Epoc904 2015 10 05

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DIRETOR GERAL Frederic Zoghaib Kachar DIRETOR DE MERCADO LEITOR Luciano Touguinha de Castro

E dição 904 I 5

de outubro de

2015

PRIMEIRO PLANO IDEIAS DA REDAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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PERSONAGEM DA SEMANA . . . . . . . . . . Ronaldinho Gaúcho, que encerra sua passagem pelo Fluminense

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A SEMANA EM NOTAS . . . . . . . . . . . . . . . .

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A SEMANA EM FRASES . . . . . . . . . . . . . . .

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EXPRESSO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Mesmo ameaçado de perder o cargo, Eduardo Cunha pretende abrir processo de impeachment contra Dilma

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FRONTEIRAS DA CIÊNCIA . . . . . . . . . . . . A confirmação de água em Marte aumenta a chance de encontrarmos marcianos?

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GUILHERME FIUZA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O Grilo Falante de Lula

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SUA OPINIÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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HELIO GUROVITZ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust, o melhor livro que já li na vida

NOSSA OPINIÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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TEMPO

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Marcos Lisboa defende a revisão das políticas de intervenção . . . . . .

58

Nelson Marconi defende o modelo intervencionista do Estado . . . . . . .

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ENTREVISTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 Christian de Portzamparc, arquiteto francês

VIDA

INVESTIGAÇÃO O lobby de Lula na África . . . . . . . . . . . . . . . .

34

O poder crescente de Lula no governo Dilma . . . . . . . . . . . . . . . .

44

Eduardo Cunha se enfraquece, mas faz um ministro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

46

As novas denúncias do empreiteiro Ricardo Pessôa . . . . . . . . . . . . . .

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MAPA DO MUNDO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Para se fortalecer diante da crise, o presidente russo afronta os Estados Unidos

34 8 I ÉPOCA I 5 de outubro de 2015

DEBATES E PROVOCAÇÕES O modelo de intervenção do Estado na economia se esgotou? . . . . . .

DOSES DE SAÚDE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Com a crise, os brasileiros perdem a saúde corporativa e a verba para a saúde pública encolhe. Qual é a saída?

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ENTREVISTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A advogada especializada em saúde pública Lenir Santos

76

BRUNO ASTUTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Giovanna Ewbank fala sobre sua carreira, casamento e filhos

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WALCYR CARRASCO . . . . . . . . . . . . . . . . . Sem rótulos

84

EMPRESA VERDE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . As vencedoras do Prêmio ÉPOCA Empresa Verde mostram como cuidar do meio ambiente

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MENTE ABERTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . As histórias para o público infantil de James Joyce – que também agradam a adultos

92

MARCIO ATALLA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O perigo de trocar sono por exercício

94

12 HORAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

96

RUTH DE AQUINO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Perdidos no espaço

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Diretor de Redação: João Gabriel de Lima epocadir@edglobo.com.br Editor-Chefe: Diego Escosteguy Diretor de Arte Multiplataforma: Alexandre Lucas Editores Executivos: Alexandre Mansur, Guilherme Evelin, Leandro Loyola, Marcos Coronato Editores-Colunistas: Bruno Astuto, Murilo Ramos Editores: Aline Ribeiro, Bruno Ferrari, Danilo Venticinque, Flávia Yuri Oshima, Marcela Buscato, Marcelo Moura, Rodrigo Turrer Repórteres Especiais: Cristiane Segatto, José Fucs Colunistas: Eugênio Bucci, Guilherme Fiuza, Gustavo Cerbasi, Helio Gurovitz, Ivan Martins, Jairo Bouer, Marcio Atalla, Ruth de Aquino, Walcyr Carrasco Repórteres: Daniel Haidar, Flávia Tavares, Graziele Oliveira, Nathalia Bianco, Nina Finco, Ruan de Sousa Gabriel, Teresa Perosa, Thais Lazzeri, Vinicius Gorczeski Estagiários: Ana Helena Rodrigues, André Fagundes, Ariane Teresa de Freitas, Cristina Kashima, Gabriel Lellis, Harumi Visconti, Igor Utsumi, Patricia Peres SUCURSAIS l RIO DE JANEIRO: epocasuc_rj@edglobo.com.br Praça Floriano, 19 – 8o andar – Centro – CEP 20031-050 Diretora: Cristina Grillo; Repórteres: Acyr Méra Júnior, Daniela Barbi, Marcelo Bortoloti, Nonato Viegas, Sergio Garcia; Repórteres Especiais: Hudson Corrêa, Raphael Gomide, Samantha Lima Estagiária: Lívia Cunto Salles l BRASÍLIA: epocasuc_bsb@edglobo.com.br SRTVS 701 – Centro Empresarial Assis Chateaubriand – Bloco 2 – Salas 701/716 – Asa Sul Diretor: Luiz Alberto Weber; Repórteres: Alana Rizzo, Filipe Coutinho, Ricardo Coletta, Thiago Bronzatto FOTOGRAFIA l Editor: André Sarmento; Assistente: Sidinei Lopes DESIGN E INFOGRAFIA l Editor: Daniel Pastori; Editora Assistente: Aline Chica Designers: Alyne Tanin, Daniel Graf, Renato Tanigawa; Editor de Infografia: Marco Vergotti; Infografista: Luiz C.D. Salomão SECRETARIA EDITORIAL l Coordenador: Marco Antonio Rangel REVISÃO l Coordenadora: Araci dos Reis Galvão de França; Revisores: Alice Rejaili Augusto, Elizabeth Tasiro, Silvana Marli de Souza Fernandes, Verginia Helena Costa Rodrigues ÉPOCA ONLINE l epocaonline@edglobo.com.br Editora: Liuca Yonaha; Editora Assistente: Isabela Kiesel; Repórteres: Bruno Calixto, Rafael Ciscati; Rodrigo Capelo; Vídeo: Pedro Schimidt; Web Designer: Giovana Tarakdjian; Estagiária: Gabriela Varella CARTAS À REDAÇÃO: epoca@edglobo.com.br; Assistente Executiva: Jaqueline Damasceno; Assistentes: Nathália Machado Garcia, Victória Miwa; Pesquisa: CEDOC/Globopress; INOVAÇÃO DIGITAL: Diretor de Inovação Digital: Alexandre Maron; Gerente de Estratégia de Conteúdo Digital: Silvia Balieiro; Gerente de Tecnologia Digital: Carlos Eduardo Cruz; Gerente de Interfaces Digitais: Valter Bicudo; Designers: Janaina Torres, Sheyla Amaral; Esley Henrique e Marcella Maia (estagiários) Desenvolvedores: Bruno Agutoli, Everton Ribeiro, Jeferson Mendonça, Leonardo Turbiani, Marcio Esposito, Tcha-Tcho, Victor Hugo Oliveira da Silva MERCADO ANUNCIANTE: Diretoria de negócios multiplataforma: Emiliano Morad Hansenn, Marcia Soter; Executivos de negócios multiplataforma: Fabio Ferri, Cristiane Paggi, Selma Pina, Ciro Hashimoto, Ana Silvia Costa, Milton Luiz Abrantes; Gerente de negócios multiplataforma Pequenas e médias agências e Grupo Casa, Galileu e Monet: Sandra Melo; Executivos de negócios multiplataforma Grupo Casa, Galileu e Monet: Ana Silvia Costa, Marco Antônio Costa Gandares, Milton Luiz Abrantes, Cristiane Nogueira, Valquiria Blasioli Leite, Keila Ferrini; Gerente multiplataforma Pequenas & Médias Agências e Grupo Moda: Andreia Santamaria; Executivos de negócios multiplataforma Moda: Eliana Lima Fagundes, Neusi Maria Brigano, Rosa Maria Martini Barreira; Gerente de negócios multiplataforma Marie Claire: Graziela Daiuto; Diretora de Negócios Digitais: Renata Simões de Oliveira; Executivos de negócios digitais: Andressa Bonfim, Lilian Ramos Jardim, Bianca Ramos Piovezana; Consultora de marcas EGCN: Olivia Cipolla Bolonha; Diretor de negócios multiplataforma Regional, PEGN, AE, GR e Época Negócios: Renato Augusto Siniscalco; Executivos de negócios multiplataforma: Andressa Aguiar, Diego Fabiano; Gerente multiplataforma: Sandra Regina de Melo Pepe; Executiva multiplataforma: Alexandra Caridade Azevedo; Diretor de negócios multiplataforma sucursais RJ e BSB: Ricardo Rodrigues; Gerente de negócios multiplataforma RJ: Rogério Pereira Ponce de Leon; Executivos de negócios multiplataforma RJ: Andrea Muniz, Daniela Lopes, Maria Cristina Machado, Katia Correia, Pedro Paulo Rios, Suellen de Aguiar; Gerente de negócios multiplataforma BSB: Fernanda Requena; Executivas de negócios multiplataforma: Barbara Costa, Camila Amaral; Diretor Estúdio Globo: Rafael Kenski; Gerente: Eduardo Watanabe; Gerente de eventos: Daniela Valente; Opec on-line: Rodrigo Santana Oliveira, Danilo Panzarini, Higor Daniel Chabes, Henrique Fermino, Rodrigo Pecoschi, Thiago Previero; Opec off-line: José Soares, Carlos Roberto Alves de Sá, Douglas Vieira da Costa MERCADO LEITOR: Diretor de Marketing: Cristiano Augusto Soares Santos; Ger. de Vendas de Assinaturas: Reginaldo Moreira da Silva; Ger. de Operações e Planejamento de Assinaturas: Ednei Zampese; Consultora de Marketing: Cássia Christe

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Existe vida em Marte? E em Brasília? A

corrida espacial foi um dos temas favoritos da culdas provas mais contundentes de que talvez haja, sim. Encontraram-se indícios de água no planeta vermelho (leia tura pop nos anos 1960 e 1970. Depois que o primais na página 62). Por coincidência (ou não, segundo almeiro objetivo foi alcançado – a Lua, em 1969 –, um novo planeta se tornou a obsessão de escritores, roqueiros, cigumas teorias conspiratórias), a descoberta foi divulgada neastas: Marte. Uma das canções de maior sucesso do justamente na semana em que o filme Perdido em Marte, de inglês David Bowie, lançada em 1971, se chama justamenRidley Scott, chegou às telas. Perdido em Marte é uma espécie de retomada nostálgica, em pleno século XXI, dos tempos te “Life on Mars?”, “Vida em Marte?”. Numa das interpreem que a cultura pop se dedicava a odisseias no espaço. O tações possíveis da letra, a personagem principal da narrativa é uma garota entediada. Ela filme é divertido. Soa antiquado, porém. passa em revista tudo aquilo que está Não há mais ilusões de que viagens incansada de ver: filmes violentos, a poterplanetárias sejam um sonho possível, lícia batendo em gente inocente, artiscomo acontecia nos anos 1970. tas como John Lennon posando de O Brasil do século XXI pode, muitas salvadores da humanidade. A cada vezes, provocar cansaço, ou mesmo télista de coisas que lhe provocam tédio, dio. Mas a fuga da garota de Bowie não ela se pergunta: “Existe vida em Maré mais possível. A pergunta certa não é te?”. Como se, farta de tudo, quisesse “Existe vida em Marte?”, e sim “Existe vida (inteligente) em Brasília?”. Os profugir para o planeta vermelho. blemas que enfrentamos hoje foram É interessante enxergar o Brasil atual criados, em grande parte, pelos reprecom os olhos da garota da canção de Bosentantes que, democraticamente, elewie. A cada semana surgem novidades na política e na economia. Novidades gemos para o Executivo ou para o Conque nem parecem novidades, de tanto gresso. Cabe a eles honrar nosso voto. O EXTRATERRESTRE Que a presidente Dilma, aproveitando que as mazelas brasileiras se repetem. David Bowie nos anos 1970. Coisas que já vimos “dez vezes ou mais”, o momento de fraqueza de seu maior Naquele tempo, achava-se, havia para onde fugir como diz a letra de “Life on Mars?”: adversário, Eduardo Cunha, se preocupe com algo além da preservação do • Quanto mais o ex-presidente Lula nega que tenha feito lobby para empróprio mandato. Que faça os cortes de despesas e reformas estruturais de que o país precisa para preiteiras, mais aparecem indícios de que ele atuou em favor delas. ÉPOCA revela com exclusividade nesta edição voltar aos trilhos. E que o Congresso aprove as medidas a atuação de Lula em Gana e na Guiné (página 34). Exisnecessárias e pare, de uma vez por todas, de jogar contra o te vida em Marte? Brasil. Os políticos têm toda a culpa pela situação difícil que vivemos. Se não nos tirarem dela, em três anos teremos • Quanto mais o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, novas eleições. Pelo voto, temos o poder de deixar os culse diz vítima de perseguição do governo, mais aparecem pados por nosso infortúnio longe do planeta da política. indícios concretos de que ele tem dinheiro em contas fora do país (página 46). Agora as denúncias vêm do Ministério Público da Suíça. Existe vida em Marte? • Para salvar seu mandato, Dilma Rousseff adotou a solução conhecida: lotear o poder. Ganharam espaço os suspeitos de sempre: Lula e o PMDB (página 44). Mesmo enfraquecido, Eduardo Cunha fez um ministro. Existe vida em Marte? João Gabriel de Lima Existe vida em Marte? Na semana passada, apareceu uma Diretor de Redação 16 I ÉPOCA I 5 de outubro de 2015




PRIMEIRO

PLANO

RONA L DI NHO GAÚCHO DECLÍNIO O jogador Ronaldinho Gaúcho. Seu irmão nega planos de aposentadoria, mas, aos 35 anos, os espaços nos campos se encurtaram

O craque na hora do ocaso Ronaldinho Gaúcho encerra sua breve e decepcionante passagem pelo Fluminense e se vê agora diante de um futuro incerto Foto: Daryan Dornelles

5 de outubro de 2015 I ÉPOCA I 19


PE R SO NAG E M DA S E MANA

O Sérgio Garcia

casamento durou apenas 80 dias, e não dá nem para dizer que ao menos a lua de mel foi desfrutável. Nem sequer houve tensão entre as partes na hora do adeus. Para isso, era preciso ter existido algum ardor durante o relacionamento que, na verdade, jamais engrenou. Na noite da segunda-feira, dia 28, Ronaldinho Gaúcho e o Fluminense comunicaram a rescisão consensual do contrato do jogador. Tudo de forma muito civilizada, como cabe aos casais conscientes de que não dá para levar o vínculo adiante. Decepcionado com seu desempenho em campo e insatisfeito nas Laranjeiras, a sede do Fluminense, Ronaldinho tomou a louvável iniciativa de propor que cada qual fosse para seu lado. Poderia enganar até o fim do contrato, como muitos fazem, apenas para receber o salário de R$ 400 mil mensais. A reação dos dirigentes foi de alívio, em razão da performance frustrante do craque. Em tom polido, logo após o distrato, o jogador postou uma mensagem numa rede social. Disse que ficaria na torcida pelo sucesso “deste grande clube”. O Fluminense publicou uma nota oficial em que ressaltou a “atitude positiva” do jogador nas atividades de rotina e lhe desejou sorte em sua caminhada. Os internautas, em esmagadora maioria, não reagiram com a mesma cordialidade.“Já vai tarde” e “a pior contratação dos últimos tempos” foram alguns dos comentários deixados pelos torcedores. De uma forma indesejada, Ronaldinho voltou a ser tema na ordem do dia. Sua passagem melancólica pelo Fluminense levantou uma questão: ele ainda pode ser útil nos gramados ou o mais pertinente é pensar numa aposentadoria digna? Nas Laranjeiras, o camisa 10 não deixa saudade. A diretoria esperava que Ronaldinho ao menos fizesse o normal para um craque em fim de carreira. Não foi capaz, como esperavam os dirigentes tricolores, de marcar gols contra um adversário frágil ou dar um daqueles dribles plásticos em algum zagueiro, lances repetidos à exaustão e que conquistam a torcida. Ronaldinho disputou nove partidas e não fez nenhum gol. Nos 554 minutos em que esteve em campo, teve apenas dois lampejos de craque: fez um belo lançamento que originou o gol contra o Grêmio, pelo Campeonato Brasileiro, e deu um passe de peito para o atacante Fred ficar diante do goleiro do Paysandu, em partida pela Copa do Brasil, no Maracanã. Seu talento na cobrança de faltas e escanteios, sua maior especialidade e uma virtude que o tempo não costuma comprometer, não apareceu. Ademais, no restante dos jogos, parecia fora da sintonia dos demais atletas, num ritmo bem abaixo, e se tornava presa fácil da marcação. Coisa rara em sua carreira, ele foi vaiado em campo. Em determinados jogos, a opção do treinador foi deixá-lo na reserva. Sua pouca efetividade virou alvo de chacotas. Uma delas dizia que R10 (apelido que lhe foi dado por parte da imprensa esportiva), na verdade, quer dizer “restam 10” em campo. 20 I ÉPOCA I 5 de outubro de 2015

DECEPÇÃO Torcedores saúdam Ronaldinho no Maracanã, em sua chegada ao Fluminense. O entusiasmo durou poucos dias

Quando um clube contrata uma grife como é o caso de Ronaldinho, busca resultados não apenas no campo de jogo. Quer lançar mão de uma arma poderosa para atrair torcedores e patrocinadores e, consequentemente, fomentar suas receitas. “Ter ídolos e títulos é fundamental para o clube ampliar sua clientela, que são seus torcedores”, diz João Henrique Areias, especialista em marketing esportivo. Como caso bem-sucedido dessa estratégia, ele destaca a contratação de outro Ronaldo – o Fenômeno – pelo Corinthians. Ela foi decisiva, diz Areias, para incluir o clube no “mapa-múndi do futebol e torná-lo uma marca internacional”. Porém, seja no gramado, seja no terreno dos negócios, Ronaldinho teve passagem apagada pelo Fluminense. No primeiro mês, o clube ainda comemorou o aumento de quase 40% na venda de seu programa de fidelidade. Mas ficou nisso. Tanto a venda de camisas quanto a de ingressos não tiveram alteração significativa. A trajetória de Ronaldinho é representativa da história de grandes craques brasileiros que saem muito jovens do país em busca de reconhecimento na Europa. Aos 21 anos, ele trocou o Grêmio de Porto Alegre, seu clube de origem, pelo Paris Saint-German, da França. Foi uma atitude imperdoável para o torcedor gremista, que até hoje faz questão de demonstrar todo o seu rancor quando o jogador atua contra seu time. Na Europa, ele construiu uma carreira de raro sucesso, com Foto: Ricardo Moraes/Reuters


Ronaldinho Gaúcho

Sem opções no Brasil e na Europa, Ronaldinho pode partir para os Estados Unidos ou a China, mercados periféricos da bola

passagens destacadas por Barcelona, na Espanha, e Milan, na Itália. Foi eleito em duas temporadas o melhor jogador do mundo. Ainda assim, viveu rupturas traumáticas. Forçou a barra para deixar o clube italiano, que enfim o liberou antes do término do contrato. “Dinho e Milan, em feio adeus”, estampou o jornal italiano La Repubblica, noticiando a saída da estrela brasileira, no final da temporada de 2010. Liberado para negociar com quem bem entendesse, ele ouviu propostas de Grêmio, Palmeiras e Flamengo. Acabou optando pelo clube carioca, no qual foi recebido com uma festa retumbante no início de 2011. Depois de 16 meses, o contrato com o Flamengo foi interrompido às turras. Ronaldinho apelou à Justiça para conseguir a rescisão e cobrar do rubro-negro uma dívida de R$ 40 milhões. Desde que deixou a Gávea, defendeu outros três times – Atlético Mineiro, Querétaro, do México, e Fluminense –, sem conseguir cumprir o contrato até o final em nenhum deles. Nem mesmo no Atlético, onde ganhou dois títulos continentais e é reverenciado pelos torcedores, a despedida foi amena. Fato incomum na carreira de um craque sempre tão cortejado, Ronaldinho se vê agora diante de um futuro incerto. Algum dia ele conseguirá voltar a atuar em alto nível? “Para jogar, é preciso ter prazer, e talvez ele tenha perdido o prazer de treinar e competir”, afirma o ex-jogador e comentarista Junior, um exemplo de profissional que encerrou a carreira por cima. Roberto Assis, irmão e empresário, que exerce forte influência sobre o jogador, diz que Ronaldinho não vai parar. “Ronaldo tem só 35 anos e nunca sofreu uma contusão séria.” O Corinthians USA, modesto time californiano que sonha com um lugar na elite do futebol dos Estados Unidos, iniciou um flerte. Com exceção do Atlético Mineiro, que o receberia de volta por razões sentimentais, ele dificilmente encontrará um clube no Brasil. O mais provável é que Ronaldinho fique sem jogar até 2016. Vai aproveitar para fazer campanhas publicitárias e viajar para ver os amigos no exterior. Na verdade, já começou a aproveitar a vida – por azar, teve um pequeno acidente automobilístico no final da semana passada, sem gravidade.“A tendência maior é que Ronaldinho vá parar em algum clube periférico, pois na Europa e no Brasil os espaços estão reduzidos”, diz Fernando Ferreira, diretor da Pluri Consultoria, empresa especializada em gestão e marketing esportivo.“Os Estados Unidos e a China são bons mercados para ele.” A história melancólica de Ronaldinho com o Fluminense, no entanto, não acabou. Ele ainda terá de vestir a camisa do clube novamente em janeiro, em um torneio na Flórida, porque o contrato com os u organizadores exige sua presença. 5 de outubro de 2015 I ÉPOCA I 21


OUTUBRO I 2015 Seg Ter Qua Qui Sex Sáb Dom

QU E RE S U ME M A S E MA NA

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4

Palestina na ONU Por que armas devem ser proibidas

Entre as nações desenvolvidas, os Estados Unidos são a mais violenta

Chris Harper Mercer, de 26 anos, matou pelo menos nove pessoas e deixou várias feridas em uma faculdade no Oregon, nos Estados Unidos. Chris foi morto após o ataque. O episódio reavivou a discussão sobre a liberdade para comprar e portar armas no país. Até agosto, houve mais de um tiroteio em massa (quando mais de quatro pessoas são baleadas por um atirador) por dia nos Estados Unidos neste ano. Foram 247 episódios do tipo em 238 dias. Os Estados Unidos são o único país no mundo onde o direito de portar armas é garantido pela Constituição. milhões de armas de fogo são propriedades de civis no mundo, e os americanos detêm 42% desse total

MUNDO

Taxa de homicídio(1) por arma de fogo a cada 1 milhão de pessoas Austrália

1,4

Alemanha

1,9

Áustria

2,2

Holanda

3,3

Suécia

4,1

Finlândia

4,5

Canadá

5,1

Bélgica

6,8

Suíça

7,7

EUA

O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, afirmou, em discurso nas Nações Unidas, que deixará de cumprir os acordos de paz firmados com Israel. Abbas se referiu à expansão de assentamentos e à não libertação de prisioneiros como razões para o movimento. A bandeira palestina foi hasteada no pátio da ONU na semana passada.

29,7 (1) Dados de 2012 Fonte: UNODC, Small Arms Survey e The Guardian

Ciao, Pizzolato! MEU (NOVO) CARRO É VERMELHO

Neymar comprou uma Ferrari 458 Spider, avaliada em

MILHÃO

A compra ocorre uma semana depois de a Justiça bloquear

MILHÕES

de Neymar, acusado de sonegação, e confiscar um Porsche amarelo do jogador.

A Justiça da Itália autorizou a extradição do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato. A partir da quarta-feira, dia 7, as autoridades brasileiras podem trazê-lo de volta ao país. Condenado no processo do mensalão, em 2012, Pizzolato fugiu para a Itália. Ele irá para o Complexo da Papuda, em Brasília, que hospedou outros mensaleiros.


BATALHA PERDIDA

Um soldado se prepara para uma contraofensiva para reconquistar Kunduz, uma das principais cidades do Afeganistão. Na segunda-feira, dia 28, insurgentes do Taleban tomaram a cidade. Nos últimos meses, os talebans têm ganhado terreno no Afeganistão.

Para salvar a Terra Cientistas da Nasa e da ESA, as agências espaciais americana e europeia, detalharam a missão conjunta para testar a técnica que evitaria a colisão de um asteroide com a Terra A missão “Avaliação de Impacto e Desvio de Asteroide” levará as sondas AIM (americana) e Dart (europeia), em 2020, a bordo do foguete Soyus 22.OUT.2020 Os satélites AIM e Dart são lançados a bordo do foguete Soyus

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ASTEROIDE TERRA

LUA

25.DEZ.2022 Fim da missão roi de

Na terça-feira, dia 29, a Petrobras anunciou reajustes nos preços da gasolina e do diesel nas refinarias. O aumento para a gasolina foi de 6% e para o diesel de 4%. Os postos rapidamente repassaram o novo preço aos consumidores. Com isso, a inflação vai engordar mais um pouco: o reajuste deverá elevar em cerca de 0,20 ponto percentual o IPCA de outubro.

maç roxi Ap

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Dor no bolso

1O.OUT.2022 A sonda Dart colide com Didymoon que orbita o asteroide Didymos

1O.JUL.2022 A sonda AIM lança pequenos satélites no asteroide Didymos

29.MAIO.2022 Os satélites chegam ao asteroide

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e ast o od

Fontes: ESA, Nasa e ScienceOffice.org

5 de outubro de 2015 I ÉPOCA I 23


QU E RE S U ME M A S E MA NA

“Nenhum garoto é bonito ou interessante o bastante p para impedii-las i de estudar”

Fotos: Joyce Boghosian-The White House/Handout/ Reuters, Alan Marques/Folhapress, Glaucon Fernandes e Eleven/Estadão Conteúdo

Michelle Obama, primeira-dama dos Estados Unidos, em campanha pela permanência de meninas nas salas de aula


“Fique quieto, não se mexa. Você sai na quinta” Dilma Rousseff, presidente, ao demitir por telefone o ministro da Saúde, Arthur Chioro

“Dilma está fazendo agora o que deveria ter feito em novembro”

Lula (PT-SP), ex-presidente e padrinho eleitoral de sua sucessora, Dilma Rousseff

“Se eu falar, é capaz de meu advogado não querer me defender mais” Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, perguntado se guarda dinheiro no exterior. A Justiça da Suíça afirma que o deputado tem quatro contas bancárias naquele país

“Vivemos no paraíso da impunidade dos colarinhos-brancos”

Deltan Dallagnol, procurador da República e coordenador da forçatarefa da Operação Lava Jato

“Dilma Bolada rompeu com o governo federal”

Jeferson Monteiro, ao anunciar o fim de Dilma Bolada, sátira laudatória à presidente Dilma. A bolada de R$ 20 mil, que Jeferson recebia de uma agência contratada pelo PT, acabou

“Pega tua grana, manda tudo para paraísos fiscais” Wagner Ribeiro, empresário do jogador Neymar Jr., em mensagem ao pai do atleta, após o bloqueio judicial de R$ 188 milhões

“Fui ao COB e lá apareceu Cristiane, dizendo que era atleta olímpica” Katia Rubio, autora de um livro sobre o Brasil em Olimpíadas. Cristiane Paquelet, diretora cultural do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), disse que participou dos Jogos de Munique (1972). Era mentira

“Por iniciativa própria, ela deixou o cargo de diretora cultural” Comitê Olímpico Brasileiro, ao afirmar que não puniu Cristiane Paquelet por mentir

DE D O NA CAR A

“Ele foi indicado para um cargo em uma entidade corrupta, após ser um jogador e empresário medíocre”

“Falar numa tribuna, protegido por imunidade, é muito fácil. Estou à disposição”

Romário (PSB-RJ), senador e ex-jogador de futebol, sobre o coordenador de seleções da CBF, Gilmar Rinaldi

Gilmar Rinaldi, em resposta a Romário

00 de janeiro de 2015 I ÉPOCA I 25


Por Murilo Ramos

expresso@edglobo.com.br

Dilema plumado Os deputados federais do PSDB, que até o momento têm blindado Cunha, vivem um dilema. Enxergam no peemedebista a possibilidade real de o impeachment de Dilma Rousseff prosperar, mas temem ficar associados a alguém denunciado por corrupção.

Dilema plumado 2

Salve-se quem puder

A aposta de Cunha A

cuado com as denúncias sobre contas na Suíça e com receio de perder o cargo, Eduardo Cunha quer atingir a presidente Dilma Rousseff, a quem atribuiu sua derrocada. Partirá para o ataque nesta semana. Tentará criar uma comissão para analisar o pedido de impeachment proposto pelo jurista Hélio Bicudo. Cunha quer que essa comissão apresente um relatório até o dia 21 de outubro. Para aprovar o pedido de impeachment, precisará de dois terços dos votos, o que ainda não tem. Se obtiver esses votos, Cunha conseguirá afastar Dilma da Presidência até que ela seja julgada no Senado. “Não caio antes dela”, disse Cunha a amigos.

Antena ligada A presidente já conhece parte da estratégia de Cunha e estuda a melhor forma de se defender. A mais provável é acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para conter a manobra arquitetada por Eduardo Cunha. 26 I ÉPOCA I 5 de outubro de 2015

Quem mais sofre com o problema é o líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio. Ele frequentemente recebe mensagens com perguntas sobre o que o PSDB fará. Discretamente tem pedido calma, pois acredita que os documentos que enterrarão Cunha só virão a público depois de o presidente da Câmara abrir o processo de impeachment.

Sonho plumado Em um jantar na casa do exdeputado e banqueiro Ronaldo Cézar Coelho, o senador José Serra, do PSDB, fez dois vaticínios a uma mesa com quase 30 empresários. Disse que o impeachment da presidente Dilma Rousseff é certo e que o vice-presidente Michel Temer é capaz de unir o país em torno de um novo governo.

Sonho plumado 2 Já pensando em pavimentar sua candidatura em 2018, o governador paulista Geraldo Alckmin chega a suspirar com a possibilidade de o PSDB derrotar o PT no ABC paulista, berço do partido estrelado, nas eleições municipais do ano que vem. A obsessão de Alckmin é por uma vitória em São Bernardo do Campo, cidade onde mora o ex-presidente Lula. Fotos: Alan Marques/Folhapress, Danilo Verpa/Folhapress, Gustavo Serebrenick/ Brazil Photo Press/Estadão Conteúdo, Jorge William/Ag. O Globo e Tinkstock


Com Nonato Viegas e Ricardo Della Coletta e reportagem de Daniel Haidar e Filipe Coutinho

Abre o olho, Levy

Já foi melhor

Na estica

Assim como fez com Mercadante, Lula, agora, queima o filme de Joaquim Levy com Dilma. Quer que Henrique Meirelles, ex-BC, assuma o posto com uma política diferente. Por ora, Levy fica.

Muitos agentes da Polícia Federal que participaram da terceira fase da Operação Acrônimo usaram terno e gravata. As mulheres, tailleur. Os carros também não estampavam o brasão da PF.

Na canela

Consultor dos milhões

O novo ministro da Ciência e Tecnologia, Celso Pansera, diz saber exatamente o que não fazer no cargo. Conta ter pedido audiência com Henrique Alves – ministro do Turismo e colega de partido – várias vezes e jamais ter sido atendido. Recentemente, num encontro social, perguntou: “Ministro, o senhor lembra da conversa que tivemos outro dia no ministério?”. “Não”, respondeu Alves, acrescentando interessado: “Sobre o que era?”. “Sobre nada, ministro. O senhor nunca me recebeu”, respondeu Pansera, aos risos.

Só na 4x4 O novo ministro da Saúde, Marcelo Castro, gastou quase R$ 80 mil da verba parlamentar de deputado com o aluguel de um Amarok, caminhonete cabine dupla, a diesel, 4x4, para rodar no Piauí, seu Estado. Por mês, o aluguel custava R$ 6.500.

Conta de padeiro O governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, deve contar com superplanilhas para controlar as receitas e despesas do governo, certo? Erradíssimo. Pezão anota tudo à mão em folhas simples e registra até empresas que deixam de recolher impostos. Para melhorar um pouco a situação, Pezão negocia vender à Caixa Econômica Federal royalties do petróleo aos quais o Rio de Janeiro tem direito.

Deu ruim Não está fácil para Eike Batista, sócio da Ogpar, ex-OGX. É que a empresa tem uma dívida de quase US$ 90 milhões com a norueguesa de investimento Nordic Trustee. Desde outubro de 2014, a Ogpar não paga as taxas diárias de afretamento do navio-plataforma FPSO OSX3, que explora o campo Tubarão Martelo, na Bacia de Campos. Foi com o dinheiro da Nordic Trustee que a Ogpar conseguiu financiar o navio-plataforma, que, agora, pode ir a leilão.

Mário Rosa, especialista em gerenciamento de crise de famosos, é um dos alvos da Operação Acrônimo. A investigação mostra que ele faturou R$ 40 milhões em contratos com grandes empresas e entidades, como a CBF, e que repassou R$ 2 milhões para Carolina Pimentel, mulher do governador mineiro.

Vale por dois Tramita no Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro um processo contra o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato. Ele usou documento falso – de um irmão morto em 1978 – para votar duas vezes nas eleições de 2008. Pizzolato deverá ser extraditado em breve para o Brasil.

Conselheiro ausente Apesar de preso em Curitiba na presário Marcelo Lava Jato, o emp Odebrecht aindaa aparece como onselho Nacional integrante do Co nologia, órgão de de Ciência e Tecn assessoramento da presidente Dilma untos do setor. Aliás, Rousseff em assu foi Dilma quem o nomeou. Como as reuniões são raríssimas, a última ho do ano passado, ocorreu em junh ninguém ainda sentiu sua falta.

Pagando o o pato Apreciadores de pratos à base de pato vão gastar cerca de 20% a mais neste ano na Oktoberffest de Blumenau, em Santa Catarina. A culpa é do dólar alto. A ave costuma seer cotada na moeda americana, pois é muito exportada.

Leia a coluna Expresso em epoca.com.br 5 de outubro de 2015 I ÉPOCA I 27


G UI L H E RM E FI UZ A

O Grilo Falante de Lula O

palestrante Luiz Inácio da Silva é um sujeito de sorte. para operar mais esse milagre. Após alguns anos fazendo Antes de se consagrar com suas palestras internacioos bilhões escorrerem dos cofres públicos para parcerias nais, ele passou pela Presidência da República, onde não interessantes como essas – incluindo as obras completas ganhava tão bem. Mas tinha bons amigos, especialmente da Petrobras –, o palestrante e seu partido levaram o Brasil à breca. Ainda hoje, em meio à mais terrível crise das na empreiteira Odebrecht, que lhe sopravam o que dizer últimas décadas, que derrubou o aval para investimento nas reuniões com outros chefes de Estado. Os recados eram passados ao futuro palestrante, então presidente, no Brasil e fará dele um país mais pobre, a opinião pública sob o título “ajuda memória” – ou seja, os empreiteiros se pergunta: como foi que isso aconteceu? Graças a essa pergunta abilolada, o esquema parasitáestavam ajudando o presidente a se lembrar de coisas úteis, uma espécie de transplante de consciência. A Odebrecht rio que tomou de assalto o Estado brasileiro ainda perera o Grilo Falante de Lula. manece, incrivelmente, sediado no Palácio do Planalto. O tráfico de influência como meio de privatização de Nem Pinóquio teve uma ajuda-memória tão generosa. recursos públicos – através de parcerias, consultorias, A de Lula se transformou em negócios de bilhões de reais – mas é bem verdade que Pinóquio não tinha um BNDES, convênios, mensalões e pixulecos mais ou menos desó um Gepeto. É uma desvantagem consavergonhados – foi institucionalizado, siderável, especialmente porque Gepeto de cabo a rabo, no governo petista. Lula, o palestrante, é investigado pelo Minisnão fazia operações secretas, ao que se tério Público por tráfico de influência saiba. “O PR fez o lobby”, escreveu o enNEM PINÓQUIO internacional. O Brasil se surpreende tão ministro da Indústria e do Comércio TEVE UMA AJUDA porque quer: esse é o modus operandi de aos amigos da Odebrecht, respondendo TÃO GENEROSA. todos os companheiros que já caíram em à cobrança da empreiteira sobre a defedesgraça – Vaccari, Delúbio, Erenice, Pasa de seus interesses pelo PR Lula junto MAS PINÓQUIO NÃO locci, Dirceu, Valério, Youssef, Duque, ao PR da Namíbia. Essa e outras ajudasTINHA UM BNDES, Vargas, João Paulo, Rosemary... Faltou memórias valiosas, reveladas pelo jornal alguém? Ou melhor: sobrou alguém? O Globo, não tiveram nada de mais. SeSÓ UM GEPETO gundo todos os envolvidos, isso é normal. Marcelo Odebrecht recomendou que A normalidade é tanta que a parceria Lula ressaltasse o papel de “pacificador e foi profissionalizada. Quando Luiz Inácio terminou seu líder regional” do presidente de Angola. E assim foi feiestágio como PR, foi contratado pela Odebrecht como to. Deu para entender? O dono da empresa e cliente do palestrante. Nada mais justo. Com a quantidade de ajudagoverno era quase um adido cultural do presidente. Se o memória que ele recebera da empresa durante oito anos, Brasil não consegue ver promiscuidade (ou seria obscehaveria de ter muita coisa para contar pelo mundo. Foi nidade?) nesse enredo, melhor botar o Sergio Moro em uma história bonita. Lula soltinho, sem a agenda opecana e liberar o pixuleco. Acaba de ser arquivado o inquérito contra Lula no menrária de PR, viajando pelos países nas asas do lobista da salão. No auge do escândalo com a Odebrecht e demais Odebrecht, fazendo brotar obras monumentais por aí e envolvidas no petrolão, o PT bate seu próprio recorde de mandando Dilma e o BNDES bancá-las, enquanto botava cinismo advogando a proibição das doações eleitorais de para dentro cachês astronômicos como palestrante contratado da empresa ganhadora das obras. Normal. empresas. Pixuleco nunca mais. Ajuda-memória ao giganA parceria também funcionou no Brasil, claro, com te: ou abre os olhos agora ou não verá as pegadas combelos projetos como o estádio do Corinthians – que uniu panheiras sendo mais uma vez apagadas. Aí os inocentes u seu time do coração com a sua empreiteira idem. Num profissionais estarão prontos para o próximo golpe. drible desconcertante dos titãs, o Morumbi foi desclassificado para a Copa de 2014 e brotou em seu lugar o ItaGuilherme Fiuza é jornalista. Publicou os livros Meu nome não é Johnny, que querão, por R$ 1 bilhão. Como não dava para Gepeto fazer deu origem ao filme, 3.000 dias no bunker e Não é a mamãe – Para entender a a mágica, o Pinóquio PR chamou o bom e velho BNDES Era Dilma. Escreve quinzenalmente em ÉPOCA gfiuza@edglobo.com.br 28 I ÉPOCA I 5 de outubro de 2015



O FUTURO DA LAVA JATO

Em “A teoria Toffoli” (903/2015), ÉPOCA narrou como o Supremo Tribunal Federal retirou do juiz Sergio Moro novos casos da Operação Lava Jato

A Lava Jato tem em Sergio Moro a demonstração de que é possível combater a corrupção. Qualquer mudança nos rumos da operação precisará de sustentação no campo jurídico. Não se podem aceitar manobras. Mas é inaceitável a condenação prévia de acusados por delatores. Escreva para: epoca@edglobo.com.br

Uriel Villas Boas, Santos, SP

COM E N TÁ R IO DA S E MA NA

O juiz Sergio Moro chegou até onde conseguiu e levou muita gente com ele. Mas resta a dúvida: quem investiga aqueles que estão no topo? Muito em breve, o caso será arquivado” Felipe Campino, São Paulo, SP

Será o juiz Sergio Moro o único no país a ter competência para aplicar a lei e punir malfeitores? Sabemos que a maioria dos magistrados brasileiros é, sim, capaz de punir com rigor. Carlos Fabian Seixas, Campos dos Goytacazes, RJ

E mais uma vez sofremos com a proteção ao PT dentro do STF. Brenon Alves, via Twitter

MADE IN BRAZIL

“Delação in english” (903/2015) narrou como o doleiro Alberto Youssef negocia uma colaboração com procuradores americanos

A pergunta é: será que a Justiça dos Estados Unidos também vai fatiar a investigação? Áureo Riders, via Facebook

A delação nos Estados Unidos vai ajudar os americanos que estão processando a Petrobras e prejudicar a empresa. Youssef se tornará a principal testemunha de acusação contra a própria Petrobras. Halley Oliveira, Rio de Janeiro, RJ


PRESENTE DADO...

“Mimos sob suspeita” (Expresso, 903/2015) mostrou a investigação sobre ex-presidentes por possível apropriação indevida de presentes

Se houver algo errado, que se puna. Mas deveria ser uma prática usual. Walter Junior, São Paulo, SP

GASTOS NAS ALTURAS

A coluna Expresso revelou em “A crise está no ar” (903/2015) que a presidentee Dilma Rousseff não dispensa o os helicóptero, mesmo para trajetos curto

Deveria ser criada uma lei para remigular o uso de aeronaves, determ nando percurso mínimo e real urgênciiaa do deslocamento.

Se ganhar um presente, como presidente, é meu, não patrimônio público. Felipe Ferreira, via Facebook

O presente é ao presidente (enquanto instituição), não ao indivíduo. Francisco Assis Fidelis, via Facebook

MA I S COM E NTADAS

M AIS L I DA S

Edsson Santos,, Campinas, SP

INDEVIDO O Ex-presidentes sã ão acusados de se s apropriar dos objetos que ganharam em seus mandatos. Revelação da coluna Expresso

M A I S COM PA RT I L HA DA S

Alta do dólar faz contrato do 1 Corinthians com a Nike... Época Esporte Clube

Ex-Miss Brasil, Márcia 1 Gabrielle escapa de... Coluna de Bruno Astuto

Mesmo em tempos de crise, 1 Dilma não dispensa... Expresso

Corinthians aproveita alta do 2 dólar e abre negociações... Época Esporte Clube

Alta do dólar faz contrato do 2 Corinthians com a Nike... Época Esporte Clube

Fotógrafo faz sequência 2 incrível de fotos da superlua... Experiências digitais

Youssef negocia delação 3 premiada com Departamento de Justiça dos Estados Unidos

Selfies já matam mais 3 humanos do que ataques de... Experiências Digitais

Atrás de “likes”, turistas 3 invadem praia e... Experiências Digitais

Mesmo em tempos de crise, 4 Dilma não dispensa... Expresso

Corinthians aproveita alta do 4 dólar e abre negociações... Época Esporte Clube

A teoria Toffoli: como o 4 STF retirou de Sergio Moro novos casos da Lava Jato

Uber passa o telefone do 5 prefeito Haddad para... Experiências Digitais

Por que as 5 relações acabam Coluna de Ivan Martins

Fundação de Bill Gates 5 processa Petrobras por dinheiro perdido com ações

I N STAG RA M DO L E I TOR @alitiburri venceu o tema “Família(s)”. Confira mais fotos e o tema da próxima edição no site de ÉPOCA: glo.bo/bombou


Os seguidores degenerados de Marx A cegueira ideológica por trás dos ataques da Fundação Perseu Abramo ao ajuste fiscal

A

necessidade de um ajuste fiscal se deve, sobretudo, a uma questão de aritmética. É preciso cortar gastos porque as despesas públicas vêm crescendo acima da renda nacional desde 1991. Por muitos anos, essa conta crescente veio sendo financiada pelo aumento da carga tributária e por um comportamento excepcional da arrecadação federal, em grande parte relacionado ao boom das commodities exportadas pelo Brasil, que, agora, acabou. Em seu primeiro mandato, a presidente Dilma Rousseff não conteve os gastos. Ao contrário, seu governo os ampliou numa tentativa desastrada, batizada pomposamente de “nova matriz macroeconômica”, de estimular o crescimento (leia mais na página 57). A dívida pública cresceu e agora entrou numa trajetória explosiva porque o plano de ajuste do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, ainda não foi implementado. Neste ano, a dívida pública poderá chegar a 70% do Produto Interno Bruto (PIB). Se ela chegar a 80% do PIB, o Tesouro Nacional, por risco de insolvência, não encontrará mais a quem vender seus papéis e o governo federal não conseguirá mais se financiar. É preciso interromper essa espiral, com um plano de ajuste estrutural nos gastos públicos, sem o qual essa aritmética se tornará insolúvel. É uma questão de bom-senso – não importa se você é de direita ou é de esquerda, se defende mais ou menos políticas industriais, se é liberal ou se é desenvolvimentista (leia o artigo do economista Nelson Marconi na página 60). 32 I ÉPOCA I 5 de outubro de 2015

Os economistas da Fundação Perseu Abramo, centro de estudos ligado ao PT, que divulgaram, na semana passada, um documento em que atacam o ajuste fiscal, parecem não ter nenhum apego à realidade dos números. No documento, eles preferem fazer uma leitura ideológica, sectária e primária do ajuste fiscal. Para os “especialistas” da Perseu Abramo, o ajuste fiscal se limita à “defesa dos interesses dos grandes bancos e fundos de investimentos”. “Eles querem capturar o Estado e submetê-lo a seu controle, privatizar bens públicos, apropriar-se da receita pública, baratear o custo da força de trabalho e fazer regredir o sistema de proteção social”, diz o documento. Para a Perseu Abramo, tudo parece se resumir a uma confrontação entre a “burguesia rentista” e os “trabalhadores”, segundo uma leitura distorcida da lógica da luta de classes, concebida por Karl Marx no século XIX. Como diz o ex-ministro Delfim Netto, com seu humor corrosivo, há duas grandes vítimas na história do pensamento econômico. Uma é o economista britânico John Maynard Keynes. A outra é Marx, um dos primeiros economistas a perceber as vantagens da concorrência proporcionadas pelo capitalismo (leia o artigo de Marcos Lisboa na página 58). Cada um, a seu tempo, prestou contribuição para a evolução do pensamento mundial. Hoje, diz Delfim, são vítimas de seus seguidores degenerados, que cometem, em nome deles, as maiores u barbaridades. Foto: DeAgostini/Getty Images

UMA QUESTÃO DE ARITMÉTICA O pensador alemão Karl Marx. Ele percebeu as vantagens da concorrência proporcionadas pelo capitalismo. Seus discípulos têm dificuldades com as contas



TEMPO I NVE STI G AÇÃO

LOBBY O ex-presidente Lula em debate sobre o papel do setor privado no Brasil. Ele atuou em favor da construtora Odebrecht


DOCUMENTOS SECRETOS DO ITAMARATY REVELAM QUE LULA FEZ LOBBY PARA A ODEBRECHT EM LICITAÇÃO NA GUINÉ E USOU O NOME DE DILMA ROUSSEFF JUNTO A PRESIDENTES AFRICANOS Thiago Bronzatto

Foto: Felipe Rau/picture-alliance/dpa/AP


I NVE STI G AÇÃO

a manhã de 13 de março de 2013, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva embarcou em São Paulo num jato Falcon 7x, fretado pela construtora Odebrecht,rumo a Malabo,capital da Guiné Equatorial. O país é governado há 36 anos pelo ditador Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, com quem Lula mantém excelentes relações. Lula se encontrou com empreiteiros brasileiros,que reclamavam da demora do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES,e do Banco do Brasil para a liberação de financiamentos de obras na África. Em seguida, esteve com o vice-presidente da Guiné, Ignacio Milán Tang. Falou como homem de negócios. Disse que estava ali para conseguir contratos para a Odebrecht. Usou sua influência sem meias palavras. O mais poderoso lobista da Odebrecht entrava em ação. A embaixadora do Brasil em Malabo, Eliana da Costa e Silva Puglia, testemunhou a conversa. “Lula citou, então, telefonema que dera ano passado ao Presidente Obiang sobre a importância de se adjudicar obra de construção do aeroporto de Mongomeyen à empresa Odebrecht (este aeroporto servirá às cidades de Mongomo, terra de Obiang, e à nova cidade administrativa de Oyala)”, escreveu a diplomata, em telegrama reservado enviado, logo depois do encontro, ao Itamaraty (leia acima). “Adjudicar” é um termo jurídico comum em contratações de órgãos públicos. Costuma designar o vencedor de uma licitação. Em português claro, portanto, Lula havia pedido ao presidente da Guiné que desse 36 I ÉPOCA I 5 de outubro de 2015

a obra do aeroporto à Odebrecht. E, como bom homem de negócios, fazia, naquele momento, questão de reforçar o pedido ao vice-presidente. O relato sigiloso da embaixadora em Malabo, revelado agora por ÉPOCA, é a evidência mais forte de que Lula, após deixar o Planalto, passou a atuar como lobista da Odebrecht, ao contrário do que ele e a empreiteira mantêm até hoje. ÉPOCA já havia mostrado, também por meio de telegramas do Itamaraty, que Lula fizera lobby para a Odebrecht em Cuba, junto aos irmãos Castro – chegara a usar o nome da presidente Dilma Rousseff para assegurar que o BNDES, continuaria financiando obras no país, como de fato continuou. O caso da Guiné, no entanto, é ainda

mais contundente. A diplomata brasileira flagrou Lula numa admissão verbal e explícita de que ele agia, sim, em favor da Odebrecht. Naquele momento, o governo da Guiné tocava uma licitação para as obras de ampliação do aeroporto. A Andrade Gutierrez, outra empreiteira brasileira, também participava da concorrência, mas não contou com a ajuda do ex-presidente. Lula, ao menos nesse contrato, tinha um único cliente. Um cliente VIP, de quem o petista recebia milhões de reais – apenas por palestras, garantem ele e a Odebrecht. O telegrama da Guiné compõe um conjunto de documentos confidenciais, obtidos por ÉPOCA, sobre as atividades de Lula e da Odebrecht em países que receberam financiamento do BNDES.


Um telegrama reservado, enviado pela embaixada brasileira em Malabo e sigiloso até 2018, mostra o ex-presidente Lula dizendo, pela primeira vez, que fez lobby em favor de uma empresa específica: a Odebrecht. Na mensagem (abaixo), Lula conta que telefonou para o presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Mbasogo (à esq. no Carnaval do Rio deste ano), para falar da importância de ele passar a obra da construção de um aeroporto para a empreiteira

Esses papéis estão sendo analisados pelo Ministério Público Federal em Brasília. Como revelou ÉPOCA em abril, os procuradores investigam Lula oficialmente. Ele é suspeito de tráfico de influência internacional, um crime previsto no Código Penal, por atuar em benefício da maior construtora brasileira, envolvida no petrolão. Os documentos obtidos por ÉPOCA demonstram que Lula percorreu a África atrás de bons negócios para a Odebrecht e outras empreiteiras, das quais também recebia por “palestras”. Como no caso de Cuba, usou o nome de Dilma. Os papéis mostram, também, que Lula, ainda na Presidência, marcou reuniões de empresários africanos com o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, o que Foto: Roberto Filho/Getty Images

contradiz a versão do executivo sobre as relações do petista com ele e o banco. Surgem cada vez mais fatos que contradizem Lula e sua versão de que nunca fez lobby para a Odebrecht e outras empreiteiras. Na última semana, o ex-presidente foi citado num relatório da Polícia Federal na Operação Lava Jato que mostra uma série de trocas de e-mails de executivos da Odebrecht. Numa dessas mensagens, enviada em fevereiro de 2009, o ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, diz a um assessor especial de Marcelo Odebrecht, presidente do grupo, que o “PR fez o lobby” para a construtora numa obra na Namíbia, na África. “PR”, segundo os investigadores, significa Presidente

da República, cargo ocupado por Lula na época dos fatos. As reuniões de Lula na Guiné deram início a um tour de negócios pela África. Ele passaria em outros três países. Dois dias depois do encontro com o vice-presidente da Guiné, Lula chegou a Acra, capital de Gana. Foi recebido com pompa pelo chefe de Estado do país, John Dramani Mahama. Sem muitos rodeios, numa conversa privada, Mahama pediu o apoio de Lula para conseguir junto às autoridades brasileiras a liberação de uma linha de crédito no valor de US$ 1 bilhão destinada ao financiamento de projetos de infraestrutura. Segundo registro feito num telegrama reservado do Itamaraty, o presidente ganês “frisou que o apoio do ex-presidente Lula a essa sua s 5 de outubro de 2015 I ÉPOCA I 37


I NVE STI G AÇÃO

demanda serviria para facilitar e acele- atenção de empresários brasileiros para o rar as necessárias negociações relativas à potencial de investimentos no Benin”, diz aprovação do crédito”. o telegrama.A aventura de Lula na África Após ouvir atento o pleito de seu era um sucesso. colega, o líder petista encontrou uma solução. Destaca a mensagem diplomá- UM TELEFONEMA AMIGO Lula e Luciano Coutinho,presidente do tica: “O ex-presidente Lula disse acreditar que o BNDES teria condições de BNDES, mantêm relações camaradas há acolher a solicitação da parte ganense muitos anos. Coutinho, que foi indicado e, nesse sentido, intercederia junto à por Lula para assumir o banco de fomento presidenta Dilma Rousseff ”. A pedido em 2007, participou de alguns eventos e de Lula, o presidente de Gana entregou reuniões no Instituto Lula, em São Pauuma nota formalizando a solicitação de lo. Numa audiência recente na CPI do crédito. Quatro meses depois, no dia 19 BNDES, Coutinho foi enfático. Disse que de julho de 2013, o BNDES abriu seus Lula “jamais solicitou e interferiu no BNcofres e liberou para um consórcio for- DES a respeito de qualquer projeto especímado, sim, pela Odebrecht e pela An- fico”.“Eu não me recordo de o presidente drade Gutierrez a contratação de US$ Lula ter me inquirido ou perguntado a 202,1 milhões (R$ 452,7 milhões, em respeito de projetos específicos”, disse o valores da época) para a construção de presidente do BNDES. Os telegramas do uma rodovia em Gana. A taxa de juros Itamaraty contam outra história. do empréstimo é a Em 9 de julho de segunda menor con2007, o ex-presidente cedida pelo BNDES moçambicano Jode um total de 532 aquim Chissano se LULA LIGOU PARA operações voltadas encontrou com Lula O PRESIDENTE DO para a exportação. no Palácio do Planalto. Eles discutiram O prazo para o paBNDES E PEDIU PARA como as empresas gamento da dívida QUE UM EMPRESÁRIO também é camarada: brasileiras poderiam MOÇAMBICANO 234 meses, ou seja, firmar parcerias para 19,5 anos, bem acima a produção de etaFOSSE RECEBIDO da média de 12 anos nol no país africano, praticada pelo banco. assunto de interesse De Gana, Lula seguiu para Benin, especialmente da Odebrecht. Chissano acompanhado de empreiteiros presos na buscava sócios para sua empresa famiLava Jato, como Léo Pinheiro, da OAS, e liar de biocombustível, a MJ3. Mesmo se Alexandrino Alencar, da Odebrecht. Num tratando de um negócio privado, Lula se encontro reservado com o presidente de prontificou a ajudar o ex-chefe de Estado Benin, Boni Yayi, Lula expôs as dificul- moçambicano. Ligou para Luciano Coudades para a liberação do empréstimo tinho no ato e marcou uma reunião no pelo BNDES para o país.“(Yayi) solicitou fim do mesmo dia na sede do BNDES, no apoio do ex-PR Lula para a flexibilização Rio de Janeiro. Em um telegrama secreto das exigências do COFIG/BNDES”, diz do Itamaraty enviado no dia 12 de julho um telegrama. O Comitê de Financia- de 2007 de Maputo, capital de Moçammentos e Garantias (Cofig) é o órgão que bique, a embaixadora brasileira no país, auxilia na análise de diversas demandas Leda Lucia Camargo, relatou:“(Chissano) de operações de crédito para a exportação contou que foi a Brasília para entrevistarfeitas no BNDES. Os empresários brasi- -se com o Presidente Lula (conforme me leiros tiveram a oportunidade de prospec- adiantara telefonicamente no dia 28 de tar projetos de infraestrutura.“Embora o junho), o qual telefonou ao Dr. Luciano tom da visita, por parte do Instituto Lula, Coutinho para ver a disponibilidade do tenha sido mais de cortesia e amizade, o BNDES em créditos para empresas braevento ajudou a dinamizar as discussões sileiras que atuarão no projeto de etanol em torno da relação entre atores privados de sua empresa MJ3”. dos dois países e, principalmente, atraiu a A iniciativa de Lula de atuar em favor s 38 I ÉPOCA I 5 de outubro de 2015

Foto: Ricardo Stuckert


No mesmo tour, Lula foi a Gana e se encontrou com o presidente John Draman Mahama (ao lado). Mahama pediu que Lula intercedesse na liberação de um crédito de US$ 1 bilhão pelo BNDES. O Itamaraty relata, em telegrama (abaixo), que “o ex-presidente Lula disse acreditar que o BNDES teria condições de acolher a solicitação da parte ganense e, nesse sentido, intercederia junto à presidenta Dilma Rousseff”. Meses depois, o BNDES liberou US$ 202,1 milhões para um consórcio formado pela Odebrecht e pela Andrade Gutierrez

5 de outubro de 2015 I É ÉPOCA I 39


I NVE STI G AÇÃO

da empresa do clã Chissano acabou empolgando, inclusive, a própria embaixadora brasileira em Moçambique. No mesmo ano, em outubro de 2007, Leda Lucia Camargo relatou em telegrama secreto que a fabricante de ônibus Marcopolo estava disposta a renovar a frota de transporte rodoviário do país. Mas, segundo executivos da empresa, havia um problema: “As rígidas garantias requeridas pelo BNDES, as quais não se diferenciam entre países pobres ou em desenvolvimento e desenvolvidos, dificultando sobremaneira um desfecho positivo a negociações comerciais”, segundo a mensagem diplomática. A embaixadora, que se declara prima do vice-presidente da Marcopolo, José Carlos Martins, responsável pela missão da companhia no país africano, sugeriu uma solução para o impasse: “Tendo em vista o apoio junto ao BNDES que o Senhor Presidente da República concedeu ao ex-presidente Joaquim Chissano 40 I ÉPOCA I 5 de outubro de 2015

Em agosto, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho (acima), disse para a CPI que investiga o banco que Lula jamais interferiu nos negócios. Porém, em um telegrama de 2007, a embaixadora brasileira em Moçambique relata que o então presidente, Joaquim Chissano (foto menor), lhe contou que Lula telefonou para Coutinho para ver se o BNDES liberaria créditos para empresas brasileiras que atuariam num projeto de etanol de uma empresa particular de Chissano

por ocasião de audiência a este último em 09 de julho para apresentar projeto na área de biocombustíveis (telefonando diretamente ao Dr. Luciano Coutinho), muito agradeceria saber, à luz inclusive da recente visita de Estado ao Brasil do Presidente Armando Guebuza, se seria possível sensibilizar igualmente o BNDES quanto a apoiar a venda de ônibus para Moçambique, com certa flexibilização das garantias exigidas”. Apesar do pedido da embaixadora, não houve financiamento para a Marcopolo. Procurado por ÉPOCA para esclarecer os e-mails apreendidos pela PF, o ex-ministro Miguel Jorge disse que Lula agiu de forma apropriada. “Se o lobby é feito sem nenhum interesse de lucro pessoal, todo ex-presidente e ex-ministros deveriam usar sua influência em favor das empresas de seu país. Lula, por exemplo, cobra cerca de US$ 200.000 para dar uma palestra para cerca de 300 pessoas, sem promover um produto s Foto: Beto Barata/Folhapress



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específico, enquanto o ex-presidente americano Bill Clinton cobra cerca de US$ 300.000”, disse. Questionado sobre o fato de Lula receber dinheiro da Odebrecht, sua maior cliente, para dar palestras em países onde a construtora possui obras financiadas pelo BNDES, Miguel Jorge respondeu: “Aí, é uma avaliação que não é tão fácil de fazer”. O Instituto Lula, por sua vez, disse que processará jornalistas de ÉPOCA. “A diplomacia presidencial contribuiu para aumentar as exportações brasileiras de produtos e serviços, que passaram de US$ 50 bilhões para quase US$ 200 bilhões”, disse o Instituto. “Temos a absoluta certeza da legalidade e lisura da conduta do ex-presidente Lula, antes, durante e depois do exercício da Presidência do país, e da sua atuação pautada pelo interesse nacional”, disse o Instituto, em nota. Quanto à investigação do Ministério Público sobre Lula, o Instituto Lula afirmou que“há a afirmação textual do procurador de que não há elementos que comprovem nenhum ilícito e que a abertura do inquérito deu-se para estender o prazo”. Por fim, o Instituto disse que “não há o que comentar sobre 42 I ÉPOCA I 5 de outubro de 2015

MENSAGEIRO O ex-ministro Miguel Jorge. Num e-mail de 2009, ele diz a um assessor de Marcelo Odebrecht que o “PR fez o lobby” para a construtora numa obra na Namíbia. Para a PF, “PR” é uma referência a Lula

supostos documentos mencionados pela revista sem ter conhecimento da íntegra desses documentos sem manipulações, para oferecer a resposta apropriada, se for o caso”. O BNDES disse que “todos os contatos entre o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, e o então presidente Lula ocorreram dentro do papel institucional de cada um e da mais absoluta lisura”. Afirmou o banco: “Faz parte da rotina do presidente do BNDES receber empresários e representantes de países estrangeiros. A tramitação das operações de financiamento do BNDES obedece a um processo de análise rigoroso e impessoal, envolvendo mais de 50 pessoas, entre equipes técnicas e órgãos colegiados”. Procurada, a Odebrecht Infraestrutura diz que mantém uma relação institucional com o ex-presidente Lula e que ele foi convidado para fazer palestras em eventos voltados a defender “as potencialidades do Brasil e de suas empresas”. A empresa diz que apresentou proposta para o projeto do Terminal do Aeroporto de Mongomoyen, na Guiné Equatorial, mas não foi vencedora na licitação. A construtora também disse que os trechos de mensagens eletrônicas apontadas em relatório da Polícia Federal apenas registram uma atuação institucional legítima e natural nos debates de projetos estratégicos para o país. A companhia lamentou a divulgação e “interpretações equivocadas dos e-mails”. As investigações do Ministério Público Federal no Distrito Federal sobre a suspeita de tráfico de influência internacional praticado pelo ex-presidente e a Operação Lava Jato poderão confluir em algum momento. Os investigadores de Brasília já pediram à força-tarefa de Curitiba o compartilhamento de provas. Procuradores da capital federal apuram se os cerca de R$ 10 milhões pagos pelas empreiteiras envolvidas no Petrolão para a LILS, empresa de palestras de Lula, tiveram origem lícita e uma contraprestação de serviços. Caberá, portanto, ao Ministério Público indicar se há elementos que justifiquem a denúncia do ex-presidente. u Foto: David Mbiyu/Demotix/Corbis


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I NVE STI G AÇÃO Leandro Loyola

AO ABRIR MÃO DE SEUS MINISTROS MAIS PRÓXIMOS E DAR QUASE TUDO AO PMDB, DILMA SE APAGA – E A INFLUÊNCIA DO ANTECESSOR BRILHA COMO NO COMEÇO DE SEU GOVERNO

44 I ÉPOCA I 5 de outubro de 2015

ouco antes de viajar para os Estados Unidos, há duas semanas, a presidente Dilma Rousseff recebeu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para uma conversa reservada no Palácio da Alvorada. O principal tema era a necessidade de Dilma mudar completamente o governo para enfrentar a crise econômica e política. Lula pegou pesado na defesa de seus pontos de vista. Disse que havia apoiado Dilma para dar continuidade a seu projeto e ela estragara tudo. Dilma chegou perto de chorar.“Você escuta, mas não ouve”, dis-


se Lula, em uma repetição da frase que tem dito há meses a ela e a aliados que o procuram para reclamar da presidente. Não foi a primeira conversa dura entre os dois. Em outras ocasiões, Dilma e Lula discordaram radicalmente, gritaram um com o outro e bateram as mãos na mesa. Antes, no entanto, Dilma escutava, mas não ouvia, ou seja, não mudava nada em sua conduta. Desta vez, no entanto, foi diferente. Sem popularidade, sem votos no Congresso e sem ordem na economia, Dilma teve de ceder. Após a volta de Dilma de Nova York, Lula passou a desenhar com ela as trocas

VENCEU Lula com o ministro Jaques Wagner. Após meses, Lula conseguiu colocar o amigo no lugar de Aloizio Mercadante

Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula

no ministério. Foram pelo menos mais duas conversas até chegar ao quadro final. Lula acertou com Dilma o aumento do espaço do PMDB, que agora tem sete ministérios; as fusões que cortaram oito ministérios, como Dilma queria; a oficialização da entrega da articulação política ao petista Ricardo Berzoini; o afastamento de Miguel Rossetto da Secretaria-Geral da Presidência, no Palácio do Planalto, para o Ministério da Previdência; e o passo decisivo e mais perseguido por Lula, a saída de Aloizio Mercadante da Casa Civil para a entrada de Jaques Wagner.“Quero enfatizar que a fusão de alguns ministérios tem um objetivo que é fortalecer e dar maior eficiência às políticas públicas”, diz Dilma ao anunciar seu novo ministério. Dilma busca, com a barganha de ministérios com o PMDB, ganhar poder para governar. Há dúvidas sobre se isso ocorrerá. Os auxiliares mais ligados a Dilma – Mercadante e Rossetto – foram afastados e substituídos por gente da confiança de Lula. Lula poderá direcionar o governo de modo a construir sua candidatura à Presidência em 2018, coisa que já anunciou. Lula fará o que mais gosta, e sabe fazer, à custa de Dilma. Na semana passada, Lula conversou com Dilma na véspera do anúncio da reforma ministerial. Esteve no Palácio da Alvorada e participou com ela do almoço com ministros petistas mais próximos e com o presidente do partido, Rui Falcão. Foi Lula quem conduziu o processo de negociação da reforma, inclusive a escolha dos nomes do PT para os outros ministérios. Há meses ele insistia, em especial, na troca de Mercadante. No início da semana passada, a bancada de senadores do PT pediu o afastamento de Mercadante – assim como os deputados haviam feito na semana anterior. Mercadante não tinha mais sustentação.Ponto para Lula,que sempre quis substituí-lo por Jaques Wagner, ex-ministro da Defesa, como forma de estabelecer um diálogo mais amigável com o Congresso. Dilma sempre resistiu. Identifica-se com Mercadante. Além do mais, abrir mão de alguém de sua confiança no principal cargo do ministério por alguém tão próximo a Lula era sinal de enfraquecimento. Agora, é uma prova. Após a eleição do ano passado, Dil-

ma julgava-se mais poderosa. Passou mais de dois meses sem conversar com Lula. Quando voltaram a se falar, por força das circunstâncias negativas, o papo não foi bom. Dilma e Lula conversaram a sós no Palácio da Alvorada, em 11 de março. De fora da sala, alguns puderam ouvir gritos e tapas na mesa. “Você atrapalha o meu governo com os seus vazamentos!”, disse Dilma. “Você é incompetente!”, disse Lula. Era o início da crise do governo com o PMDB. Na residência oficial do presidente do Senado, Renan Calheiros, Lula falara o que o PMDB queria ouvir: criticou o governo e sua postura de isolar o aliado – ideia de Dilma e de Mercadante. A ampliação do espaço do PMDB é um sinal claro da influência de Lula e da capitulação de Dilma diante da emergência de obter apoio na Câmara para evitar o pior, se é que ainda há tempo para isso. O protagonismo de Lula, menos explícito nos últimos anos e mais explícito na semana passada, desmoraliza Dilma. Nunca um presidente da República foi assim controlado por seu antecessor. Em Lula, ao contrário de Dilma, o Congresso enxerga poder. Houve um tempo, longínquo, em que Dilma tinha poder. Havia até uma personagem com seu nome. Sua turma no Palácio do Planalto tratou logo de cooptar a Dilma Bolada, criada pelo publicitário Jeferson Monteiro. Mediante um cachê de R$ 20 mil mensais, Dilma Bolada virou arma de marketing político, junto com robôs e perfis falsos, para defender Dilma Rousseff e atacar seus adversários com piadas. Contudo, até esse naco de poder o mau humor da crise derrubou. Na semana passada, Monteiro anunciou que sua Dilma digital está bolada com a real: Dilma Bolada não apoia mais Dilma Rousseff. “Afinal, para ela, só importa o apoio do PMDB e de parte do empresariado para que ela se mantenha lá onde está. Trocou o Governo pelo cargo. Não é o Governo que eu e mais de 54 milhões de brasileiros elegemos”, disse a Bolada sobre a Rousseff. “Você pagou com traição a quem sempre lhe deu a mão.”É, não tem outro jeito. Dilma tinha mesmo de u chamar o Lula. Com Ricardo Della Coletta 5 de outubro de 2015 I ÉPOCA I 45


I NVE STI G AÇÃO

Ricardo Della Coletta

A DESCOBERTA DE CONTAS BANCÁRIAS NO PARAÍSO FISCAL ENFRAQUECE O PRESIDENTE DA CÂMARA, EDUARDO CUNHA. ACUADO COMO JAMAIS ESTEVE, CUNHA VIU SEU PARTIDO ADERIR À REFORMA PROPOSTA POR DILMA 46 I ÉPOCA I 5 de outubro de 2015

a noite de quinta-feira, uma multidão de integrantes do PMDB esteve em um jantar no Palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente, Michel Temer. Estavam lá líderes do partido, ministros que permaneceriam em seus cargos e outros que estavam chegando, como o deputado Celso Pansera, um representante do baixo clero alçado à Esplanada. Comemoravam o avanço territorial sobre o PT, com a conquista de sete ministérios, inclusive o da Saúde. Uma ausência escandalosa foi percebida. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, um dos mais poderosos integrantes do PMDB – e que sempre defendeu o rompimento do partido com o governo –, estava ali perto e não foi. A alegre adesão de parte do PMDB à reforma foi uma derrota para ele.


SILÊNCIO O presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Contas secretas o colocam na mesma situação dos operadores do petrolão

Horas antes, enquanto exercia sua função de presidir sessões da Câmara, Eduardo Cunha passara por um episódio constrangedor. No meio de uma votação durante a sessão de quintafeira, o deputado Chico Alencar, do PSOL, tomou o microfone e provocou. “O presidente Eduardo Cunha tem ou não tem contas na Suíça?”, perguntou Alencar. “Será que esse assunto vai ficar abafado aqui na Câmara?” Cunha ignorou. “Como vota a Rede?”, limitou-se a responder Cunha, e continuou o processo de votação. Na semana passada, procuradores da Suíça enviaram à Procuradoria-Geral da República, em Brasília, registros de quatro contas bancárias atribuídas a Eduardo Cunha e seus familiares no país. O dinheiro depositado nelas foi bloqueado. Desde abril, Cunha é investigado pelo Ministério Público suíço Foto: Adriano Machado/ÉPOCA

por suspeita de corrupção e lavagem de dinheiro. As contas não estão em nome dele. Como é usual no mundo dos paraísos fiscais, o nome de Cunha está oculto atrás de empresas offshore que aparecem como as titulares das contas. Os suíços descobriram que entre os beneficiários do dinheiro de pelo menos uma das contas estão Cunha e familiares. A pergunta de Chico Alencar era uma armadilha. Responder a ela embutia o risco de jogar fora não só o cargo de presidente da Câmara, o terceiro na linha da sucessão presidencial, como mais três anos de mandato. Cunha pode ser acusado de quebra de decoro parlamentar. Ele não mencionou as contas suíças na declaração de bens entregue à Justiça Eleitoral no ano passado – citou apenas uma conta bancária no Brasil, com saldo de R$ 21 mil. Em seu depoimento voluntário à CPI da Petrobras, em março, quando foi praticamente ovacionado pelos colegas, reafirmou: “Não tenho qualquer tipo de conta em qualquer lugar que não seja a conta que está declarada no meu Imposto de Renda”, disse. A omissão das contas suíças configura quebra de decoro, de acordo com o Código de Ética da Câmara, o que justifica a abertura de um processo capaz de resultar na perda do mandato. Desde o início da Operação Lava Jato, Eduardo Cunha já foi acusado por três delatores de ser um dos beneficiários do dinheiro desviado da Petrobras. O lobista Júlio Camargo disse ter passado US$ 5 milhões de propina da Petrobras para Eduardo Cunha. A situação piorou desde a prisão de outro lobista ligado ao PMDB, João Augusto Henriques. Em 2013, Henriques disse a ÉPOCA que operava para o PMDB e o partido recebia comissão por negócios fechados

pela Petrobras. Preso em 21 de setembro, Henriques disse que, em meio a seu trabalho de distribuir propina, depositou dinheiro em diversas contas. Afirmou que soube, pelas autoridades suíças que o questionaram, que algumas das contas pertenciam a Cunha. Por causa das delações, o procuradorgeral da República, Rodrigo Janot, denunciou Cunha. O Supremo Tribunal Federal ainda decidirá se transforma o presidente da Câmara em réu. Manter conta bancária no exterior não é crime. Mas a lei exige que o correntista declare a existência delas à Receita Federal e ao Banco Central. No campo político, minado pela Lava Jato, no entanto, o código é outro. “Se isso (a existência das contas) se confirmar, o Eduardo vai virar um Pedro Barusco, um Fernando Baiano, um operador com conta clandestina no exterior”, disse um colega do PMDB. “Quem tem dinheiro de origem lícita não precisa ter conta secreta.” Até agora, a oposição e parte da base rebelde do governo deram apoio a Cunha. A disposição dele para espezinhar o governo e encaminhar pedidos de impeachment da presidente Dilma Roussef dava-lhe respaldo.“Não vamos deixar uma questão pessoal influenciar em uma questão institucional”, diz o deputado Marcus Pestana, do PSDB. A condução de Cunha é essencial para um hipotético processo de impeachment. Nesta semana Cunha colocará em votação um dos pedidos de impeachment de Dilma que tem sobre a mesa. Será o primeiro teste para um governo que acha que, ao entregar ministérios ao PMDB, terá apoio na Câmara. A lição passada mostra que isso é arriscado. Todas as vezes em que foi acuado, Cunha u conseguiu machucar o governo. 5 de outubro de 2015 I ÉPOCA I 47


I NVE STI G AÇÃO

CAMPANHA Dilma Rousseff, durante a campanha eleitoral de 2014. Datas e valores (acima) coincidem com doações declaradas ao TSE Daniel Haidar

A POLÍCIA FEDERAL APREENDE MENSAGENS DO EMPREITEIRO RICARDO PESSÔA E, A PARTIR DELAS, SUSPEITA QUE DINHEIRO DA PETROBRAS POSSA TER IRRIGADO A CAMPANHA DE DILMA ROUSSEFF

ntre os milhões de dados captados pela investigação da Operação Lava Jato, a Polícia Federal deparou com um conjunto de diálogos mantidos pelo empreiteiro Ricardo Pessôa, da UTC, por meio do aplicativo de mensagens WhatsApp. Trata-se de uma conversa de trabalho que, para os investigadores, aponta para um possível depósito de dinheiro saído da Petrobras para o caixa da campanha presidencial de Dilma Rousseff, no ano passado. Um dos diálogos aconteceu pouco antes das 13 horas de 29 de julho do ano passado – pouco depois, segundo a PF, de Ricardo Pessôa ter participado de uma reunião no comitê de campanha de Dilma, em Brasília. Àquela altura, o exdiretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa já estava preso em Curitiba. Mas o que preocupava Pessôa não era a possibilidade de ir parar em uma cela – ele só seria preso quatro meses depois. Pelo teor das mensagens, a PF suspeita que Pessôa estivesse angustiado com outra coisa. Que o fluxo de seus repasses para o PT coincidisse com o s Foto: Alan Marques/Folhapress



I NVE STI G AÇÃO

dinheiro desviado da Petrobras, para que ele não tivesse de mexer no próprio caixa. Após o encontro no comitê, Pessôa acionou o diretor financeiro da UTC, Walmir Santana, pelo WhatsApp. “A pessoa que você tem que ligar é Manoel Araujo. Acertado 2.5 dia 5/8 (ate) e 2.5 ate 30/8”, disse Pessôa. Manoel Araújo era auxiliar do então tesoureiro da campanha de Dilma, Edinho Silva, atualmente ministro da Secretaria de Comunicação Social. Hoje, Manoel tem uma sala no 2o andar do Palácio do Planalto e é o chefe de gabinete de Edinho. Na resposta, Manoel lembrou Pessôa sobre o atraso no recebimento de “um valor da PB” e sugeriu uma forma de equilibrar os repasses.“RP, posso resgatar o que fizemos de doações esta semana? Tá pesado e não entrou um valor da PB que estava previsto para hoje, mais ou menos 5 milhões.” O chefe autorizou: “Ok pode. Você não resgatou nada ainda certo?”, disse Pessôa. Para os investigadores da Lava Jato, “PB” é uma abreviação para Petrobras e “RP” é Ricardo Pessôa. O número “2.5”, segundo a PF, coincide com o valor das doações – R$ 2,5 milhões. Em seus depoimentos colhidos no acordo de delação premiada, homologado pelo Supremo Tribunal Federal, Ricardo Pessôa disse que gastou parte do dinheiro desviado da Petrobras em doações à campanha de Dilma. Afirmou 50 I ÉPOCA I 5 de outubro de 2015

FLUXO Ricardo Pessôa, da UTC. Segundo a Polícia Federal, ele queria receber da Petrobras a tempo de doar para o PT

que o então tesoureiro Edinho Silva cobrou essas doações com base nos contratos mantidos pela empreiteira com a estatal. Segundo Pessôa, o comitê petista exigiu R$ 20 milhões. Ele diz, no entanto, que reduziu o repasse para R$ 10 milhões – R$ 5 milhões em cada turno, em duas parcelas de R$ 2,5 milhões cada. As exigências relatadas na conversa por WhatsApp coincidem com as doações da UTC registradas no Tribunal Superior Eleitoral: entraram R$ 2,5 milhões no comitê da presidente em 5 de agosto, R$ 2,5 milhões em 27 de agosto e R$ 2,5 milhões em 22 de outubro. Como foi preso em 14 de novembro, Pessôa ficou devendo R$ 2,5 milhões. O coordenador jurídico da campanha presidencial, Flávio Caetano, disse em nota que “os dados do Tribunal Superior Eleitoral, o TSE, sobre as datas das doações feitas pela UTC à campanha presidencial de Dilma Rousseff em 2014 revelam que se trata de ilação interpretar o teor dos diálogos como vínculos da campa-

nha com esquemas sob investigação”. Conforme as investigações e as delações da Lava Jato avançam, enfileiram-se relatos e indícios de que o dinheiro do petrolão abasteceu campanhas eleitorais do PT desde 2006. Técnicos da Justiça Eleitoral calculam que empresas envolvidas no petrolão doaram R$ 172 milhões ao PT entre 2010 e 2014. No ano passado, a campanha presidencial recebeu R$ 47,5 milhões diretamente dessas companhias. A primeira evidência dessa ligação descoberta pela Lava Jato veio do empresário Augusto Mendonça, sócio do grupo Toyo Setal. Após acordo de delação, ele comprovou o repasse de R$ 4,2 milhões a diretórios do PT em sincronia com a transferência de pagamentos da Petrobras. O doleiro Alberto Youssef, o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e o lobista Fernando Baiano disseram que o ex-ministro Antonio Palocci cobrou e recebeu R$ 2 milhões para a disputa presidencial de 2010. O ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco afirmou que a holandesa SBM Offshore repassou US$ 300 mil para a campanha de Dilma naquele ano. Uma proposta de delação premiada feita pelo ex-diretor da estatal Nestor Cerveró, em análise no Ministério Público, menciona ainda o repasse de R$ 4 milhões pela Odebrecht para a campanha do presidente Lula em 2006, como revelou ÉPOCA. Pessôa também diz que repassou, em doações clandestinas por uma conta na Suíça, cerca de R$ 2,4 milhões para o caixa dois da campanha de Lula. O lobista João Augusto Henriques, segundo reportagem de ÉPOCA publicada em 2013, disse que a Odebrecht doou US$ 8 milhões desviados de um contrato com a Petrobras para a primeira campanha de Dilma. Suspeitas de ligação entre o petrolão e doações eleitorais fazem parte de uma das quatro ações apresentadas pelo PSDB contra a chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral. Nessa ação, quatro ministros votaram pela abertura de um processo que, em última instância, pode levar à impugnação da chapa Dilma-Temer. O andamento do processo foi interrompido desde que a ministra Luciana Lóssio pediu vista no fim de agosto. A ação pode voltar ao plenário nesta terça-feira. u Foto: Paulo Whitaker/Reuters



M A PA D O M U N D O

Putin quer atenção Com a guerra do petróleo, a Rússia entra em crise econômica. A nova estratégia do presidente é mostrar poder na arena internacional. E tome bombardeio 52 I ÉPOCA I 5 de outubro de 2015


Rodrigo Turrer

N

ESTOU AQUI Vladimir Putin e Barack Obama em encontro na ONU, na semana passada. Confronto geopolítico

o domingo, 27 de setembro, o presidente russo Vladimir Putin concedeu uma rara entrevista à imprensa ocidental. Quando o jornalista Charlie Rose, apresentador do programa 60 minutos, da rede americana de TV CBS, disse a Putin que “muitos acreditam que parte de seus objetivos na Síria seja defender o presidente sírio Bashar al-Assad”, ele fuzilou, sem delongas: “Está certo, é isso mesmo. Nós apoiamos o governo legítimo da Síria”. Menos de dois dias depois, Putin mostrou seu grau de compromisso com Assad. Depois de semanas enviando as melhores armas russas para a Síria, com caças, tanques, helicópteros e sistemas de mísseis para as bases aéreas e militares em Damasco, Deir ez-Zor e Latakia, Putin decidiu usá-las contra os rebeldes que há quatro anos e sete meses tentam tirar Assad do poder. Foram mais de 30 ataques em dois dias – e com uma força descomunal. Ao menos 200 pessoas morreram. A brutalidade produziu imagens estarrecedoras de civis mortos e feridos, inclusive crianças. A justificativa oficial de Putin para os ataques é combater o avanço do Estado Islâmico, o grupo radical religioso de crueldade pré-histórica, que em três anos conquistou uma área equivalente à da Itália, com 300 mil quilômetros quadrados, no noroeste do Iraque e nordeste da Síria, e provocou um êxodo de 11 milhões de pessoas. Combater o EI parece nobre. O mapa dos ataques russos, no entanto, mostra que não houve bombardeios em áreas dominadas pelos jihadistas do EI. Foi apenas um pretexto. Os russos bombardearam áreas controladas pelo Exercito Livre da Síria, nomenclatura que congrega os opositores moderados ao regime de Assad e que passou os últimos dois anos sendo treinada e armada pelos Estados Unidos. Entre as vítimas há ao menos dez lideranças militares. O Exército Livre encabeça, ao lado do EI, a lista de“milícias terroristas”, segundo os critérios de Assad. “Se anda como um terrorista, luta como um terrorista, só pode ser um terrorista”, afirmou na quinta-feira, dia 1o, o ministro das Relações Exteriores russo, Serguei Lavrov, ao explicar a estratégia dos ataques. Assad é um ditador genocida – mas Foto: Kevin Lamarque/Reuters

é aliado da Rússia. Ao defendê-lo, Putin formou a seu redor uma espécie de coalizão xiita, em que a Rússia é secundada por Irã, Iraque e pela milícia libanesa Hezbollah – todos inimigos figadais dos países sunitas do Golfo. Putin compra o risco de se tornar o alvo preferencial dos radicais sunitas que aderem ao jihadismo. Os sunitas são a maioria na Síria – além de segmento dominante no mundo árabe. Putin e a Rússia podem ser vistos como protetores de Assad, um criminoso de guerra xiita. Assim, incendeiam mais o Oriente Médio. Pior do que cutucar jihadistas, os bombardeios de Putin elevam um conflito local ao cenário mundial por seu enfrentamento com os Estados Unidos. A guerra na Síria é reflexo da disputa regional entre os países xiitas aliados ao Irã e os países sunitas patrocinados pelas potências do Golfo. Desde o fim do ano passado, os rebeldes sírios, agora bombardeados pela Rússia, se tornaram a salvação da lavoura para os Estados Unidos. Com a expansão do Estado Islâmico, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, deu a bênção a um programa de treinamento de rebeldes sírios moderados, coordenado pela CIA. Com US$ 500 milhões, o programa Novas Forças Sírias (NSF, New Syrian Forces) pretendia treinar e equipar 5 mil rebeldes para combater os jihadistas do EI. Na prática, os rebeldes combatiam o EI e as forças de Assad. “A entrada efetiva da Rússia nesse combate é uma profunda inflexão estratégica na geopolítica no Oriente Médio”, afirma Frederick Kagan, analista político e historiador do American Enterprise Institute. “É a primeira vez na história que a Rússia tem uma base para projetar sua força militar para além do Mar Negro.” A partir da Síria, Putin pode atacar alvos no Líbano, no Iraque, na Jordânia e em Israel. Putin não tem ambições imperialistas – apesar de alguns arroubos expansionistas, como a anexação da Crimeia, em 2014. A jogada na Síria é menos ambiciosa do que parece. Faz parte do teatro que Putin alimenta desde que chegou ao poder, há 15 anos: mostrar ao mundo que a Rússia voltou – e em grande estilo. Precisa ser levada em conta. No caso da s 5 de outubro de 2015 I ÉPOCA I 53


M A PA D O M U N D O

JOGO BRUTO PELO DIITADOR A presença russa permite operaações militares, além da Síria, no Líbano, Iraque, Jordânia e Israel. A justificativa é atacar o Estado Islâmico, mas os russos só bomb bardearam rebeldes moderados

M

E

SUKHOI SU-30 FLANKERS

Moscou posicionou seus melho ores caças de combate na base de Latakia. Dali, o raio de alcance russo cobre todo o Le evante (S Síria, Líbano, Jo ordân nia, Iraque e Israell) e chega à Arábia Sau udita

RRÂNEO TE I D

Aleeppo o

1 No complexo de al-Sanobar, estão mais de 30 caças russos

Idlib

1

MA

R

Área de controle do Estado Islâmico Área de ataque do Estado Islâmico Área de apoio ao Estado Islâmico Área de controle rebelde Bases militares com presença russa Alcance de ataque das tropas russa as

LATAKIA Aeroporto internacional

2

H

a

Tartus

DEIR EZ-ZOR

HO S 3

Ataque aéreo russo

Al-Nabk

2 Os bombardeios se concentraram em áreas dominadas pelos rebeldes 3 Os ataques foram na fronteira de territórios controlados por Assad e pelos rebeldes

A ASCO

ARMAS RUSSAS

Daraa

Putin enviou um arsenal para Assad Mi-24 Hind

Helicóptero militar

SA-10 Grumble (S-300)

Sistema de mísseis

80 km Fonte: Institute of the Study of War (ISW)

Síria, Putin decidiu capitalizar sobre a tradicional indecisão americana sob a direção de Obama. O americano nunca quis se envolver no atoleiro sírio, o plano de armar rebeldes foi um fiasco e os 7 mil ataques aéreos da coalizão liderada pelos Estados Unidos nos últimos 12 meses surtiram pouco efeito. Putin aproveitou o cenário para entrar com um jogo bruto, em uma tentativa de mostrar a seus cidadãos que os americanos são fracos, a Europa é negli54 I ÉPOCA I 5 de outubro de 2015

gente e a Rússia é forte. Com o despencar dos preços do petróleo e as sanções internacionais à Rússia pela anexação da Crimeia e pelo conflito com a Ucrânia, não poderia haver hora melhor.“A bandeira de legitimidade de Putin por 15 anos foi a seguinte: eu não sou democrata, mas garanto estabilidade, crescimento econômico e melhores condições de vida para todos”, diz a jornalista americana Anne Applebaum, autora de quatro livros sobre a Rússia. “Com a crise eco-

nômica, a nova bandeira é: eu não sou um democrata e a economia está afundando, mas a Rússia gloriosamente recupera seu lugar na arena mundial.” Um dos maiores nomes da literatura russa, Anton Tchekhov, explicava que, na Rússia, “se no primeiro capítulo você conta que há um rifle pendurado na parede, no segundo ou no terceiro capítulo é imprescindível que ele seja usado”. A despeito de todo o poder, quem é Putin u para contrariar Tchekhov?




IDEIAS D E B AT E S E P R OVO CAÇ Õ E S

O MODELO DE INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA SE ESGOTOU?

O fracasso da política econômica de Dilma Rousseff é uma unanimidade. Economistas de várias tendências criticam a presidente. Mas o papel do Estado na retomada do crescimento continua a dividir liberais e desenvolvimentistas Vinicius Gorczeski

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o discursar na Assembleia-Geral da ONU, no dia 28, em Nova York, a presidente Dilma Rousseff assinou um atestado de óbito da política econômica de seu primeiro mandato. Nas Nações Unidas, Dilma reconheceu que as medidas tomadas por seu governo para garantir o crescimento econômico chegaram a um “limite, tanto por razões fiscais internas como por aquelas relacionadas ao quadro externo”. Dilma não disse, mas as “razões fiscais internas” – a deterioração das contas públicas – estão relacionadas à adoção da “nova matriz macroeconômica”por seu governo em 2011. Os juros foram bruscamente reduzidos pelo Banco Central, o real foi desvalorizado e a meta de superavit fiscal para estabilizar a dívida pública foi afrouxada. Houve uma retomada das políticas de intervenção do Estado na economia, o que foi chamado de “ensaio desenvolvimentista”

(parte dos desenvolvimentistas sente arrepios quando são associados à experiência fracassada de Dilma). Setores econômicos receberam generosos subsídios. Preços foram controlados pelo governo, que passou a gastar mais. Esperava-se crescimento, mas a sociedade arca hoje com recessão, inflação alta, desemprego. Ninguém, em público, defende mais a “nova matriz macroeconômica”. Mas o debate sobre o ajuste da economia e o papel do Estado na retomada do crescimento continua aceso. Economistas liberais, como o diretor presidente do Insper, Marcos Lisboa (leia seu artigo na página 58), defendem menor intervenção estatal e dizem que as políticas de proteção setorial geram atraso. O desenvolvimentista Nelson Marconi, professor da FGV (leia mais na página 60), diz que a ação do Estado é fundamental e defende políticas industriais u “pontuais” e “estratégicas”.


D E B AT E S E P R O V O C A Ç Õ E S Marcos Lisboa

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grave crise que o país atravessa decorre de problemas estruturais e da escolha de política econômica dos últimos anos. Superá-la requer um ajuste fiscal estrutural e rever os mecanismos de intervenção setorial adotados nos últimos anos. A política econômica teve uma inflexão a partir de 2009, com a progressiva deterioração fiscal, a maior complacência com a inflação e a retomada das políticas de proteção setoriais, típicas dos anos 1950 e do governo Geisel. Essas políticas tentam estimular o crescimento por meio da concessão de benefícios para grupos selecionados, como a proteção contra a concorrência externa, a expansão do crédito subsidiado, as regras de conteúdo nacional, as intervenções em setores regulados, como energia e combustíveis, e a redução discricionária de tributos. A taxa de crescimento tem desacelerado continuamente desde 2010, resultando na recessão iniciada em 2014. A produtividade, que cresceu 1,5% ao ano na década de 2000, retrocedeu nos últimos anos. A queda da desigualdade e da pobreza foi interrompida. O que deu errado? Por que a estratégia fracassou e o desempenho do Brasil foi pior que o da maioria dos países emergentes? Políticas de proteção foram comuns em meados do século XX. Alguns países tiveram notável desempenho, como a Coreia. Mas a maioria fracassou em se desenvolver, com exemplos na América Latina, Oriente Médio e sul da Ásia. Tais políticas têm um impacto ambíguo sobre a estrutura produtiva. O benefício de alguns ocorre à custa dos demais, sejam as famílias, sejam os setores à frente na cadeia produtiva, pois implicam dispêndio público ou bens de capital e insumos menos eficientes, prejudicando a produtividade do resto da economia. A maior proteção da siderurgia, por

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exemplo, leva à queda da competitividade externa dos demais setores que usam aço, sendo esses efeitos mais severos nos países emergentes, como mostrou o economista americano Bruce Blonigen, com dados de diversos países por 25 anos. Regras de conteúdo nacional e o crédito subsidiado se revelaram ineficazes. Apenas protegeram produtores ineficientes ou beneficiaram quem poderia ter captado recursos com taxas de mercado. Resultaram em grupos de interesse, que se opõem a reformas que reduzam seus privilégios. A justificativa da proteção como compensação pela existência de distorções, como a maior incidência de tributos, apenas agravou as dificuldades, como no caso recente da indústria automobilística. Além disso, essas políticas frequentemente agravam a desigualdade na distribuição de renda. Políticas setoriais são eficazes quando resultam em ganhos relevantes de eficiência. Sua adoção, porém, requer análise cuidadosa pelo risco de fracasso e de fortalecimento de setores atrasados que sobrevivem apenas graças à proteção, prejudicando o restante da sociedade, como ocorreu com a Lei da Informática dos anos 1980. A boa prática das políticas de intervenção requer metas de desempenho e regras críveis para seu término, seja porque a política foi bem-sucedida – e a proteção não mais é necessária –, seja por seu fracasso e seu custo sobre o restante da sociedade. A política pública deveria considerar a evidência dos demais países. Agilidade e eficiência do Judiciário, segurança na execução de garantias no mercado de crédito e a qualidade da regulação estão relacionadas às experiências bem-sucedidas de desenvolvimento. Por outro lado, a proteção de empresas ineficientes explica parte relevante da menor renda de alguns países emergentes. Reformas que induzem à maior produtividade

permitem menores preços ou melhora da oferta, sem prejuízo dos produtores. Em 2003, a taxa de juros do crédito pessoal era de quase 8% ao mês. O crédito consignado, em que o pagamento das dívidas é deduzido diretamente da folha salarial, reduziu a inadimplência e resultou em taxa de juros de 2% ao mês. Fenômeno semelhante ocorreu com diversas reformas do mercado de crédito, como no financiamento de automóveis. A privatização democratizou o acesso a linhas de telefone e melhorou a qualidade da água em muitos municípios. Agências reguladoras com independência para executar políticas e dar maior segurança jurídica aos contratos colaborariam para a expansão da infraestrutura. A maior transparência das políticas públicas e de instituições como FAT, FGTS, Sistema S e os sindicatos, patronais e dos trabalhadores, com a divulgação de balanços auditados de forma independente, colaboraria com a deliberação democrática sobre o uso de recursos arrecadados compulsoriamente e seus impactos sociais. O ambiente de negócios deve estimular a concorrência e não restringir o empreendedorismo. Muitas iniciativas eventualmente se revelam ineficazes. A contrapartida são os casos de sucesso, as inovações e a melhora da gestão que resultam em aumento da produtividade, posteriormente copiados, como no caso da adaptação da soja no Centro-Oeste e do café no Cerrado mineiro. O processo de competição apresenta semelhanças com a evolução na teoria da seleção natural, proposta por Charles Darwin. Provavelmente, o primeiro economista a destacar os benefícios da concorrência foi Karl Marx, que admirava Darwin e sua teoria da seleção natural, ainda que não o seu inglês, e enviou-lhe ed ção de O capital. u uma cópia da primeira edição

Marcos Lisboa é doutor em economia pela Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos. Foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, entre 2003 e 2005, durante o governo Lula. É diretor presidente do Insper, escola de economia egóc os de São Paulo au o e negócios

É necessário rever as políticas de intervenção adotadas nos últimos anos. A proteção de empresas ineficientes explica parte relevante da renda menor em alguns países emergentes

Foto: Silvia Costanti/Valor/Agência O Globo

5 de outubro de 2015 I ÉPOCA I 59


D E B AT E S E P R O V O C A Ç Õ E S Nelson Marconi

U

m Estado forte foi e sempre será fundamental para o processo de desenvolvimento econômico. Em estágios iniciais desse processo, as políticas públicas assumem um caráter mais intervencionista na economia. Nas fases avançadas, elas são orientadas à provisão de serviços que contribuam para melhorar a produtividade e a distribuição da renda e se tornam mais seletivas em relação aos setores que devem receber incentivos.Assim mostra a história. Essa participação do Estado ajudou a consolidar, nos países bemsucedidos, a sofisticação produtiva: a produção de bens com maior valor adicionado per capita, chave do crescimento da renda per capita de uma nação. Para os liberais, um país deve explorar suas vantagens comparativas. Do contrário, vai gerar ineficiências na alocação de recursos produtivos. Os demais setores que forem eficientes se desenvolverão por decorrência, e a intervenção do Estado atrapalharia tal alocação. Porém, esses setores mais eficientes não são, necessariamente, aqueles que geram a sofisticação produtiva. Ao longo do processo de desenvolvimento, as políticas públicas devem contribuir para a criação de novas vantagens comparativas. O Brasil havia superado essa etapa. Com uma importante participação do Estado no processo de desenvolvimento ao longo do século passado, sua indústria se consolidou e a evolução da renda per capita foi uma das maiores do mundo até a década de 1980. Os novos-desenvolvimentistas entendem que, no cenário atual do país, em que temos – ou tínhamos – uma estrutura produtiva consolidada, as ações de política industrial devem ser pontuais e direcionadas a setores estratégicos. A política mais relevante é a macroeconômica, que deve permitir o equilíbrio das taxas de câmbio, dos juros, do lucro, do salário médio e da inflação.

60 I ÉPOCA I 00 de janeiro de 2015


A taxa de câmbio é uma variável que deve ser administrada em razão de seu impacto sobre o crescimento e a modernização da estrutura produtiva, ao influir na estratégia de produção dos empresários. Seu valor de equilíbrio deve possibilitar a competitividade de nossas indústrias eficientes. Para os liberais, a taxa de câmbio não é relevante, e seu valor de equilíbrio deve ser definido pelas forças de mercado. Entendemos que nem há como ocorrer tal equilíbrio de mercado – para isso, a taxa de juros também deveria oscilar de acordo com a oferta e a demanda de moeda, algo que não se observa na maioria dos países que adotam regimes de metas de inflação. E por que a política adotada no primeiro governo da presidente Dilma Rousseff, que não era liberal, tampouco foi novo-desenvolvimentista? Porque, ao estimular os gastos públicos sem se preocupar com o equilíbrio fiscal, impossibilitou a desvalorização de nossa moeda e tentou compensar essa impossibilidade com políticas setoriais ineficazes, quando o mais importante é o equilíbrio dos preços macroeconômicos. A demanda interna foi atendida com produtos importados, mais baratos em função da valorização. Não havia como crescer nesse cenário, no qual a taxa de juros, após uma breve queda incompatível com a elevação dos gastos públicos, retomou sua trajetória de alta. O nível de atividade caiu, a arrecadação e a situação fiscal pioraram, bem como a confiança dos empresários no cenário macroeconômico e político, que nesse caso pioraria com uma nova elevação dos gastos públicos e desestimularia ainda mais o investimento. É paradoxal, mas apenas a redução de gastos correntes que pouco afetasse a atividade do setor privado levaria à retomada do crescimento. A solução parece residir no desenho de um

Um Estado forte sempre será fundamental para o desenvolvimento. As políticas públicas devem contribuir para a criação de novas vantagens comparativas na indústria

Foto: Clauido Belli/Valor/Agência O Globo

ajuste estrutural de longo prazo, que demonstre uma redução factível da dívida pública baseada na reorganização da gestão pública, que deveria ser guiada pelo alcance de resultados, pela melhoria do processo de compras governamentais e renegociação de contratos, pelo redesenho do processo de formulação e execução orçamentária, pelo dimensionamento da força de trabalho necessária e pela moderação dos reajustes salariais aos servidores. Há muito espaço para economias na gestão do setor público, sem eliminar conquistas da sociedade brasileira. As políticas sociais devem ser preservadas, bem como eliminados seus excessos e incentivos distorcidos. Apenas as regras da Previdência precisam ser alteradas, e assim precisarão ser constantemente, à medida que evolui a expectativa de vida dos brasileiros. As desonerações devem ser paulatinamente eliminadas. A política cambial se faz essencial para a retomada do crescimento. Nossos cálculos, no Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo, indicam que uma taxa de câmbio de R$ 3,60 por dólar é suficiente para recuperarmos nossa competitividade, mensurada pela comparação entre os custos unitários do trabalho (salário dividido pela produtividade) no Brasil e em nossos principais parceiros comerciais. Já ultrapassamos esse patamar. Agora, o receio dos empresários é a sua instabilidade e a possibilidade de nova apreciação do real. Para evitar isso, proponho que exista um comitê específico para administrar a política cambial, como nos Estados Unidos. Nosso Banco Central usa a taxa de câmbio para controlar a inflação, e não como um instrumento para permitir o crescimento. Por consequência, nossa estrutura produtiva regride. A mudança na gestão da política cambial é fundamental para retomarmos o u crescimento em médio prazo.

Nelson Marconi

é doutor em economia pela Fundação Getulio Vargas. É pesquisador permanente do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo da FGV-SP, onde coordena o curso de economia


FR O NTE I R AS DA C I Ê N C IA

Águas de Marte, fo

A possibilidade de vida no planeta aguça a ima de córregos de água salgada em so lo m Bruno Ferrari

A

s observações de cientistas sobre o planeta Marte inspiram a indústria cultural há mais de um século. Nos anos 1880, o astrônomo italiano Giovanni Schiaparelli usou um telescópio para observar formações geológicas de canais na superfície marciana. Ele as chamou de “canalis”. Num erro de tradução de jornais ingleses, os canais naturais viraram sistemas de irrigação supostamente construídos por civilizações extraterrestres. A confusão inspirou o britânico H.G. Wells a escrever, em 1898, o livro A guerra dos mundos, que descrevia uma catastrófica invasão marciana à Terra. Em 1938, o ator e diretor americano Orson Welles narrou trechos adaptados do livro num programa de rádio ao vivo em tom noticioso. O episódio tornou-se uma lenda: as pessoas que começaram a ouvir o programa sem saber que era uma obra de ficção reagiram aos gritos. Houve cenas de pânico generalizado em ruas dos Estados Unidos. Muitas músicas, livros e filmes seguiram a mesma temática a partir daí (leia o quadro). O filme mais recente, Perdido em Marte, do diretor Ridley Scott, estreou justamente na semana de um dos anúncios mais importantes da Agência Espacial Americana.A Nasa revelou ter encontrado no planeta correntes de água salgada que descem por encostas no verão marciano. Abriu, assim, espaço para novas especulações sobre a existência de vida no planeta. Não demorou para os mais céticos dizerem que o anúncio não passava de uma ação de marketing do filme de Scott. O diretor entrou na brincadeira. “Eu sabia há meses”, disse. Pode ter sido apenas uma feliz coincidência para Scott, mas a veia marqueteira da Nasa não é uma piada e já apareceu em várias situações.A agência tem o costume de usar suas descobertas para pressionar os políticos americanos a garantir os vultuosos recursos necessários para suas ex62 I ÉPOCA I 5 de outubro de 2015

SINAIS DE ÁGUA Cientistas encontraram sal hidratado nas encostas marcianas. A origem da água é uma incógnita

ALÔ, ALÔ, MARCIANO Além de Rita Lee, escritores, diretores e artistas inspiraram suas obras na possibilidade de existir vida em Marte ao longo do último século

A guerra dos mundos

Robinson Crusoé em Marte

Life on Mars?

1938 Num programa de rádio nos Estados Unidos, o diretor Orson Welles narrou em tom noticioso uma falsa invasão marciana à Terra. Para o pânico de alguns desavisados.

1964 A versão sci-fi do clássico de Daniel Defoe conta a história de dois astronautas que ficam presos em Marte. O filme foi um sucesso de público na época.

1973 “Life on Mars?” é um dos hits do cantor britânico David Bowie. A letra não diz coisa com coisa, mas o refrão – “Is there life on Mars?” – é inesquecível.

plorações espaciais. Só o front marciano, segundo reportagem da revista Wired,deve consumir um montante entre US$ 80 bilhões e US$ 100 bilhões nos próximos 20 anos. Andy Weir, autor do livro que deu origem a Perdido em Marte, disse que a Nasa viu em sua obra uma oportunidade para “reengajar o público nas viagens espaciais”. Não é por acaso que os principais

anúncios da Nasa nos últimos anos ocorrem no segundo semestre. Nessa época, nos Estados Unidos, os órgãos públicos começam a corrida para brigar por uma fatia maior do orçamento federal do ano seguinte. Há dois anos, em setembro de 2013,a agência havia revelado que a sonda Curiosity encontrara indícios de água misturada ao solo marciano.


onte de inspiração

aginação de cientistas e artistas. A descoberta marciano aproxima ficção da realidade

Capricórnio Um

Marte ataca!

Planeta vermelho

Perdido em Marte

1977 O filme é precursor de teorias conspiratórias sobre o programa espacial americano. Retrata uma falsa missão da Nasa para Marte. Alguém pensou na Lua?

1996 A comédia de Tim Burton mostra marcianos que invadem a Terra, destruindo tudo no caminho. Querem transformar o planeta num parque de diversões.

2000 A Terra está entrando em colapso e uma missão é enviada a Marte para analisar se há um novo lar para os humanos. O protagonista é o galã Val Kilmer.

2015 O astronauta Mark Watney (Matt Damon) é dado como morto numa missão em Marte. É abandonado pelos colegas e acorda sozinho no planeta misterioso.

A presença de água em Marte está longe de ser uma novidade. Desde os anos 1970, quando as primeiras sondas foram enviadas ao planeta, há notícias de que existe água em diferentes estados na atmosfera marciana. O que a Nasa tem feito desde então é identificar onde e como a água se faz presente. Em 2002, a sonda Mars Odyssey encontrou uma enorme Fotos: Nasa, Corbis, Everett Collection (4), Debi Doss/Redferns e Pictures/Sunset Boulevard/Corbis

quantidade de gelo no subsolo marciano. Em 2011, imagens mostravam os nichos por onde corria uma substância líquida. Na semana passada, veio a confirmação de que era água. Foi o indício mais forte já encontrado de que aqueles nichos, todos os verões, recebem uma água salobra. Ou, como alguns especialistas preferiram chamar, de sal hidratado. “A

presença de água é importante para futuros viajantes que forem para Marte”, disse John Grunsfeld, responsável pelas missões científicas da Nasa.“Não apenas para a hidratação, mas para o cultivo de vegetais em estufas infláveis.” De acordo com os cientistas da Nasa, a parte mais importante da descoberta de água corrente em Marte é a possibilidade iminente de achar vida extraterrestre. “Em todos os lugares da Terra onde há água, dos mais profundos aos mais áridos, há a presença de algum tipo de vida”, disse Jim Green, diretor da divisão de ciência planetária da Nasa. “Agora poderemos ir aos lugares certos em Marte para investigar isso.” Os cientistas trabalham com a hipótese de que bactérias e micróbios podem habitar o planeta. Também não descartam a possibilidade de haver água fresca escondida no subsolo marciano. Uma das teorias diz que a água salgada das encostas vem desses aquíferos. As outras duas hipóteses apontam que a origem da água está no degelo dos picos montanhosos ou do vapor condensado da atmosfera. A descoberta da Nasa oferece algumas respostas e lança uma série de desafios. Como faremos para enviar sondas capazes de reconhecer organismos que não existem na Terra? É possível e seguro enviar seres humanos para fazer esses testes em solo marciano? A viagem de ida levaria pelo menos seis meses. Há estudos que dizem que humanos expostos à radiação cósmica por muitos meses podem sofrer danos psicológicos irreversíveis. Corremos o risco de contaminação ao trazer um ser vivo desconhecido para a Terra? A busca por essas respostas aguça a imaginação não apenas dos cientistas, mas de toda uma poderosa indústria cultural que se alimenta dessa interrogação. Como cantava David Bowie: afiu nal, há vida em Marte? 5 de outubro de 2015 I ÉPOCA I 63


H E L IO G UROVI TZ

O melhor livro que já li na vida E

ra o início de outubro de 1927 quando começou a cirparar: ‘um pouco de tempo em estado puro’.” Em todos os momentos capitais da Recherche – da célebre madeleine, cular por Paris o último capítulo do último volume de doce que ele come no início do primeiro volume, aos deEm busca do tempo perdido, conhecido entre os aficionados graus desiguais sobre os quais pisa na entrada da festa que apenas como La recherche. O autor, o francês Marcel Proust, estava morto havia quase cinco anos. Como os dois volumes encerra o último –, o despertar da memória nos captura para dentro da narrativa e como que faz o tempo parar. É anteriores, este não contara com sua criteriosa revisão. Fora uma sensação difícil de descrever. E, no entanto, todo leitor cedido pelo irmão de Marcel, o médico Robert Proust, a seus de Proust saberá exatamente do que se trata. editores de confiança na Nouvelle Revue Française. PublicaVivemos tempos em que qualquer um tem um palco para do em capítulos, entre janeiro e setembro, encerrou a magnífica catedral literária erguida por Proust desde que, em 1908, expressar seus sentimentos em mensagens de 140 caracteres, mandara datilografar dez cadernos de anotações e começara numa fração de segundo. Por que dedicar horas, dias, anos da a conceber a estrutura colossal de sua obra. Ele ainda não nossa vida a um livro com as lembranças de um homossexual tinha ideia de onde aquela aventura o levaria, mas, francês de saúde fragílima – que se sentia culpado fr desde o início, Proust sabia como queria terminar. pela morte de sua mãe judia e passava o tempo entre p os salões da nobreza decadente –, narradas em períoo O último volume, O tempo redescoberto, retoma e conclui o vertiginoso percurso em espiral do dos intermináveis (transatlânticos, para usar o termo d narrador ao longo de sete volumes – ou quase 4 da época), a serpentear por páginas, o maior deles, d mil páginas na melhor edição brasileira, da Globo eescrito em caracteres normais, com 4 metros de comLivros. Ao escrever o último parágrafo, em abril primento? Virou um lugar-comum dizer que ler p de 1922, Proust comentou com sua governanta Proust não é para qualquer um. Prefiro entender o P recado de outra forma. Proust é para todos, claro. O Céleste que já poderia morrer. Morreu mesmo, meses depois, em dezembro daquele ano. Mas e equívoco é colocá-lo num altar e endeusá-lo. Viajar LIVRO DA SEMANA para Illiers-Combray – a cidade de sua infância – atrás ninguém deveria morrer sem ler Proust. Em busca da casa da tia Léonie, para comer uma madeleine ou É inócuo perder-se em debates acadêmicos do tempo perdido sobre o melhor escritor de todos os tempos. A experimentar as receitas da Recherche, na tentativa de Marcel Proust humanidade já produziu toda sorte de obra genial. reviver as sensações de um gênio, é tão pretensioso Biblioteca Azul Nenhuma, para mim, se compara à Recherche. quanto fazer um curso de vinhos, montar uma cozi7 volumes Entre idas e vindas, parando e retomando meses, nha gourmet ou praticar golfe. 3.944 páginas até anos depois, levei para ler aproximadamente Ninguém está imune. Visitei Illiers com um caR$ 331 sal de amigos anos atrás. É uma cidadezinha como o mesmo tempo que Proust levou para escrever, qualquer outra. Os célebres caminhos de Swann e de Guer14 anos. Outros 15 se passaram desde que terminei, e cada mantes não passam de duas trilhas comuns, dessas que há releitura acende novas luzes sobre os temas centrais do romance: o tempo e a memória. “As criaturas de Proust são aos montes pelo interior do Brasil.“Não é, portanto, Illiersvítimas desta circunstância e condição predominante: o temCombray que deveríamos visitar. Para prestar a Proust uma po”, escreveu em seu magistral ensaio “Proust” o escritor irhomenagem autêntica, é preciso enxergar nosso mundo landês Samuel Beckett. “Não há como fugir das horas e dos com os olhos dele, e não o mundo dele com os nossos olhos”, escreveu o filósofo Alain de Botton em seu livreto dias. Nem de amanhã nem de ontem.” Como Proust pode mudar sua vida. A maior homenagem, diz A lembrança, ou mais precisamente o despertar da meBotton, seria no fundo entender que a obra de Proust, apemória, recorrente em vários momentos da Recherche, é o sar de todas as qualidades, também deve parecer “estúpida, antídoto de Proust contra a passagem do tempo. “Marcel maníaca, hesitante, falsa e ridícula” para quem perde mui(o narrador) encontra as essências permanentes e escondito tempo com ela. Mesmo o melhor de todos os livros predas das coisas só quando um momento presente se identicisa ser deixado de lado e esquecido, para que possamos fica com um momento passado: um odor já aspirado, um u ruído já escutado são novamente aspirados e escutados”, viver. (E depois, proustianamente, relembrar.) escreveu o crítico italiano Pietro Citati. “Ao captar a identidade do presente com o passado, Marcel isola e imobiliza Helio Gurovitz é jornalista hgurovitz@edglobo.com.br (e-mail) @gurovitz (Twitter) http://g1.globo.com/mundo/blog/helio-gurovitz/ (web) – a duração de um relâmpago – o que jamais se consegue 64 I ÉPOCA I 5 de outubro de 2015



E N T R E V I S TA

C HRI S TI AN DE P ORTZ AM PARC

“Fechar o espaço dos carros é um pouco elitista” O francês, ganhador do Pritzker, o maior prêmio da arquitetura, diz que os grandes investimentos em transporte público não fornecerão soluções perfeitas para o colapso das metrópoles Marcelo Moura

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moradia fica em uma espécie de parque. Isso é agradável. A separação em condomínios fechados permite também reforçar a segurança privada. A prioridade que o brasileiro dá à segurança explica o sucesso de cidades fechadas como os condomínios Nova Ipanema, no Rio de Janeiro, e Alphaville, em São Paulo. Pensada inicialmente como política pública, a especialização de funções se adaptou muito bem à iniciativa privada. Construtoras, comerciantes e moradores adoraram esse conceito.

hristian de Portzamparc escolheu sua profissão aos 13 anos, em 1957, ao ver projetos do arquiteto – francês, como ele – Le Corbusier. O garoto não foi o único a se encantar. Desenhar um mundo socialmente mais justo, ao planejar a ocupação do espaço urbano, era mais que uma utopia modernista. Era uma revolução em curso, em lugares como o Brasil – que, no mesmo ano, escolheu o desenho de sua futura capital federal. Quando finalmente se tornou arquiteto, Portzamparc não queria mais seguir o mestre. Concluiu que planejar áreas separadas para trabalho e moradia esvaziavam o sentido humano da metrópole. Tornou-se ele mesmo um mestre do retorno às cidades voltadas aos pedestres e ganhou, em 1994, o Pritzker, o principal prêmio internacional de arquitetura. Portzamparc diz não acreditar, contudo, em utopias. Apoia a restrição aos automóveis, ao mesmo tempo que vê nesse movimento um elitismo. Casado com a brasileira Elizabeth, também arquiteta, Portzamparc conversou em português com ÉPOCA no Fórum Internacional de Arquitetura e Urbanismo, promovido pela Rio Academy.

ÉPOCA – Por que esse modelo de zoneamento chegou à exaustão na Europa, há 30 anos, e ultimamente dá sinais de esgotamento também nas metrópoles brasileiras? Portzamparc – A grande qualidade da metrópole é oferecer o máximo de oportunidades. Um jovem de 25 anos de idade quer encontrar um trabalho interessante e, talvez, uma namorada interessante. A possibilidade de encontrar isso em uma metrópole é muito maior do que em uma pequena vila. O zoneamento entrou em decadência ao tornar as metrópoles ineficientes.

ÉPOCA – Por que o modelo de zoneamento das cidades, com separação de áreas comerciais e residenciais, desenvolvido por Le Corbusier na década de 1920, faz tanto sucesso entre a classe média brasileira? Christian de Portzamparc – O zoneamento urbano de Corbusier vem de um pensamento de tipo industrial, de racionalização das atividades. Uma parte da cidade concentra os locais de trabalho, outra parte concentra os esportes, uma terceira concentra a habitação etc. Nesse modelo, a

ÉPOCA – Como as metrópoles se tornaram ineficientes? Portzamparc – Ao isolar as pessoas, o modelo de zonas especializadas fez a cidade perder muito como instituição antropológica, como espaço público para o convívio e a troca de ideias. Ao impor a necessidade de transporte individual, sobrecarregou as ruas e avenidas a ponto de bloquear a vida econômica. As oportunidades de trabalho são um exemplo desse bloqueio. Eu e minha mulher, Elizabeth, estamos juntando nossos escritórios de arquitetura em um único s

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ÁREA DE TROCA O arquiteto Christian de Portzamparc na casa do Leblon, no Rio de Janeiro, onde costuma se hospedar. “O espaço público deve favorecer a troca de ideias”

Foto: Stefano Martini/ÉPOCA

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E N T R E V I S TA

prédio. Alguns funcionários vão sair de nossas empresas simplesmente porque não conseguem se mudar para perto do novo endereço, nem ir e voltar para casa, diariamente, em tempo razoável. É muito triste se ver obrigado a mudar de trabalho por limitações de transporte. ÉPOCA – Como desemperrar as cidades? Portzamparc – As capitais europeias – e, recentemente, algumas cidades brasileiras – estão tentando diminuir o uso do carro, em favor do transporte público. Claramente, uma das razões é combater a poluição.

Christian de Portzamparc forte agora sobre o futuro das ligações periferia-periferia, em vez de ligações periferia-centro. Elas vão se tornar mais e mais importantes? Se isso ocorrer, será muito bom. Vai mostrar que há uma vida na metrópole e que ela não é unicamente concêntrica. Nosso trabalho vai ser transformar essa periferia em bairros com suas próprias possibilidades.

ÉPOCA – Metrópoles com subúrbios distantes e autossuficientes, como Paris ou São Paulo, seriam bem diferentes da realidade de hoje. A estrutura da administração pública tem acompanhado a evolução das cidades? Portzamparc – A adaptação da democracia ao planejamento ÉPOCA – Restringir o uso do carro não prejudica os mourbano é um dos maiores problemas de nossa época. No Brasil, que eu visito com frequência, sinto falta de uma certa radores das áreas distantes? Portzamparc – Quando se restringiu o uso do carro em Pacontinuidade no tempo. Os mandatos são curtos para que ris, os moradores da periferia, mesmo da periferia próxima, se deixe algum legado. Prefeitos iniciam um plano e não ficaram furiosos. O fechamento de ruas e o aumento do chegam a inaugurá-lo. Em Paris, os municípios da região preço dos estacionamentos foram dificuldades impostas, metropolitana têm direito a voto em uma grande assembleia mas, mesmo sem elas, estava impossível trafegar no centro. da região. Criou-se uma associação bastante democrática, A maior dificuldade, o congestionamento das ruas, se impôs mas com dificuldade de concretizar as decisões rapidamente. sozinha. Com o tempo, os moradores se acostumaram. Agora, estão organizando uma nova instituição para reunir as metrópoles. Ali, você tem cinco níveis de autoridade. Cada um desses níveis tem uma ÉPOCA – Fechar as ruas para o trânsito atribuição orçamentária sobre uma parte de carros é uma solução? Portzamparc – Não existe uma resposta dos equipamentos públicos. Um departaA adaptação perfeita. O congestionamento nas cidades mento responde pela escola de até 14 anos, é complicado. Fechar o espaço dos carros é outro pela escola de 14 a 20 anos, outro pelas da democracia um pouco elitista. Geralmente, na Europa, universidades. Isso é muito complicado. Paao planejamento fecha-se o centro antigo da cidade, uma área ris está consciente da necessidade de pensar que pode ser chamada de glamourosa, onde urbano é um dos e trabalhar como uma grande região metroos moradores são mais ou menos privilegia- maiores problemas politana. Mas, com uma estrutura pesada dos. Nem todos são exatamente ricos, mas demais, vai demorar a transformar suas rede nossa época” privilegiados. Não é a população total. Eu, flexões em ação. As mudanças vão ocorrer por exemplo, parei de dirigir em Paris 20 lentamente. A democracia custa caro e nem anos atrás. Uso transporte público e táxi, mas sempre leva às decisões mais eficazes. não um carro pessoal. É mais fácil para mim do que para os moradores do subúrbio, que levam mais tempo para chegar ÉPOCA – O custo de vida nas metrópoles está cada vez mais alto. Morar nelas pode fazer sentido para o jovem ao centro e têm menos opções de transporte. de 25 anos que, como o senhor disse, procura trabalho e ÉPOCA – Quando Paris mudou sua mentalidade para uma namorada. Mas talvez não sirva tanto ao aposentado. reduzir o uso do carro, tinha a seu favor uma boa malha Qual o futuro dos idosos nas grandes cidades? Portzamparc – Os idosos de Paris tradicionalmente migraferroviária pronta. Portzamparc – Sim. Ter uma estrutura de transporte púvam para cidades de clima ensolarado, como Nice e Cannes, blico era uma grande vantagem sobre as metrópoles brano sul da França. Agora, a busca por cidades mais baratas e sileiras, mas não basta. Boa parte da estrutura precisava amenas está mudando o país. Vilarejos que estavam quase e ainda precisa de reformas. O metrô de Paris e os trens abandonados, por causa da decadência da agricultura, pelo metropolitanos vivem engarrafados. Algumas linhas endeclínio demográfico e pela migração de jovens para as cafrentam interrupções frequentemente. Para ser aceito, e não pitais, estão ganhando uma segunda vocação. Isso ainda é apenas tolerado, o transporte público precisa ser agradável. muito marginal, em escala planetária. Mas talvez tenhamos Quando ele não é complicado, quando é confortável, finaluma nova tendência, conforme o número de idosos no munmente você tem a aprovação do público. do aumenta e os custos das metrópoles disparam. ÉPOCA – No longo prazo, as restrições de circulação no centro das cidades podem favorecer o desenvolvimento das periferias? Portzamparc – Espero que sim. Há uma discussão muito 68 I ÉPOCA I 5 de outubro de 2015

ÉPOCA – Podemos passar a ter cidades só de aposentados? Portzamparc – Talvez. Mas seria triste ter esse tipo de especialização. Seria como viver num filme de ficção científica. u



VIDA DOSES D E SAÚ D E

CO

Graziele Oliveira com Ana Helena Rodrigues

C

uidado com o estresse diante das notícias, caro leitor. Faça por sua saúde, a partir de já, tudo o que vinha adiando. Endireite a postura ao ler a revista, cuide da alimentação, zele por seu sono e exercite-se regularmente. Ter saúde de ferro sempre foi bom negócio. Na última década, porém, quando a saúde faltou, o brasileiro contou com o apoio de dois fatores. A taxa de em-

PIORA O ATENDIMENTO AO CIDADÃO O desemprego aumenta e o gasto do governo com saúde cai. Isso reduz a cobertura de saúde no país

prego aumentava, ano a ano. A massa crescente de assalariados contava com o atendimento dos planos de saúde, oferecidos pelos empregadores como um benefício trabalhista. Além disso, no período de bom crescimento médio da economia, entre 2000 e 2011, o investimento do governo no sistema público de saúde aumentava (embora nunca tenha chegado ao nível ideal). Esse cenário acabou.

Desde o início de 2015, há um sumiço rápido dos postos de trabalho. Ao perder o emprego, mesmo que tenha outras fontes de renda, o cidadão deixa de ser cliente preferencial das operadoras de planos de saúde. Elas tratam como cliente de segunda categoria todo cidadão que não seja empregado, mesmo que ele, potencialmente, possa pagar por um serviço de saúde adequado a suas necessidades – entre os mal aten-

O SERVIÇO PÚBLICO SOFRE...

Queda no gasto governamental com saúde pública Gasto feito 2014 2015

(1) Em setembro (2) Inclui os que perderam o emprego e os que decidiram encerrar plano individual (3) Projeção

2016

Fontes: Ministério do Planejamento, Abramge e TEM/Cofecom

Em R$ bilhões

Orçamento inicial

Orçamento ajustado R$ 99,2 bi

108,3 121,0 90,7

R$ 89,4 bi (até o momento)(1) R$ 86,9 bi 0

25

50

75

100

125

150


SEM EMPREGO, SEM SAÚDE. HAJA

O desemprego cresce e a verba para a saúde pública diminui. Sem poder contar com o plano de saúde da empresa, o cidadão tem poucas opções

RAÇAO didos estão os profissionais autônomos e os idosos, mesmo que saudáveis e com reserva financeira. O problema assustaria menos se o Sistema Único de Saúde (SUS) tivesse sido tão ampliado e melhorado quanto necessário ao longo da década do crescimento.Até 2014, o governo federal mantinha gasto público crescente e sustentava a promessa de ampliação do SUS. No discurso de posse do segundo mandato,

a presidente Dilma Rousseff confirmou essa política. “Na saúde, reafirmo nosso compromisso de fortalecer o SUS”, disse. Dilma não poderá cumprir o que afirmou. O país passa por um severo e necessário ajuste nas contas públicas. Não há, no futuro próximo, esperança de que o SUS receba mais investimento. Cabe à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) agir para o setor privado oferecer planos mais diversifi-

...MENOS GENTE CONTA COM O SERVIÇO PRIVADO...

cados e não abusivos. E cabe ao Ministério da Saúde tornar o SUS mais eficiente (leia a entrevista na página 76). “Sem dinheiro, temos de melhorar o modelo e a gestão do sistema de saúde”, diz Gonzalo Vecina Neto, superintendente do Hospital Sírio-Libanês e exsecretário Municipal de Saúde de São Paulo. Mas todas essas mudanças, por enquanto, estão no terreno da esperança. Sua saúde está por sua conta. s

...E A SITUAÇÃO VAI PIORAR NOS MESES À FRENTE

Queda no número dos beneficiários de planos de saúde(2)

Saldo de criação de postos de trabalho, mês a mês (em milhares) -2,4

19,3

0

190 mil Até 500 mil DEIXARAM DE TER PLANO NO PRIMEIRO SEMESTRE DE 2015

DEIXARÃO DE TER PLANO AO LONGO DE 2015

-111,2

-81,8

jan.

-97,8 fev.

mar.

abr.

-86,5

-115,6 maio

jun.

-157,9 jul. ago.

MILHÃO

de postos de trabalhos devem sumir em 2015(3)


DOS ES D E SAÚ D E

LABIRINTO ATÉ O MÉDICO As etapas e os desafios enfrentados pelo brasileiro para ter acesso a um plano privado

NÃO

VOCÊ TEM TRABALHO?

SIM

Estou desempregado/Sou inativo

Sou assalariado de uma empresa

Tenho uma empresa

Você acabou de ser demitido e contribuía, com desconto em folha, com o pagamento do plano?

VOCÊ PODE CONTAR COM O PLANO DE SAÚDE FEITO POR SEU EMPREGADOR

NÃO

SIM

PAGANDO SUA PARTE E A DA EMPRESA, VOCÊ PODE MANTER O PLANO POR PERÍODO EQUIVALENTE A UM TERÇO DO TRABALHADO (COM TETO DE DOIS ANOS)

Há uma entidade de classe que o representa profissionalmente?

NÃO

SIM

Você conseguiu contratar?

SIM

NÃO USUÁRIOS TÊM CRIADO um CNPJ apenas para fazer plano empresarial

Tem funcionários?

NÃO

SIM

Há uma entidade de classe que o representa profissionalmente?

SIM

NÃO

USUÁRIOS TÊM CONTRATADO parentes apenas para fazer plano empresarial

PLANO INDIVIDUAL/FAMILIAR

PLANO COLETIVO POR ADESÃO

PLANO COLETIVO EMPRESARIAL

CONTRATADO POR PESSOA FÍSICA • Oferta menor e mais caro que os planos coletivos • Os reajustes são regulados pela ANS • A operadora não pode romper o contrato

CONTRATADO POR ASSOCIAÇÕES • Mais barato do que o individual • A fórmula do reajuste não é estipulada pela ANS • A operadora pode romper o contrato

CONTRATADO POR UMA EMPRESA • Mais barato do que o individual • A fórmula do reajuste não é estipulada pela ANS • A operadora pode romper o contrato

O cidadão com carteira assinada, usualmente, tem plano de saúde no modelo em que empregado e empregador dividem o custo do plano. Ao perder o emprego, o usuário pode manter o benefício por um período de seis meses a dois anos. Mas tem de passar a pagar o valor integral da mensalidade. Esse valor é muito superior ao que o usuário pagava enquanto estava empregado e muitas vezes é calculado sem transparência. A partir daí, restam poucas opções (leia o quadro nesta página). Como pessoa física, o cidadão pode contratar planos individuais ou familiares. Mas eles praticamente sumiram do mercado – ao tentar contratar um deles, o consumidor tem grandes chances de ser

ignorado ou de ser incentivado pelo vendedor a adaptar-se para contratar outro tipo de plano, o coletivo.A ANS permitiu o surgimento de um mercado em que o cliente individual nunca tem razão. Questionada sobre a necessidade de aprimorar regras para tornar o setor mais funcional, como cabe ao Estado fazer em todos os serviços fundamentais, e mais adaptado ao novo cenário, a ANS não apresenta nenhuma meta ou projeto concretos.“O trabalho é acompanhar a saúde econômica das empresas, a assistência – o consumidor tem de receber o que contrata – e a qualidade do serviço”, diz José Carlos Abrahão, diretor presidente da ANS. Planos coletivos só podem ser contratados por pessoa jurídica (um CNPJ)

e por meio de associações ou sindicatos. O cliente se beneficia se pertencer a uma certa categoria profissional representada por uma associação de classe ou sindicato. Mas há armadilhas nessa etapa. Algumas corretoras oferecem ao consumidor o serviço ilegal de incluí-lo em qualquer associação, mesmo que ela não tenha conexão com a atividade profissional ou formação do contratante. Pode piorar: há casos em que a ilegalidade é cometida sem que o contratante saiba. “O usuário, às vezes, nem sabe que está pagando a adesão à associação ou sindicato, pois a conta do plano de saúde já vem fechada”, diz Joana Cruz, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). s

72 I ÉPOCA I 5 de outubro de 2015


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*Limitado a um percentual reservado para titulares do Club 2017 restrito a capacidade do brinquedo. Ressalve-se que a aquisição do Club não substitui o ingresso.


DOS ES D E SAÚ D E

SAÚDE NO MUNDO Nos países ricos, há esforços variados para expandir a cobertura privada e a pública NA FRANÇA Há um programa de seguro público compulsório para os cidadãos que podem pagar O sistema inclui hospitais públicos, privados sem fins lucrativos e com fins lucrativos Diferentemente do Brasil, o sistema deixa claro quais serviços se podem obter em cada entidade O seguro público, pago pela coletividade, remunera médicos mesmo no setor privado Os hospitais com fins lucrativos são os mais numerosos e tendem a ser especializados

PROTEÇÃO Atendimento de emergência num hospital francês. Lá, serviço público e privado se complementam

NO JAPÃO Diferentemente do Brasil, o sistema tem prioridade: garantir o melhor atendimento aos idosos O setor privado oferece os mesmos serviços que o público, com preços regulados O setor privado tem também serviços adicionais. É forte em atender idosos em casa Há seis tipos de seguro de saúde, e toda a população residente no Japão se enquadra em um deles Os cidadãos com 40 a 65 anos pagam mais e são os principais contribuintes do sistema

ESTADOS UNIDOS Virou exemplo de país rico e com péssima rede de saúde, sem sistema público O esforço recente para atender a imensa população oferece lições a países populosos, como o Brasil O novo sistema tenta garantir a oferta privada de seguro de saúde a todo cidadão Todo cidadão fora da faixa de pobreza escolhe entre pagar o seguro e pagar mais imposto O novo sistema prevê concessão de subsídios aos cidadãos que provarem precisar deles

74 I ÉPOCA I 5 de outubro de 2015

Outra opção para contratar um plano coletivo é ter uma empresa com ao menos um funcionário. Quem tem uma microempresa com propósito real de fazer negócios consegue um benefício adicional por sua empreitada. Mas também nesse caso há armadilhas. Há cidadãos que abrem microempresas com o intuito único de contratar um plano de saúde. O contratante arca com os custos de manutenção de uma empresa e se coloca em situação irregular. As normas ruins do setor também induzem o microempresário a contratar parentes, para dar a eles cobertura de saúde, como seus funcionários. Esse quebra-galho gera custos e ineficiências. Além disso, o microempresário não tem como saber se conseguirá sustentar a cobertura de saúde. Grupos muito pequenos, a partir de duas pessoas, não têm força ao negociar com as operadoras, diante de reajustes abusivos ou quebra de contrato. Nesse terreno desolado, o discurso da reguladora (a ANS) e das reguladas (as operadoras de planos de saúde) é afinadíssimo. A ANS dá atenção só aos planos individuais, enquanto as operadoras se concentram em trabalhar

só nos coletivos. É como se a polícia avisasse que patrulhará só a parte vazia da cidade. A ANS alega não interferir nos contratos coletivos porque somente os individuais estão especificados na Lei dos Planos de Saúde (se a agência quisesse cumprir sua missão legal, poderia simplesmente seguir o Código de Defesa do Consumidor). “É missão legal e institucional da ANS regular os planos de saúde coletivos. Não faz sentido uma agência reguladora que não regula”, diz Joana, do Idec. As operadoras afirmam que os planos individuais dão pouco lucro. Não há cabimento em exigir que elas, empresas privadas, trabalhem com prejuízo. Esse tipo de questão se resolve com um regulador independente, e também com regulamentação de boa qualidade, que dilua custos e riscos pela população e incentive maior diversidade de serviços – como se faz na cobertura de saúde em outros países (leia o quadro nesta página). No curto prazo, o governo não aplicará mais dinheiro. Poderia aplicar mais inteligência. u Com Marcela Buscato e Marcos Coronato Foto: ABK/BSIP/Corbis



E N T R E V I S TA

LEN I R S AN TOS

“Vai haver pressão pela melhoria do SUS” O desemprego levará mais cidadãos de classe média ao Sistema Único de Saúde. Segundo a advogada especializada em gestão pública, isso deve ter bons efeitos para todos os brasileiros Cristiane Segatto

A

advogada Lenir Santos, especializada em gestão e Direito Público, participou da criação do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1988. Há quase três décadas ela estuda as distorções que fazem do SUS um sistema menos eficiente e justo do que a população gostaria. Lenir, hoje professora visitante da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), diz acreditar que o maior uso do SUS pela classe média tradicional deve aumentar a pressão pela melhoria do serviço. Criadora do Instituto de Direito Sanitário Aplicado (Idisa), uma entidade que propõe formas de aprimorar o desempenho de instituições de saúde públicas e privadas, Lenir publicou sete livros. O último, Judicialização da saúde no Brasil (Saberes Editora), trata das consequências do aumento das ações judiciais movidas por pacientes contra o Estado. Recentemente, Lenir ajudou a redigir o projeto de lei do deputado federal Odorico Monteiro (PT-CE), que pretende delimitar os tratamentos e serviços que o sistema público tem obrigação de oferecer. “Chegou a hora de dizer claramente que não é possível dar tudo a todos”, diz ela. ÉPOCA – A classe média sempre teve medo do SUS, mas o aumento do desemprego obrigará muita gente a depender exclusivamente dele. Qual será o resultado? Lenir Santos – Haverá um aumento da demanda por atendimento e menos dinheiro para financiar o sistema. Em 2016, teremos uma redução de R$ 11 bilhões nas verbas federais destinadas ao SUS. Por lei, os municípios devem aplicar 15% de suas receitas em saúde. Os Estados, 12%. Se a economia vai mal, se o consumo cai, essas receitas também diminuem. Será um ano difícil, mas a chegada 76 I ÉPOCA I 5 de outubro de 2015

da classe média aos serviços públicos pode ter um efeito positivo: o aumento da pressão pela melhoria do sistema. A classe média precisa entender que o SUS não é só para a empregada. É para todos. A falta dessa sensação de pertencimento prejudica o sistema. ÉPOCA – De que forma? Lenir – A classe média acha que o SUS não é para ela. Quem gere o SUS também não o usa. Os administradores, as autoridades, no Judiciário, no Legislativo, todos têm plano de saúde. É muito diferente da Inglaterra, onde todos usam o sistema público e se orgulham dele. Até a princesa Kate Middleton teve um parto normal de 12 horas num serviço público e sem médico obstetra. ÉPOCA – Toda a população usa o SUS de várias formas. Vacinação, transplantes, tratamentos não oferecidos pelos planos de saúde, coquetel contra a aids e vigilância sanitária são alguns exemplos. Mas, quando precisa de médico no dia a dia, a classe média foge do SUS porque acha que não encontrará bons serviços. Ela está errada? Lenir – Não está. Todos queremos ter um bom atendimento. Claro que há problemas. O SUS está na pré-fila. Não chegou à era da fila. As pessoas vão ao serviço de saúde e não conseguem saber em que posição estão na fila. Não existe sequer uma previsão de quando serão atendidas. Tenho a esperança de que a classe média se interesse em discutir formas de melhorar os serviços e de financiar o sistema. Por medo do SUS, as pessoas pagam planos de saúde que, em muitos casos, oferecem serviços ainda piores. s Foto: Letícia Moreira/ÉPOCA


LIMITES A advogada Lenir Santos, estudiosa de saúde pública e privada. “Nenhum país oferece tudo a todos”

5 de outubro de 2015 I ÉPOCA I 77


E N T R E V I S TA

ÉPOCA – Falta rigor na fiscalização dos planos feita pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)? Lenir – Sem dúvida. É bastante complicado ter uma agência reguladora cujos diretores têm vínculos com as operadoras. Se houvesse rigor, muitos planos não seriam sequer abertos. Também não teríamos tantas demandas judiciais. Qual é o resultado disso? Os clientes frustrados dos planos de saúde buscam atendimento no SUS. A lei prevê que as operadoras reembolsem o sistema público quando ele atende os clientes delas, mas esse ressarcimento nem sempre ocorre. Os planos privados precisam funcionar de acordo com regras rígidas e fiscalização efetiva. Saúde é área de relevância pública. Não pode ser tratada como um setor de mera exploração econômica, como se fosse uma fábrica.

Lenir Santos Lenir – O juiz lida com o sofrimento humano. Essas ações

têm um apelo sentimental enorme. A pessoa está doente. O juiz pensa: “Não vou deixar morrer”. Os juízes deveriam considerar que todo direito que custa tem de ter uma delimitação. É preciso ter uma previsão orçamentária. É preciso ter noção do que é razoável exigir do Estado. ÉPOCA – A senhora acha que algum governante assumirá o ônus político de dizer que não é possível dar tudo a todos? Lenir– A solução é criar um pacto entre o Estado e a sociedade, por meio dos conselhos de saúde que já existem. Um projeto de lei do deputado Odorico Monteiro (PT-CE) delimita o que seria a chamada integralidade do SUS. Segundo o texto que ajudei a escrever, atenção integral à saúde seria oferecer o que consta nas duas listas: a Rename e a Renases. As liminares que os juízes concedem aos pacientes são especialmente danosas aos pequenos municípios. Elas desestruturam o SUS nesses lugares.

ÉPOCA – A população se sente duplamente abandonada quando não encontra atendimento de qualidade no SUS nem nos convênios privados. Há solução? ÉPOCA – Como? Lenir – É preciso atacar o problema em duas frentes. Temos Lenir – O SUS é mantido pelas três esferas de governo: União, má gestão e má aplicação dos recursos, mas o subfinanciamento é real. Se o Brasil decidiu oferecer saúde universal para Estados e municípios. A responsabilidade dos municípios é 200 milhões de pessoas, tem de ter o recurso garantir a atenção básica. Quando um juiz suficiente. O país gasta por ano cerca de determina que uma cidadezinha pague um transplante, por exemplo, isso consome R$ 1.000 por habitante. É pouco. Teria de com um único paciente 30% dos recursos gastar, no mínimo, R$ 2 mil. Além disso, Precisamos de uma precisamos de uma reforma da adminisdestinados a cuidar da saúde de milhares de pessoas. É fundamental definir o que o tração pública que acabe com o controle grande reforma burro. Os servidores controlam papéis que Estado garantirá a todos. E aquilo que for administrativa nem sabem se alguém vai ler. Em vez disso, definido tem de ser realmente para todos – tinham de estar controlando os resultados em quantidade e em qualidade. do setor público dos serviços. Não há planejadores. Há bompara acabar com ÉPOCA – Não é legítimo que um cidadão beiros da saúde.Vivem de apagar incêndio. o controle burro” procure a Justiça quando precisa de um tratamento eficaz, previsto na lista do ÉPOCA – A quantidade de cidadãos que entram na Justiça para conseguir drogas SUS, mas que o Estado não entrega? e procedimentos não oferecidos pelo SUS aumenta ano Lenir – É justo que o Judiciário garanta o direito do cidadão se após ano. Isso desorganiza qualquer planejamento. Como o Estado não estiver cumprindo o que as listas determinam. lidar com esse conflito? Na maioria dos casos, não é isso o que acontece. A indústria Lenir – Alguns vácuos legislativos impedem que a chamada farmacêutica financia associações de pacientes para que eles judicialização da saúde se resolva. Não é possível oferecer exijam produtos que, muitas vezes, não estão sequer aprovatodo e qualquer recurso que um cidadão exija na Justiça. A dos no Brasil. A judicialização foi criada para garantir justiça, mas na saúde ela promove mais desigualdade. saúde é um direito que custa. O céu não pode ser o limite. Nenhum país oferece tudo a todos. Toda nação com bom ÉPOCA – Por quê? sistema público de saúde oferece apenas os tratamentos e Lenir – O cidadão que recebe uma liminar judicial sai da fila. procedimentos previstos numa lista. É assim no Reino UniPassa na frente dos outros pacientes e conquista um recurdo, na França, na Espanha, no Canadá. A lista permite que o Estado faça escolhas. O Brasil tem duas listas: uma de so que não estará disponível para todo mundo. Isso fere o princípio constitucional da igualdade.Vivemos num país de medicamentos essenciais (Rename) e outra de ações e serprofundos apadrinhamentos. Em muitos lugares, é o vereaviços de saúde (Renases). O problema é que o Judiciário não reconhece essas listas. Os juízes continuam favorecendo dor quem arranja vagas no hospital. Esses abusos precisam pacientes que pedem produtos não oferecidos pelo SUS. acabar. Não é possível que a gente continue a se pautar pelo Eles se baseiam no Artigo 196 da Constituição: “Saúde é apelo emocional dos casos individuais. Estamos falando de um direito de todos e um dever do Estado”. um direito social numa área em que não podemos fazer uma garantia para um cidadão ao custo de prejudicar inúmeras ÉPOCA – Por que os juízes não entendem que o dever do pessoas. A judicialização desorganiza o gasto público. Chegou Estado é oferecer o que está definido nessas listas? a hora de dizer claramente que o direito à saúde tem limite. u 78 I ÉPOCA I 5 de outubro de 2015



brunoastuto@edglobo.com.br

A rainha das bolsas Radicada em Milão há dez anos, a gaúcha Paula Cademartori é a designer de bolsas mais incensada entre os nomes mais bombados do mundo da moda. Anna Dello Russo, a editora de moda e consultora criativa da Vogue Japão, foi uma das primeiras a usar suas peças, que chegam a custar R$ 12 mil. “Se ela gosta, é porque estou no caminho certo”, diz Paula, que gasta até 32 horas para fazer uma única bolsa. A designer só se deu conta do sucesso quando viu a atriz Jane Fonda no tapete vermelho do Grammy com uma de suas bolsas. “Quase caí para trás.” Seu ateliê, na Itália, exporta para mais de 200 multimarcas em todo o mundo, com destaque para uma loja temporária que ficará aberta até meados deste mês na centenária loja de departamento Le Bon Marché, em Paris. “Meu sonho é abrir uma loja no Brasil, mas vamos ver, porque, infelizmente, parece que a crise está brava.”

Beleza de repórter Repórter do Vídeo show há quatro meses, Giovanna Ewbank não tem tido tempo nem de responder à pergunta que a acompanha – inclusive no programa – desde que se casou com o ator Bruno Gagliasso, há cinco anos. Afinal, quando vem o primeiro herdeiro? “Planejo formar uma família, ter três, quatro filhos. Mas agora estou trabalhando muito, experimentando uma profissão nova”, afirma Giovanna. Se dependesse do marido, ela já teria tido um filho no ano retrasado, outro no ano passado e mais um neste. “Conversamos seriamente e ele entendeu minha posição de esperar 80 I ÉPOCA I 5 de outubro de 2015

mais um pouquinho.” Sobre a nova profissão, ela agradece ao apresentador Faustão, seu padrinho. Foi ele quem a chamou para fazer uma matéria para seu programa – a primeira de Giovanna – numa viagem à África, em julho. “Essa viagem me fez ver que o que eu quero fazer é entrevistar pessoas. Faustão acreditou mais em mim do que eu mesma”, diz. Queridinha das campanhas de moda, Giovanna acaba de debutar numa grife internacional ao ser clicada para a lendária marca de cristais Swarovski, durante um passeio de barco no Lago Achensee, na Áustria.


Com Acyr Méra Júnior e Dani Barbi

Netflix da moda Mulher de Eike Batista, a empresária Flávia Sampaio tem se dedicado ao Power Look, site de aluguel de vestidos que tem dado o que falar entre as madames. “A ideia casa com o momento atual da economia do país e com o consumo consciente. Chamo de ‘Netflix’ da moda”, diz Flávia. São 300 peças para locação, cujos preços vão de R$ 180 a R$ 2 mil. Se a nova empreitada tem a ver com a crise do companheiro? “Sobre os negócios dele, não falo”, afirma Flávia. “Ele foi o primeiro a aprovar meu plano de negócios, é meu maior incentivador e pergunta todos os dias quantos vestidos aluguei. Acho até que está de olho no meu negócio, de tanto que pergunta.”

Dupla acelerada

A lourice de Nanda Depois de viver a periguete alpinista social Tuane em Império, Nanda Costa promete surpreender como Camila, na série policial Espinosa, adaptação do livro Uma janela em Copacabana, que estreia no dia 15, no GNT. A personagem será uma dançarina de boate que vai parar no apartamento do protagonista, interpretado por Domingos Montagner, porque se sentirá perseguida depois de sua companheira de quarto ser assassinada. Para o papel, ela cortou os longos fios e ficou loira. “Os homens amam cabelo longo”, diz. “As cantadas diminuíram.” Fotos: Margaret Zhang, Tullio Puglia/Getty Images, Álvaro Riveiros/ CPDoc JB/Futura Press, divulgação e Jorge Bispo

Casados na vida real e na divertida série Mr. Brau, Taís Araújo e Lázaro Ramos levarão a dobradinha também para o teatro. Ela é dirigida pela primeira vez pelo marido na peça americana O topo da montanha, que estreia no dia 9, em São Paulo. “Estava louca para ser dirigida pelo Lázaro havia muito tempo. Como diretor, ele é muito gentil, trabalha tentando potencializar o ator”, diz a atriz. Na peça, Taís será a camareira Camae, que vai conviver com Martin Luther King (Lázaro) logo depois do famoso discurso de 3 abril de 1968, véspera do assassinato do ativista político. Taís se despirá da personagem Michele Brau e seus apliques. Vestirá uniforme e usará um coque no cabelo. “Os brasileiros merecem ver a peça porque a sociedade e as escolas não estão preparadas para a diversidade”, afirma Taís. “Temos de ser muito hábeis na criação dos nossos filhos.” 5 de outubro de 2015 I ÉPOCA I 81


BRUNO ASTUTO

Leia a coluna diária de Bruno Astuto em epoca.com.br

E N T R E V I S TA

Susana Vieira Atriz

“Eu quebraria aquele Congresso inteiro” O

melhor papel da vida de Susana Vieira é, sem dúvida, o de Susana Vieira. “O nome Susana Vieira já é uma polêmica”, diz ela, no ar como Adisabeba, a “rainha” do Morro da Macaca na novela A regra do jogo. Dona de uma energia invejável, credita a popularidade ao jeito espontâneo. “Tem muito artista que parece bonzinho no vídeo, mas é insuportável nos bastidores. Se as pessoas soubessem...” Com 625 mil seguidores no Instagram e 800 mil no Twitter, ela diz que está aprendendo a dosar suas incursões nas redes sociais. “Eu mesma publico. Às vezes, minha assessora tira quando acha que as coisas podem ser distorcidas”, diz Susana. “Não tenho essa maldade. São os fãs que tomam conta da minha carreira.” ÉPOCA – Como lida com a exposição? Susana Vieira – Outro dia, eu beijei uma gracinha de um menino num casamento de gente rica. A namorada de um dos padrinhos me viu, fotografou e mandou para um site. No dia seguinte, a notícia era de que eu estava namorando um advogado bonito. É um perigo.

ÉPOCA – Está namorando? Susana – Imagina! O verbo “ficar” para mim tem o mesmo peso do que para a juventude. Não quero namorar e casar. Namorar um dia é maravilhoso, sete meses fica chato. Estou solteira e feliz. ÉPOCA – Sua personagem é a mais popular da novela. Alguma identificação com ela? Susana – Total. Tenho mais intimidade com esse jeito descontraído da favela, sem padrões ou firulas. Subo a Rocinha tranquilamente. A casa de Adisabeba fica num lugar íngreme, e tenho de subir 82 I ÉPOCA I 5 de outubro de 2015

POPULAR Susana Vieira. “Tenho mais intimidade com o jeito descontraído da favela”

todos os dias, no calor de 40 graus, igual a todo mundo. Tiro muitas fotos com garçons, bombeiros e policiais, porque eles acham o máximo eu falar com eles. Quando o caminhão da companhia de lixo passa perto do meu carro, eles gritam meu nome e não têm o menor constrangimento. Se eu tivesse o poder de ajudar o Brasil, eu quebraria aquele Congresso inteiro. ÉPOCA – Qual o segredo de tanta energia aos 73 anos? Susana – Deve ser da batata. Não posso comer açúcar desde que nasci porque tenho alergia. Imagina se eu pudesse? Pesaria 90 quilos, porque adoro comer. Sou hiperativa, vivo buscando atividades, malho diariamente com meu personal. Eu sou disponível para a vida. Estou sempre indo, nunca voltando. Fotos: Fabrizia Granatieri/Ed. Globo e Adriano Vizoni/Folhapress

O mar é a saída Amyr Klink decidiu expor 30 fotografias de seu acervo no Rio, para comemorar os 30 anos de sua primeira aventura. Ele cruzou o Atlântico, da África ao Brasil, remando numa embarcação de pouco mais de 5 metros. Emborcou três vezes. “Desde então, foram mais de 40 viagens, incluindo incursões anuais à Antártica. Tudo o que fiz foi por causa dessa viagem”, diz ele, relembrando os 100 dias que remou entre Luderitz, na Namíbia, e a Praia da Espera, na Bahia. Amyr lamenta que o Brasil não saiba explorar seu vasto potencial marítimo. Para ele, o mar pode ajudar em tempos de crise. “Dilma está tão desesperada para economizar R$ 60 bilhões, para fechar a conta, que está mirando nos alvos errados”, afirma Klink. “Se ela garantir o licenciamento do aluguel de embarcações e fizer marinas para recebê-las, eu pago a conta dela em dois anos.”


CONFIRA AQUI OS DEPOIMENTOS DOS GANHADORES

“Quase não acreditei quando recebi a notícia da premiação. Uma grata surpresa. Ficamos muito felizes. Obrigado” Gilberto Gil Santiago – Brasília – DF

“Ganhar um UP! é um sonho acordado. Esse momento nunca sairá do meu pensamento” Alexandre Dijan Coqui – Jacaraci – BA

“Sou assinante da revista ÉPOCA já há uns 5 anos e pretendo continuar e, se possível, ganhar mais alguns prêmios”

“A revista ÉPOCA traz confiabilidade em suas matérias com conteúdo atual e diversificado em seus temas. Com a assinatura da revista estava ganhando conhecimento e atualização, mas além disso ser premiado com um UP! é bom demais” Clovis Schevchenco – Florianópolis – SC

“Quando recebi o telefonema e a confirmação pelo e-mail, não via a hora de ver o carro na garagem” Antonio Alves – São Leopoldo – RS

“Foi incrível receber a ligação da Editora Globo. Em um ano de crises financeiras, nada melhor que a revista ÉPOCA dar um UP! em minha vida!” Ana Caroline Paz de Araujo Brasília – DF

“Quando vi meu nome tive a certeza da realidade. Ganhei mesmo! E o UP! já estava em meu nome” Jonathan Gabriel Pereira de Lima – Rio de Janeiro – RJ

“Quando recebi a ligação, fiquei achando que era brincadeira de algum amigo. Depois da confirmação, foi só alegria” José Nelson Ribeiro de Carvalho – Rio de Janeiro – RJ

A promoção ÉPOCA DÁ UM UP NA SUA VIDA foi válida de 27/2/2015 a 31/5/2015 e premiou 8 assinantes em todo o Brasil. Fique atento às próximas promoções: você também poderá ser um ganhador!

CERTIFICADO DE AUTORIZAÇÃO CAIXA - No 6-0142/2015

Antonio Carlos de Oliveira – Campinas – SP


WA L C YR C ARRAS C O

Sem rótulos A

dolescentes e jovens cada vez mais fogem de rótulos. experiência pessoal não tem o valor de uma pesquisa soNós, os maduros, definimos pessoas de acordo com bre comportamento. Mas eu vejo um número imenso a orientação sexual. É hétero, gay, bi. Para a garotada que de amigos para quem é normal sair a três, ele com duas vem aí, é coisa de gente careta. Simplesmente, a frase genial garotas, ou dois rapazes com uma. Sem compromisso. do ex-ministro Eduardo Portela permanecerá para sempre, Tipo beber um chopinho. Só pelo prazer. Entre eles, nenhum considera a garota, como no pasganhando novos sentidos. Lembram quando ele disse: sado, uma vagabunda. (Ou a chama pelo nome mais – Eu não sou ministro, eu estou ministro – ? Atualmente, muitos jovens se definem muito mais com genérico, que começa com p.) É normal. Uma espécie “eu estou gay”, ou vice-versa. É frequente vermos garode amizade multicolorida. Às vezes no meio da noite, tas de mãos dadas. Sim, no passado elas também tinham os rapazes descobrem o algo mais entre eles, e também rola. Ela acha ok. Ou seja, movimentos sociais femininos essa liberdade. Mas hoje se beijam nas baladas. Nenhum problema. O namoradinho pode estar perto, curtindo um tiveram suas conquistas. Mas elas não valeriam nada se essas mesmas conquistas não fizessem hoje parte do modo amigo. E depois o casal vai embora junto e feliz. Algumas de se ver, de sentir e amar de muitas mulheres jovens. baladas começam a perceber esse movimento. Uma casa Ninguém mais está queimando sutiãs e gritando que tem noturna de São Paulo, The Edge, tinha a noite GLS. Hoje, direito ao orgasmo. É uma parte da vida, não tem mais. Em conversa com um profissional de lá, ouvi: e só. Isso não elimina que daqui a pouco – Aqui é tudo. Rola o que tiver de rolar, qualquer uma delas, ou deles, viva uma relação monogâmica. O prazer, a sexuasem discriminação. NÓS, OS MADUROS, Casas noturnas nascidas sob o signo lidade, tornava a mulher marginal. Não DEFINIMOS PESSOAS GLS, como a The Week, veem um aumenera “moça de família”, como diziam. Hoje, COMO HÉTERO, GAY, to de frequência de casais héteros. Vale a o novo companheiro nem discute o que música, a festa. Na minha opinião, esse BI. PARA A GAROTADA, houve antes, nem sequer como se conhecomportamento não é resultante apenas ceram. Foi na primeira noite? A três? Eu ISSO É COISA DE da liberação GLS. Mas, principalmente, da conheci uma mulher casada que aceitou, feminina. Desde as sufragistas, que lutavam com o marido, ir para a cama junto com GENTE CARETA pelo direito ao voto, as mulheres batalham um rapaz que ele amava. Resultado: ela e por espaço na sociedade. Antes da pílula, o rapaz se apaixonaram. Largou o marido e foi viver com o outro. Sem culpa. ficar grávida realmente podia jogá-las na marginalidade. O fim do preconceito ao prazer feminino acabou tocanNo fundo, os homens não aceitavam a mulher independente e, óbvio, seus desejos. Na intimidade, as mulheres falam do fortemente também o mundo GLS, sempre combativo. Gays e lésbicas ampliam seu espaço constantemente. Como horrores, e até comparam homens. Perto deles, discrição. A questão é ancestral. Estudos estabelecem que a disse, entre os mais jovens. Óbvio, há aqueles para quem questão de ser penetrada foi fundamental no domínio a orientação sexual é tão preponderante, hétero ou não, do homem sobre a mulher. Ela existia para fazer filhos que preferem não viver outras experiências. Mas a quebra e para o prazer masculino. Em consequência, o gay, por de tabus e a busca de prazer se intensificam, nessa noção ser (eventualmente) penetrado, também era visto como de “estar”, não de “ser”. Para você talvez seja difícil olhar o mundo assim agora. Até porque quem tem filhos jovens inferior. Na Roma Antiga, o senhor podia dispor de seus dificilmente sabe tudo o que passa na cabeça deles. Os róescravos, desde que fosse o ativo. Se descobrissem que era passivo com um escravo, era desprezado. Depois do voto, tulos estão caindo não só através de movimentos, mas de da pílula, as mulheres conquistaram o direito ao prazer. comportamentos. Posso estar falando ainda de uma parcela O orgasmo feminino nem é prioridade nas discussões. pequena da sociedade. Mas um dia eles serão a maioria, e as palavras hétero, gay, bi serão só vocabulário do passado. u O direito a escolher parceiros foi conquistado. E, hoje, uma garota se sente à vontade para sair com um sujeito, uma noite só, porque gostou, sentiu atração. Não significa Walcyr Carrasco é jornalista, autor de livros, que há um relacionamento, compromisso, nada. Minha peças teatrais e novelas de televisão 84 I ÉPOCA I 5 de outubro de 2015



ESPECIAL

EMPRESAS COM O PLANETA As vencedoras do Prêmio ÉPOCA Empresa Verde mostram que cuidar do meio ambiente é bom para os negócios. Ah, se os governos se mirassem no exemplo delas... Thais Herrero

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NEOENERGIA

CATEGORIA

RECURSOS NATURAIS

m dezembro, o mundo estará de olho na 21a Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas, a COP 21. Ela reunirá representantes de 190 países para tentar combinar uma meta de corte na emissão de gases responsáveis pelas mudanças climáticas. Enquanto os governos tentam chegar a um acordo, várias companhias atentas ao assunto estabeleceram ações próprias para diminuir seu impacto ao meio ambiente. Algumas estão entre as ganhadoras do Prêmio ÉPOCA Empresa Verde. O prêmio é realizado desde 2008 em parceria com a PricewaterhouseCoopers (PwC). Nesta edição, criamos duas categorias especiais: Melhor Solução para Urbanização e Melhor Solução para o Uso Sustentável de Recursos Naturais. Duas empresas dividiram o prêmio nessa última categoria: Neoenergia e Honda, que se destacaram por investir em energias renováveis. Segundo Carlos Rossin, diretor de sustentabilidade da PwC, a aposta delas colabora com a revolução na matriz energética brasileira. “Com a crise hídrica do Sudeste, não dá para depender só das usinas hidrelétricas. O Brasil tem um potencial incrível para explorar a energia dos ventos e do sol. E agora é a hora certa”, afirma. A seguir, você vai conhecer o que as sete empresas campeãs fazem pelo meio ambiente e para garantir seu próprio futuro sustentável. EMPRESA VERDE SERVIÇOS

ENELBRASIL Foto: Fabio Borges Pereira

SEM FILTRO Placas solares em Fernando de Noronha. A Neoenergia produz energia limpa aproveitando o recurso que o arquipélago tem de sobra

Os brasileiros que moram no Ceará e no Rio de Janeiro sabem que o lixo produzido em suas casas vale uma conta de luz mais barata. Desde 2007, a Coelce e a Ampla, empresas da Enel s 5 de outubro de 2015 I ÉPOCA I 87


ESPECIAL

NATURA

CATEGORIA

INDÚSTRIA

Brasil que distribuem a energia elétrica nos dois Estados, respectivamente, mantêm um programa de incentivo à reciclagem em que os clientes trocam resíduos de papel, plástico, vidro, metal e óleo de cozinha por bônus na conta de energia. Para isso, eles levam os materiais a um dos postos das empresas, onde tudo é separado e pesado. Existe uma cotação em reais para cada tipo de material. O valor obtido vai para um cartão magnético do cliente e vira bônus abatido na conta de luz do mês seguinte. O desconto não tem limites.Há quem fique meses sem precisar pagar nenhum centavo. De 2007 a 2014, mais de 22.000 toneladas de resíduos foram recicladas e viraram R$ 3 milhões em descontos.Além de melhorar os índices de reciclagem nos 43 municípios participantes,a Enel também diminuiu o número de clientes inadimplentes, que estava alto. “Hoje, ajudamos a população carente a acessar a energia elétrica, que é tão fundamental para todos nós, sem que ninguém fique devendo na praça ou corra o risco de ter o serviço cortado”, diz Marcia Massotti, responsável pela área de sustentabilidade da Enel Brasil. Desde 2014, quem troca o lixo pelo desconto recebe na conta uma 88 I ÉPOCA I 5 de outubro de 2015

CONTEÚDO Linha de produção na Natura. A empresa quer parar de vender perfume pela embalagem

informação extra: a quantidade de gás carbônico que deixou de ser lançada no meio ambiente graças ao encaminhamento do material para a reciclagem. Isso porque a reciclagem reduz a necessidade de produzir nova matéria-prima, diminuindo a emissão das fábricas. EMPRESA VERDE INDÚSTRIA

UNILEVER Uma máquina que lava roupas de uma família com quatro pessoas gasta entre 80 e 135 litros de água por vez. De olho no valor cada vez maior desse líquido natural, a Unilever lançou uma versão concentrada do popular sabão Omo. O produto só precisa de um enxágue na máquina. Reduz pela metade o consumo de água a cada lavagem. Para Fernando Fernandez, presidente da Unilever no

Brasil, isso foi possível porque “o que lava a roupa é o sabão e não a água”. Segundo a empresa, o produto tem uma fórmula que permite desprender a sujeira das roupas numa concentração menor de água. Desde o começo de 2014, a empresa aposta na linha de concentrados e compactos. Há também amaciantes e produtos de limpeza. Em maio de 2015, foram lançados os antitranspirantes em embalagens menores, com gás comprimido. Isso permite a redução do consumo de água e de lixo tanto na fabricação quanto durante o uso dos produtos. Somente as linhas de amaciante e sabão para lavagem de roupas pouparam em 2014 cerca de 100 milhões de litros de água nas fábricas da Unilever no Brasil. É equivalente ao consumo de 1 milhão de pessoas. Para lançar esses produtos, a empresa pesquisou e desenvolveu tecnologias especiais para tornar o produto eficiente em quantidades menores. Agora, quer que suas concorrentes também entrem nesse mercado. Por isso, tudo o que foi descoberto está disponível sem patentes para ser copiado. A vantagem, segundo Fernandez, é que assim o mercado será regulamentado e todos competirão em pé de igualdade. Fotos: Rogério Cassimiro/ÉPOCA


O S D E S TA Q U E S

EMPRESA VERDE

MUDANÇASCLIMÁTICAS–SERVIÇOSEFINANÇAS

SANTANDER

No site do Banco Santander há uma ferramenta em que calculamos quanto nossas ações do dia a dia – como se locomover, comprar objetos e fazer viagens – emitem gases responsáveis pelo aquecimento global. Faz parte do Programa Reduza e Compense. Depois do cálculo, o site oferece formas de compensarmos nosso impacto ao planeta, por exemplo, com a compra de créditos de carbono de empresas que já reduziram suas emissões. Uma das empresas que estão vendendo seus créditos pela ferramenta do Santander é a Irmãos Fredi, uma fábrica de cerâmica e tijolos e blocos em Presidente Epitácio, interior de São Paulo. Para reduzir seu impacto negativo no ambiente, a empresa parou de abastecer os fornos com lenha de árvores do Cerrado. E, com ajuda da consultoria do banco, passou a usar biomassa renovável. O que aquece seus fornos agora são serragem e bagaço de cana que sobram de fazendas próximas. Com o dinheiro da venda dos créditos, a Irmãos Fredi dá assistência a duas creches da cidade. Desde 2006, quando trocou o combustível dos fornos, a empresa já pagou a reforma das instituições, doou computadores e retroprojetores. A fábrica também fornece mensalmente cestas básicas. Com iniciativas como essa, o Programa Reduza e Compense intermediou a compensação de mais de 73.000 toneladas de gás carbônico em 2014 e ganhou dois prêmios internacionais. EMPRESA VERDE

MUDANÇAS CLIMÁTICAS – INDÚSTRIA

NATURA

Quando seu perfume acabar, você não precisa mais comprar um frasco novo. Desde 2014, a Natura oferece refis, que demandam menos matéria-prima e menos energia na fabricação, também para perfumes. Com a novidade, a empresa estima que diminuirá 72% das emissões de gases causadores do efeito estufa. E isso permite também que o refil custe 20% menos que um frasco novo para os clientes. Os s

As empresas com ótima pontuação no prêmio exibem políticas ambientais exemplares para o país

ALGAR TELECOM ARCELORMITTAL BRASIL BANCO DO BRASIL BASF

Além de reaproveitar o resíduo que gera, a empresa olha para fora. Ela mantém pontos de coleta em suas lojas e recebe lâmpadas, pilhas, baterias e celulares tanto de seus clientes quanto do público em geral A siderúrgica produz aço para a carroceria de veículos, com 20% menos peso e 14% menos emissão de gás carbônico na fabricação. Os carros mais leves também consomem menos combustível Em 2014, o banco destinou R$ 2,9 bilhões a mais de 6 mil projetos de produção agrícola ou pecuária com capacidade de reduzir e tirar da atmosfera o excesso de gás carbônico De 2002 a 2014, já cortou pela metade a água usada por tonelada de produto graças a torres de resfriamento que recirculam a água dos processos de produção várias vezes

BRASKEM

Criou uma resina para o interior de tubos e adutoras das redes de água, gás natural e esgoto. Os canos duram até 100 anos (o dobro da média), reduzindo gastos com manutenção e perdas

CIA THERMAS DO RIO QUENTE CPFL ENERGIA CAMARGO CORRÊA DOW BRASIL DURATEX

Para garantir que a água usada no resort nunca falte, há um programa para recuperar floresta na área de mananciais. Já plantou mais de 12 mil mudas nativas do Cerrado

FIBRIA CELULOSE GRUPO BOTICÁRIO ITAÚ UNIBANCO NOVELIS DO BRASIL TRACTEBEL ENERGIA VALE

Investe em um programa de reflorestamento e conservação para as matas do entorno de reservatórios. E até solta eventualmente alguns peixes no reservatório para garantir a biodiversidade Um sistema eletrônico informa quais materiais sobraram das obras, para venda a empresas recicladoras. Em 2014, metade dos resíduos foi reaproveitada dessa forma A Dow lançou um programa para financiar e desenvolver técnicas para eficiência da pecuária em regiões de fronteira como Mato Grosso. O objetivo é evitar o desmatamento para novas pastagens O lodo gerado na estação de tratamento de efluente e as cinzas da queima da biomassa viraram 11.000 toneladas de um composto orgânico usado para adubar as florestas da companhia A empresa tem registro de diversidade de fauna e flora nas áreas de plantação de eucalipto desde 1989. Essas áreas são usadas como corredores de animais entre florestas nativas preservadas no entorno Foi uma das primeiras empresas do país a comprar voluntariamente créditos de reciclagem equivalentes a 1.500 toneladas de lixo. Beneficiou diretamente 30 cooperativas e mais de 1.000 catadores Alémdeincorporaroriscodasmudançasclimáticasàanálisedecrédito,obanco orientafornecedores a pensar nisso e a fazer relatórios de emissões. Todos os resíduos eletrônicos do banco são encaminhados para desmonte e reciclagem Já usa 80% de alumínio reciclado para produzir material novo. Até 2020 quer reduzir em 39% o uso de energia por tonelada vendida. E ainda cortar pela metade as emissões de gás carbônico A sede dispõe de uma processadora de resíduos orgânicos que transforma todos os alimentos descartados pelos funcionários em biomassa, água e adubo – 10 quilos de adubo são produzidos todo dia Para preparar o Espírito Santo para as mudanças climáticas, instalou um radar meteorológico. Ele monitora chuvas potencialmente destruidoras. Em caso de risco, a Defesa Civil será avisada

5 de outubro de 2015 I ÉPOCA I 89


ESPECIAL

RENOVA ECOPEÇAS

CATEGORIA

URBANIZAÇÃO

refis são de plástico 100% reciclado. Isso incentiva o reaproveitamento de um material que poderia acabar em um lixão e demorar centenas de anos para se decompor. É uma estratégia inédita no ramo da perfumaria – que investe em embalagens caras e design arrojado. “O perfume é um objeto de desejo também por conta do glamour da embalagem”, afirma Keyvan Macedo, gerente de Sustentabilidade, Marcas e Produtos da Natura. Por isso, diz que a empresa está investindo em uma nova abordagem junto aos consumidores, mostrando que a qualidade e a finalidade de um perfume não estão atreladas à embalagem. Para oferecer os refis, a Natura teve de mudar a estrutura dos vidros de perfumes – geralmente com válvulas que não podem ser retiradas. Na linha Ekos, todos têm válvulas rosqueadas que o consumidor tira com facilidade. Isso melhorou, inclusive, a reciclagem dos frascos de vidro. As versões invioláveis obrigavam os trabalhadores das cooperativas a cortar ou quebrar os frascos, correndo risco de se machucar ou de perder parte do material. Agora, o processo ficou melhor. 90 I ÉPOCA I 5 de outubro de 2015

DESMANCHE LEGAL Pátio da Renova Ecopeças. Ela desmonta carros de perda total das seguradoras e reaproveita suas partes

EMPRESA VERDE

SOLUÇÕES – RECURSOS NATURAIS

NEOENERGIA

Quem viaja ao arquipélago de Fernando de Noronha, em Pernambuco, sabe que um bom dia de sol é crucial para aproveitar as belas praias. O sol ali também é precioso para o abastecimento de eletricidade desde que a Neoenergia inaugurou duas usinas fotovoltaicas. A primeira começou a funcionar em 2014 e a segunda em julho de 2015. Somadas, representam 10% do consumo de energia da ilha e menos 400.000 litros de óleo diesel queimado por ano. Os outros 90% da eletricidade vêm da usina termelétrica Tubarão – uma fonte cara e poluente. A redução no uso do diesel

permitiu uma economia de R$ 1,170 milhão por ano. Para a instalação das usinas nenhuma árvore foi derrubada – algo importante para um local reconhecido como Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco. A ilha foi também o primeiro lugar de Pernambuco a contar com redes elétricas inteligentes. Elas permitem a cada cliente saber de onde vem a eletricidade e quanto ela custa a cada momento. Também permitirá que uma pessoa possa gerar sua própria eletricidade (com um painel solar no telhado) e vender o excedente. Para a presidente do Grupo Neoenergia, Solange Ribeiro, as redes inteligentes são uma aposta para que, em breve, Fernando de Noronha não dependa mais da termelétrica. “Para conseguirmos ter fontes alternativas é importante que a ilha tenha um controle melhor do consumo e da distribuição”, diz. Na ilha, a Neoenergia está testando vários tipos de placas para saber quais têm maior eficiência e rendimento. A experiência ali, segundo Solange, é um laboratório que permitirá a instalação de mais usinas solares pelo Brasil. Fotos: Divulgação e Pisco Del Gaiso


SANTANDER

CATEGORIA

SERVIÇOS E FINANÇAS

OBRA Fábrica de tijolos em São Paulo. Com o auxílio do Banco Santander, ela reduziu as emissões poluentes e passou a ajudar uma creche

EMPRESA VERDE

SOLUÇÕES – RECURSOS NATURAIS

HONDA

O município de Xangri-Lá, no litoral gaúcho, ganhou uma novidade em sua paisagem. Nove torres com hélices estão girando para captar energia a partir da força dos ventos. As turbinas geram 95 mil megawatts por ano, equivalente ao consumo de uma cidade com 35 mil habitantes, e evitam que 2.200 toneladas de gás carbônico sejam lançadas na atmosfera. O parque eólico foi construído pela Honda para suprir toda a demanda de sua fábrica de automóveis em Sumaré, no Estado de São Paulo. E também para atender à meta da empresa global de reduzir em 30% as emissões de gases geradores de efeito estufa. A Honda investiu no parque em Xangri-Lá por causa dos bons e constantes ventos da região e pela proximidade com subestação de distribuição. Agora é a primeira fabricante de automóveis do país autossuficiente em energia renovável. Em tempos de reservatórios de hidrelétricas vazios e acionamentos de termelétricas a óleo combustível, é uma ajuda bem-vinda. A energia provenien-

te dos ventos é entre 40% e 45% mais barata nos horários de pico. EMPRESA VERDE

SOLUÇÕES – URBANIZAÇÃO

RENOVAECOPEÇAS

Cerca de 10 milhões de carros estão abandonados em pátios de delegacias ou pelas cidades brasileiras. Mesmo velhos ou quebrados, muitos ainda têm partes reaproveitáveis em outros veículos ou na reciclagem. Por isso, a Porto Seguro abriu uma empresa especializada em aproveitá-los: a Renova Ecopeças. Depois que a seguradora tira de circulação os automóveis com perda total, indeniza os clientes e encaminha o produto para a Renova. Peças em condições de reúso são enviadas a uma loja virtual com pre-

ços atraentes. O que é reciclável, como o aço da carroceria, também é recuperado. A Renova reaproveita até restos de lubrificante e combustível. Pneus viram solas de sapatos, pisos de quadras poliesportivas e isolante acústico para a construção civil. O que não serve nem para a reciclagem é descartado por empresas especializadas, evitando que qualquer peça chegue a lixões. A Renova reduz riscos para o meio ambiente, como a contaminação do solo pela ferrugem dos carros, que se espalha com a chuva, e o derramamento de óleos e fluidos que sobram nas peças. A empresa também colabora com a diminuição da taxa de criminalidade nas cidades. Ao criar um mercado legal para as peças automotivas, desmobiliza o mercado clandestino e, consequentemente, os roubos. “Os desmanches não autorizados vendem porque colocam os preços lá embaixo. Mas já conseguimos fazer preços semelhantes, com um produto de procedência legal”, diz Bruno Garfinkel, diretor da Renova Ecopeças. Ele destaca que, no longo prazo, as vantagens para os motoristas são, além de uma cidade menos violenta, taxas de seguros mais baixas. u 5 de outubro de 2015 I ÉPOCA I 91


M E N T E A B E R TA

Os gatinhos do vovô Joyce Além de romances celebrados e desafiadores para o leitor adulto, o escritor irlandês escreveu histórias infantis – cheias de ironia, jogos de palavras e felinos Ruan de Sousa Gabriel

S

tephen tinha 4 anos e morava com os pais em Villers-surMer, na França, quando recebeu uma carta do avô, um irlandês que morava em Paris. Ele vivera alguns anos na Itália, preferia ser chamado de Nonno e gostava de nomes italianos (seus filhos, o pai e a tia de Stephen, chamavam-se Giorgio e Lucia). Na carta, enviada em 10 de agosto de 1936, o avô contava a história do gato de Beaugency, uma cidade francesa às margens do Rio Loire que precisava desesperadamente de uma ponte. O diabo faz um trato com o prefeito: construiria a ponte, mas com um preço – a alma do primeiro que a atravessasse. E o primeiro a caminhar pela ponte foi um gato. Nonno gostava dos felinos, por ter sido atacado por um cachorro na infância. Já havia presenteado o neto com um gatinho de brinquedo recheado de doces, uma espécie de cavalo de Troia para despistar os adultos. O nome do vovô brincalhão e contador de histórias era James Joyce (18821941), um dos maiores expoentes da literatura em todos os tempos. Semanas depois, Joyce enviou outra história ao neto, inspirada em sua viagem à Dinamarca, uma terra que ele considerou cheia de policiais preguiçosos e escassa em gatos. As duas his92 I ÉPOCA I 5 de outubro de 2015

tórias, O gato e o diabo e Os gatos de Copenhagen, estão reunidas num livro (40 páginas, R$ 38) com lançamento marcado para 22 de outubro pela Lumme. A pequena editora de Bauru, interior de São Paulo, é responsável por uma nova leva de traduções da obra de Joyce – incluindo os livros adultos. A equipe de tradutores, liderada por Eclair Antonio Almeida Filho, professor da Universidade de Brasília (UnB), só não se atreverá a retraduzir Ulysses, a obra-prima do autor. Joyce publicou Ulysses em 1922, dez anos antes do nascimento de Stephen. A epopeia do judeu Leopold Bloom, um marido traído que vaga pelas ruas tortuosas de Dublin, capital da Irlanda, num dia de junho de 1904, desafia os leitores mais esforçados por sua linguagem elaborada e repleta de referências. Uma das marcas do romance – e de toda a literatura de Joyce – é o fluxo de consciência, uma técnica que procura transcrever o processo de pensamento do personagem misturando raciocínio e impressões subjetivas. O resultado rompe as regras de construção gramatical e a pontuação. Nos contos para o neto, Joyce simplificou a linguagem e encurtou os parágrafos, o que pode reaproximá-lo do leitor que não conseguiu transpor as mais de 1.000 páginas de Ulysses. Fotos: Bettmann/Corbis (2), Corbis, W. & D. Downey/Hulton Archive/Getty Images, Arquivo/Estadão Conteúdo


DOS GRANDES PARA OS PEQUENOS Autores consagrados que escreveram para crianças

ANTON TCHEKHOV 1860 l 1904 Um dos maiores prosadores russos escreveu Cachtánca, a história de uma cadelinha que se perde de seu dono malvado e ganha um novo lar

SYLVIA PLATH 1932 l 1963 A poeta também escreveu versos para crianças. O terno tanto faz como tanto fez conta a história de um menino e seu terno mostarda

OSCAR WILDE 1954 l 1900 O irlandês de humor ácido é autor de contos infantis com lições de vida, povoados por príncipes felizes, rouxinóis e gigantes egoístas

NO O COLO DO VOVÔ James Joyce e seu neto Stephen em 1932. Gatinhos são os protagonistas das histórias infantis que o irlandês escrevia

CLARICE LISPECTOR 1920 l 1977 Discípula de Joyce, Clarice dominava o fluxo de consciência e começou a escrever para crianças por exigência de seus dois filhos

Joyce criou histórias sobre gatinhos para agradar às crianças que tinha em casa. A pressão de pequenos leitores levou outros grandes autores a escrever para o público infantil. Clarice Lispector publicou quatro livros para crianças a pedido de seus filhos, Pedro e Paulo. Os filhos de Oscar Wilde se deleitavam com as fábulas que o pai criava (leia no quadro). Joyce também compôs poemas para sua filha Lucia e reescreveu fábulas do francês Jean de La Fontaine (1621-1695). As versões joyceanas de A raposa e as uvas e A formiga e a cigarra foram incluídas em Finnegans wake, o romance em que ele trabalhava quando escreveu sobre os gatinhos. Apesar da linguagem apropriada para crianças e despida de experimentalismo, outras características marcantes de Joyce aparecem nos contos infantis: a oralidade, os jogos de palavras, a dualidade, a música, a subversão da realidade, o uso de vários idiomas e a ironia. “A oralidade, ligada ao fluxo de pensamento, é uma marca do estilo joyceano, mas se perde em algumas traduções”, afirma Almeida Filho, o tradutor dos continhos. “Há uma tendência de complicar o que não é complicado em Joyce, como se o leitor já esperasse dele uma linguagem difícil”, afirma. Ele agora se debruça sobre Finnegans wake, cuja nova edição brasileira ganhará um título triplo: Vigília/Incelença/Elegia para Finnegan. Os jogos de palavras repletos de subentendidos e referências também divertem nas histórias felinas. No original, o “senhor prefeito”, que faz negociatas com o cão, é chamado de “lord mayor”. Aos ouvidos ingleses, “lord” remete também ao Senhor Deus, velho inimigo do diabo engenheiro. Joyce, o Nonno, gostava de experimentar com diferentes idiomas e inventou uma língua falada apenas pelo diabo: Bolzebubabebil. Mesmo quem não é poliglota ou já passou da primeira infância se diverte ao tentar ser fluente nesse idioma. O diabo também arrisca um francês meia boca, traduzido em notas na edição da Lumme. O humor e a ironia agradam a leitores adultos. Os gatos de Copenhagen é uma fábula sobre uma cidade s 5 de outubro de 2015 I ÉPOCA I 93


M E N T E A B E R TA

onde nada é o que parece. “Um leitor adulto (e, sem dúvida, uma criança muito inteligente) lê Os gatos... como um texto contra o sistema, crítico dos fat-cats (gananciosos ou corruptos, na gíria inglesa) e de algumas autoridades, e que defende o exercício do bomsenso, da individualidade”, disse ao jornal britânico The Guardian Anastasia Herbert, responsável pela primeira edição do livro, em 2012. Os gatos de Copenhagen foi publicado pela Ithys Press, uma pequena editora dublinense, com uma tiragem de 200 cópias que custavam entre e 300 e e 1.200 cada. A carta em que o irlandês escrevera o conto foi doada à Fundação James Joyce de Zurique, na Suíça, por Hans Jahnke, filho da madrasta de Stephen. O presidente da Fundação, Fritz Senn, reclamou da publicação do conto sem sua autorização e alegou violação de direitos autorais. A obra de Joyce estava em domínio público desde o início de 2012. Mas, segundo a Fundação, o domínio público abrangia apenas as obras já publicadas. A controvérsia não envolveu O gato e o diabo, cuja primeira edição data de 1965. Stephen James Joyce, o neto que recebeu a carta sobre o gato em 1936, completou 83 anos em fevereiro e vive na França com a mulher, Solange. O casal não tem filhos. Stephen é o último descendente vivo do escritor irlandês e administrador de seu espólio literário. Antes que a obra de seu avô caísse em domínio público, ele deu muita dor de cabeça a biógrafos, editores e acadêmicos. Ameaçava processar qualquer um que ousasse citar trechos de Joyce. A fúria do herdeiro atingiu até o governo da Irlanda por propor leituras públicas de Ulysses num festival em homenagem ao escritor. Melhor seria terem sugerido leituras de O gato e o diabo ou Os gatos de Copenhagen. A lembrança das cartas e dos doces escondidos em gatinhos de brinquedo talvez amolecesse o coração de Stephen. E seria uma maneira agradável de apresentar James Joyce a leitores novatos. “É bom começar pelos livros infantis”, afirma Almeida Filho. “Neles, já encontramos todo o universo de Joyce, um contador de histórias irônico e contestador.” E apaixonado por gatos. u 94 I ÉPOCA I 5 de outubro de 2015

M ARC IO ATA LL A

O perigo de trocar sono por exercício D

urmo seis horas por dia. É recomendável trocar alguns períodos de sono para encaixar exercícios físicos em minha rotina semanal? – Gustavo Souza, Belo Horizonte, MG

Você adotou uma rotina bem saudável e parece cumprir tudo à risca. Parabéns! Tenha cuidado para não ficar cansado de seguir tantas regras e acabar desistindo de tudo. O sono é tão importante para a Percebi que, em sua rotina, não há qualidade de vida das pessoas quanto atividades de força, exercícios que a prática de atividade física. Dormir estimulem o desenvolvimento e o seis horas por noite é o mínimo re- ganho de massa muscular, como comendado pela Organização Mun- a musculação e o pilates. Há apedial da Saúde. Portanto, nas atividades aeróbicas. você não deve escolher enElas são excelentes, mas tre um e outro, mas condevem ser complemenciliar os dois. Por que não tadas com atividades de tirar minutos de outras taforça ou provocam ainrefas de seu dia, e não de da mais perda de masseu sono, para encaixar a sa. Você precisa de mais músculos. A quantidade prática de exercícios físicos? Que tal passar menos de massa muscular tamtempo em frente à TV ou bém é importante para ao computador e aproveimelhorar o metabolisNA LIVRARIA tar para fazer caminhadas, Mais dicas sobre mo basal, que é a quancorridas, passeios de bici- qualidade de vida tidade de calorias que cleta ou frequentar algu- e emagrecimento nosso corpo precisa para livro Sua vida se manter vivo. Os músma academia? A prática no em movimento, de exercícios físicos pode de Marcio Atalla culos ajudam a queimar (Editora Paralela) render saúde, disposição e gordura. Outra dica é vigor físico para ajudar a experimentar treinos de corrida mais intensos e mais curconciliar as atividades do dia a dia. tos, ou, ainda, treinos de tiro com Tenho 1,75 metro e peso 70 quilos. descanso. Pesquisas recentes revelaPratico uma hora de exercícios três ve- ram que esses estímulos são muito zes por semana. Corro e jogo futebol. eficientes na redução, sobretudo, da Faço refeições a cada três horas e como gordura abdominal. u frutas nos intervalos. Tomo 1,5 litro de líquido por dia. Estou com uma barriga saliente, mas o resto do meu corpo está magro. O que devo fazer para ganhar definição? – Dioger Brito, Mandaguaçu, PR

Marcio Atalla é professor de educação física e consultor do quadro “Medida certa”, do Fantástico, da Globo. matalla@edglobo.com.br



TEM P O L I VR E ? E S QU E Ç A . E I S O QU E VO C Ê P R E C I S A FAZ E R NES TA SEM ANA

Livro

30 minutos

Heresia

Cinema 2 horas

O Capitão Gancho já foi do bem

Eis uma abordagem atrevida do clássico sobre o menino que não queria crescer. O filme Pan conta a origem do menino órfão que é sequestrado por piratas e levado para um mundo mágico, a Terra do Nunca. A versão do diretor Jason Fuchs se arrisca ao mostrar um lado desconhecido do temido Capitão Gancho (Garret Hedlund) que o público não conhecia: o de amigo e aliado de Peter Pan (Levi Miller) em suas aventuras. O vilão é o pirata Barba Negra (Hugh Jackman). A Princesa Tigrinha também está presente no filme para ajudar Pan em sua luta contra os piratas malignos que vivem no mundo mágico. Estreia no dia 8/10. 96 I ÉPOCA I 5 de outubro de 2015

Em 1939, Daniel Kaminsky, um menino judeu, e seu tio fogem da Europa em guerra rumo a Cuba. Na bagagem, levam um valioso quadro de Rembrandt que pertencia à família desde o século XVII e seria usado como moeda de troca para desembarcar na ilha. O plano fracassa e o quadro só reaparece em 2007, num leilão. Cabe ao detetive Mario Conde desvendar os mistérios que envolvem o quadro e seus antigos donos. Hereges, o novo livro do escritor cubano Leonardo Padura, é um misto de romance histórico e policial composto a partir de vasta pesquisa histórica. Boitempo Editorial, 506 páginas, R$ 56.

Teatro

2 horas

Cássia Eller está de volta

Uma grande voz da música brasileira ganha vida mais uma vez. Depois de passar por Brasília, Belo Horizonte e outras cidades, o espetáculo Cássia Eller – O musical estreia em Curitiba. A atriz e cantora Tacy de Campos vive Cássia na obra que revela mais sobre a vida da cantora, morta em 2001, aos 39 anos. O espetáculo mostra o início da carreira de Cássia, seu sucesso nacional, seus amores e suas amizades. Teatro Positivo, Curitiba, 8 e 9/10.

Concerto 2 horas

Mistureba musical

O Gershwin Piano Quartet volta a São Paulo com seus arranjos e combinações inusitados. Além de apresentar as principais obras do compositor americano George Gershwin, os quatro pianistas suíços proporcionam ao público uma mistura de obras, com interpretações próprias combinando música clássica, jazz e teatro musical da Broadway. No repertório também estão composições de Bach, Prokofiev e Chopin. Tudo isso sem usar partituras durante as apresentações. Sala São Paulo, 6 e 7/10. Fotos: divulgação


Por Marcos Coronato, mcoronato@edglobo.com.br, com Ruan de Sousa Gabriel, Nina Finco e Ariane Freitas atfreitas@edglobo.com.br

Festival 2 horas

Cinema por todos os lados

Vinil

1 hora

Os Mutantes em vinil

Formada no final dos anos 1960, a banda Os Mutantes marcou uma geração e fez história com suas músicas psicodélicas e irreverentes e seu jeitão que misturava The Beatles e MPB. Quase 50 anos depois, o grupo, formado por Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias, ainda é considerado um dos mais importantes do rock brasileiro e serve de referência para novos músicos. Agora, os saudosos da banda e dos discos em vinil poderão ouvir as músicas do grupo na forma mais tradicional possível. A caixa especial Os Mutantes – Box delux traz uma coletânea com sete LPs, feitos a partir das fitas originais. A caixa está disponível para pré-venda. Polysom, R$ 800.

A 17a edição do Festival do Rio apresenta cerca de 250 filmes de mais de 60 países e 15 mostras espalhados pela cidade. Serão apresentados alguns dos filmes de destaque nos festivais de Cannes, Berlim e Veneza. Um dos filmes exibidos será o longa-metragem Boi Neon, do cineasta pernambucano Mascaro, premiado em Veneza. Além da exibição dos filmes, o público poderá participar de palestras, workshops e debates sobre cinema. A programação completa e os endereços estão no site do festival. Rio de Janeiro, até 14/11.

CD

30 minutos

Infantil

Canção de ninar?

1 hora

A cantora americana Lana Del Rey se assume como fora de moda. Isso é bom, no meio de tanta gente fazendo força para diferenciar “velho”, “clássico” e “vintage”. Em seu terceiro álbum de estúdio, Honeymoon, Lana canta a tristeza num lento e belo sussurrar. O disco é bom, mas cuidado para não pegar no sono. Universal Music, R$ 27,90.

Arca de Noé com novo arranjo

Para comemorar o Dia das Crianças, a Orquestra Petrobras Sinfônica apresenta o clássico infantil do compositor Vinicius de Moraes, A arca de Noé. Lançado em 1980, três meses após a morte do compositor, o disco se tornou um sucesso. O espetáculo ganha novo arranjo, do violinista Mateus Freire. O público poderá apreciar e relembrar músicas como “A casa”, “O leão” e “O pato”. Espaço Tom Jobim, Rio de Janeiro, 10 e 11/10.

Teatro 1 hora

Guerra de atletas

Em Peça esporte, guerra e jogo se confundem. O tema, pretensioso, é a relação entre esporte e abdicação da individualidade. A autora é a austríaca Elfriede Jelinek, novelista e vencedora do Nobel de Literatura de 2004. É a primeira peça dela adaptada no Brasil, e a direção é de Clayton Mariano. Teatro da USP, São Paulo, até 15/11. 5 de outubro de 2015 I ÉPOCA I 97


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Perdidos no espaço E

m aventuras que misturam comédia e ficção científica, a atrás. Tudo gogó. O “quadro Mercadante” pode ser pendutripulação da nave Brasília luta às cegas para encontrar rado em qualquer parede. Curioso é ele substituir Janine, o caminho de volta para casa e o poder eterno. O Professor que declarou ser “assustador” o nível da má alfabetização Lula, sua companheira Dilma e seus pupilos Wagner, Merno Brasil. Mercadante é o terceiro ministro da Educação em dez meses. Leia de novo a última frase. cadante e Renan são atacados pelo Doutor Eduardo Cunha, Outro expulso da nave foi o ministro da Saúde, Arthur agente inimigo, que tem uma obsessão: sabotar a missão de Chioro, que cedeu seu assento ao PMDB (Partido MasLula, Dilma, filhos e afilhados no planeta vermelho. ter da Dilma Bolada). O escolhido foi Marcelo Castro, do Cunha é tão desastrado e abilolado que embarca na mesma nave que a família. Não estava preparado para a rePiauí, cujo mérito na Saúde é ter como padrinho Leonardo Picciani, líder do PMDB na Câmara. O demitido, Chioro, volta do robô humanoide, que escapa ao controle de todos e destrói o sistema de navegação da nave Brasília. Estão todos teve, como Janine, seu momento de sincericídio dias antes. agora perdidos no espaço – mas com contas milionárias, Afirmou que o SUS – Sistema Único de Saúde –, por falta em dólar, em alguma parte da Terra. de dinheiro, entrará em colapso em setembro de 2016. Afinal, por que nos preocupamos com Educação e Saúde O seriado se passa no presente, já teve várias temporanum país com tantos analfabetos e semianalfabetos, doentes das e se arrasta em capítulos inverossímeis, sob o comando desassistidos, hospitais em calamidade pública? Por quê? do Professor, o grande timoneiro. A viagem começou com Se o grande timoneiro conseguiu colocar objetivos grandiosos e idealistas. A família no comando da nave civil o baiano Jaques embarcou com a missão de encontrar uma Wagner, para evitar pedaladas que derrualternativa para a supercorrupção política no Planalto. Mas foram desmascarados. Só DILMA DESPERDIÇOU bem a nave Brasília, não precisamos nos queriam salvar sua pele, mancomunados preocupar. Wagner sai do Ministério da O ESFORÇO DE em objetivos a anos-luz do bem comum. Defesa para defender Dilma. COOPTAÇÃO, POIS A primeira temporada, em preto e branAo menos, quem dá valor à Ciência e co, tinha embasamento ideológico e apreTecnologia pode comemorar! Porque a EDUARDO CUNHA sentava o Doutor Cunha como um espião poltrona, estratégica num país em desenFOI ATINGIDO PELAS volvimento, será ocupada por um deputainimigo, que se revelou perigoso e imprevisível. Na segunda temporada, com ênfase ÚLTIMAS DENÚNCIAS do pau-mandado do espião Cunha, Celso Pansera. Você conhece o Pansera. Lembra na comédia, as aventuras tornam-se mais aquele episódio do seriado em que o doleiabsurdas, recheadas de alienígenas birutas ro delator Alberto Youssef acusa Pansera de ameaçar a ele (não dá para citar todos aqui, o Congresso brasileiro é um e a sua família para obrigá-lo a calar a boca? Esse mesmo. dos maiores do mundo). E a série passa a ser em cores e ao Grande companheira Dilma. vivo. Na temporada atual, os vilões se alternam no destaque. Ela desperdiçou o esforço de cooptação, pois Cunha paNão há previsão de fim. Todos podem ser destruídos, esperece ter sido atingido pelas últimas denúncias. O “bastião da cialmente quem não embarcou na nave-mãe e está, hoje, na moralidade” da Câmara, que promove cultos evangélicos na fila do seguro-desemprego, da escola ou do hospital. Pressionada pelo Professor, Dilma age em favor de tripunave Brasília, tem, segundo o Ministério Público da Suíça, lantes que só querem saber de continuar a voar na primeira US$ 5 milhões em contas bancárias no país europeu com classe. A troca na poltrona premium da Educação é a mais a mulher, Cláudia Cruz, e uma das filhas. Em depoimento grave. Sai o filósofo e professor universitário Renato Janine à CPI da Petrobras, em março, negou a conta. Ribeiro – aplaudido ao sentar ali há poucos meses – e entra O nariz das autoridades máximas no Brasil cresce na quem? Aloizio Mercadante, o “quadro” de Dilma, um quadro mesma proporção em que nosso queixo cai. De episódio desbotado, um economista que pouco fez pela Educação em episódio, aumenta a sensação de que somos nós os perquando foi ministro da Pasta. didos no espaço e que o filme em exibição é um apanhado verídico de relatos selvagens. Em vez de rir ou chorar, é Em 2009, Mercadante afirmou, em discurso, que deixaria u hora de agir e protestar. de ser líder do PT no Senado. Protestava contra o PT, por arquivar investigação da Comissão de Ética contra José Sarney. Após uma noite de conversa com o Professor Lula, voltou Ruth de Aquino é colunista de ÉPOCA raquino@edglobo.com.br 98 I ÉPOCA I 5 de outubro de 2015




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