas (ativos), quer de saídas (passivos), de que resultará um valor residual para os detentores das participações sociais (capital próprio); • Demonstração dos resultados, que evidencia a situação económica, determinando os resultados (lucros ou prejuízos) alcançados no período de referência, pela comparação dos rendimentos (valor das produções e das prestações de serviços) com os gastos (consumos ou utilização de recursos); • Demonstração dos fluxos de caixa (monetários), que revela o desempenho monetário num determinado período, ao discriminar os recebimentos (entradas de dinheiro) e os pagamentos (saídas de dinheiro) durante esse período, bem como a situação dos meios líquidos no fim desse período. No entanto, as informações de natureza contabilística não são suficientes para a compreensão da realidade económica e financeira da empresa. A contabilidade traduz em termos numéricos as consequências das decisões, mas não guarda as razões dessas consequências. Ou seja, 18


Conceitos fundamentais

tem-se uma visão quantitativa do impacto das decisões empresariais, mas não se dispõe do registo das condicionantes externas e internas dessas mesmas decisões. Deste modo, um diagnóstico abrangente deve ter em consideração, por exemplo, o potencial tecnológico, o poder de mercado da empresa, o potencial comercial, a capacidade de gestão, etc. Além disso, a perspetiva contabilística é diferente da perspetiva financeira. Enquanto a primeira visa o apuramento do resultado (crescimento do capital da empresa), partindo de determinados pressupostos e princípios, a segunda visa a identificação e análise dos principais fluxos financeiros, de modo a assegurar o normal funcionamento da empresa (equilíbrio financeiro). No que diz respeito ao número de anos necessários para efetuar a análise, recomendam-se, no mínimo, três anos, de modo a que sejam fornecidas pistas quanto à evolução futura da empresa e determinar as situações críticas. Em seguida, há que validar a qualidade da informação. O analista deve tentar perceber através de sinais a confiança que pode depositar nas previsões que efetua com base nos documentos contabilísticos à sua disposição. Resultados com volatilidade evidente, baseados em atividades não ligadas diretamente com o negócio que a empresa prossegue e que dificilmente se repetirão no futuro, apresentam reduzida qualidade. Um dos sinais de perigo é a existência de reservas ou ênfases contidos na certificação legal de conta emitidos por revisores oficiais de contas. Também devem ser consultadas com detalhe as informações contidas nos anexos. Como fatores de qualidade, podem-se mencionar os seguintes: a aplicação consistente das regras contabilísticas, o cumprimento das obrigações fiscais, a abertura para fornecer informação, a tempestividade dos fluxos financeiros, a inexistência de ativos ociosos ou de monos e os resultados serem prioritariamente provenientes da atividade principal ou normal da empresa. 19


Relatório económico-financeiro - Análise de casos

Refira-se que inúmeras rubricas são objeto de estimativas, como é o caso das perdas por imparidade, além do pendor jurídico-fiscal na elaboração das peças contabilísticas, ainda preponderante no normativo português. Assim, se existirem divergências, compete ao analista financeiro um cuidado prévio na preparação, tratamento e adaptação das informações contabilísticas à metodologia da análise financeira que tem por base o balanço funcional em conformidade com os ciclos de atividade: investimento, exploração e operações de capital. Como exemplo, devem ser consideradas as operações ditas “fora do balanço” ou extrapatrimoniais, tais como os acordos de recompra ainda não registados, descontos de letras ou faturas (em que o risco ainda permaneça do lado da empresa) ou, eventualmente, dividendos a distribuir, dado que estes representam uma responsabilidade da empresa perante os acionistas/sócios, efetiva após a aprovação das contas anuais. Igualmente devem ser consideradas as revalorizações dos ativos ajustadas à realidade económica atual. As provisões consideradas excessivas deverão ser reduzidas de acordo com a realidade económica ou, ao invés, aumentadas se essa realidade o justificar. Outros exemplos de correção ao balanço patrimonial podem ser considerados. Inventários considerados estratégicos, ou seja, não ligados diretamente à exploração corrente, devem ser considerados como ativo não corrente (ou fixo) e não como parte das necessidades cíclicas. As dívidas de fornecedores em mora devem ser consideradas como recurso alheio estável, se existir previsão de pagamento a longo prazo, ou, então, como tesouraria passiva, dado que o atraso no pagamento a um fornecedor não é considerado uma situação normal de exploração. Por uma questão de prudência, as dívidas a sociedades dominantes devem ser consideradas tesouraria passiva e as dívidas a receber das sociedades dominantes ativo não corrente. Subjacente a este raciocínio deve estar a consideração da incerteza que considera a situação mais 20


Conceitos fundamentais

gravosa para a empresa (ativos de longo prazo, logo de menor liquidez, e passivos de curto prazo, logo de maior exigibilidade). Igualmente por uma questão de prudência, a componente que se vence no curto prazo (entendível até 3 meses) de financiamentos de médio/ longo prazo deve ser considerada como tesouraria passiva. O fundamental na análise do balanço patrimonial é que se cumpre a regra básica: os ativos ordenados por prazo de liquidez, os passivos e o capital próprio por prazo de exigibilidade De igual forma, devem ser isoladas na demonstração dos resultados as rubricas de rendimentos e gastos que têm natureza eventual, excecional ou não usual, de forma a minimizar o seu efeito na análise de rendibilidade operacional. Assim, resultados provenientes de catástrofes naturais, roubo, sinistro, alienação de ativos não correntes ou processos judiciais ou outras situações pouco usuais devem ser separadas numa rubrica de resultados não correntes. Após realizados os ajustamentos financeiros, para utilizar uma abordagem funcional, torna-se necessário transformar as demonstrações financeiras, em especial o balanço, num balanço funcional agregando as massas patrimoniais de acordo com os ciclos financeiros: ciclo de exploração, ciclo de investimento e ciclo de financiamento ou operações financeiras. Numa perspetiva financeira, o balanço para análise financeira traduz um conjunto de aplicações e origens de fundos. No primeiro membro, constam os elementos representativos das aplicações, nomeadamente, aplicações em capital fixo e em capital corrente (por ordem de liquidez). No segundo membro, constam as rubricas representativas de fontes de financiamento dessas aplicações, nomeadamente, capital social, resultados gerados, financiamentos de bancos, créditos dos fornecedores, do Estado e de outros credores (por ordem de exigibilidade). Os ativos não correntes (fixos) correspondem a aplicações duradouras, ou seja, que se presumem serem utilizadas para além do 21


Relatório económico-financeiro - Análise de casos

decurso normal do ciclo de exploração da empresa, ou seja, manterem-se na empresa por um período superior a 1 ano. Todavia, devem separar-se em: 1. Ativos não correntes afetos diretamente à exploração (ativos fixos tangíveis e intangíveis) e, por isso, relacionados com o seu negócio; 2. Ativos não correntes não afetos diretamente à exploração, tais como investimentos financeiros e propriedades de investimentos, mas que são fonte de rendimento ou fruição. Os ativos correntes dizem respeito a aplicações de curto prazo, ou seja, cujo período de permanência se presume ser inferior a 1 ano e que se destinam a serem utilizados ou realizados no decurso do normal funcionamento do ciclo de exploração. Igualmente, devem ser divididos em: 1. Ativos cíclicos (ou necessidades cíclicas), que, do ponto de vista financeiro, têm caráter de estabilidade, porque são provenientes do contínuo ciclo do negócio, nomeadamente, os inventários (existências), as dívidas a receber dos clientes e outras contas a receber ligadas à exploração (por exemplo, IVA a recuperar). 2. Tesouraria ativa, que não apresentam um caráter de estabilidade, dado que dependem quer das necessidades geradas pelo ciclo de exploração, quer de outro tipo de decisões, tais como aplicações de tesouraria, relacionamento com os detentores das participações sociais, dívidas de terceiros diversas, etc… Relativamente ao segundo membro do balanço, o capital próprio é a origem mais remota, seguindo-se as dívidas a pagar. Igualmente se pode dividir nas seguintes componentes: 1. Capitais permanentes que correspondem às origens mais estáveis. Incluem os capitais próprios e as dívidas a pagar a médio e longo prazo (passivo não corrente, entendido este como as obrigações cuja liquidação se espera que venham a ocorrer para além do normal funcionamento do ciclo de exploração). 22


Conceitos fundamentais

2. Passivos cíclicos (ou recursos cíclicos), que, tal como as necessidades cíclicas, têm carater de estabilidade financeira, porque são provenientes do contínuo ciclo de negócio, como as dívidas a fornecedores. 3. Tesouraria passiva, que, a exemplo da tesouraria ativa, não apresenta caráter de estabilidade, dado que depende dos recursos gerados pelo ciclo de exploração, bem como de outro tipo de decisões, tais como os financiamentos obtidos, relacionamento com os detentores das participações socias, dívidas a terceiros diversas, etc… Adicionalmente, devem ser calculadas as percentagens correspondentes para o balanço e para a demonstração dos resultados. No caso do balanço, em função do ativo. No caso da demonstração dos resultados, em função do volume de negócios. Esta metodologia permite o que é designado por common size financial statement, o que facilita a leitura da estrutura e da evolução das diferentes componentes, bem como estudos comparativos com o setor ou com os concorrentes. Igualmente devem também ser calculadas as variações ocorridas ao longo do período, quer em termos relativos, quer em termos absolutos, de cada uma das rubricas do balanço e da demonstração dos resultados. Gama & Torres (2015, p. 91) propõem uma abordagem que, numa primeira fase, faz uma análise em separado de cada uma das perspetivas (financeira, económica e risco) e, no fim, uma síntese, como segue: i) Capa ii) Sumário executivo iii) Enquadramento iv) Análise financeira v) Análise económica vi) Análise de risco vii) Síntese, perspetivas de evolução e recomendações viii) Anexos 23


Relatório económico-financeiro - Análise de casos

Quanto à dimensão, em termos indicativos, o relatório deverá ter entre 15 e 25 páginas, excluindo anexos com a informação de suporte e outra que se entenda por conveniente. O “Sumário Executivo” deve proporcionar uma visão global, salientando as conclusões e recomendações mais relevantes. Deve ser escrito após concluído o relatório de análise. O “Enquadramento” descreve os elementos base da análise. Devem ser explicitados os objetivos e as razões que estiveram na base da elaboração do relatório. Igualmente, deve ser feita a apresentação da empresa e do setor em que se insere. Por outro lado, procedimentos que sejam necessários para preparar as contas devem ser referidos. 1.3 - ANÁLISE FINANCEIRA A “análise financeira” é uma das componentes mais importantes do relatório. Procura-se essencialmente conhecer se a empresa reúne as condições para solver os seus compromissos à medida que se vencem. A solvabilidade estará assegurada para determinado período se os meios financeiros líquidos acrescidos das entradas de fundos futuros forem suficientes para satisfazer as saídas de fundos previstos, acrescidos do saldo final dos meios financeiros líquidos desejáveis. A deterioração da solvabilidade despoleta uma série de consequências gravosas para a empresa, nomeadamente, na sua imagem, capacidade de angariação de crédito e, no limite, a sua liquidação. Importa assim conhecer um conjunto de indicadores que permitam monitorizar e preservar uma situação financeira equilibrada. Em termos financeiros, a situação ideal é a discriminação para cada período futuro dos recebimentos e dos pagamentos a realizar, através do que é designado mapa de perfis de maturidade. Neste mapa de perfis de maturidade, determina-se para cada operação o prazo para o reembolso (maturidade). 24


Conceitos fundamentais

Exemplo: Suponha a seguinte estrutura de aplicações e recursos de uma empresa que se vencem nos seguintes prazos.

até 1 mês 1 mês e 3 meses 3 meses e 6 meses

Saldo inicial

15

-9

124

Clientes a receber

31

160

117

7

28

32

Total aplicações

38

188

149

Fornecedores a pagar

32

31

0

Outras contas a pagar

41

6

58,2

Total recursos

73

37

55

Outras variações

11

-18

-45

Saldo final

-9

124

173

Outras contas a receber

Isto significa que a empresa estaria curta, ou seja, com deficit de liquidez, daqui a 1 mês e recuperaria nos períodos seguintes. Na impossibilidade de se construir tal mapa de perfis, recorre-se à comparação de massas de balanço, procurando averiguar se existe equilíbrio entre o ritmo de transformação dos ativos em liquidez e o prazo de maturidade das dívidas. De acordo com o horizonte de análise, costumam-se distinguir duas perspetivas: curto prazo (até um ano) e longo prazo (a mais de um ano). A análise tradicional de curto prazo assenta no conceito de Fundo de Maneio de funcionamento (FM). O equilíbrio financeiro existe quando se verifica uma margem de segurança materializada nos ativos correntes em excesso face às exigências imediatas dos credores (passivos correntes) que permite salvaguardar possíveis diferenças na rotação entre ativos e passivos correntes.

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