A histรณria dos catรกlogos alunos: Clรกudia Camelo e Vinicius Santos
UFMG 23 nov 2018
Trabalho apresentado na disciplina Arte e Museus no Brasil, ministrado por Carolina Ruoso, no curso de graduação em museologia - UFMG.
O QUE É UM CATÁLOGO? Um catálogo de exposições é um livro, geralmente impresso que descreve ou deve mostrar evidências de um evento histórico: uma exposição. Os catálogos de exposições são uma fonte primordial para refazer a tomada de fatos e conhecimento dentro do campo da arte. Desde sua primeira aparição no séc. 17 (Salon de l'Académie, Paris, 1673) até o seu uso contemporâneo em meio às periferias da economia da arte global, eles têm variados tamanhos, conteúdos e propósito. Catálogos podem ser usados p ara descrever e analisar a arte para além da singularidade de um histórico evento, além da originalidade de um indivíduo artista, e até mesmo de uma única obra de arte.
Catalogue of the International Exhibition of Modern Art, 1913
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“Artistas e curadores eram versados em história da arte e entendiam que se uma exposição deve possuir uma importância duradoura além de sua freqüentemente limitada vida útil, a temporalidade da instalação original precisa ser transmutada em um formato permanente. Dessa maneira ela pode alcançar muitas pessoas e viajar ao redor do mundo. Além de documentar o conteúdo da exposição, o catálogo pode também oferecer um contexto e guia para como o trabalho deveria ser interpretado.” James Bettley
SURGIMENTO DOS CATÁLOGOS O catálogo artístico (de exposições temporárias, de acervos permanentes, de feiras etc.) parece passar a afirmar sua funcionalidade contemporânea a partir dos anos 1910, na companhia dos manifestos da vanguarda e da modernização do comércio de obras de arte. Sua importância no sistema das artes cresceu vigorosamente. O desabrochar decisivo do catálogo teria se dado no século XVII, como fruto do renascimento, tanto na forma de livro (códice, rolo etc.) como de espaço topográfico de coleção (o jardim botânico, por exemplo). Para Anne Dorothee Böhme, a França teria sido o país mais influente no avanço desse gênero. Ela indica como primeiro catálogo de arte impresso como sendo publicado pela Académie Royale, em Paris, em 1673. Ainda não teria nome de catálogo, mas era um guia para percorrer os salões cobertos de pinturas com etiquetas numeradas (The Consistency, 2003, p. 2 do encarte de Böhme).
A exposição The Art of the Book, 2001, organizada pelo Victoria and Albert Museum, de Londres, com seleções de seu acervo, reconheceu no seu próprio catálogo a importância desse tipo de publicação e a consciência que todos os envolvidos têm disso. E existem ainda catálogos convencionais que não representam exposição real alguma, como os organizados para leilões, além dos catálogos camuflados ou travestidos de convencionalismo que são eles mesmos a exposição. Para o segundo caso, escancara-se todo um universo de possibilidades dinâmicas e inquietantes. Marcantes nesse gênero são trabalhos como o Xerox Book, de 1968, ou algumas coletâneas da page art, inserções gráficas que têm o limite da página como espaço para expressão. O Xerox Book, como ficou conhecido, foi um dos pioneiros da “galeria” de Seth Siegelaub, em Nova York.
Xerox Book: https://www.youtube.com/watch?v=85wsUOaqCN8
Xerox Book, Seth Siegelaub,1968
Segundo Seth Siegelaub, comunicação diz respeito à arte de três modos. 1) artistas conhecendo o que outros artistas estão fazendo. 2) a comunidade artística sabendo o que os artistas estão fazendo. 3) o mundo sabendo o que os artistas estão fazendo. Talvez seja cínico, mas eu tendo a pensar que arte é para artistas. Ninguém se liga em arte como os artistas se ligam. [...] É aí que eu entro. O ponto é “objetivar” a obra do artista. E isso é uma questão de números. Concerne a mim fazê-lo conhecido por multidões. [...] A arte que eu estou interessado pode ser comunicada por livros e catálogos. (The artist publisher, 1986, p. 9)
Things are queer, Duane Michals, 1973
Things are queer, Duane Michals, 1973 Serie de 9 fotografias
COMO SE FAZ UM CATÁLOGO? Segundo a Women’s Caucus for Art, instituição americana que promove o fortalecimento das mulheres no campo das artes, existem diversos modos de fazer um catálogo. Dessa forma, apresentamos a seguir um relato da artista Arabella Decker e seu modo de fazer um catálogo de exposições ou livro de artista:
Razão para criar catálogos: “Eu descobri que um catálogo é a prova de que um evento ocorreu. Sem documentação impressa e disponível, as pessoas esquecem quem e o que foi mostrado depois que a exibição acabou. Em caso de desastre (como incêndio ou inundação), o catálogo pode ser a prova sobre o nível profissional do artista. O fato de os catálogos serem mantidos em muitas mãos garante a sobrevivência das informações. Para a edição dos catálogos, são necessários: 1. Primeiramente todas as imagens devem ser tiradas (300 dpi recomendado) 2. As declarações devem ser escritas e editadas 3. Páginas projetadas 4. Páginas impressas 5. Páginas coladas 6. Páginas e capa juntas e encadernadas
Exposição mulheres radicais Sandra Eleta (Panamenha, 1942), Edita (la del plumero), Panamá, 1977, da série La servidum-
Existem algumas armadilhas de um catálogo criado internamente: 1. Se não tem um número ISBN(sistema de cadastro e identificação de livros), tem menos valor para pesquisadores. 2. Os artistas geralmente escrevem páginas sem sentido sem relação com o trabalho mostrado. 3. A gramática, ortografia e estrutura das frases devem ser verificadas um editor experiente. 4. As pessoas geralmente querem mais catálogos do que as encomendadas e impressas. Video com orientações técnicas no uso do Indesign e um exemplo onde o editor do catálogo se inspirou nos sketchbooks dos arquitetos https://www.youtube.com/watch?time_continue=435&v=xrkOomZ8CjM
QUAL SEU CONTEÚDO? A maioria dos catálogos que conhecemos atualmente fornece lista de todos os artistas ou coletivos expostos. Depois de cada nome de expositor, os catálogos costumam adicionar uma lista de obras de arte com seus títulos, às vezes o menção de seus coletores, dimensões, preço, localização, etc. Em muitos catálogos, expositores são listados com sua nacionalidade ou lugar ou nascimento, freqüentemente o endereço da galeria que representa eles, ou até mesmo seu próprio endereço. Os historiadores de arte estão acostumados com catálogos de exposições para encontrar informações muito precisas, como o nome de uma obra de arte, ou as datas exatas de um dado exibição. Podemos chamar isso de uso monográfico da fonte. Mas muito mais pode ser encontrado em catálogos de exposições.
TESTEMUNHO Desde os Salões Parisienses do século XIX até os dias de hoje o formato literário de catálogos de exposições sempre respondeu a uma gama de necessidades: listar coisas, artistas, obras de arte, nomeá-los, manter um rastro de algo efêmero. As listagens, onipresentes em catálogos, também revelam um modo de pensar testemunhal: “Quem e o que é ou estava lá? Podemos distinguir pelo menos três graus comuns de informação que são encontrados através de suas páginas: factual, discursiva, e informação relacional.
Factual - fornecem uma conta documentada de um acontecimento histórico e dos encontros de pessoas, idéias e obras de arte que são constituintes de uma exposição. Como tal, eles dão (ou devem dar) elementos factuais sobre os participantes, seus nomes, às vezes sua nacionalidade, seu endereço, sua idade, etc., e sobre as obras exibidas - títulos, formatos, meio, data da obra de arte, um menção de sua galeria, etc.
Discursiva - os catálogos são geralmente de autoria de curadores ou até mesmo os participantes do exposição, eles são assim investidos por esses atores como meio de se comunicar indiretamente para o resto do que Howard Becker chamou de “mundos” das artes - e especialmente para o mercado de arte. Os catálogos podem, portanto, ser vistos como um palimpsesto narrativo nos quais informações factuais são bordadas com visões ideológicas ou situadas em geografia, sociologia, economia, teoria e história. Relacional - terceiro fio de informação, o relacional, deriva do editorial, pictórico ou escolhas narrativas. De fato, enquanto desenvolvem seus próprios vistas da cena artística, os autores de catálogos também podem revelar sua posição e ambição dentro dele. Eles participam da produção estética e de idéias, classificações sobre a história da arte, bem como para a constituição de representações e esquemas de interpretação. Relações de poder, mercado, revistas e outros mídia, crítica, importação e tradução, redes de sociabilidade, instituições de ensino, arte mercado e curadores. Questões políticas e sociais contextuais também podem ser encontradas, como o exemplo do início do século XX, onde os salões de arte citava artistas vindos “da Polônia”, enquanto a Polônia não existia de fato, mas estava em processo de independência. Reivindicar a nacionalidade polaca era um ato político claro contra os imperialismos russo e alemão. OBS: podem não mostrar exatamente as obras em exposição.
Os catálogos de exposições se tornaram elo decisivo entre artistas e colecionadores presentes no mercado da arte. Como o mercado de arte é um lugar onde o valor é negociado, em vez de ser fixada antecipadamente, catálogos podem ser vistos como uma ferramenta para inflar valor de mercado de uma corrente artística ou artista individual. A inclusão de nomes de colecionadores em exposições e seus catálogos indica ainda a interpenetração entre o mercado da arte e o público, onde o ato de constar o dono de uma obra de arte pode provocar competição entre potenciais compradores. Um exemplo demonstrado pela Artl@s Project coloca essa função do catálogo como legitimador de coleções em função de outras coleções (como na competição mimética entre colecionadores como Gertrude Stein, Ivan Moroso , Sergei Chtchoukin ou Vincenc Kramar)
Para acessar o Artl@s Project, acesse: https://artlas.huma-num.fr/en/
IMPORTÂNCIA PARA A HISTÓRIA DA ARTE
Christie’s previewed Pablo Picasso’s ‘Le Marin’
Colocando as informações de catálogos em série tem provado ser uma maneira de rastrear exposições além de sua leitura em um recorte temporal, tornando-os uma ferramenta importante em uma escala histórica, social e global. Indo do estudo de caso individual para um análise quantitativa e em série, pode-se confirmar ou refutar teorias na história da arte. Pode ajudar a disciplina ir muito mais longe em termos de compreender o principais estruturas e evoluções dos mundos da arte desde os tempos modernos até hoje, especialmente quando os catálogos de exposições constituem um longo prazo, fonte estável, comensurável e global de em informação.
Um caso muito interessante na história da arte é o caminho da reputação internacional de Picasso, produzida nos anos 1910. Picasso tornou-se o mais reconhecido artista moderno na Europa desde 1914, através de um processo de transferência cultural e estratégias que evitavam Paris, enquanto a prioridade dos contemporâneos de Picasso foi para expor primeiro em Paris antes do resto da Europa. Embora fontes provenientes de galerias não sejam aberta aos pesquisadores, a circulação internacional das obras de Picasso pode ser rastreada com os catálogos produzidos no período e com fontes provenientes do contextos de recepção das suas exposições.Os mapas produzidos por um levantamento feito pelo Artl@s Project revelam que a carreira internacional de Picasso ocorreu fora de Paris depois de 1909, e foi centrado em uma rede alemã que progressivamente estendeu a reputação de Picasso à Europa Central, Rússia e os EUA. Daniel Henry Kahnweiler, que foi o revendedor de Picasso depois de 1908, adaptou a exposição para o público estrangeiro. Ele promoveu outros períodos da produção de Picasso, e fez não mostrar obras cubistas para públicos estrangeiros até outono de 1912, enquanto Picasso tinha realmente começado a desintegração cubista das formas há alguns anos atrás. Só depois de 1912, Kahnweiler se atreveu a mostrar o trabalho cubista, sempre introduzindo-os no entanto com peças anteriores que provaram Picasso tinha chegado a cubismo progressivamente. Na Alemanha e Europa Central, onde Kahnweiler desenvolveu um boa rede de colegas e colecionadores, Picasso foi rapidamente reconhecido como um excelente pintor enquanto na França, ele era controverso. Este reconhecimento estrangeiro desencadeou um processo de desejo mimético que foi essencial na construção da reputação da obra de Picasso. No caso de Picasso, catálogos colocados em série ajudou a reconstituir uma trajetória internacional, uma estratégia de exibição. A análise ajudou a preencher a informação histórica em falta, e entender uma exceção histórica precisa dentro de um contexto mais amplo (aqui, o mercado de arte moderna antes da Primeira Guerra Mundial).
CONCLUSÕES O catálogo de exposição se mostra como importante ferramenta, não somente para materializar no tempo e espaço uma exposição efêmera, mas também como instrumento para construção de conhecimento, análises e comunicação do campo da arte e história da arte. Percebe-se um déficit nos estudos da história dos catálogos no brasil. Como a museologia e interessados no mundo da arte, no contexto brasileiro, podem contribuir para a história da arte a partir da história dos catálogos de exposições e livros de artista?
CONTEÚDOS A digitalização de catálogos de exposições já realizadas durante o tempo ainda encontra dificuldades por motivos de direitos autorais. Apesar disso, é possível encontrar museus e bancos de dados que fornecem em formato digital. Abaixo algumas fontes: Artl@s Project - https://artlas.huma-num.fr/en/ Guggenheim - https://archive.org/details/guggenheimmuseum CCBB - http://culturabancodobrasil.com.br/portal/categoria/catalogos/ Biblioteca Nacional Brasil - https://bndigital.bn.gov.br/dossies/biblioteca-nacional200-anos/as-exposicoes/catalogos-das-exposicoes-1866-1952/ Museu Coleção Berardo Portugal - http://pt.museuberardo.pt/publicacoes/ cat%C3%A1logos-de-exposi%C3%A7%C3%B5es Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular - http://www.cnfcp.gov.br/interna. php?ID_Secao=124 MoMA - https://www.moma.org/calendar/exhibitions/ history?=undefined&page=&direction= Biblioteca Nacional Argentina - https://www.bn.gov.ar/micrositios/exposiciones Museu do Prado - https://www.museodelprado.es/aprende/biblioteca/bibliotecadigital/buscador?efrbrer:p3009_has_form_of_manifestation=cat%C3%A1logos%20 de%20la%20colecci%C3%B3n%20y%20de%20exposiciones Metropolitan NY - https://metmuseum.org/art/metpublications/notable-exhibitioncatalogues