A escrita com a luz das fotoescrevivências

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Vilma Neres

Salvador, Bahia - 2021 3


A escrita com a luz das fotoescrevivências © 2021 Vilma Neres. © Direitos reservados às autoras e aos autores das fotos publicadas neste livro. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida sem autorização expressa da autora.

Manual de Marcas Programa Aldir Blanc Bahia

Texto, pesquisa e entrevistas: Vilma Neres Identidade visual: Arthur Azevedo Projeto gráfico e diagramação: Welon Santos Revisão de texto: Elisângela Santos Prefácio: Márcia Guena Assessoria de comunicação: Juliana Dias Crédito da foto da capa: Vilma Neres Crédito da foto da contracapa: PixieMe Modelos fotográficas das fotos da capa e miolo: Akili Marjane e Evelyn Bispo Crédito das fotos do miolo: Alberto Lima, Áurea Sant’Anna, Dora Sousa, Lázaro Roberto, Lita Cerqueira, Rita Conceição, Sônia Chaves e Vilma Neres. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Neres, Vilma A escrita com a luz das fotoescrevivências [livro eletrônico] / Vilma Neres ; prefácio Márcia Guena ; revisão de texto Elisângela Santos. -- 1. ed. -Salvador, BA : Ed. da Autora, 2021. PDF ISBN 978-65-00-20715-6 1. Fotografias 2. Fotógrafos - Brasil 3. Fotógrafos - Entrevistas 4. Narrativas 5. Negros Condições sociais 6. Relatos de experiências 7. Trajetória pessoal de vida I. Guena, Márcia. II. Santos, Elisângela. III. Título.

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CDD-770.92 Índices para catálogo sistemático:

1. Fotógrafos negros : Relatos de experiência : Fotografia 770.92 Cibele Maria Dias - Bibliotecária - CRB-8/9427

O projeto tem apoio financeiro do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura e da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Programa Aldir Blanc Bahia) via Lei Aldir Blanc, direcionada pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo, Governo Federal. Apoio financeiro: 4


Agradecimentos Eu agradeço imensamente: À Conceição Evaristo, por nos apresentar e nos inspirar com a sua concepção de escrevivência. À Áurea Sant’Anna, Alberto Lima, Dora Sousa, Lázaro Roberto, Lita Cerqueira, Sônia Chaves e Rita Conceição, por revelarem um pouco de suas trajetórias e sobre suas práticas fotográficas. À Irene Santos e ao Januário Garcia, pela leitura do texto e por me apoiarem incondicionalmente. À Rosana Moore, por me inspirar e me encorajar incondicionalmente. À Elisângela Santos, pelo apoio irrestrito, revisão de texto, leitura crítica e acolhedora. À Márcia Guena, pela leitura do texto, por prefaciar este livro e apoiar-me incondicionalmente. À Juliana Dias, Rose Rozendo, Welon Santos e Arthur Azevedo, pelo suporte técnico e brilhantismo profissional. À Jandira Mawusí, Ismael Silva e ao mestre René Bittencourt, pela ajuda na busca dos contatos de Rita Conceição. Ao José Ferreira, por mediar a comunicação entre eu e seu tio Lázaro Roberto. Ao Instituto Mídia Étnica através da TV Correio Nagô, pelo apoio com a transmissão da videoconferência de lançamento deste livro, em nome de Luciane Neves e Rosalvo Neto.

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Em nome de toda equipe técnica e institucional da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb/Secult – BA) e Coordenadoria de Artes Visuais da Funceb, respectivamente agradeço à secretária de Cultura Arany Santana; à diretora da Funceb, Renata Dias, e ao coordenador de Artes Visuais, Marcelo Reis. À autora da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc, deputada federal Benedita da Silva (PT/RJ) e ao Congresso Nacional, que diante da crise econômica provocada por essa pandemia de Covid-19, votou pela institucionalização da Lei Aldir Blanc assegurando direitos da classe trabalhadora autônoma do campo da Cultura e Artes. À Ana Lúcia Silva, Ariane Teixeira, Danila Conceição, David Romberg, Fabiana Maia, Jânia Silva, Jaqueline Lima, Joseane Conceição, Simone Melo e Patrícia Cintra, pela generosidade ofertada a mim durante esse último ano de incertezas. À mainha, dona Tereza; ao meu pai, seu Vital; às minhas irmãs, Vânia, Vanessa e Viviane, e ao meu irmão, Elias; e às crianças: Evelyn, Samir Ébano e Akili Marjane por alegrarem a minha experiência de tia. À minha ancestralidade, em memória e em nome de minhas avós Damiana Ferreira de Jesus e Almerinda Santa Bárbara Neres, e de meus avôs Júlio Arcanjo Neres e Feliciano Tomaz Bispo. Às forças da natureza espiritual que guiam o meu orí e iluminam a minha caminhada para que eu vivencie todos os ciclos de minha vida com sabedoria e resiliência. YéYé Omó Ejá, Odó-Iyá! Ògún Iyè! Asè e muito grata!

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Súmario Prefácio 8 Introdução 12

Projeto gráfico e identidade visual Resumo dos capítulos

Lita Cerqueira, 1952 21

Encantos da composição fotográfica

Sônia Chaves, 1952 33

Poéticas do documental contemporâneo

Dora Sousa, 1957 42

Perspectivas do olhar

Lázaro Roberto, 1958

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Rita Conceição, 1958

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Áurea Sant’anna, 1963

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Performances de existências

Entre o cultural e a política

A estética do sagrado

Alberto Lima, 1965 84

Em memória de nossos e nossas ancestrais

A Autora – Vilma Neres, 1984

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Considerações Finais 103 Fontes e Bibliografia

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Legenda das fotografias

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Prefácio “No caminho da luz todo mundo é preto” (Música “Principia”, de Emicida)

Vilma tinha apenas 17 anos quando a conhecei no bairro do Beirú, Salvador, em 2002. Começávamos ali uma página de nossas vidas que mudaria muita coisa no desenho do futuro de cada menino e menina negra e também naquele território: O Jornal do Beirú foi uma escola de vida para todo o grupo, para mim e para Vilma Neres. Acredito que o primeiro raio de luz que passou pela câmera fotográfica de Vilma foi naqueles anos. E depois no curso de Jornalismo e depois no mestrado, sempre repletos de imagem e luz. E nos nossos caminhos sempre acenamos uma para a outra, nos damos as mãos e nunca nos perdemos de vista. Hoje estou aqui, escrevendo o prefácio do livro dessa grande fotógrafa, jornalista e escritora. Assim, falar sobre “A escrita com a luz das fotoescrevivências” é também falar um pouco sobre mim mesma, se Vilma me permite dizer isso. Ou seja, me sinto bem e reconfortada ao ver Conceição Evaristo no título. Que bela analogia. Precisamos tanto nos ver representadas por nós mesmas. E aqui tem muito disso. Trajetórias de cinco mulheres negras fotógrafas e de dois homens fotógrafos que comungam o desejo pela escrita com a luz e a luta antirracista, que se traduzem em suas lentes: corpos negros que atravessam suas objetivas, iluminados pela alegria e pela dor. Lita e Lázaro são filhos de lavadeiras. Sônia é filha de uma costureira e Dora também. Rita, Alberto e Vilma são filhas e filho de empregadas domésticas. Áurea é filha de uma servidora pública. Assim é a história de quase todas as mulheres e homens negros dessa geração. As mães os erguem para onde o sonho os leva, se debatendo contra o racismo. Mães domésticas, lavadeiras, costureiras, mulheres negras que derrubam os portões das várias senzalas e vão aparecer refletidas nas imagens dessas fotógrafas e fotógrafos. Necessitamos fotografar as mulheres arrumadas, exuberantes com suas tranças e turbantes. Elas estão aqui, em muitas das imagens impressas, em uma relação que recoloca o passado. São as meninas da capa segurando o daguerreótipo, numa 8


sensível, angustiante e esperançosa volta ao passado. No século XIX contemplamos a luta de nossos irmãos livres ou escravos, por uma representação digna diante de fotógrafos e estúdios feitos para os brancos, ou mesmo representações forçadas pelos escravocratas, como mostra Sofia Koutsoukos em seu livro “Negros no estúdio fotográfico”. Vilma refaz a pose! Somos mulheres livres, com cabelos trançados, uma fotografando a outra e no mar! Ah, o mar! Nos trouxe presas e agora brincamos nas águas, sabendo quem somos e lutando. É isso, estamos aqui novamente falando de luta. Este livro trata disso, luta por representação, luta por lugar de fala, ou melhor, lugar de imagem: nóiz por nóiz, como diria, mais uma vez Emicida. Portanto esse é um livro necessário. Nós fotógrafas e fotógrafos sabemos que é muito difícil encontrar no universo da fotografia, caro e elitizado, referências sobre fotógrafos negros, e sobre fotógrafas negras menos ainda. O relato de Rita expõe o racismo e o machismo que atravessam essa profissão. Em um mundo em que a imagem tem se tornado uma das principais formas de expressão e ao mesmo tempo onde o racismo recrudesce, numa crescente violência que toma proporções globais, construir nossas próprias narrativas imagéticas é fundamental. Que Áurea, Alberto, Lita, Rita, Dora e Sônia concluam a tarefa e nos presenteiam com seus acervos; e que Lázaro preserve a nossa história imagética com todo o carinho que tem desvelado a isso, através do acerco “ZUMVI – Arquivo Fotográfico”. E que Vilma persevere no sonho de representar a beleza de nossos olhares e de nossas almas. Juazeiro (BA), 14 de março de 2021 Márcia Guena Fotógrafa, jornalista, professora e doutora em História da América.

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Para todas as pessoas que se interessam por trajetórias sociais e narrativas fotográficas.

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Introdução “Escrevivência surge de uma prática literária cuja autoria é negra, feminina e pobre. Em que o agente, o sujeito da ação, assume o seu fazer, o seu pensamento, a sua reflexão, não somente como um exercício isolado, mas atravessado por grupos, por uma coletividade.” Conceição Evaristo (2020)

O trecho acima foi recolhido do ensaio “A Escrevivência e seus subtextos” e é de autoria da escritora mineira Conceição Evaristo, que também é ensaísta, ficcionista e doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Porque, desde o ano de 2013, eu me apoio no conceito de “escrevivência” (EVARISTO, 2003; 2008; 2020) para refletir sobre práticas fotográficas e a respeito da condição social de fotógrafas negras e de fotógrafos negros no Brasil. Também é justamente nesse período que eu começo a formular a concepção de “fotoescrevivências” e a escrever a dissertação de mestrado, intitulada “Trajetórias e olhares não convexos das (foto)escre(vivências): condições de atuação e de (auto)representação de fotógrafas negras e de fotógrafos negros contemporâneos”, sob orientação da professora doutora Elisângela de Jesus Santos. Como Conceição Evaristo nos ensina, o conceito de escrevivência já é um fenômeno diaspórico e universal, o qual pode ser adaptado em diferentes campos de atividade humana, mas com o protagonismo exercido por pessoas negras. Nesse sentido as lentes das fotoescrevivências revelam escritas com a luz de dentro para fora, preenchidas de sensibilidades descolonizadas (HALL, 2013), como guardiãs e guardiões de narrativas visuais. As objetivas das fotoescrevivências focalizam questões coletivas de maneira subjetiva, ao compartilharem da intenção de perpetuar a diversidade de nossas identidades sociais, das manifestações culturais e artísticas, a respeito de nossos amores, dores, lutas e ângulos de visão sobre paisagens naturais contempladas por comunidades quilombolas e de povos tradicionais de Terreiro. E assim a prática fotográfica das fotoescrevivências se debruça na materialização de memórias individual e coletiva, em torno da existência e resistência de pessoas e de comunidades negras.

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A concepção de fotoescrevivência funciona para identificar a prática fotográfica associada à atuação de fotógrafas negras e de fotógrafos negros, como pares que assumem o protagonismo de suas ações, em um exercício de espelhar perspectivas que refletem interesses e experiências pessoais e, igualmente, coletivas. Já que as nossas identidades sociais nos direcionam para determinados tipos de vivências que nos impõem a ser e a agir com consciência crítica e em busca de uma rede de solidariedade, por compartilharmos a experiência do racismo e de outras opressões que ainda estruturam as relações étnico-raciais nesse país. A criação e a produção deste livro foi realizada durante os três primeiros meses de 2021, nesse contexto de pandemia de Covid-19, e graças ao Prêmio Jorge Portugal da Fundação Cultural do Estado da Bahia, através do Programa Aldir Blanc Bahia via Secretaria de Cultura. De modo que esta publicação é o produto de uma série de entrevistas que eu realizei com as fotógrafas Lita Cerqueira (1952 -), Sônia Chaves (1952 -), Dora Sousa (1957 -), Rita Conceição (1958 -) e Áurea Sant’Anna (1963-), e também com os fotógrafos Lázaro Roberto (1958 -) e Alberto Lima (1965 -). As entrevistas foram realizadas durante o mês de janeiro de 2021, algumas presenciais e outras por videoconferência. Este livro foi dividido em sete capítulos, os quais apresentam fragmentos da vida profissional e um conjunto de imagens representativas do trabalho de cada uma dessas pessoas, que iniciaram suas carreiras no campo da fotografia a partir da década de 1970. O título de cada capítulo corresponde ao nome social dessas fotoescrevivências, seguido do ano de nascimento, o qual usei como critério para organizá-los, inciando por quem nasceu primeiro. As conexões estabelecidas entre essas trajetórias é que tanto elas quanto eles compartilham da condição de pessoas negras e do interesse por documentar a experiência social de seus pares em diferentes espaços e momentos históricos que ocorreram na Bahia. Outro fator de conexão entre as diferentes trajetórias consiste no fato destes profissionais da fotografia terem outras profissões para conseguirem investir em suas práticas fotográficas. A escrita com a luz dessas fotoescrevivências contribui ainda para nos salvaguardar do esquecimento, porque essas trajetórias se manifestam enquanto fotoescrevivências ao revelarem em suas narrativas visuais o cotidiano com sensibilidade e diversidade da condição humana. Esse princípio

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conecta essas vivências e parece ser a base que também sustenta e espelha esses olhares. Outro elo estabelecido, entre essas experiências de fotógrafas negras e de fotógrafos negros, é a capacidade, quase que diária, de superar com resiliência os desafios sucedidos de discriminação racial, machismo e sexismo. Além do fato das mães e pais, dessas fotógrafas e fotógrafos, terem nascidos na região do Recôncavo da Bahia, com exceção da mãe e do pai de Lita Cerqueira. As narrativas visuais dessas fotoescrevivências foram produzidas a partir de equipamentos de fotografia analógica e digital, com a intenção de documentarem memórias. Os temas de interesse fotografados com mais frequência, e que dão conteúdo a essas narrativas visuais, agregam questões humanistas, de política, do cotidiano, da paisagem, das religiões de matriz africana e dos movimentos negros, sociais, artísticos e culturais. Apesar do racismo institucional e de outras opressões, Lita Cerqueira, Sônia Chaves, Dora Sousa, Lázaro Roberto, Rita Conceição, Áurea Sant’Anna e Alberto Lima já tiveram a oportunidade de propagar os seus trabalhos através de diferentes meios e suportes, a exemplo das mídias digitais através de perfis nas redes sociais, exposições fotográficas individuais e coletivas, sejam em galerias de arte ou em outros tipos de instituições, como também em livros, catálogos e em impressões de grande formato. O que eu identifico nas vivências é o fato de que essas pessoas sustentam narrativas visuais que ultrapassam a ideia de memória individual, forjando também uma memória coletiva e social. Portanto, são fotógrafas e fotógrafos que contribuem para a construção de memórias históricas, uma vez que a imagem pode resistir ao tempo e eternizar acontecimentos. Essas fotoescrevivências são autoras e autores de uma escrita com a luz que se opõem às práticas estabelecidas historicamente e que ainda preenchem o nosso imaginário social com imagens repletas de estereótipos e estigmas, em prejuízo de nossa humanidade, reduzindo-nos a seres violentos, preguiçosos, irresponsáveis, bobos, raivosos, inconsequentes, trapaceiros, objetificados, infantilizados, animalizados, etc. Por outro lado, essas mesmas construções históricas saturam a imagem de pessoas brancas como o ideal de representação universal de humanidade, com enfoque nas qualidades e diminuição de falhas humanas.

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Projeto gráfico e identidade visual O projeto gráfico e a diagramação deste livro foi realizada com capricho e agilidade pelo designer Welon Santos. A identidade visual foi concebida pelo designer Arthur Azevedo. Antes da criação, Arthur realizou um trabalho de pesquisa visual e teórica, que durou pouco mais de duas semanas, e o resultado me emocionou muito. Porque ele transformou um conjunto de palavras conceituais em elementos gráficos que nos direcionam para o continente africano, mais especificamente para Gana, país localizado na África Ocidental, onde o uso da sabedoria dos símbolos Adinkras é tradicional. O ícone visual da fotoescrevivência é uma criação do designer Arthur Azevedo e foi inspirada nestes dois símbolos Adinkras: “Dwenini Mmen” e “Nkyimkyim”. O primeiro faz referência imagética aos chifres de um carneiro e representa a “força da mente, do corpo e da alma”. Essa simbologia nos ensina que “a luta não pode se basear na arrogância”, porque “o carneiro, ao atacar, não deve fazê-lo com os chifres e sim com o coração” (NASCIMENTO; GÁ, 2009, p. 42). Já o segundo símbolo corresponde a contorções ou a um caminho em forma de labirinto, mas representa “a resistência, a dialética e o dinamismo na continuidade das coisas através das mudanças” (p. 174). Ou seja, a sabedoria do símbolo “Nkyimkyim” nos orienta que é preciso permanecer resiliente diante de situações como a atual, em meio a essa pandemia de Covid-19 que já vitimou mais de 370 mil vidas humanas no Brasil, além das crises política e econômica alastradas nos últimos anos. O símbolo das fotoescrevivências visualmente representa a jornada de sete pessoas, sendo essas cinco fotógrafas e dois fotógrafos negros baianos, que necessitaram (e ainda é preciso) superar as armadilhas provocadas pelo racismo e de outras opressões. Mas com o uso de suas práticas fotográficas conseguiram e seguem expressando sentimentos e potências humanas com olhares diversificados a respeito de nossas manifestações de existências e resistências individuais e coletivas. Assim, a marca das fotoescrevivências traz no símbolo um caminho reto e sete cruzamentos, em referência às cinco fotógrafas e aos dois fotógrafos representados neste livro. A espiral faz alusão ao diafragma da objetiva fotográfica, simbolizando o encontro de cada uma dessas pessoas e a paixão em comum, que é a prática da escrita com a luz. O símbolo completo é um

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caminho desenhado ou escrito sobre essas sete trajetórias de fotógrafas e fotógrafos negros baianos. O uso das cores preta e prata, respectivamente, faz referência às linhas de expressão na pele negra e ao primeiro processo prático e, digamos, popular de fotografia através do daguerreótipo e do uso de placas de cobre cobertas de prata para revelar a imagem. Embora, aqui, a cor prata também faz referência ao misticismo do uso desse metal precioso, para além de ostentação e beleza, porque revestindo joias simboliza amuletos que conferem proteção, afeto, profecia e/ou ancestralidade. Isso vem desde a dinastia de faraós negros, no Egito, assim como em outros países localizados no continente africano. Por exemplo, no Egito, a partir de 1585, “os metais preciosos, ouro e prata, assim como o cobre, são conhecidos e amplamente difundidos em todo o vale do Nilo” (VERCOUTTERP, 2010, p. 829). Durante o período escravocrata, saindo do continente africano para o Brasil, vieram ferreiros e metalúrgicos, detentores de técnicas milenares de manuseio desses metais preciosos, que eram aplicados na confecção de joias, vestuários, mobília funerária ou na arquitetura preservada no interior de algumas igrejas católicas sediadas, por exemplo, na Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro e em São Paulo, etc. Ainda hoje, Gana e África do Sul são os países africanos que mais possuem reservas de prata e ouro que ajudam abastecer o resto do mundo para produção de joias e de outros produtos derivados desses metais preciosos.

Resumo dos capítulos O primeiro capítulo destaca as experiências de Lita Cerqueira na área de fotografia. Ela nasceu em Salvador, no bairro de Caixa d’Água, em 1952, mas cresceu no Centro Histórico da capital baiana. A sua escrita com a luz costuma descortinar a representação de outras mulheres negras que, quase sempre, estão realizando alguma atividade comercial, seja em feiras, praças, no quintal de suas casas ou em ateliês. O segundo capítulo discorre a respeito da prática fotográfica e da vivência da fotógrafa Sônia Chaves, que nasceu na capital baiana, em 1952. Para ela, a fotografia tem um potencial educativo ao promover mudanças sociais por meio da conscientização, do reflexo de si e de outras pessoas. Sua prioridade como

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fotógrafa tem sido justamente de apresentar um olhar poético e documental do contemporâneo em torno das festas populares e religiosas que caraterizam o cotidiano de Salvador e de outros municípios baianos, especialmente localizados na região do Recôncavo da Bahia. No terceiro capítulo eu me debrucei sobre a trajetória de Dora Sousa, que nasceu no ano de 1957, em um vilarejo localizado entre os municípios de Candeias e São Sebastião do Passé, no Recôncavo da Bahia. Ela também é médica sanitarista, especialista em Psicoterapia e Psicodrama, e as suas narrativas visuais tendem a provocar reflexões diante das injustiças sociais que desorganizam a existência de pessoas negras, principalmente de crianças e mulheres idosas, que vivem em condição de vulnerabilidade social pelas ruas, praças e sob viadutos da cidade de Salvador. O quarto capítulo apresenta fragmentos da vida profissional do fotógrafo Lázaro Roberto. Ele nasceu em 1958, na capital da Bahia. A sua escrita com a luz compõe o acervo “ZUMVI – Arquivo Fotográfico”, com mais de 30 mil fotografias que servem de fontes históricas sobre a vida de pessoas negras em suas performances de existências. Para Lázaro Roberto, os movimentos sociais negros, a exemplo do Grupo Negro da Bahia, do Movimento Negro Unificado (MNU), dos blocos afro e de afoxé, foram e continuam sendo importantes em sua prática fotográfica, porque, acaso Lázaro não tivesse vivenciado esses momentos históricos, no início de sua carreira, ele não seria o fotógrafo que ele é hoje. O quinto capítulo traz a vivência de Rita Conceição, conhecida como Rita Cliff. Essa fotógrafa nasceu em Salvador, em 1958, é antropóloga, especialista em Antropologia Visual, graduanda em Pedagogia e diretora fundadora da Bahia Streat, uma organização não governamental que busca promover o bem-estar de meninas e adolescentes oriundas de escolas da rede pública na cidade de Salvador. Ela inciou a sua carreira como fotógrafa de porta de igreja, registrando ritos de batismo e de casamento. Mas, posteriormente, passou a se interessar pela fotografia de documentação social e, sobretudo, política, tanto que passou a ser chamada de “a retratista preferida do Lula”. O sexto capítulo destaca a trajetória da fotógrafa Áurea Sant’Anna. Ela nasceu em 1963, na cidade de Salvador. Enquanto fotógrafa, ela se ancora nos segmentos de fotografia de natureza, paisagem e de documentação social, e assim Áurea busca apresentar narrativas visuais com temas variados sobre

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o cenário natural e cultural do cotidiano soteropolitano, de Ilha de Itaparica, dos municípios localizados no Recôncavo e às margens da Baia de Todos os Santos. O sétimo e último capítulo apresenta a escrita com a luz e a trajetória do fotógrafo Alberto Lima, que nasceu em 1965, na cidade de Salvador. Mesmo sem título acadêmico, ele pode ser considerado o primeiro e único fotógrafo a realizar um trabalho de foto etnografia sobre o quilombo Mussuca, que resultou no livro “Mussuca: fragmentos da África em Sergipe”, publicado em 2005. Antes desse trabalho, Alberto passou um tempo fotografando bandas, artistas e outros temas relacionados à tragédia humana, porém focado na miséria vivenciada por pessoas negras, em situação de rua, acidentadas, doentes, etc. E depois ele passa a se dedicar à documentação visual de blocos afro, das manifestações sociais e religiosas de Candomblé. Alberto trabalhou para instituições renomadas, a exemplo dos blocos afro Ilê Aiyê e Bankoma, Núcleo Omi Dudu, jornal Irohin, e durante a realização da segunda “Conferência dos Intelectuais Africanos da Diáspora” e do Fórum de Performance Negra.

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Lita Cerqueira, 1952

Como fotógrafa que atua de maneira independente, Lita Cerqueira é inspiradora. Ela nasceu em Salvador, no ano de 1952, é filha de um professor e de uma lavadeira de roupas, que juntos tiveram 11 filhos, e vieram morar na capital baiana ainda jovens, saindo, respectivamente, dos municípios de Baixa Grande e Amargosa. Antes de se tornar fotógrafa, ela sonhava em ser atriz e chegou a atuar em espetáculos teatrais, dirigidos pelo dramaturgo Álvaro Guimarães (1943-2008), após ter participado de um curso de Iniciação Teatral, realizado no Instituto Central de Educação Isaías Alves (ICEIA), e de frequentar aulas livres oferecidas pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia (EBA/UFBA). Foi por esses espaços de formação que a fotógrafa Lita Cerqueira desenvolveu o seu interesse pelo setor de Artes, onde a manifestação humana emociona, compartilha vivências, é subjetiva, criativa e também pode ser política. O envolvimento de Lita na área da fotografia ocorreu de maneira não planejada há mais de quatro décadas, por volta de 1970, quando ela começou 21


a trabalhar como vendedora de anúncios para o jornal “O Verbo Encantado”. Esse jornal era uma publicação de resistência política com humor, e teve edições publicadas em Salvador durante o contexto de ditadura militar. Ainda para O Verbo Encantado, ela trabalhou como secretária e, posteriormente, passou a ser assistente de fotógrafos e jornalistas. Lita só se reconheceu enquanto fotógrafa profissional após dar à luz ao seu único filho, o Pedro “D-Lita”, e também quando foi convidada por um amigo para ser uma das fotógrafas no estúdio chamado de “Lambe-Lambe”, onde passou a produzir fotos de casamento e do cotidiano de Salvador, e foi onde ela aprendeu sobre fotografia na prática e de maneira autodidata. Como Lita diz, a fotografia entra em sua vida por acidente, mas permanece por ela gostar de escrever com a luz sobre temas relacionados às festas populares e tradicionais, performances artísticas e pessoas, especialmente a respeito de mulheres e crianças. Ela é a autora de composições fotográficas que enveloparam capas de discos dos músicos Caetano Veloso e Gilberto Gil. Suas referências, são os fotógrafos franceses, Henri Cartier-Bresson e Pierre Verger, e o nosso conterrâneo, o fotógrafo Evandro Teixeira. Desde o início de sua carreira, ela mesma é a responsável pela criação, produção, divulgação e comercialização do próprio trabalho, impresso em cartões-postais ou emoldurado em diferentes tipos de suporte para fotografia. A trajetória de Lita Cerqueira é inspiradora, porque a prática fotográfica dessa baiana ancora-se na tradição visual da escrita com a luz, a começar pela escolha do uso de filme negativo em preto e branco, mesmo após a popularização do colorido, a contar da década de 1960; ao revelar imagens fotográficas focadas no cotidiano de Salvador, na labuta de mulheres negras e das memórias afetivas de famílias, a exemplo dos músicos Gilberto Gil e Caetano Veloso. É com esse estilo no modo de atuar que a fotógrafa Lita Cerqueira tem conquistado projeção por meio de suas narrativas visuais, que já chegaram em diversos países, por onde, inclusive, ela já pisou os pés, como Índia, Itália, Japão, França, Estados Unidos, Portugal e Alemanha. O que a trajetória de Lita Cerqueira atesta é que ainda hoje é possível garantir a sustentação de si no campo da fotografia, apesar de ser tão desafiador para uma mulher negra e nordestina. Atualmente, ela dedica o seu tempo ao processo de digitalização do seu acervo fotográfico. Embora continue na busca por documentar o cotidiano a sua volta, Lita ainda se diz resistente ao

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uso da tecnologia digital. Porque, como ela relembra, essa nova tecnologia produz imagem digital e não fotografia tradicional, como era fixada a partir do processo analógico.

Encantos da composição fotográfica A escrita com a luz da fotógrafa Lita Cerqueira não pode ser resumida às imagens publicadas neste livro, para o qual escolhi cinco fotografias que foram produzidas entre 1976 e 1989. Essas imagens fazem parte do catálogo “A fotografia como eu sou – Lita Cerqueira”, com 46 fotos que, inicialmente, tiveram curadoria de Diógenes Moura, e foi publicado pela Pinacoteca do Estado de São Paulo, em celebração ao Mês da Consciência Negra, no ano de 2010. Nesse conjunto de fotos é muito comum prender o olhar sobre corpos de outras mulheres negras que, quase sempre, estão realizando alguma atividade comercial, seja em feiras, praças, no quintal de suas casas ou em ateliês. Mas, a escolha dessas fotos assegura uma premissa da fotógrafa Lita Cerqueira, quando ela declara que a construção do olhar resulta da relação com as outras pessoas e a partir do diálogo constante, criando, assim, um vínculo de respeito entre ela e as pessoas fotografadas. Porém, a não identificação nominal das pessoas é uma questão que me inquieta ao analisar a escrita com a luz de Lita Cerqueira, por entender que nome e sobrenome são informações importantes que podem ajudar na construção da memória social. Justamente porque os subtextos vinculados a uma fotografia podem nos informar sobre o lugar que a imagem ocupa em um determinado contexto social e ambiente geográfico, revelando, assim, questões históricas. A imagem denominada de “Fotógrafo camelô”, aqui, cumpre a função metalinguística, em que dois fotógrafos são fotografados por Lita Cerqueira. Mas eles parecem conversar entre si e com a pessoa que será fotografada por um deles. Ou seja, é uma imagem que me permite pensar a respeito da importância do diálogo como um recurso que serve à construção do olhar. O valor atribuído a essa foto é informativo e poético, porque observo em primeiro plano, como elemento central dessa composição, um jovem negro que veste um terno, calça jeans e um par de sapatos. Esse jovem encara a lente de uma câmera-laboratório, diante de um dos dois fotógrafos lambe-lambe.

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Muito provavelmente, por conta da pose desse jovem, a fotografia poderia ter sido tirada para ser usada em algum documento de identidade. Era comum encontrar fotógrafo camelô, como Lita nomeia, em locais públicos, a exemplo de portas de igrejas, jardins, parques e praças. Esse profissional também era chamado de “fotógrafo de Praça” ou “fotógrafo ambulante”, como os títulos já definem, essas pessoas não trabalhavam em um local fixo e o estúdio era montado, literalmente, na rua. O(a) fotógrafo(a) camelô se ocupava de tirar fotos com uma câmeralaboratório, também conhecida por câmera escura, a qual oferecia um tempo de reprodução quase instantâneo, porque o(a) fotógrafo(a) podia fazer todo o processo de revelação e de reprodução da imagem dentro da própria câmera, através do processo ferrótipo que permitia criar uma imagem positiva sem uso de filme negativo. Esse é, sem dúvida, um procedimento muito parecido com o da tecnologia digital, porém, hoje, só temos a imagem sem a materialidade de todo o processo químico e físico da fotografia. Ainda na imagem “Fotógrafo camelô”, durante algum tempo prendi a minha atenção sobre a presença de uma mulher negra, que se encontra a esquerda e em terceiro plano na composição dessa foto. Com uma aparente surpresa, ela aprecia a atuação da fotógrafa Lita Cerqueira, enquanto Lita mira a objetiva diante da ação de outros dois fotógrafos. Essa cena foi registrada em 1976, no Largo Terreiro de Jesus, também conhecido por Praça 15 de Novembro, localizado no Centro Histórico de Salvador, ou Pelourinho, como é popularmente conhecido. À época, de acordo com o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC), o Terreiro de Jesus abrigava um terminal de transporte, talvez, por isso, se enxerga um número expressivo de vendedores ambulantes e de outras pessoas sentadas, de pé ou caminhando. “Baiana de acarajé” é uma fotografia datada de 1976. Nesse arranjo dos elementos visuais, Lita Cerqueira destaca a corporeidade de uma jovem negra “dona de si”, que ocupa o centro do espaço fotográfico, dando a entender que ela dialogava com a fotógrafa um pouco antes de se recostar na haste do guarda-sol. A baiana de acarajé representa a si mesma como se estivesse à vontade e em contemplação da existência da fotógrafa. O tabuleiro, recheado de iguarias próprias da culinária baiana, parece servir de moldura na parte inferior dessa composição fotográfica, que acentua a disposição do elemento central, no caso, a figuração dessa jovem baiana de acarajé. Em segundo

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plano, há um jovem negro, que também está atento ao olhar de Lita, como se a interrogasse e ao mesmo tempo lhe autorizasse o direito a sua imagem. Essa é uma fotografia que me fascina em razão de seu valor referencial acerca do aparente diálogo que antecedeu ao registro dessa cena. É uma imagem que me interessa também pelo primor artístico, impresso na diversidade de texturas acentuadas pelo ajuste das sombras e das nuances de cor, entre o preto e branco, refletidas com a intensidade da luz natural. Talvez, os diretores Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, do filme “Bacurau”, lançado em 2019, buscaram um local semelhante ao da foto “Senhora na janela”, registrada por Lita Cerqueira, no ano de 1989, em Portão, localidade do município de Lauro de Freiras, na Bahia. Nessa imagem, aprecio a expressão de uma mulher negra que aparenta ter entre 60 e 70 anos. Ela está no batente de uma janela emoldurada por paredes de pau a pique e, na parte superior, vê-se sacolas suspensas e fartas de frutas e legumes. O que supõe a crer que essa senhora pode ter sido vendedora de alimentos, mas os comercializava de dentro de sua casa ou em uma mercearia. Já que atrás dessa senhora eu observo a silhueta de uma pessoa que figura estar diante de uma porta. O olhar da “Senhora na janela” demonstra contentamento e, ao mesmo tempo, certa apreensão, ao comprimir a musculatura do rosto durante a pose que fez em atenção à objetiva da fotógrafa Lita Cerqueira. A imagem icônica das “Meninas rendeiras” passa a percepção de como as meninas negras eram, quase sempre, submetidas à condição de trabalho, ainda que esse tivesse uma função educativa ou até mesmo de lazer, como é o que fica evidente nessa foto. Talvez, essa situação ainda seja comum àquelas sem condições econômicas que possam garantir-lhes o direito de serem simplesmente crianças e adolescentes. Ainda assim, eu consigo apreciar a interação amigável entre essas duas meninas, que riem durante o trabalho artesanal de entrelaçar fios de renda. Essa cena foi registrada por Lita Cerqueira, em 1976, num vilarejo da Ilha de Maré, que é banhada pela baía de Todos os Santos e faz parte da cidade de Salvador. Até hoje, essa região é conhecida por ser uma comunidade tradicional de pescadores e de mulheres marisqueiras, que, basicamente, conquistam o sustento a partir da comercialização de peças artesanais, de pescados e mariscos. Em 1984, ano em que eu nasci, Lita Cerqueira registrou a cena da foto “Feirante vendedor de melancia”, em Cachoeira, um município que fica situado

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às margens do Rio Paraguaçu e faz parte do Recôncavo da Bahia, sendo essa a região que mais serviu de ambiente e de inspiração para a construção do olhar dessa fotógrafa. Essa foto possui uma qualidade artística, assim como todas as outras, quando Lita expõe com vibralidade estética um fragmento de uma cena cotidiana no contexto de uma feira. O meu olhar aprecia os olhos desse feirante, porque ele também aparenta se permitir ao diálogo com a fotógrafa. Esse vendedor ambulante segura um objeto, que parece ser uma faca, veste uma bermuda e uma camiseta. Ao chão, em primeiro e segundo plano, e por toda a profundidade de campo da área fotográfica, há centenas de melancias, com tamanhos e texturas variadas. Também em segundo plano, existe a presença de outras pessoas, que parecem ser homens, porque só é possível ver as pernas trajadas de calças, uma vez que, à época, não era comum ver mulheres vestidas com calça. Durante idas e vindas de cidades banhadas pela Baía de Todos os Santos, a fotógrafa Lita Cerqueira começou a criar um estilo próprio com objetivo de encantar as pessoas através de sua prática fotográfica. Entre os diversos temas refletidos nas narrativas visuais dessa fotógrafa, talvez, por ela carregar em seu corpo as marcas identitárias de mulher negra, nordestina e mãe solo, crianças e mulheres são os dois principais elementos que compõem a maior parte do acervo fotográfico dessa autora, que escreve com a luz e oferece um olhar de celebração à vida de outras pessoas que, por sua vez, contemplam a existência dessa fotógrafa.

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Sônia Chaves, 1952

A fotógrafa e professora de Educação Física, Sônia Chaves, nasceu na capital baiana, em 1952. Ela é filha de uma costureira, que sozinha criou seis filhos e duas filhas, na região de Humildes, um distrito localizado na cidade de Feira de Santana. Em sua vivência, Sônia acredita que a fotografia tem o potencial educativo ao promover mudanças sociais por meio da conscientização, do reflexo de si e de outras pessoas. Há 33 anos, essa fotógrafa carrega senso de responsabilidade social ao desempenhar os papéis de fotógrafa e educadora. Sua prioridade na área de fotografia tem sido justamente apresentar um olhar poético e documental do contemporâneo em torno das festas populares e religiosas que caraterizam o cotidiano de Salvador e dos municípios no Recôncavo da Bahia. É desse modo que a fotógrafa Sônia Chaves busca difundir a sua escrita com a luz, que a projeta a partir da comercialização em grandes formatos impressos, com objetivo de embelezar paredes ao redor do mundo. As narrativas visuais dessa fotógrafa decoram paredes de galerias e de casas sediadas no Brasil, França, Itália, Portugal e até no Japão. 33


Como se confirma na trajetória de Sônia Chaves, nas décadas de 1970 e de 1980, era difícil para jovens, sobretudo para a juventude negra e oriunda de classes economicamente desfavorecidas, sonhar com a possibilidade de se tornarem fotógrafos e fotógrafas em um país como o nosso. Ainda hoje é assim. Como estratégia para driblar essa realidade, ela buscou ter outras formações com objetivo de conquistar uma renda próspera e assim poder investir na fotografia. E mesmo com a popularização da tecnologia digital, os equipamentos fotográficos continuam sendo inacessíveis para uma parcela de pessoas que buscam viver de fotografia profissional. Ainda assim, a primeira câmera fotográfica de Sônia foi uma Tuka, uma máquina de pequeno formato que funcionava com um rolo de filme fotográfico. Essa câmera era fabricada no Brasil e, de algum modo, ajudou a produção de obras fotográficas, pelo simples fato de ter sido um equipamento de baixo custo. Sônia Chaves se reconhece como uma fotógrafa autodidata, por não ter participado de cursos técnicos na área de fotografia. Ela conta que aprendeu a escrever com a luz de maneira prática por conta de sua inquietação, mas sempre esteve debruçada em leituras sobre fotografia e outros assuntos. Para essa fotógrafa, estar envolvida de maneira orgânica com as manifestações culturais é uma necessidade que potencializa a sua vivência, porque são essas expressões que alimentam o seu olhar e a conduzem na missão de guardiã da memória coletiva. O interesse imagético da fotógrafa Sônia Chaves, quase sempre, espelha fragmentos do ritos de festas religiosas, a exemplo da “Festa Bembé do Mercado” e “Nêgo Fugido”, realizadas no Recôncavo da Bahia, ou das “Festas de Santa Bárbara”, “Iemanjá”, da “Lavagem do Bonfim”, realizadas na capital baiana.

Poéticas do documental contemporâneo Um conjunto de quatro imagens, que fazem parte de uma série fotográfica nomeada de “Força e fé na ancestralidade”, aqui, representa a escrita com a luz da fotógrafa Sônia Chaves. Essa seleção traduz o interesse dela por documentar a história contemporânea de modo poético, o que parece definir a sua vivência. Ela desenvolveu um interesse por fotografar as festas populares justamente porque essas manifestações são tradicionais e históricas e, por

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isso, possuem características não identificadas em outros lugares no país e no mundo. Essas imagens escolhidas transmitem valor simbólico e informativo, porque exibem fragmentos da Festa de Iemanjá e da secular Festa Bembé do Mercado. Essa última, acontece anualmente na data de 13 de maio, em celebração ao dia em que foi abolida a escravatura no Brasil, ocorrida em 13 de maio de 1888. Sônia confessa que perdeu as contas de quantas vezes viajou para Santo Amaro da Purificação, com objetivo de documentar todas as celebrações que ocorrem nos três dias dessa festa tradicional. A foto intitulada “Festa do Bembé na praia de Itapema” reluz o corpo de uma mulher vestida com uma indumentária, que pode demonstrar um pertencimento identitário sob a perspectiva das religiões de matriz africana. Nessa imagem, registrada em Santo Amaro da Purificação (BA), no ano de 2017, a mulher figura em segundo plano, embora esteja como elemento central, segurando as barras da vestimenta enquanto percorre um caminho com os pés dentro d’água em direção a uma canoa. O que vejo na foto “Presente do Bembé”, eternizada na Praia de Itapema, em Santo Amaro da Purificação (BA), no ano de 2018, é a materialização da expressão poética do documental contemporâneo. E também por essa imagem representar a ideia de uma composição do espaço fotográfico de maneira abstrata, quando a fotógrafa Sônia Chaves fez a escolha de oferecer uma visualidade atraente e, ao mesmo tempo, misteriosa de uma cena comum relacionada ao ritual de entrega do presente para Iemanjá. Essa imagem é preenchida por um volume d’água turva e esverdada, que exibe apenas as pernas da pessoa fotografada e traços de uma saia ou de um vestido de cassa bordada. O documental, aqui, é defendido justamente porque a fotógrafa apresentou algumas informações não visuais, a exemplo do local, data e do tipo de acontecimento que contextualiza os elementos ordenados na composição dessa foto. Os elementos visuais exibidos na imagem “Festa de Iemanjá”, tirada em Ilha de Itaparica (BA), em 2016, por Sônia Chaves, apresentam um testemunho corriqueiro durante as celebrações à beira-mar para essa divindade de matriz africana, que é uma das mais cultuadas por candomblecistas, católicos e espíritas, em todo o Brasil. As pessoas representadas nessa composição fotográfica, parecem caminhar em paralelo ao horizonte, algumas segurando

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a barra de suas vestimentas enquanto conversam. Os elementos que adornam os corpos dessas pessoas parecem ser semelhantes, por terem o branco como cor das roupas e a presença de fios de conta coloridos que identifica o Orixá e abraçam o pescoço de cada pessoa. A imagem “Saudação a Oxum na Festa Bembé do Mercado” foi registrada por Sônia Chaves no Recôncavo da Bahia, em 2015, e revela a demonstração de fé na figura corporal de uma mulher que veste uma indumentária característica nos ritos de Candomblé. Essa imagem serve de recurso da memória tanto individual quanto coletiva, ao espelhar a representação de uma mulher que se curva diante das águas salobras da Baía de Todos os Santos, para reverenciar Iemanjá, embora o título faça referência a Oxum, porque, ao se envergar diante das águas, ela apoia uma das mãos sobre a boca e com a outra segura um frasco de seiva de alfazema, muito utilizado nas celebrações para Iemanjá. Mas, na verdade, durante essa festa, outras divindades de matriz africana são celebradas, a exemplo de Oxalá, Oxum, Ogum e Xangô. Como veremos nas páginas seguintes, a escrita com a luz da fotógrafa Sônia Chaves oferece um testemunho poético do cotidiano das festas populares e tradicionais que acontecem em alguns municípios da Bahia, como Salvador, Ilha de Itaparica, Cachoeira, Maragogipe e Santo Amaro da Purificação. O jeito de Sônia Chaves olhar o mundo exibe a espontaneidade do movimento corporal e a singularidade de cada pessoa fotografada por essa fotógrafa.

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Dora Sousa, 1957

A fotógrafa Dora Sousa, que também é médica sanitarista, especialista em Psicoterapia e Psicodrama, nasceu em 1957, em um vilarejo localizado entre os municípios de Candeias e São Sebastião do Passé, no Recôncavo da Bahia. Tem quatro irmãs, sendo uma já falecida, e quatro irmãos. É filha de um trabalhador do campo nascido na Fazenda Caruassú e de uma dona de casa nascida em Acupe, ambas localidades situadas no Recôncavo da Bahia. O pai de Dora trabalhava no campo com madeira e outros produtos agrícolas, e a sua mãe, como dona de casa, ajudava no orçamento da família costurando e aplicando injeções, habilidade que aprendeu com outras mulheres. A mãe de Dora iniciou um curso de Técnica de Enfermagem, mas faleceu antes de concluí-lo. Fotógrafa há mais de uma década, Dora Sousa acredita que, assim como as imagens têm o poder de naturalizar estigmas, a fotografia enquanto linguagem também pode contribuir para a desnaturalização de condições sociais atreladas a determinados indivíduos. Ela se dedica em provocar 42


reflexões diante das injustiças sociais que acometem a existência de pessoas negras, principalmente de crianças e mulheres idosas, que vivem em situação de rua, perambulando pelas praças e sob viadutos da cidade de Salvador. O olhar da fotógrafa Dora Sousa é direcionado à produção de narrativas visuais de cunho documental, denuncista e também autoral. Mas ela aposta na prática de retratos, especialmente de mulheres, porque Dora revela que como fotógrafa contém em si um encantamento pela vida das pessoas e pela afirmação de identidades. Mesmo nas composições fotográficas de cenas do cotidiano, ela deixa nítido o seu interesse de narrar sobre as individualidades das pessoas e as circunstâncias em que vivem, mas com respeito e admiração, para que as suas narrativas visuais contribuam para o fortalecimento da autoestima desses sujeitos fotografados por ela e, com isso, também salvaguardar os elementos identitários das culturas tradicionais e religiosas de matriz africana. Dora enfrentou um triste episódio em sua trajetória como fotógrafa, ao perder todo o seu acervo fotográfico, construído até dezembro de 2019, quando ladrões invadiram a sua casa e roubaram os seus equipamentos de fotografia, além de HDs externo e um notebook. Apesar desse acontecimento infeliz, as narrativas visuais dessa fotógrafa contribuem para discutir o lugar social permitido às pessoas negras, que, quase sempre, ocupam papéis de servidão. Ainda que ela direcione o olhar para essa questão, Dora conta que não gosta de apresentar apenas esse enfoque, mas difunde esse tipo de narrativa visual por conta do incômodo que sente ao ver pessoas vivendo pelas ruas e vagando sem expectativa de uma vida digna. Desse modo ela acredita que pode provocar esse mesmo sentimento em outras pessoas, na intenção de desnaturalizar a pobreza como uma questão inerente à condição social de pessoas negras. Isso é, desnaturalizar é não aceitar essa situação e fazer algo em favor das pessoas que necessitam de ajuda para sair desse nível. Com isso, ela busca mostrar também que a fragilidade econômica e social em que as pessoas negras se encontram, de certo modo, tem a cumplicidade de toda a sociedade brasileira. Dora conta que a escolha de sua formação em Medicina foi muito objetiva. Primeiro porque ela sempre gostou de estudar e segundo por sua determinação de querer mudar de classe social. Já que ela cresceu em uma família numerosa e por ter passado por muitas dificuldades. Por outro lado, a sua trajetória como

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médica lhe possibilitou viver uma vida estruturada e também a investir no sonho de se tornar fotógrafa, apesar do racismo institucional e do preconceito enfrentado por toda a sua trajetória profissional como médica. No entanto, ela avalia que no campo da fotografia não é diferente, porque os enfrentamentos contra comportamentos racistas e machistas ainda se fazem constantes, além das disputas nos espaços de difusão das narrativas visuais, e por quem exerce o papel de legitimar quem é ou não é fotógrafo e fotógrafa, sem reconhecer as particularidades de cada vivência. Ainda assim, para Dora, a fotografia cumpre a função em sua vida de externar e compartilhar um sentimento que já está dentro dela, mas que pode ser representado através do seu olhar ao escrever (sobre) uma imagem.

Perspectivas do olhar Ao longo da história da fotografia, muitos fotógrafos e fotógrafas também ficaram conhecidas como retratistas. O retrato como fonte de reflexão sobre as particularidades da vida de cada pessoa ainda é um caminho a ser revelado por muitos profissionais da imagem. A produção de retratos requer de nós, fotógrafas e fotógrafos, além de conhecimento técnico, identificar a função do retrato com criatividade, favorecer e revelar fragmentos da personalidade da pessoa fotografada. Nesse sentido, a fotógrafa Dora Sousa consegue mostrar a singularidade das pessoas retratadas por ela, e que, mesmo diante de fatos banais, se tornam interessantes justamente por fazerem parte do cotidiano e porque, infelizmente, a maioria das pessoas não percebe e não valoriza a presença de quem está próximo fisicamente. O retrato intitulado “Dona Ana, querida” mostra uma composição estética com um recorte fotográfico feito na altura do busto e é uma imagem alimentada de cores primárias e secundárias, refletidas sob a incidência de luz solar. Essa foto foi produzida por Dora Sousa, em 2018, no bairro de Santo Antônio, localizado em Salvador. A respeito de dona Ana, sei apenas que ela parece ser uma pessoa de vida simples, que mora em uma casa no Centro Histórico de Salvador, e é muito querida por toda vizinhança. A leitura que faço através do que o seu semblante demonstra, é em relação ao cansaço que observo nas linhas de expressão que delineiam a pele de seu rosto. Mas dona Ana revela um sorriso tímido, com um torço cor-de-rosa enrolado sobre a cabeça, enquanto dialoga com o olhar da fotógrafa Dora Sousa. 44


A foto “Olhar e poder” é uma amostra de uma série autoral da fotógrafa Dora Sousa. Essa imagem, tirada no bairro da Liberdade, em Salvador (BA), no ano de 2019, exibe o olhar de uma mulher que está encostada em uma parede revestida de tecidos. Ela segura um dos tecidos que cobre parte de seu rosto como um véu. O conceito dessa série autoral está na observação do olhar, no diálogo e na relação que a fotógrafa cria junto às pessoas fotografadas. Para Dora, o véu, com sua função de proteger o rosto, evidencia o olhar, sendo esse o detalhe que lhe encanta, tal como o que a pessoa fotografada transmite de sentimento naquele instante presente, e que a qualquer momento não poderá mais ser revelado ou até mesmo lembrado. E, na fotografia, o olhar é um instrumento importante, tanto para o diálogo entre quem fotografa e a pessoa fotografada, quanto para criação de vínculo e envolvimento, que resulte em uma narrativa visual satisfatória para ambas partes. “Para mamãe” é uma foto que foi tirada por Dora Sousa, em dois de fevereiro de 2020, no Rio Vermelho, em Salvador. Como o título já descreve, essa imagem exibe apenas, em plano close-up ou fechado, as mãos de uma mulher branca idosa, porque o tom de sua pele é bege e as suas mãos já apresentam as marcas da velhice, com manchas e vasos salientes. Essas mãos seguram um buquê de rosas nas cores azul, branco e amarelo. Embora o recorte fotográfico não tenha revelado o rosto dessa mulher, talvez, essa foto figura o retrato de uma devota de Iemanjá, pelos trajes em tons claros, uso de braceletes em bronze e as flores, como signos representativos de vaidade e também de feminilidade. Como um contraponto aos elementos que a fotógrafa Dora Sousa mais se debruça em fotografar, a foto intitulada “Reconvexidades” revela um retrato produzido em um instante na contraluz do pôr do sol. Essa imagem exibe o perfil de um homem negro, que também parece ser uma pessoa idosa, embora a imagem só reflita a sua silhueta. Esse homem aparenta ser um vendedor ambulante, porque, sobre a cabeça, carrega uma bacia de metal cheia de pedaços de cana em palitos, e com uma das mãos ele segura outra porção de pedaços de cana. A luz deslumbrante desse entardecer realçou a imagem de um retrato significativo, com possibilidade de inúmeras reflexões em torno do vai e vem da vida e da condição de vulnerabilidade social que, constantemente, atinge pessoas negras. Essa foto foi tirada em 2019, no bairro de Itapuã, na cidade de Salvador.

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Na vivência de Dora Sousa, enquanto fotógrafa e médica, a fotografia ocupa o lugar da expressão que não pode ser lida apenas com palavras ou apenas por pessoas letradas. Mas pode provocar mudanças comportamentais, além de permitir a materialização poética e universal de sentimentos, como afeto, esperança, preocupação, medo, saudade, indignação e angústia.

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Lázaro Roberto, 1958

Lázaro Roberto Santos é fotógrafo, mas já trabalhou como ator e impressor gráfico. Ele nasceu em 1958, na capital da Bahia, é filho de uma lavadeira de roupas e de um estivador, que juntos tiveram 14 crianças, entre essas sobreviveram 11. Tanto o pai quanto a mãe vieram de Santiago do Iguape, uma vila localizada no município de Cachoeira, no Recôncavo da Bahia. Em sua trajetória, Lázaro reconhece o esforço de suas irmãs que ajudaram à mãe e o pai no sustento dele e de outros irmãos mais novos. Ele compartilha com gratidão todo apoio que obteve de suas irmãs mais velhas. Lázaro conta que ainda jovem ele começou a refletir a respeito da ausência de imagens sobre si, seus familiares e antepassados. Por isso ele nunca havia sonhado em ser fotógrafo, justamente porque em sua casa não havia referências e fotografias de seus ancestrais. Daí ele passou a refletir que essa questão também era comum em outros lares de famílias negras e de baixa renda. A contribuição do fotógrafo Lázaro Roberto é extensa, iniciada a partir da década de 1970, e está destinada a despertar o interesse de toda sociedade 52


brasileira pela memória visual dos movimentos negros, culturais e sociais. A sua vivência como profissional da imagem está vinculada aos acontecimentos históricos que ocorreram na Bahia, a exemplo das manifestações de rua em comemoração ao Centenário da Abolição da Escravatura, em 1988, e quando o vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 1993, advogado e ex-presidente da África do Sul, Nelson Mandela (1918-2013), esteve pela primeira vez no Brasil, em 1991. O testemunho ocular de Lázaro Roberto reafirma diferentes modos de vivenciar a nossa negritude, seja no palco das manifestações artísticas, culturais ou políticas. Suas narrativas visuais se contrapõem às construções imagéticas que são disseminadas nos livros didáticos e nos produtos midiáticos, que nos atingem negativamente. De modo que a escrita com a luz desse fotógrafo revela imagens autorais, do cotidiano, de personalidades públicas, de cenários, acontecimentos históricos, das festas populares, religiosas e tradicionais, que ainda precisam ser analisadas à sombra de uma perspectiva sociológica. Antes da década de 1980, o fotógrafo Lázaro Roberto produzia suas narrativas com equipamento emprestado, assim como foi para muito de nós, no início de carreira. Somente no ano de 1981 ele conseguiu comprar a primeira câmera fotográfica, uma Minolta, que foi paga em parcelas com o seu trabalho de impressor gráfico. Só a partir daí, ele conta que começou a questionar o que ele queria com a fotografia. Desde então, as suas narrativas visuais destacam-se pelo impacto da composição fotográfica e da estética que é preenchida em tons de cinza, preto e branco. Além disso, como ele mesmo pontua, a sua expressão fotográfica busca refletir a respeito da diversidade de ser, agir e pensar entre pessoas negras. Embora a sociedade encare a pessoa negra como representante de uma coletividade, sem reconhecer as subjetividades de cada indivíduo, com visões de mundo, sonhos e traumas experienciados de maneiras e em ocasiões distintas. Lázaro Roberto descobriu a sua vocação ao campo da fotografia durante a juventude. Ele se envolveu com o mundo das artes através de um grupo de teatro, criado em uma igreja católica, no bairro de Fazenda Grande, onde ele nasceu, cresceu e vive. Em seguida, ele participou de outro grupo teatral com orientação política, porém apartidária, e era dirigido pelo antropólogo, multiartista e diretor teatral, Antônio Godi. Lázaro Roberto conta que foi o teatro que lhe direcionou para o movimento negro, espaço onde ele

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adquiriu consciência crítica a respeito de si e das dificuldades provocadas em consequência do racismo. Para Lázaro Roberto, os movimentos negros, a exemplo do Grupo Negro da Bahia, do Movimento Negro Unificado (MNU), dos blocos afro e de afoxé, como o Ilê Aiyê, Olodum e Filhos de Gandhy, foram e continuam sendo importantes em sua trajetória, porque, acaso ele não tivesse vivenciado esses momentos históricos, no início de sua carreira, ele não seria o fotógrafo que ele é hoje. Possivelmente, Lázaro não teria construído um dos maiores acervos fotográficos de documentação visual a respeito da cultura, da organização social e política de pessoas negras na Bahia. Esse acervo faz parte do “ZUMVI – Arquivo Fotográfico” e possui mais de 30 mil imagens, e foi criado por Lázaro em parceria com outros dois fotógrafos, Ademar Marques e Raimundo Monteiro, com a intenção de fortalecer a ideia de um coletivo de fotógrafos negros, como uma espécie de aquilombamento. Para isso, o fotógrafo Lázaro Roberto dedicou mais de quatro décadas de sua existência à construção de uma memória social através da documentação fotográfica. Ainda assim, ele permaneceu na invisibilidade por mais de três décadas. Talvez, como ele avalia, por ainda ser mal compreendido e também por conta do racismo institucional que também está presente no campo da fotografia, assim como em toda a sociedade brasileira, onde pessoas negras, como nós, enfrentamos entraves para difundir nossas variadas formas de expressão, em particular, nos campos acadêmico, cultural e artístico.

Performances de existências Um conjunto composto de cinco fotografias de autoria do fotógrafo Lázaro Roberto, aqui, representa uma amostra e não a totalidade das imagens que compõem o acervo “ZUMVI – Arquivo Fotográfico”. Essas narrativas visuais servem de fontes históricas sobre a vida de pessoas negras em suas performances de existências, e podem ser atribuídas a diferentes tipos de manifestação da potência humana, como a prática de consciência, o exercício da alegria, do afeto, (auto)cuidado e de afirmação de identidades. É desse modo, portanto, que a fotografia se torna um estímulo na promoção da dignidade humana, quando o fotógrafo e/ou a fotógrafa não buscam associar a representação de pessoas às concepções estereotipadas e estigmatizadas.

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Porque, geralmente, essas construções estão vinculadas às pessoas não brancas e ainda são capazes de promover a eliminação de nossa existência em todos os espaços sociais. Por isso é significativo apreciar uma imagem como a intitulada “Bailarinos Ava e Edi”, registrada por Lázaro Roberto, em 1982, na primeira Escola de Medicina do Brasil, no Centro Histórico de Salvador. Essa imagem oferece uma potência de sentidos em torno da presença de dois jovens negros que se expressam através da dança, além de ser uma lembrança materializada para a memória social quanto a presença de bailarinos negros na década de 1980, apesar do balé clássico não ter sido um espaço confortável com a presença de corpos negros bailando, tornando essas experiências deslocadas por muitos desafios. A imagem dos “Jovens percussionistas do Bloco Rastafári” mostra a representação em primeiro plano de dois adolescentes negros, sorridentes, segurando um instrumento de percussão, que parece ser um surdo, muito utilizado pelas bandas de música dos blocos afro e de afoxé. Como o título da foto descreve, à época, em 1992, esses jovens eram músicos e faziam parte da banda que tocava reggae no Bloco Rastafári, que, provavelmente se originou no Subúrbio Ferroviário de Salvador, onde essa foto foi registrada por Lázaro Roberto. Registrada em 1992, no bairro de Novos Alagados, localizado no Subúrbio Ferroviário de Salvador, a foto “Trançadeira Isodelia” revela a figuração de uma mulher e uma menina. Esse é um exemplo de imagem que manifesta subtextos muito além do que é visível. Nessa foto, um dos conteúdos diz respeito ao ato de entrelaçar os fios de cabelo crespo, como uma técnica e um hábito cultural. Em nossa cultura, a prática de trançar o cabelo, para além do cuidado e da beleza, remete à memória ancestral, afirmação de nossa estética identitária e também serve como uma ferramenta de sobrevivência a partir da prestação de serviço de trancista. Embelezar o corpo parece ser um hábito comum em quase todas as culturas. Não seria diferente para nós que descendemos de diversas culturas, principalmente africanas, como é o caso do jovem negro que aparece na imagem “Vendedor de verduras”, tirada na Feira de São Joaquim, em 1993, por Lázaro Roberto. Do rapaz, fica explícito apenas uma parte de seu rosto e de seu abdômen, servindo de suporte para exposição de suas joias, feitas

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de algum metal nobre, possivelmente, prata ou ouro. Para muitos de nós, tanto a prata quanto o ouro, quando transformados em objetos, representam símbolos de proteção e também de afirmação de nossas identidades e de nossas existências. Como uma mensagem de protesto pacífico, a frase “Racismo é um crime inafiançável” foi grafada no couro cabeludo de um homem negro, que parece estar deitado de frente para o chão, com a testa apoiada sobre as mãos. Essa imagem leva o título “Cabeça feita” e representa uma amostra da série fotográfica autoral que tem o mesmo título dessa foto, registrada no ano de 2014, em Salvador, pelo fotógrafo Lázaro Roberto.

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Rita Conceição, 1958

Rita Conceição nasceu em Salvador, em 1958, é filha de uma empregada doméstica e de um mestre Arrais, ambos nasceram no município de Muritiba, localizado no Recôncavo da Bahia, e juntos tiveram três filhas e cinco filhos, sendo Rita a primogênita do casal. Ela é fotógrafa, antropóloga formada pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), especialista em Antropologia Visual e graduanda em Pedagogia. Além disso, Rita é fundadora e diretora da Bahia Streat, uma organização não governamental que foi fundada há 25 anos, e desde então continua firme na missão de promover o bem-estar social de crianças e adolescentes do gênero feminino e que estudam em escolas da rede pública na cidade de Salvador. Rita Conceição conta que o seu ingresso na área de fotografia pode ter sido influenciado por uma fotógrafa que foi sua namorada, embora Rita já trabalhasse no campo da Comunicação Social. Até que ela decidiu fazer um curso de Fotografia pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), e, a partir daí, Rita não parou de escrever com a luz. Logo, ao iniciar a sua 63


carreira como fotógrafa, Rita comprou uma câmera Minolta de um colega, que a vendeu com a lente trincada. A partir desse episódio, ela percebeu que não seria fácil para ela, enquanto mulher negra, atuar como fotógrafa. Reflexão que se comprovou anos depois, ao constatar que a maioria dos profissionais de imagem fotográfica tinha um comportamento individualista, sexista e racista. Ainda assim, Rita começou a se dedicar como fotógrafa de porta de igreja, quando o mercado fotográfico ainda era favorável. Nesse momento ela enfrentou um outro incidente que a deixou bastante reflexiva diante de sua condição social. À época, Rita foi para a porta da Paróquia Nossa Senhora da Saúde, que fica sediada no bairro da Saúde, em Salvador, com a intenção de conquistar uma clientela para fotografar cerimônias de casamento e de batismo. Ainda na porta dessa igreja, ela foi agredida moralmente por outros fotógrafos. Um deles chegou a lhe dizer que aquele não era o espaço dela, mas que ela poderia procurar a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, porque, talvez, lá pudesse ser o lugar dela. Esse fato marcou a vida da fotógrafa Rita Conceição, mas, de algum modo, lhe encorajou a se afirmar como fotógrafa negra que não só se reconhece e se valoriza, como também passou a se interessar pela documentação de acontecimentos construídos a partir de movimentos sociais negros. Desde então, Rita passou a ser fotógrafa de porta da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, onde conquistou respeito e admiração tanto das pessoas que faziam parte da irmandade quanto das famílias que escolhiam o local para celebrarem os ritos de batismo, missa e de casamento. Apesar disso, o interesse de Rita por atuar profissionalmente no campo da fotografia fica ainda mais consistente, quando, em 1996, ela e mais de quatro mil pessoas enfrentaram demissão em massa pelo então prefeito, Antônio Imbassay, eleito pelo Partido da Frente Liberal (PFL), que hoje passou a se chamar Democratas (DEM). Nesse momento, Rita trabalhava no setor de Comunicação do município de Salvador, onde era responsável pelo monitoramento da mídia, realizando decupagem e edição de gravações relativas à gestão pública e ao município de Salvador, que eram produzidas e divulgadas nos telejornais da grande mídia local. Durante muitos anos, a fotógrafa Rita Conceição usou a estética dreadlocks como um penteado natural, obtido após entrelaçar os fios de cabelo em mechas, depois de alguns dias sem desmanchar. Inclusive, por conta desse

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penteado ela passou a ser chamada de Rita Cliff, em referência ao músico jamaicano Jimmy Cliff. Nessa fase, em que ela usou o dreadlocks, como um penteado de afirmação de sua identidade, ela vivenciou outro episódio marcante de discriminação racial e de sexismo, infelizmente, ainda mais relevante por essa dupla opressão. Na ocasião, Rita foi demitida de sua função como fotógrafa, exercida por ela em uma instituição pública. Mas, ela só ficou sabendo o motivo desse desligamento inesperado por um outro colega, que lhe disse que ouviu o diretor de fotografia dizer que não queria uma mulher negra e ainda rastafári como fotógrafa naquela instituição. Nos primeiros anos do século XXI, Rita Conceição passou a se interessar pela fotografia de documentação social, política e etnográfica. Ela foi uma das profissionais convidadas para fazer um trabalho de foto etnografia sobre os Quilombos e comunidades de Terreiros de Candomblé, sediados em Salvador e no Recôncavo da Bahia. Rita também se tornou por um período uma das fotógrafas contratadas pelo Partido dos Trabalhadores (PT), tanto que passou a ser chamada de “a retratista preferida do Lula”, frase dita por ele mesmo, o ex-presidente da República do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, toda vez que ele vinha a Salvador para participar de manifestações de rua e/ou de encontros do PT. Por muitos anos, Rita trabalhou como fotógrafa independente para o PT, assim como para diversos sindicatos e para a Central Única dos Trabalhadores.

Entre o cultural e a política Os temas revelados na escrita com luz da fotógrafa Rita Conceição descortinam acontecimentos políticos, como também estão relacionados à memória afetiva de famílias e às manifestações populares de caráter religioso e tradicional ocorridas em Salvador, mais engajadamente a partir de 1996. Mergulhar nesses espaços, particularmente da política, e conquistar o devido respeito pode não ter sido uma tarefa fácil. Apesar disso, Rita construiu um acervo fotográfico repleto de diversidade de temas e de composições visuais. As fotos intituladas “Baiana” e “Mãe Filhinha”, respectivamente, tiradas em 2004 durante a Lavagem do Bonfim, em Salvador, e em 1999, na Festa da Irmandade da Boa Morte, em Cachoeira, no Recôncavo da Bahia, representam uma amostra da escrita com a luz da fotógrafa Rita Conceição, em torno das manifestações religiosas e tradicionais associadas às culturas de matriz

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africana. Mãe Filhinha, ou dona Narcisa Cândido da Conceição, falecida em 2014 com 110 anos, era Iyalorixá no Terreiro IIê Axé Itayle, e membra há mais de 70 anos da Irmandade da Boa Morte. Nessa foto, ela usava um pano da costa aveludado e de cor preta, com bordas de cor vermelha, e ao seu lado aparecem partes do corpo de outras mulheres, com vestimentas semelhantes. Tanto a mulher na foto “Baiana” quanto Mãe Filhinha usam fios de contas, um torço branco que cobre as cabeças, além de adereços e joias em prata e em outros tipos de materiais. A foto intitulada “Irmandade Nossa Senhora do Rosário dos Pretos” foi registrada em 1996, na cidade de Salvador, pela fotógrafa Rita Conceição, e revela um dos ritos relacionados a essa irmandade. Como também representa um discurso em torno das confrarias e irmandades negras que surgiram no Brasil. As irmandades negras eram criadas com objetivo de promover solidariedade entre pessoas negras e libertas durante o regime escravocrata. Além disso, as irmandades também surgiam por uma necessidade de manifestar a fé e de afirmação social. Essa foto exibe um grupo de fiéis ao redor da imagem da santa, que parece ser em gesso e está sobre um suporte em madeira, ornamentado de flores. Entre esses fiéis há mulheres, mas são apenas alguns homens que sustentam sobre os ombros o suporte com a santa. Eles vestem uma espécie de túnica de cor branca e uma capa de cor preta sobre as costas, com cordões amarrados ao pescoço. O discurso presente nessa imagem indica a relação sociocultural e religiosa de devoção à Nossa Senhora do Rosário, em que seus fiéis são constituídos, majoritariamente, de pessoas negras. A imagem “Capoeira de Angola”, registrada em 1987, no Pelourinho, apresenta uma composição interessante, porque em primeiro plano visualizamos uma fila de homens, de uma ponta a outra dessa moldura fotográfica. Esses homens estão todos vestidos com traje cerimonial na cor branca, composto de terno, gravata, camisa e calça, e nas mãos, cada um deles carrega um berimbau. Apesar dos homens não serem identificados, essa imagem é bastante representativa na escrita com a luz da fotógrafa Rita Conceição, porque contempla a representação de mestres de capoeira, possivelmente, durante uma cerimônia pública dessa manifestação cultural e de resistência negra, que é muito presente nas ruas do Centro de Histórico de Salvador.

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A política sempre fez parte da trajetória da fotógrafa Rita Conceição, porque ela trabalhou durante muitos anos, entre as décadas de 1980 e 1990, no setor de Comunicação da Prefeitura de Salvador. E por conta dessa vivência, ela experienciou de perto as (in)justiças promovidas por gestores públicos. Em 1997, após ser vítima de demissão em massa, ela se viu com a responsabilidade de documentar uma sucessão de manifestações de rua, organizadas por movimentos sociais, partidos políticos de esquerda e também por trabalhadores e trabalhadoras. É nesse sentido que a imagem “Manifestação contra FHC” ilustra o seu trabalho. Nessa imagem há um cartaz, com as seguintes frases: “Mulher, agora são outros 500”, “Contra toda forma de opressão - Basta de FHC”, e na parte inferior do cartaz tem a logomarca da União Brasileira de Mulheres (UBM). Na imagem, o cartaz aparece em primeiro plano nessa composição fotográfica, e é segurado por dois homens negros. Atrás dos homens, visualiza-se uma multidão erguendo bandeiras de diversas cores, símbolos e com frases em defesa de causas políticas (a)partidárias. Essa imagem foi registrada em 1999, na Avenida Sete de Setembro, em Salvador, e representa um testemunho ocular em torno da luta social pelo bem-estar da classe trabalhadora. À época, o Brasil tinha como presidente Fernando Henrique Cardoso, que ficou conhecido pelas siglas de seu nome e sobrenome, FHC, eleito pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Na Bahia, o governador era César Borges, eleito pelo Partido da Frente Liberal (PFL), e a prefeitura de Salvador era administrada por Antônio Imbassay, também eleito pelo PFL. As imagens a seguir, foram registradas com câmera analógica e foram reproduzidas digitalmente pela própria fotógrafa. Atualmente, Rita Conceição cursa a licenciatura em Pedagogia e dirige a ONG Bahia Streat. Ela também planeja se dedicar ao projeto de digitalização de seu acervo fotográfico e, após ser imunizada contra a Covid-19, voltará a se ocupar da prática de fotografia de rua.

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Áurea Sant’anna, 1963

Liberdade estética na composição fotográfica é um princípio que orienta a vivência da fotógrafa Áurea Sant’Anna, que nasceu em 1963, na cidade de Salvador, é filha de mãe e pai também soteropolitanos. O seu pai e a sua mãe eram funcionários públicos e juntos tiveram ela e outra filha. Enquanto fotógrafa, Áurea ancora-se nos segmentos de fotografia de natureza, paisagem e de documentação social, e assim ela busca apresentar narrativas visuais com temas variados acerca do cenário natural e cultural do cotidiano soteropolitano, de Ilha de Itaparica, e de outros municípios localizados às margens da Baia de Todos os Santos. A escolha da carreira inicial, como técnica em Administração Pública, foi algo que ocorreu em meio ao regime militar. E diante dessa circunstância histórica, Áurea Sant’Anna preferiu se tornar servidora pública, com a intenção de garantir segurança financeira e assim, mais para frente, poder custear o sonho de se inserir no campo das artes, no caso da arte técnica da fotografia. Esse sonho foi conquistado há quase 10 anos, quando ela pôde se aposentar 74


do serviço público. A primeira câmera fotográfica foi uma Finepix da Fuji, um equipamento de baixo custo, mas foi apenas com esse dispositivo que ela aprendeu sobre fotografia, produzindo imagens do quintal de sua casa e em um dos cenários onde é possível apreciar uma das vistas mais fascinantes do pôr do sol em Salvador, o Farol de Itapuã. A intenção de Áurea Sant’Anna é de se expandir no campo da fotografia. E como uma fotógrafa de documentação social, ela costuma eternizar fragmentos do cotidiano sob uma perspectiva poética e informativa a respeito dos cenários naturais que caracterizam a Bahia, todavia focada no registro das emoções das pessoas e em apresentar diferentes pontos de vistas a respeito dos festejos tradicionais e religiosos, principalmente de matriz africana. Ela revela ainda que o seu processo criativo envolve pesquisa e reciclagem constante do conhecimento em torno da linguagem fotográfica, como também conhecer de maneira orgânica os locais e todas as festas populares e religiosas que planeja fotografar. A figuração da ação humana é um referencial estampado nas narrativas visuais de Áurea Sant’Anna, porque ela converge o olhar em meio a multidão para revelar a gestualidade das pessoas, seja durante o ato de fé, ou na demonstração de suas emoções diante de um acontecimento, que, quase sempre, diz respeito às celebrações públicas e tradicionais das religiões de matriz africana. Áurea Sant’Anna conta que desde que se reconheceu como uma fotógrafa profissional, a fotografia passou a ocupar mais da metade de suas atividades diárias, sendo ela mesma responsável pelo planejamento e produção de todas as ações que envolvem à realização de um trabalho fotográfico, a exemplo de atendimento ao cliente, preparação de equipamentos, escolha de locais onde as fotos serão produzidas, pensar a logística, editar e encarregar-se do póstratamento das imagens, além de negociar com fornecedores de impressão fotográfica e molduraria.

A estética do sagrado Nas páginas seguintes, as fotografias de Áurea Sant’Anna espelham a estética do sagrado ao refletir a gestualidade de mulheres negras durante o ato de expressão de fé. Essas imagens, selecionadas do acervo dessa fotógrafa, representam a escrita com a luz de sua fotoescrevivência, que pode ser definida

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por um estilo fotográfico variado, transitando entre o colorido vibrante e as nuances do preto e branco. Além de reunir um conjunto de características com enquadramentos e elementos visuais que traduzem significados. A foto “Esperando o Samba” foi fixada no município de Cachoeira, na Bahia, em 2016. Essa imagem exibe um agrupamento de mulheres que, de acordo com Áurea Sant’Anna, fazem parte do grupo tradicional “Samba de Roda Suerdieck”, que é um grupo cultural sediada nesse município, liderada por Dalva do Samba, ou dona Dalva Damiana de Freitas, nascida no ano de 1927. O Samba de Roda Suerdieck representa um dos grupos mais tradicionais de samba de roda da Bahia, e é formado por músicos e mulheres caracterizadas com indumentárias semelhantes aos trajes utilizados durante os ritos de candomblé. Nessa foto em preto e branco, observo um movimento simétrico que inicia na parte inferior da composição. O enquadramento foi feito um pouco acima do quadril das mulheres que figuram nessa imagem, dentre elas uma jovem. Na área superior do espaço fotográfico, vejo as cabeças cobertas com turbantes monocromáticos. Outros aspectos visuais que compõem essa foto parecem remeter à memória ancestral negra, devido ao uso de vestimentas e adereços que combinam fios de conta, pulseiras, turbantes, saias e blusas que cobrem o corpo e se encarregam de acentuar a gestualidade do movimento. A foto intitulada “Procissão em Luz e Fé” foi composta em 2019, no município de Cachoeira, durante a tradicional Festa da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, que acontece anualmente a partir do dia 13 do mês de agosto, desde o início do século XIX. O título da obra cumpre um papel importante, porque, em destaque nessa imagem, aparece o perfil de uma mulher negra que aparenta ter entre 60 e 65 aos. Ela expressa serenidade e veste um traje repleto de símbolos identitários, além de segurar um castiçal com uma vela branca de sete dias acesa, a qual simboliza fé e espiritualidade. Para a fotógrafa Áurea Sant’Anna, o instante eternizado nessa foto foi durante um dos rituais da Festa da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, a “Procissão Branca”, quando as pessoas devotas saem em procissão da Capela de Nossa Senhora D’Ajuda carregando a escultura de Nossa Senhora da Boa Morte pelas ruas do município de Cachoeira, na Bahia. A composição da foto “Pelourinho da Fé” apresenta um pouco do que está descrito no título, em um plano plongée (de cima para baixo), com cores

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vibrantes e repleta de linhas e formas geométricas. Eu me sinto mergulhada ao observar a principal Ladeira do Centro Histórico de Salvador cheia de pessoas devotas, que parecem interessadas na celebração da festa à Santa Bárbara, por estarem vestidas nas cores vermelho e branco. Quase como plano de fundo, atento o meu olhar para a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, e ainda aprecio a presença de ambulantes, todas pessoas negras, vendendo quitutes e artesanatos, uma cena comum no cotidiano soteropolitano, desde o período colonial. Tirada no dia quatro de dezembro de 2019, data em que é celebrada a Festa à Santa Bárbara, essa foto expõe uma das manifestações que mais representa o sincretismo religioso na Bahia, a partir do encontro entre pessoas devotas de uma santa católica e de uma divindade do candomblé, respectivamente, Santa Bárbara e Iansã. A foto intitulada “Presente para Iemanjá”, registrada no vilarejo de Ponta de Areia, em Ilha de Itaparica (BA), em dois de fevereiro de 2019, apresenta uma multidão em desfoque, e em primeiro plano revela a figura de uma mulher negra. Essa mulher está de costas, com um torço na cabeça e carrega um jarro de flores com a mão esquerda. A fotógrafa Áurea conta que essa imagem foi tirada por volta das 17 horas daquele dia, quando ocorria o cortejo para a entrega do presente para Iemanjá. De acordo com Áurea, o cortejo é formado por mães e filhas de santo, veranistas, turistas e nativos da Ilha, que saem em procissão erguendo sobre a cabeça balaios carregados de flores, para serem ofertadas à Rainha do Mar. A realização desse cortejo acontece anualmente e é articulada pelo Terreiro Omon Ilê Aboulá, localizado no Alto da Bela Vista, em Ponta de Areia. Esse Terreiro é um dos primeiros no Brasil a cultuar BàbáEgún, ou culto aos ancestrais. A foto “Menino e o Rio” projeta uma composição de elementos visuais, em preto e branco, na qual figura um jovem que, de acordo com a fotógrafa Áurea Sant’Anna, aguardava a atracação de uma canoa carregada de peixes e mariscos. Essa cena foi registrada em um dia chuvoso, às margens do Rio Paraguaçu, em Cachoeira, na Bahia, no ano de 2018. Para além do que essa foto evoca de maneira objetiva, “Menino e o Rio” é também um convite à reflexão. Por isso, Áurea considera transitar com liberdade e de maneira contemplativa diante das paisagens de natureza e da ação humana, ao compor a sua escrita com a luz, exibindo diferentes estéticas de composição com senso de cor e de iluminação, formas, texturas e perspectivas variadas.

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Alberto Lima, 1965

Alberto Lima é um fotógrafo soteropolitano que nasceu em 1965, tem uma irmã e um irmão, e é filho de uma empregada doméstica e de um trabalhador informal, que também nasceram em Salvador. Em 1987, ele ganhou a primeira câmera fotográfica, uma Kodak Cross, de presente de aniversário. Daí em diante ele não parou de fotografar. Para Alberto, a fotografia é uma espécie de crachá que o identifica, além de funcionar como um meio de expressão no cumprimento de sua missão ancestral como um cidadão negro e fotógrafo, focado na documentação das manifestações sociais e nas performances de existência de pessoas negras. Alberto Lima também pode ser considerado um multiartista, porque antes de se tornar fotógrafo, ele cursou dança com mestres e mestras renomados na Bahia, a exemplo de Clyde Morgan, Nadir Nóbrega e Tata Mutá. Inclusive, aprendeu outras linguagens artísticas, tal como percussão, teatro e capoeira Angola. Para Alberto Lima, as suas referências no exercício de sua prática fotográfica são os fotógrafos Adenor Gondim, Bauer Sá e Januário Garcia. Bem como os mestres de capoeira, a exemplo de Curió, René Bittencourt, 84


Moraes, Valmir, Cobra Mansa, Jurandir, Urubu; e as mestras Janja e Paulinha. Porque foram essas pessoas, mestras e mestres de capoeira, que também lhe ajudaram a projetar a sua escrita com a luz, ao lhe permitirem acesso para documentar as suas performances de existência. No início de sua carreira, a escola de fotografia de Alberto Lima foi a prática autodidata motivada por seu interesse de entender cada vez mais a respeito da linguagem fotográfica, já que, como ele afirma, o seu processo criativo é intuitivo. Posteriormente, em 1997, ele fez um curso de Fotografia no Instituto Cultural Brasil-Alemanha (ICBA), à época, ministrado pela fotógrafa paulista Isabel Gouveia. Alberto conta que até hoje ele é fascinado por revelar uma estética abstrata em suas imagens. Inicialmente, enquanto lapidava o olhar em torno do mundo, as pessoas não figuravam como referência principal nas narrativas visuais desse fotógrafo, e sim tudo o que lhe parecia irregular, com explosões de cores, volume e movimento, a exemplo de quiabo curvado, abóbora com bolor, manchas em paredes, as diferentes formas e tons dos elementos sob a luz solar. Contudo, foi através da fotografia social e documental que Alberto veio identificar a sua missão. Depois dessa fase, Alberto Lima começou a fotografar bandas e músicos, a exemplo de Nação Zumbi, Agbeokuta, Geraldo Cristal, Gil Félix, Círio Trindade, Ubaldo Varú e Tony Mola. Em paralelo, ele aprimorava os seus conhecimentos sobre fotografia. Mas passou um tempo fotografando temas relacionados à tragédia humana, focado na miséria vivenciada por pessoas negras, em situação de rua, acidentadas e doentes. Ele acredita que esse seu interesse não foi intencional e consciente, mas sim instintivo e também influenciado por estigmas sociais que depreciam e prejudicam a condição social de pessoas negras. Quando o fotógrafo Alberto Lima muda-se para Sergipe, mesmo sem título acadêmico, ele passa a ser considerado o primeiro fotógrafo a realizar um trabalho de foto etnografia sobre o quilombo Mussuca, localizado no município de Laranjeiras (SE). A produção dessas narrativas visuais teve início em 1998. O trabalho de documentação fotográfica teve duração de sete anos e resultou no livro “Mussuca: fragmentos da África em Sergipe”, publicado em 2005, com patrocínio da Petrobras através da Lei Rouanet e apoio institucional da Universidade Federal de Sergipe (UFS). A partir daí, quando Alberto Lima retorna para a cidade natal, as pessoas passam a reconhecê-lo como fotógrafo profissional. E ele passa a ser encorajado

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a dedicar-se à documentação visual da vivência de seus pares no cotidiano familiar, no palco e nas ruas de Salvador e de outros municípios da Bahia. Pouco tempo depois, Alberto é contratado como fotógrafo oficial do bloco afro Ilê Aiyê, instituição cultural que lhe abriu portas, assim como outros blocos, a exemplo do Viola de Marujo e Bankoma. Além de outras instituições, como o jornal Irohin através do jornalista fundador Edson Cardoso, da Secretaria Municipal da Reparação através do professor e historiador, Antônio Cosme, durante a realização da segunda “Conferência dos Intelectuais Africanos da Diáspora” (II CIAD) e do Fórum de Performance Negra. Como também pelo Núcleo Omi Dudu, onde teve a oportunidade de realizar um de seus projetos de exposição fotográfica, intitulado “Yalorixás no Século XXI”, e também de ensinar fotografia para jovens, que hoje despontam na cena soteropolitana como fotógrafas e fotógrafos profissionais. Em sua trajetória, o fotógrafo Alberto Lima experienciou diversas ocorrências de discriminação racial. No entanto, ele reconhece que foi somente através de sua vivência enquanto fotógrafo negro e das barreiras enfrentadas que ele passou a entender como o racismo se estrutura na sociedade brasileira. Um dos episódios marcantes foi em Aracaju, onde ele trabalhou como fotógrafo e também como professor de capoeira. Ele conta que em um certo dia recebeu o telefonema de um corretor de imóveis, pois o mesmo queria contratá-lo para fazer as fotos de um apartamento. Ao chegar no escritório, ele se apresentou para secretária e ficou à espera do corretor. Durante essa espera, segundo Alberto, o corretor saiu algumas vezes da sala e da última vez gritou: “Cadê a porra do fotógrafo”, e em seguida a secretária disse: “Olha ele aí”. O corretor olhou com uma cara de desprezo para o fotógrafo Alberto Lima, em seguida deu as costas e bateu a porta. Alberto conta que esse fato foi uma situação explícita de discriminação racial, tanto que a secretária baixou a cabeça e, em seguida, Alberto saiu do escritório e nunca mais retornou ao local. Entre 2007 e 2012, Alberto Lima se tornou um fotógrafo de referência para muitas comunidades de Candomblé, assim como para tantas pessoas e também colegas de profissão, inclusive eu. Mas, atualmente, o fotógrafo Alberto Lima trabalha comercializando produtos naturais, por conta desse cenário de crise econômica, social, política e sanitária, agravada no presente contexto da pandemia de Covid-19. Em paralelo ao trabalho de comercialização

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de produtos naturais, ele reserva parte do tempo para estruturar o seu acervo de fotografias. Após essa crise, Alberto Lima planeja retomar a sua atuação como fotógrafo e espera realizar alguns projetos autorais.

Em memória de nossos e de nossas ancestrais Por escolha própria, o fotógrafo Alberto Lima selecionou uma narrativa visual com imagens de personalidades históricas que já se tornaram ancestrais, por isso dei o título aqui de “Em memória de nossos e de nossas ancestrais”. Esse conjunto de fotografias faz referência a diversos acontecimentos, durante os quais estiveram presentes Mãe Hilda Jitolú (1923-2009), Abdias do Nascimento (1914-2011), Luíza Bairros (1953-2016), Jaime Sodré (19472020), Jônatas Conceição (1952-2009) e Jorge Conceição (1952-2017). Alberto revela que gostaria de ter fotografado o ator Mário Gusmão (19201996), com quem teve a oportunidade de conviver durante as aulas de teatro. Mas, à época, início da década de 1990, Alberto não se sentiu confortável por fotografar o ator, pois, ele ainda estava aprendendo sobre fotografia e também pelo motivo de que estava muito mais envolvido com outras linguagens artísticas do que com a prática fotográfica. A imagem “Yalorixá Hilda Jitolú”, como o título já anuncia, exibe a líder espiritual do terreiro Ilê Axé Jitolú, que nasceu em 1923 e faleceu com 86 anos. Nessa foto, ela está sentada e ao seu redor há outras mulheres e homens. Nascida como Hilda Dias dos Santos, Mãe Hilda Jitolú teve cinco filhos biológicos, entre esses: Antônio Carlos dos Santos, conhecido como Vovô, que é presidente fundador do bloco afro Ilê Aiyê; Dete Lima, multiartista e diretora fundadora do bloco afro Ilê Aiyê; e Vivaldo, que também é diretor do bloco afro Ilê Aiyê. Essa foto foi registrada em 30 de maio de 2009, no Terreiro Ilê Axé Jitolú, sediado na Ladeira do Curuzu, bairro da Liberdade, na capital baiana. Mostra-se na foto “Abdias do Nascimento” vestido com um traje cerimonial, composto de uma beca de cor preta, capelo e borla de cor azul, observado a partir de um plano de contra mergulho, usado na composição fotográfica para evidenciar a percepção de imponência da pessoa fotografada. Abdias do Nascimento nasceu em 1914, na cidade de Franca (SP), e faleceu aos 97 anos, na capital do Rio de Janeiro. Ele foi e continua sendo um

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importante representante da cultura negra no Brasil, em sua atuação como diretor fundador do Teatro Experimental do Negro (TEN), criado em 1944, e também como artista plástico, diretor teatral, escritor, professor universitário e ativista em defesa dos direitos humanos. O registro dessa foto foi realizado pelo fotógrafo Alberto Lima, no dia 17 de março de 2008, quando Abdias Nascimento recebeu o título de Doutor Honores Causa pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), em Salvador. A foto que mostra “Luíza Bairros” foi tirada no dia 08 de agosto de 2008, pelo fotógrafo Alberto Lima, durante uma coletiva de imprensa, que ocorreu logo após a cerimônia de sua posse quando ela foi nomeada secretária de Governo, sendo responsável pela pasta de Promoção da Igualdade Racial do Estado da Bahia (Sepromi). Luíza Bairros era gaúcha, nasceu em 1953, na cidade de Porto Alegre, onde faleceu em 2016, mas viveu e construiu parte de sua trajetória na capital baiana, onde substanciou sua militância junto ao Grupo de Mulheres do Movimento Negro Unificado (MNU). Ela era doutora em Sociologia pela Michigan State University, mestra em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), especialista em Planejamento Regional pela Universidade Federal do Ceará, e também era formada em Administração Pública e de Empresas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Além disso, ainda em vida, Luzia Bairros se tornou uma das mais respeitadas expoentes da luta pelo bem viver de pessoas negras e por direitos humanos no Brasil. A foto intitulada “Jaime Sodré e Jônatas Conceição”, como anuncia, mostra a presença de outros dois expoentes da cultura negra na Bahia. O professor e historiador, Jaime Sodré, nasceu na capital baiana, em 1947, e faleceu aos 73 anos. O poeta Jônatas Conceição nasceu em 1952, também em Salvador, e faleceu em 2009. Ele era professor universitário, radialista e militante fundador do Movimento Negro Unificado (MNU). Essa foto foi registrada em 29 de novembro de 2006, durante o lançamento do livro do professor Jaime Sodré. Para o fotógrafo Alberto Lima, o professor Jaime Sodré foi uma pessoa muito generosa, especialmente em reconhecimento de sua atuação como fotógrafo. Alberto conta que o professor Jaime Sodré fazia isso não para lhe vangloriar ou diminuir outras pessoas, mas porque o admirava. Foi através do professor Jaime Sodré que Alberto realizou uma das palestras mais importantes que já fez sobre fotografia e estéticas da negritude. A imagem que exibe o geógrafo “Jorge Conceição” foi registrada durante a

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Semana da Cultura Popular, no ano de 2012, em Salvador. Ele faleceu com 65 anos e nessa foto ele aparece com o rosto pintado de diversas cores, usando um óculos escuro e com um turbante cobrindo a cabeça. Jorge Conceição também foi professor universitário, educador social, terapeuta holístico, ator e escritor, com foco na criação de obras literárias direcionadas às crianças. Além de ter sido um pesquisador e difusor dos valores civilizatórios de culturas negras e militante da luta por direitos humanos.

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A Autora – Vilma Neres, 1984

Eu sou uma mulher negra e nordestina, filha de uma dona de casa, que por muitos anos trabalhou como empregada doméstica, e de um servente aposentado. Tanto mainha quanto pai não tiveram a oportunidade de estudar e juntos tiveram quatro filhas e um filho. Nasci no interior da Bahia, em Ipirá, mas cresci entre Salvador e o vilarejo de Olhos d’Água, zona rural de Feira de Santana. Entre 2009 e 2017, morei nas capitais de São Paulo, Rio de Janeiro e do Espírito Santo. E, atualmente, moro no complexo do Beirú, região popular da capital baiana. Entre 2001 e 2005, participei do “Jornal do Beirú”, que foi um projeto de jornalismo comunitário idealizado pela jornalista, fotógrafa e professora doutora, Márcia Guena. Durante a realização desse projeto, eu pude exercitar a escrita de textos, diagramar e praticar fotografia com uma Nikon FM 10. O que me influenciou diretamente na escolha de fazer um curso básico de Fotografia, em 2004. No ano seguinte, iniciei o curso de bacharelado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo através do Programa

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Universidade para Todos (ProUni), com bolsa de 100%, justamente com o objetivo de poder exercer a profissão de fotojornalista. Mas, ao perceber já em 2007 a falta de oportunidades provocadas pelo racismo e sexismo, eu desistir de trabalhar nessa área de fotografia. Hoje, profissionalmente, eu trabalho como fotógrafa de famílias, pesquisadora autônoma e com costura criativa. Sou jornalista e mestra em Relações Étnico-Raciais, com ênfase em “Campo Artístico e Construção de Etnicidades”. Realizei essas formações, respectivamente, através do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia, do Centro Universitário Jorge Amado e do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca. Desde 2012, eu reconheço que sou uma fotógrafa profissional focada no registro de memórias afetivas de famílias, sem distanciar-me do objetivo de retornar à vida acadêmica. Mas já realizei trabalhos como realizadora e produtora-executiva de obras cinematográficas, professora universitária, educomunicadora, gestora de projeto social, fotojornalista, repórter e assessora de comunicação. Interesso-me tanto pela produção textual quanto pela escrita com a luz e acolho inspiração em minha própria trajetória de vida. Mas também busco orientações a partir de diferentes leituras de ver o mundo através de expressões visuais, musicais, cinematográficas, literárias, culturais e, especialmente, nos percursos de vida de fotógrafas e de fotógrafos negros que vieram antes de mim, a exemplo de Seydou Keita, José Ezelino, Gordon Parks, Walter Firmo, Deborah Willis, Edson Porto, Irene Santos, Lita Cerqueira, Januário Garcia, Rita Conceição, Antônio Olavo, Márcia Guena, Eustáquio Neves, Lázaro Roberto, José Andrade, Jorge Ferreira, Bauer Sá, Marcelo Reis, Eliária Andrade, João Maia (Fotografia Cega), Carrie Mae Weems, Valéria Martins, Sophia Barrett, Adriana Medeiros, Léo Ornellas, Zanele Muholi, Ierê Ferreira, Osvaldo Guilherme, Antônio Terra, Henrique Esteves, Alberto Lima, Adama Delphine Fawundu, Angèle Etoundi Essamba, Laylah Amatullah Barrayn, Polly Irungu; e, mais recentemente, nas histórias de vida de Aparecida Silva, Dora Sousa, Áurea Sant’Anna, Sônia Chaves e Salete Maso. No campo do cinema, fiz a produção-executiva do filme “The return”, em 2016, com roteiro e direção de David Romberg, e também a produçãoexecutiva do curta-metragem de animação infantil “Nana & Nilo e o tempo de brincar” e do DVD musical “Nana & Nilo e os animais”, ambos com roteiro do

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filósofo Renato Noguera, direção de Sandro Lopes (1979-2021), que faleceu recentemente em razão de complicações provocadas pela Covid-19. Em 2010, fui assistente de direção do curta-metragem “Mumbi: 7 cenas pós Burkina”, roteiro e direção de Viviane Ferreira; fotógrafa de still do filme “Jennifer”, roteiro e direção de Renato Cândido. Em 2008, em parceria com a jornalista e pesquisadora, Danila Conceição, fizemos a produção, gravação, direção e roteiro do documentário “Mocambos Invisíveis”. No ano seguinte, participamos do terceiro “Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul – Brasil, África e Caribe”, com o documentário “Mocambos Invisíveis”, o qual também, nesse mesmo ano, foi finalista na categoria de Produção Universitária da 37ª edição do Festival de Gramado. Avalio que essas minhas vivências no campo das artes e também da pesquisa acadêmica estão interligadas às experiências que vivo até o presente. Porque o meu ingresso na área de fotografia ocorreu a partir de um interesse pessoal, mas no decorrer dessa conquista eu descobri que essa importância que dou a fotografia, talvez, se desenvolveu em consequência de um trauma que experienciei entre a minha infância e adolescência. Pois, entre 1994 e 1995, de maneira traumática, eu tive a primeira experiência como modelo fotográfica dentro de um estúdio de fotografia. Mas eu nunca tive acesso às fotos que refletiam a singularidade de meu corpo ainda criança, porque a minha família não pôde pagar por aquele serviço de fotografia. Nas próximas páginas, compartilho imagens que, tendo o afeto como foco, representam o meu estilo de escrever com a luz. A leitura fica por conta de você, cara leitora e/ou leitor.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS “É preciso a imagem para recuperar a identidade. Tem-se que tornar-se visível, porque o rosto de um é o reflexo do outro, o corpo de um é o reflexo do outro e em cada um o reflexo de todos os corpos. A invisibilidade está na raiz da perda da identidade. Então, eu conto a minha experiência (…).” Beatriz Nascimento (1989)

A reflexão acima é de autoria da historiadora sergipana, poeta, quilombola urbana e ativista, Beatriz Nascimento (1942-1995). Ela disse isso em 1989, quando narrou e roteirizou o documentário histórico “Ôrí”, dirigido por Rachel Gerber. Eu sempre busco me ancorar nesse pensamento para seguir enquanto uma fotógrafa e pesquisadora, preocupada com a construção e a fixação de memórias através da fotografia e também da pesquisa. Embora o direito de acesso à educação e à internet ainda não seja garantido de forma plena a todas as pessoas. Ainda assim, nós temos a possibilidade de produzir e divulgar as nossas narrativas, e ainda de não permitirmos o rompimento do fio da memória, já que a documentação é um dos recursos de construção da memória social. Conforme se constata na pesquisa mundial “The State of News Photography”, realizada por Adrian Hadland e Camilla Barnett, um total de 80% dos fotógrafos que participaram dos concursos “World Press Photo” são homens brancos. Desse total, apenas um por cento se identifica como fotógrafo negro, proporção correspondente ao total de 5.202 fotógrafos e fotógrafas, localizadas em mais de 100 países, que responderam ao questionário da pesquisa de modo online. Embora essa pesquisa apresente dados relacionados ao número de profissionais que participaram do concurso anual World Press Photo, entre 2015 e 2018, ainda assim é possível afirmar que o campo da fotografia tem um longo caminho a percorrer em direção à igualdade de oportunidades entre pessoas brancas e não brancas, no mundo e no Brasil. Essa pesquisa foi publicada através da Stirling University e da World Press Photo Foundation (WPPF), no ano de em 2018. Apesar desses dados, existem algumas ações em andamento com objetivo de difundir trajetórias e as narrativas visuais de fotógrafas negras e de fotógrafos 103


negros. No Brasil, por exemplo, vem surgindo diversos projetos de pesquisa e também coletivos de fotógrafas negras e de fotógrafos negros, com intuito justamente de promover a escrita com a luz e essas experiências na área de fotografia. Mas, antes das mídias digitais, no início da década de 1990 já existia o acervo “ZUMVI – Arquivo Fotográfico” (@zumviarquivofotografico), fundado pelos fotógrafos baianos Lázaro Roberto, Raimundo Monteiro e Aldemar Marques. O ZUMVI reúne mais de 30 mil imagens sobre as manifestações culturais e políticas lideradas por movimentos sociais e negros na Bahia e em outros estados do nordeste. No Rio Grande do Norte, com o objetivo de mapear, catalogar e de divulgar trajetórias de fotografas negras e de fotógrafos negros contemporâneos, encontra-se o “Projeto Olhos Negros” (@projeto.olhosnegros), que é coordenado pelo professor, fotógrafo e pesquisador, Daniel Meirinho. O “Projeto Olhos Negros” é realizado dentro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e a equipe ainda é composta pelo professor Rodrigo Almeida, pela turismóloga Patrícia Amorim e estudantes de Comunicação Social na UFRN, a exemplo de Richardson Souza, Gabriel Ripardo, Kelen Gladson, Rafael Lima, Carmem Felix, Luan Conceição, Érica Ricelle, Mirelly Sampaio e Sabrina Campos. No Ceará, com proposta parecida, entretanto, a atuação acontece apenas no espaço virtual, existe a ação de alguns coletivos de fotógrafas negras e de fotógrafos negros em representação de diversos estados brasileiros. Um desses é o grupo “Fotógrafas Negras” (@fotografasnegras) que se propõe em produzir e propagar o Mapeamento de Fotógrafas Negras Brasileiras. Na Bahia, existe o projeto de pesquisa “Panorama da Fotografia na Bahia – 2020/2021”, focado no mapeamento de artistas visuais, especialmente de fotógrafas e fotógrafos de diversas origens étnico-raciais, que usam a prática fotográfica como meio de expressão. Essa pesquisa tem sido realizada através de entrevistas gravadas por videoconferência, e é realizada pelo jornalista, fotógrafo e diretor fundador do Instituto Casa da Photographia, Marcelo Reis. Fundado na cidade de Serra, no Espírito Santo, pela fotógrafa Naira Pinudo e a jornalista Lorraine Paixão, o coletivo “Aya Fotonarrativas” (@aya. fotonarrativas) desenvolve projetos fotográficos e de comunicação, focados em questões de negritude, periferia, Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBTQI+). Ainda no Espírito Santo, há também

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a existência do coletivo “Foto Melanina” (@fotomelanina), que enfatiza a produção de imagens relacionadas a estética de pessoas negras. Foto Melanina foi idealizado pela fotógrafa Iaiá Rocha, mas a equipe conta a participação de Castiel Vitorino, Brenda Lima, Andreia Quitéria, Isabella do Rosário, Thaís Almeida e Jadson Titânio. Existe também o Coletivo Negros Fotógrafos (@ fotografosnegros), que busca fortalecer e publicar trabalhos de fotógrafos negros ligados ao universo da imagem no Brasil e em outros países. No estado do Rio de Janeiro, o coletivo de fotógrafas negras intitulado “Negras [Fotos]Grafias” (@negrasfotosgrafias) foi criado pelas fotógrafas Adriana Medeiros, Ana Paula Ribeiro, Bárbara Copque, Débora Santana, Simone Rico, Thaís Rocha, Thaís Alvarenga, Aparecida Silva e Tete Silva. Negras [Foto] Grafias busca fortalecer umas as outras, além de desenvolverem estratégias para propagar reflexões sobre narrativas fotográficas. Nesse mesmo estado, existe ainda o “Coletivo de Fotógrafos Negros” (@coletivodefotografosnegros), criado pelos fotógrafos Henrique Esteves, José Andrade, Jorge Ferreira, Osvaldo Guilherme, Carlos Júnior e Afronaz Kauberdianuz. No continente africano, especificamente no Mali, durante 30 dias a cada dois anos, desde 1994, acontece um evento intitulado “Rencontres de Bamako – Biennale Africaine de la Photographie”, que tem Eustáquio Neves, sendo o único fotógrafo brasileiro, até então, como participante assíduo desse importante evento de fotografia no continente africano. Durante esse evento ocorrem mostras de fotografias, debates, workshops e intercâmbio cultural e artístico entre fotógrafas e fotógrafos oriundos de países africanos e de sua diáspora, além de reunir curadores(as), galeristas e pessoas, em geral, interessadas por fotografia. Nesse mesmo país, existe também a “Association des Femmes Photographes du Mali” (AFPM), que é uma associação de mulheres que se apoiam com trocas de conhecimento e para encorajar outras mulheres daquele país a se inserirem no campo das artes e, mais especificamente, da fotografia. Na Europa, com sede em Londres e sediada em um prédio de cinco andares, a Autograph (“Associação de Fotógrafos Negros”) foi fundada em 1988, com o objetivo de apoiar e difundir narrativas que tenham como foco questões de identidade, representação, direitos humanos e justiça social. A Autograph, que já foi apadrinhada pelo sociólogo jamaicano Stuart Hall (19322014), é dirigida por Mark Sealy. Talvez, essa seja a única instituição pensada

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e gerenciada para promover as narrativas visuais de pessoas negras, não só dentro do Reino Unido, mas em todo o mundo. Nos Estados Unidos, a fotógrafa, historiadora, pesquisadora, autora e curadora, Debora Wills, concentra-se na criação, produção e publicação de livros sobre fotografia e trajetórias sociais de fotógrafas e fotógrafos negros estadunidenses. Duas dessas publicações de referência para mim são: “Reflections in Black: a history of black photographers 1840 to the present” e “Posing Beauty: african american images 1890s to the present”. Outra obra importante é “Antologia da fotografia africana e do oceano Indico – séculos XIX e XX”, organizada por Pascal Martin Saint Léon e N’Goné Fall, publicada em português pela editora Revue Noire. No ambiente virtual, a “Black Women Photographers” (@blackwomenphotographers) funciona como uma comunidade global e foi fundada por Polly Irungu, que é jornalista e fotógrafa estadunidense. A BWP é focada na promoção de trajetórias de fotógrafas negras em todo o mundo, através do diálogo, workshops e também da difusão do acervo das fotógrafas associadas. Com um nome parecido ao anterior, o grupo global “Black Female Photographers” (@blackfemalephotographers) foi criado pela fotógrafa estadunidense Kym Scott, com objetivo de incentivar a irmandade entre mulheres negras que atuam profissionalmente como fotógrafas, direcionada na promoção de ações de formação e rede de apoio. Já a “Women Photographers of the African Diaspora” (MFON) trata-se de uma publicação criada pela fotógrafa Laylah Amatullah Barrayn e pela crítica e artista visual, Adama Delphine Fawundu. A MFON busca revelar tanto as trajetórias quanto as narrativas de fotógrafas negras em o todo mundo. Considero que deve existir outras ações em afirmação da presença de fotógrafas negras e de fotógrafos negros no Brasil. Só precisamos reconhecer essas atuações como exemplos de potências humanas nos espaços de fotografia. Consequentemente, com este livro “A escrita com a luz das fotoescrevivências”, eu não busco legitimar a existência de uma estética fotográfica negra, apenas a existência e a resistência dessas pessoas enquanto profissionais de imagem. Mas procuro identificar esses olhares como reflexos de pessoas conscientes e que buscam compartilhar a experiência de viverem em uma sociedade como a brasileira. Por fim, espero que este livro possa circular nos espaços de fotografia, servir de material de apoio em sala de aula e nas rodas de conversa. Saúde e vacina contra a Covid-19 para todas, todos e todes nós! 106


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Fontes e Bibliografia

1. Entrevistas CERQUEIRA, Lita. Lita Cerqueira em entrevista presencial concedida a Vilma Neres. A escrita com a luz das fotoescrevivências. Ligação telefônica por áudio gravação, em 17/01/2021 (60 minutos). CHAVES, Sônia. Sônia Chaves em entrevista virtual concedida a Vilma Neres. A escrita com a luz das fotoescrevivências. Plataforma ZOOM, em 16/01/2021 (50 minutos). CONCEIÇÃO, Rita. Rita Conceição em entrevista virtual concedida a Vilma Neres. A escrita com a luz das fotoescrevivências. Plataforma ZOOM, em 21/01/2021 (100 minutos). LIMA, Alberto. Alberto Lima em entrevista presencial concedida a Vilma Neres. A escrita com a luz das fotoescrevivências. Salvador (BA), em 12/01/2021 (90 minutos). SANTOS, Lázaro Roberto. Lázaro Roberto em entrevista presencial concedida a Vilma Neres. A escrita com a luz das fotoescrevivências. Salvador (BA), em 19/01/2021 (60 minutos). SANT’ANNA, Áurea. Áurea Sant’Anna em entrevista virtual concedida a Vilma Neres. A escrita com a luz das fotoescrevivências. Plataforma ZOOM, em 19/01/2021 (100 minutos). SOUSA, Dora. Dora Sousa em entrevista virtual concedida a Vilma Neres. A escrita com a luz das fotoescrevivências. Plataforma ZOOM, em 21/01/2021 (90 minutos). 2. Filme ÔRÍ. Direção de Raquel Gerber; Roteiro e narração de Beatriz Nascimento. Brasil: Estelar Produções Cinematográficas e Culturais Ltda, 1989, vídeo, 92 109


min, colorido. Disponível em <https://youtu.be/XJYct4MGuYk>, acesso em 05/02/2021. 3. Bibliografias consultadas BAHIA. Governo do Estado. Secretaria de Cultura. IPAC. Festa da Boa Morte/ IPAC. – Salvador: Fundação Pedro Calmon; IPAC, 2011. 122 p.: il. – (Cadernos do IPAC, 2). Disponível em: <http://agentesculturais.com.br/wpcontent/uploads/2017/03/Festa-da-Boa-Morte.pdf>, acesso em 02/02/2021. BISPO, Vilma Neres. Trajetórias e olhares não convexos das (foto) escre(vivências): condições de atuação e de (auto)representação de fotógrafas negras e de fotógrafos negros contemporâneos. 2016. Dissertação (Mestrado em Relações Étnico-Raciais) CEFET/RJ, Rio de Janeiro, 2016. Disponível em: <http://dippg.cefet-rj.br/pprer/attachments/article/81/52_Vilma%20 Neres%20Bispo.pdf >. Acesso em: 31/01/2021. EVARISTO, Conceição. A Escrevivênvia e seus subtextos/ Conceição Evaristo. In: Escrevivência: a escrita de nós: reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo / organização Constância Lima Duarte, Isabella Rosado Nunes; ilustrações Goya Lopes. -- 1. ed. – Rio de Janeiro: Mina Comunicação e Arte, 2020. __________________. Escrevivências da Afro-Brasilidade: história e memória. In: REVISTA RELEITURA – ISSN1980-3354, Belo Horizonte, Fundação Municipal de Cultura, novembro, nº 23, 2008, pp.1-17. Disponível em: <http://nossaescrevivencia.blogspot.com/2012/08/escrevivencias-daafro-brasilidade.html>. Acesso em: 22/01/2021. __________________. Gênero e Etnia: uma escre(vivência) de dupla face/ Conceição Evaristo. In: SEMINÁRIO NACIONAL X MULHER E LITERATURA – I Seminário Internacional Mulher e Literatura/ UFPB – 2003, pp.1-15. Disponível em: <http://migre.me/qdDJf>. Acesso em: 10/01/2021. HALL, Stuart. Que “Negro” é esse na cultura negra/ Stuart Hall. In. Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Org. Liv Sovik; tradução Adelaine La Guardia Resende et al. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013, Pp- 352-388. HADLAND, Adrian; BARNETT, Camilla Barnett. The State of News Photography/ Adrian Hadland e Camilla Barnett. Reino Unido: Stirling University; World Press Photo Foundation, 2018. Disponível em: <https://www. 110


worldpressphoto.org/getmedia/4f811d9d-ebc7-4b0b-a417-f119f6c49a15/ the_state_of_news_photography_2018.pdf >, acesso em 01/02/2021. NASCIMENTO, Elisa; GÁ, Luiz Carlos. Adinkra: sabedoria em símbolos africanos / Elisa Larkin Nascimento e Luiz Carlos Gá, organizadores. - Rio de Janeiro: Pallas, 2009. RATTS, Alex. Eu sou atlântica: sobre a trajetória de vida de Beatriz Nascimento. São Paulo: Instituto Kuanza, 2006. ISBN 85-7060-359-2. Disponível em: <http://www.imprensaoficial.com.br/PortalIO/download/pdf/ projetossociais/eusouatlantica.pdf>, acesso em: 06/01/2021. SANTOS, Luane Bento dos. Entre Tramas e Adornos: o legado africano de trançar cabelos por uma perspectiva do patrimônio cultural/ Luane Bentos do Santos. Revista Ensaios e Pesquisa em Educação e Cultura. Rio de Janeiro, 2019.1 / VOL. 06. Pp. 63-75. Disponível em: <http://costalima.ufrrj.br/index. php/REPECULT/article/download/276/621>, acesso em 25/02/2021. VERCOUTTERP, Jean. Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã/ Jean Vercoutter. In.: História geral da África, I: Metodologia e pré-história da África / editado por Joseph Ki-Zerbo. – 2.ed. rev. – Brasília: UNESCO, 2010. Pp. 803-832.

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Legenda das fotografias Capa: Série autoral “Fotoescrevivências: diálogos para a escrita com a luz”, na foto: Akili Marjane e Evelyn Bispo. Salvador (BA), 2021. Foto: Vilma Neres. Página 11: Série autoral “Fotoescrevivências: diálogo entre fotógrafas”, na foto: Akili Marjane e Evelyn Bispo. Salvador (BA), 2021. Foto: Vilma Neres. Página 19: Série autoral “Fotoescrevivências: a fotógrafa com seu daguerreótipo”, na foto: Akili Marjane. Salvador (BA), 2021. Foto: Vilma Neres. Página 21: Lita Cerqueira. Rio de Janeiro (RJ), 2014. Foto: Vilma Neres. Página 27: “Fotógrafo camelô”, Terreiro de Jesus – Salvador (BA), 1976. Foto: Lita Cerqueira. Página 28: “Baiana de acarajé”, Salvador (BA), 1976. Foto: Lita Cerqueira. Página 29: “Feirante vendedor de melancia”, Cachoeira (BA), 1984. Foto: Lita Cerqueira. Página 30: “Senhora na janela”, Portão – Lauro de Freitas (BA), 1989. Foto: Lita Cerqueira. Página 31: “Meninas rendeiras”, Ilha de Maré – Salvador (BA), 1976. Foto: Lita Cerqueira. Página 33: Sônia Chaves. Salvador (BA), 2020. Foto: Arquivo pessoal. Página 37: “Saudação a Oxum na Festa Bembé do Mercado”, Santo Amaro (BA), 2015. Foto: Sônia Chaves. Página 38: “Festa de Iemanjá”, Ilha de Itaparica (BA), 2016. Foto: Sônia Chaves. Página 39: “Festa do Bembé na praia de Itapema”, Santo Amaro (BA), 2017. Foto: Sônia Chaves. Página 40: “Presente do Bembé”, Praia de Itapema – Santo Amaro (BA), 2018. Foto: Sônia Chaves. Página 42: Dora Sousa. Salvador (BA), 2021. Foto: Arquivo pessoal. Página 47: “Dona Ana, querida”, Santo Antônio – Salvador (BA), 2018. Foto: Dora Sousa.

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Página 48: “Olhar e poder”, Liberdade – Salvador (BA), 2019. Foto: Dora Sousa. Página 49: “Para mamãe”, Rio vermelho – Salvador (BA), 2020. Foto: Dora Sousa. Página 50: “Reconvexidades”, Itapuã – Salvador (BA), 2019. Foto: Dora Sousa. Página 52: Lázaro Roberto. Salvador (BA), 2021. Foto: Vilma Neres. Página 57: “Bailarinos Ava e Edi”, Escola de Medicina, Terreiro de Jesus – Salvador (BA), 1982. Foto: Lázaro Roberto. Página 58: “Jovens percussionistas do Bloco Rastafári”, Subúrbio Ferroviário – Salvador (BA), 1992. Foto: Lázaro Roberto. Página 59: “Trançadeira Isodelia”, bairro de Novos Alagados, Subúrbio Ferroviário – Salvador (BA), 1992. Foto: Lázaro Roberto. Página 60: “Vendedor de verduras”, Feira de São Joaquim” - Salvador (BA), 1993. Foto: Lázaro Roberto. Página 61: Série “Cabeça feita”, Salvador (BA), 2014. Foto: Lázaro Roberto. Página 63: Rita Conceição Cliff. Foto: Arquivo pessoal. Página 68: “Baiana”, Festa da Lavagem do Bonfim – Salvador (BA), 2004. Foto: Rita Conceição. Página 69: “Mãe Filhinha”, Irmandade da Boa Morte – Cachoeira (BA), 1999. Foto: Rita Conceição. Página 70: “Irmandade Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos”, Salvador (BA), 1996 Página 71: “Capoeira de Angola”, Pelourinho – Salvador (BA), 1987. Foto: Rita Conceição. Página 72: “Manifestação contra FHC”, Avenida 7 de Setembro – Salvador (BA), 1999. Foto: Rita Conceição. Página 74: Áurea Sant’Anna. Salvador (BA), 2020. Foto: Arquivo pessoal. Página 78: “Esperando o Samba”, Cachoeira (BA), 2016. Foto: Áurea Sant’Anna. Página 79: “Procissão em Luz e Fé”, Cachoeira (BA), 2019. Foto: Áurea Sant’’Anna.

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Página 80: “Pelourinho da Fé”, Pelourinho – Salvador (BA), 2019. Foto: Áurea Sant’’Anna. Página 81: “Presente para Iemanjá”, Ponta de Areia – Itaparica (BA), 2019. Foto: Áurea Sant’’Anna. Página 82: “Menino e o Rio”, Cachoeira (BA), 2018. Foto: Áurea Sant’’Anna. Página 84: Alberto Lima. Foto: Acervo pessoal. Página 90: “Yalorixá Hilda Jitolú”, Salvador (BA), em 30/05/2009. Foto: Alberto Lima. Página 91: “Abdias do Nascimento”, Salvador (BA), em 17/03/2008. Foto: Alberto Lima. Página 92: “Luíza Bairros”, Salvador (BA), em 08/08/2008. Foto: Alberto Lima. Página 93: “Jaime Sodré e Jônatas Conceição”, Salvador (BA), em 29/11/2006. Foto: Alberto Lima. Página 94: “Jorge Conceição”, Salvador (BA), em 2012. Foto: Alberto Lima. Página 96: Vilma Neres. Salvador (BA), 2019. Foto: Tainan Lopes. Página 99: “Andar com Axé”, Lavagem do Bonfim – Salvador (BA), 2008. Foto: Vilma Neres Página 100: “Bailarina Sara Sacramento”, Salvador (BA), 2019. Foto: Vilma Neres Página 101: “Família Jesus”, na foto: Lívia, Alessandro e a herdeira do casal, Melissa, Salvador (BA), 2020. Foto: Vilma Neres. Página 102: “Cumplicidade e afeto”, na foto: Paula Janaína Silva e herdeiros”, Jardim Botânico do Rio de Janeiro (RJ), 2014. Foto: Vilma Neres. Página 107: Série autoral “Fotoescrevivências: a fotógrafa com seu daguerreótipo”, na foto: Evelyn Bispo. Salvador (BA), 2021. Foto: Vilma Neres.

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Título: A escrita com a luz das fotoescrevivências Autora: Vilma Neres Identidade visual: Arthur Azevedo Projeto gráfico e diagramação: Welon Santos Revisão de texto: Elisângela Santos Prefácio: Márcia Guena Foto da capa: Vilma Neres Foto da contracapa e miolo – imagem de textura de pele: PixieMe Reprodução fotográfica (fotos de Lita Cerqueira): Vilma Neres Reprodução fotográfica (fotos de Rita Conceição): Rita Conceição Formato: Portable Document Format - PDF Distribuição gratuita e digital Tamanho da página: 160 x 240 mm Tipografia principal: Aviano Flare Tipografia secundária: Zaphumnst Número de páginas: 114

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