Tipografia pintada no Centro do Rio de Janeiro.

Page 1

Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Tecnologia e CiĂŞncias Escola Superior de Desenho Industrial

Vinicius Freitas da Silva GuimarĂŁes

Tipografia pintada no Centro do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro 2011


Vinicius Freitas da Silva Guimarães

Tipografia pintada no Centro do Rio de Janeiro

Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-graduação em Design, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Orientador: Prof. Dr. Washington Dias Lessa

Rio de Janeiro 2011


CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/BIBLIOTECA CTC/G

G963

Guimarães, Vinicius Freitas da Silva. Tipografia pintada no Centro do Rio de Janeiro / Vinicius Freitas da Silva Guimarães. - 2012. 152 f. : il. Orientador: Washington Dias Lessa. Dissertação (Mestrado). Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Escola Superior de Desenho Industrial. 1. Tipografia – Rio de Janeiro - Teses. 2. Design vernacular - Teses. 3. Pintor de letras - Teses. 4. Letristas – Teses. I. Lessa, Washington Dias. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Escola Superior de Desenho Industrial. III. Título. CDU 655(815.3)

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação, desde que citada a fonte.

_______________________________________ Assinatura

_____________________ Data


Vinicius Freitas da Silva Guimarães

Tipografia pintada no Centro do Rio de Janeiro

Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-graduação em Design, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Aprovada em 9 de setembro de 2011. Banca Examinadora:

_____________________________________________ Prof. Dr. Washington Dias Lessa (Orientador) Escola Superior de Desenho Industrial da UERJ

_____________________________________________ Prof. Dr. Marcos André Franco Martins Escola Superior de Desenho Industrial da UERJ

_____________________________________________ Prof.ª Dra. Suzana Valladares Fonseca Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro 2011


DEDICATร RIA

Para Cacรก e Maria Helena, meus doutores da alegria.


AGRADECIMENTOS

À minha família pelo apoio e torcida incondicionais, neste como em todos os passos da minha vida; À Camila Augusta, pela compreensão quanto ao tempo do namoro “roubado” pelo trabalho, e pela preciosa companhia nos momentos em que era preciso esquecê-lo um pouco; Ao professor Washington Dias Lessa, por acreditar na idéia do projeto, pela crítica rígida e bem embasada que transmitiu segurança quanto aos resultados alcançados, por dividir o seu conhecimento e superar as dificuldades que surgiram durante a pesquisa; A Marcos Martins e Suzana Fonseca, por terem formado uma banca com contribuições tão valiosas; Aos professores e funcionários da Esdi, pela acolhida e dedicação que fazem da escola um lugar especial; Aos colegas de turma, pelo ótimo ambiente proporcionado, tornando as aulas tão agradáveis quanto produtivas; A Marcus Dohmann, Pedro Moura, Ricardo Esteves, Fátima Finizola e Alexandre Salomon, por toda ajuda, com dicas, materiais ou idéias trocadas durante a caminhada que me trouxe até aqui; E a Borges, Edu, Jaime, Manuel, Masach, Michel, Tonny e Zanata, pela disposição em participar da pesquisa através de seus relatos, sem os quais este trabalho perderia muito de seu valor.


The printer is limited to the use of existing types; the designer of letters is bound only by the limits of his own imagination.

William Heyny


RESUMO

GUIMARÃES, Vinicius Freitas da Silva. Tipografia pintada no Centro do Rio de Janeiro. 2011. 152 f. Dissertação. (Mestrado em Design) – Escola Superior de Desenho Industrial, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011. Esta pesquisa tem como objetivo analisar a tipografia pintada no centro da cidade do Rio de Janeiro. A escolha da área de pesquisa busca mensurar a importância da pintura manual como técnica de produção de elementos tipográficos na paisagem urbana de um bairro central de uma grande cidade, bem como a situação atual do ofício dos pintores de letras, principais responsáveis pela sua produção. Foi realizado um levantamento fotográfico extensivo por toda área, assim como uma série de entrevistas com os pintores. Uma revisão bibliográfica buscou identificar onde outros trabalhos dessa natureza são contextualizados à luz da teoria do design, principalmente através da investigação do vernacular como categoria analítica. Foram buscadas referências históricas relacionadas ao ofício da pintura de letras, a fim de comparações com o discurso dos pintores atuais, do qual foram apropriados elementos que, juntamente com a teoria do design e da tipografia, foram utilizados para a construção de um sistema de análise, que incluiu entre suas diretrizes a produção de dados quantitativos que permitam identificar os recursos mais recorrentes que constituem a linguagem gráfica pesquisada. Palavras-chave: Tipografia. Vernacular. Pintores de letras.


ABSTRACT

This research aims to analyze the hand painted typography in uptown Rio de Janeiro city. One of the aims in choosing this area for analysis was to measure the importance of hand painting as a technique for producing typographic elements in the urban landscape of a central neighborhood of a big city. Another aim was to analyze the current state of the letter painters’ craft, who are mainly responsible for producing these elements. An extensive photographic survey sought out to identify where other works of this nature were contextualized in design theory, mainly through the investigation of the vernacular as analytical category. Historic references related to the craft of letter painting were collected for the purpose of comparison with what the current painters have to say. From these ‘speeches’, elements were taken and considered alongside design and typography theories, and used to build an analysis system. Among the guidelines of this analysis system is the production of quantitative data that enable to identify the most recurrent resources that comprise the graphic language investigated. Keywords: Typography. Vernacular. Letter painters.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 -

Escrita cursiva romana antiga (University of Michigan Papyrus Collection) ……………………………………………………………....

22

Figura 2 -

Escrita rústica sobre mural em Pompéia (http://lila.sns.it/mnamon) ........

22

Figura 3 -

Escrita rústica utilizada em livro (http://www.mmdc.nl) .........................

22

Figura 4 -

Fotografia de John Baeder (BAEDER, 1996, p.42) .................................

24

Figura 5 -

Pintura de John Baeder (disponível em http://www.johnbaeder.com) .....

24

Figura 6 -

Centro do Rio de Janeiro (ilustração do autor a partir de imagem do Google) .....................................................................................................

37

Figura 7 -

Área de pesquisa (ilustração do autor a partir de imagem do Google) ....

38

Figura 8 -

Quantidades de exemplos registras em cada subárea (ilustração do autor a partir de imagem do Google) .................................................................

39

Figura 9 -

Telefone com sete algarismos (fotografia do autor) .................................

43

Figura 10 -

Exemplo de grafite (fotografia do autor) ..................................................

45

Figura 11 -

Grafite comercial (fotografia do autor) ....................................................

45

Figura 12 -

Trabalho de cartazista (fotografia do autor) .............................................

46

Figura 13 -

Detalhe de fotografia do Largo da Carioca tirada em 1891 (Acervo Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro) ...........................................

48

Figura 14 -

Letreiro com linguagem historicizante (fotografia do autor) ...................

50

Figura 15 -

Trabalho de Alfredo Genovese (GENOVESE, 2008, p.98) .....................

50

Figura 16 -

John Downer pintando letras ....................................................................

50

Figura 17 -

Trabalho da New Bohemia Signs (http://www.newbohemiasigns.com) .

50

Figura 18 -

Fonte Bickham Script, projeto de Richard Lipton (ilustração do autor) ..

52

Figura 19 -

Trabalho de pintor de letras com referência em fonte tipográfica (Helvetica Bold Condensed) (fotografia e ilustração do autor) ...............

52

Figura 20 -

Fonte Balloon, projeto de Max R. Kaufmann (ilustração do autor) .........

53

Figura 21 -

Fonte Brush Script, projeto de Robert E. Smith (ilustração do autor) .....

53

Figura 22 -

Fonte Dom, projeto de Peter Dombrezian (ilustração do autor) ..............

54

Figura 23 -

Cartaz impresso simulando produção artesanal (BELLON; BELLON,

Figura 24 -

2010, p.8) ..................................................................................................

55

Fonte Tomate, projeto de Ramiro Espinoza (http://www.re-type.com) ...

56


Figura 25 -

Fonte Calgary Script, projeto de Alejandro Paul (http://typographica.org) ...........................................................................

56

Figura 26 -

Fonte Plastilina, de Miguel Cabrera (CARDINALI, 2010, p.73) ............

56

Figura 27 -

Placa pintada por Tonny (fotografia do autor) .........................................

57

Figura 28 -

Balcão pintado por Tonny (fotografia do autor) ......................................

58

Figura 29 -

Painel pintado por Edu (fotografia do autor) ............................................

58

Figura 30 -

Pintura a ouro feita por Zanata (fotografia do autor) ...............................

58

Figura 31 -

Pintura a ouro feita por Zanata (fotografia do autor) ...............................

59

Figura 32 -

Pintura a ouro feita por Zanata (fotografia do autor) ...............................

59

Figura 33 -

Trabalho de Jaime (fotografia do autor) ...................................................

59

Figura 34 -

Placa pintada por Borges (fotografia do autor) ........................................

59

Figura 35 -

Barraca de Borges (fotografia do autor) ...................................................

60

Figura 36 -

Pintura de Borges (fotografia do autor) ....................................................

60

Figura 37 -

Entrada do ateliê da família Silva (fotografia do autor) ...........................

60

Figura 38 -

Material de trabalho da família Silva (fotografia do autor) ......................

61

Figura 39 -

Placa da família Silva (fotografia do autor) .............................................

61

Figura 40 -

Trabalhos de Masach (fotografia do autor) ..............................................

61

Figura 41 -

Esboço do pintor Masach (fotografia do autor) ........................................

65

Figura 42 -

Marcação diferente da pintura final (fotografia do autor) ........................

66

Figura 43 -

Marcação diferente da pintura final (fotografia do autor) ........................

66

Figura 44 -

Sistema de trabalho dos pintores (ilustração do autor) .............................

67

Figura 45 -

Técnicas de pintura de letras (ilustração do autor) ...................................

68

Figura 46 -

Letras produzidas através de traço único (fotografia do autor) ................

68

Figura 47 -

Letras sendo preenchidas pelo pintor Jaime (fotografia do autor) ...........

69

Figura 48 -

Letras sendo produzidas através do traço composto pelo pintor Masach (fotografia do autor) .................................................................................

69

Figura 49 -

Processo de pintura de letras (HUSSEY, 1916, p.10) ..............................

74

Figura 50 -

Modelo de plain letter (MATTHEWS, 1920, p.7) ……………………...

76

Figura 51 -

Modelo de plain letter (HUSSEY, 1916, p.6) …………………………..

76

Figura 52 -

Modelo de plain letter (HEYNY, 1913, p.69) …………………………..

76

Figura 53 -

Variação com serifas da plain letter (HEYNY, 1913, p.71) .....................

76

Figura 54 -

Alfabeto construído sobre grid (CROMWELL, 1890, p.2) .....................

77

Figura 55 -

"Monograma" para construção das letras O, C, G, Q, P, B, D, J, U, R e


S (MILLER; THOMPSON, 1911, p.40) ..................................................

77

Figura 56 -

Modelo de base geométrica (MATTHEWS, 1920, p.11) .........................

77

Figura 57 -

Modelo geométrico em negativo (HUSSEY, 1916, p.19) ........................

78

Figura 58 -

Modelo de plain letter realizado com traço único (THOMPSON, 1909, p.54) ..........................................................................................................

79

Figura 59 -

Modelo de "letra de arquiteto" (HEYNY, 1913, p.83) .............................

79

Figura 60 -

Esquema com contornos das letras (HUSSEY, 1916, p.19) ....................

79

Figura 61 -

Esquema com contornos das letras (MILLER; THOMPSON, 1911, p.60) ..........................................................................................................

79

Figura 62 -

Unidade autônoma (fotografia do autor) ..................................................

82

Figura 63 -

Ambiente com diversas unidades .............................................................

82

Figura 64 -

Unidades de um mesmo sistema (fotografia do autor) .............................

83

Figura 65 -

Influência da função nos aspectos formais (fotografia do autor) .............

85

Figura 66 -

Influência da função nos aspectos formais (fotografia do autor) .............

85

Figura 67 -

Elementos arquitetônicos (fotografia do autor) ........................................

86

Figura 68 -

Elementos móveis (fotografia do autor) ...................................................

86

Figura 69 -

Elementos volantes (fotografia do autor) .................................................

87

Figura 70 -

Panorama dos elementos extra-tipográficos (ilustração do autor) ...........

96

Figura 71 -

Elementos decorativos (fotografias do autor) ..........................................

97

Figura 72 -

Elementos estruturais (fotografias do autor) ............................................

98

Figura 73 -

Elementos iconográficos (fotografias do autor) .......................................

99

Figura 74 -

Terminologia utilizada (ilustração do autor) ............................................ 101

Figura 75 -

Alinhamento dos textos (ilustração do autor) ........................................... 103

Figura 76 -

Ocupação de todo espaço pela palavra (fotografia do autor) ................... 104

Figura 77 -

Linhas com condensações diferentes (fotografia do autor) ...................... 104

Figura 78 -

Desordem visual (fotografia do autor) ..................................................... 104

Figura 79 -

Trajeto de leitura vertical não usual (fotografia do autor) ........................ 104

Figura 80 -

Trajetos de leitura (ilustração do autor) ................................................... 105

Figura 81 -

Diferentes tipos de distorção (ilustração do autor) ................................... 106

Figura 82 -

Exemplos de distorções (fotografias do autor) ......................................... 106

Figura 83 -

Panorama cronológico do sistema de Dixon (DIXON, 2009, p.28) ......... 110

Figura 84 -

Atributos formais da letra comercial (ilustração do autor) ....................... 114

Figura 85 -

Exemplo de letra comercial (fotografia do autor) .................................... 115


Figura 86 -

Exemplo de letra comercial (fotografia do autor) .................................... 115

Figura 87 -

Exemplo de letra comercial (fotografia do autor) .................................... 115

Figura 88 -

Atributos formais da letra manuscrita (ilustração do autor) ..................... 116

Figura 89 -

Exemplo de letra manuscrita (fotografia do autor) .................................. 116

Figura 90 -

Exemplo de letra manuscrita (fotografia do autor) .................................. 116

Figura 91 -

Exemplo de letra manuscrita (fotografia do autor) .................................. 116

Figura 92 -

Atributos formais da letra geométrica (ilustração do autor) ..................... 117

Figura 93 -

Exemplo de letra geométrica (fotografia do autor) .................................. 117

Figura 94 -

Exemplo de letra geométrica (fotografia do autor) .................................. 117

Figura 95 -

Exemplo de letra geométrica (fotografia do autor) .................................. 117

Figura 96 -

Atributos formais da letra corrida (ilustração do autor) ........................... 118

Figura 97 -

Exemplo de letra corrida (fotografia do autor) ......................................... 119

Figura 98 -

Exemplo de letra corrida (fotografia do autor) ......................................... 119

Figura 99 -

Exemplo de letra corrida (fotografia do autor) ......................................... 119

Figura 100 - Modelo de um manual (THOMPSON, 1909, p.11) ................................. 120 Figura 101 - Artefato de pintor atual (fotografia do autor) ........................................... 120 Figura 102 - Panorama de adornos (ilustração do autor) .............................................. 121 Figura 103 - Exemplos dos adornos encontrados (fotografias do autor) ...................... 122 Figura 104 - Combinações de adornos (fotografias do autor) ....................................... 123 Figura 105 - Letra comercial de Masach (fotografias do autor) ................................... 125 Figura 106 - Letra comercial com caixa baixa (fotografias do autor) ........................... 125 Figura 107 - Letra corrida de Masach (fotografias do autor) ........................................ 125 Figura 108 - Variação da letra corrida (fotografia do autor) ......................................... 125 Figura 109 - Alternância de alfabetos diferentes (fotografias do autor) ....................... 125 Figura 110 - Letra geométrica de Masach (fotografias do autor) ................................. 126 Figura 111 - Utilização de contornos externos (fotografias do autor) .......................... 126 Figura 112 - Trabalhos do pintor Masach (fotografias do autor) .................................. 126 Figura 113 - Letra comercial de Jaime (fotografias do autor) ...................................... 127 Figura 114 - Variação da letra comercial (fotografia do autor) .................................... 127 Figura 115 - Versão não desenhada da letra comercial (fotografias do autor) ............. 127 Figura 116 - Alfabeto em caixa baixa e com ligaturas (fotografias do autor) .............. 127 Figura 117 - Letra geométrica de Jaime (fotografias do autor) .................................... 128 Figura 118 - Letra geométrica de Jaime (fotografia do autor) ...................................... 128


Figura 119 - Centralização e trajeto circular (fotografias do autor) .............................. 129 Figura 120 - Utilização de distorções (fotografias do autor) ........................................ 129 Figura 121 - Ilustração de Jaime (fotografias do autor) ................................................ 129 Figura 122 - Trabalhos do pintor Jaime (fotografias do autor) ..................................... 129 Figura 123 - Letra comercial de Índio (fotografias do autor) ....................................... 130 Figura 124 - Letra comercial com terminações arredondadas (fotografias do autor) ... 130 Figura 125 - Letras com serifa (fotografias do autor) ................................................... 130 Figura 126 - Letra corrida de Índio (fotografias do autor) ............................................ 130 Figura 127 - Letras em caixa baixa (fotografias do autor) ............................................ 131 Figura 128 - Artefatos com grandes dimensões (fotografias do autor) ......................... 131 Figura 129 - Trabalhos do pintor Índio ......................................................................... 131 Figura 130 - Letra comercial de Edu (fotografias do autor) ......................................... 132 Figura 131 - Letra comercial em traço único (fotografias do autor) ............................. 132 Figura 132 - Regularidade formal (fotografias do autor) .............................................. 133 Figura 133 - Letra corrida de Edu (fotografias do autor) .............................................. 133 Figura 134 - Centralização de textos (fotografia do autor) ........................................... 133 Figura 135 - Destaques com boxes e sombras externas (fotografias do autor) ............. 133 Figura 136 - Motivos recorrentes de ilustrações (fotografias do autor) ........................ 134 Figura 137 - Ilustração com intenção de realismo (fotografia do autor) ....................... 134 Figura 138 - Ilustração sintética (fotografia do autor) .................................................. 134 Figura 139 - Principal estilo de ilustração de Edu (fotografias do autor) ..................... 134 Figura 140 - Trabalhos do pintor Edu (fotografias do autor) ........................................ 134 Figura 141 - Letra comercial de Sérgio (fotografias do autor) ..................................... 135 Figura 142 - Letra comercial em traço único (fotografias do autor) ............................. 136 Figura 143 - Alfabeto criado por Sérgio (fotografias do autor) .................................... 136 Figura 144 - Letra corrida de Sérgio (fotografias do autor) .......................................... 136 Figura 145 - Alfabeto semelhante a modelos caligráficos (fotografias do autor) ......... 137 Figura 146 - Alfabeto de modelo-base tipográfico, com terminações round ................ 137 Figura 147 - Utilização de faixas (fotografias do autor) ............................................... 138 Figura 148 - Trabalhos do pintor Sérgio (fotografias do autor) .................................... 138 Figura 149 - Letra comercial de Jairo (fotografias do autor) ........................................ 139 Figura 150 - Alfabeto criado por Jairo (fotografias do autor) ....................................... 139 Figura 151 - Letra manuscrita de Jairo (fotografias do autor) ...................................... 139


Figura 152 - Trabalhos do pintor Jairo (fotografias do autor) ...................................... 140 Figura 153 - Tipografia pintada analisado pela pesquisa (fotografia do autor) ............ 143 Figura 154 - Tipografia pintada analisado pela pesquisa (fotografia do autor) ............ 143 Figura 155 - Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............ 143 Figura 156 - Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............ 143 Figura 157 - Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............ 143 Figura 158 - Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............ 143 Figura 159 - Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............ 143 Figura 160 - Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............ 143 Figura 161 - Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............ 143 Figura 162 - Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............ 144 Figura 163 - Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............ 144 Figura 164 - Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............ 144 Figura 165 - Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............ 144 Figura 166 - Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............ 144 Figura 167 - Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............ 144 Figura 168 - Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............ 144 Figura 169 - Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............ 144 Figura 170 - Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............ 144 Figura 171 - Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............ 145 Figura 172 - Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............ 145 Figura 173 - Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............ 145 Figura 174 - Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............ 145 Figura 175 - Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............ 145 Figura 176 - Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............ 145 Figura 177 - Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............ 145 Figura 178 - Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............ 145 Figura 179 - Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............ 146 Figura 180 - Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............ 146 Figura 181 - Compensação ótica realizada pelo pintor Jaime, com formas redondas indo além das linhas de base e de topo (fotografia do autor) ................... 146 Figura 182 - Tiradentes/MG .......................................................................................... 146 Figura 183 - Placa com linguagem de filete porteño .................................................... 146


LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 -

Faixa etária dos pintores ...........................................................................

62

Gráfico 2 -

Tempo de profissão dos pintores ..............................................................

62

Gráfico 3 -

Formação profissional dos pintores ..........................................................

63

Gráfico 4 -

Principais locais de trabalho dos pintores ................................................

64

Gráfico 5 -

Clientes dos pintores de letras ..................................................................

70

Gráfico 6 -

Funções da tipografia analisada ...............................................................

84

Gráfico 7 -

Natureza dos suportes ...............................................................................

89

Gráfico 8 -

Suportes mais recorrentes .........................................................................

90

Gráfico 9 -

Quantidade de cores por artefato ..............................................................

92

Gráfico 10 -

Cores de fundo ..........................................................................................

92

Gráfico 11 -

Cores sobre fundo amarelo .......................................................................

93

Gráfico 12 -

Cores sobre fundo branco .........................................................................

93

Gráfico 13 -

Cores sobre fundo azul .............................................................................

94

Gráfico 14 -

Cores sobre fundo verde ...........................................................................

94

Gráfico 15 -

Cores sobre fundo vermelho .....................................................................

95

Gráfico 16 -

Elementos extra-tipográficos .................................................................... 100

Gráfico 17 -

Modelos-base dos alfabetos ...................................................................... 112

Gráfico 18 -

Presença de adornos ................................................................................. 120

Gráfico 19 -

Incidência dos adornos ............................................................................. 123

Quadro 1 -

Alfabetos utilizados por cada pintor ......................................................... 140


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................

17

1

GRÁFICA URBANA E TIPOGRAFIA PINTADA ......................................

20

1.1

Categorias e terminologias ...............................................................................

21

1.2

O vernacular: origens e significados para o design .......................................

25

1.2.1

Origens e apropriações do termo “vernacular” ...................................................

26

1.2.2

Diversidade de significados do vernacular para o design gráfico .......................

30

1.2.3

Design e artesanato .............................................................................................

34

2

METODOLOGIA DO LEVANTAMENTO ..................................................

37

2.1

Determinação do corpus de análise .................................................................

37

2.2

Levantamento fotográfico ................................................................................

39

2.3

Categorias e termos de análise .........................................................................

40

2.4

Parâmetros analíticos .......................................................................................

41

2.5

Entrevistas com os pintores de letras ..............................................................

42

3

OS PINTORES DE LETRAS ..........................................................................

45

3.1

O pintor de letras como categoria profissional ..............................................

45

3.1.1

Registros do passado anterior ao design .............................................................

46

3.1.2

Mudanças com o surgimento do design moderno ...............................................

49

3.2

Motivações do design de tipos a partir da pintura de letras .........................

51

3.3

Entrevistas com os pintores de letras ..............................................................

57

3.3.1

Pintores entrevistados .........................................................................................

57

3.3.2

Análise dos resultados das entrevistas ................................................................

62

3.4

Referências da atividade de pintura ................................................................

71

4

A TIPOGRAFIA PINTADA NO RIO DE JANEIRO ...................................

81

4.1

O Centro do Rio de Janeiro e caracterização da área pesquisada ...............

81

4.2

Tipos de ocorrências .........................................................................................

82

4.3

Função ................................................................................................................

83

4.4

Suportes ..............................................................................................................

85

4.5

Uso das cores ......................................................................................................

91

4.6

Elementos extra-tipográficos ...........................................................................

95

4.7

Análise tipográfica ............................................................................................ 100


4.7.1

Disposição no espaço .......................................................................................... 102

4.7.2

Análise das formas tipográficas .......................................................................... 107

4.8

Análise dos principais pintores ........................................................................ 123

5

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 141 REFERÊNCIAS ................................................................................................ 148


17

INTRODUÇÃO

O design gráfico, assim como outros campos do conhecimento, há muito deixou de considerar válidas apenas referências produzidas por sua esfera canônica. O olhar do designer gráfico para a cidade na pós-modernidade encontra uma infinidade de caminhos e lições para quem busca uma comunicação visual efetiva e atraente. A tipografia, um dos pilares fundamentais da teoria e da prática do design gráfico, encontra na anarquia visual das ruas soluções no desenho e na utilização das letras que não se inscrevem no cânone do design. E uma observação mais atenta das diferentes inscrições presentes na paisagem urbana pode levar ao achado de refinamento e apuro técnico onde se presumia haver apenas improviso e desleixo. A história deste trabalho tem origem em minha graduação em design, realizada na Escola de Belas Artes da UFRJ, durante a qual tive os primeiros contatos com a tipografia. A necessidade inicial em buscar diretrizes sobre a escolha das fontes mais adequadas para os primeiros projetos acadêmicos evoluiu para o interesse nas formas de cada letra, levando a um mundo, compartilhado por muitos designers, que extravasa os limites do design gráfico, ao incluir campos como a caligrafia clássica ou o grafite. Meu projeto final da graduação foi uma consequência dessa primeira fase de aprendizagem da teoria formal, acompanhada do despertar do olhar para as letras que nos cercam nas cidades. Vi nos lugares por onde passava, no trajeto entre minha casa em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro, e o campus da universidade, na Ilha do Fundão, um sem-número de referências no chamado vernacular que me motivaram a aventurar-me no design de tipos, repetindo uma mistura que havia dado ótimos resultados nas mãos de outros designers. Além de observar mais atentamente as características formais de todas aquelas letras, pude também ter um primeiro contato com seus autores, os pintores de letras, que além de mais numerosos do que o esperado, detinham algumas vezes um saber relacionado aos desenhos das letras superior ao de muitos colegas meus de faculdade. O olhar para a tipografia vernacular, termo consagrado no design brasileiro para se referir aos exemplos de letras cujos autores não pertencem à esfera culta, geralmente produzidas manualmente, aponta para uma série de aspectos diferentes, sendo o pitoresco da linguagem gráfica popular e os inesperados resultados da imperícia técnica (muitas vezes atrelado ao precário domínio da escrita e da língua) os que mais despertam interesse. Ocorre, porém, que uma grande quantidade de exemplos que compõem o vernacular não se enquadra


18

exatamente nesses grupos. São artefatos cujos autores têm o domínio da técnica de produção e cujos trabalhos, por motivos locais ou de mercado, não têm no naif seu aspecto predominante, embora este possa se fazer presente. São os pintores de letras, personagens cuja atividade possui uma longa tradição histórica, modificada por sucessivos avanços tecnológicos e cada vez mais rara, pelo menos de acordo com uma impressão geral – cuja veracidade a presente pesquisa se propõe a investigar. A escolha da área foi motivada por outra impressão recorrente, a de que o decréscimo do número de pintores de letras teria ocorrido de maneira mais incisiva (ou até mesmo que esses não poderiam ser encontrados) em regiões centrais e nobres das grandes cidades, sendo apenas subúrbios afastados e cidades do interior os cenários para sua atividade nos tempos atuais. Ao se falar sobre o objeto-tema deste trabalho, é preciso levar em conta a ausência de uma identidade gráfica local reconhecida relacionada ao campo profissional de seus autores, conforme ocorre na mesma região, embora relacionada a uma produção individual, aos artefatos do profeta Gentileza que fazem parte de sua paisagem urbana. São os aspectos formais das letras produzidas nessa realidade urbana, cercada de produtos dos meios tecnológicos e sem uma referência local que as una, o interesse desta pesquisa, aspectos esses raramente investigados de maneira sistematizada, por não fazerem parte, em sua maioria, da face mais celebrada do vernacular. Quais são, em termos quantitativos, os recursos mais utilizados, como se dá o processo de trabalho de seus autores, o que os desenhos das letras trazem de reflexo da técnica pela qual foram produzidos (e por isso a escolha de uma única técnica – a pintura) são algumas das questões a serem investigadas. A presente pesquisa tem como tema a análise de elementos tipográficos encontrados no ambiente urbano da cidade do Rio de Janeiro, produzidos através da pintura manual realizada por especialistas. Por estes, entenda-se profissionais que tenham como atividade exclusiva (ou ao menos entre as principais) a pintura manual de peças de comunicação visual, nas quais a mensagem textual tenha destaque, de tal maneira que determinadas técnicas de confecção dos caracteres, adquiridas ou desenvolvidas empiricamente, sejam necessárias para realização regular e satisfatória deste tipo de trabalho. A pesquisa deu-se em quatro etapas, com eventuais superposições e alternâncias, a partir das quais estão definidos os capítulos da dissertação. A primeira correspondeu a uma contextualização teórica através de revisão bibliográfica sobre o objeto de estudo, a tipografia pintada, situando entre diferentes abordagens aquelas que serviram de referência para a dissertação (capítulo 1). A segunda, baseada em experiências com trabalhos anteriores, onde foi delimitada a área de pesquisa e ocorreram a documentação fotográfica e o levantamento de


19

pintores de letras nela atuantes (capítulo 2). A terceira, de caráter antropológico, teve os pintores de letras como tema principal, através tanto da busca por referências históricas como de uma descrição da situação do campo profissional atual, esta última tendo como base depoimentos dos próprios profissionais (capítulo 3). Na quarta parte foi feita uma análise das ocorrências buscando incorporar categorias utilizadas pelos pintores de letras a parâmetros analíticos correntes na área do design (capítulo 4). Para o levantamento fotográfico, optou-se por utilizar, na etapa exploratória, trajetos a serem percorridos, conforme feito nas pesquisas semelhantes de Baines (2002) e Finizola (2010). Já o levantamento definitivo foi realizado de maneira extensiva na área determinada. Todas as ocorrências encontradas que fizessem parte do tema desta dissertação foram registradas no intuito de serem analisadas. Na parte da pesquisa que trata sobre os pintores de letras, a categoria profissional é objeto de análises diacrônica e sincrônica, sendo a última mais aprofundada dada a maior quantidade de informações identificáveis nas entrevistas. Se por um lado há interesse em verificar as transformações sofridas pela atividade profissional ao longo dos anos, migrando majoritariamente da dita esfera culta para a popular ou vernacular, cabe também uma comparação da situação real dos pintores de letras com a idéia, que beira o senso comum, de se tratar de uma atividade em vias de extinção. A motivação das entrevistas, portanto, está não somente na busca pelos aspectos que levam os pintores a tomarem determinadas decisões formais em relação aos artefatos produzidos, mas também na identificação de um perfil do pintor de letras no Rio de Janeiro de hoje.


20

1 GRÁFICA URBANA E A TIPOGRAFIA PINTADA

A gráfica urbana

As relações cognitivas por parte das pessoas quanto aos ambientes urbanos onde estão inseridas ocorrem não apenas a partir das edificações, equipamentos urbanos ou estruturas de um modo geral que constituem as cidades, mas também dos diferentes elementos gráficos que utilizam aqueles como suportes. Podemos considerar, conforme apontado por Guimarães, Lessa e Cavalcanti (2010), imagens figurativas, grafismos abstratos, cores, materiais, texturas, elementos tipográficos, etc., relacionadas ao exterior de edificações (ou que participem da visualidade mesmo estando em seus interiores) como constituintes de uma gráfica arquitetônica, que por seu turno possui uma autonomia dada pela associação dos traços externos à arquitetura interna. As unidades arquitetônicas também podem ser compreendidas no contexto de uma gráfica urbana, por estabelecerem redes de inteligibilidade no espaço urbano através de elementos não apenas arquitetônicos, seja através de ocorrências dispersas neste espaço de um padrão funcional/visual, seja em relações de contiguidade definindo tipos de ambientes urbanos geograficamente delimitados. Carlos Moreno faz uso da mesma expressão em seu artigo “A gráfica urbana” (1982), no qual retrata a evolução histórica dos marcos da cidade de São Paulo que, de arquitetônicos, passam a ser representados por elemento de comunicação visual externa, como o “M” do McDonald’s ou o relógio do Itaú na Avenida Paulista (NOGUEIRA, 2006). Os diferentes elementos que compõem a gráfica urbana podem ser investigados de maneira isolada, através de recortes que estabeleçam subconjuntos específicos. As ocorrências tipográficas na paisagem urbana podem ser, por exemplo, compreendidas, segundo Gouveia, Pereira, Farias, Barreiro (2007), como paisagem tipográfica. Os exemplos que compõem a paisagem tipográfica têm como principal característica, que os diferencia sob certos aspectos de outras funções de representação da escrita, fazerem parte de uma comunicação visual no espaço público. Os artefatos aqui analisados podem ser inseridos nesse contexto, o que se reflete em suportes que têm por objetivo a leitura simultânea por parte de um grande número de pessoas a partir de distâncias médias ou longas (ao contrário de textos voltados para leitura individual a curta distância). De qualquer modo o tema dessa pesquisa pede algumas especificações categoriais tendo em vista o universo dos elementos tipográficos. E isto levando em consideração tanto a


21

morfologia das ocorrências, quanto a sua caracterização antropológica, que aponta para o confronto entre o canônico e o que é normalmente referido como vernacular.

1.1 Categorias e terminologias

Considerando a variedade de elementos tipográficos integrando a gráfica urbana, deve ser discutido como se situa a tipografia pintada em relação às categorias referentes à tipografia em geral e às terminologias correspondentes. Isto se impõe pelo uso distinto que autores diferentes fazem de um mesmo termo, além de eventuais divergências quanto às categorias e à maneira como denominá-las. A falta de tradição do que podemos chamar de teoria tipográfica em língua portuguesa é um dos fatores que contribuem para essa dispersão terminológica, agravada pelo fato de que mesmo tradições mais consolidadas, como a francesa ou inglesa, não aplicam da mesma maneira termos equivalentes em suas respectivas línguas. Posições mais radicais costumam gerar polêmicas entre partidários da simples importação de termos e significados oriundos de outras línguas e os que já identificam certo grau de consolidação da terminologia no Brasil a ser considerada. Começamos pelo conceito de escrita, que neste trabalho é entendida como representação visual de mensagens verbais através de sistemas codificados de elementos gráficos, ou seja, com significado genérico o mais abrangente possível. Os termos que definem as suas diferentes formas de produção, e que serão colocados a seguir, são importantes como referência para análise, com a ressalva de que muitas vezes o limite entre as categorias se dá não de maneira estanque, e sim através de superposições ou transições graduais. Das formas de escrita onde o gesto da mão humana é indispensável para a reprodução, temos a escrita manual (handwriting, em inglês) para definir o produto de manuscritos de um modo geral, onde o cuidado formal não representa necessariamente um aspecto relevante. Quando tais questões passam a ser consideradas, utiliza-se o termo caligrafia, que possui uma tradição baseada em modelos e instrumentos próprios. A tradução literal dos radicais gregos kallós e graphein traz a idéia de “bela escrita”, e a proximidade com a escrita manual é evidente. O grau de importância dado a cuidado e parâmetros formais por parte do executor da escrita é o que diferencia a caligrafia da escrita manual, e isto costuma estar diretamente relacionado com a função do artefato produzido. É possível identificar essa distinção mesmo


22

em tempos anteriores ao advento da impressão com tipos móveis de metal, através da oposição de documentos oficiais ou livros, cuja importância e perenidade demandavam a utilização da caligrafia, a escrituras corriqueiras de caráter mais informal, como determinadas cartas e registros contábeis, realizadas de maneira rápida e sem muito esmero. A partir desses conceitos seria possível a diferenciação de modelos desde o advento do alfabeto latino, ainda na Roma Antiga, como os chamados por Gray (1986, pp. 17-8) de cursiva romana antiga (“old Roman cursive”), cuja informalidade torna claro seu caráter de escrita manual, e de escrita rústica, feita à pena (“formal rustic script”, originalmente realizada com pincel sobre murais, como nos exemplos encontrados em Pompéia) na confecção de livros, podendo ser reconhecida como modelo caligráfico. Uma terceira categoria, semelhante à caligrafia pela importância dada ao cuidado e elaboração formais, é a do letreiramento, termo proposto por Farias (2004) como tradução do inglês lettering. De um modo geral, pode ser entendido como produção de caracteres individuais únicos e/ou o modo como estes são arranjados entre si. A principal discordância na aplicação do termo, que ocorre não apenas no Brasil, está na consideração exclusiva ou não do processo manual de produção. A definição de Farias (“processo manual para obtenção de letras únicas, a partir de desenhos”) segue a linha de McLean (1997, p.50), que define lettering como desenho de letras à mão (“drawing of letters by hand”) e salienta a dificuldade de estabelecer qualquer diferença real de significado entre aquele e a caligrafia, termos frequentemente utilizados como sinônimos. De acordo com Baines e Haslam (2005, p.90) o termo implica o uso das mãos e de uma ferramenta como cinzel, lápis ou pincel, mas recentemente passou a incluir também o uso de programas de computador. Ainda segundo os autores, o que distingue o letreiramento da tipografia (categoria tratada a seguir) seria a criação de letras que, projetadas para serem ou não reproduzidas, são essencialmente especiais e feitas para um determinado propósito; enquanto a tipografia é desde seu início projetada para duplicação, e suas unidades (letras individuais)


23

podiam ser montadas para formar uma mensagem, desmontadas e reutilizadas para criar outras mensagens. Quando o termo lettering é aplicado com seu sentido mais amplo, como em “Lettering on Buildings” de Nicolete Gray (1960), passa a incluir não apenas letras de toda natureza (esculpidas, mosaicos, forjadas em metal, utilizando néon, etc.), mas também a combinação de letras pré-fabricadas industrialmente, lógica aplicável também ao meio digital. No inglês ocorre a expressão handlettering, como subcategoria ligada ao processo manual. Já o termo tipografia, no Brasil, é tradicionalmente utilizado na área do design segundo duas acepções: referindo-se à tecnologia desenvolvida por Gutemberg e suas sucessivas atualizações tecnológicas, chegando às fontes digitais dos dias atuais; ou de um modo geral, como organização visual da linguagem escrita, relacionada à maneira como as letras são usadas e organizadas visualmente num determinado espaço, independentemente de como são produzidas (WALKER, 2001). Farias (2004) se refere ao primeiro sentido ao definir tipografia como “conjunto de práticas e processos envolvidos na criação e utilização de símbolos visíveis relacionados aos caracteres ortográficos (letras) e para-ortográficos (números, sinais de pontuação, etc.) para fins de reprodução”; já a expressão “paisagem tipográfica” refere-se à segunda acepção, conforme mostra o trecho abaixo: Tipografia, neste contexto, deve ser entendida em um sentido mais amplo, que inclui caracteres obtidos através de processos que seriam mais bem classificados como letreiramento (pintura, gravação, fundição, etc.) (Farias, 2000), e não apenas aqueles obtidos através dos processos automatizados ou mecânicos. (GOUVEIA, PEREIRA, FARIAS, BARREIRO, 2007, p.2)

O projeto “Paisagens tipográficas – leitura do ambiente urbano através do letreiramento e da tipografia”, desenvolvido pelo Centro Universitário Senac junto à Unicamp do qual participam os autores da definição supracitada, ao aplicar o termo tipografia para classificar os diversos tipos de inscrições encontradas no ambiente urbano (tipografia memorial para inscrições de lápides em igrejas e cemitérios, tipografia acidental para grafites a pichações, etc.) reproduz a significação mais genérica com a qual o termo consagrou-se entre os designers no Brasil. Ao optarmos pelo termo tipografia pintada, adotamos esta acepção genérica de tipografia. Porém, diferentemente de pesquisas similares a esta – como a de Finizola (2010), que se refere aos letreiramentos pintados na cidade do Recife como “populares” e “tipografia vernacular urbana”, ou a de Bellon e Bellon (2010) que, segundo a mesma ênfase antropológica, dão o titulo de “Typography for the people” ao livro sobre letreiros pintados artesanalmente pelo mundo – optamos por destacar a técnica, embora não ignorando a questão


24

do caráter popular da maioria dos letreiramentos pintados, conforme desenvolvido no item 1.2. No que diz respeito a pesquisas com enfoque em letreiramentos, destaca-se a tradição britânica que teve como maior expoente Nicolete Gray, da qual fazem parte nomes como Nicholas Biddulph, Jock Kinneir e Alan Bartram, tendo atualmente Phil Baines e Catherine Dixon como principais pesquisadores. Além de considerável produção de títulos sobre o tema, essas pesquisas resultaram no Central Lettering Record (CLR) da Central Saint Martins College of Art & Design, em Londres, uma coleção de mais de 10.000 fotografias e 3.000 slides (BAINES, 1994) de letreiramentos. Nos Estados Unidos, vale citar a obra do pintor foto-realista John Baeder, que vem fotografando e pesquisando a “sinalização das ruas como arte popular” (“street signs as folk art”, BAEDER, 1996) desde os anos 60 e também publicou títulos sobre o assunto.

Figuras 4 e 5: fotografia e pintura de John Baeder.

No Brasil, inicialmente apenas algumas iniciativas isoladas registraram diferentes elementos que compõem a paisagem tipográfica, como o trabalho de graduação de Vera Bernardes na Esdi em 1973, pesquisa pioneira sobre letreiramentos pintados no país; e o livro “A tipografia na arquitetura do Rio de Janeiro”, de 1986, que relaciona as inscrições registradas com a história da arquitetura e do urbanismo na cidade, e onde há clara influência da tradição inglesa, já que um dos autores, Carlos Horcades, teve parte de sua formação no Central Saint Martins College of Art & Design, onde lecionavam muitos dos nomes já citados. Mais recentemente, em 2003, foram publicados “O Brasil das Placas: viagem a um país ao pé da letra”, onde fotos de José Eduardo Camargo com exemplos pitorescos (mais pelo conteúdo textual do que por aspectos formais, embora estes também se destaquem em muitos dos artefatos registrados) de inscrições de toda natureza encontradas em beiras de estrada são complementadas por texto em forma de cordel de L. Soares; e “Memórias Tipográficas: das Laranjeiras, Flamengo, Largo do Machado, Catete e Adjacências”, do


25

designer Bruno Porto, que reúne fotografias de letreiramentos urbanos selecionados a partir de sua relevância afetiva do ponto de vista pessoal do autor. Estas últimas obras não tiveram como proposta uma análise sistematizada do material nelas reunido. Nas últimas décadas, o crescimento do número de cursos de graduação em design, assim como o surgimento de programas de pós-graduação específicos na área, resultou em um substancial aumento de pesquisas acadêmicas ligadas à tipografia em suas mais diversas faces. Atualmente, o já citado “Paisagens Tipográficas – leituras do ambiente urbano através do letreiramento e da tipografia” (PAT) tem resultado em trabalhos com diferentes enfoques em cidades brasileiras, como “Tipografia Arquitetônica Paulista”, sobre epigrafia arquitetônica paulistana, e “Tipografia Arquitetônica Nominativa Carioca”, sobre portadas de edifícios do centro histórico do Rio de Janeiro. Pesquisas que passam pela temática do chamado vernacular constituem uma parte significativa da produção acadêmica no Brasil sobre o assunto. Definindo as categorias analisadas como “tipografia vernacular”, “tipografia popular”, ou “letreiramento popular”, se assemelham em diferentes níveis com a presente dissertação: as definições dos objetos de estudo variam bastante, podendo incluir desde exemplos de escrita manual e inscrições feitas por não especialistas onde a imperícia é a característica mais marcante; ou tratar de obras também de especialistas, sendo estes restritos a classes sociais menos favorecidas e/ou atuantes em segmentos de mercado que não serão aqui tratados, como o cartazismo. A atividade da pintura de letras é exercida majoritariamente por pessoas reconhecidas como não pertencentes à dita esfera culta, principalmente pela ausência de formação em áreas como design, tipografia ou caligrafia. Por isso, geralmente é incluída, do ponto de vista dos designers, em uma categoria que se convencionou chamar de vernacular. Apesar das ressalvas que devem ser feitas quanto à utilização analítica desse termo, conforme será tratado a seguir, seus exemplos costumam despertar atenção por não utilizarem como referência normas presentes na teoria culta, o que pode resultar em características distintas, que variam entre o naif, o pitoresco ou uma grande vitalidade formal.

1.2 O vernacular: origens e significados para o design

Renunciando a muitos dos preceitos modernistas, que enxergavam na formação de uma elite intelectual a constituição de uma classe capacitada para ditar diretrizes na


26

construção de uma nova visualidade, em diversas áreas ocorre uma aproximação por parte de grupos dessa elite ao que é produzido por pessoas não pertencentes a ela. Na arquitetura, enquanto a exposição do Moma “Architecture Without Architects” e o livro homônimo de Bernars Rodofsky (1987) analisam o exótico ao olhar modernista, como construções de antigas civilizações ou de tradições locais no oriente, “Learning from Las Vegas” (VENTURI, BROWN, IZENOUR, 1972) trata da arquitetura do exagero típica de Las Vegas. No design gráfico, artigos publicados na revista “Tipographica” (SPENCER, 1949-67) tinham como foco elementos gráficos comuns encontrados no cotidiano das ruas em grandes cidades. Essas e outras reações ao modernismo ajudaram a consolidar o vernacular enquanto categoria, no início relacionado a tudo aquilo que era dissonante ao discurso modernista, mas com o passar do tempo agregou novas conotações. De um modo geral, no entanto, predomina a idéia do vernacular como aquilo que se opõe a uma saber culto, ou um “outro” em relação a este, oposição essa marcada principalmente por não ser algo institucionalizado, embora haja de alguma maneira uma sistematização do que é produzido.

1.2.1 Origens e apropriações do termo “vernacular”

O termo vernacular tem sua origem no latim verna, vernaculus ou vernacullum, que de acordo com o filólogo Chester Starr (apud FARIAS, 2009) eram expressões que designavam nativo, nativo de uma determinada localidade, romano ou, mais especificamente, escravo nascido na casa de seu senhor. Ao longo da história, ganhou novos significados e aplicações específicas para diferentes ramos do conhecimento. Há o caso das línguas ditas vernaculares, entendidas como expressões de origem ou prática locais que se opõem a uma língua oficial dominante, como na relação entre os idiomas espanhol, francês ou italiano com o oficial latim, tanto no contexto do Império Romano quanto no da liturgia da Igreja Católica. Por mais que ocorram variações no significado do termo vernacular em teorias de diferentes áreas, a ligação semântica com sua origem etimológica persiste, mantendo certo grau de coesão em suas aplicações. Na sociolinguística, os estudos de Willian Labov iniciados nos anos 60 definem o vernacular como “o estilo [de fala] no qual o mínimo de atenção é dado para o monitoramento do discurso” (LABOV, 1972, p.208). Em outras palavras, o vernacular ocorre na ausência de qualquer tipo de pressão do ambiente, como situações que exigem maior formalidade ou geram alguma forma de insegurança, o que possibilitaria um


27

discurso o mais espontâneo possível. Não por acaso, nos trabalhos de Labov a questão do método de realização das entrevistas, cujos resultados são o objeto de estudo, é tratada detalhadamente. O objetivo é criar condições para que se possa extrair dos entrevistados a linguagem por eles utilizada no cotidiano, cuja observação propiciaria os dados mais sistemáticos para uma análise da estrutura linguística. No contexto das linguagens projetuais, Darron Dean (1994, p.153) indica que o primeiro autor a utilizar o termo foi George Gilbert Scott, em “Remarks on Secular & Domestic Architecture: present and future”, de 1857. Ao fazer referências a construções realizadas por camadas sociais inferiores, tanto dos subúrbios quanto de zonas rurais da Inglaterra, Scott recorria a expressões como vernacular house-building of the million ou vernacular cottage-buildings (SCOTT, 2005, p.6). De acordo com Dean (1994, p.153), quando a palavra vernacular passou a ser utilizada como um termo descritivo, no final do século XIX, havia se tornado quase sinônimo do que se conhece como mito rural inglês (“English rural myth”), conotação essa que teria se mantido praticamente intacta na Inglaterra até os dias atuais. Também no campo da arquitetura, Bernard Rudofsky contribuiu significativamente para as discussões sobre a temática vernacular, principalmente se levarmos em conta a relevância então dada aos ideais modernistas. Foi sua a curadoria da exposição “Architecture Without Architects”, realizada no MoMA de Nova Iorque em 1964, assim como a autoria do livro homônimo lançado no mesmo ano. Ainda no prefácio ele justifica a adoção do termo, recorrente ao longo de todo o texto. Architecture Without Architects attempts to break down our narrow concepts of the art of building by introducing the unfamiliar world of nonpedigreed architecture. It is so little known that we don’t even have a name for it. For want of a generic label, we shall call it vernacular, anonymous, spontaneous, indigenous, rural, as the case may be. (RUDOFSKY, 1964, p.3) 1

A metodologia é um fator importante na definição do vernacular para a arquitetura. Segundo Thomas Hubka, os princípios fundamentais da arquitetura vernacular ou popular são baseados na tradição. No artigo “Just Folks Designing: vernacular and the generation of form”, de 1979, ele contesta o que chama de determinismo naturalista identificado em obras que analisam a arquitetura vernacular (como as de Rudofsky), nas quais haveria uma noção

1

Arquitetura sem arquitetos tenta fazer com que enxerguemos além dos nossos conceitos restritos da arte da edificação através da introdução do mundo desconhecido da arquitetura sem pedigree. É algo tão pouco conhecido que nós nem mesmo temos um nome para isso. Devido à carência de um rótulo genérico, nós podemos chamar isso de vernacular, anônimo, espontâneo, nativo, rural, de acordo com o caso.


28

exagerada de metodologias intuitivas (ou quase “divinas”) valorizadas como causas místicas, em detrimento a idéia de pessoas reais tomando decisões. Para Hubka, em comparação com metodologias de projeto modernas, o vernacular se diferencia pela utilização de um campo limitado de idéias e signos, estruturado pelo mundo físico e condicionado pela tradição local, enquanto o projeto moderno é feito a partir de um campo infinito de idéias e conceitos abstratos com capacidade ilimitada de suportar novas formas e idéias. Enquanto Rodofsky fez uso do termo vernacular para classificar exemplos arquitetônicos exóticos ao olhar ocidental, por se tratarem de soluções locais em regiões desconhecidas pelo grande público, como cata-ventos para climatização no Paquistão ou estruturas de palha do sul do Iraque, Venturi, Brown e Izenour tratam de uma paisagem urbana típica dos Estados Unidos, ignorada ou criticada pelo modernismo, em “Learning from Las Vegas”, de 1972. A introdução do vernacular como categoria no contexto do design industrial é creditada por Herwin Schaefer, em “Nineteenth Century Modern” de 1970, a John A. Kouwenhoven, em “Made in América: The Arts in Modern Civilization”, de 1948. O vernacular é tratado por Kouwenhoven como as especificidades da indústria estadunidense em seus mais diversos aspectos, que se fazem mais evidentes quando na comparação com similares britânicos. Fatores sócio-econômicos, como a formação mais empírica do que teórica dos construtores de barcos a vapor, ou geográficos, como os terrenos acidentados e os longínquos trajetos percorridos pelas linhas férreas (condições antagônicas às encontradas na ex-metrópole, e para as quais suas locomotivas não haviam sido planejadas), influiriam diretamente na forma final dos produtos da indústria local. Na introdução ao capítulo “What is vernacular?”, Kouwenhovem faz colocações visando tornar clara a categoria à qual do termo se referia. They represent the unself-conscious efforts of common people, in America and elsewhere, to create satisfying patterns out of the elements of a new and culturally unassimilated environment; but this patternmaking is something altogether different from the folk arts which in recent years have been collected and studied with such enthusiasm. It has nothing in common with the balladry of the Kentucky mountaineers or the decorative crafts of the Pennsylvania Dutch. Unlike these, it is the art of sovereign, even if uncultivated, people rather than of groups cut off from the main currents of contemporary life. (KOUWENHOVEM, 1948, cap.2) 2

2

Eles representam os esforços não-deliberados das pessoas comuns, na América e em qualquer outro lugar, de criar padrões satisfatórios a partir dos elementos de um ambiente novo e não assimilado culturalmente; mas essa criação de padrões é algo deveras diferente das artes populares tradicionais que em anos recentes têm sido colecionadas a estudadas com tanto entusiasmo. Isso não tem nada em comum com o cancioneiro dos montanhistas do Kentucky ou o artesanato decorativo dos Pennsylvania Dutch. Ao contrário desses, isso é a arte de pessoas soberanas, mesmo que sem educação formal, ao invés de grupos isolados das principais correntes da vida contemporânea.


29

Victor Papanek, autor de trabalhos importantes sobre o papel social do design, trata do vernacular em suas obras. Em “Design for the real world”, o termo é utilizado para descrever o trätofflor, tamanco típico da Suécia, feito de couro, madeira e borracha, definido pelo autor como “exemplo magnífico de design racional, vernacular” (PAPANEK, 1972, p.243). O exemplo do trätofflor é citado para criticar a utilização de design como um fator que favorece a estratificação da sociedade, através de produtos projetados e consumidos motivados pela expressão de um status social. O tamanco sueco, que era vendido a preços módicos no país, estaria sendo incluído nesse processo. They have a life expectancy of at least four years, can be worn in every kind of weather and, being nearly identical, cut completely across social and income classes, conveying no idea of status. (It is interesting to note in this connection that, of late, trätofflor are being made in a variety of textures, colours, and artificial materials. This makes them tend to wear out faster; repairs are more difficult and sometimes impossible) They constitute, in their original form, a superb example of indigenous, non-manipulated design. Several brands of trätofflor have recently become popular in the United States where they became known as ‘Swedish clogs’ and sold at higher prices. (PAPANEK, 1972, p.243, grifos do autor) 3

Outra de suas obras, “The green imperative”, possui um capítulo intitulado “The lessons of vernacular architecture”, no qual contesta todas as conotações do vernacular (tratadas pelo autor como “falácias”) utilizadas na teoria da arquitetura, onde é interpretado, entre outros sentidos, como algo histórico, exótico ou ligado à cultura popular. No lugar da configuração do vernacular como categoria com um único significado, definido por conceitos simples, é proposta uma rede dinâmica, onde ocorre a interação de uma série de componentes, denominada de “matriz vernacular” (“vernacular matrix”, PAPANEK, 1995, p.136). Na fotografia, o vernacular é entendido como a produção realizada por pessoas comuns, em oposição tanto à fotografia artística quanto a trabalhos profissionais. Essa distinção, segundo Liz Wills (1996, p.250), simplifica demais uma história complexa, apesar de sua utilidade para fins acadêmicos ou na catalogação de acervos. Ao analisarmos o século XIX, os chamados fotógrafos comerciais como o americano Henry M. Beach (1863-1943), cuja obra é analisada por Robert Bogdan em “Adirondack vernacular: the photography of Henry M. Beach” (2003), eram então vistos como realizadores de uma atividade menor, caracterizada por formatos baratos, grandes tiragens e voltada para um consumo massificado.

3

Eles possuem uma vida útil de no mínimo quatro anos, podem ser usados em todo tipo de clima e, sendo praticamente idênticos, atravessam completamente classes sociais e de renda, sem transmitir nenhuma idéia de status. (É interessante notar sobre isso que, ultimamente, trätofflor têm sido produzidos com variedades de textura, cores e materiais sintéticos. Isso faz com que eles tendam a se desgastar mais rápido; reparos são mais difíceis e algumas vezes impossíveis) Eles constituem, em sua forma original, um esplêndido exemplo de design nativo, não-manipulado. Diversas marcas de trätofflor têm se tornado populares nos Estados Unidos recentemente, onde eles se tornaram conhecidos como “tamancos suecos” e vendidos por preços mais altos.


30

O reconhecimento tardio do apuro técnico e de um valor artístico em casos como o de Beach que ocorre atualmente evidencia a diversidade de faces do significado da fotografia vernacular, quando encontramos a mesma expressão fazendo referência a fotografias amadoras (e que por isso não trazem agregadas o pedigree do autor) de temas cotidianos, produzidas desde a popularização das câmaras fotográficas até os dias atuais, em obras como “In the vernacular: photography of the everyday” (CUTSHAW, BARRETT, HERMAN, KAPLAN, 2008), ou no artigo “Lost Worlds” (WILLIAMS, 2005).

1.2.2 Diversidade de significados do vernacular para o design gráfico

No âmbito do design gráfico, o vernacular passa a ser valorizado no contexto do pósmodernismo, definido por Philip Meggs (2009, p.601) como o rompimento com o Estilo Internacional dominante desde a Bauhaus. Para Lupton (1994, p.158), um dos princípios fundadores do modernismo, movimento no qual o Estilo Internacional estava inserido, era a crença em um distanciamento entre o design e a vida cotidiana, criando uma divisão entre a cultura de consumo e uma vanguarda crítica. Essa divisão tornou-se um dogma acadêmico a partir dos anos 50, com universidades e museus assumindo o papel de críticos de produtos baratos e do grafismo das ruas. A importância do já citado “Learning from Las Vegas” está na contestação dessa visão, propondo a inclusão da paisagem existente ao invés de um reformismo elitista. Em um primeiro momento, portanto, é possível entender o vernacular como sendo tudo aquilo que não pertence ao discurso modernista (ou ao Estilo Internacional). Jeffery Keedy (1994, p.101) diz que essa visão é fruto do enfraquecimento do modernismo como discurso oficial, do qual os designers gráficos seriam tão dependentes que o pós-modernismo teria causado uma crise de identidade. Segundo o autor, quando há dificuldades em se definir alguma coisa geralmente é mais fácil definir o que essa coisa não é, por isso a definição de vernacular para tudo aquilo que os designers gráficos não são. Essa visão do vernacular é identificável na dicotomia presente nas expressões low culture e high culture, onde a relação espacial hierárquica implícita é combinada com julgamentos de valores, como afirma Lupton (1996, p.157). Os designers pertenceriam à instância superior, conforme retratado na exposição “High and Low: Modern Art and Popular Culture”, realizada no MoMA em 1990, onde jornais, propagandas e embalagens eram tratados como temas para os artistas modernos,


31

da mesma forma que paisagens, vasos de frutas e damas nuas o foram para os artistas clássicos. A contestação, por parte de designers gráficos, de muitos dos pontos do programa modernista resultou em uma aproximação de referências por este rechaçadas: elementos históricos e a grande massa de produtos realizados sem o seu aporte teórico encontrados nas ruas. Meggs (2009, p.617) coloca que o design vernacular está estreitamente ligado ao chamado design retrô, e a linha que separa os dois torna-se mais tênue quando o autor indica entre os significados do vernacular algo típico de determinado período histórico. Dessa forma, produtos de épocas anteriores à fundação de escolas de design se enquadrariam na categoria vernacular tanto pelo caráter histórico quanto pela ausência de paradigmas modernistas. A categoria do vernacular para o design gráfico surgiu trazendo consigo as conotações de localidade e de oposição a uma linguagem dominante, presentes no termo original. A resposta ao hegemônico Estilo Internacional, que de acordo com Meggs (2009, p.462) entre outras características defendia uma grid matematicamente construída, fotografia objetiva e texto que apresentassem informações visuais e verbais de maneira clara, livre dos apelos exagerados da propaganda e publicidade comercial, assim como uma abordagem mais universal e científica ao invés da expressão pessoal e soluções excêntricas, estaria em linguagens que por não terem sofrido influência de seus dogmas universalistas mantinham vivos traços de tradições locais. O designer americano Art Chantry (apud HELLER e THOMPSON, 2000, p.17), referia-se às linguagens por ele apropriadas (catálogos de peças industriais e outros objetos gráficos produzidos por artesãos ou artistas naif) como a verdadeira arte popular estadunidense, enquanto Meggs (2009, p.599) aponta para um fenômeno ocorrido no final do século XX em países ditos “em desenvolvimento” do oriente Médio, América Latina, Ásia e África. Com um rápido crescimento econômico, profissionalização do design gráfico e declínio de influências coloniais, passou a ser realizada nesses locais uma combinação de tecnologias avançadas e tendências do design internacional com formas vernaculares contemporâneas, buscando o desenvolvimento de uma identidade cultural própria. Com a gradativa importância adquirida pelo pós-modernismo, de tal forma que os antes predominantes ideais modernistas passaram a se comportar também como signos históricos, o vernacular passou a ser entendido não somente como as diversas linguagens não consoantes com o discurso oficial, e sim como diferentes dialetos, que se constituem como tal por razões históricas, regionais ou de qualquer outro tipo. Dessa forma, o próprio modernismo, antes tido como pertencente a uma instância superior, tornou-se passível de ser


32

compreendido como uma forma de vernacular, ou, como descreve Lupton (1994, p.159), um dialeto entre tantos outros, ao invés de uma gramática padrão. Jeffery Keedy (1994, p.102) dá o exemplo da leitura da linguagem do design corporativo ou de embalagem dos anos setenta e oitenta (realizados por “designers profissionais”) como uma forma de vernacular a ser apropriada, recurso típico da produção dos chamados rave graphics (material impresso produzido para divulgação de festas rave quando estas começaram a se popularizar, entre o final da década de 80 e o início da de 90 – LUPTON, 1996, p.97) e questiona se designers “inspirando-se” em revistas como Print ou Emigre também não estariam utilizando o vernacular. A partir dessa conotação de “dialeto”, expressões como “vernacular primitivo”, “vernacular comercial” ou “vernacular corporativo” fizeram-se necessárias em alguns casos para caracterizar determinados tipos de linguagens. No Brasil, o vernacular é compreendido para o design gráfico por uma gama mais restrita de significados, em comparação com a literatura em língua inglesa, principalmente tendo como referência a produção acadêmica no país. Não se trata de um termo técnico “importado” de outras línguas, e sim de um vocábulo da língua portuguesa utilizado já no século XIX (com o registro mais remoto de 1881, segundo CUNHA, 1986) semanticamente ligado a tudo aquilo que é próprio de um país, nação ou região (HOUAISS, 2001). E é com esse sentido que o termo é utilizado no Brasil por um teórico do design, no registro mais remoto encontrado durante esta pesquisa, no caso Edna Cunha Lima em 1994: Há os que vêem no design vernáculo, nas vertentes populares ou elitizadas (como produção da propaganda), uma tendência que beneficia a procura de uma identidade brasileira. (LIMA, 1994, p.25)

No entanto, o termo em questão acabou consagrando-se com uma conotação mais ligada ao popular (no sentido de antônimo de erudito, conforme aponta FARIAS, 2009, p.3) onde por isso o pertencimento a baixas classes sociais costuma ser uma característica de seus produtores. Dessa maneira, trabalhos sobre a categoria dificilmente têm por objeto, para citar exemplos do “vernacular comercial”, impressos banais realizados fora da instância do design canônico, apesar dessa linguagem muitas vezes servir de referência, por parte de designers, para a construção de um pop ou cult urbano. A faceta particular do vernacular no país foi tema de trabalhos como “Os pintores de letras: um olhar etnográfico sobre as inscrições vernaculares urbanas”, tese de doutorado de Marcus Dohmann (2005), ou na dissertação de mestrado “Design gráfico vernacular: a arte dos letristas”, de Fernanda Cardoso (2003). Sintomaticamente, pesquisas sobre temas bastante semelhantes preferem adotar o termo


33

“popular”, como o livro “Tipografia Popular: potências do ilegível na experiência do cotidiano”, de Bruno Guimarães Martins (2007), a dissertação de mestrado “Panorama tipográfico dos letreiramentos populares: um estudo de caso na cidade do Recife”, de Fátima Finizola (2010), e a monografia “Letras que flutuam”, de Fernanda Martins (2008). No artigo “Brazilian ‘vernacular’ type design and digital technologies” (2009), Farias aponta que enquanto nos Estados Unidos e na Europa a tendência vernacular pode ser interpretada como uma contestação ou rebelião contra o status quo de uma tradição, no caso brasileiro esta é contemporânea ao nascimento de tal tradição. No texto sobre as fontes digitais identificadas como “vernaculares” no livro “Fontes Digitais Brasileiras: de 1989 a 2001” (2003), a mesma autora coloca: O design vernacular possui duas acepções: o design praticado antes da existência de escolas ou diplomas de design, e o design popular, informal, não acadêmico. Nas páginas a seguir, temos exemplos apenas dessa última acepção. (FARIAS, 2003, p.125)

Tal ressalva pode ser um indício de que a forma como o vernacular é compreendido pelo design gráfico brasileiro seja reflexo daquelas que, entre todas as linguagens não pertencentes ao design culto, foram consagradas pela constante apropriação por partes dos designers no país. É possível reunir as definições do vernacular em dois grandes grupos, um tendo as idéias modernistas como referências e outro em um contexto pós-moderno. No primeiro, o vernacular seria caracterizado por tudo aquilo que não seguisse o programa modernista. Tal negação pode se manifestar motivada por razões históricas (em períodos anteriores à construção do discurso modernista), através de elementos regionais (em oposição ao universalismo modernista) ou pela ausência da metodologia modernista (que no lugar de uma ausência total de metodologia pode ser mais corretamente definida como presença de uma forma distinta de metodologia). Como reflexo desta última, teríamos a questão do anonimato da autoria, já que pela ausência da figura do autor moderno os produtos seriam resultados de uma realidade maior, apenas reproduzida inconscientemente por quem os realiza. Essa idéia parte do fato de que embora seja visto como algo espontâneo e intuitivo, é comum a identificação de modelos recorrentes. Já no contexto pós-moderno, qualquer tipo de linguagem, constituída por razões históricas ou regionais, inclusive produzida pelos próprios designers, pode ser compreendida como uma forma de vernacular.


34

Não é apenas um de todos os significados do vernacular que costuma motivar a inclusão da tipografia pintada nessa categoria. Primeiramente, a vertente popular da pintura de letras (ou seja, realizada por pessoas que não pertencem à esfera culta) coloca-se como periférica frente a uma linguagem oficial e dominante. E isto tanto no que diz respeito às novas tecnologias, quanto aos responsáveis pelos trabalhos através delas executados. Estes, sejam ou não designers formados, são considerados como pertencentes a uma instância superior à dos pintores de letras. Por outro lado, considerar os pintores de letras como portadores de uma linguagem local, teoricamente menos influenciada por um eventual processo de uniformização internacional causado pela globalização, possibilita elevá-los ao papel de portadores de uma identidade regional, outra vertente do vernacular, muito pertinente para designers que buscam refletir em seus trabalhos referências locais, conforme será analisado no item 2.2.

1.2.3 Design e Artesanato

A categoria do vernacular, dependendo do significado a ela atribuído, pode englobar produtos do artesanato – que passa a ser relevante para este trabalho na medida em que os trabalhos dos pintores de letras são produzidos artesanalmente. Por sinal, o artesanato está entre as atividades que possuem um limite difícil de ser estabelecido rigidamente, em alguns aspectos, com o próprio design. Fred Smeijers cita uma definição de Alexander Verberne que se propõe definitiva: If you think out something and make it yourself, then you are a craftsman. If you have to make specifications for it, for someone else to execute your plans, then you are a designer. (SMEIJERS, 2003, p.20) 4

A partir dessa idéia, Smeijers considera que fontes tipográficas do século XV eram na verdade produtos de artesanato, categoria cujos autores podem apresentar grande destreza técnica e até desenvolver uma assinatura pessoal, mas que geralmente não trabalham com um conceito – que mesmo quando presente seria ligado a uma tradição, passível de poucas alterações. O autor ressalta não haver estranhamento da utilização do termo design (no

4

Se você pensa em alguma coisa e a faz você mesmo, então você é um artesão. Se você precisa fazer especificações para isso, para que alguém mais execute seus projetos, então você é um designer.


35

sentindo de projeto, lembrando tratar-se se uma tradução para língua inglesa de um texto originalmente em holandês) ao se tratar de arte pelo fato de criador, planejador e executor serem a mesma e única pessoa (como na relação de Michelangelo com seus afrescos na capela Sistina), aspectos não relacionados às conotações da palavra artesão. Enquanto presume-se que o trabalho de um pintor terá variações, através de diferentes novas composições, o do artesão estaria restrito à feitura de um mesmo tipo de produto repetidamente. O design brasileiro tem sua relação com o artesanato discutida desde a época da abertura de seus primeiro cursos superiores. Aloísio Magalhães (1985) não via no Brasil a existência de artesanato propriamente dito, dentro do um conceito ortodoxo, pela ausência de tradições profundas de cristalização de trato de matéria-prima que constitui formas artesanais clássicas. Ele via sim uma disponibilidade imensa para criação de objetos, e entendia trabalhos com características de artesanato como formas iniciais de uma atividade que quer evoluir na direção de uma maior elaboração, caracterizada pelo alto índice de invenção em uma atitude pré-design. O artesão brasileiro, por isso, seria basicamente um designer em potencial, muito mais do que propriamente um artesão no sentido clássico. Já Lina Bo Bardi tentou reproduzir em 1962 alguns princípios da Bauhaus, adaptados para terem como base o artesanato nordestino, no projeto de uma Escola de Desenho Industrial e Artesanato a ser instalada em Salvador, que nunca foi realizada (FARIA, 2008). Atualmente, há uma nova e já consolidada área do design voltada para a produção artesanal. Características econômicas e geográficas do Brasil, onde muitas comunidades isoladas possuem um artesanato rico e tradicional, apesar de muitas vezes apresentarem graves problemas sociais, levaram à utilização de ferramentas do design para melhoria da realidade, ações essas que se enquadram no chamado design social. Nestes casos, o design atua não através da simples apropriação de formas ou materiais, e sim como agente de adequação dos produtos de artesanatos locais a um mercado consumidor globalizado, sempre levando em conta a manutenção de seus valores tradicionais, através de iniciativas empreendedoras que geram dividendos para seus autores. O Programa Sebrae de Artesanato (2004) trata o design como um setor-chave, capaz de contribuir no que diz respeito à inovação sem descaracterização dos produtos, baseado na compreensão dos contextos nos quais são inseridos. No mesmo documento, a descrição do que caracteriza o artesanato, e o diferencia das categorias arte popular e trabalhos manuais, torna possível entender a contextualização da pintura de letras como um de seus exemplos.


36

A partir do conceito proposto pelo Conselho Mundial do Artesanato, define-se como artesanato toda atividade produtiva que resulte em objetos e produtos acabados, feitos manualmente ou com a utilização de meios tradicionais ou rudimentares, com habilidade, destreza, qualidade e criatividade. (SEBRAE, 2004, p.21)

O mesmo ocorre com outras características comparativas citadas: produção de pequenas séries com regularidade; produtos semelhantes, porém diferenciados entre si; compromisso com o mercado; fruto da necessidade. O entendimento da figura do pintor de letras atual como um artesão valida muitas das colocações de Smeijers, principalmente em comparação com a atividade do design gráfico. Apesar de o método de trabalho do pintor de letras incluir certo grau de planejamento (o que talvez seja a principal característica que o diferencie de pintores incidentais, ou seja, os que exercem a atividade esporadicamente e cuja imperícia é facilmente identificável no que é por eles produzido), a utilização do termo projeto, da mesma maneira que o conceito citado por Smeijers em relação ao artesanato, não se mostra adequada.


37

2 METODOLOGIA DO LEVANTAMENTO

2.1 Determinação do corpus de análise

Para que a pesquisa tivesse início, era necessária a identificação de uma área que oferecesse razoável quantidade de exemplos do tema de estudo. Observações anteriores já indicavam o Centro da cidade do Rio de Janeiro como detentor de tais características, e por isso um primeiro levantamento fotográfico exploratório foi realizado naquela área. Quem vive ou trabalha na cidade trata informalmente como Centro uma área de limites pouco precisos, pela existência de micro-regiões ou sub-bairros igualmente inexatos, como Cinelândia ou Lapa, o que levou à utilização da regulamentação oficial como referência. Para esta pesquisa, portanto, entenda-se por Centro do Rio de Janeiro a área definida pelo Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos como Região Administrativa (RA) II da Área de Planejamento (AP) 1 (figura 6). Como parte dessa região havia sido percorrida durante uma pesquisa anterior (que resultou no artigo “Comunicação visual de fachadas de lojas de suco no Centro do Rio de Janeiro”, GUIMARÃES, LESSA, CAVALCANTI, 2010), já estava constatada uma baixa concentração de tipografia pintada em determinadas áreas, que foram excluídas antes mesmo do levantamento inicial.

Figura 6: Centro do Rio de Janeiro


38

O levantamento fotográfico exploratório foi realizado em trajetos previamente planejados, definidos com a intenção de cobrirem todas as partes do Centro, excluindo as áreas já citadas. A quantidade de ocorrências comprovou a viabilidade da pesquisa, e o alto índice de assaltos e furtos levou à exclusão também das cercanias da estação ferroviária da Central do Brasil. A configuração final da área de pesquisa pode ser vista na figura 7.

Figura 7: área de pesquisa

Para fins práticos visando o processo do levantamento fotográfico, foram delimitadas subáreas tendo como critério somente a divisão da área total em partes com dimensões semelhantes. Como nenhuma questão urbanística foi levada em conta, a divisão resultante não é a mais apropriada para uma análise que busque incorporar a variável urbanística. No entanto, é possível identificar preliminarmente algumas relações entre a quantidade de exemplos de tipografia pintada e determinas regiões da área pesquisada, como no caso da subárea denominada “Saara”, nome pelo qual é conhecido um grande centro de comércio popular nela localizado, caracterizado pela altíssima concentração de estabelecimentos e pelo intenso fluxo de pedestres, onde foi encontrada uma quantidade de artefatos muito superior ao de qualquer outra subárea (figura 8).


39

Figura 8: quantidades de exemplos registradas em cada subárea

2.2 Levantamento fotográfico

Após essas primeiras definições, foi realizado um levantamento fotográfico mais sistematizado, que tinha por objetivo tanto o registro de tipografia pintada quanto a busca pelos pintores de letras. Não foi pretensão desta etapa esgotar absolutamente todos os exemplos existentes, o que seria inviável pela característica de alguns suportes: placas móveis que não são necessariamente sempre expostas, portas retráteis que só podem ser vistas quando os estabelecimentos estão fechados, etc. Devido à grande quantidade de material a ser coletado, além de outros fatores como donos ou funcionários de estabelecimentos que se mostram hostis ao perceberem que estes estão tendo suas fachadas fotografadas, ou a constante preocupação com a segurança, as fotos foram realizadas da maneira mais rápida e discreta possível, sem maiores preocupações além de registros com qualidade suficiente para a análise. O material bruto dessa etapa totalizou 1260 fotos, com a ressalva de que esse número não possui relação direta com a quantidade de artefatos encontrados, já que mais de uma foto foi tirada de um mesmo local, assim como uma única foto poderia incluir mais de um exemplo a ser analisado. Esse total foi depurado, descartando as fotografias prejudicadas por questões técnicas, como baixa luminosidade ou


40

demasiada distância; descartando também os exemplos que em um segundo momento foram identificados como não pertencentes ao tema da pesquisa, pela técnica ou pela autoria, ou ainda que se encontrassem em estado precário que impedisse uma observação mais detalhada; agrupando fotos diferentes que por ventura haviam sido tiradas de um mesmo artefato. Após essas medidas, chegou-se ao total de 1230 fotografias. Estabelecido o número de fotografias, foi necessário definir novos critérios relativos à análise. Uma primeira decisão diz respeito aos artefatos que possuem mais de uma face, como cavaletes ou placas pintadas nos dois lados. Optamos por considerar artefatos com faces idênticas ou com diferenças mínimas (como a inversão de uma seta) como um exemplo a ser analisado; enquanto que em casos de artefatos com faces distintas cada uma foi contabilizada como um exemplo. Esse critério parte do princípio de que as soluções gráficas utilizadas são mais relevantes para a pesquisa do que a simples quantidade de artefatos encontrados, mesma premissa do critério de contabilizar como uma única unidade casos em que uma mesma solução fosse encontrada em diversos artefatos. Segundo esses critérios, foram contabilizados 884 artefatos a serem analisados. O conjunto de fotografias analisadas encontra-se reunido no Anexo, na forma de arquivos digitais. Os arquivos estão numerados de 001 a 914. No caso de diferentes fotos de um mesmo artefato, foi adicionada uma letra após a numeração (001a, 001b, etc.). Os números que dão nome aos arquivos (914) extrapolam a quantidade de artefatos analisados (840) porque durante a análise foram identificadas fotografias diferentes de um mesmo artefato, por isso arquivos foram renomeados para serem identificados como fotografia alternativa de um artefato já registrado. Por essa razão, alguns números do intervalo de 001 a 914 encontram-se suprimidos.

2.3 Categorias e termos da análise

Durante a revisão bibliográfica, foram identificadas pesquisas que se relacionavam em diferentes níveis com o tema da tipografia pintada, que serviram de base para o sistema de análise dos artefatos. Pelas especificidades do objeto de estudo do presente trabalho, tais sistemas foram adaptados, com a criação de novas categorias necessárias ou exclusão de outras que não se mostraram relevantes.


41

Quanto à terminologia utilizada neste trabalho, a intenção inicial era incorporar à análise, sempre que possível, termos identificados no discurso dos pintores. O formato de entrevistas únicas dificilmente provocaria a exposição de todos os termos por eles utilizados, assim como provavelmente estes guardem certas limitações quanto a aspectos formais mais detalhados dos artefatos, como as estruturas das letras. Por essa razão, foram reproduzidos termos encontrados em outras pesquisas ligadas aos artefatos dos pintores de que tenham se mostrado adequados também ao conjunto aqui analisado, principalmente as de autoria de Abreu (2003) e Finizola (2010). Seguindo o mesmo princípio, recorremos a termos tradicionais da tipografia, do design de tipos e da caligrafia clássica quando necessário. Especificidades do conjunto analisado demandaram a criação de novos termos, cujos conceitos são descritos ao longo do trabalho. Foi utilizada também uma outra fonte de referência, além das já citadas, que merece uma análise à parte. Trata-se de uma série de manuais voltados para a pintura de letras, publicados nos Estados Unidos, datados entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Sua relevância para essa pesquisa se dá em muitos aspectos: além de se tratarem de teorias (mesmo que com um viés mais prático típico dos manuais) voltadas especificamente para essa atividade, assim como utilizarem uma terminologia a ser considerada, mostraram-se uma importante referência para comparação com os resultados obtidos nas entrevistas, relacionados a aspectos tanto técnicos quanto antropológicos.

2.4 Parâmetros analíticos

A opção pelo levantamento extensivo, assim como limitações de tempo e possibilidades, inviabilizou um maior detalhamento analítico, tornando impraticáveis a consideração de alguns aspectos, como a localização exata, as dimensões ou os materiais que compõem cada artefato, ou a observação de diferenças mais refinadas quanto a detalhes formais das letras. Por outro lado, porém, foi possível uma análise com sólidas bases quantitativas. Tomando como exemplo a análise tipográfica, foram considerados, dentre a vasta gama de aspectos formais tratados pelas diferentes referências teóricas, aqueles identificados durante a observação dos artefatos como sendo mais importantes no tocante à caracterização dos alfabetos produzidos pelos pintores. Informações sobre tais aspectos, ao


42

serem convertidas em dados quantitativos, constituem um retrato fiel de sua relevância em relação ao total analisado. A partir dos critérios utilizados na análise do total de artefatos registrados no levantamento fotográfico, foi realizada uma segunda análise mais aprofundada, dessa vez tendo como objeto a produção individual dos pintores mais importantes, no que diz respeito à quantidade de artefatos encontrados, no Centro do Rio de Janeiro.

2.5 Entrevistas com os pintores de letras

O levantamento dos pintores foi realizado simultaneamente aos registros fotográficos, através da identificação de assinaturas encontradas nos artefatos (já que alguns destes profissionais têm por hábito deixar inclusive o número de seu telefone), por alguma eventual forma de propaganda de seus serviços, ou por indicação de seus clientes. Desta maneira, a presença de um local de trabalho fixo na área pesquisada, como uma loja ou oficina, não foi considerada como fator fundamental para inclusão dos profissionais nesta pesquisa, e sim a autoria de elementos gráficos que compõem o ambiente urbano registrado. As entrevistas tiveram por objetivo conhecer o perfil dos pintores de letras, em especial a sua formação e atuação no mercado, assim como identificar as influências que os levam a tomar determinadas decisões em seus processos de trabalho. A metodologia utilizada foi a de entrevistas estruturadas (GIL, 1999), onde se buscou preencher o mesmo modelo de formulário a partir das respostas de todos os entrevistados, o que possibilita um tratamento quantitativo dos dados. Devido às idiossincrasias dos pintores, perguntas sobre questões mais específicas foram feitas quando necessário. O formulário foi desenvolvido tendo como diretriz a obtenção das informações de interesse desta pesquisa da maneira mais objetiva possível, sem demandar muito tempo do entrevistado e tornando assim prática sua aplicação. As perguntas formuladas podem ser divididas em quatro partes. Na primeira, são coletados dados pessoais e informações sobre a relação do entrevistado com o ofício da pintura de letras. Na segunda, são abordadas questões referentes ao que é por eles produzido: material, técnica e processo criativo. A terceira parte se concentra na tipografia, enquanto a quarta tem como tema a situação do mercado no qual os entrevistados atuam.


43

I. dados pessoais e histórico 01. Nome e idade Nome da profissão e há quanto tempo a exerce Trabalha exclusivamente com isso? 02. Início na pintura de letras e formação profissional. 03. Já ensinou o ofício a alguém? 04. Residência e local de trabalho.

II. técnica e processo criativo 05. Principais tipos de suportes 06. Materiais e ferramentas utilizados 07. Descrição do processo criativo 08. Utiliza o computador para os trabalhos?

III. tipografia 09. Quais os principais tipos de letras utilizados? 10. Quais as referências para desenhar as letras? 11. O que influencia na escolha dos tipos de letra? 12. Costuma usar sempre os mesmo tipos de letras ou cria novos para novos trabalhos? 13. Desenha ilustrações?

IV. mercado de trabalho 16. Faz trabalhos em outros bairros/cidades? 17. Situação do mercado atual: alguma mudança com a popularização dos computadores?

Dentre todos os profissionais cujos contatos foram conseguidos, foi dada prioridade durante a seleção aos que tiveram o maior número de artefatos registrados, além da inclusão de autores que, mesmo sem possuir grande produção

na

área

de

pesquisa,

representassem

a

diversidade do que pode ser definido por “estilos” encontrados. Com esses critérios, buscouse a constituição de um conjunto de entrevistados que refletisse dentro do possível o universo dos exemplos encontrados durante a pesquisa, com a intenção de evitar eventuais distorções resultantes de critérios subjetivos. Apesar do grande número de autores identificados, houve dificuldade em conseguir realizar as entrevistas na maioria dos casos. Muitas vezes, não foi conseguida nenhuma informação além do nome do autor assinado nos artefatos (alguns dos quais incluindo números de telefones para contato ainda com sete algarismos, como no caso


44

da figura 9, o que evidencia serem artefatos mais antigos). Em outros casos, o contato dos clientes com os pintores se dava exclusivamente através de visitas destes, e as diversas idas aos estabelecimentos se mostraram infrutíferas. Sobre alguns dos pintores, foram conseguidas informações relativas apenas aos seus locais de trabalho, sendo que mesmo assim houve dificuldade em encontrá-los, já que não possuíam um horário estabelecido de serviço. Entre os profissionais cujos contatos telefônicos foram conseguidos, houve casos em que os horários e locais disponíveis tornaram inviável o contato pessoal, além de outros em que a profissão de pintor havia sido abandonada ou era exercida como atividade secundária, e ainda um caso de falecimento do pintor. Ao final do levantamento, foram conseguidas entrevistas com oito pintores de letras. A tentativa inicial de realizar as entrevistas nos locais de trabalho dos pintores, de preferência durante a execução de algum serviço, mostrou-se na prática possível apenas em alguns casos. Todas as entrevistas foram presenciais e com pelo menos um exemplo de artefato do pintor, pronto ou sendo realizado, em mãos (se não um original, uma fotografia), para que este pudesse fazer referência quando necessário. Foram realizadas gravações em áudio de todas as conversas e registros fotográficos quando pertinente. Uma entrevista piloto foi realizada visando verificar a eficiência da metodologia adotada, da tal maneira que correções e melhorias pudessem ser feitas para as demais entrevistas. Como as alterações em relação ao seu formato final foram mínimas, o material coletado nesta primeira etapa pôde ser considerado válido para a pesquisa.


45

3 OS PINTORES DE LETRAS

3.1 O pintor de letras como categoria profissional

Conforme já foi colocado, esta pesquisa tem como objetivo principal o registro e a análise de exemplos de tipografia pintada existentes nos dias atuais. Em um primeiro momento, o único fator relevante em relação à autoria era esta estar ligada aos especialistas, detentores de técnicas de execução de artefatos de comunicação visual. Apesar do pertencimento às esferas culta ou vernacular não ter sido considerado, é notório que a técnica tema desta pesquisa traz consigo conotações sociais que a fazem ser encarada como algo que foge do design canônico, e que por isso fatalmente encontraríamos o personagem do pintor de letras. Se a diluição da tipografia pintada na gráfica urbana pode dar uma impressão subestimada da quantidade de exemplos que nos cercam, fenômeno análogo ocorre em relação àquele profissional, principal responsável por sua confecção. Fez-se necessária então uma investigação desta categoria, que nos dias atuais resiste como alternativa para produção de artefatos de comunicação visual, encontrando espaço entre os meios de produção possibilitados pelas tecnologias digitais. Para boa compreensão do perfil desse profissional, cabe uma comparação com outros produtores de elementos tipográficos pintados. Por um lado temos os grafiteiros, produtores do grafite, que faz parte da chamada cultura Hip Hop e cuja técnica típica para pintura é a aerografia. Originalmente, produzem inscrições onde a expressividade

é

o

valor

principal,

geralmente

ultrapassando os limites de legibilidade, compondo nomes de seus autores, de grupos ou mensagens políticas. No entanto, podem ocorrer variações comerciais dessa linguagem,

menos

caracterizadas

visualmente

por

pertencerem a um contexto comercial onde a legibilidade é fundamental. Em algumas situações grafiteiros e pintores de letras podem disputar os mesmos clientes.


46

Outro perfil profissional, este mais próximo do pintor de letras, é o do cartazista. A distinção entre os dois grupos não se dá de maneira absoluta, até porque há quem exerça ambos os papeis simultaneamente, mas mostrou-se como uma questão importante detectada em entrevistas com pintores de letras do município de São Gonçalo, realizadas em uma pesquisa anterior, assim como pela existência de cursos distintos no Senac. Enquanto no trabalho do pintor de letras há certa variação de suportes, mensagens e clientes, com a produção de peças únicas que por isso demandam também novas soluções para cada trabalho realizado, o cartazista trabalha no mesmo suporte (cartaz) com mensagens semelhantes (preços e pequenos textos) com menor variação de soluções e para clientes que precisam de seu serviço regularmente. Se para o pintor de letras a qualidade do acabamento é um fator a ser considerado, para o cartazista a velocidade de execução do serviço chega a ser mais importante. Quanto à delimitação da técnica pesquisada, a pintura de letras é aqui entendida como realização da escrita de maneira direta, utilizando determinada ferramenta (pincel, rolo, etc.) cujo formato influencie, ao lado do gestual de quem a manipula, aspectos formais do seu produto. Ficam assim excluídas do campo de análise técnicas como serigrafia ou stencil, que apesar de utilizarem materiais e ferramentas comuns à pintura de letras, possuem como característica a reprodução em série de formas pré-concebidas. Dentre os diferentes termos encontrados para designar o profissional aqui analisado, pintor de letras mostrou-se mais adequado, dada a gama de outros significados que a denominação letrista traz consigo, sendo encontrada em outros campos, como o da música, assim como estar ligada ao profissional que “abria letras” em layouts de agências de publicidade em épocas anteriores às impressões digitais, conforme apontado por Brandão (2006, p.51).

3.1.1 Registros do passado anterior ao design

A procura por uma tradição no que diz respeito à atividade de pintura de letras em escala arquitetônica encontra no século XIX um marco fundamental. As transformações trazidas pela Revolução Industrial afetaram a gráfica urbana em diversos níveis, dos suportes de comunicação visual ao desenho dos caracteres tipográficos. Conforme aponta Meggs,


47

O ritmo mais rápido e as necessidades de comunicação de massa de uma sociedade cada vez mais urbana e industrializada produziram uma expansão rápida de impressores de material publicitário, anúncios e cartazes. Maior escala, mais impacto visual e novos caracteres acessíveis e expressivos eram necessários, e a tipografia de livros, que lentamente evoluíra da caligrafia, não atendia a essas necessidades. (MEGGS, 2007, p.175-6)

Inscrições tipográficas comerciais buscavam não somente atender às novas relações entre a grande concentração populacional e os crescentes aglomerados urbanos, mas também passaram a competir com chamativos elementos de comunicação visual de finalidade publicitária. Se os novos impressos de dimensões cada vez maiores eram possibilitados pela tecnologia de impressão com grandes tipos móveis de madeira, a produção de peças únicas que serviam para identificar edificações de toda sorte se dava através de processos artesanais, com destaque para a pintura. No Brasil, é possível encontrar provas disso nos almanaques do século XIX, indicados por Cardoso (2009, p.121) como capazes de fornecer uma verdadeira radiografia da sociedade da época, por serem publicações anuais de grande circulação. O “Almanak Laemmert”, publicado de 1844 a 1889 e cuja fama até hoje se destaca das dos demais, trazia em suas páginas de 1875 uma seção dedicada aos “Pintores de casas, taboletas, letreiros, etc.”, dentre os quais F. Tribiani, que em um anúncio com tipos especiais destacava sua “Especialidade em Taboletas” e ainda de se tratar de um profissional que “Encarrega-se de qualquer pintura por mais dificultosa que seja.”; ou da pintora Michele Costa, “Especialista de taboletas sobre vidro”. Uma análise mais profunda dos diversos números dessa publicação pode revelar informações como mudanças do mercado, perfil dos profissionais ou terminologia utilizada. Sobre o início do século XX, temos o relato de João do Rio, que chegou a escrever uma crônica intitulada “Tabuletas”. Publicado em seu livro “A alma encantadora das ruas”, que em 1908 reuniu crônicas escritas entre 1904 e 1907 para “A Gazeta de Notícias” e a revista “Kosmos”, o texto traz importantes informações sobre exemplos de tabuletas cariocas por ele observados e até da relação de seus pintores com os clientes. Com o advento da fotografia ainda no século XIX, registros suplantaram a efemeridade dos artefatos e chegaram aos nossos dias (figura 13). A investigação de registros históricos desse período no Brasil, durante o qual ocorreu uma razoável consolidação do campo profissional da pintura de letras, mesmo levando em conta tratar-se de uma atividade já exercida anteriormente em menor escala, difere da situação atual em certos aspectos. Como a técnica da pintura manual tinha na época o status de principal meio para produção de artefatos de comunicação visual, o profissional que a detinha não estava restrito a uma esfera popular. Os anúncios nos almanaques por si só indicam tratarem-se de especialistas mais bem remunerados, pertencentes a instâncias mais elevadas.


48

Não foram encontradas referências quanto à formação específica desses profissionais, que no “Almanaque Laemmert” podiam dividir uma mesma seção com pintores de casas ou serem incluídos entre “Pintores scenographos e decoradores”, para citar dois exemplos. O quadro de matérias ministradas no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, criado em 1856 para oferecer educação profissional técnica para adultos, visando capacitá-los para atender necessidades da cidade em campos como comércio e construção civil, oferecia um ferramental teórico útil para eventual aplicação na atividade em questão. Entre as matérias ministradas durante o curso profissional em 1882, havia Desenho Elementar, Desenho de Ornatos, Desenho de Figura, Desenho Linear Geométrico, Caligrafia, Geometria Plana, Geometria no Espaço e Geometria Descritiva (BARROS, 1956, pp.241-3).

Figura 13: detalhe de fotografia do Largo da Carioca tirada em 1891

O contexto pré-industrial, sem uma distinção clara das atividades de projetar e fazer, não impossibilitava uma diferenciação entre profissionais das esferas culta e popular. Essa ocorria, senão pela legitimação através da formação dos profissionais, ao menos pelo espaço ocupado no mercado, principalmente em relação aos tipos de clientes atendidos. Tal distinção provavelmente era refletida nos artefatos produzidos, conforme sinalizou João do Rio: Mas as tabuletas extravagantes são as do pequeno comércio, sem a influência de Paris, a importação direta e caixeiros elegantes de lenço no punho: as vendas, esta criação nacional, os botequins baratos, os açougues, os bazares, as hospedarias...


49

3.1.2 Mudanças com o surgimento do design moderno

Da mesma maneira que o artesanato, com seu conceito atual, surge apenas depois da Revolução Industrial, o advento de novas tecnologias que passaram a substituir a pintura como meio de produção, assim como possibilitaram a separação entre projeto, enquanto atividade do designer, e produção, resultou em uma nova configuração da atividade de pintura de letras. Tal qual tantas outras tecnologias artesanais pré-industriais, ocorreu não uma extinção, e sim o deslocamento para duas instâncias antagônicas: a popular, onde custos mais reduzidos mantêm o produto competitivo em relação aos frutos de tecnologias mais modernas; e a canônica, onde o atrativo está na obtenção de um tipo de qualidade inatingível através da produção em série, possível somente em tiragens pequenas ou mesmo na exclusividade de peças únicas. No caso da pintura de letras nos dias atuais, o pertencimento à esfera culta pode ser identificado de maneira análoga ao design, ou seja, através da formação de nível superior ou reconhecimento do mercado (do design, das artes plásticas ou de um modo geral, sendo a diferenciação dada pelo tipo de clientes e trabalhos). No Centro do Rio de Janeiro foi encontrado apenas um profissional que se aproximasse de tal perfil (o pintor Zanata, ver página 58), assim como em poucas das ocorrências registradas a utilização da pintura em detrimento aos meios modernos de produção aparentemente se deu não pelos custos reduzidos (já que não se tratam de comércios populares) e sim como opção visando uma integração com a linguagem historicizante presente na arquitetura e decoração interna dos estabelecimentos (figura 14). Para fins comparativos, vale citar como referência os casos de Alfredo Genovese, argentino formado na Escola de Belas Artes Prilidiano Pueyrredón especialista na realização do tradicional fileteado porteño em diversos tipos de suportes (figura 15); John Downer, estadunidense formado em pintura pela Washington State University e renomado designer de tipos (figura 16); e da também estadunidense New Bohemia Signs, empresa formada por designers e especialista na pintura manual de letreiros (figura 17).


50

Figura 14: letreiro com linguagem historicizante

Figura 15: trabalho de Alfredo Genovese

Figura 16: John Downer pintando letras

Figura 17: trabalho da New Bohemia Signs

O fim da educação formal do pintor de letras, que durante um longo período era oferecida em cursos técnicos livres em instituições como o Senac, ao que parece foi uma das


51

consequências do surgimento das tecnologias digitais. A popularização dos computadores pessoais e de seus periféricos, possibilitando a produção de artefatos de comunicação visual bem acabados e de preços acessíveis, aparentemente diminuiu significativamente o mercado da pintura de letras, e consequentemente a procura por cursos de formação. Assim sendo, se atualmente ainda estão em atividade profissionais com formação específica dessa atividade, com o fim dos cursos o perfil autodidata tende a tornar-se regra, com todas as implicâncias que isso pode acarretar.

3.2 Motivações do design de tipos a partir da pintura de letras

Apesar da intrincada relação com o design gráfico, que em determinados aspectos dificulta eventuais tentativas de dissociação, a tipografia pode ser encarada como um campo do saber por si só, com teoria e história próprias. O trabalho dos pintores de letras dialoga com conhecimentos e produtos gerados nesse campo. Essa relação ocorre, de certa maneira, através do compartilhamento de referências repertoriais, enquanto o principal fator de diferenciação são os métodos distintos utilizados por cada atividade. O repertório comum possibilita que conceitos de origem na tipografia sejam utilizados para análise de letreiramentos artesanais, como no presente trabalho, sofrendo adaptações ou sendo complementados quando necessário. Aos conjuntos de letras desenvolvidos e aplicados em letreiramentos podemos nos referir como alfabetos. Mesmo não sendo alfabetos completos, a partir dos glifos existentes no letreiramento, os outros necessários ao fechamento de um alfabeto completo podem, em princípio, ser deduzidos (assim como a fonte Gill Sans foi projetada pelo próprio Eric Gill com base em um letreiramento pintado de sua lavra). O conceito de alfabeto para o design é, na realidade, disposto pela tecnologia tipográfica, e eventualmente se confunde com o de fonte. Esta corresponde ao conjunto completo de letras, números e outros sinais em um corpo determinado (no caso da tipografia tradicional) ou válido para vários corpos (no caso da maioria da tipografia digital). Em relação às fontes, Farias (2004) lembra que caracterizam-se como conjuntos para os quais foram determinados não apenas os desenhos de suas faces, mas também as características métricas e de espaçamento que determinam a relação entre estes e outros glifos.


52

A distinção técnica entre a tipografia e a escrita manual, caligrafia e letreiramento, porém, se relativiza no cotejo entre formas, pois um modelo desenvolvido para uma tecnologia de escrita pode servir como referência para as demais. Assim como a família tipográfica Gill Sans utiliza como modelo um letreiramento, um modelo caligráfico pode servir de inspiração para uma fonte tipográfica, como no caso da Bickham Script, projetada por Richard Lipton no ano 2000 a partir do modelo de escrita Copperplate de George Bickham (figura 18). De modo similar, em certos artefatos produzidos pelos pintores de letras a referência a alfabetos tipográficos é evidente (figura 19).

Figura 18: fonte Bickham Script, projeto de Richard Lipton

Figura 19: trabalho de pintor de letras com referência em fonte tipográfica (Helvetica Bold Condensed)

A tecnologia digital abriu novos horizontes para o design de tipos enquanto simulação das outras categorias, possibilidade elevada a outro patamar após o desenvolvimento da linguagem opentype, o que não quer dizer que antes de seu advento não houvesse projetos


53

com essa diretriz. A busca por comunicar através da tipografia aspectos inerentes a outros meios de produção encontra na pintura de letras uma importante referência, utilizada ainda em tempos de tipos de metal. Desta época, e bastante difundidas atualmente em versões digitais, são as fontes Balloon (figura 20), projetada em 1939 por Max R. Kaufmann, e a Brush Script (figura 21), projeto de Robert E. Smith em 1942. Dez anos mais tarde foi lançada, pela mesma American Type Founders que comercializava as duas anteriores, a fonte Dom, de Peter Dombrezian (figura 22). Apesar das limitações tecnológicas e das poucas semelhanças entre si, todas buscam tornar evidente em suas formas a utilização do pincel como ferramenta, assim como ressaltar características típicas da produção artesanal.

Figura 20: fonte Balloon, projeto de Max R. Kaufmann

Figura 21: fonte Brush Script, projeto de Robert E. Smith


54

Figura 22: fonte Dom, projeto de Peter Dombrezian

Na fonte Balloon, o desenho busca transmitir um caráter informal e despretensioso, onde o hipotético pincel largo é utilizado sem grande apuro técnico: não é mantida uma angulação constante que resultaria em uma variação da espessura do traço; as junções de traços perpendiculares hora ocorrem de maneira incompleta, com um dos traços sendo interrompido antes do fechamento da forma, hora criando serifas através do cruzamento dos traços; e em formas arredondadas também não há um fechamento perfeito (com exceção no número 0), tornando inteligível o trajeto percorrido pelo pincel. A fonte Brush Script possui influência de um modelo de escrita manual, embora a referência na utilização do pincel a afaste dessa origem. Diferentemente da fonte Balloon, ocorre variação na espessura dos traços, embora não de maneira racional, o que contribui para a maior sinuosidade presente nos caracteres. Outro diferencial é o aspecto cursivo contínuo presente na caixa baixa, algo extremamente difícil de ser reproduzido em tipos de metal; e algumas terminações onde ocorrem pequenos prolongamentos além das estruturas dos caracteres, funcionando como marcas deixadas pela inexatidão do gesto informal. Na fonte Dom, a ferramenta é sugerida de maneira mais sutil, através das terminações e da variação nas espessuras dos traços. Apesar da ausência de inclinação, pequenas irregularidades em relação às linhas de base, altura-x e das ascendentes, assim como em determinadas junções, contribuem para o aspecto de uma escrita executada com habilidade, apenas com irregularidades inerentes ao processo artesanal. A apropriação de uma linguagem artesanal pode ocorrer de maneiras bastante heterogêneas, com resultados variando entre formas onde apenas determinados aspectos do original são utilizados, até a busca por uma perfeita simulação, imperceptível aos olhos do receptor da mensagem. Esta última atitude traz consigo questões que podem beirar o limite da ética, dependendo do contexto. Um caso típico, relatado por Bellon e Bellon (2010, p.8),


55

ocorreu durante as eleições presidenciais de 2008 nos Estados Unidos, onde diversos relatos denunciavam que cartazes presentes em comícios políticos, aparentemente produzidos artesanalmente, na verdade haviam sido impressos em massa por meios convencionais (figura 23). Muitos ficaram chocados com o que consideraram uma prática desonesta, que mostra porém um dos valores que a produção artesanal pode agregar a um artefato, no caso o suposto envolvimento ideológico que leva pessoas a se manifestarem através de artefatos produzidos pessoalmente

por

elas.

Outra

aplicação

menos

questionável é exemplificada por Spiekermann (1993, p.151), em relação às associações feitas pelas pessoas entre certas fontes e determinados produtos: mercadorias frescas, como frutas e legumes, demandariam mensagens com visual improvisado e artesanal, o que motivaria a utilização de fontes que emulem esse modo de produção. Os muitos exemplos de projetos tipográficos que transmitem, através de aspectos formais, a idéia de resultados do trabalho artesanal não devem ser compreendidos como fruto de uma relação absoluta entre a técnica utilizada e as formas resultantes. Se por um lado determinadas características encontradas nos exemplos das fontes analisadas anteriormente conseguem se fazer entendidas como produzidas através da pintura, a heterogeneidade presente nos artefatos dos pintores de letras leva a crer que os resultados não são sempre condicionados pela técnica. As letras pintadas podem ser reconhecidas não apenas por seus aspectos pessoais, mas também pela representatividade de um coletivo. A dualidade existente entre profissionais especialistas na técnica de pintura de letras das esferas cultas e populares persiste de certo modo em relação ao que produzem. Enquanto os da primeira são vistos como agentes que se apropriam de uma tradição histórica e/ou local, os pintores de letras geralmente são encarados como expressão dessa tradição. Através da busca pela construção de identidades locais a partir do vernacular, é comum enxergar na pintura de letras não apenas uma técnica que consegue resistir em tempos de novos meios de produção, e sim um foco de resistência de culturas locais frente a uma globalização que tenta impor seus próprios valores. Particularmente na América Latina, a ausência de uma tradição histórica do design de tipos leva à identificação dos pintores de letras como portadores de uma linguagem local, cuja apropriação contribuiria para a construção de uma identidade própria. A partir desse quadro surgiram projetos relacionados à chamada tipografia vernacular, como os brasileiros “Tipos do Brasil”, “Crimes Tipográficos”


56

e “Tipografia Artesanal Urbana”, o chileno “Tipografía Urbano-Populares” e o argentino “Santotipo”. Para se ter noção da importância dessa vertente do design de tipos nesses países, no Tipos Latinos de 2010, bienal de tipografia latino-americana, das 25 fontes digitais selecionadas para a categoria “título”, quatro têm referência na pintura de letras: Tomate, de Ramiro Espinoza (figura 24); Modelia, de Carlos Guerrero; Calgary Script, de Alejandro Paul (figura 25); e Plastilina, de Miguel Cabrera (figura 26).

Figura 24: fonte Tomate, projeto de Ramiro Espinoza

Figura 25: fonte Calgary Script, projeto de Alejandro Paul

Figura 26: fonte Plastilina, de Miguel Cabrera


57

3.3 Entrevistas com pintores de letras

Assim como a quantidade de ocorrências encontradas durante o levantamento fotográfico superou em muito as expectativas anteriores à sua realização, também surpreendeu a quantidade de pintores levantados exercendo a profissão atualmente. Perto de três dezenas de contatos de profissionais foram conseguidos, apesar da grande dificuldade em alguns casos, pois muitas vezes os artefatos não são assinados e nem os próprios clientes têm maiores informações, já que os serviços são oferecidos durante visitas esporádicas aos estabelecimentos. Em alguns casos não se sabia nem mesmo o nome do pintor.

3.3.1 Pintores entrevistados

Foram realizadas sete entrevistas, sendo que seis individuais e uma em dupla, totalizando os oito pintores de letras que compõem o grupo analisado. A entrevista em dupla foi realizada por tratar-se do caso de dois pintores que, além de serem pai e filho, possuem a relação de mestre e aprendiz, e trabalham juntos em um mesmo local. Além dos nomes, foram identificados, entre parênteses, eventuais apelidos pelos quais os pintores são conhecidos pelos clientes e assinam seus artefatos, e por isso serão assim tratados também ao longo do texto.

a) Antônio Carlos da Luz (Tonny Designer) Uma série de placas pintadas pelo pintor Tonny, colocadas na fachada de um estacionamento, motivou a busca por informações sobre ele junto aos funcionários do local. Pouco foi conseguido além do nome do pintor, que segundo relatado prestava serviços em troca da utilização de um espaço para guardar seu material (mas não era um local de trabalho propriamente dito), o qual visitava frequentemente, mas sem horário certo. Apesar disso, foi dito que seria fácil encontrá-lo, por estar sempre nas proximidades do local, sendo conhecido por “todo mundo”. Na verdade, o contato com o pintor foi dificílimo, só sendo


58

conseguido ao deixar no local, após uma série de visitas sem conseguir encontrá-lo, um bilhete avisando do interesse em falar com ele, junto com um número de telefone para resposta. Feito o contato, a entrevista foi marcada e realizada no estacionamento. Além de placas e sinalização de um modo geral, Tonny pinta ilustrações de grande escala em murais, e por isso considera a pintura letras apenas uma de suas habilidades.

b) Eduardo Lemos Cunha (Edu) Um dos pintores com maior número de artefatos registrados, a maior parte constituída por painéis para bares e restaurantes, foi facilmente contactado, já que tem por hábito assinar os artefatos junto com seu número de telefone. Essa facilidade se deve pelo modo como atua no mercado, realizando trabalhos em outras partes da cidade e indo de encontro aos clientes interessados pelo seu serviço. A entrevista foi marcada em um dia que Edu estaria no Centro para comprar material, e foi realizada em um bar próximo ao local de encontro. O pintor foi entrevistado por Fernanda Cardoso para sua pesquisa, o que já havia sido percebido devido à identificação de seus artefatos, que possuem uma linguagem bastante característica, nas fotografias e análises feitas pela autora, tendo sido confirmado pelo pintor. Seu estilo enquanto referência do vernacular o levou a ser contratado como ilustrador para uma das edições do guia “Rio Botequim” da Editora Casa da Palavra. Seus artefatos são analisados no item 4.2.7.

c) Ilson Leodoro Muniz (Zanata) O pintor Zanata é um caso à parte no grupo de entrevistados, por ser especializado no ramo da pintura de letras em ouro. Esse fato, por si só, aparentemente exclui do seu trabalho qualquer relação com o popular ou vernacular. As diferenças começam pelos custos do material utilizado, a “folha de ouro de lei”, que segundo o pintor tem que ser importada da Itália, e incluem o valor de seu serviço e os clientes que o contratam. Apesar do relatado encolhimento do mercado para esse tipo de trabalho, ainda são prestados serviços para clientes como a rede de lojas Mister Cat (inclusive em estabelecimentos localizados em shopping centers) e hotéis


59

de três estrelas. Entre trabalhos realizados no passado, estão clientes como a Natan Jóias e a Confederação Brasileira de Futebol, assim como diversos outros que demandaram, segundo o pintor, viagens para todas as capitais brasileiras. O destaque em relação aos outros pintores fica evidente no relato de que pinturas mais efêmeras, como painéis de preços ou cartazes, trabalhos típicos dos outros pintores, são feitos por cortesia ou para “tomar um café”, dado o baixo valor do serviço em relação ao seu trabalho usual. A entrevista foi realizada em um restaurante no Centro.

d) Jani Antônio da Silva (Jaime) Outro dos pintores com maior número de artefatos registrados, proximidades

Jaime

é

bastante

do

seu

local

conhecido de

nas

trabalho,

o

estacionamento de um hotel. Apesar de raramente assinar seus trabalhos, a partir dos primeiros clientes indagados que lhe indicaram como autor foi possível identificar o restante dos artefatos por ele produzidos. Mesmo tendo obtido informações sobre seu local de trabalho, o fato de o pintor não dispor de telefone fez da visita a única maneira de encontrá-lo, o que foi conseguido após algumas tentativas frustradas. Seu trabalho se concentra em painéis encomendados pelo comércio em geral, sendo sua clientela concentrada próxima ao seu local de trabalho, (provisório, segundo o pintor) no qual dispõe de uma estrutura bastante simplória. Seus artefatos são analisados no item 4.2.7.

e) Luciano Borges de Macedo (Borges, Baiano) O profissional Borges se considera um pintor na acepção mais generalista possível, do tipo que “faz de tudo um pouco”. Na placa através da qual foram conseguidos seus contatos (figura 34), se apresenta tanto como pintor de letreiros, placas e faixas quanto como pintor de aparamento, sala, etc. O local indicado para o encontro e onde foi realizada a


60

entrevista, no entanto, foi uma barraca onde pintava e expunha quadros seus, no Largo da Carioca, mostrando outra face de suas atividades como pintor, apesar de não se considerar artista plástico. O mesmo estilo do alfabeto encontrado na placa, e que motivou o interesse em entrevista-lo, é utilizado em seus quadros artísticos.

Figuras 35 e 36: barraca e pintura de Borges

f) Manoel Fernandes da Silva e Michel Soares da Silva Manoel e Michel fazem parte de uma família de pintores, que tem Manoel como patriarca e mais quatro filhos seus que exercem o ofício. Além de Michel, outro irmão trabalha com Manoel (que alega estar aposentado e apenas realizar serviços esporádicos) no mesmo espaço, localizado entre as casas da família em uma rua próxima ao Centro, na região da Praça Onze. Os outros dois filhos pintores moram e trabalham em lugares diferentes da cidade. O local de trabalho, tratado pelos pintores como ateliê, possui tamanho razoável e boa estrutura para atividade, com mesa e grande quantidade de ferramentas e materiais. Durante o levantamento fotográfico houve uma vaga indicação de um pintor na região, tendo como referência a Praza Onze. Chegando ao local, foi encontrada uma placa com nomes, endereço e telefones para contato, através dos quais foi marcada a entrevista (figura 39). Marcos, o outro filho que trabalha no local, cuida dos serviços ligados à impressão digital (também realizados pela família), embora igualmente domine o ofício da pintura manual. Por essa razão, passa a maior parte do dia fora do ateliê, o que dificultou que fosse incluído na entrevista, que foi lá realizada.


61

Figuras 38 e 39: material de trabalho e placa da família Silva

g. Malaquias de Sá Chaves (Masach) O pintor Masach de destaca tanto pela quantidade de artefatos de sua autoria encontrados, estando entre os principais nesse quesito, quanto pela concentração geográfica destes. Seu local de trabalho é um espaço cedido na sede da associação dos comerciantes da Rua Uruguaiana (também chamada de “camelódromo”) que compõe com um conjunto vizinho de ruas um grande centro de comércio popular, conhecido como Saara (já citado no item 2.1, página 37). Vários desses clientes indicaram onde ele poderia ser encontrado, e como na maior parte do dia ele lá permanece trabalhando, pôde ser facilmente contactado. Apesar de não se tratar de um local reservado, sendo os trabalhos realizados à vista de todos que por ali passam, há uma estrutura razoável, com cavalete e armários onde seu material é guardado. Pinta geralmente faixas e painéis, principalmente para comerciantes da região, mas também para pessoas de outros locais que conhecem seu trabalho. Alega ter entre suas atividades as artes plásticas, pintando e vendendo obras, algumas figurativas e outras onde as letras são o elemento principal, fazendo da rua onde trabalha o local para sua exposição (figura 40). Seus artefatos são analisados no item 4.2.7.

Figura 40: trabalhos de Masach


62

3.3.2 Análise dos resultados das entrevistas

A partir da análise dos resultados das entrevistas buscou-se identificar aspectos comuns a todos os profissionais, a fim de compreender o que caracteriza o perfil do pintor de letras. Em relação à idade, a maior parte pertence às faixas etárias que vão dos 51 aos 60 e dos 61 aos 70 anos, onde se encontram cinco dos oito pintores. Além do caso único do pintor mais velho, já com 75 anos, os outros dois encontram-se nas faixas que vão dos 21 aos 30 e na que vai dos 31 aos 40 anos. Dessa maneira, fica caracterizada uma concentração em uma faixa etária que vai dos 55 aos 65 anos, bem como a ausência de profissionais entre os 41 e 50 anos.

Gráfico 1: faixa etária dos pintores

Obviamente a idade do pintor está diretamente relacionada ao tempo em que atua na profissão. Por isso a maioria tem entre 31 e 40 anos de atuação profissional, assim como nenhum deles tem entre 21 e 30 anos de profissão.

Gráfico 2: tempo de profissão dos pintores

Quanto à formação profissional, não há um tipo predominante. Dois pintores se dizem autodidatas, nunca tendo feito cursos ou alguém que lhes ensinasse o ofício. Outros dois


63

pintores tiveram sua formação exercendo o papel de aprendizes, ou seja, auxiliando profissionais experientes que lhes transmitiram conhecimentos necessários para a atividade. Cinco dos pintores realizaram cursos ligados direta ou indiretamente à pintura de letras, sendo cursos de arte em geral, como pintura ou desenho, citado três vezes (uma delas por um exaprendiz), e o curso de título “desenho artístico e publicitário” citado outras duas vezes.

Gráfico 3: formação profissional dos pintores

As instituições onde os cursos foram realizados são descritas como pequenas e de alcance local, cujos nomes e situação atual (se ainda existem ou fecharam as portas) os pintores não se lembram ou não têm ciência. A única instituição de grande porte citada foi o Instituto Universal Brasileiro (IUB), que oferece cursos técnicos e profissionalizantes à distância, sediado em São Paulo e com mais de 60 anos de história. O curso de “desenho artístico e publicitário” ainda é oferecido pela instituição, e possui em seu programa o tópico “desenho de letras”. Outra informação importante referente à formação profissional diz respeito ao ensino da atividade, por parte dos entrevistados, a outras pessoas. Apenas três pintores afirmaram terem sido responsáveis pela formação de outros pintores de letras, sendo que dois deles o fizeram diversas vezes, enquanto o terceiro uma única vez. Há um equilíbrio em relação à natureza dos locais onde os pintores realizam suas atividades. Vale ressaltar que os trabalhos nos quais os pintores são especialistas influem nesse dado, já que a pintura de painéis, por exemplo, requer um espaço próprio ou cedido, pois demanda tarefas de marcenaria; da mesma maneira que, por exemplo, a pintura em vidro é sempre necessariamente feita no local do cliente. Seis dos entrevistados trabalham principalmente em locais voltados para o exercício de suas atividades (mesmo que com estruturas mínimas), sendo que metade possui espaços próprios, como parte da casa ou ateliês, enquanto a outra metade trabalha em espaços cedidos, como estacionamentos. A realização de trabalhos em locais indicados pelos clientes foi citada como predominante por três pintores.


64

Gráfico 4: principais locais de trabalho dos pintores

Cinco dos pintores têm suas residências nas proximidades ou no próprio bairro do Centro. Um único pintor mora também no Rio de Janeiro, mas no bairro de Vila Izabel, pertencente à outra região da cidade. Os outros dois pintores vivem na Baixada Fluminense, em Duque de Caxias e em Belford Roxo. O processo de trabalho tem início no trato com os clientes, já que eventualmente ocorrem consultas em relação ao conteúdo do texto a ser pintado, podendo a elaboração deste em alguns casos ficar também a cargo dos pintores. O mais comum, no entanto, é o cliente já ter o texto definido previamente. O mesmo ocorre quanto ao tipo de suporte, que caso o cliente não conheça as possibilidades (tipos de placas, materiais, etc.) é definido sob orientação do pintor. A realização de layout a ser aprovado pelos clientes antes da pintura não ocorre de maneira uniforme entre os profissionais entrevistados. Por três vezes tal aprovação foi citada como regra; duas vezes foi citada como algo que ocorre apenas esporadicamente (quando pedido pelo cliente); e nas outras duas sequer foi citada. A explicação do pintor Jaime ajuda a entender a relevância do layout nesse tipo de trabalho. Às vezes eu faço um [layout]. Quando eles [clientes] já me conhecem, eles não me pedem mais. Mas quando não me conhecem, eu mesmo chego e falo: "Olha, eu vou fazer um desenho no papel", aí eu faço um layout.

De um modo geral, os clientes não se preocupam com determinados aspectos formais dos trabalhos encomendados, como cores ou desenho das letras – apenas um dos pintores trabalha tendo a iniciativa de mostrar um catálogo de letras, para que seja acertado o alfabeto a ser pintado. A preocupação está sim ligada à qualidade satisfatória do resultado, do mesmo nível observado em trabalhos anteriores do pintor contratado (geralmente vistos in loco, já que há apenas um caso de pintor que possui portfólio com fotografias, mostrado para


65

potenciais clientes). Possivelmente essa relação constitui um dos fatores que resultam na ausência de necessidade de experimentações que fujam de estilos pessoais já estabelecidos. Por isso em se tratando dos desenhos de letras, apesar da reprodução de qualquer modelo pedido pelo cliente ser importante, principalmente em relação a marcas pré-existentes, o mais comum é o pleno domínio de poucos alfabetos, que mesmo com pequenas variações (como inclusão de serifas ou variações nas terminações) são pintados com grande agilidade, diminuindo o tempo necessário para produção de casa peça. Foram identificados modelos recorrentes de letras, aqui tratados como letra comercial (a mais utilizada), letra corrida, letra geométrica e letra manuscrita, que são analisados detalhadamente no capítulo 4. Das oportunidades em que foi possível presenciar os pintores de letras realizando trabalhos (pintores Masach, Jaime e Michel), em nenhuma a pintura foi realizada de maneira direta, ou seja, sem etapa alguma que precedesse a pintura propriamente dita. Apenas um pintor havia feito um esboço (figura 41), sendo que este tratava somente do arranjo espacial das informações, sem referência à utilização de cores (com exceção da cor do material utilizado como suporte) ou desenhos de letras utilizados (o texto no esboço foi feito com a escrita manual no pintor). Já o passo seguinte ao esboço, que consiste na aplicação de marcações temporárias no suporte, foi realizado por todos os pintores observados. Tais marcações são feitas a lápis ou giz, de maneira que sejam facilmente apagadas no caso de correções ou após a pintura estar pronta (apesar de em alguns casos serem mantidas, provavelmente por serem visíveis somente quando observadas de muito perto). Podem ser divididas basicamente em linhas-guia, que marcam bordas, início e final das linhas de texto, assim como base e altura das letras; as letras em si; e elementos extra-tipográficos (como ilustrações). Quanto à marcação das letras, há uma variação de acordo com a técnica de pintura a ser realizada (técnicas essas detalhadas a seguir). Assim como podem ser definidos pontos-chave ou contornos exatos de cada letra, cabendo à etapa de pintura somente seu preenchimento ou construção a partir de uma estrutura pronta, há o recurso de utilizar marcações visando apenas uma referência da localização das letras, sem nenhuma relação com suas formas no resultado final. Essa última técnica, se por um lado demanda menos tempo para sua realização, por outro requer maior habilidade no manuseio do pincel, já que as marcações não são seguidas de modo fiel, sendo tanto a forma das letras quanto os espaços entre elas definidos durante a pintura. A observação do trabalho dos


66

pintores, assim como de artefatos que não tiveram suas marcações apagadas, mostrou como essas podem ter uma função que se aproxima mais de esboços feitos diretamente nos suportes do que de definição de formas finais do artefato, podendo não guardar qualquer relação com as formas tipográficas produzidas.

Figuras 42 e 43: marcações diferentes da pintura final

O sistema através do qual os pintores de letras trabalham pode ser representado pela figura 44. Nele, são representadas as duas maneiras como o processo de criação costuma ocorrer. No fluxo A o conteúdo da mensagem, definido pelo cliente, é interpretado através do repertório visual do pintor. Esse repertório é composto pelos recursos dominados pelo pintor, desenvolvidos e consolidados na fase de aprendizagem do ofício, e incluem alfabetos, combinações de cores, arranjo dos elementos no espaço, estilo de ilustrações, etc. A produção do artefato em si é realizada através da técnica, composta pela habilidade no manuseio das ferramentas e a existência de um método eficiente de trabalho. Os artefatos produzidos dessa maneira reproduzem o estilo pessoal de seus autores. Já no fluxo B o conteúdo passa, antes da fase de produção, pela influência de uma referência, que pode ser buscada tanto pelo cliente quanto pelo pintor. A escolha de uma fonte digital ou em catálogos de fotoletras, uma assinatura visual pré-existente ou uma ilustração de qualquer natureza configuram exemplos de utilização de referências. Nesse caso, o repertório do pintor não participa do processo, apenas a sua técnica relativa tanto à feitura do artefato quanto à reprodução da referência com resultados satisfatórios. Artefatos produzidos integralmente dessa maneira, lembrando que uma mesma unidade pode conter elementos resultantes dos dois processos, tornam mais difícil a identificação de seus autores. Segundo os relatos dos pintores, o fluxo A corresponde à maioria dos trabalhos.


67

Figura 44: sistema de trabalho dos pintores

No tocante aos elementos tipográficos propriamente ditos, durante a observação de pintores executando seus trabalhos, foi possível fazer uma comparação entre as diferentes maneiras como o pincel, único instrumento utilizado para esse fim, é manejado e os resultados alcançados. Assim sendo, foram identificadas durante as entrevistas três principais técnicas sendo aplicadas. A primeira consiste na obtenção de cada traço através de apenas uma pincelada, o chamado traço único, o que faz do pincel o definidor da espessura máxima dos traços produzidos, sendo a variação de espessura conseguida através da mudança de angulação do pincel, caso este possua formato achatado, ou da pressão aplicada ao mesmo (figuras 45.a e 46). Devido a essas características, é possível fazer uma analogia entre as letras obtidas através do traço único e os modelos utilizados pela caligrafia clássica, tanto no que diz respeito às técnicas utilizadas quanto ao ferramental teórico aplicado na análise de seus resultados. As outras duas técnicas consistem na obtenção dos traços a partir de mais de uma pincelada, e o fator principal que as diferencia é a delimitação prévia dos contornos dos caracteres: enquanto na segunda, que podemos chamar de letra desenhada, a divisão entre forma e contra-forma é traçada com lápis, giz ou com o próprio pincel, sendo os desenhos posteriormente “preenchidos”, etapa na qual a direção das pinceladas nada interfere no resultado (figuras 45.b e 47); na terceira as formas são realizadas diretamente com o pincel, sendo aplicadas sucessivas pinceladas até a obtenção da espessura de traço desejada, o que pode ser definido como traço composto, no qual o gesto das pinceladas mantêm relação com as formas resultantes (figuras 45.c e 48). A escala das letras a serem pintadas influi


68

diretamente na escolha da técnica de execução, dadas as dificuldades e a pouca praticidade tanto de desenhar contornos de letras menores quanto de manusear adequadamente pincéis muito largos. No entanto, em tamanhos intermediários ambas as técnicas podem ser utilizadas.

Figura 45: técnicas de pintura de letras

Figura 46: letras produzidas através de traço único


69

Figura 47: letras desenhadas sendo preenchidas pelo pintor Jaime

Figura 48: letras sendo produzidas através de traço composto pelo pintor Masach

Ficou comprovada a existência de uma demanda pelo trabalho dos pintores de letras nos dias de hoje. De um modo geral, seus artefatos se posicionam como uma opção de menor custo5 para comunicação visual, quando comparados a produtos de tecnologias digitais. Como sinal de que as duas técnicas não são totalmente excludentes, dois pintores (Edu e Zanata) realizam alguns serviços de tecnologia digital (que são terceirizados, já que não manuseiam diretamente os computadores durante a elaboração dos artefatos, apesar de orientarem quem o faz). Há ainda um terceiro caso, da família Silva, em que a empresa oferece tanto serviços de pintura manual como de impressão digital, sendo que no último apenas a impressão é terceirizada, já que o layout pode ser realizado pelos pintores mais jovens, que também dominam programas digitais de design gráfico. O relato do pintor Michel dá a entender que, ao mesmo tempo em que a maioria das encomendas está relacionada às tecnologias digitais, que teriam preferência por oferecerem resultados de qualidade supostamente melhor, em determinados trabalhos a opção da pintura manual ainda é a mais viável para os clientes. 5

Apesar não terem sido feitas perguntas aos pintores relacionadas especificamente ao preço de seus trabalhos, foi possível constatar a partir de seus relatos que a maior parte dos clientes paga valores módicos.


70

As pessoas tão pedindo mais coisa digital. Tipo assim, não pra fazer faixa assim, mas se a pessoa quiser alguma placa do seu estabelecimento, tá entendendo?, pra uma loja, ela vai querer na impressão digital do computador, que é mais bonito, né?

As principais razões que levam à opção pela pintura manual são os custos mais baixos em relação aos meios de produção digitais, sendo que quanto maiores as dimensões do suporte, maior a discrepância entre os custos; e a efemeridade do artefato a ser produzido, já que uma faixa anunciando determinado evento não requer a mesma vida útil de uma placa na fachada de um estabelecimento comercial. No gráfico 5, é possível visualizar a importância dos diferentes tipos de clientes em relação aos artefatos registrados.

Gráfico 5: clientes dos pintores de letras

O advento dos computadores pessoais teve impacto no mercado para pintura de letras, apesar de dois pintores afirmarem não ter ocorrido nenhuma diminuição no volume de serviços. Segundo o pintor Jaime, dois outros pintores6 que também atuavam em sua área haviam “sumido”, assim como autores de artefatos registrados e cujo contato foi conseguido alegaram terem abandonado a atividade. O pintor Edu, pertencente a uma faixa etária abaixo da média dos entrevistados, diz que essa a diminuição do número de profissionais no ramo acaba abrindo novas oportunidades para ele.

6

Apesar de não se lembrar dos nomes, pela descrição de Jaime (ambos trabalhavam na rua) provavelmente são os pintores Neri e Sr. Help, entrevistados por Fernanda Cardoso em sua pesquisa de 2002. Não foi conseguido contato com esses pintores através dos telefones encontrados na dissertação da autora.


71

Tem muita gente que prefere pintura. Não é exceção não, mas assim, por exemplo, muitos pintores pararam de pintar, então acho que tá sobrando até bastante trabalho pra mim. Porque muita gente parou, só quer vender trabalho de gráfica, né?, trabalho em impressão digital. Aí pintores mesmo são poucos hoje.

Quanto ao processo de trabalho, aparentemente não houve incorporação de recursos digitais. As raras vezes em que estes são utilizados devem-se a layouts impressos levados por clientes, que servem de referência para a pintura; e a pesquisas de imagens visando a pintura de elementos iconográficos, assim como de fontes digitais para servirem de modelos para desenhos de letras (ou seja, cumprindo a função antes exercida pelos catálogos de fotoletras). Para a compreensão do mercado da pintura de letras a partir das informações coletadas nesta pesquisa, devem ser levadas em conta as especificidades da área pesquisada. Por tratarse de uma região central, essa é frequentada por um altíssimo número de pessoas de outros bairros e cidades, o que pode resultar em maiores oportunidades para o profissional que passa a ser conhecido na região, mas não necessariamente ocorre com a mesma intensidade em outras localidades. A realização de trabalhos em um local visível para os transeuntes foi citada por dois pintores como importante para a captação de clientes, pois dessa maneira pessoas que frequentam o local passam a tê-los como referência para execução de futuros serviços, embora apenas um deles possa ser encontrado em um lugar com essas características. Cinco dos entrevistados, além de outros com os quais o contato não foi possível, gozam de certo reconhecimento entre comerciantes e outros frequentadores de certas localidades. Embora a realização de trabalhos para pessoas de outros bairros tenha sido citada por todos os entrevistados, três deles possuem a maioria dos clientes com origem na região próxima a seus locais de trabalho. A atuação em um mercado concentrado geograficamente, no entanto, não se mostrou uma regra, já que dois pintores dizem realizar igualmente trabalhos para outras áreas da cidade, não havendo qualquer destaque do Centro quanto ao número de clientes.

3.4 Referências da atividade de pintura de letras

A busca por referências relacionadas ao ensino da pintura de letras não obteve sucesso no que diz respeito ao material didático utilizado por cursos técnicos de instituições brasileiras. Durante a revisão bibliográfica para esta pesquisa, porém, foi encontrado um número considerável de manuais em língua inglesa, publicados entre 1890 e 1920, disponíveis


72

na internet. Após uma análise, boa parte mostrou-se útil quanto à função de referência teórica. Os manuais utilizados, todos publicados nos Estados Unidos, foram os seguintes (por ordem de ano de publicação):

A system of easy lettering, de J. Howard Cromwell, publicado em 1890. Modern show card lettering, designs and advertising phases, de W.A.Thompson, publicado em 1903 Druggists and dispensers practical show card instructor, de W.A.Thompson, publicado em 1909 How to make show cards, de Charles A. Miller e W.A.Thompson, publicado em 1911 Modern lettering: artistic and practical, de William Heyny, publicado em 1913 The sign painter: a complete system and set of lessons for beginners, de A.R.Hussey, publicado em 1916 How to paint signs and sho’ cards: a complete course of self-instruction containing 100 alphabets and designs, de E.C.Matthews, publicado em 1920

De um modo geral, os manuais prometem fornecer o conhecimento necessário para a formação de um pintor de letras, tratando não apenas da técnica da pintura em si, mas também de aspectos como a montagem de um local de trabalho (incluindo instruções sobre como construir uma prancheta), ou custo do material utilizado nos trabalhos e quanto cobrar pelos serviços. A pintura de letras, devido à época em que foram publicados, é tratada como uma atividade mais abrangente, incluindo desde cartazes efêmeros para estabelecimentos comerciais (show cards), passando pela sinalização, pela pintura em vidro e com folha de ouro, com cada técnica sendo descrita separadamente. Apesar disso, é possível identificar uma primeira semelhança relacionada ao modo de atuação dos profissionais da época dos manuais e os entrevistados nesta pesquisa, tratando-se de prestadores de serviços que trabalham individualmente. Uma aparente estratificação dos diferentes tipos de pintura, identificada durante as entrevistas, pelo menos no que diz respeito a um passado recente, também é colocada nos manuais. A pintura de cartazes efêmeros é apresentada como a menos valorizada (quando comparada à pintura de sinalização, por exemplo), o que influi sobre seus aspectos formais.


73

Show cards are sold for a very moderate price and consequently must be made more rapidly than permanent signs. (MILLER, THOMPSON, 1911, p.30) 7

Já a pintura a ouro é vista como o ramo superior da pintura de letras, pertencendo a um nível superior de valorização em relação a todos os demais. Applying gold leaf to glass, wood or metal is known as gilding. It is the highest branch of the sign painter’s art and should not be attempted until you have mastered the others branches. (MILLER, THOMPSON, 1911, p.52) 8

Em relação à técnica da pintura em si, a marcação é um elemento em comum, a ser realizada com ferramentas como carvão ou giz, que possibilitam serem apagadas após a pintura, ou permanecer no artefato, quando realizada de maneira sutil. For making the layout, use a piece of soft charcoal stick and the lines can be dusted off when the work is finished. Some card writers use a very hard lead pencil and the light lines can be left on the card. (MATTHEWS, 1920, p.32) 9

Nos manuais, são apresentadas técnicas de marcações que visam facilitar a construção das letras individualmente. Há a ressalva, porém, de que com o passar do tempo o pintor deve adquirir a habilidade de produzir as letras sem a necessidade dessa primeira etapa. Then draw the letters lightly with chalk. This is done to be sure to get the spacing and balance right, and as you become more experienced you will not need to draw the letters in detail for this kind of work. (MILLER; THOMPSON, 1911, pp. 36-7) 10

Uma marcação mais livre em relação às formas das letras, ou seja, com função não de definição dos desenhos, mas apenas de esboçar seu arranjo espacial, não havendo necessidade de ser seguida fielmente, também é citada. The expert sign writer has little use for guide lines except those of a rough sketchy character intended to secure proper spacing and balance. These lines they seldom follow. (MILLER, THOMPSON, 1911, p.15) 11 7

Cartazes são vendidos por preços bastante razoáveis e consequentemente devem ser produzidos mais rapidamente do que sinalizações permanentes.

8

A aplicação de folha de ouro sobre vidro, madeira ou metal é chamada de gilding. É o mais alto nível que se pode atingir quando se trata da arte da pintura de letreiros e não deve ser explorado até que você domine os outros ramos. 9

Para fazer o layout, use um pedaço de bastão de carvão macio e as linhas podem ser apagadas quando o trabalho estiver pronto. Alguns cartazistas usam um lead pencil muito duro e as linhas finas podem ser deixadas no cartaz.

10 Então desenhe a letras levemente com giz. Isso é feito para assegurar espacejamento e equilíbrio corretos, e conforme você se torne mais experiente não precisará desenhar as letras detalhadamente nesse tipo de trabalho. 11 O pintor de letreiros experiente tem pouca necessidade de linhas-guia exceto aquelas com caráter de esboço simples com intenção de assegurar espacejamento e equilíbrio adequados. Eles raramente seguem essas linhas.


74

A marcação das linhas de base e topo, definindo tamanho e trajeto da leitura, é descrita como um primeiro passo do processo, que deve ser realizado mesmo quando já há o domínio da pintura, de maneira direta, das letras individualmente. O processo, incluindo a marcação livre das letras, é o mesmo

utilizado

pela

maioria

dos

pintores

entrevistados. Two parallel lines denoting height of the letters are the only guide lines that should be used as soon as the eye has become trained. (MILLER, THOMPSON, 1911, p.33) 12

A relevância dessas linhas guias pode ser medida pela presença, entre as ferramentas recomendadas para exercer a atividade, da linha com giz (chalk line), produto utilizado ainda hoje na construção civil para marcação de longas linhas retas. First chalk your layout on the window, snapping the straight lines for top and bottom of each line of lettering with your chalk line. (MATTHEWS, 1920, p.36)

The chalk line is another almost indispensable tool, in the sign shop. (HUSSEY, 1916, p.30) 13

O sistema através do qual se configura o exercício da atividade é muito próximo ao dos pintores atuais, no qual ocorre o domínio da produção de poucos alfabetos, que são utilizados na maioria dos trabalhos. One of the best sign painters I have ever met used three alphabets exclusively on nine-tenths of his work. (…) I have also known several fairly good painters who used only two alphabets, usually Egyptian and Script. (MATTHEWS, 1920, pp.16-8) 14

O final do texto supracitado leva a outra importante questão, referente aos modelos de alfabetos utilizados. Muitos dos manuais fazem referência a um desenho básico e principal de

12

Duas linhas paralelas denotando altura da letra são as únicas linhas-guia que devem ser usadas assim que os olhos se tornem treinados. 13

Primeiro faça o layout a giz sobre a janela, marcando as linhas retas de topo e base de cada linha de letreiramento com sua chalk line. A chalk line é outra quase indispensável ferramenta, no local de trabalho de um pintor de letreiros.

14

Um dos melhores pintores de letreiros que eu já conheci usava exclusivamente três alfabetos diferentes em nove de cada dez trabalhos seus (...) Eu também conheci diversos bons pintores que usavam apenas dois alfabetos, geralmente Egyptian e Script.


75

letra, tratado como Egyptian (como na citação acima) ou, na maior parte dos casos, plain letter. As motivações para a utilização deste alfabeto também se repetiram, sendo justificada pala facilidade de execução, devido às formas simples, e pela fácil leitura proporcionada. The Plain or Condensed, Round and Square, (plates 15 and 16) also called "Egyptian," "Gothic," "Sans serif," etc., have been designed for convenience and economy. These letters can be condensed to fit into the narrowest spaces, are at once plain to read and quickly and easily made, and do not at all look commonplace when correctly constructed. (HEYNY, 1913, 93, grifo nosso) 15

The Egyptian letter being very plain can be modified and stretched into many different shapes without becoming illegible. This and the fact that it can be made more rapidly than the spurred letters has made it a favorite style among sign painters and commercial artist. (MILLER, THOMPSON, 1911, p.8, grifo nosso) 16

O mesmo William Heyny (1913, p.4), ainda na introdução do livro, defende o uso da plain letter em relação a outros modelos. Além de considerar inadequada a utilização de letras de construção geométrica, ou, como prefere o autor, de “desenho mecânico”, alegando que seus resultados são “matematicamente corretos porém, consequentemente, rígidos, resultando em letras duras, estranhas, desenhadas com cuidado meticuloso, mas que carecem de harmonia e beleza”, também é usado um argumento encontrado no discurso dos pintores de letras, que diz respeito à não utilização de alfabetos com desenhos extravagantes. We are drifting into a craze for "fancy," "snappy" lettering called by representatives of this school "modern." While sometimes executed with no little skill, this style of lettering is of no practical value, because the average person cannot read it without difficulty. (grifo nosso) 17

As pranchas que ilustram a plain letter nos manuais comprovam que, apesar de possuírem diferenças mesmo quando comparadas entre si, de um modo geral trata-se de um modelo muito próximo ao desenho de letra mais utilizado pelos pintores, sem serifa e black (figuras 50 a 52). A simplicidade desse modelo permite que sejam criadas variações a partir

15

A Plain ou Condensed, Round e Square, (pranchas 15 e 16) também chamadas “Egyptian”, “Gothic”, “Sans serif”, etc., foram projetadas de modo a serem convenientes e econômicas. Essas letras podem ser condensadas para caberem nos espaços mais estreitos, são ao mesmo tempo simples de ler e rápida e facilmente produzidas, e de modo algum parecem banais quando corretamente construídas.

16 A letra Egyptian sendo muito simples pode ser modificada e estendida em diferentes formatos sem se tornar ilegível. Isso e o fato de poder ser produzida mais rapidamente do que letras serifadas fez deste um dos estilos favoritos entre pintores de letreiros e artistas comerciais. 17

Nós caminhamos na direção de um modismo do letreiramento “extravagante”, “chamativo” tratado por representantes dessa escola como “moderno”. Apesar de algumas vezes ser executado com habilidade considerável, esse estilo não possui valor prático, porque a pessoa comum não consegue ler sem dificuldade.


76

dele, através da adição de serifas de diferentes formatos ou alterações nas terminações retas, como em versões round (figura 53).

A técnica de construir letras a partir de uma base geométrica, cujo resultado pode ser visto em um número relevante de artefatos registrados no levantamento fotográfico, também é citada pelos manuais. Uma das obras, “A system of easy lettering”, tem formato de catálogo, praticamente sem nenhum texto, trazendo uma série de 26 modelos de alfabetos desenhados sobre uma malha ortogonal, que variam desde formas tradicionais até desenhos mais extravagantes (figura 54). Em “How to make show cards”, há um capítulos dedicados à geometria das letras, onde são propostos esquemas geométricos, chamados pelo autor de monogramas (monograms), para construção das letras, sendo cada monograma apresentado referente a um grupo diferente de letras (figura 55).


77

Os modelos resultantes dessa técnica não são tratados por termos específicos. No único caso em que isso ocorre, o alfabeto é chamado de half block letters (figura 56). The half block letters are used mostly for “Cut in” work, that is, where you paint around the letters, leaving the wording in white. (Matthews, 1920, p.11) 18

Figura 56: modelo de base geométrica

Em “The sign painter”, a ilustração mostra um modelo geométrico cumprindo a mesma função de letras em negativo, apesar de o autor não fazer nenhuma recomendação explícita nesse sentido (figura 57).

18 As letras half block são utilizadas geralmente em trabalhos “Cut in”, quer dizer, onde você pinta ao redor das letras, deixando o texto em branco.


78

Figura 57: modelo geométrico em negativo

Foi encontrada nos manuais a mesma diferenciação identificada nos trabalhos dos pintores de letras, que diz respeito à utilização do traço único (single stroke) na pintura das letras. Não se trata de um modelo em si, mas de uma categoria que engloba vários modelos diferentes. Alphabets known as single stroke should be used almost exclusively [in showcards]. Single stroke doesn’t mean that each letter is formed with a single brush stroke, but each letter is formed with the fewest possible strokes. (Matthews, 1920, p.30) 19

Considerar alfabetos dessa categoria os mais adequados para cartazes efêmeros, conforme ocorre atualmente em grande parte de trabalhos dessa natureza, também é destacado por Miller e Thompson. Single stroke letters are mostly used where cards are frequently changed and by busy merchants who find rapidity essential. (MILLER, THOMPSON, 1911, p.65) 20

Apesar dessa diferenciação relacionada à execução da pintura, os modelos apresentados são muitos mais formais do que os produzidos pelos pintores entrevistados, tendo referências tipográficas (a própria plain letter pode ser produzida através de traço único – figura 58) ou caligráficas. Também são citados modelos comuns até o advento da informática, chamados de architects' single stroke alphabets, conhecidos no Brasil como letra de arquiteto (figura 59).

19 Alfabetos conhecidos como traço único devem ser usados quase exclusivamente [em cartazes]. Traço único não significa que cada letra é formada por uma única pincelada, mas que cada letra é formada pelo menor número possível de traços. 20 Letras de traço único são geralmente utilizadas onde cartazes são frequentemente trocados e por comerciantes que acham a rapidez essencial.


79

Figura 58: modelo de plain letter realizado com traço único

Figura 59: modelo de “letra de arquiteto”

Nos modelos que não pertencem a essa categoria, contorno e preenchimento são considerados etapas distintas (figuras 60 e 61), conforme descrito por Miller e Thompson. These letters are all “laid in” with the pen or the brush, as may be preferred, their outlines being drawn as carefully and skilfully as one’s ability may permit. They are then to be filled in with the flat brush and any imperfections corrected. (MILLER, THOMPSON, 1911, p.59) 21

Figuras 60 e 61: esquemas com contornos das letras

A identificação de tantos pontos em comum entre os textos aqui analisados e a maneira como a pintura de letras é praticada nos dias atuais, levando em conta que a distância

21

Essas letras são todas definidas com a caneta ou o pincel, conforme a preferência, seus contornos sendo desenhados tão cuidadosamente e habilidosamente quanto a perícia da pessoa permitir. Elas então estão prontas para serem preenchidas com o pincel chato e ter quaisquer imperfeições corrigidas.


80

cronológica, geográfica e idiomática que separa aquela teoria dos pintores entrevistados, configura a existência de um conhecimento tácito inerente à pintura de letras. Se por um lado não foram encontradas maiores semelhanças em relação aos alfabetos utilizados (com exceção do caso da ligação entre as plain letters e um alfabeto utilizado pelos pintores entrevistados, a já citada letra comercial, além de resultados semelhantes devido à utilização de malhas construtivas), o que seria improvável dada toda evolução da tipografia (campo do qual o letreiramento sofre influência) ocorrida desde então, as técnicas e o sistema de trabalho identificados em ambos os meios mostraram-se de uma constância até certo ponto surpreendente.


81

4 A TIPOGRAFIA PINTADA NO RIO DE JANEIRO

4.1 O Centro do Rio de Janeiro e caracterização da área pesquisada

A região do atual Centro do Rio de Janeiro é uma das mais tradicionais da cidade, e sua ocupação por parte dos europeus remonta ao primeiro século do Brasil colônia. Com a consolidação do Rio como uma das mais importantes cidades do país, principalmente a partir do grande salto de desenvolvimento urbano resultante da transferência da corte portuguesa em 1808, foram realizadas nessa área edificações que se mantiveram até os dias atuais, tornandoa significativa do ponto de vista histórico. Ao longo do tempo, não deixou de cumprir o papel de centro econômico, financeiro, administrativo e comercial, o que foi traduzido em um constante crescimento imobiliário. Por isso a concentração de edifícios ocorre combinada com uma grande diversidade de estilos arquitetônicos. As maiores intervenções no espaço urbano do bairro ocorreram no século XX, entre as quais estão as aberturas de suas duas principais avenidas: a Avenida Central (mais tarde rebatizada Avenida Rio Branco) e a Avenida Presidente Vargas. A primeira possui em suas margens as áreas mais valorizadas, principalmente do cruzamento com a Presidente Vargas até o seu fim, na Avenida Beira Mar. Essa região, conforme justificado anteriormente, não foi incluída neste trabalho. A área onde foi realizada esta pesquisa pode ser entendida, se pensarmos no bairro do Centro de forma isolada, como uma espécie de periferia, que se diferencia da região mais nobre de maneiras e em níveis diferentes. Ao percorrê-la fica constatado, analisando de modo generalizado, um cenário urbano menos verticalizado, assim como um menor fluxo no trânsito de pedestres. Ainda em relação às características gerais, o aspecto comercial predomina entre os imóveis, ao mesmo tempo que são raras as ocupações residenciais, praticamente restritas a algumas ruas na região conhecida como Lapa. Tal condição, no entanto, não significa uma uniformidade na gráfica urbana ali encontrada, já que determinados pontos têm especificidades como pólos de comércio mais popular ou cercanias de grandes equipamentos urbanos ou de praças, com poucos exemplos de elementos de comunicação visual de qualquer natureza.


82

4.2 Tipos de ocorrências

Além do emprego da técnica da pintura, outra característica fundamental nos artefatos aqui analisados é o seu caráter urbano, e mais especificamente a localização em uma região central da cidade, o que influi diretamente em seus aspectos formais, conforme relatado por pintores entrevistados. Os exemplos encontrados, apesar de formarem um grupo heterogêneo, podem ser encarados como unidades comunicativas, que exercem diferentes funções na gráfica urbana. Cada unidade é composta por um suporte e pelos elementos gráficos nele encontrados, que no caso das ocorrências aqui registradas possuem como núcleos elementos tipográficos. Além da tipografia, as cores compõem os elementos gráficos, assim como elementos estruturais, iconográficos e decorativos, aqui tratados como elementos extratipográficos. As unidades podem ter um caráter autônomo, funcionando de maneira independente (figura 62); ou pertencer a um sistema, quando integradas a outras unidades. Neste caso, a integração pode se dar através da exposição de várias unidades em um mesmo local, sendo a comunicação realizada pelo conjunto resultante, que constitui um ambiente (figura 63); ou através da construção de uma identidade visual, quando as unidades de um mesmo sistema são encontradas isoladas entre si (figura 64).

Figuras 62 e 63: unidade autônoma e ambiente com diversas unidades


83

Figura 64: unidades de um mesmo sistema

4.3 Função

Quanto à função das inscrições que constituem o tema deste trabalho, vale uma análise tendo como referência a classificação utilizada pelo projeto “Paisagens Tipográficas” (GOUVEIA, PEREIRA, FARIAS, BARREIROS, 2007), adaptada a partir da classificação voltada para a epigrafia criada por Calderini em 1974, e mostrada a seguir. 1. Tipografia arquitetônica: inscrições perenes, tais como o nome e o número de um prédio, geralmente planejadas e construídas junto com o edifício; 2. Tipografia honorífica: inscrições projetadas para homenagear personagens ou fatos históricos relevantes tais como aquelas presentes em monumentos públicos em geral. 3. Tipografia memorial: inscrições fúnebres encontradas em espaços urbanos circunscritos, tais como lápides em igrejas ou cemitérios. 4. Tipografia de registro: inscrições oficiais de empresas públicas ou privadas, tais como prestadoras de serviços de telefonia e saneamento, geralmente localizadas em grades e tampas. 5. Tipografia artística: manifestações artísticas realizadas sob encomenda, que fazem uso da tipografia, tais como pinturas e esculturas em formato de letras, presentes em algumas cidades. 6. Tipografia normativa: inscrições que configuram sistemas reguladores e informativos do tráfego urbano, tais como sinais de trânsito e placas de logradouro; 7. Tipografia comercial: inscrições efêmeras, tais como aquelas presentes em pontos comerciais, acrescentadas posteriormente aos edifícios, e, na maioria das vezes, substituída periodicamente; 8. Tipografia acidental: inscrições não-oficiais ou não-autorizadas, tais como grafites e pichações, muitas vezes executadas sem planejamento e à revelia da vontade dos arquitetos, construtores e proprietários dos edifícios.


84

A partir desses critérios é possível identificar entre os exemplos encontrados durante esta pesquisa a predominância de uma tipografia comercial. Foram encontrados também casos de tipografia normativa, apesar de os exemplos encontrados não possuírem caráter oficial, com destaque para mensagens enfatizando a proibição de estacionamento em frente a portões de garagem. Foi necessário criar uma nova categoria, para incluir um número significativo de exemplos que não se enquadram em nenhum dos casos do sistema utilizado como referência. Assim sendo, os casos que têm como função a identificação de determinada edificação, como as igrejas, o colégio, o hospital, a escola de samba, o cartório, e o terminal rodoviário, assim como as sedes de polícia, da Cruz Vermelha e do Sindicato dos empregados no Comércio do Rio de Janeiro, foram caracterizados como tipografia institucional. Cinco exemplos não se encaixaram na classificação aqui utilizada, tendo em comum uma motivação política: duas faixas com reivindicações de uma classe de servidores; uma faixa identificando a ocupação de uma construção por parte de um movimento popular; e uma faixa e uma carrocinha referentes ao local onde se encontra um curioso personagem, ao mesmo tempo vendedor ambulante e ativista político. Por não representarem um número significativo, não foi criada uma nova categoria que os incluísse. A análise a partir desses critérios evidencia a predominância da função comercial.

Gráfico 6: funções da tipografia analisada

Quanto ao conteúdo das mensagens, os mais comuns são: identificação do estabelecimento, contatos do estabelecimento (telefones ou sites), descrição e chamadas de serviços ou produtos, tabelas de preços, slogans, publicidade, referências de localidade. Há


85

uma evidente influência da função do artefato em relação à sua forma: letreiros principais de identificação de estabelecimentos, dado a seu caráter não apenas informativo, e sim por vezes de elemento de identidade visual, já que contêm inscrições com intenção de cumprir o papel de marca, possuem uma maior caracterização tipográfica (figuras 65 e 66). Elementos como chamadas de serviços ou tabelas de preços, por sua vez, tendem a trazer consigo formas tipográficas mais convencionais, resultado da intenção de possibilitar uma leitura mais imediata.

Figuras 65 e 66: influência da função nos aspectos formais

4.4 Suportes

A técnica da pintura de letras possibilita grande versatilidade quanto aos suportes onde é aplicada, sendo que características problemáticas para outras técnicas ou tecnologias, como superfícies ásperas e irregulares, não constituem empecilhos. Em uma classificação superficial, há dois tipos de suportes para a pintura de letras: aqueles que são concebidos para tal, tendo sido planejados e realizados tendo em vista seu funcionamento como objeto de comunicação visual; e outros que não encontram na comunicação ou na informação sua função primária, mas que após a pintura passam também a agregar esses valores. Em relação ao primeiro grupo, vale destacar que o ofício da pintura de letras na maior parte dos casos requer também o conhecimento necessário para produção dos suportes sobre os quais os trabalhos são realizados. Ou seja, cabe ao pintor a realização total dos objetos, e não apenas de uma das etapas de sua produção. Os suportes de ocorrência da tipografia pintada podem ser divididos em três grupos principais: elementos arquitetônicos, móveis e volantes. Compondo o primeiro temos balcões;


86

bandeiras de fachadas; edificações; equipamentos urbanos; muros; portas retráteis de aço; portões; toldos; vitrines/portas de vidro; e sinalização perpendicular (figura 67). Pertencem ao grupo dos elementos móveis banners; cartazes; cavaletes; cavaletes de trânsito; faixas; painéis; painéis sustentáveis; placas; e placas de mão (figura 68). Compõem o grupo dos volantes bicicletas/carrinhos de mão/carrocinhas; porta-entulhos; veículos automotivos; e vestimentas (figura 69).

Figura 67: elementos arquitetônicos

Figura 68: elementos móveis


87

Figura 69: elementos volantes

Para tornar mais clara a maneira como as categorias de suporte foram entendidas nesta pesquisa, assim como colocar eventuais ressalvas ou variações para as quais os exemplos fotográficos podem não ser suficientes como ilustração, valem descrições e comentários individuais:

Elementos arquitetônicos

balcões: foram incluídos apenas balcões próximos da entrada dos estabelecimentos, de tal modo que participem da visualidade do ponto de vista das ruas. bandeiras de fachada: elementos fixados sobre a fachada, geralmente acima da entrada, identificando o estabelecimento, o que faz deste o elemento de comunicação visual com maior destaque. edificações: área externa de edificações, incluindo elementos perenes como portas e janelas, visíveis a partir da rua. equipamentos urbanos: bancas de jornal ou de outra natureza. muros: qualquer elemento que separe a rua de um edifício ou terreno. portas retráteis de aço: tipo específico de porta que além de permanecer totalmente recolhido durante horário comercial requer técnica específica para pintura, por tratarse de uma superfície ondulada. portões: caracterizados por guardarem entradas de grande escala, geralmente para permitir a passagem de veículos.


88

toldos: foram considerados todos os tipos de cobertura, sendo que mesmo as que encontravam-se recolhidas destacavam-se na fachada, por terem sido pintadas em suas barras. vitrines/portas de vidro: foi considerado vitrine qualquer elemento arquitetônico composto por vidro, que possui como especificidade a possibilidade da pintura ser realizada invertida a partir do interior dos estabelecimentos. sinalização perpendicular: elemento fixado na fachada de maneira perpendicular, podendo ter a mesma função da bandeira de fachada.

Elementos móveis

banners: feitos de materiais maleáveis, possuem barras inseridas em suas bordas superiores ou inferiores, ou apenas da superior, que os mantêm estendidos e através das quais são fixados. cartazes: feitos de papel, com a ressalva de que não foram incluídos os de natureza efêmera, como os que informam preços encontrados em mercados. cavaletes: estruturas que conseguem manter-se em pé de maneira independente, sendo os mais comuns compostos por dois painéis sustentáveis com laterais superiores unidas através de dobradiças. cavaletes de trânsito: estruturas cuja função primária é limitar o trânsito ou estacionamento de veículos. faixas: também caracterizadas pela maleabilidade de seu material, geralmente mas não necessariamente de largura maior do que altura, podendo trazer barras inseridas em suas bordas laterais. painéis: tipo específico de placa, caracterizado por possuir uma moldura rígida sobre a qual é fixado um material maleável, geralmente bagum; podem ser pendurados ou apoiados. painéis sustentáveis: variação de painéis com dois “pés” para sustentação, mas que precisam de algum apoio para manterem-se em pé. placas: caracterizadas pela rigidez de seu material. placas de mão: tipo de placa fixada a uma longa barra vertical e mantida de pé por uma pessoa.


89

Elementos volantes

Foram considerados elementos volantes as unidades comunicativas com grande mobilidade no espaço urbano, e que frequentemente são vistas em movimento. No caso de elementos móveis, como painéis ou cartazes, afixados em elementos volantes, como carros ou bicicletas, os últimos foram considerados suportes principais.

veículos automotivos: carros, caminhões, etc. bicicletas/carrinhos de mão/carrocinhas: utilizados como meio de transporte de mercadorias, podendo funcionar também como local de venda destas. porta-entulhos: presentes em proximidades de obras, são constantemente levados de um local para outro. vestimentas: toda estrutura pendurada ou vestida por pessoas.

Quanto à natureza dos elementos, a maior parte é composta por elementos móveis, consequência do aspecto efêmero da maioria dos artefatos. Os elementos arquitetônicos, no entanto, compõem uma parcela significativa do total de exemplos analisados.

Gráfico 7: natureza dos suportes


90

Considerando a classificação individual dos artefatos, o painel mostrou-se o suporte mais recorrente, com 35% das ocorrências. Essa predominância comprovou a relevância de se considerar os painéis como uma categoria à parte das placas de outra natureza, sendo estas encontradas em apenas 8% dos casos. A junção dessas duas categorias não possibilitaria mensurar devidamente o destaque do painel em relação aos demais suportes. As bandeiras de fachada, que podem ser encaradas como tendo o mais nobre papel entre os artefatos de função comercial, também são uma parcela importante em relação ao total, sendo responsável por 15% das ocorrências.

Gráfico 8: suportes mais recorrentes

Ao se observar os dados quantitativos relativos a cada suporte, é importante ressaltar que também nesse quesito a área de pesquisa traz em si características que influenciam o resultado. A normatização urbana foi identificada como o melhor exemplo nesse sentido. O pintor Jaime alegou que certas normas em vigor limitam o tamanho das placas por ele pintadas, assim como um dos proprietários aos quais foram feitos questionamentos colocou ter sido advertido pela prefeitura, por ter fixado um placa demasiadamente grande em uma fachada com valor histórico. Comparações com tipos de trabalhos realizados em outros ambientes urbanos foram feitas por pintores entrevistados, citando subúrbios do Rio de Janeiro e estradas como locais onde é possível encontrar mais facilmente suportes de grandes dimensões. Os primeiros provavelmente por não terem as leis urbanas aplicadas com a mesma rigidez quanto no Centro, enquanto a maneira como a comunicação visual ocorre em rodovias demanda unidades de escala maior. Ainda durante o levantamento fotográfico, também foi


91

observada a baixa ocorrência de faixas, encontradas em grande número em outras cidades ou bairros também do Rio de Janeiro pelo pesquisador.

4.5 Uso das cores

Os aspectos cromáticos dos artefatos foram analisados apenas em relação aos matizes. Não foram igualmente observadas as propriedades brilho e saturação, já que as variações nelas ocorridas raramente se devem à opção dos autores (como no caso da utilização de diferentes tons de uma cor no mesmo artefato), sendo sim resultado da ação do tempo ou da falta de manutenção. Os termos aqui utilizados para fazer referência às cores, portanto, comportam grupos de tonalidades que guardam diferenças se comparadas entre si de modo mais detalhado, o que não se mostrou necessário na maior parte desta pesquisa. Apenas para exceções em que esse critério mostrou-se insuficiente foram utilizados outros parâmetros. É possível aplicar as cores nos artefatos em três níveis: enquanto fundo, tanto em relação à unidade como um todo quanto em boxes ou splashes, sendo que o primeiro caso define qual será a cor principal; na tipografia e em elementos estruturais, que têm na relação de contraste com o fundo um dos principais fatores que influencia sua legibilidade; e em elementos iconográficos e decorativos, que pouco influenciam a compreensão da mensagem textual. Quanto ao número de cores encontrado em um mesmo artefato, foram considerados o fundo e os elementos de toda natureza nele aplicados, com exceção das ilustrações, já que estas podem resultar em grandes variações cromáticas em pequenas áreas, o que traria distorções em uma análise sobre a percepção do artefato como um todo. O mais comum é a utilização de três cores, identificada em quase metade dos artefatos, sendo a utilização de duas e quatro cores recorrente em escalas menores, mas também relevantes.


92

Gráfico 9: quantidade de cores por artefato

Com o papel de cor de fundo, ou principal, amarelo e branco são as favoritas, sendo a primeira encontrada em um número um pouco maior de artefatos, e juntas são responsáveis por 76% do total analisado. Azul, verde e vermelho compõem a maioria do restante dos artefatos.

Gráfico 10: cores de fundo


93

Foram identificadas também quais as cores mais utilizadas sobre os fundos mais comuns, ou seja, que realizam contrastes que facilitem sua legibilidade. Foi considerado nessa etapa o número de vezes em que as respectivas cores foram encontradas apenas em elementos tipográficos, não tendo sido levados em conta outros elementos. Seguindo esses parâmetros, foi identificada uma semelhança entre as cores mais utilizadas sobre fundos amarelos e brancos. Nos primeiros, prevalece o vermelho, seguido por preto e azul. Em fundos brancos, ocorre uma inversão entre as ocorrências de azul e preto, mas apesar disso as três cores principais têm a mesma importância relativa que as utilizadas sobre fundo amarelo.

Gráfico 11: cores sobre fundo amarelo

Gráfico 12: cores sobre fundo branco

O branco é a cor mais utilizada sobre fundos azuis, verdes e vermelhos. No caso da primeira cor, há uma diferença maior do uso do branco em relação às demais cores, estando


94

esse presente em praticamente 70% dos artefatos do grupo, além da particularidade de terem sido encontrados elementos da mesma cor sobre ela aplicados, destacados por brilho ou saturação distintos em relação ao fundo.

Gráfico 13: cores sobre fundo azul

Gráfico 14: cores sobre fundo verde


95

Gráfico 15: cores sobre fundo vermelho

Quanto às combinações cromáticas mais utilizadas, destacam-se sobre o fundo amarelo: a combinação de preto e vermelho, utilizada em 104 artefatos; azul com vermelho em 75; e apenas preto em 45. Sobre fundo branco, a combinação de azul com vermelho foi encontrada em 84 casos; preto e vermelho em 47; e apenas vermelho também em 47.

4.6 Elementos extra-tipográficos

Além das onipresentes formas tipográficas, outros elementos são recorrentes em diferentes graus na comunicação visual dos artefatos analisados. Estes são aqui referidos como elementos extra-tipográficos, e podem ser divididos em elementos decorativos, estruturais e iconográficos (figura 70).


96

Figura 70: panorama dos elementos extra-tipogrรกficos


97

Elementos decorativos

Os elementos decorativos possuem uma importância secundária, e sua subtração não traria prejuízos para organização e legibilidade das mensagens. Podem ser divididos em ornamentos, que incluem brilhos, linhas sinuosas, arabescos, etc.; e símbolos não-alfabéticos, grupo composto pelos exemplos de asterisco e jogo-da-velha (hashtag) (figura 71).

Figura 71: elementos decorativos

Elementos estruturais

Os elementos estruturais são utilizados na organização e hierarquização dos outros elementos no espaço, através da delimitação de áreas ou destaque. Fazem parte desse grupo molduras, fios, boxes, setas, faixas, splashes, texturas, barras e grafismos abstratos. As setas possuem a particularidade de, além de serem utilizadas como boxes, transmitem por si só uma informação, relativa à direção (figura 72).


98

Figura 72: elementos estruturais


99

Elementos iconográficos

Fazem parte dos elementos iconográficos: ilustrações, geralmente representando produtos; ícones, que são ilustrações bastante sintetizadas utilizadas para substituir palavras, principalmente no caso de telefones ao lado dos números de contato; marcas, que neste caso são imagens que representam empresas, porém com função secundária no artefato, cumprindo o papel de assinaturas; símbolos, considerados um elemento à parte quando a assinatura visual é o conteúdo principal do artefato; personagens, tipo específico de ilustração que representa seres animados; e sinais, quando são reproduzidos ícones utilizados em sistemas de trânsito, ou variações a partir destes (figura 73).

Figura 73: elementos iconográficos


100

De todos os artefatos analisados, aproximadamente um terço (34%) não possui nenhum elemento extra-tipográfico. Na maioria que utiliza desses recursos, foram identificados como mais comuns as molduras, presentes em 152 artefatos; ilustrações, em 103; e boxes, encontrados 97 vezes. É possível identificar também uma preferência por elementos estruturais.

Gráfico 16: elementos extra-tipográficos

4.7 Análise tipográfica

Para melhor entendimento da análise tipográfica, cabe ilustrar a terminologia nela utilizada. Foram apropriados, em meio à grande quantidade de termos técnicos encontrados na teoria do design e da tipografia, apenas aqueles que se mostraram necessários em relação à metodologia da análise, assim como aos artefatos registrados, evitando a inclusão de termos ligados a aspectos que não foram aqui considerados. Alguns dos termos tiveram seu significado adaptado, e outros tiveram que ser criados, na falta de referências na bibliografia consultada (figura 74).


101

Figura 74: terminologia utilizada


102

4.7.1 Disposição no espaço

A maneira como o termo tipografia é entendido neste trabalho, incluindo o que Walker (2001, p.10) define como “organização visual da linguagem escrita”, ou seja, não apenas o desenho das letras, mas o layout tipográfico, faz com que esse fator seja considerado relevante para a análise, que por isso não se restringe às formas tipográficas em si. Ainda com base nos estudos de Walker (idem), é possível identificar que qualquer indivíduo que exerça a atividade da escrita tem contato com receitas, de diferentes origens, sobre como essa deve ser arranjada espacialmente. Em se tratando de pessoas sem nenhum tipo de formação voltada especificamente para essa atividade (o que portanto deve ser relativizado em se tratando do pintor de letras profissional), as referências para exercê-la podem ser regras relacionadas à escrita manual aprendidas ainda na escola; receitas encontradas em livros de naturezas diversas (guias sobre determinada técnica, como os citados no item 2.4, ou guias que trazem princípios básicos de design a serem aplicados em programas de computador); assim como o ambiente visual onde os indivíduos estão inseridos (placas, embalagens, fachadas, etc.). A utilização da técnica da pintura possibilita a aplicação de referências de qualquer origem, principalmente quando comparada a outros meios de produção da escrita, como impressão de tipos de metal, máquinas de escrever (que apesar da pouca importância atual tiveram convenções próprias estabelecidas durante o longo período em que foram utilizadas), ou mesmo de tecnologias digitais, como determinados programas básicos, e por isso com recursos bastante limitados, de edição gráfica de ou texto. A autora coloca a possibilidade de receitas que, apesar de não serem escritas ou codificadas formalmente de alguma maneira, são seguidas na prática. Algumas normas que nunca foram escritas, mas são seguidas por serem identificadas como parte de determinada tradição (Walker, 2001, p.84). Um primeiro fator a ser analisado diz respeito ao alinhamento do texto. No caso de artefatos pintados, foi considerado como alinhamento a identificação de eventuais eixos de referência para a maior parte dos elementos tipográficos. 324 artefatos (36,5%) apresentam todos os seus elementos centralizados, ou seja, alinhados a partir de um eixo central, enquanto em 39 (4,5%) exemplos o alinhamento à esquerda predomina, e em apenas cinco casos isso ocorre em relação ao lado direito. Foram observados também 77 (9%) casos onde elementos centralizados e alinhados à esquerda coexistem, sendo nestes casos a centralização geralmente aplicada para destacar títulos ou tópicos do restante do texto, reproduzindo uma convenção da


103

tipografia tradicional. É importante ressaltar que a centralização de textos, facilmente aplicada em textos compostos através de tecnologias digitais, não é produzida com a mesma agilidade na técnica de pintura, já que o posicionamento do texto em relação ao eixo central demanda um mínimo de planejamento, de acordo com o número de caracteres de cada linha.

Figura 75: alinhamento dos textos

Há também uma diretriz em relação ao arranjo dos elementos gráficos em determinada área que não utiliza um eixo como referência, e sim parte do princípio de que a mancha gráfica (para usar um termo do design) deve preencher o máximo de espaço possível, guardando certa relação com a justificação de textos da tipografia tradicional. Esse recurso, presente em 331 artefatos, pode ser utilizado de diferentes maneiras, de acordo com a complexidade do conteúdo textual: no caso de uma única palavra, através da utilização de letras com proporções que visam deixar o mínimo de espaço vazio necessário para uma boa leitura, tanto entre as letras como em relação às bordas (figura 76); e em textos maiores um mesmo alfabeto pode ser utilizado com variações no tamanho e nas proporções das letras, buscando manter a mesma largura em linhas ou palavras com diferentes números de caracteres (figura 77). Há ainda casos onde a ocupação do espaço aparentemente não se deu a partir da idéia do artefato como um todo, e sim do preenchimento sucessivo de áreas, resultando em conjuntos desordenados visualmente (figura 78).


104

A estrutura convencional da escrita latina, com trajeto de leitura horizontal no sentido da esquerda pra direita e regularidade nas proporções das letras, como altura-x, pode ser subvertida em letreiramentos de qualquer natureza. A maior parte dos artefatos analisados, em um total de 788, não foge dessa tradição. O restante utiliza alterações nos trajetos de leitura, sendo estes: vertical, encontrada em 107 casos; diagonal, presente em 93 artefatos; em arco, em 61, além de 47 casos com presença do sentido sinuoso (figura 80). No caso específico da escrita vertical, esta é realizada através da disposição das letras uma abaixo da outra (com uma única exceção – figura 79), e não da simples rotação da escrita horizontal. Ainda sobre a escrita vertical, foi possível constatar uma relação direta não apenas com o formato dos suportes, bem mais altos de que largos, mas também com os locais onde esses são dispostos, como laterais das entradas dos estabelecimentos ou postes.

Figura 79: trajeto de leitura vertical não usual


105

Figura 80: trajetos de leitura

Outros recursos vão além da simples mudança do trajeto de leitura, por influenciarem os desenhos individuais das letras. Trata-se de distorções conseguidas através da manipulação das linhas de base e topo, bem como da relação entre o ângulo dessas com o da estrutura das letras, fugindo das tradicionais retas paralelas horizontais entre as quais as letras se colocam de maneira perpendicular. As linhas podem deixar de ser paralelas, convergindo ou divergindo a partir de um ponto, assim como terem forma de arcos de parábola ou de linhas sinuosas, o que pode ser aplicado em apenas uma ou em ambas as linhas. É possível também alterar o ângulo da linha que guia a estrutura principal das letras em relação às linhas de base e de topo, resultando em letras com diferentes inclinações (figura 81). Todos esses recursos podem ainda ser combinados entre si, do mesmo modo que com alterações no trajeto de leitura (figura 82).


106

Figura 81: diferentes tipos de distorção

Figura 82: exemplos de distorções


107

4.7.2 Análise das formas tipográficas

Sistema de classificação

A análise dos artefatos que formam o principal objeto de estudo desta pesquisa demanda a estruturação de um sistema de classificação. Esse sistema deve considerar como aspectos mais relevantes os elementos tipográficos, tanto no que diz respeito aos desenhos das letras em si quanto à maneira como são arranjadas em determinado espaço. Assim sendo, é necessária uma revisão dos principais tipos de classificação tipográfica ou de letreiramentos, a fim de identificar entre os diferentes métodos quais se aplicam de maneira mais eficaz ao material do levantamento fotográfico. O sistema resultante não possui a pretensão de funcionar como uma ferramenta definitiva de análise, passível de ser aplicada de maneira indiscriminada em outras pesquisas semelhantes. O modo como foi desenvolvido levou em consideração as especificidades do conjunto aqui analisado, em relação não apenas a aspectos formais, como também a seu volume considerável. A classificação de fontes tipográficas é um tema inerente à atividade do design gráfico, motivado tanto pelo campo teórico quanto pelas necessidades práticas de organização e seleção de coleções de tipos. De acordo com Baines e Haslam (2005, p.50), a atividade teve início durante o século XIX, durante o qual houve grande expansão da variedade de tipos produzidos. Desde então diversos sistemas com essa finalidade foram desenvolvidos, sendo que alguns coexistem até os dias atuais, dentre os quais o sistema Vox, desenvolvido pelo francês Maximilien Vox em 1954-5, adotado pela Association Typographique Internationale (ATypI) em 1962 e tendo servido de base para outros sistemas, como por exemplo o BS 2961, utilizado pelo British Standart Institution desde 1967. Tais sistemas possuem suas vantagens e limitações, seja por suas finalidades ou pela época em que foram desenvolvidos. A dificuldade em aplicá-los a acervos que possuem não apenas fontes tipográficas, e sim letreiramentos de diferentes naturezas, foi constatada por Catherine Dixon (2008), ao lidar com a coleção do Central Lettering Record (CLR). A inadequação residia no fato de que um sistema estruturado na simples categorização (como o BS 2961 utilizado inicialmente, que possui como categorias humanist, garalde, transitional, didone, slab-serif, lineale, glyphic, script e graphic) mostrou-se falho não apenas em determinadas partes, e sim em sua estrutura como um todo. Distorções como a superconcentração em categorias genéricas como a graphic


108

não poderiam ser resolvidas somente através de criação sucessiva de novas categorias, o que levaria a um número cada vez maior destas, contendo poucos exemplos cada uma. Por essa razão um novo sistema foi desenvolvido pela pesquisadora, que teve como princípio não considerar categorias fechadas como uma estratégia de descrição válida, e sim a combinação de espécies de variáveis. O sistema desenvolvido por Dixon pode ser entendido como uma classificação tipográfica cruzada, por levar em consideração aspectos e características diferentes que uma fonte pode assumir, criando formas de organização que privilegiam a pluralidade e a abrangência (FARIAS e SILVA, 2004). Sua função é mais de descrição analítica do que de categorização fechada dos letreiramentos, e é baseado em três componentes: origens (sources), atributos formais (formal atributes), e padrões (pattern). As origens descrevem as influências e referências genéricas que podem ser identificadas nas formas dos tipos. São divididas em cinco amplas categorias.

manuscritas (handwritten): letras que seguem modelos caligráficos e de escrita manual. romanas (roman): letras que combinam as romanas capitulares com minúsculas baseadas na escrita humanística. vernaculares do século XIX (19th-century vernacular): letras inspiradas nos tipos display oriundos da necessidade de impressos comerciais efêmeros durante a industrialização daquele século, geralmente em grandes tamanhos e baseados em interpretações de letreiramentos particulares de uma região. decorativas/pictóricas (decorated/pictorial): letras decoradas ou que trazem elementos pictóricos em sua própria estrutura ou anexados a esta. origens adicionais (additional sources): letras que não possuem nenhuma das origens anteriores.

Os atributos formais tratam de aspectos visuais da estruturas das letras, e são divididos em oito categorias.

construção: avalia o modo de obtenção dos traços da letra, seja de maneira contínua; quebrada ou interrompida; com referências a ferramentas; com referências a sets de caracteres; ou outras abordagens.


109

forma: relativo ao tratamento dado aos elementos básicos das letras (curvas e linhas retas), sendo observadas as variações de formas tradicionais; o tratamento das curvas; os aspectos das curvas; os detalhes das curvas; hastes retas; e outros detalhes. proporções: descreve as dimensões básicas das letras e o uso do espaço, a partir das proporções relativas das capitulares; e das proporções relativas internas. modulação: descreve a variação de espessura dos traços que compõem as letras, analisando o contraste; o eixo de contraste; e o transição. peso: mensura a espessura da letra como um todo, analisando a cor; e peso em relação à família. terminais: descreve a maneira como se apresentam os terminais das letras, observando os terminais da linha de base; terminais das ascendentes; e terminais de caracteres específicos. caracteres-chave: observa os caracteres cujo tratamento é significante para distinguir uma fonte de outra. decoração: além de poder ser considerada uma origem, a decoração também pode ser entendida como um atributo formal, no caso de tratamentos adicionados a letras já existentes.

Os padrões constituem o terceiro componente, e segundo Dixon foi criado para evitar que o sistema se tornasse restrito a micro aspectos das letras, já que a não utilização de categorias formais impossibilitava a localização de determinado exemplo em relação ao contexto da prática do design de tipos como um todo. Por essa razão, foram identificadas e listadas as principais configurações recorrentes de origens e atributos formais, que passaram a constituir os padrões. Assim sendo, na origem vernaculares do século XIX foram identificados padrões como Fat face, Egyptian e Claredon/Ionic, enquanto nas origens manuscritas, padrões como Textura e Rotunda. No caso de tendências demasiadamente genéricas para configurar, através da listagem de atributos formais, um padrão propriamente dito, há o recurso de utilizar referências a sumários. No caso das origens manuscritas, por exemplo, foi incluída uma referência a um sumário denominado bastarda (figura 83).


110

Figura 83: panorama cronológico do sistema de Dixon

A versatilidade do sistema de Dixon faz este bastante eficaz quando aplicado a letreiramentos, principalmente se comparado com outros sistemas de categorização tipográfica simples. O fato de seu desenvolvimento ter se dado tendo como referência um acervo tão variado como o do CLR, não se restringido a fontes tipográficas disponíveis no mercado, fez com que sua estrutura fosse considerada a mais adequada para a análise dos elementos tipográficos desta pesquisa. Como os letreiramentos analisados foram produzidos exclusivamente através da pintura, um sistema que tem por objetivo possibilitar a descrição de tipos de qualquer natureza requer adaptações. Sem que essas sejam feitas, determinadas partes que para o objeto desta pesquisa podem mostrar-se de pouca relevância fariam do sistema mais extenso do que o necessário, assim como características que merecem maior atenção poderiam não ser consideradas com o devido destaque. A análise da tipografia pintada foi feita utilizando os mesmos três componentes do sistema de Dixon, a partir dos quais foram realizadas as adaptações necessárias.


111

Modelo-base

O quesito origem foi adaptado, por dizer respeito à evolução das formas tipográficas em um nível bastante detalhado, agregando também aspectos de genealogia histórica que não são levados em consideração na análise da tipografia pintada. Em seu lugar, é utilizado o quesito modelo-base, que possui um significado mais geral do que o seu equivalente do sistema original, relacionado à identificação das referências para produção da letra pintada. Foram identificadas quatro possíveis modelos-bases: escrita manual, quando a referência é um modelo geral, como os utilizados durante a alfabetização no sistema de ensino, ou pessoal, quando mantém idiossincrasias da escrita manual de um indivíduo; caligrafia, quando são reproduzidos modelos da caligrafia clássica, como a escrita cooperplate ou as variações do estilo gótico; fontes tipográficas, quando as referências são formas projetadas originalmente para serem fontes, independente da tecnologia utilizada (tipos de metal, fontes digitais, etc.); e letreiramentos, quando se utiliza estilos desenvolvidos a partir da própria técnica de pintura, geralmente pelo próprio autor. Os modelos-bases escrita manual e caligrafia foram unidas em uma única categoria, dado o baixo número de exemplos encontrados e a semelhança entre os conceitos. Conforme ressalvas colocadas no item 3.2, a questão dos modelos-bases dos alfabetos deve ser relativizada, já que um mesmo desenho pode possuir mais de uma origem possível, como certos estilos de caligrafia que serviram de referência para fontes tipográficas. Sendo assim, os modelos-bases foram identificados sem considerar o meio através do qual o alfabeto que serviu de inspiração para o pintor foi reproduzido. Ou seja, mesmo que o modelo-base para uma pintura tenha sido uma fonte tipográfica que reproduzisse a escrita chancelaresca, a origem considerada como tal é a caligrafia. Isso posto, vale ressaltar a influência de modelosbases de toda natureza que, ao serem apropriados pelo design de tipos, foram largamente difundidos, até tempos recentes por catálogos de fotoletras, e atualmente pelos meios digitais. Do conjunto de alfabetos aqui analisados (que supera o número de artefatos, já que um mesmo exemplo pode conter diversos desenhos de alfabetos diferentes) os modelos-bases mais comuns são relacionados ao letreiramento e, principalmente, à tipografia.


112

Gráfico 17: modelos-bases dos alfabetos

Atributos formais

Os atributos formais utilizados pelo sistema de Dixon se mostraram eficazes também para descrição dos artefatos aqui analisados. Foram necessárias algumas adaptações, dadas as especificidades das letras pintadas em relação ao universo para o qual o sistema original está voltado, das fontes tipográficas. Uma primeira adaptação diz respeito à análise dos atributos formais, na qual não seria adequada uma simples aplicação de parâmetros do design de tipos, como a definição dos limites a partir dos quais uma letra é considerada condensada ou expandida, ou o que separa o peso médio do black. Em relação aos pesos, a escala e o tipo de suporte alteram a percepção, conforme apontado por Gray (1960, p.25) ao dizer que, em se tratando da utilização de fontes tipográfica em escala arquitetônica, é o peso bold [black] que parece normal, enquanto o peso normal [médio] parece light. Nos casos aqui analisados há também os limites da produção artesanal, que levam à consideração de tais atributos não na escala refinada da tipografia, e sim quando esses se mostram evidentes mesmo para um olhar menos minucioso. Apesar de terem sido adotados os mesmos termos para designar os atributos formais, ressalvas pontuais devem ser feitas em relação a eventuais diferenças quanto aos seus significados no sistema original:


113

construção: está ligado à execução da letra, levando em conta se as formas resultantes trazem em si referências à ferramenta utilizada – no caso do universo analisado, ao formato do pincel. forma: observa características das formas básicas que compõem as letras, como retas e curvas. modulação: observa a presença de variação na espessura dos traços e a maneira como esta ocorre. peso: relativo à “cor” resultante da espessura dos traços das letras como um todo, podendo ser light, médio ou black. terminações: observa como se dá a interrupção dos traços, como a presença ou não de serifas. proporções: referente às relações entre dimensões básicas das letras e como essas ocupam o espaço, observando aspectos como altura-x, linhas das ascendentes e descendentes, assim como se há condensação ou expansão. caracteres-chave: são tratadas aqui como letras que se destacam por não seguirem formas convencionais do caractere que representam, o que facilita e identificação de determinado padrão ou do estilo de um pintor.

Do sistema original, não é utilizado o atributo decoração, o que será justificado e tratado mais a frente. Houve necessidade da inclusão do quesito outros aspectos, para que fossem consideradas características não apenas formais, mas também relacionadas a maneiras recorrentes de utilização do alfabeto, como o uso de caixa alta e caixa baixa, ou a presença de inclinação.

Padrões

O grande número de artefatos registrados possibilita a utilização do componente padrões, presente no sistema de Dixon. A identificação destes se deu igualmente pela recorrência de determinados aspectos formais, tanto através da observação dos artefatos quanto pela maneira como os pintores descreveram seus processos de trabalho. Os padrões mostram-se relevantes também por tornarem possível situar determinado artefato em relação ao contexto ao qual pertencem, aferindo o quão particular ou recorrente é determinado aspecto. Vale salientar que a proximidade com os padrões estabelecidos não está diretamente


114

relacionada à qualidade dos artefatos, podendo essa se dar tanto através da originalidade de aspectos formais quanto pela execução com maestria de algum padrão. Ao contrário do sistema de Dixon, não há aqui a intenção de traçar nenhuma genealogia ou contextualização histórica dos padrões identificados. Um mesmo atributo de determinado padrão pode ter mais de uma característica considerada (como diferentes pesos), caso todas tenham sido encontradas em número relevante de exemplos. Primeiramente, foi identificado um padrão de alfabeto muito mais utilizado do que os demais, embora não haja consenso entre os pintores sobre como denominá-lo. Suas formas remetem a um modelo-base da tipografia, mais especificamente de fontes sem serifas, apesar de não utilizar como referência uma fonte tipográfica em particular. Os pintores se referem a este alfabeto como “letra comercial” ou “letra comum”, termos citados em duas entrevistas, assim como “letra de forma” e “letra de imprensa”, termos utilizados por um pintor cada.

Letra Comercial modelo-base: tipografia construção: sem referência ao formato do pincel forma: hastes com bordas paralelas; bojos ligeiramente quadrados modulação: sem modulação peso: médio ou black terminações: sem serifa; terminações retas ou arredondadas proporções: frequentemente condensadas caracteres-chave: sem caracteres-chave outros aspectos: uso predominante de caixa alta

Figura 84: atributos formais da letra comercial


115

Figuras 85, 86 e 87: exemplos de letra comercial

Um segundo padrão, encontrado em menor número e citado por três pintores, é representado pela “letra manuscrita”. Apesar de haver variâncias em seus aspectos formais, os exemplos desse padrão possuem em comum modelos-bases relacionados à escrita manual, sendo geralmente encontrados em artefatos que utilizam também a letra comercial, resultando em composições com contraste no que diz respeito às formas tipográficas. O mais comum, em se tratando da hierarquização dos elementos da mensagem, é a presença da letra manuscrita em informações secundárias, cabendo à letra comercial o texto principal.

Letra manuscrita modelo-base: escrita manual construção: referência ao formato do pincel forma: bojos arredondados modulação: frequente, de maneira sistemática ou não peso: médio terminações: arredondadas proporções: grande altura-x caracteres-chave: sem caracteres-chave outros aspectos: presença de letras encadeadas, inclinação frequente


116

Figura 88: atributos formais da letra manuscrita

Figuras 89, 90 e 91: exemplos de letra manuscrita

Como mais um dado referente às letras comercial e manuscrita, vale colocar que em uma pesquisa semelhante realizada com pintores de letras de São Gonçalo (não publicada) foi constatado serem esses os principais modelos utilizados pelos profissionais. A predominância do que aqui é tratado como letra comercial se refletia na terminologia dos pintores, que além de fazerem uso da expressão “letra comum”, conforme alguns entrevistados deste trabalho, tratavam tal modelo também como “letra padrão”. Foi identificado durante a observação dos artefatos um terceiro padrão, apesar de não ter sido tratado pelos pintores. Esse é composto por letras aqui denominadas geométricas, cujos aspectos formais possuem como modelo-base as possibilidades e limites presentes na produção de letreiramentos. Nesse caso, as letras são estruturadas a partir de malhas geométricas, que influenciam fortemente os resultados formais.


117

Letra geométrica modelo-base: letreiramento construção: sem referência ao formato do pincel forma: hastes com bordas paralelas; bojos quadrados modulação: sem modulação peso: black terminações: sem serifas; terminações retas proporções: largura variável caracteres-chave: A, O e U quadrados, S de traços retos outros aspectos: letras geralmente monoespacejadas

Figura 92: atributos formais da letra geométrica

Figuras 93, 94 e 95: exemplos de letra geométrica

Também tendo modelo-base do letreiramento, foi identificado um quarto padrão, que possui como principal característica uma aparente informalidade nos traços, resultando em letras que, apesar de possuírem estruturas que não fogem às convencionais, trazem junções e vértices executados sem intenção de reproduzir a exatidão das formas tipográficas. O pintor Edu fez um relato sobre esse padrão, chamado por ele de “letra corrida”.


118

Às vezes quando eu tô com preguiça eu faço uma letra corrida. (...) Você faz na caída do pincel, sem precisar ficar acertando a letra. Faz onde o pincel cair, vai fazendo, vai escrevendo na mão livre assim.

Aparentemente esse é o padrão de execução menos trabalhosa para os profissionais, e seus aspectos formais o aproximam de alfabetos utilizados pelos cartazistas. Apesar de outros pintores não terem citado este padrão, letras a ele pertencentes foram identificadas em um número considerável de artefatos.

Letra corrida modelo-base: letreiramento construção: com referência ao formato do pincel forma: bojos quadrados; traços sinuosos modulação: pouca ou nenhuma modulação peso: variável terminações: sem serifas; terminações variáveis proporções: frequentemente condensadas caracteres-chave: S sinuoso outros aspectos: letras inclinadas, junções e vértices incompletos ou transpassados

Figura 96: atributos formais da letra corrida


119

Figuras 97, 98 e 99: exemplos de letra corrida

A incidência dos padrões identificados em relação ao total das obras analisadas, em valores aproximados, é a seguinte: a letra comercial está presente em 75% dos artefatos, a letra corrida em 22,5%, a letra geométrica em 10,5%, e a letra manuscrita em 8%. Ao compararmos os principais padrões utilizados pelos pintores de letras atuais com os modelos hegemônicos dos antigos manuais analisados no item 3.4, é possível perceber alguns pontos em comum. Um alfabeto sem serifa, condensado e black configura o principal modelo, com poucas variações dos atributos formais, seja nas plain letters dos manuais ou na letra comercial dos pintores. A construção puramente geométrica das letras é outro aspecto comum às duas realidades, e os resultados conseguidos através das malhas construtivas dos manuais são muito próximos aos da letra geométrica dos pintores. Os padrões atuais das letras corrida e manuscrita, apesar de não guardarem estreitas relações formais com modelos dos manuais, encontram neles exemplos análogos quanto à função no sistema dos pintores, que diz respeito à diferenciação dos outros modelos através da sinuosidade de sua construção, fruto do registro do gesto da pintura. Se os pintores atuais recorrem a modelos da escrita manual ou das possibilidades do pincel para o desenvolvimento de alfabetos com essa função, os antigos manuais recorrem a modelos mais próximos à caligrafia (figura 100), onde a aplicação de modulação nos traços é a principal diretriz (também foram encontrados alfabetos semelhantes entre os artefatos aqui analisados, como o da figura 101, embora em um número pouco significativo). É possível supor que seja importante, no sistema de produção de artefatos de comunicação visual através da pintura de letras, a existência de algum alfabeto com contraste formal em relação aos traços retos e uniformes dos padrões comercial/plain letter e geométrico.


120

Figuras 100 e 101: modelo de um manual e artefato de pintor atual

A análise das formas tipográficas em relação aos artefatos registrados para esta pesquisa procurou situar as unidades quanto aos padrões nelas encontrados. Apesar de o sistema descritivo possibilitar uma análise mais individualizada dos aspectos formais, essa pareceu ser necessária apenas no item 3.2.7.

Adornos

O atributo decoração, do sistema de Dixon, não se mostrou adequado para descrição dos alfabetos analisados. Comparada à sua conotação original (onde inclui características inerentes à estrutura das letras, como a presença de elementos pictóricos em sua superfície ou de aspectos típicos da técnica de estêncil), a relação entre os elementos tratados e as letras ocorre de modo diferente. Nos artefatos dos pintores, os elementos análogos são aplicados em etapa posterior à da pintura das formas básicas das letras, e por isso independem do modelo de alfabeto utilizado. Por essa razão, tais recursos foram analisados separadamente, e são tratados como adornos. A maioria dos artefatos registrados não possui alfabetos com adornos, mas tal recurso está presente em uma parte significativa em relação ao total analisado.

Gráfico 18: presença de adornos


121

Levando em conta o sistema através do qual ocorre a aplicação dos adornos, em etapa posterior à pintura de uma letra básica (sem nenhum adorno), é possível dividi-los em internos, quando aplicados na forma das letras; e externos, quando realizados ao redor de seus traços, ou seja, na contra-forma. O recurso contorno é um caso à parte, já que pode ser aplicado tanto sobre a forma quanto sobre a contra-forma (separada ou simultaneamente).

Figura 102: panorama dos adornos

Com função de adornos externos, foram encontradas sombras externas, sublinhas, contornos externos, combinações de sub e sobrelinhas, e perspectivas. Tanto sombras quanto perspectivas podem ser aplicadas de diferentes maneiras, alterando direção, tamanho e outros aspectos em relação à letra básica. A análise, porém, não incluiu essas subdivisões, pertinentes também a outros elementos. Os contornos externos têm como característica, que os diferencia dos fios que circulam palavras ou frases, seguirem de maneira fiel as formas das letras, guardando certa distância em relação a essas. Com função de adornos internos, foram encontrados brilhos, sombras internas, além de outros elementos com essa função. A distinção entre brilhos e sombras internas foi feita não através das cores utilizadas, e sim de sua posição em relação às letras, que podem predominar em áreas superiores (definindo o brilho) ou inferiores (definindo a sombra) de suas partes (figura 103).


122

Figura 103: exemplos dos adornos encontrados


123

Foi contabilizada a ocorrência individual dos adornos, que podem ser combinados entre si, embora isso não ocorra com muita frequência (figura 104). Com esses critérios, a sombra externa foi identificada como o elemento mais utilizado, seguido por contornos e sublinhados, com um número bastante inferior de ocorrências.

Gráfico 19: incidência dos adornos

Figura 104: combinações de adornos

4.8 Análise dos principais pintores

A compreensão dos processos de trabalho dos pintores passa pela análise de seus discursos, conforme realizado no item 3.3, mas também encontra na observação de conjuntos de artefatos de um mesmo profissional uma importante referência. O extenso levantamento fotográfico, aliado às entrevistas, possibilitou a identificação dos pintores com maior destaque em termos quantitativos na área de pesquisa. Por ter sido encontrado um razoável conjunto de artefatos produzidos por cada um deles (o com menor número teve registrados 22 artefatos),


124

se pode através destes identificar e comparar as especificidades dos seus trabalhos, assim como localizar eventuais características em comum. A descrição de repertórios gráficos particulares torna possível a identificação dos autores de artefatos em locais fora da área de pesquisa, além de constituir um panorama que pode servir de referência para futuras pesquisas. A identificação da autoria dos artefatos ocorreu não apenas através da assinatura destes, já que nem todos têm por costume incluir nome e contato em alguma parte das peças. O reconhecimento de certos aspectos característicos dos estilos pessoais possibilitou que muitas peças pudessem ter a autoria atribuída a determinados pintores, com a ressalva sobre a eventual existência, em meio ao conjunto total de artefatos analisados nesta pesquisa, de outros trabalhos dos pintores aqui tratados, que por fugirem de suas linguagens individuais não puderam ter seus autores identificados.

a. Masach (64 artefatos)

O pintor Masach alterna dois desenhos de alfabetos para pintar a maioria das mensagens. Um dentro do padrão de letra comercial, com grandes variações de largura e de peso (figura 105), e que inclui também caracteres em caixa baixa, apesar de raramente usados, caracterizados pela largura condensada, assim como pequena altura-x e grandes hastes ascendentes (figura 106). Aparentemente esse alfabeto é executado através de traços compostos, resultando em variações não sistematizadas na largura dos traços de uma mesma letra ou de peso das letras em uma mesma palavra. O segundo alfabeto principal segue o padrão de letra corrida, normalmente realizada também com pinceladas compostas, que possui pequena inclinação, largura condensada, modulação dos traços, bojos quadrados e junções discretamente incompletas (figura 107). Em alguns artefatos, uma ou mais dessas características são realizadas de maneira mais radical, tornando-as mais explícitas (figura 108). Ocorre também a alternância de caracteres desses dois alfabetos na mesma palavra, assim como desenhos com atributos formais de ambos (figura 109).


125

Também é possível identificar um terceiro alfabeto, de padrão geométrico, que possui a particularidade de ser utilizado quase que exclusivamente em negativo, inserido em boxes e setas, reproduzindo uma orientação encontrada em alguns dos manuais analisados no item 3.4 (figura 110). Outra marca pessoal do pintor é a utilização de contornos externos como adornos (figura 111).


126

Figura 112: trabalhos do pintor Masach

b. Jaime (55 artefatos)

O pintor Jaime utiliza basicamente dois alfabetos, um pertence ao padrão comercial, enquanto o outro segue o geométrico. A versão desenhada do alfabeto comercial, apesar do predomínio de proporções condensadas, é realizada em todas as larguras, até versões


127

expandidas e passando pela normal (figura 113), e possui uma versão com variações de alguns caracteres, como as letras V e A com vértices arredondados (figura 114). Utiliza também uma versão não desenhada (traço único ou composto) para letras de tamanhos menores, caracterizadas pela presença de incisões em determinados ápices e junções (figura 115). Um alfabeto com a maioria dos atributos formais da letra comercial, apesar de ligaturas não usuais unindo m ou n (que por vezes seguem o padrão manuscrito) a outras letras, é utilizado em caixa baixa apenas para preposições e abreviações (figura 116).


128

O alfabeto geométrico também sofre variações no que diz respeito ao nível de condensação. Na maior parte das vezes é aplicado seguindo o trajeto vertical de leitura, com letras monoespasejadas que têm como principal característica a presença de junções angulares em relação ao interior e arredondadas em relação ao exterior (figuras 117 e 118).

Figura 117: letra geométrica de Jaime

Figura 118: letra geométrica de Jaime

Jaime possui uma boa técnica em relação ao arranjo espacial, com habilidade para centralizar textos e fazer uso do trajeto circular de leitura, sendo a combinação desses dois recursos uma constante entre seus artefatos (figura 119). A distorção também é utilizada, de modo menos frequente (figura 120). Apesar de incluir ilustrações em poucos trabalhos, o pintor possui habilidade para executá-las em diferentes linguagens, conforme pode ser constatado nos exemplos encontrados (figura 121).


129

Figura 122: trabalhos do pintor Jaime


130

c. Índio (57 artefatos)

O pintor conhecido entre seus clientes como “Índio” utiliza dois alfabetos principais, um com padrão de letra comercial e outro de letra corrida. Sua letra comercial pode ter terminações tanto retas (figuras 123) como arredondadas (figura 124), além de servir de base para o desenho de alfabetos com serifas (o que os afasta do padrão da letra comercial), variando também os formatos destas (figura 125). O alfabeto de letra corrida se destaca pelas terminações retas que, assim como outros aspectos, persistem mesmo quando não são produtos do traço único (figura 126).


131

Outra particularidade é o uso da caixa baixa, o que é feito com qualquer um dos alfabetos, e ocorre com maior frequência do que nos artefatos dos outros pintores (figura 127). As grandes dimensões dos artefatos também chamam atenção (figura 128), assim como a total ausência de ilustrações, a não ser no caso de símbolo do estabelecimento.

Figura 129: trabalhos do pintor Índio


132

d. Edu (40 artefatos)

Edu praticamente utiliza apenas o seu desenho de alfabeto comercial, com versões desenhadas e de traço único. Apesar das duas versões guardarem semelhanças em muitos aspectos, a primeira costuma ser aplicada com peso variando de médio ao black (figura 130), enquanto a segunda, do médio ao light (figura 131). Um dos aspectos em comum é a utilização, na maioria dos casos, de letras com inclinação. A versão em traço único caracteriza-se por possuir variação não sistematizada da espessura dos traços, o que, no entanto, não impede uma regularidade formal na mancha de texto (figura 132). O pintor também possui um alfabeto com padrão de letra corrida, embora pouco frequente, usado apenas para informações auxiliares, e raramente em todo o artefato (figura 133).


133

A centralização dos textos, mesmo quando longos, é realizada de maneira eficaz (figura 134), e títulos costumam ser destacados através do uso de boxes e/ou sombras externas e brilhos como adornos (figura 135). Ilustrações são feitas frequentemente, e embora haja a recorrência de certos motivos, como o copo de refresco, o salgado e o coco (figura 136), também são feitas outras imagens, que podem flertar com o realismo (figura 137) ou ser sintéticas (figura 138). A maior parte, no entanto, é produzida através de um estilo cartoon (figura 139). A linguagem utilizada nas imagens feitas pelo pintor, conforme dito no item 3.3.1, motivou sua contratação pata ilustrar um guia de bares da cidade.


134

Figura 139: principal estilo de ilustração de Edu

Figura 140: trabalhos do pintor Edu


135

e. Sérgio (31 artefatos)

Sérgio é o mais versátil dos pintores aqui analisados, de tal maneira que caso não tivesse por hábito assinar a maioria de seus trabalhos, dificilmente esses teriam sido considerados como sendo do um único autor. Foram identificados, em seus artefatos, cerca de seis alfabetos diferentes, número que aumentaria se fossem levados em conta aspectos formais em um nível mais detalhado. Aparentemente, Sérgio costuma alterar alguns atributos formais dos alfabetos de seu repertório em cada artefato, de maneira que, por exemplo, dois alfabetos considerados segundo os critérios desta pesquisa como pertencentes ao padrão comercial podem ter desenhos diferentes (figura 141).

Figura 141: letra comercial de Sérgio

Além da letra comercial, que possui também uma versão de traço único, condensada e light (figura 142), foram identificados: um alfabeto de modelo-base do letreiramento, caracterizado por bojos quadrados e traços curvos, côncavos em relação ao exterior da letra


136

(figura 143); um alfabeto com padrão de letra corrida, inclinado, com terminações arredondadas e traços ligeiramente curvos (figura 144); um segundo alfabeto com modelobase do letreiramento, cuja presença de modulação com grande contraste o aproxima de modelos caligráficos (figura 145); além de um alfabeto de modelo-base da tipografia, terminações round e junções transpassadas (figura 146), assim como outros desenhos de modelos-bases da tipografia.


137

Elementos extra-tipogrĂĄficos estruturais sĂŁo bastante comuns nos artefatos do pintor, com destaque para faixas e fios.


138

Figura 147: utilização de faixas

Figura 148: trabalhos do pintor Sérgio

f. Jairo (22 artefatos)

Foram encontrados três desenhos de alfabetos nos artefatos de autoria do pintor de nome Jairo. Um dos dois principais possui formas que seguem o padrão comercial, variando a condensação e o peso, que vai do médio ao black. Seu desenho convencional o torna bastante eficiente quanto à sua neutralidade, na típica intenção de não despertar atenção para algo além do conteúdo textual da mensagem (figura 148). Esta caracterização se opõe à do outro alfabeto mais utilizado, com modelo-base do letreiramento. Trata-se aparentemente de uma evolução do desenho de letra comercial (alguns caracteres se mantêm bastante semelhantes), com a inclusão de serifas, junções incompletas ou transpassadas, alongamento de traços até além da linha de base, exagero de bojos, sinuosidade de traços e presença de modulação. Esse alfabeto de aspectos tão particulares facilita muito a identificação dos artefatos produzidos por


139

Jairo, um dos poucos casos de pintor que possui em seu repert坦rio um alfabeto de modelobase do letreiramento que n達o segue o padr達o da letra corrida (figura 150). Um terceiro alfabeto, raramente utilizado, segue o padr達o manuscrito (figura 151).


140

De um modo geral, Jairo busca preencher todo espaço dos suportes com a pintura das letras, sendo seus artefatos bastante caracterizados visualmente. Todos os três alfabetos na maior parte das vezes apresentam um peso black, o que encontra eco nos elementos extratipográficos: molduras, barras (com função de fios), setas ou grafismos abstratos. Tudo isso, somado à utilização de poucas cores (geralmente preto e vermelho sobre amarelo) resulta em um estilo com grande vitalidade formal (figura 152). Raramente são encontradas ilustrações.

Figura 152: trabalhos do pintor Jairo

Através da reunião dos dados relativos aos alfabetos utilizados pelos pintores analisados, é possível mensurar a importância de cada padrão identificado nesta pesquisa, assim como comparar os diferentes sistemas utilizados pelos profissionais (quadro 1).

Quadro 1: alfabetos utilizados por cada pintor


141

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Queremos aqui destacar tópicos que foram se evidenciando no decorrer da pesquisa:

a) A presença da tipografia pintada no Centro do Rio de Janeiro é maior do que se supunha. A quantidade de exemplos encontrados leva à identificação da tipografia pintada como um elemento com forte presença na gráfica urbana do Centro do Rio de Janeiro. Apesar de não ter sido feita nenhuma comparação em termos quantitativos com exemplos não pintados que também compõem a paisagem tipográfica, podemos mensurar essa importância ao compararmos o total de área pesquisado, com cerca de 2.520.826 m², e o número de artefatos encontrados, que chega a 944 (somando aos 884 aqui analisados aqueles que não foram considerados por serem duplicados ou cujos registros fotográficos não foram satisfatórios), o que resulta em um número aproximado de 50 artefatos por 137.273 m² – área equivalente à da Praça da República.

b) O ofício de pintor de letras “popular” ainda resiste, apesar das transformações no mercado. A busca pelos principais responsáveis pela produção de tipografia pintada levou ao encontro do ofício do pintor de letras. Apesar da evidente diminuição do número de profissionais atuantes na região, incluindo o emblemático caso do pintor Zanata, não pertencente à esfera popular, foram encontrados pintores com fluxo regular de trabalhos. Os meios digitais de impressão, apesar de terem diminuído o mercado para a atividade, além de gozarem da preferência por parte dos clientes, não se mostraram como um fator determinante para uma extinção gradual e irreversível da utilização da pintura manual. Um mercado voltado para artefatos de custos reduzidos, funções menos nobres e durabilidade efêmera persiste, oferecendo oportunidades para quem domina a técnica da pintura de letras.

c) O ensino do ofício de pintor de letras não é institucionalizado, e apresenta técnicas recorrentes. Apesar de já ter havido o ensino formal técnico voltado para a pintura de letras até um passado recente, aparentemente não houve reflexos relacionados à classe dos pintores como um todo. O perfil do pintor de letras está ligado a uma formação mais genérica, voltada ao desenho e à pintura, na qual a execução de formas tipográficas é facilitada pelo domínio da técnica de pintura como um todo. A ausência de contato com uma teoria tipográfica, mesmo que básica, somada ao fato de ser uma atividade exercida predominantemente de maneira


142

individual, que não demanda um trato verbal técnico em relação aos artefatos ou ao processo de trabalho, com outros pintores ou com clientes, resulta na ausência de uma terminologia específica dos pintores de letras, cuja identificação era uma das propostas deste trabalho. Apesar da ausência de uma formação voltada para a pintura de letras, foram encontradas similitudes relacionadas ao processo de trabalho de diferentes pintores, que quando comparadas aos antigos manuais analisados possibilitam a construção de um modelo geral inerente à atividade. Foi possível identificar uma cultura própria da pintura de letras, mesmo que seu saber emane da experiência, de maneira empírica, produzindo um conhecimento tácito que independente do tempo ou da região onde é praticada.

d) Os pintores de letras possuem repertório estável, com poucos modelos tipográficos, os quais não são utilizados apenas esporadicamente. Foi possível identificar certa diversidade de aspectos formais durante a observação dos artefatos dos pintores de letras, quando estes são considerados, de maneira conjunta, um dos componentes da gráfica urbana. A análise individual da produção dos pintores, porém, trouxe à luz um sistema de trabalho caracterizado pela utilização de poucos modelos de alfabetos, cujo domínio é conseguido durante a fase de aprendizado ou desenvolvimento da técnica, que são utilizados na maior parte dos trabalhos.

e) O modelo tipográfico predominante é o comercial. A função da maioria dos artefatos produzidos pela pintura manual, com caráter mais funcional do que decorativo, tem como consequência a predominância do modelo de alfabeto de origem tipográfica, identificado como letra comercial. O fato da pesquisa ter se concentrado na produção de pintores profissionais deve ser levado em conta quando se observa o percentual de soluções mais convencionais ou burocráticas encontradas, sendo possível supor que, ao estender a análise a outros elementos da gráfica urbana, haveria maior diversidade nos resultados.

f) Como em qualquer tipo de produção visual, podem ser destacados artefatos com maior qualidade gráfica. Apesar da recorrência dos sistemas de trabalho identificados, as linguagens desenvolvidas pelos pintores podem ser bastante heterogêneas quando comparadas entre si, sendo possível atingir igualmente distintos níveis de qualidade gráfica. Em meio à grande quantidade de artefatos registrados durante essa pesquisa, características geralmente vinculadas ao vernacular e detalhes tipográficos podem ser encontradas em uma mesma peça. Uma tipografia tradicional pode ser envolta pelo pitoresco e historicizante; a vitalidade na combinação das cores ser aplicada a letras impecáveis ou com desvios só percebíveis a


143

olhares mais atentos, que no lugar de perturbarem dão um sabor espacial ao resultado; a liberdade do pincel pode ser celebrada em letras construídas a partir da própria pincelada, tratadas como superfícies e serem decoradas ou arranjadas livres de limites técnicos; e a tipografia pode ser o suficiente para despertar o interesse, trazendo em si sutilezas como compensações óticas, que encerram o aprendizado quase sempre empírico de seus autores (figuras 153 a 180).

Figuras 153 a 161: tipografia pintada analisada pela pesquisa


144

Figuras 162 a 170: tipografia pintada analisada pela pesquisa


145

Figuras 171 a 178: tipografia pintada analisada pela pesquisa


146

g) A tipografia pintada de determinado local é influenciada por diferentes aspectos da região onde se encontra inserida. No caso deste trabalho, o fato da área pesquisada ser o bairro central de uma grande cidade, caracterizado pela grande concentração de comércio e de serviços, e consequentemente de diversos elementos de comunicação visual na gráfica urbana, resulta em certa regularidade de aspectos formais da tipografia pintada, na qual predominam modelos de alfabetos voltados para uma leitura rápida, e por isso com formas regulares sobre as quais são utilizados poucos adornos. Observações informais de lugares com outras características tornam evidente tal relação, como nos casos de Tiradentes/MG, cidade histórica com vocação turística (figura 182), ou de Buenos Aires, onde ocorre a existência de uma linguagem gráfica reconhecida como tradição local, a do filete porteño (a ponto de ter sido encontrado durante esta pesquisa um exemplo de artefato com tal linguagem, motivado pelo nome e a nacionalidade do ex-dono do estabelecimento – figura 183).


147

Finalizando, temos o fato de que as características da tipografia pintada do Centro do Rio de Janeiro ficam mais evidentes quando os resultados dessa pesquisa são comparados aos de outros trabalhos sistematizados, mesmo que estes não se traduzam em termos quantitativos conforme aqui realizado. Na pesquisa de Fernanda Cardoso, que incluiu outros bairros cariocas além do Centro, além de ter utilizado outra metodologia, predomina nos artefatos reunidos o caráter naif do vernacular. Já na pesquisa de Fátima Finizola, realizada em diferentes bairros da cidade do Recife, é possível constatar uma maior diversidade no que diz respeito à quantidade de modelos de alfabetos encontrados, tendo sido identificados padrões recorrentes, assim como elementos de adorno, que não encontram o mesmo nível de incidência na área aqui pesquisada. É importante constatar que a confluência das pesquisas faz avançar o conhecimento sobre esta área, que se situa à margem do design canônico. A atenção para com a diferença e a diversidade, que se desenvolve com a relativização dos parâmetros modernistas, leva a diálogos e trocas entre o culto e o vernacular-popular, o qual também participa, assim como o design, da visualidade contemporânea.


148

REFERÊNCIAS

BAEDER, John. Sign Language: street signs as folk art. New York: Harry N. Abrams. 1996. BAINES, Phil; HASLAM, Andrew. Type & Typography. 2ª ed. New York: Waslon Guptill Publications; 2005. BAINES, Phil; DIXON, Catherine. Signs: lettering in the environment. London: Laurence King; New York: Harper Design International, 2003. BAINES, Phil. Central Lettering Record. Eye. Inverno 1994; 15. BAINES, Phil. Public Lettering: a walk in central London. Disponível em <http:// www.publiclettering.org.uk>. Acesso em: 16 de novembro de 2010. BARROS, Alvaro Paes de. O Liceu de Artes e Ofícios. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico IBGE, 1956. BEACH, Henry M.; BOGDAN, Robert. Adirondack Vernacular: The photography of Henry M. Beach. Syracuse: Syracuse University Press, 2003. BELLON, Daniel; BELLON, KLAUS. Typography for the people. Cincinnati: How Books, 2010. BERNARDES, Vera Maria Cavalcanti. Trabalho de Graduação. Rio de Janeiro: Conclusão de curso da Escola Superior de Desenho Industrial, 1973. BRANDÃO, Marcus Vinicius D. Os pintores de letras: um olhar etnográfico sobre as inscrições vernaculares urbanas. Arte & Ensaios. 2006; 13; 46-51. BROWN, Denise Scott; IZENOUR, Steven; VENTURI, Robert. Aprendendo com Las Vegas. São Paulo: Cosac Naify, 2003. CARDINALI, Luciano (org). Tipos Latinos: quarta bienal de tipografia latino-americana. São Paulo: Blucher, 2010. CARDOSO, Rafael. Uma Introdução à História do Design. São Paulo: Blucher, 2009. ______. As origens históricas do designer: algumas considerações iniciais. Estudos em Design – Design Articles. dez.1996; 4 (2); 59-72. CARDOSO, Fernanda de Abreu. Design gráfico vernacular: a arte dos letristas [dissertação]. Rio de Janeiro: PUC. Departamento de Artes e Design; 2003. CROMWELL, J. Howard. A system of easy lettering. 2ª edição; New York: E.& F. Spon, 1890. Disponível em <http://archive.org/details/cromwellsystem00cromrich>. Acesso em: 11 de agosto de 2011.


149

CUNHA, Antonio Geraldo da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 1986. CUTSHAW, Stacey McCarroll; BARRETT, Ross; HERMAN Bernard L.; KAPLAN, Daile. In the vernacular: photography of the everyday. Boston: Boston University Art Gallery; 2008. DEAN, Darron. A slipware dish by Samuel Malkin: an analysis of vernacular design. Journal of Design History. 1994; 7 (3); 153-167. DIXON, Catherine. Describing typeforms: a designer’s response. Info Design – Revista Brasileira de Design da Informação. 2008; 5 (2); pp.21-35. FARIA, Alessandro. Aspectos Históricos sobre cultura popular e design no Brasil: Lina Bo Bardi e sua Bauhaus Tupiniquim. 8º P&D design; 8 a 11 de outubro de 2008; São Paulo. FARIAS, Priscila Lena. Brazilian ‘vernacular’ type design and digital technologies. Typ09 Conference; Outubro de 2009; Cidade do México. 1-26. ______. Notas para uma normatização da nomenclatura tipográfica. P&D 2004 – 6º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design; 2004; São Paulo. Anais do P&D 2004 – 6º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design. São Paulo, 2004. ______; SILVA, Fabio Luiz Carneiro Mourilhe. Classificações tipográficas: sistemas de classificação cruzada. P&D 2004 – 6º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design; 2004; São Paulo. Anais do P&D 2004 – 6º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design. São Paulo, 2004. ______; PIQUEIRA, Gustavo (org). Fontes digitais brasileiras: de 1989 a 2001. São Paulo: Rosari, Associação dos Designers Gráficos, 2003. FINIZOLA, Fátima. Tipografia Vernacular Urbana: uma análise dos letreiramentos populares. São Paulo: Blucher; 2010. GENOVESE, Alfredo. Manual del Filete Porteño. Buenos Aires: Ediciones Porteñas, 2008. GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social / Antônio Carlos Gil. 5ª edição; São Paulo: Atlas, 1999. GOUVEIA, Anna Paula S; PEREIRA, André Luiz T; FARIAS, Priscila L; BARREIROS, Gabriela G. Paisagens Tipográficas – lendo as letras nas cidades. InfoDesign. 2007; 4 (1): 1-11. GRAY, Nicolete. A History of Lettering. London: Phaidon Press; 1986. ______. Lettering on Buildings. London: The Architectural Press; 1960.


150

GUIMARÃES, Vinicius; LESSA, Washington Dias; CAVALCANTI, Lauro. Comunicação visual de fachadas de lojas de suco no Centro do Rio de Janeiro. 9º P&D design; 13 a 16 de outubro de 2010; São Paulo. HELLER, Steven; THOMPSON, Christine. Letterforms: bawdy bad and beautiful. New York: Watson-Guptill Publications; 2000. HEYNY, William. Modern lettering: artistic and practical. 2ª edição; New York: The William T. Comstock Company; 1923. Disponível em <http://openlibrary.org/books/ OL24982421M/Modern_lettering_artistic_and_practical>. Acesso em: 11 de agosto de 2011. HORCADES, Carlos; MARTINS, Nelson; TABORDA, Felipe. A tipografia na Arquitetura do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Index, 1986. HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. HUBKA, Thomas. Just folks designing: vernacular designers and the generation of form. JAE. fev 1979; 32 (3); 27-9. HUSSEY, A.R. The sign painter: a complete system and set of lessons for beginners. Chicago: The Pullman School of Lettering; 1916. Disponível em <http://archive.org/details/ signpainter00pull>. Acesso em: 11 de agosto de 2011. Instituto Universal Brasileiro. Disponível em <http://www.institutouniversal.com.br>. Acesso em: 17 de agosto de 2011. KOUWENHOVEN, John A. Made in América. New York: Anchor Books; 1962. LABOV, Willian. Sociolinguistic Patterns. Philadelphia: University of Pennsylvania Press; 1972. LIMA, Edna Lucia Cunha. Sobre design e designers. Estudos em Design. nov. 1994; 2 (2); 21-7. LIMA, Fabio Pinto Lopes de. O Processo de Construção das Fontes Digitais de Simulação Caligráfica [dissertação]. Rio de Janeiro. ESDI. 2009. LUPTON, Ellen. Low and high: design in everyday life. Design Writing Research: Writing on Graphic Design. New York: Phaidon Press Inc., 1996, pp. 157-166. ______. Mixing messages: graphic design in contemporary culture. New York: Princeton Architectural Press, 1996. MAGALHÃES, Aloísio. E Triunfo? A questão dos bens culturais no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Brasília: Fundação Nacional Pró-Memória, 1985 MARTINS, Bruno Guimarães. Tipografia Popular: potências do ilegível na experiência do cotidiano. São Paulo: Anna Blume; 2007.


151

MARTINS, Fernanda. Letras que flutuam [monografia]. Belém. UFPA. Instituto de Ciências da Arte; 2008. MATTHEWS, E.C. How to paint signs and sho’ cards: a complete course of self-instruction containing 100 alphabets and designs. New York: J.S. Ogilvie Publishing Company; 1920. Disponível em <http://archive.org/details/howtopaintsignss00matt>. Acesso em: 11 de agosto de 2011. MCLEAN, Ruari. The Thames and Hudson Manual of Typography. New York: Themes and Hudson, 1997. MEGGS, Philip B. História do Design Gráfico. São Paulo: Cosac Naify, 2009. MILLER, Charles A. How to make show cards. 2ª edição; Boston: The Spatula Publishing Co; 1916. Disponível em <http://openlibrary.org/books/OL7145339M/ How_to_make_show_cards>. Acesso em: 11 de agosto de 2011. New Bohemia Signs. Disponível em <http://www.newbohemiasigns.com>. Acesso em: 16 de novembro de 2010. NOGUEIRA, Ana Paula Cesar Vaz Guimarães. Mídia exterior e Imagens na cidade de São Paulo. UNESCOM – Congresso Multidisciplinar de Comunicação para o Desenvolvimento Regional; 9 a 11 de outubro de 2006; São Bernardo do Campo. PAPANEK, Victor. Design for the real world: human ecology and social change. St Albans: Granada Publishing, 1974. ______. The green imperative: natural design for the real world. New York: Thames and Hudson, 1995. PORTO, Bruno. Memórias Tipográficas: das Laranjeiras, Flamengo, Largo do Machado, Catete e adjacências. Rio de Janeiro: 2AB Editora, 2003. POYNER, Rick. Tipographica. London: Laurence King Publ., 2001. Encontro Nacional do Programa Sebrae de Artesanato, 2003, Araxá/MG. Programa Sebrae de artesanato: termo de referência. Disponível em <http://www.biblioteca.sebrae.com.br>. Acesso em: 11 de agosto de 2011. RIO, João do. A alma encantadora das ruas. Fundação Biblioteca Nacional. Departamento Nacional do Livro. Disponível em <http://www.dominiopublico.gov.br>. Acesso em: 11 de agosto de 2011. RUDOFSKY, Bernard. Architecture Without Architects. Albuquerque: University of New Mexico Press; 1987. SCOTT, George Gilbert. Domestic and secular Architecture. Boston: Adamant Media Corporation; 2005. SMEIJERS, Fred. Type Now. London: Hyphen Press, 2003.


152

SOARES, L; CAMARGO, José Eduardo. O Brasil das placas: viagem por um país ao pé da letra. São Paulo: Abril, 2003. SPIEKERMANN, Erik; GINGER, E.M. Stop stealing sheep & find out how type works. Mountain View : Adobe Press, 1993. THOMPSON, W.A. Modern show card lettering, design and advertising phases. Pontiac: The Thompson School of Lettering, 1906. Disponível em <http://archive.org/details/ modernshowcardle00thom>. Acesso em: 11 de agosto de 2011. ______. Druggists’ and dispensers’: practical show card instructor. Pontiac: W.A.Thompson; 1909. Disponível em <http://archive.org/details/druggistsdispens00thom>. Acesso em: 11 de agosto de 2011. WALKER, Sue. Typography and language in everyday life. London: Pearson Education, 2001. WELLS, Liz. Photography: a critical introduction. 3ª edição. New York: Routledge, 2004. WILLIANS, Val. Lost Worlds. Eye Magazine, spring 2005, 55. pp. 18-28.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.