CORTESIA R$ 49,90 • #02
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Uma boa história pode mudar sua vida. Somos colecionadores de histórias e contos locais. Buscamos resgatar valores revelando o mais rico tesouro da cidade: a sua história. Um conteúdo extremamente relevante para o verdadeiro público A+, que se encontra fora da escalada social buscando qualidade de vida e sentido em tudo que fazem. Dificilmente são encontrados nas redes sociais, preferem usar melhor o tempo construindo capital ou descansando e desfrutando de uma boa leitura. O veículo perfeito para posicionamento e associação de marca diante dos verdadeiros formadores de opinião. Entre em contato e faça parte da família Meanings!
M E A N I N G S
M E N U
14
ORIGENS #2 O primeiro morador
28
FIGUE DIEL O renascimento dos sonhos
58
PAULO CAMPOS Pinceladas da alma
70
MITY Conexão Japão BC
82
RESILIÊNCIA Gritos de sobrevivência
A vida real é aqui fora. A cada nova geração, renovamos nossas expec-
Nesta edição, você conhecerá a corajosa empreitada do
tativas por um mundo melhor. Porém, o mais di-
primeiro morador de Camboríu que teve que enfrentar uma
fícil, é admitir que o problema da humanidade é o
guerra para sobreviver e prosperar. E o que falar de alguém
ser humano e não o mundo ou a sociedade. Essa
que perdeu a visão quando jovem e hoje está dando aula
consciência nos traz a responsabilidade de uma
de felicidade, totalmente desconectado da mundo on-line?
evolução individual. É doloroso. Mas enquanto
Você também irá conhecer a história da Dona Mity, morado-
não enfrentarmos essa dor, continuaremos a
ra de Balneário Camboriú, que veio ao Brasil após sua famí-
tornar o nosso pequeno e insignificante mundo
lia sobreviver à bomba de Nagasaki. Outra história surpreen-
pessoal, cada vez pior, indiferente de qualquer
dente é a do artista que começou a pintar para buscar a so-
avanço tecnológico.
brevivência da sua família, em um momento de extrema ne-
O mundo é implacável. É preciso coragem para enfrentá-lo aqui fora, de peito aberto, à mercê da imutável e assustadora realidade. Nossos ancestrais protegiam o que mais amavam dentro de
cessidade e, atualmente, é o artista plástico brasileiro mais reconhecido do mundo. E, por último, o drama real vivido por pessoas que experimentaram de perto o drama hospitalar durante a pandemia.
cavernas, para sair em busca de alimento sem
A Meanings nasceu para coroar as histórias que nos fazem
qualquer garantia de retorno. Jamais devemos
lembrar que vida real é aqui fora, onde nunca há garantias,
fazer o contrário, deixar o amor esfriar e nos es-
mas sempre haverá liberdade. As incríveis trajetórias de vi-
conder dentro de cavernas modernas e tecnoló-
das que não precisaram da tecnologia para acontecer, ensi-
gicas, submissos aos nossos medos e insegu-
nando-nos grandes lições proporcionadas pelo mundo offli-
ranças. Antes, devemos continuar abraçados na
ne. Desse modo, continuaremos comprometidos a fazê-los
responsabilidade de nos manter livres.
sentir e viver a fantástica experiência de submeter os seus cinco sentidos aos encantos do tempo e do espaço. Guto Souza.
Desejamos a você uma inesquecível experiência offline.
O R I G E N S O primeiro morador por Rogério do Espírito Santo Fotos: Guto Souza e Alfabile
A orla repleta de prédios ricamente desenhados e com projetos arquitetônicos sofisticados se tornou o objeto de desejo de veranistas de todo o Brasil e do mundo, além de fazer a cabeça de jovens de todos os cantos do país. A Balneário Camboriú de hoje não lembra em nada a praia que começou a receber os turistas na década de 60. O desenvolvimento transformou a paisagem de uma região que já foi palco de grandes batalhas entre agricultores e tribos ferozes de índios. Estes resistiram violentamente para proteger as terras que foram deliberadas pela coroa portuguesa, que comandava o Brasil na época do Império, aos novos empreendedores.
Foto: Alfabile
O início de todo esse desenvolvimento começou com um co-
-chegado de Florianópolis, em 1836, Thomaz
rajoso agricultor, que realizou com eficiência o cultivo da ter-
Garcia, filho e neto de colonizadores vindos dos
ra e o plantio da mandioca, gerando riqueza na antiga Cam-
Açores, era o segundo membro da família Garcia
boriú, um homem chamado Thomaz Francisco Garcia, hoje
na região de Camboriú. O primeiro a chegar foi
completamente esquecido, presente apenas no pensamento
o irmão, José Francisco Garcia, que havia rece-
e nas pesquisas de poucos historiadores da região. A Bal-
bido uma boa extensão de sesmarias, que eram
neário Camboriú dos novos tempos, depois de sucessivas
demarcações de terras concedidas pelo Império.
reviravoltas e crises econômicas, perdeu os antigos mora-
Querendo ajudar o irmão que não estava indo
dores para cidades vizinhas em busca de oportunidades de
bem nos negócios em Florianópolis, José Garcia
sustento e renovou sua população de habitantes com pes-
passou parte das terras que tinha recebido para
soas de todos os lados do Brasil, perdendo o contato com
Thomaz Garcia começar a vida na antiga Cam-
suas raízes históricas e também com as antigas conquistas
boriú, que na verdade nem nome tinha naquela
da família Garcia, que praticamente deram origem a Balneá-
época. As terras foram compradas por Thomaz,
rio Camboriú de hoje. Para quem pensa que Balneário Cam-
com um acerto entre família, para serem pagas
boriú começou com uma comunidade próspera, em meio à
da forma que fosse possível.
confraternização à beira mar, a realidade é outra. Recém-
José Angelo Rebelo, natural de Balneário Camboriú, escreveu várias publicações sobre a região.
O litoral brasileiro era habitado por indígenas. Balneário
Segundo o estudioso e autodidata José Angelo
Camboriú não era diferente. Ao ter a demarcação das terras
Rebelo, natural de Balneário Camboriú, que tem
concedidas, a posse era por conta do agricultor, que inclusi-
publicações sobre a região, com o intuito de pro-
ve tinha de prestar contas dos trabalhos de plantio realiza-
mover um resgate sobre as origens de Cambo-
dos nas concessões, para ser dado como proprietário poste-
riú e Balneário Camboriú, entre elas o livros As
riormente. Sobre as tribos indígenas, inicialmente o Império
Villas de Thomaz Francisco Garcia de Camboriú,
do Brasil não tinha nenhuma política ou ação de interven-
seu povo e suas relações com Santa Catarina e
ção. Os índios das etnias botocudos e coroados eram os ha-
o Brasil, em uma das guerras entre indígenas,
bitantes das terras do Thomaz, recém-adquiridas do irmão,
quando Thomaz Garcia pretendia tomar posse
e não tinham noção alguma de governo. Hostis, travaram
das terras compradas do irmão, houve uma ba-
verdadeiras batalhas contra as colônias e os agricultores,
talha sangrenta.
porque na visão dos nativos, eles estavam sendo invadidos.
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Foto: Alfabile
“Muitas colônias catarinenses e brasileiras so-
o cacique. “Ele cortou a cabeça do cacique, colo-
freram ataques, porque para os indígenas nós
cou dentro de um pote de cachaça e enviou para
éramos invasores. Exatamente por isso, Thomaz
o governador”, conta. Após esses acontecimen-
Garcia, em 1836, estava começando a trabalhar
tos, o governo liberou os mais jovens do serviço
na sesmaria e os índios atacaram, matando mais
militar, para que eles ficassem em casa, defen-
de 20 pessoas”, conta Rebelo. Durante o ataque,
dendo a família, que vivia em constante perigo
foram mortos agricultores, mulheres e crianças.
de ataque. “Os índios eram tão hábeis que inva-
Em uma dessas batalhas, um agricultor conhe-
diam as roças de milho, comiam as espigas, e
cido na região foi ferido com uma flecha enve-
deixavam só a palha, quando o agricultor colhia
nenada, e ficou meses em sofrimento, com uma
o milho, via que não tinha nada”, conta Rebelo.
das pernas enrijecida. Como vingança, depois de recuperar a saúde, reuniu homens, entrou mata adentro e promoveu uma emboscada para matar
Sérgio Rubens Garcia é escritor natural de Camboriú, que representa a sexta geração da família Garcia, depois de Thomaz Francisco Garcia.
Depois de muitas batalhas contra os índios, o
A expansão de terras e o crescimento da família Garcia to-
desenvolvimento seguiu seu curso e Thomaz
maram tamanha proporção que deram origem ao Arraial
Francisco Garcia conseguiu se apossar de suas
Garcia, designação dada na época do Império para um con-
terras e desenvolver a agricultura, com sua fa-
glomerado de moradores de uma mesma localidade. O Ar-
mília e o trabalho de escravos. Os engenhos de
raial foi o espaço que serviu para Thomaz Francisco Garcia
mandioca começaram a prosperar, então ele
ganhar experiência na administração de terras e engenhos
comprou mais terras e ampliou as plantações,
e chamar a atenção dos oficiais da época, como o Major
da mesma forma como fez com sua família, que
Anacleto e o Coronel Agostinho Ramos, ambos indicaram
também cresceu. “A família do Thomaz era nu-
o agricultor para o governador Antero Ferreira, para o cargo
merosa, ele teve nove filhos e esses filhos foram
de Alferes da Guarda Nacional do Brasil, segundo consta no
dando mais filhos, com famílias grandes, com
livro Camboriú e Balneário, a história das duas cidades, de
oito, dez membros”, conta Sérgio Rubens Garcia,
Isaque de Borba Correia.
escritor natural de Camboriú, que representa a sexta geração da família Garcia, depois de Thomaz Francisco Garcia. Sérgio Garcia escreveu o livro Thomaz Francisco Garcia, uma homenagem tardia -, juntamente com a irmã e jornalista Cida Garcia.
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Foto: Alfabile
A atividade de plantar mandioca e transformar
ção e era proibido vender para outro lugar. A demanda fez
em farinha prosperou em Santa Catarina. Muitos
aumentar também a sorte de Thomaz Francisco Garcia e
agricultores eram dedicados a esta ocupação.
a visibilidade sobre sua competência. Ele, mais uma vez,
Nesse meio, Thomaz Francisco Garcia seguiu
chamava a atenção porque se destacava frente aos outros
se destacando. Ele comprava terras e também
produtores. Os engenhos dos Garcia, cada vez mais numero-
a produção dos vizinhos. Fez parceria com um
sos, pareciam indústrias. Os outros produtores começaram
grande comerciante da época, que revendia tudo
a seguir o modelo de gestão imposto por Thomaz Garcia,
que ele produzia em suas terras e comprava de
aumentando a força popular do nome Garcia. Com a admi-
outros produtores. Seus parentes começaram a
ração dos produtores, do povo e a contínua expansão de
juntar-se a ele na fabricação de farinha de man-
terras, o Arraial Garcia virou a Vila dos Garcia, que foi na
dioca, aumentando ainda mais o prestígio e o
verdade o primeiro nome de Camboriú. Na época do Impé-
crescimento das posses dos Garcia. Quando a
rio e posteriormente, no Regime da República, era bastante
corte portuguesa chegou ao Brasil, a farinha de
comum localidades receberem o nome de pessoas, as quais
mandioca ganhou status de alimento de segu-
eram apenas pequenas extensões de terras; já a Vila dos
rança nacional. A corte comprava toda a produ-
Garcia era o centro do desenvolvimento econômico da região, formada por muitas terras da família.
“Meu pai vendia laranja e nós íamos de carroça
gio. Em 1840, surgiu a ideia de mudança da sede para um
na Vila Garcia”, lembra Sérgio Garcia, sobre a
lugar com maior possibilidade de desenvolvimento, em meio
vida em família no interior do sertão, na região
a disputas políticas entre monarquistas e republicanos, por
que hoje é Camboriú. “A primeira sede do municí-
causa da extensão e a melhor qualidade para o plantio das
pio de Camboriú se chamada Barra, que até hoje
terras dos Garcia, acabou sendo o local escolhido para a
existe na parte sul aqui de Balneário Camboriú,
sede do município de Camboriú. “As terras eram praticamen-
era um lugar pobre, com pouca expectativa de
te um império, eles tinham propriedades encostadas no rio
expansão, pois se tratava de uma faixa de terra
Itajaí e em Ilhota”, comenta Sérgio.
espremida entre o rio e as montanhas”, diz Sér-
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“A ligação de Thomaz com a cidade era tão forte,
no meio de muitos pequenos agricultores e pes-
que o Rio Camboriú, na altura em que as águas
cadores. Ele tinha engenhos de açúcar, cafezais
abraçam a cidade de Camboriú, se chamava Rio
e uma grande produção de farinha”, diz. “Cambo-
Garcia. Em Blumenau existe o Ribeirão Garcia e o
riú já foi o maior produtor de café do estado de
Bairro Garcia. Esses nomes foram dados por mo-
Santa Catarina. Apesar de não ser no tempo de
radores da Vila do Garcia, que antes da coloniza-
Thomaz, essa grande produção de café se deu
ção germânica de Blumenau, ocupavam aquelas
por conta da agricultura desenvolvida pela famí-
terras, outrora desabitadas, porque ainda não ti-
lia Garcia”, destaca Rebelo.
nham feito o loteamento para a colonização alemã”, explica. Segundo José Angelo Rebelo, “Thomaz Francisco Garcia foi um grande agricultor
Thomaz Garcia faleceu de poliomielite em 1871,
pai íamos entregar laranjas de carroça, nos anos
ano que completaria 79 anos de idade. O muni-
60”, relata Sérgio. Para os escritores José Angelo
cípio de Camboriú foi criado em 1884, 13 anos
Rebelo e Sérgio Rubens Garcia, há uma necessi-
após a morte dele. “Quando houve a mudança da
dade de resgate da memória esquecida do fun-
sede para a Vila do Garcia, embora oficialmen-
dador de Camboriú, Thomaz Francisco Garcia,
te a sede do município devesse ser chamada de
tanto para a restauração das raízes econômicas
Camboriú, por força de lei, os moradores ainda
e históricas da região, como para a educação da
continuaram a designar o lugar como Garcia, e
população.
Foto: Alfabile
isso até muito recentemente, quando eu e meu
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“Há uma ignorância a respeito do Brasil, a respei-
“Nós, os escritores de Camboriú, estamos estudando uma
to da cidade, a respeito de tudo. Nas minhas es-
maneira de instituir, através da Câmara dos Vereadores, a
colas primárias não me ensinaram absolutamen-
principal comenda do município de Camboriú, denominada
te nada sobre história”, diz Rebelo, que já entrou
Medalha Fundador Thomaz Francisco Garcia, a fim de per-
na Câmara de Vereadores de Camboriú pedindo
mitir que a sociedade, de maneira geral, conheça de fato a
uma disciplina de história regional para as esco-
figura ilustre do fundador, essa seria, sem dúvida, uma sin-
las. “A população não é daqui mais, eu sou uma
gela forma de render homenagem a esse grande cidadão
peça rara, os professores que aqui dão aulas são
catarinense, que dedicou sua vida pelo desenvolvimento
de fora, merecedores porque passaram em con-
do município de Camboriú”, diz Sérgio Rubens Garcia. Ou-
curso, mas eles não sabem nada daqui. É preciso
tra iniciativa do grupo de escritores, além da sugestão de
conhecer essa nossa história”, desabafa Rebelo.
inclusão na grade escolar de uma matéria sobre a origem
“Thomas Francisco Garcia veio para cá como co-
histórica do município de Camboriú, é que seja erigido na
lonizador e deu o primeiro desenvolvimento da-
Praça das Figueiras, a principal praça da cidade, o Monu-
qui, e não tem uma ruazinha que lembre o nome
mento ao Fundador.
dele, por ignorância dos nossos dirigentes, das nossas autoridades”.
Assista as entrevistas exclusivas pelo QR code:
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por Rogério do Espírito Santo Fotos: Guto Souza e acervo pessoal de Figue Diel.
Somos protagonistas da nossa própria história e, ao mesmo tempo, coadjuvantes de uma história muito maior. Somos sonhadores por essência, simplesmente pelo prazer de sonhar. Mas muitas vezes a história principal, que nos reduz a coadjuvantes, impõe a sua própria narrativa e esmaga sem piedade toda a esperança. Foi exatamente isso que aconteceu com o campeão mundial de parasurf, professor de yoga, escalador e faixa preta de Jiu-itsu, Figue Diel. O acidente de carro em Balneário Camboriú, aos 16 anos de idade, o levou à perda da visão para sempre. Era só o começo de uma tão esperada férias surf. Em apenas um único instante, tudo mudo. Parecia a morte de todos os seus sonhos e esperanças.
As fatalidades não dão hora e lugar para acontecer. Não são como férias planejadas de final
“Nossos pais nos levaram para Ubatuba em 1988, no Sundek Classic, onde tivemos contato com os gringos.”
de ano, como era a vida do menino prestes a se tornar surfista, graças ao encanto pelo esporte e por causa da vida nômade dos pais, que tinham de mudar de cidade assim que eram designados para trabalhar em uma outra agência do Banco do Brasil. Depois de saírem de Santa Rosa, cidade no noroeste do Rio Grande do Sul, foram para Giruá. A proximidade com o mar deixou de fazer parte das férias nos meses de verão, como uma inesquecível viagem do Rio Grande do Sul até a Bahia, com paradas para acampamentos em família.
Os pais foram transferidos para Torres, no litoral gaúcho.
As participações nos campeonatos já haviam
Aos oito anos, Figue vivia nas belas paisagens dos Molhes
gerado algumas boas amizades, inclusive com
e da Praia da Guarita. Aos 11 anos ele já surfava, aos 13,
os surfistas locais de Balneário Camboriú. “O
começou a se destacar na categoria mirim e em seguida
pessoal ia correr os campeonatos em Torres e
foi campeão gaúcho de surf. Começou a correr o circuito
ficava lá em casa”, lembra Claudião. Aos 15 anos,
brasileiro do esporte com feras do Sul do país como o cam-
uma nova mudança de endereço estava por
peão catarinense Neco Padaratz e o surfista gaúcho Rodri-
acontecer. Os pais do Figue estavam para ser
go Dornelles, o Pedra. A dedicação total ao surf veio rápido.
transferidos novamente. Surgiu a possibilidade
Sem patrocínio e sem um bom long john, Figue encarava as
de transferência para o interior do Rio de Janeiro
formações das ondas geladas no inverno, no mar de Torres.
ou da Bahia, havia vagas em algumas agências,
Naquele tempo, além de muita motivação, Figue admirava
mas a definição foi outra, Balneário Camboriú.
grandes nomes do esporte, como o surfista brasileiro Dada Figueiredo e o sul-africano Shaun Tomson. ”Nossos pais nos levaram para Ubatuba em 1988, no Sundek Classic, onde tivemos contato com os gringos”, conta o irmão Cláudio Diel, também surfista.
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A integração foi total, porque os surfistas da área já eram co-
“Eu não desmaiei e saí do carro sem enxergar
nhecidos dos campeonatos. No mesmo ano, o irmão, Clau-
nada. Passou o filme da minha vida na cabeça,
dião, passou no vestibular na Universidade do Vale do Rio
tudo que eu tinha feito até ali e tudo que eu so-
dos Sinos - Unisinos, e teve que ficar em Porto Alegre, para
nhava pela frente também”. No hospital, duran-
cursar publicidade e propaganda. Um ano depois, aos 16
te a primeira cirurgia, os familiares não sabiam
anos, Figue tinha acabado de voltar de um campeonato de
muito como se posicionar diante da situação.
surf amador, era uma seletiva para o ISA Games. “Chegamos
“Estavam todos muito baratinados, eu tinha 16
no domingo de Ubatuba. No outro dia, depois de pegar onda,
anos e não sabia muito bem o que estava acon-
eu e um amigo fomos dar uma volta de carro à noite”, relata
tecendo”, conta. Figue viajou para São Paulo
Figue. Era o começo das férias, no início do mês de dezem-
para mais uma cirurgia. Era preciso retirar cacos
bro. O amigo se perdeu em uma curva dentro de Balneário
de vidro e fazer suturas. A terceira cirurgia veio
Camboriú e bateu em uma árvore. Figue estava sem cinto
após três meses, em Curitiba. Figue recebeu o
de segurança e bateu com o rosto no parabrisa, perdendo a
diagnóstico de descolamento da retina, que é
visão no mesmo instante.
uma membrana atrás do globo ocular, que faz a ligação com o cérebro. Com essa ruptura, a informação visual da córnea e do globo ocular ficou impedida de passar para o cérebro.
Acabou nos EUA, para consultar-se com um médico brasi-
Os planos de passar da categoria mirim de surf
leiro especialista, que atuava em solo americano desde os
para a júnior deixaram de existir. Pouco antes do
anos 70. Na época estavam desenvolvendo uma espécie de
acidente, Figue havia tirado o segundo lugar em
cola para solucionar problemas como este. “Nós sabíamos
um campeonato em que competiu com atletas
que era muito difícil. O médico explicou que um cílios nos
juniores, em Matinhos, no Paraná. A ideia era, em
olhos já incomoda, imagina um caco de vidro ou materiais
breve, participar do campeonato mundial ama-
sólidos”, conta Claudião. O método não se mostrou efetivo,
dor. Os planos simplesmente desapareceram da
Figue e a família se depararam com a dura realidade: o qua-
realidade do garoto. Seis meses após o acidente,
dro era irreversível.
a ficha caiu. “Eu percebi o que tinha acontecido na minha vida. Eu não tinha noção de nada: do meu quarto, a porta, o banheiro, não tinha noção do dia ou da noite”, Lembra ele. Sofria terríveis dores e passava muito tempo no quarto sem
“Eu não desmaiei e saí do carro sem enxergar nada. Passou o filme da minha vida na cabeça, tudo que eu tinha feito até ali e tudo que eu sonhava pela frente também.”
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vontade alguma de sair de casa. Dormia durante o dia, acordado à noite, em um mundo solitário e escuro, sem entender o sentido daquilo tudo, o que teria de fazer dali para frente, como seriam as coisas dali em diante. A sensação era de que a sua vida tinha acabado naquela trágica noite.
“Eu aprendi com grandes escaladores, fiz grandes amigos na serra de Curitiba, eles me receberam muito bem.”
Totalmente sem perspectivas, Figue encontrou na vontade
Formado em comunicação, Claudião conseguiu
dos familiares, de vê-lo bem novamente, a motivação para
um emprego em uma agência de publicidade e
sair daquela situação. Diante de um horizonte completa-
acabou chamando o Figue para trabalhar com
mente escuro, parecia ser a única direção. E foi dessa forma
ele. Nessa época, Figue estava perto de fazer 20
que Figue começou a sua retomada, a grande jornada em
anos e novas conexões pessoais começaram a
busca de si mesmo. O primeiro passo foi fazer caminhadas
trazer um novo ânimo para a rotina. “Eu conheci
e entrar em uma academia, mas com muitas adaptações.
uma menina muito massa e nós começamos a
“Nós compramos uma bicicleta dupla para ele pedalar, mui-
namorar e a curtir juntos”, lembra ele. Na agên-
to tempo em casa e tomando medicação acabou deixando
cia, Figue retomou também o vínculo com o es-
ele gordo”, conta o irmão, que se mudou de Porto Alegre
porte. “O pessoal começou a fazer um curso de
para Camboriú para ficar mais perto do Figue.
escalada em rocha, era tudo muito difícil, mas meus amigos me ajudaram muito!”. Figue reaprendeu não somente a colocar o pé no lugar certo e caminhar nas trilhas até as pedras, mas também o valor das grandes amizades. “Eles desenvolveram um jeito de me levar na trilha, eram grandes brothers”. Os companheiros de escalada diziam: “Segura aqui na minha mochila, no meu bastão e vamos embora”.
Um novo mundo estava nascendo. “Eu aprendi
“A nossa mente, as nossas expectativas, muitas
com grandes escaladores, fiz grandes amigos na
vezes são frustradas pela nossa força de vonta-
serra de Curitiba, eles me receberam muito bem”,
de. É necessário que a gente tenha esse tesão
diz. A escalada não só o devolveu à vida esporti-
pela vida, aquela vontade de viver e fazer todo
va como o fez enxergar uma nova vida, uma luz
o dia o nosso melhor, mesmo que tenhamos
no escuro horizonte da sua realidade. Essa nova
dias que não são fáceis”, diz Figue. Passar dias
realidade o levou a vários lugares do mundo. “Eu
embrenhado na mata acampando em meio à
fui escalar na Argentina, escalei no Brasil inteiro,
natureza e escalando montanhas mostrou o
fui para a Califórnia. Escalei montanhas incríveis
quanto ele era aceito, o quanto as pessoas es-
e fiz coisas que não imaginava que conseguiria,
tavam dispostas a participar da sua jornada.
até agora não sei como eu fiz”, explica Figue.
“Meus amigos me incentivaram e junto com a escalada veio o yoga e em seguida o jiu-jitsu”. Figue seguiu uma longa trajetória no jiu-jitsu sob orientação do mestre Reinel Spyker, de Balneário Camboriú. Conquistou a faixa azul, a faixa roxa e depois de 20 anos foi graduado pelo mesmo mestre com a faixa preta.
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“O yoga veio para organizar o entendimento sobre o porquê aconteceu isso comigo.” O yoga trouxe a ideia do autoconhecimento. Fi-
“O yoga veio para organizar o entendimento so-
gue foi trabalhando a prática internamente, até
bre o porquê aconteceu isso comigo. A partir dos
que chegou à conclusão que queria ser profes-
16 anos, eu tive que ficar o resto da vida, até ago-
sor. Em 2003, recebeu o convite para fazer um
ra pelo menos, eu estou com 48, sem enxergar,
curso de formação de professores na Montanha
sem ver minha esposa, sem ver minhas filhas,
Encantada, em Garopaba, com os instrutores Pe-
nunca mais vi meus pais, meu irmão, o sol e o
dro Kupfer, Joseph Le Page e Lilian Aboim. Logo
mar”, diz Figue. A prática do yoga criou uma es-
os professores notaram a vontade e a dedicação
pécie de vínculo com a forma que o Figue vê as
do Figue na prática dos asanas e na busca por
coisas, sem os olhos. A conexão com o momen-
conhecimento, no empenho em estar conectado
to presente ampliou a compreensão do Figue
consigo mesmo através da meditação.
sobre o que realmente faz sentido. “O yoga me trouxe essa visão de ver a vida acontecendo, foi a maior visão que eu ganhei, não com o olhos, mas sim com a capacidade de estar agora aqui conectado”, explica.
Em seus pensamentos, antes de praticar yoga, Figue sonha-
Em 2006, Figue abriu na sua casa, na praia Bra-
va em voltar a enxergar. Pensava que a cura o faria feliz no-
va, a Ashvatta Yoga, que significa árvore da vida.
vamente, e foi exatamente o que aconteceu. O yoga trouxe
“Figue vem de figueira, essa árvore que represen-
uma nova visão de mundo. Diante de muitas pessoas com
ta conhecimento, a capacidade de enxergar a co-
olhos saudáveis e infelizes, ele enxergou que a felicidade não
nexão em tudo, nada acontece na nossa vida por
dependia dos seus olhos. “O entendimento não vem dessas
acaso”, comenta. Ele entendeu que não era uma
coisas, vem de dentro do coração, de dentro da mente, de
vítima da vida ou de Deus. Foi buscar a compre-
como eu vejo o mundo. Isso vai me tornar uma pessoa feliz
ensão através do yoga. Procurou transmutar a
ou não”. Figue diz que o yoga serve para a coluna, aparelho
mente que sofre, deixou para trás os pensamen-
digestivo, respiração, coração, hormônios, sistema nervo-
tos e pontos de vista negativos e deu mais valor
so, mas principalmente para que uma nova visão de mun-
às coisas boas, à família, aos amigos, à praia.
do possa aflorar em cada pessoa. “Tudo aqui é uma grande benção. A vida é um grande milagre mesmo com todos os obstáculos e dificuldades! A partir daí tudo fica mais leve, mesmo que seja difícil”, conta.
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Com a disciplina, o esforço e a transformação da
Figue sagrou-se Campeão Mundial de Parasurf
mente, em 2006 também chegou o momento do
na categoria deficiente visual, depois de ser con-
reencontro com o mar e com o surf. “Eu pensei:
vidado pela Adaptsurf, uma associação do Rio
eu acho que eu vou ficar ali dentro do mar com
de Janeiro sem fins lucrativos, que promove a
os meus amigos surfando. Mesmo que as ondas
inclusão social das pessoas com deficiência ou
estejam pequenas, eu não vou surfar, mas vou
mobilidade reduzida, e pela Confederação Bra-
ficar ali”, conta. Aos poucos, Figue foi aprenden-
sileira de Surf, para participar do campeonato
do a usar os sentidos para entender como as
organizado pela ISA - International Surfing Asso-
ondas estavam quebrando. “Eu consegui pegar
ciation, que acontece na Califórnia. Foram cinco
a primeira onda, depois a segunda e a terceira”
participações a partir de 2016, um terceiro lugar
Assim como aprendeu o jiu-jitsu, aprendeu nova-
e por três vezes o segundo, e em dezembro de
mente a surfar. A volta ao surf não ficou só nas
2021 conquistou o primeiro lugar no campeona-
ondas com os amigos.
to mundial de surf adaptado, levando para casa a tão sonhada medalha de ouro. “Ele leva muito a sério, tem muito foco em treinar o físico através de yoga, academia e pilates. E tem também o treinamento dentro da água, surfa literalmente todos os dias”, conta o irmão Claudião.
Além dos resultados individuais, Figue também é competi-
Figue agora leva a vida na busca por cada vez
dor na modalidade surf adaptado por equipe, conquistando
mais conhecimento e equilíbrio, e por entender
uma medalha de prata, uma de bronze e duas vezes a meda-
com mais profundidade o momento presente e
lha de ouro. Com a entrada do surf nas Olimpíadas do Japão,
estar conectado com tudo ao seu redor através
o parasurf está se aperfeiçoando para estrear nos Jogos Pa-
do yoga, de um treino de jiu-jitsu ou de uma que-
ralímpicos de Los Angeles, em 2028. ”Eu acredito que vai ter
da no mar. Motivado pela sua família, que que-
seletivas aqui no Brasil, para formar equipes, e o Figue vai
ria o seu bem a qualquer custo, Fique se curou
participar”, antecipa o irmão.
e agora enxerga o mundo com o coração e com a alma.
Assista a entrevista exclusiva pelo QR code:
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Por Guto Souza. Fotos: Marcos Ramos
O primeiro encontro O lançamento da 1ª edição da revista Vip Meanings Balneário Camboriú aconteceu no dia 13/06/2021. O evento foi acolhido pela FG Empreendimentos no seu incrível espaço de eventos na Barra Sul. Um lugar de beleza única, com estrutura impressionante e uma vista privilegiada. Durante o processo de desenvolvimento da primeira edição muitas lições vieram à tona.
Fomos incansáveis na entrega de conteúdos que fizessem o co-
Neste primeiro evento contamos com parceiros
ração bater mais forte, sempre acreditando na força do propó-
extremamente comprometidos com a missão do
sito. A Meanings é muito mais que uma produtora e editora : é
evento. Agradecemos especialmente a FG Em-
uma perspectiva. Uma busca obstinada por valores. Buscamos
preendimentos por estarem conosco e por pen-
a grandiosidade das histórias reais e inspiradoras escondidas
sarem no bem estar e melhor qualidade de vida
entre os arranha-céus da cidade. Uma verdadeira aventura em
de todos nós, proporcionando empreendimentos
busca de almas!
sustentáveis de alto padrão.
C O Q U E T E L
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Na gastronomia, a Forneria Oliva, o Bigode’s
A Breitkopf Audi marcou presença com todo o seu prestígio
Fish, e a Chef Cláudia foram os responsáveis
disponibilizando alguns dos seus mais recentes lançamen-
por servirem sabores deliciosos preparados por
tos. A Snapy Surf Boards, consolidada como reconhecida
profissionais competentes que surpreenderam
marca de surfe regiona, mostrou toda a sua sofisticação
os convidados. Um verdadeiro show à parte. Os
no design das suas pranchas e levou um dos seus grandes
drinks ficaram por conta da Vinícula Cappelletti
atletas para o evento: Willian Cardoso (Panda). A renomada
e da Enoteca Vinhos que encheram as taças de
cerimonialista Glenda Soliman, junto com toda a sua equipe,
irreverência e sabor. A Cervejaria Sunset Brew
organizou todo o evento e fez a mágica acontecer.
também foi responsável por muitos cheers ao longo da noite.
C O Q U E T E L
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O encantador mestre de cerimônias Zé Paulo recebeu e condu-
Paulo Ricardo Campos. Paulo finalizou uma obra
ziu a programação com leveza e muita simpatia! Zé foi apoiado
incrível e conseguiu expressar, com espantosa
pela empresa Garçons Floripa, que apresentou uma mordomia
beleza, a essência do projeto Vip Meanings, que
impecável. Mas a grande atração do evento, além da apresen-
inevitavelmente virou a nossa segunda capa.
tação da capa, foi o Live Painting realizado pelo artista plástico
Paulo também é assunto nesta edição.
C O Q U E T E L
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Na parte musical contamos com a excelente
tedados um aos outros marcando o primeiro co-
qualidade de som e iluminação da Santo Evento.
quetel com o nascimento de muitas amizades e
Os clicks incríveis vêm do olhar apurado do fotó-
parcerias. Antes da apresentação da capa, Guto
grafo Marcos Ramos e do videomaker Filipi Pei-
Souza aguçou a reflexão de todos da família VIP
xoto, que eternizou os melhores momentos. Não
ao refletir sobre a chegada do projeto: “O verda-
deixaram escapar nada! O coquetel se estendeu
deiro norte de toda bússola empresarial deveria
por boas horas e os convidados foram apresen-
ser o seu propósito, pois é isso que mantém o negócio vivo e em pé.
C O Q U E T E L
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A empresa existe para servir e amar a sociedade assim como
Realização:
ama a si mesmo. Amar e servir são sinônimos e justamente por
Glenda Soliman
sermos movidos por esse amor, queremos sempre entregar o melhor para vocês”. Sendo assim, o projeto mostrou aos convidados a su real motivação. Segundo Guto Souza, o cinema, a literatura e bons relacionamentos podem curar a nossa sociedade. Produzir a VIP exige muita responsabilidade, pois entregamos conteúdos, dicas, histórias e pensamentos. Gerar um con-
@glendasolimancerimonialista
Fotografia: Marcos Ramos
@marcosramosfoto
Video: Filipi Peixoto
@trade_filmes
teúdo digno de receber atenção, para que cada um dos leitores
Alimentação:
e colecionadores possam deligar-se do mundo online por alguns
Forneria Oliva
@forneriaoliva
instantes, é coisa muito séria, coisa de gente grande.
Cheff Cláudia
@chefclaudialeal
Bigode’s Fish
@bigodefish
Aponte a câmera do seu celular no QR code à esquerda e assista o video da festa!
Bar: Sunset Brew Vinícola Cappelletti Enoteca Vinhos
@sunsetbrew @vinhoscappelletti @enotecavinhos
Recepção: Zé Paulo
@ze.paul0
Som e iluminação: Santo Evento
@santoevento
Mordomia: Garçons Floripa
@garconsfloripa
Expositores: Audi Breitkopf Sanpy Surfboards Paulo Ricardo Campos
@audi_breitkopf @snapysurfboards @pauloricardocampos
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C O Q U E T E L
Blumenau. Pronta pra fazer você crescer.
Venha viver e trabalhar em Blumenau. Ensino bilíngue Valorização dos professores Programa Entra-21 Vale da Inovação: 804 companhias Aplicativos: Blumenau Conecta | Pronto | Blumob Monitora Frota. Ampliação de estrutura hospitalar. Contratação de profissionais. Fiscalização dos protocolos sanitários. Testagem em mais da metade da população. 1º lugar do Brasil entre as cidades que mais salvam vidas na pandemia*. *Fonte: Portal da Revista Exame, com base no ranking das 100 maiores cidades do país com o menor índice de mortes pela Covid-19, elaborado pela consultoria Macroplan. Blumenau está em 1º lugar dentre as cidades com mais de 100 mil habitantes. Data da consulta: 23/03/2021.
F A M Í L I A
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Foto: Mari Riguez
O artista plástico Paulo Ricardo transformou do-
Uma trilha sonora com um ritmo de compassos
res em inspiração e mudou a trajetória de vida
frenéticos e pausas estratégicas determinam os
com talento. O traço de personalidade transfor-
tempos que cabem dentro de cada fragmento
ma telas em branco em elementos de uma histó-
dessa história. A vida no interior de Goiás, mar-
ria com lições que definem o ser humano.
cada por momentos de tranquilidade, revelou cenas que trouxeram marcas profundas para
por Schayla Jurk Fotos: Mari Righez, Celita Schneider, Guto Souza e Marcos Ramos
Paulo Ricardo. O menino cheio de energia e uma atividade cerebral acelerada revelou cedo a inteligência estimulada por vários cursos de idiomas e atividades motoras, como a pintura, uma rotina de estudos que seria essencial para o futuro que estava logo ali, surgindo repleto de desafios, que permitem uma comparação com o protagonismo de “O Herói de Mil Faces”, um clássico de Joseph Campbell, obrigatório para compreender o monomito de uma jornada.
Foto: Mari Riguez
“Aceita ser meu aluno, por favor, faz isso para me ajudar. Acabou a comida em casa e eu preciso ajudar minha família. Não sei o que fazer.”
As artes plásticas surgiram num momento de transição em
Nessa andança, recebeu várias respostas ne-
que a falência da família exigiu do garoto de apenas 17 anos
gativas e, quando percebeu que seria inevitável
ressignificar a trajetória e transformar uma tragédia em for-
conseguir estes alunos para garantir a comida
ça para criar o belo. O cenário do princípio de todo esse en-
na mesa, contou a verdade: “Aceita ser meu alu-
redo é Itumbiara, em Goiás, a terra do pai pecuarista, da mãe
no, por favor, faz isso para me ajudar. Acabou a
dona de casa e dos três filhos que viviam confortavelmente
comida em casa e eu preciso ajudar minha fa-
até o momento de faltar comida na mesa. Neste capítulo
mília. Não sei o que fazer”. Chegou ao fim do dia
coube a resiliência em traduzir o desafio em oportunidade e
com quatro alunos matriculados e dinheiro para
criar os próprios caminhos para a sobrevivência. A falência
ir ao mercado trazer o sustento para a família. É
da família criou uma nova forma de conviver e direcionou
neste momento que a arte conquista um espaço
os caminhos para a questão de subsistência. Num calor de
simbólico e traz o verdadeiro sentido para a jor-
40ª, uma bicicleta, um curso básico no currículo e a vonta-
nada. A dedicação, o planejamento e o talento
de de fazer algo pelos pais e pelos irmãos impulsionaram
transformaram a vida de Paulo.
Paulo Ricardo a bater de porta em porta oferecendo aulas de pintura, sem ter certezas e ainda sabendo pouco sobre as artes plásticas.
P A U L O
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Foto: Celita schneider
“Eu precisava criar, desenvolver, inventar e ler. Eu desenvolvia técnicas para conquistar os meus alunos com a missão de estruturar um conceito para que toda aula absorvessem uma nova informação, nem que para isso eu precisasse inventar algo.”
A rotina exaustiva para conquistar alunos indo de casa em
No entanto, a vida é repleta de coincidências e a
casa despertou novamente a superação. O artista plástico
cena comum da rotina de uma escola trouxe um
decidiu criar uma Escola de Pintura, aos 19 anos, traçando
novo horizonte para o futuro do artista plástico.
mais uma linha da história de um começo difícil e ainda com
Em um dia de aula, uma senhora entrou na esco-
pouco conhecimento sobre artes plásticas. “Eu precisava
la e perguntou sobre os pais de Paulo. Ele estava
criar, desenvolver, inventar e ler. Eu desenvolvia técnicas
diante da babá de infância em um contexto emo-
para conquistar os meus alunos com a missão de estrutu-
cionante em que o passado traz para o presente
rar um conceito para que toda aula absorvessem uma nova
uma personagem que poderia mudar os rumos
informação, nem que para isso eu precisasse inventar algo”,
dessa história. O ciclo da vida também mudou a
conta Paulo. A ideia da escola trouxe um pouco de alento,
condição da ex-babá, apreciadora de arte e ami-
mas estava longe de trazer recursos financeiros que pudes-
ga da Graça Benelli, curadora do Circuito Interna-
sem transformar a realidade da família naquele momento.
cional de Arte Brasileira. É neste momento que Paulo se torna o afilhado da babá, pintor e com talento além das fronteiras de Goiás.
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“Eu perdi meu alicerce e cansei de fingir que era forte. Descobri as faces da depressão profunda.”
O reencontro com a ex-babá mudou os rumos da trajetória do artista plástico. A curadora do Circuito Internacional de Arte Brasileira indicou Paulo para expor na Áustria, na China e na Tailândia. O cônsul da Áustria escolheu uma arte assinada por Paulo para fazer parte do acervo de arte do consulado do Brasil na Áustria. Com menos de 20 anos, uma obra sua se tornou patrimônio artístico brasileiro em solo austríaco. Um novo recomeço, mas que ainda exigia audácia e coragem para entender as dificuldades de viver de arte no Brasil. É neste momento que Paulo resolve explorar o país e o mapa geográfico o direciona para uma capital de praia no Sul do Brasil, distante 1371 quilômetros de Itumbiara. Paulo deixava para trás uma experiência marcada por grandes desafios para chegar a Florianópolis com algumas telas, R$300,00 no bolso e um aluguel pago, mas com a real noção do ponto de chegada e metas que direcionaram os propósitos do grande artista plástico.
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Foto: Mari Riguez
A paisagem de Goiás ficou para trás, mas a distância ainda
A falência da família ainda deixava marcas que
seria percorrida diversas vezes por tragédias marcadas pela
mudariam para sempre a história de Paulo Ricar-
dor da perda. Na capital catarinense, Paulo mudou o destino,
do. A situação financeira repleta de dívidas trou-
transpondo os obstáculos que têm papel essencial na cons-
xe um novo drama com o assassinato do pai e
trução do artista plástico. O primeiro contato com a arte em
uma reestruturação no sentido de viver. O artista
Florianópolis surgiu com as aulas de pinturas em lojas de
plástico voltou para Goiás para apoiar a mãe e
molduras, mas os recursos continuavam sendo um desafio,
os irmãos naquele momento crucial. Passou um
dificultando a sobrevivência em Florianópolis e o apoio para
tempo em Itumbiara e, quando a rotina aos pou-
a família em Itumbiara. A nova rotina trouxe cenários desco-
cos ressurgiu para a família, o artista plástico re-
nhecidos e é neste contexto que a persistência ressurge no
tornou para Florianópolis. Na capital catarinense
simbolismo, significado e transformação das vivências em
prosseguiu a jornada e a vivência dos meios para
arte que ressignificam a jornada de Paulo Ricardo com um
atingir as metas que direcionaram os propósitos
importante fato marcado pela tragédia familiar.
do artista plástico.
Foto: Celita schneider
“Isso potencializa minha vontade de vida. Olhar pro céu me enche a alma, me recarrega. Cria uma ponte entre mim e a natureza.”
O retorno ao Sul trouxe novas oportunidades e
trouxesse um novo rumo para o artista plástico e o en-
a possibilidade de viver de arte. A trajetória fluía
fretamento da depressão. “Nunca pare de pintar, nunca
e as dores impulsionavam para criar um cami-
pare de pintar”, a frase da mãe de Paulo ecoou como um
nho de reconhecimento legítimo que traduzia
mantra e trouxe alívio para superar as dificuldades em
sentimento em obras. Após quatro da tragédia
um novo capítulo repleto de obstáculos que transformam
[SP1] em Goiás surge um novo drama na vida de
a jornada do artista na inspiração para a arte. “Isso po-
Paulo. Com a cabeça confusa, o artista plástico
tencializa minha vontade de vida. Olhar pro céu me enche
revive as cenas de outro assassinato em função
a alma, me recarrega. Cria uma ponte entre mim e a natu-
de dinheiro e o pesadelo de perder a mãe de ma-
reza. Olhando pra cima minha mente dança na vastidão
neira brutal trouxe impactos difíceis de assimilar
da atmosfera e me anuncia o quão pequeno e breve eu
em formas de sentimento. “Eu perdi meu alicer-
sou. É contemplando o céu que descortino minhas limita-
ce e cansei de fingir que era forte. Descobri as
ções, são esses banhos de humildade que me fazem ser
faces da depressão profunda”, revela o artista. A
cada dia mais ardil. Olhar pro alto eleva nosso coração,
convivência com momentos tão expressivos na
mente e espírito. Preciso de tempo pra pintar, escrever
vida determinou que a crença da mãe no talento
e olhar pro céu, isso me conecta, me faz mergulhar num oceano de serenidade, volto pro útero, protegido de todo mal, o líquido da vida toca todo o meu corpo e sinto uma imensa paz”, revela o artista ao pensar sobre a rota recalculada diversas vezes e o destino traçado com a arte tocando o coração.
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Foto: Marcos Ramos
Os sentimentos, que trazem forma para as telas em bran-
O reconhecimento está além do visível e das
co, e a inteligência do menino com QI elevado aprofundaram
fronteitas geográficas. O resgate das origens
as estratégias para criar um verdadeiro elo entre ARTE e o
também traduziu a passagem pela feira interna-
EMPREENDEDORISMO. Paulo Ricardo apostou na carreira
cional de arte contemporânea mais abrangente
de vendedor de mobiliário de alto padrão para construir e fi-
da América do Norte, a badalada Art Basel Mia-
delizar clientes para sua arte. O entendimento dos simbolis-
mi . Paulo palestrou sobre essência artística
mos e as cenas que criam identificação despertaram a arte
e criou uma experiência de arte. A forma legí-
com história, com significado. É este conceito que direcio-
tima e concreta da arte de Paulo também está
nou Paulo para as conquistas criadas a partir da arte com
em cada canto da sua galeria de arte em Jurerê
propósito. Paulo acredita que a compreensão da existência
internacional.
humana está na percepção da vida, que só acontece porque a natureza permite, e que a cura está dentro de nós. E para descobrimos o nosso destino, é preciso saber de onde viemos. Um conceito de sentido nesta trajetória do artista que hoje possui dois títulos de imortalidade acadêmica e dois títulos de comendador pela ONU. Capa do livro do maior movimento de arte brasil - Jaguar parade 2019.
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Foto: Celita schneider
A obra de Paulo é única e transporta para dentro do ser. A
A figura surge com um ponto único que traduz
força interior e o reencontro com os ensinamentos da natu-
as partículas luminosas que constituem todos
reza criam uma relação com as pinceladas e as crenças de
os seres humanos. A imagem é toda idealizada
Paulo Ricardo. Os pixels, marca do artista, traduzem na arte
com ausência de brilho, mas como num passe
a essência do ser humano, do olho brilhando e a estrela que
de mágica o pixel da bochecha que revela a luz é
existe dentro de cada um de nós. O poder da alma, a lumino-
também aplicado no olho e a forma cria “existên-
sidade e a força do celestial estão expressos nas obras de
cia”. A desconstrução e reconstituição estão na
Paulo Ricardo. “Nós somos celestes e eu quero traduzir isso
pincelada que é um sopro de vida.
na minha arte. O ponto mais brilhante de todos nós está no nosso olhar. Na arte eu transformo o brilho do olho pra criar qualquer coisa, usando aquele pequeno brilho posso criar uma grande malha. Chamo essa pincelada de “pincelada da alma”, conta Paulo.
Assista a entrevista exclusiva pelo QR code.
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P A U L O
CONEXÃO JAPÃO BC por Rogério do Espírito Santo. Fotos: Guto Souza.
Quem vê uma senhora oriental caminhando pelo calçadão ensolarado de Balneário Camboriú, pela orla ou pelo Morro da Rainha, certamente logo pensa em longevidade e sushi. As passadas da dona Mity deixam evidente a disposição que ela tem de sobra, hoje com 71 anos, para viver o presente e o futuro, mas não dão sinais dos caminhos que foram percorridos até aqui, dos acontecimentos históricos e profundamente marcantes que ela presenciou com a sua família, muito antes de chamar a atenção pela dedicação à saúde.
“Minha mãe morava em uma cidade a 10km de Nagasaki, não estava lá, mas foi um dia depois da bomba.”
Em 1962, aos 12 anos, dona Mity veio para o
“Minha mãe morava em uma cidade a 10km de
Brasil, após a família enfrentar a bomba atômi-
Nagasaki, não estava lá, mas foi um dia depois
ca de Nagasaki e ter de sair do Japão em busca
da bomba”. Ela contou para a dona Mity sobre
de oportunidades de uma vida melhor. Daquele
os muitos corpos jogados ao chão. A destruição
tempo de guerra e grande sofrimento nas terras
completa da cidade. “Ela também disse que soa-
do sol nascente, as lembranças estão bem pre-
vam sirenes constantemente”, lembra dona Mity.
sentes. “Um clarão no céu que ficou por muito
Esses sinais sonoros eram alertas de aviões
tempo”, foi o que minha mãe contou. Os relatos
bombardeiros chegando, avisando a população
da mãe da dona Mity sobre o 9 de agosto de
que bombas seriam jogadas na cidade, mas nin-
1945, data que veio marcar o mundo, no final da
guém imaginava que seria uma bomba nuclear
Segunda Guerra Mundial, aproximam a realida-
devastadora. O episódio aterrador na história
de vivida pelo povo Japonês no lançamento das
recente da humanidade deixou 40 mil mortos
duas primeiras bombas atômicas da história, Hi-
instantaneamente. Outras milhares de pessoas
roshima e Nagasaki.
morreram nos dias posteriores, por causa dos efeitos da radiação e dos ferimentos causados pela bomba, chamada ironicamente de Fat Man.
O Japão estava imerso em uma crise econômica e humani-
presencial oferece um amplo acervo de fotos e
tária sem precedentes, porque todas as suas principais ci-
objetos da época, além de peças de teatro que
dades foram bombardeadas e destruídas ou profundamente
relatam os acontecimentos e deixam expostos
danificadas, antes dos lançamentos das bombas nucleares
sentimentos. Também é possível realizar estu-
de Hiroshima e Nagasaki. Os principais centros de produ-
dos na Sala de Aprendizado da Paz e finalizar
ção e fábricas haviam sido destruídos, o que fez a população
tomando o Café da Paz na cafeteria do Museu.
do país mergulhar em fome aguda e sofrimento. Para que
Para quem assim desejar, o Instagram do esta-
as pessoas possam conhecer mais, refletir e ganhar mais
belecimento https://www.instagram.com/naga-
consciência sobre a era das bombas nucleares e os aconte-
saki_peacecafe/ é o espaço para compartilhar
cimentos em Hiroshima e Nagasaki, é possível visitar o site
sentimentos sobre a paz.
https://nabmuseum.jp/, do Museu da Bomba Atômica de Nagasaki e o Salão da Paz da Cidade de Nagasaki. A visita
S R A . M I T Y
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Alguns anos se passaram e um tio da Dona
Dona Mity desembarcou no Porto de Rio Grande, no Rio
Mity escreveu uma carta para a família no Ja-
Grande do Sul, em 1962. Foi para Santa Maria e lá morou
pão mandando boas notícias. Ele falava sobre
por dois anos. Depois se mudou para Curitibanos, cidade do
o Brasil. Dizia que era um lugar bom para mo-
Planalto Catarinense, que antes da colonização era habitada
rar, com terra fértil para a plantação, um lugar
por tribos indígenas Caingangues e Guaranis. Mais tarde, a
onde a família poderia se reconstruir e viver com
dona Mity conheceu o senhor Eikichi Yoshitake, vindo para o
dignidade. “Meu avô foi contra. Disse que não te-
Brasil com 18 anos junto com amigos. Ele e os companhei-
ríamos herança, que deixaria só um pedaço de
ros estavam inicialmente indo para o Canadá, mas depois
terra para construir uma casa”, lembra ela. Ao vir
de uma parada no Panamá, o grupo gostou do clima e das
para as terras tupiniquins, alguns dos familiares
frutas da região e decidiu rumar para o Brasil. O relaciona-
da dona Mity trouxeram a Maçã Fuji e a Pera Asi-
mento virou casamento. O senhor Eikichi queria ter uma fa-
ática, que hoje é cultivada na Comunidade Japo-
mília grande, porque ele tinha vindo sozinho para a américa
nesa Celso Ramos, no município de Frei Rogério,
do sul. Então eles tiveram cinco filhos, Flávio, Carla, Arissa,
em Santa Catarina. A Pera Nashi é considerada a
Henry e Kalen. Hoje, todos moram em Santa Catarina, com
mais suculenta do mundo.
exceção do Henry, que mora em São Paulo.
“O povo é muito alegre, tem muita vontade. Lá no Japão as pessoas são mais fechadas e trabalham muito. Têm vida boa, mas trabalham como escravos.”
O sustento da família começou com a plantação de flores, passou para o cultivo de alho e depois cereais. Os filhos vieram fazer faculdade em Balneário Camboriú, despertando o desejo do senhor Eikichi de deixar a lavoura e ficar perto da prole. Além da família reunida, a vida em Balneário também integrou as características da família japonesa com os traços dos brasileiros. “O povo é muito alegre, tem muita vontade. Lá no Japão as pessoas são mais fechadas e trabalham muito. Têm vida boa, mas trabalham como escravos”, comenta dona Mity.
S R A . M I T Y
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“Eu não imaginava que eu abriria um restaurante com essa idade.”
A alegria de viver do brasileiro foi influenciando o jeito de ser da dona Mity, até que ela se sentiu à vontade para virar empreendedora. “Eu não imaginava que eu abriria um restaurante com essa idade”. Dona Mity sempre gostou da cozinha. Ela chegou a trabalhar em um restaurante japonês em Balneário Camboriú. “Sempre foi um sonho dela ter o próprio negócio. E ela sempre quis trabalhar com comida”, conta a filha Arissa Yoshitake Pereira, engenheira civil de formação, hoje sócia-proprietária do Mity Sushi. No começo, os sushis eram feitos em casa e vendidos para alguns amigos próximos. Tudo estava dando muito certo, o que motivou o genro, marido da filha Carla Yu Yoshitake, design de interiores, a ajudar. Com isso, em 2014, surgiu o delivery Mity Sushi, em um lugar bem pequeno, na rua Israel, no bairro das Nações. A clientela do Mity Sushi foi aumentando. Segundo a filha Arissa, os donos do Hotel Vieiras eram clientes assíduos. Os saborosos pratos do Mity Sushi renderam um convite para integrar o espaço do Hotel Vieiras, assim, a cozinha japonesa poderia ser oferecida aos hóspedes.
S R A . M I T Y
7 7
Dona Mity sempre ficou à frente da cozinha, mesmo com
comum ver os heróis dos desenhos japoneses
a contratação de um sushiman. Os pratos mais tradicio-
comendo a sopa nos cartoons”, diz Arissa. Tem
nais como o Lámen, as massas caseiras, caldos e os pratos
também o Gyoza, uma receita tradicional japo-
quentes ainda são feitos pela dona Mity e o senhor Eikichi.
nesa, mais um dos segredos culinários da dona
Só eles guardam os segredos dos molhos, temperos, ingre-
Mity. Todo ano o cardápio é renovado, com a aju-
dientes e receitas tradicionais japonesas, apresentadas com
da da filha Arissa. Uma das características da
um toque gastronômico ocidental, ou de pratos famosos no
dona Mity é a vitalidade e a disposição para o
Japão, como a sopa Lámen, com massa caseira feita todos
trabalho. “No Japão as pessoas trabalham até
os dias, um delicioso caldo que fica horas cozinhando, feitos
depois dos 90 anos”, explica. “Ela dá um banho,
exclusivamente pela dona Mity e o senhor Eikichi. Esse prato
tem mais disposição do que muita gente jovem
é tão tradicional no Japão quanto o sushi. Alguns restauran-
que conheço”, comentou Arissa.
tes chegam a oferecer apenas ele no cardápio. “É bastante
S R A . M I T Y
7 9
A amargura da guerra ficou para trás, deu lugar ao sabor
Agora, o sonho da Dona Mity, para depois que
do sushi e sashimi feitos pela dona Mity, a família grande
deixar de trabalhar no restaurante, é ter uma pe-
unida, a alegria dos amigos, vizinhos e clientes de Balneário
quena lavoura de alimentos orgânicos. “Eu vim
Camboriú, a motivação para cuidar da saúde com caminha-
da lavoura e quero voltar para a lavoura. Quero
das todos os dias, inclusive aos domingos, em algumas se-
plantar verduras, ter tudo caseiro e orgânico.
manas. Para chegar até aqui com toda essa história vivida,
Tudo colhido no quintal, é a melhor coisa”, diz.
muita simpatia e um grande sorriso no rosto, dona Mity dá dicas. “Tem que ter perseverança. Se você gosta de alguma coisa e tiver perseverança e esperança, com tudo isso, consegue o que quer. Tem que cuidar da saúde, da alimentação e trabalhar. Nada de preguiça para os mais jovens”.
Assista a entrevista completa apontando a câmera do seu celular no QR code abaixo:
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M I T Y
Gritos de sobrevivência
por Rogério do Espírito Santo. Fotos: Guto Souza, Alfabile. As imagens do interior do hospital são meramente ilustrativas e provém de bancos de imagens gratuítos.
Dias intermináveis. Esse foi o sentimento mais comum entre os pacientes hospitalizados por conta do Coronavirus. Inclusive para aqueles que tiveram os corredores dos hospitais, seus ambientes de trabalho, não só isolados pelo vírus, mas tomados pela angústia de pacientes e familiares. E essa foi a rotina da assistente social de 34 anos, especialista em saúde pública, Laisa Souto Ahmad, há oito anos trabalhando na mesma instituição de saúde, responsável pelo atendimento dos familiares internados na UTI do hospital Marieta Konder Bornhausen, que virou referência no tratamento de Covid-19 em Santa Catarina, atendendo todos os casos considerados graves.
Responsável pelo atendimento de mais de 140 leitos para
Pela saturação, Laisa sabia que o paciente se-
Covid-19 no hospital referência em tratamenW to do coro-
ria entubado dentro de poucas horas. A esposa
navírus em Santa Catarina, a assistente social W diz que a
estava grávida e não tinha visto o marido até en-
experiência chegou a impactar o emocional e a vida profis-
tão. “Eu chamei a esposa e o filho de seis anos.
sional. Ela precisou refletir mais profundamente, depois de
Nós tomamos todas as precauções para evitar
atender um paciente de 34 anos, em meio a todos os outros
a contaminação. Ela estava muito apreensiva
atendimentos. “Ele tinha a minha idade e por isso eu me vi
porque sabia de todo o histórico dele, do que ele
muito nele”, lembra Laisa. O paciente contou que quando ti-
tinha vivido com o pai, do sofrimento, do luto”.
nha seis anos de idade, o pai morreu com 34 anos, por causa
O paciente veio a óbito. ”Para mim foi muito im-
de um câncer. O paciente disse que se sentia vivendo no-
pactante o que aconteceu”. O fato de o paciente
vamente aquela história, porque ele estava com 34 anos, a
reproduzir a mesma história do pai levou Laisa a
mesma idade do pai quando morreu, e o filho estava com
pensar mais sobre a própria vida.
seis anos, a mesma idade dele quando perdeu o pai. “Ele olhou pra mim e disse que não queria morrer, porque tudo o que ele sentiu o filho também iria sentir. Ele também pediu para não ser entubado, porque achava que se fosse entubado iria morrer”, conta ela.
E S P E R A N Ç A
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“Aquilo me deixou algo muito importante. A vida passa mui-
em todas as dependências do Hospital Marieta
to rápido, é um piscar de olhos e não estamos mais aqui”.
Konder Bornhausen, como pronto socorro, UTIs,
Laisa se pôs a pensar sobre o que ela tem feito para que
andares de internação e alojamentos de mães e
as coisas possam se tornar melhor para a convivência en-
gestantes, ficou com um aprendizado. “Ter espe-
tre as pessoas, o que esperamos do país e do mundo. “O
rança nas pessoas. A gente precisa permanecer
que nós temos contribuído realmente com aquela pessoa
com a esperança no outro”.
que está ao nosso lado, porque é tão fácil dizer que vamos ajudar as crianças da África, é claro que temos que ajudar, mas será que estamos ajudando aquela pessoa que está ao nosso lado, precisando de um auxílio, de um apoio?”, questiona Laisa. A profissional que durante a pandemia ficou atendendo exclusivamente os pacientes internados com Covid-19 e fazendo videochamadas com seus familiares, e que hoje cuida de mais de 360 leitos hospitalares, com atuação
“Aquilo me deixou algo muito importante. A vida passa muito rápido, é um piscar de olhos e não estamos mais aqui.”
E S P E R A N Ç A
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Foi fazendo algumas fotos, depois de ter pas-
e National Geographic Portugal e quadros como
sado os dias e noites mais difíceis da vida, in-
obras de arte decorando o Hotel Hilton na Praia
ternado por 18 dias no Hospital Marieta Konder
Brava e o Hotel Mercure em Itajaí, o profissional
Bornhausen, que o fotógrafo Alfa Bile sentiu-se
da imagem estava em mais uma sessão de foto-
tocado. Com sua sensibilidade para a arte, com
grafias, quando apontou o seu drone para o sol
trabalhos publicados em revistas internacionais
refletido nos vitrais do hospital.
da área da fotografia como Photography Week
E S P E R A N Ç A
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“Eu estava posicionando o drone para fazer o en-
na UTI, o quanto eu precisei de esperança, tive que deixar
quadramento e vi o sol refletido no vidro do novo
minha mente livre de expectativas, porque a gente não sabe
anexo do Hospital Marieta”. Naquele instante,
se vai sair”, conta. Alfa Bile chegou em casa, lembrou do pri-
todo o filme voltou à cabeça, colocando Alfabile
meiro dia fora da UTI, e chorou muito. “Quando eu vi aquele
nas cenas, angústias e incertezas que ele havia
sol refletido ali pensei: o sol que é um símbolo de esperança,
passado a poucos dias atrás. “Me veio à mente
refletido justamente onde mais carece de esperança”, desa-
os 18 dias que eu fiquei internado e os 10 dias
bafa o fotógrafo.
Alfa Bile nunca imaginou que ficaria tão mal. Mesmo se
“Meus exames estavam dando todos negativos,
cuidando, usando máscara e álcool gel, acabou se conta-
por isso achei que era apenas um resfriado”, conta.
minado. “Eu usava álcool gel e evitava aglomerações”, diz.
Alfa Bile já tinha feito um teste particular e dois tes-
Mesmo seguindo medidas de proteção contra o coronaví-
tes no CIS - Centro Integrado de Saúde. O “resfria-
rus, Alfa Bile tinha de ir ao supermercado e por vez ou outra
do” durou quase 10 dias e não passou, mesmo com
recebia um amigo em casa.”Talvez tenha colocado a mão
o tratamento com antibióticos. Quando estava no
no rosto quando peguei algum produto no supermercado
CIS, Alfa Bile tinha visto duas mulheres chegar
ou quando recebi algum amigo assintomático em casa para
com crise de falta de ar. Ficou assustado e guar-
jogar um baralho”. Ele não sabe exatamente qual situação
dou aquela cena na cabeça. Chegou a noite e por
levou à contaminação, começou com um resfriado, dores no
volta das 11 horas Alfa Bile começou a sentir difi-
corpo e enjoo, depois de um banho de piscina ao anoitecer.
culdade para respirar. “Eu não queria acreditar no que estava acontecendo comigo, justamente o que eu tinha medo, fiquei protelando, até a hora que eu não aguentei mais”. Alfa Bile disse para o marido que não conseguia mais respirar e pediu para ser levado para o hospital.
E S P E R A N Ç A
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Chegou no CIS e foi direto para o oxigênio. No outro dia foi
Era tirar a máscara de ventilação não invasiva
levado de ambulância para o hospital. “Minha saturação es-
para a saturação cair. “Fiquei uma semana ga-
tava despencando. Já no quarto, me colocaram uma más-
nhando comida na boca, porque tinha que ter o
cara de ventilação não invasiva por duas horas, que pega
tempo certo para tirar a máscara de oxigênio”.
o rosto todo, faz pressão e mexe com o pulmão, horrível”. A
Alfa Bile diz que se sentia como um peixe fora
saturação do fotógrafo que tem uma coluna no Diarinho, o
d’água, com a sensação de que estava morrendo
maior jornal da região de Itajaí e Balneário Camboriú, con-
aos poucos. Ele diz que recebeu elogios dos en-
tinuou despencando. “Pegaram minhas coisas, meu celular
fermeiros e médicos porque fazia os exercícios
e me levaram para a UTI, não consegui avisar ninguém”. Os
necessários para a recuperação. “Eu fazia tudo
médicos falaram que na UTI ele seria assistido 24 horas e
que era pedido, porque tinha medo de morrer”.
por isso aquele era o melhor lugar para evitar o pior. Alfabile ficou 10 dias na Unidade de Terapia Intensiva e chegou a ter 70% do pulmão comprometido. “Eu tive o pior raio x da UTI. Estava todo mundo entubado, menos eu. Nem o enfermeiro chefe e a médica entendiam porque eu ainda não tinha sido entubado”, lembra.
“Eu fazia tudo que era pedido, porque tinha medo de morrer.”
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Sobre todo o processo que levou à recuperação, Alfa Bile diz que se sentiu acolhido pela equipe de profissionais da saúde. “Eles foram maravilhosos, senti como se fossem cópias da minha vó que me criou cuidado de mim, porque era muito além do profissionalismo, nossa, era muito carinho, muito amor, isso é emocionante, e essa gratidão eu vou levar para o resto da vida”, diz.
Assista a entrevista completa apontando a câmera do seu celular no QR code abaixo: IMPORTANTE: As imagens do interior do hospital são meramente ilustrativas e provém de bancos de imagens gratuítos.
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V I D A
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Revista impressa
Documentários
Redação: Rogério do Esp. Santo
Roteiro e Direção: Guto Souza
Edição e revisão: Janaina Barros
Coordenação de Produção: Neca Schott
Design: Guto Souza
Assist. de produção: Amanda Lauffer
Tiragem: 4.000 exemplares
Assist. de filmagens: Tomás Domingues
IMPORTANTE: Em virtude da pandemia causado pelo Covid-19, toda a produção foi feita respeitando todas as normas de segurança. Toda a equipe de produção utilizou máscaras e os entrevistados desfrutaram da liberdade de optar por usar ou não suas máscaras durante a produção. Colaboraram nesta edição: , José Rebello Garcia, Sérgio Garcia, Figue Diel, Cláudio Diel, Dona Mity, Paulo Ricardo Campos, Schayla Jurk, Mari Righez, Celita Schneider, Laisa Souto Ahmad, , Alfabile Richardson, Aloisio Neves Junior e Eduardo Zilynsky. ***Os textos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores, assim como as imagens fornecidas. O conteúdo, fotos e informações dos anúncios são de inteira responsabilidade de cada anunciante.