Juventude e internet COMO UMA SOCIEDADE ULTRACONECTADA IMPACTA NOSSO JEITO DE SER E ESTAR NO MUNDO
PEGADAS DIGITAIS SUAS AÇÕES ONLINE DEIXAM RASTROS E DIZEM MUITO SOBRE VOCÊ BOTS E FAKE NEWS PROGRAMA DE COMPUTADOR FALA SOBRE POLÍTICA COM USUÁRIOS
QUEM FAZ A
VIRA PELO BRASIL
CONHEÇA OS VIRAJOVENS EM 9 ESTADOS BRASILEIROS E NO DISTRITO FEDERAL: Belém (PA) Brasília (DF) Curitiba (PR) Natal (RN) Rio de Janeiro (RJ) Salvador (BA) Santa Maria (RS) São Luís (MA) São Paulo (SP) Vitória (ES)
Auçuba Comunicação e Educomunicação – Recife (PE) • Avalanche Missões Urbanas Underground – Vitória (ES) • Buxé Fixe - Amadora (Portugal) • Casa Peque Davi – João Pessoa (PB) • Catavento Comunicação e Educação – Fortaleza (CE) • Cipó Comunicação Iterativa – Salvador (BA) • Ciranda – Central de Notícia dos Direitos da Infância e Adolescência – Curitiba (PR) • Coletivo Jovem – Movimento Nossa São Luís – São Luís (MA) • Gira Solidário – Campo Grande (MS) • Grupo Conectados de Comunicação Alternativa GCCA – Fortaleza (CE) • Grupo Makunaima Protagonismo Juvenil – Boa Vista (RR) • IACEP – Instituto Amazônico de Comunicação e Educação Popular (AM) • Instituto de Desenvolvimento, Educação e Cultura da Amazônia – Manaus (AM) • Mídia Periférica – Salvador (BA) • Instituto Candeia de Cidadania – Lima Duarte (MG) • Jornalismo Júnior (ECA-USP) – São Paulo (SP) • Jornal O Cidadão – Rio de Janeiro (RJ) • Lunos – Boituva (SP) • Movimento de Intercâmbio de Adolescentes de Lavras – Lavras (MG) • Oi Kabum – Rio de Janeiro (RJ) • Parafuso Educomunicação – Curitiba (PR) • Projeto de Extensão Vir-a-Vila (UFRN) - Natal (RN) • Projeto Juventude, Educação e Comunicação Alternativa – Maceió (AL) • Rejupe • União da Juventude Socialista – Rio Branco (AC)
Copie sem moderação! Você pode: • Copiar e distribuir • Criar obras derivadas Basta dar o crédito para a Vira!
EDI T OR IAL QUEM SOMOS
A
JUVENTUDE E INTERNET
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internet e as Tecnologias da Informação e Comunicação – TIC são quase onipresentes na vida cotidiana de milhões de adolescentes e jovens. Estudar, ouvir música, conversar com os amigos ou crush, e outras mil atividades do dia-a-dia, passam pela rede mundial de computadores. Esse novo cenário comunicacional tem implicações diversas na forma de aprender, na sociabilidade, na sensibilidade, enfim, na forma de ser e estar no mundo. A internet e as novas tecnologias favorecem, entre outras coisas, o surgimento e o fortalecimento de novas formas de ativismo político, amplia o acesso à informação, possibilita uma maior pluralidade de ideias no debate público e o fortalecimento de identidades, mas também nos expõe a contradições e riscos. Os discursos de ódio e o cyberbullying que dominam as redes sociais, a vigilância e o uso de nossos dados pessoais por empresas e governos e as fraudes virtuais são alguns exemplos. O fato é que tudo isso é muito novo e precisamos nos esforçar para compreender as profundas transformações socioculturais que a internet e as novas TIC provocam. Esse é nosso esforço nesta edição, e ela tá demais!
Viração é uma Organização da Sociedade Civil sem fins lucrativos, criada em março de 2003, que atua nas áreas de educomunicação, juventudes e direitos humanos. Recebe apoio institucional do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), da Ashoka Empreendedores Sociais e do Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo. Além de produzir a revista, a Viração oferece cursos e oficinas em educomunicação, Direitos Humanos, gênero e sexualidade e meio ambiente em escolas, grupos e comunidades em todo o Brasil. Para a produção da revista, contamos com a participação dos conselhos editoriais jovens de diferentes estados, que reúnem representantes de escolas públicas e particulares, projetos e movimentos sociais. Entre os prêmios conquistados nesses quinze anos, estão o Prêmio Cidadania Mundial, concedido pela Comunidade Bahá’ío, o Prêmio Don Mario Pasini Comunicatore, em Roma (Itália) e o Prêmio Internacional de Educomunicação, concedido pela União Católica Internacional de Imprensa.
Paulo Pereira Lima Diretor Executivo da Viração
Apoio institucional
MAPA DA
MINA
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Adolescente lê pouco? Entenda como a internet mudou os hábitos de leitura da geração digital.
OS MEMES NO TÚNEL DO TEMPO
SÓ MAIS 5 MINUTINHOS!
Viciado em celular, eu? Veja como a internet influencia a nossa relação com o tempo e até com o lazer.
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Viaje no tempo e relembre os memes mais queridinhos da última década.
CONEXÃO EM SALA DE AULA
Entenda os maiores desafios para a alfabetização e inclusão digital na educação brasileira.
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REVOLUCIONÁRIOS DIGITAIS
Entenda como a internet se tornou uma importante plataforma de engajamento.
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LER OU NÃO LER? EIS A INTERNET
INTERNET, INFLUENCIADORES DIGITAIS E FORMAÇÃO DE IDENTIDADE
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OS REFERENCIAIS DE NORMALIDADE FORAM ATUALIZADOS
A prática do culto ao corpo nas redes sociais é cada vez mais comum, mas será que ela faz bem?
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DE OLHO NA REDE: TODA VISIBILIDADE É POSITIVA?
Uma reflexão sobre a representação online de mulheres negras e pobres e de travestis.
SEMPRE NA VIRA Manda Vê ___ 06 Galera Reportér ___ 20 No Escurinho ___ 25 Imagens que viram ___ 26 Rap Dez ___ 39 RG DA VIRA: REVISTA VIRAÇÃO - ISSN 2236-6806 CONSELHO EDITORIAL
EQUIPE
COLABORADORES
Ingrid Pierazzo, Márcio Baraldi e Sérgio Rizzo
VICE-PRESIDENTE
Rafael Alves da Silva PRIMEIRA-SECRETÁRIA
Paulo Lima
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Conheça o bot, programa de computador que realiza tarefas, retem informações e até conversa sobre política.
Adriana Barbosa, Ana Hindrikson Saran, Cleide Agostinho, Daniel Fagundes, Daniele Rabelo, Elisangela Nunes, Jefferson Rozeno, Paula Bonfatti, Sérgio Rodrigues, Talita Ferreira, Thaís Santos e Tulio Bucchioni
CONSELHO FISCAL
Alexsandro Santos, Aparecida Jurado, Isabel Santos, Leandro Nonato e Vera Lion
REMENDO DE QUEBRADA
Ideias transformadoras resultam em inclusão social e melhoria das condições de vida nas quebradas.
TUDO O QUE VOCÊ PRECISA SABER SOBRE BOTS
PRESIDENTA
Áurea Lopes
CONSELHO PEDAGÓGICO
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INTERNET, UMA TERRA SEM LEI?
O Brasil tem a melhor legislação sobre internet no mundo, o difícil é colocá-la em prática.
Cristina Uchôa
Rodrigo Bandeira, Vanessa Camargo e Marilda Santos Rodrigo Bandeira, Vanessa Camargo e Marilda Santos
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VOCÊ JÁ OUVIU FALAR EM PEGADAS DIGITAIS?
Nossas ações na internet deixam rastros e dizem muito sobre nós.
O que a internet e os os influenciadores digitais têm a ver com formação de identidade.
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TELEFONE SEM FIO
Descubra como as mensagens enviadas por Whatsapp ou Messenger chegam até você.
DIRETOR EXECUTIVO COORDENAÇÃO
Vania Correia EDIÇÃO
Paula Bonfatti EDIÇÃO E REDAÇÃO
Jefferson Rozeno Revista Viração • Ano Paula 15 • Bonfatti Ediçãoe113
COLABORADORES DESTA EDIÇÃO
Distrito Federal (Webert da Cruz), Pará (Diego Teofilo), Rio Grande do Sul (Araciele Ketzer) e São Paulo (André Romani, Maria Carolina Cabral, Jefferson Rozeno, Karen Santos, Kauanne Santos, Luciana Cardoso, Maria Soares, Paulo Tankian, Wesley Matos, Taís Ilhéu, Thaíssa dos Santos, Vitória Soares, Márcio Baraldi e Sérgio Rizzo)
ARTE
Manuela Ribeiro JORNALISTA RESPONSÁVEL
Paulo Pereira Lima – MTb 27.300 DIVULGAÇÃO
Equipe Viração CONTATO
contato@viracao.org DOAÇÃO
doacao@viracao.org
O QUE É EDUCOMUNICAÇÃO?
DIGA
LÁ VIRA AMIGO DA VIRA! Desde 2014, a Revista Viração não trabalha mais com assinatura. Ao invés disso, pedimos o seu apoio para a manutenção das nossas atividades. Além da produção de conteúdo por e para jovens, também realizamos encontros de formação em direitos humanos e educomunicação e atividades de mobilização social. Nosso trabalho está sustentado no entendimento de que o adolescente é um sujeito de direitos. A partir da educomunicação e da educação entre pares, impactamos as vidas de milhares de adolescentes e jovens Brasil a fora, considerando suas condições únicas de desenvolvimento. Para apoiar, é só acessar o site www.viracao.org/apoie e seguir as instruções. É tudo online e bem rapidinho! Agora, se você prefere depositar um valor direto na nossa conta, os dados são: Viração Educomunicação Banco do Brasil | Agência: 6501-3 | Conta Corrente: 200.023-7 CNPJ: 11.228.471/0001-78 Apoie a Viração na promoção de direitos, no fortalecimento da participação de adolescentes e jovens e na construção de uma comunicação democrática.
É comum, nas edições da Vira, encontrar a palavra “educomunicação” ou o termo “educomunicativo”. A educomunicação é um campo de intervenção que surge da inter-relação comunicação/ educação para a transformação social. Dizemos que um projeto ou prática é educomunicativa quando adota em seus processos, especialmente do jovem, o caráter comunicacional, como o diálogo, a horizontalidade de relações e o incentivo à participação, fazendo com que os sujeitos exerçam plenamente o direito humano à expressão e à comunicação, em diferentes âmbitos e contextos. A Viração promove ações educomunicativas por meio da produção midiática, incentivando que adolescentes e jovens produzam reportagens coletivas em diferentes linguagens.
COMO SER UM VIRAJOVEM? Virajovens são os integrantes dos conselhos editoriais jovens da Viração, que produzem conteúdos em suas cidades. O conselho pode ser um coletivo autônomo de jovens ou um grupo ligado a uma entidade, organização, movimento social, escola pública ou privada, que dará apoio para que os virajovens produzam conteúdos. A parceria entre a Vira e entidade é oficializada com um termo de compromisso e com a publicação do logotipo da organização na revista Quer saber mais? Entre em contato com a gente: contato@viracao.org
PERDEU ALGUMA EDIÇÃO DA VIRA? NÃO ESQUENTA! Você pode acessar, gratuitamente, as edições anteriores da revista na internet: www.issuu.com/viracao
Para garantir a igualdade entre os gêneros na linguagem da Vira, onde se lê “o jovem” ou “os jovens”, leia-se também “a jovem” ou “as jovens”, assim como outros substantivos com variação de masculino e feminino.
FACEBOOK.COM/VIRACAO.EDUCOMUNICACAO
Mande seus comentários sobre a Vira, dizendo o que achou de nossas reportagens e seções. Suas sugestões são bem-vindas! Escreva para Rua Araújo, 124, 3º andar - CEP 01220-020 - São Paulo (SP) ou para o e-mail: contato@viracao.org
MANDA VÊ TEXTO DIEGO TEÓFILO, VIRAJOVEM DE BELÉM (PA); JEFFERSON ROZENO, VIRAJOVEM DE SÃO PAULO (SP) E ARACIELE KETZER, VIRAJOVEM DE SANTA MARIA (RS) IMAGEM FREEPIK
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termo pós-verdade é muito utilizado para descrever o contexto em que vivemos hoje. Ele é usado por pessoas que avaliam que a verdade está perdendo importância no debate político e os fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais.
E VOCÊ, COSTUMA
CHECAR AS INFORMAÇÕES
É neste contexto que aparecem as “fake news”, ou notícias falsas. São mentiras revestidas de artifícios que fazem com que essa mentira pareça uma verdade. São informações falsas que têm um alcance muito grande, principalmente por meio das redes sociais, que influenciam a opinião pública. Assim, existem alguns cuidados que devemos tomar em relação ao que compartilhamos em nossos canais de comunicação, como checar as fontes e aprender sobre o site que estamos visualizando.
QUE RECEBE PELA INTERNET? LE ONARD O SIL VA
18 ANOS | SARANDI (PR)
Tenho o cuidado de checar as notícias e informações que recebo e visualizo na Internet. Ler a matéria na íntegra, estar atento em qual meio de comunicação está circulando aquela informação, procurar outras mídias e se atentar ao momento histórico e à realidade concreta, está na minha rotina. Nos dias de hoje, tempos de pós-golpe orquestrado por grupos específicos e endinheirados da comunicação, é necessário estar ligado/a na parcialidade e nas tendências ao ver uma notícia.
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TAISSA BRI T O
13 ANOS | SÃO GONÇALO (RJ)
Depende, têm informações que eu não procuro saber, eu vejo assim, e eu ignoro, eu procuro me aprofundar mais em saber se é verdadeira ou não quando eu gosto do assunto, quando eu acho interessante, mas fora isso não.
MAURICI O QUADROS
ALEXANDRE SOARES
Bom, antes não tinha esse hábito de checar as informações que chegavam pra mim, simplesmente compartilhava. Depois que eu vi como a internet pode prejudicar algumas pessoas, passei a checar todas informações que vinham pra mim pela internet.
Sim, bastante pelo whatsapp, checo sim. Ainda mais por ser jornalista, então tenho a obrigação de saber se tudo o que recebo e acesso é de fato verdade. Mas penso que não só pelo fato de ser jornalista mas como pessoa mesmo, coisa que qualquer cidadão deveria fazer para justamente não ser vítima de notícias falsas. Penso que fake news sempre existiu mas agora tem uma visibilidade maior do que antes, pela fato da Internet ser disseminadora de conteúdo e facilitar que qualquer pessoa produza conteúdo.
21 ANOS | BELÉM (PA)
21 ANOS | BELÉM (PA)
LARRISA RAYANE
22 ANOS | BELÉM (PA)
Recebo informações todos os dias, essas informações chegam até mim quase sempre por Internet, aplicativos como Whatsapp e Facebook, pois é onde eu mais tenho acesso. Hoje já tenho o hábito de checar, já cometi erros reenviando informações falsas e desde que um erro foi questionado passei a verificar se o que recebo é realmente verdadeiro.
TÁ NA MÃO Conheça o Truco, projeto de checagem de informações da Agência Pública. A galera do Truco verifica falas, correntes e informações em circulação na internet ou em redes sociais para saber se são verdadeiras ou não. Acesse www.apublica.org/ checagem
BRUNO SAN T OS
17 ANOS | SANTA MARIA (RS)
Eu não costumo checar sempre as informações que eu recebo pela internet, mesmo sabendo que às vezes podem ser falsas. Verifico somente quando é alguma coisa que eu estou esperando. Dessa forma, acho que a falta de curiosidade em checar vai muito do nosso aprendizado, pois não somos incentivados a pesquisar sobre os remetentes, logo, ficamos expostos a cair em armadilhas por trás das falsas informações”.
JULI VAN SAN TANA
19 ANOS | CARUARU (PE)
Eu só checo se a notícia por alguma razão parecer estranha ou aparentar sinais de notícia falsa, como título polêmico, falta de fonte ou autor. Se for de fonte e site confiável eu nem preciso checar.
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REVOLUCIONÁRIOS
DIGITAIS
A GERAÇÃO DIGITAL SE APROPRIA CADA VEZ MAIS DAS FERRAMENTAS TECNOLÓGICAS PARA PROMOVER MUDANÇA
TEXTO WESLEY MATOS, VIRAJOVEM DE SÃO PAULO (SP) ILUSTRAÇÃO MANUELA RIBEIRO
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os últimos anos, a internet se consolidou como um recurso importante para o funcionamento e desenvolvimento da sociedade. Graças a esta tecnologia, é possível acessar uma conta bancária, criar documentos, fazer reuniões virtuais e até mesmo trabalhar e estudar sem sair de casa. E, quando relacionamos este recurso a uma juventude que domina a tecnologia e está disposta a usá-la para promover mudanças,
nos deparamos com resultados inusitados. Estamos falando de participação política virtual. Para muitos adolescentes e jovens, a internet pode ser considerada uma plataforma de engajamento político, pois através dela nos comunicamos com um grupo grande de pessoas e nos organizamos e participamos democraticamente de um debate, já que ela permite exercermos a liberdade de expressão, seja por meio de um simples posicionamento político nas redes sociais, ou um compartilhamento de informações. Isso ocorre porque, quando conectados ao mundo pela internet, os jovens participam, se relacionam e se movem em redes. Ao interagirem com o universo virtual, acabam construindo um sentimento de autonomia e identidade. Essa é uma ideia defendida por Cassia Ayres, comunicóloga e doutoranda em comunicação para o desenvolvimento. “Além da juventude desenvolver esses sentimentos, o uso da internet também contribui para que os jovens estejam dentro do processo político e ajudam a influenciar políticas públicas em seus contextos. Este
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processo, que pode culminar com mudanças sociais de caráter mais estruturante e sustentadas, requer sobretudo a construção de um conhecimento que tem sido também proporcionado pela existência de redes digitais”, explica Cássia. Dois grandes exemplos da fusão entre internet e participação política, são as manifestações populares de 2013 e as ocupações das escolas pelo movimento secundarista. Essas manifestações políticas e sociais aconteceram também graças ao poder de engajamento e mobilização por meio das redes sociais, elemento importantíssimo na disseminação da sociabilidade. De acordo com a comunicóloga, os episódios citados foram gerados através de uma carga emocional. “Penso que esses dois movimentos sociais partiram de motivações emocionais de indivíduos que ganharam corpo nas redes digitais, na medida em que reverberaram-se através de outras vozes. Portanto, uma das formas de manter a participação política é assegurar que haja espaços para essas vozes, sobretudo as marginalizadas, se manifestarem.”, afirma Cássia. Ao se pensar em pessoas marginalizadas, cidadania e desenvolvimento social e político, não há como disasociá-los da educação. É necessário educar para formar cidadãos, não apenas transmitir o saber e limitar o indivíduo a verdades construídas. Educar é lançar o conhecimento e formar visionários, diminuindo o espaço entre governantes e
governados e formando pessoas capazes de analisar criticamente e transformar sua própria realidade e a realidade em seu entorno. Para os jovens ampliarem novos saberes, poderem se engajar politicamente e contribuirem para o desenvolvimento e manutenção da democracia, o apoio da educação e da internet é fundamental. É o que diz o estudante de publicidade e propaganda da PUC-SP, Bernad Ferreira. “Sem educação de qualidade, investimento em empreendedorismo social, ciência, tecnologia e inovação em lugares menos favorecidos, o potencial desperdiçado pelo país é gigante. Ao mesmo tempo, a política perde com a falta desses jovens que sentem a desigualdade na pele todos os dias, porque perdem a visão de mundo, os pensamentos que vieram no dia a dia da comunidade, todo um repertório riquíssimo que poderia se transformar em políticas públicas estruturantes na base da pirâmide social e que poderia transformar a vida de quem mora na periferia”. Para Cássia, o engajamento político também torna-se uma escolha na medida em que um jovem percebe as repercussões de engajar-se em seu contexto social. “Alguns poderão não desejar este engajamento ou fazê-lo em menor grau, mas acredito que quando alguém decide engajar-se, o faz porque encontra os meios de comunicação em um espaço público que o reforça, tendo por trás a motivação pela mudança social. Logo, na prática, o jovem pode contribuir com a cultura
política cívica quando está atento à sua comunidade, ouve, reflete, se expressa e ajuda outros a se expressarem com os meios que dispõem. Isso é participação”, diz. É possível perceber que há diferentes iniciativas sociais acontecendo pelo Brasil, seja promovida por OSCs (Organizações da Sociedade Civil) ou por comunidades que procuram, de alguma forma, melhorar seu entorno, o lugar onde vivem. Para se engajar e encontrar maneiras de transformar diferentes realidades, precisamos contar ao mundo as injustiças que vemos e vivenciamos diariamente. “A política precisa ter mais vozes de jovens, principalmente os jovens que foram silenciados desde sempre. Isso ajuda na diversidade e não deixa apenas homens brancos e velhos tomando todas as decisões por nós”, Bernard complementa.
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OS MEMES NO TÚNEL DO TEMPO RECORDAR É VIVER! RELEMBRE OS MEMES E ÍCONES DA INTERNET MAIS CONHECIDOS DA ÚLTIMA DÉCADA
2009 2008
TEXTO JEFFERSON ROZENO, VIRAJOVEM DE SÃO PAULO (SP)
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Rage comics Considerado como um dos primeiros memes, no início os rages eram utilizados para expressar sentimentos de fúria, raiva. Se tornaram uma febre no mundo e principalmente no Brasil, que utilizou o meme para outros fins, como em tirinhas de humor. Eles são figuras simples, semelhantes a um desenho a lápis, e retratam cenas do cotidiano.
Stefhany Absoluta Quem não se lembra do hit “No meu Crossfox, eu vou sair”? A autora da canção “eu sou Stefhany” nasceu em uma cidadezinha no interior do Piauí e teve seu momento de sucesso após lançar um videoclipe. A música é uma versão forró da canção Thousand Miles, de Vanessa Carltonde, que se popularizou no filme “As Branquelas”.
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2010
“E teve boatos que eu ainda estava na pior” “Se isso é estar na pior, porra... o que quer dizer tá bem, né?” Quem não se lembra desse vídeo icônico, protagonizado pela Luisa Marilac, que estava tomando uns bons drinks na Espanha e decidiu dar aquela alfinetada nas invejosas?
2011
“Hoje é dia de Rock, bebê!” A frase dita pela atriz Christiane Torloni durante uma entrevista no Rock in Rio, um dos maiores festivais de música do mundo, foi parar na internet e se tornou bordão do festival e da internet.
2012
A grávida de Taubaté Com uma barriga gigante, a pedagoga Maria Verônica, da cidade de Taubaté, em São Paulo, enganou o Brasil inteiro após aparecer em rede nacional por sua suposta gravidez de quadrigêmeos. Ela não estava grávida, foi desmascarada e até hoje se especula como conseguiu enganar uma emissora e milhares de telespectadores.
2013
Félix bicha má O personagem Felix, vilão protagonizado pelo ator Mateus Solano, caiu nas graças do público que assistia a novela “Insensato Coração”. O caricato personagem conhecido pelos bordões e pelo humor ácido, ganhou as redes sociais.
2014
Vai ter copa ou não vai ter copa? O ano em que o Brasil sediava um dos maiores eventos mundiais, a Copa do Mundo de Futebol, deixou os brasileiros em dúvida se o país comportaria ou não o evento. Nada melhor que memes de especulação, certo? No final teve copa, mas os memes deixam saudade.
2016
Bela, recatada e do lar Após Michel Temer assumir inconstitucionalSai, hetero! mente, a Revista Diante de tanta Veja decidiu intolerância nas fazer uma redes sociais, matéria para a comunidade apresentar a LGBTQ resolveu nova primeira reagir a dama, Marcela comentários Temer. Acontece LGBTQfóbicos no Facebook e Twitter. que os adjetivos escolhidos O meme “Sai para exaltá-la Hétero” foi criado foram “bela, como resposta recatada e do a comentários lar”, insinuando e posts que esses seriam homofóbicos e heteronormativos. os predicados ideais da mulher brasileira. As manas não deixaram barato e fizeram suas próprias versões.
2015
2017
Ata A personagem Mônica, de Turma da Mônica, foi imortalizada na infância de muita gente e também nas Redes Sociais, com o meme “Ata”. Ele foi inspirado em uma capa de gibi, passou por uma edição aqui e ali, e nasceu. “Ata” é uma expressão para as pessoas que consideraram algum assunto desinteressante ou sem graça: “Ah, tá”.
2018
Que tiro foi esse? Que tiro foi esse a gente não sabe, mas podemos explicar de onde ele saiu. O bordão é muito utilizado no meio LGBT e serve para exaltar algo ou alguma situação. A música da funkeira Jojo Todynho deixou muita gente no chão (literalmente) e já é a música do ano. Milhares de pessoas se jogando no chão e registrando a queda movimentou as redes sociais. Afinal, que tiro foi esse que tá um arrazo!
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OS REFERENCIAIS DE NORMALIDADE FORAM ATUALIZADOS A INTERNET NOS PERMITE ACESSO A UMA GRANDE VARIEDADE DE INFORMAÇÕES, MAS OS SENTIDOS REPRODUZIDOS NELA TAMBÉM PODEM REFORÇAR PADRÕES DE VIDA E BELEZA
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TEXTO PAULA BONFATTI, DA REDAÇÃO, E AMANDA DA CRUZ DA ACM/YMCA E VIRAJOVEM DE SÃO PAULO (SP) ILUSTRAÇÃO MANUELA RIBEIRO
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facilidade com que obtemos e compartilhamos informações hoje, caracteriza a sociedade contemporânea e conectada. Apesar da desigualdade social no acesso à internet, não podemos negar o impacto socioeconômico, cultural e comportamental do surgimento da web. Hoje, a internet virou um campo de estudo da sociologia, da antropologia e de muitas outras ciências que buscam entender a relação dessa plataforma com o mundo moderno. Um dos famosos pesquisadores da ciência da informação e da comunicação, o sociólogo Pierre Lévy, afirma que a internet abriu um novo espaço para a liberdade de expressão, um espaço onde todos nós podemos publicar, editar e colher informações. Então, podemos dizer que a internet aumentou e muito os poderes da linguagem, certo?
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MAS COMO UM INSTRUMENTO QUE AUMENTA OS PODERES DA LINGUAGEM VAI FAVORECER APENAS O BEM? Se a internet é um espaço onde todos nós podemos publicar e editar informações, ela é também um espaço de reprodução de desigualdades! A todo momento, vemos comentários machistas, racistas e homofóbicos em grupos de Whatsapp e nas Redes Sociais, e entre tantos sentidos produzidos e reproduzidos na internet, existe um muito perigoso e cada vez mais presente: a busca pela vida perfeita e pelo corpo ideal. Vamos fazer um teste? Abra o seu Instagram e tente identificar fotos que não sugiram a ideia de uma vida perfeita. Aposto que você se deparou, pelo menos uma vez, com aquele close de uma festa, uma paisagem bonita, um prato que parece ter saído do MasterChef, ou uma declaração do casal mais apaixonado do Brasil. Pois é, nas redes sociais, parece que somos bombardeados
por demonstrações de uma vida perfeita, sem medos, sem problemas ou frustrações. Será que estamos falando de pessoas reais? Em maio do ano passado, a instituição de saúde pública do Reino Unido, Royal Society for Public Health, realizou um estudo para entender como as mídias sociais podem impactar na saúde mental e no bem-estar de jovens entre 14 e 24 anos. Os participantes avaliaram diferentes redes sociais em quesitos como ansiedade, depressão, solidão, bullying e imagem corporal. O Instagram foi considerado a pior rede social quando se trata de impacto negativo para os jovens. Para a Pesquisadora e Coordenadora da área de Desigualdades e Identidades do InternetLab, Natália Néris, o problema não está na ferramenta em si, mas sim na qualidade da informação consumida e na dinâmica das relações que os jovens estabelecem. As meninas, no entanto, são o público mais impactado pelas redes sociais. “Temos que considerar que a existência do sexismo, a crença na superioridade do gênero masculino sobre o feminino, faz com que as consequências negativas do uso da internet sejam desproporcionalmente maiores para meninas, principalmente no que diz respeito à busca por padrões de beleza e a culpabilização pelo exercício da sexualidade”, explica Natália.
TIRA FOTO NO ESPELHO PRA POSTAR NO FACEBOOK Ao mesmo tempo em que a internet nos permite acesso a uma quantidade enorme e diversa de informações, os sentidos reproduzidos nela também homogeinizam e reforçam padrões. Mais uma vez, abra seu Instagram e tente identificar quantas pessoas fora dos “padrões de magreza” postaram selfies com uma mensagem positiva sobre seus corpos. É provável que você encontre mais fotos da nova dieta de 2018, ou stories dos seus amigos na academia, né? Pois é, essa busca incessante pelo corpo perfeito, que não passa de uma construção social e cultural, ganhou até nome! É a prática de “culto ao corpo”, uma preocupação geral que perpassa todas as classes sociais e faixas etárias, apoiada num discurso que ora se baseia na questão estética, ora na preocupação com a saúde. Assim, muita gente ainda associa um corpo fora dos padrões de magreza a problemas de saúde, quando na verdade existem pessoas magras que são sedentárias, têm maus hábitos alimentares e cultivam o mesmo estilo de vida de pessoas gordas. Para a jornalista Amanda Proetti, de 33 anos, nunca se pensou, falou e se praticou tanta dieta. “O fator saúde virou argumento na hora do embate entre quem alimenta a gordofobia e quem defende um rompimento com este padrão irreal de perfeição.”
E a Internet, com seu potencial enorme de alcance, é um espaço que também reflete os padrões machistas, racistas e gordofóbicos estabelecidos em contextos offline. “A existência de um universo escondido por trás da vida real é da natureza humana em sociedade. Mas a propagação em massa deste universo é um fenômeno totalmente produzido por este tempo em que quase vivemos uma vida paralela nas redes sociais e passamos a acreditar que as pessoas se parecem mais com suas versões nas imagens do Instagram, do que com suas versões no mundo real”, conta Amanda que, neste contexto, acredita que nos isolamos e nos sentimos vazios e distantes de uma realidade e de um padrão que não existem. “Muitos canais de blogueiras e instagramers nos dão uma impressão de estilos de vida
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marcados pela perfeição, beleza e ausência de erros”, explica Natália. “É importante lembrar de toda a produção por trás do conteúdo e que a realidade dessas pessoas pode ser muito mais próxima de uma pessoa comum do que o imaginado.” Ela reforça que as meninas são mais afetadas pela pressão de um corpo perfeito e que as normas de perfeição estética passam, principalmente, pela magreza e pela brancura. A prática de culto ao corpo, online e offline, acaba gerando problemas sociais muito grandes, principalmente na área da saúde, como o desenvolvimento de transtornos alimentares, baixa autoestima e depressão.
NÃO SOU SEU PADRÃOZINHO! Ao mesmo tempo em que alguns padrões irreais de beleza são reforçados nas redes sociais, a internet também é um meio de empoderamento de mulheres que não se encaixam no padrão opressor de magreza branco. “As redes sociais foram responsáveis nos últimos anos pela amplificação de vozes de pessoas LGBTTs, mulheres negras, mulheres gordas, que passaram a tecer e disputar as narrativas sobre padrões e normalidade”, conta Natália. Em 2017, o Google BrandLab afirmou que a busca no Google por informações sobre cabelos cacheados cresceu 232%, ultrapassando a busca por cabelos lisos naquele ano, e a busca por cabelo afro aumentou em 309% nos últimos dois anos. “Esse é um dado que revela uma mudança
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importante sobre a aceitação dessa estética. E de fato é muito bom contar com auxilio instantâneo nesse sentido”, afirma a pesquisadora. Para Amanda, a veiculação dessas contra-narrativas foi essencial para sua autoestima e aceitação do corpo. “Minha autoestima, como a de inúmeras pessoas com corpos fora dos padrões, foi bastante prejudicada ao longo dos anos em uma sociedade que te diz e mostra o tempo todo quão inadequada você é e quão indigna de valor e de amor”, conta. “Tomar contato com uma narrativa que te mostra o erro e a desumanidade que há neste tipo de discurso é fundamental para curar essa autoestima machucada.” Além disso, Amanda afirma que acessar esse tipo de conteúdo pode ajudar na identificação de algum problema que demande ajuda profissional, como um distúrbio alimentar ou depressão. Todos queremos aproveitar tudo de bom que a internet tem para oferecer, e existem algumas práticas que podem nos ajudar a usá-la de uma forma mais saudável e consciente. Pedimos algumas dicar pra Natália, aí vai!
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As redes sociais fazem parte das nossas vidas, mas não podem de modo algum serem centrais, tomarem parte considerável do nosso tempo. Tão divertido quanto passar o tempo em redes sociais é ler um livro, encontrar pessoas, realizar cursos, participar de eventos sobre temas que nos interessam... Por isso, é bom estabelecer um tempo de navegação.
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É importante acompanhar pessoas que tenham uma abordagem crítica sobre temas relevantes. Como exemplo, as Youtubers negras Raíza Nicácio, Nataly Neri e Gabi Oliveira; o Canal das Bee, que aborda questões LGBTT; a Preta-Rara, que fala sobre negritude e gordofobia; e por último, canais que abordam temas relacionados a padrões e corpos, como o de Cacai Bauer, Nathalia Santos (Como assim, cega?) e Mariana Torquato (Vai uma mãozinha ai?).
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É importante observar qual o impacto de determinados conteúdos sobre si: se após navegar a sensação é de auto-crítica muito elevada, tristeza e desânimo, é importante evitar.
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Cyberbulling é crime! Se você ver alguma situação de preconceito, humilhação ou ofensa na internet, denuncie! E só acessar www.safernet.org ou ligar no disque-denúncia (100).
TEXTO KAREN SAMYRA, PAULO TANKIAN E KAUANNE SANTOS, VIRAJOVENS DE SÃO PAULO (SP)
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uitos de nós, da chamada geração Z, não conseguimos imaginar um mundo sem chats online, celular, computador e sem a nossa tão amada internet. A forma como pensamos foi e é influenciada pela velocidade da tecnologia. Diferente de nossos pais, nos sentimos à vontade ao ligar, em um só momento, a televisão, o celular, a música e a internet. Uma forte característica da geração conectada é o conceito de um mundo que não tem barreiras nem fronteiras geográficas. Vemos e lemos de tudo um pouco, mas a pergunta que não quer calar é: “Será que a internet nos distancia da leitura, ou nos aproxima dela? ”. A prática da leitura seria somente ler um livro? A verdade é que a internet está recheada de leitura informal e isso pode nos ajudar, de certa forma, a praticarmos a leitura e a escrita. “Quando eu te mando um meme, esse meme é uma piada, mas pode vir carregado de consciência política, carregado de questionamentos sociais referentes a questões raciais, a questões de desigualdade social”, conta Danilo Vaz, de 25 anos, Embaixador da Juventude ONU, em entrevista à Revista Viração. Por outro lado, a literatura em si também é importante para
LER OU NÃO LER?
EIS A IN T ERNET
O NOVO LEITOR DIGITAL NÃO SÓ GOSTA DE LER, COMO ESTÁ CADA VEZ MAIS EXIGENTE COM O RITMO E DINÂMICA DOS TEXTOS
nossa formação e a facilidade de acesso a leituras rápidas, proporcionada pela internet, pode acabar nos distanciando da técnica. Para o escritor e poeta Alex Maurício, os nossos hábitos de leitura também mudaram com as novas tecnologias. “Se a gente pensar num contexto histórico da literatura, vamos para uma época onde as pessoas se reuniam na sala de casa, perto de uma lareira, para ler um livro juntas. Então, o livro vem de uma época que era lido em família, lido na comunidade. Hoje esse tempo é muito escasso”, conta Alex. Por outro lado, podemos dizer que aqueles que nasceram e cresceram com as tecnologias digitais, os chamados “nativos digitais”, lidam com a leitura de um modo diferente. É o que acredita Letícia Reina, gestora pedagógica da empresa Guten, especialista em leitura digital. “A intimidade com a tecnologia e a facilidade de acesso aos diferentes recursos digitais faz com que esse novo leitor seja mais exigente com a dinâmica e o ritmo com que os textos se apresentam”, conta. “Os novos textos que circulam nos meios digitais têm um apelo multimidiático que desenvolve o multiletramento”. Assim, não podemos dizer que o leitor analógico é melhor que o leitor digital, ou o contrário.
O que existe são jeitos diferentes de acessar os textos, com processos de interação que são mais rápidos e dinâmicos no caso do texto digital. “Devemos disponibilizar aos nossos alunos ‘nativos digitais’ os mais diversos gêneros de texto, para que eles possam aprender e desenvolver processos cognitivos que os permitam ler um romance de maior fôlego, assim como navegar nos vídeos do Youtube, por exemplo”, diz Letícia. A praticidade da internet faz parte do nosso dia a dia, ela está até mesmo em nossos bolsos. Por isso, ao invés de privar o uso da ferramenta, seja para a leitura, estudo ou lazer, por que não investir na formação dos usuários para seu uso? Isso pode acontecer na escola, entre pares, em casa e até na interação com os meios digitais. “É preciso conhecer as ferramentas digitais, fazer uso, ampliar a capacidade para o potencial que cada recurso digital oferece, para que o leitor possa ler e produzir de modo eficaz”, afirma Letícia. A literatura e a internet podem e devem caminhar juntas. Unindo essas duas ferramentas, teremos pessoas mais críticas e conscientes. Então, celular na mão e mente à obra!
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TEXTO FLORA BEATRIZ, VIRAJOVEM DE SÃO PAULO (SP) ILUSTRAÇÃO ALVARO CABRERA
SÓ MAIS 5 MINUT INHOS
APESAR DE FUNCIONAR COMO UMA PLATAFORMA DE SOCIALIZAÇÃO, PRODUÇÃO E DISSEMINAÇÃO DE CONTEÚDO, A INTERNET PODE NOS TOMAR MAIS TEMPO DO QUE DEVERIA
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s redes sociais mudaram bastante como nos relacionamos e como vemos o mundo. Quem nunca ficou feliz ao encontrar aquela pessoa que não via há anos no Facebook? Leu aquele textão na hora perfeita? Ou foi notificado por temas do seu interesse? Por outro lado, quem nunca precisou fazer um trabalho da escola, acabou dando aquela olhadinha na rede social e, quando se deu conta, estava stalkeando uma pessoa super aleatória? E quando você acaba de assistir um episódio de uma série, fala que vai assistir só mais ‘unzinho’ e, quando percebe, terminou a temporada inteira Segundo a pesquisa “Futuro Digital em Foco Brasil 2015” (Digital Future Focus Brazil 2015), os brasileiros são líderes no tempo gasto nas redes sociais, com uma média 60% maior do que o restante do mundo. No total, passamos 650 horas por mês nas redes sociais. Apesar de funcionar como uma plataforma de socialização, produção e disseminação de conteúdo, podemos perder o controle e ceder uns minutinhos (ou horas) para fazer algo que, muitas vezes, se resume a fazer nada.
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As novas gerações já nascem plugadas e vivenciam uma linguagem muito diferente das gerações analógicas (falamos sobre isso na última matéria). Uma pesquisa realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI) em 2014, constatou que 81% das crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos acessam a internet todos os dias ou quase todos os dias e 79% têm perfil próprio nas redes sociais. No entanto, muitas pessoas não conseguem se desconectar e não admitem que as redes sociais ocupam um bom tempo de suas vidas. Com isso, deixam de viver e desfrutar outras experiências, não melhores ou piores, mas diferentes. Thiago Oliveira, de 32 anos, acessa a internet todos os dias, tanto no trabalho quanto em seu tempo livre. “As coisas que mais consomem meu tempo
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são aplicativos de conversação e pesquisas no Google, porque preciso estudar constantemente devido ao meu trabalho.” Apesar de acreditar que a internet mais ajuda do que atrapalha, Thiago confessa que cultiva alguns maus hábitos. “Geralmente a Internet me causa problemas de sono quando estou fazendo algo e não quero parar antes de terminar. Jogando video game, assistindo uma série, ou estudando um tema”. No entanto, para ele, o problema está no usuário e não na plataforma. “As vantagens que a internet traz ultrapassam de longe os problemas que causam. Os problemas que ela causa, aliás, não são decorrentes da Internet, são problemas decorrentes da minha própria disciplina.” Podemos dizer que o digital, como qualquer tipo de linguagem, tem causado grande impacto nas relações humanas. Para Débora Carneiro, psicóloga na área de saúde mental, o processo de globalização e o avanço da tecnologia fizeram com que as informações ocorressem de forma mais instantânea. “Em uma realidade não muito distante, se quiséssemos nos comunicar com alguém, tínhamos que encaminhar uma carta, mas hoje um familiar ou amigo seu pode estar do outro lado do mundo que, tranquilamente é possível conversar e vê-lo através de uma transmissão de vídeo. Devido a essa facilidade de acesso, as pessoas vivem com pressa e a nossa relação com o tempo vem se estreitando cada vez mais”, comenta.
A experiência digital está preenchendo o espaço do ócio, mas será que precisamos mesmo preencher todo o nosso tempo livre? Débora acredita que o acesso excessivo a informações em um curto espaço de tempo, somado ao ritmo frenético das grandes cidades, podem impactar, a longo prazo, a saúde física, psíquica e social. “Neste aspecto, a importância de se desligar do ambiente externo corresponde a uma forma de o indivíduo estar em contato consigo mesmo, como forma de perceber seus reais anseios e necessidades, e tornar consciente e equilibrado o uso que fazemos das redes sociais ou da tecnologia”, diz. As pessoas ficam tão imersas em seu mundo virtual, que não se desligam um minuto para olhar o que passa à sua volta. Ficamos o tempo todo olhando nossos celulares para ver se alguém mandou uma mensagem no WhatsApp, checando as interações nas postagens no Facebook e publicando abertamente sobre nossas vidas no Twitter. Estamos obcecados pelos likes, comentários, histórias e outras ações possíveis na redes. Parece que a vida se tornou uma eterna barra de rolagem, onde somos bombardeados de informações a todo momento e vivemos para (vi)ver a vida de outras pessoas. Uma pesquisa feita pela Zewzoo, empresa que estuda o mercado de games, aponta que o Brasil é o 4º país com mais jogadores de videogame online no mundo, chegando a 35 milhões de usuários. O comportamento
dos jogadores também é surpreendente. A pesquisa aponta que os jogadores brasileiros passam em média 10,7 horas por semana no vídeo-game. O valor é superior ao tempo de uso da televisão (5,5 horas) e do rádio (4 horas). A internet, no entanto, continua sendo a plataforma mais usada, chegando a 11,3 horas semanais. Para Débora, o sinal de alerta é quando a pessoa passa a negligenciar aspectos da própria vida, deixando de fazer o que é necessário para a manutenção do bem-estar biopsicossocial. “Geralmente, o indivíduo não percebe que está se tornando dependente e visualiza como um hábito apenas. É a partir daí que devem ser acendidos os sinais de alerta para procurar um acompanhamento psicológico/ psiquiátrico”. A psicóloga acrescenta que a melhor forma de criar independência é de maneira gradativa e contínua, principalmente a partir da realização de outras atividades que não estejam diretamente relacionadas ao uso da internet. No entanto, não podemos negar que a internet também é um lugar de lazer e ócio, onde buscamos um momento de alívio, conversando com amigos, lendo, assistindo séries e sendo quem queremos ser. A verdade é que privar-se do uso da internet é loucura, não só porque gostamos de usá-la, mas também porque ela está presente em quase todas as atividades que executamos hoje. Assim, devemos dosar o tempo e a forma de uso, buscando uma vida saudável nos campos real e virtual!
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TEXTO JEFFERSON ROZENO, VIRAJOVEM DE SÃO PAULO (SP) FOTO OSWALDO CORNETI
INTERNET E A FORMAÇÃO DE
NOVAS IDEN T IDADES SEJA PARA O BEM OU PARA O MAL, A INTERNET INFLUENCIA NA FORMAÇÃO DA NOSSA OPINIÃO E IDENTIDADE
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o longo da história, o que entendemos por “identidade” passou por muitas áreas do conhecimento: filosofia, sociologia, história, matemática... E todas procuram explicar, de alguma forma, nossa existência. No entanto, o que todas essas áreas têm em comum, é a percepção de que a nossa identidade está relacionada com o mundo coletivo. E a internet não fica de fora. Nossas identidades estão sempre em construção, é o que afirma Tulio Bucchioni, Mestre em antropologia pela USP. “Uma série de elementos formam a identidade, como o meio em que se vive, as referências culturais e sociais, o contexto histórico e muitos outros fatores”. Para Túlio, estes elementos formadores de identidade podem ser encontrados também na internet. “A internet não está fora do real, ela faz parte da realidade, é um espaço de discussão pública importantíssima atualmente. Nesse sentido, quando estamos online, somos provocados e provocamos mudanças na nossa identidade e na das pessoas com quem interagimos”. E falando em provocação, hoje temos personalidades na internet que têm grande influência na opinião pública! São os
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famosos “digital influencers”, ou influenciadores digitais: blogueiros, instagramers e YouTubers como Whindersson Nunes, Kéfera, Hugo Gloss e Jout Jout. Além do poder provocativo dos influenciadores, a internet possibilitou que qualquer pessoa produza significados a partir dela, seja por meio de um blog pessoal, um canal no YouTube ou uma conta no Twitter. A jornalista Fernanda Sousa, de 22 anos, criou seu canal de entretenimento no YouTube há poucos meses, Entretanto com Fernanda Sousa, onde conta sobre sua relação com meio digital e como isso a ajudou na construção de sua identidade enquanto mulher e profissional. “Eu comecei através do incentivo de outras pessoas que me viam fazendo vídeos em outras plataformas e pediram para que eu criasse o meu próprio canal”.
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Muito se questiona acerca dessa influência e sobretudo se a relação é positiva ou não. “Eu acredito que vale a pena sairmos da ideia de positivo e negativo como categorias excludentes. A internet é os dois!”, afirma Túlio. “O que é inegável é que ela propicia uma democratização no acesso à informação, o que não significa qualidade de informação, mas que, de todo modo, deve ser valorizado”. Seja como seguidor, influenciador ou um simples usuário desta tecnologia, uma coisa é certa: Hoje, a internet possibilita a criação e reprodução de sentidos, o compartilhamento de experiências e a formação de identidades. A questão é como se fazer um uso consciente dela, como aproveitá-la para aprender, para educar e para transformar a sociedade.
TEXTO TULIO BUCCHIONI, DA REDAÇÃO
DE OLHO NA REDE: TODA VISIBILIDADE É POSITIVA? PROTAGONISMO, LIBERDADES INDIVIDUAIS, EXPLORAÇÃO E OPRESSÕES SOCIAIS SE MISTURAM NA REPRESENTAÇÃO ONLINE DE MULHERES NEGRAS E POBRES E DE TRAVESTIS
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e uns anos para cá, com o aumento da importância das redes sociais em nossas vidas, assistimos ao surgimento de novas formas de interação com a internet e presenciamos de maneira mais persistente o protagonismo de conteúdos envolvendo as chamadas “subcelebridades” e “webcelebridades”. Entre memes, gifs e compartilhamentos, convém perguntar: toda visibilidade na rede é positiva? Inês Brasil, uma personalidade eleita como “diva da internet”, é uma mulher negra, pobre, ex-profissional do sexo. Em vídeos e fotografias, a imagem compartilhada de Inês envolve, em geral, uma hipersexualização e comportamentos considerados “inusitados”, “exóticos” e “engraçados”. Sua estética aproxima-se daquela vinculada no imaginário popular a travestis: seios grandes com próteses de silicone, roupas decotadas, bordões e expressões próprias. Se, por um lado, o que os movimentos feministas e LGBTQ vêm nos ensinando nos últimos anos é que a garantia do direito ao corpo envolve a possibilidade e o direito de qualquer pessoa de se sexualizar
sem por isso ser importunada, é certo que, por outro lado, devemos questionar que tipo de representação e visibilidade é produzida – e massificada – quando as personagens centrais são mulheres negras e pobres ou travestis negras e pobres. Ou seja: quais espaços de representação cultural e social e quais imaginários são hegemonicamente vinculados a essas mulheres? O riso e o humor produzidos em um vídeo de Inês Brasil são fruto de sua sagacidade, esperteza e malícia para “sair por cima” de situações embaraçosas e constrangedoras, ou seriam reflexo de uma exotização ou caricaturização de sua figura negra, hipersexualizada e de origem humilde? É difícil chegar a uma resposta precisa, mas é certo que há os dois elementos na resposta de fãs a seus vídeos. E justamente por isso é preciso atenção: nem todo tipo de visibilidade e de representação é positiva e, em que pesem as escolhas individuais, todas as pessoas estão dentro de uma sociedade cuja estrutura é racista, machista, heteronormativa e classista.
Deste modo, se o espaço ocupado em produções culturais e artísticas, em cargos políticos ou profissões de forma geral por mulheres negras, de origem pobre como Inês, ou por travestis profissionais do sexo como a Vanessa - popularizada pelo vídeo em que cobrava vinte reais de um cliente em uma delegacia de política – e Luana Muniz, conhecida pelo bordão “travesti não é bagunça”, ainda é absolutamente restrito, é preciso compreender como desigualdades estruturais do Brasil e preconceitos não se separam do riso atribuído a vídeos e memes que circulam pela internet. Menos do que reduzir Inês, Vanessa ou Luana a figuras unicamente oprimidas, o caminho para compreender a complexidade desses “fenômenos da internet” perpassa lutar para combater todas as formas de exploração e opressão e garantir o direito de que cada pessoa possa tomar suas escolhas de vida sem ter sua trajetória, representatividade e visibilidade limitadas ou ceifadas.
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GALERA REPÓRTER
ATAQUES CIBERNÉTICOS: TEXTO PAULO TANKIAN, KAUANNE SANTOS E THAÍSSA DOS SANTOS, VIRAJOVENS DE SÃO PAULO (SP)
GORDOFOBIA!
A IMPESSOALIDADE E O ANONIMATO NA INTERNET PODEM ENCORAJAR COMPORTAMENTOS AGRESSIVOS E OPRESSORES
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ENTREVISTADA ANALU PITTA
samos tanto a internet que às vezes é difícil encontrarmos algum aspecto negativo, né? Mas infelizmente, nas entrelinhas das redes sociais, existem pessoas que se escondem atrás de perfis anônimos com a intenção de constranger e desmoralizar outros usuários. Assim surgem os ataques cibernéticos.
FOTOS ACERVO PESSOAL
A Revista Viração conversou com a roteirista e feminista Analu Pitta, de 30 anos, que vive entre Minas Gerais e São Paulo. Durante a entrevista, Analu conta sobre sua trajetória e os preconceitos que sofreu e sofre por ser uma mulher gorda.
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NUM ENTENDIMENTO JUDAICOCRISTÃO CLÁSSICO, A GULA É UM DOS SETE PECADOS CAPITAIS E, PORTANTO, UMA DEMONSTRAÇÃO DE FRACASSO MORAL. A SEU VER, CARGAS HISTÓRICAS COMO ESSA FORTALECEM A GORDOFOBIA?
uma coisa super calórica, que é o que as pessoas gordas comem, e nem sempre é assim. Existem pessoas que são magras e vivem de hambúrguer e pessoas gordas que comem salada.
Com certeza, podemos partir do princípio de que essa carga reforça a ideia de que toda pessoa que está acima do peso, se alimenta exageradamente. Mas isso não é verdade, têm pessoas que são gordas porque têm problemas hormonais, ou estão passando por algum problema psicológico, e isso acarreta um ganho de peso. Normalmente as pessoas associam, logo, a pessoa gorda ao acúmulo de comida, tanto é que daí vem aquelas expressões que são bem gordofóbicas, “vou fazer uma gordice”, que seria, vou comer
Então isso tudo tem a ver, só reforça o preconceito e as ideias erradas. E muitas vezes atrapalha. Por exemplo, uma pessoa gorda é prejudicada numa entrevista de emprego e tem estudos que comprovam isso, porque o “estar gordo” é relacionado a você não ter controle. Você come muito, por isso está gordo. E isso não é verdade! Na prática, tem vários vieses. As pessoas são gordas e magras por motivos muito distintos. Esse peso histórico até hoje reflete e reforça vários preconceitos.
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QUAL A DIFERENÇA ENTRE UM ATAQUE PESSOAL E UM ATAQUE CIBERNÉTICO?
A diferença é bem pequena. Mas na internet as pessoas que atacam se sentem mais seguras. Por conta do anonimato, se sentem mais livres para expressar suas opiniões horríveis. É importante reforçar que a base é a mesma, tanto o ataque pessoal, quanto o ataque na internet. Por exemplo, na minha vida, quando eu frequentava a escola no ensino fundamental, eu sempre fui gordinha. E qualquer discussão que tinha com alguém e a pessoa queria me humilhar de alguma forma, era sempre isso que eu ouvia “ah sua gorda, cala a boca”. Porque a pessoa achava que gorda era um xingamento, e aí falava isso para mim. Na internet é a mesma coisa, estou debatendo com alguém no Facebook e a pessoa não está concordando, várias vezes o ataque é esse “ah, o que essa gorda tá falando”. A base é a mesma, uma ideia de que gorda é uma palavra ruim, um xingamento, é uma coisa errada. QUAL O PERFIL DE QUEM SE ESCONDE ATRÁS DE UM PERFIL ANÔNIMO?
Geralmente as pessoas que se sentem à vontade pra fazer isso são pessoas que não diferenciam, na prática, opressão quase que alguma. Eu tento imaginar quem se esconde em um perfil desses, vai atrás de alguém, pra xingar na internet. É uma pessoa branca, normalmente um homem, branco, hétero, que nunca, ou raramente, foi oprimido - por inúmeras questões. Então a pessoa não tem noção do que é aquilo, o que se
sente quando você é oprimido por algo, por conta de uma característica física. Essa pessoa se sente livre porque ela não conhece aquilo, não tem empatia. Na maioria dos casos são pessoas que não sentem a opressão de forma alguma. É POSSÍVEL QUE A PUBLICIDADE SIRVA COMO FERRAMENTA DE DESCONSTRUÇÃO DOS PADRÕES FÍSICOS?
É possível. Hoje em dia tem até surgido uma onda dessa publicidade que expõe os corpos mais reais e tamanhos diferentes. Temos sempre que estar esperançosos com isso, mas com pé lá atrás, porque com a mesma mão que a publicidade faz esse afago, ela também nos dá pedradas constantes. A publicidade reforça valores gordofóbicos. Está começando a surgir uma leva de profissionais mais atentos, mas temos que analisar tudo isso com pé no chão e não achar que vai vir do mercado essa ajuda, mas sim dos coletivos e de pessoas que estão fazendo diariamente essa luta contra a gordofobia. EM RELAÇÃO À GORDOFOBIA, QUAL A DIFERENÇA EM SE SENTIR/ TORNARSE UMA PESSOA EMPODERADA? COMO UMA PESSOA FORTALECIDA PODE AJUDAR/FAZER DIFERENÇA PROS DEMAIS?
Faz toda diferença e aí a internet é crucial. Falando da minha experiência, eu sempre tive dificuldade de usar certas roupas, por acreditar que aquela roupa não era para mim. Sempre falei certas coisas como “quando eu ficar magra eu vou usar tal peça”.
E recentemente ficou famosa a calça pantacourt e eu fiquei muito assim: “ah não vou comprar, porque eu vou ficar horrível”. Só que eu sigo várias meninas que são youtubers, influenciadoras do Instagram, que são gordas. E comecei a vê-las com essa calça, e pensei, elas estão lindas e eu vou usar também, vai ficar bonito. Então criei coragem e usei também. A internet faz toda diferença para você ter ciência da sua beleza vendo outras pessoas que estão cientes da beleza delas. Dessa forma, se tem ciência da beleza do seu corpo e como ele é revolucionário. E com isso você fica mais forte. Lidar com os ataques não é nada fácil, mas você se sente parte de um todo, sabe que você não está sozinha. Isso salva vidas, a pessoa estar empoderada e poder compartilhar para o maior número de pessoas possível, através de um texto, de um vídeo no Youtube... Assisti um vídeo “Tour pelo meu corpo”, da Luiza Junqueira, e você vê uma mulher que é gorda mostrando o corpo dela na internet, o que ela gosta, o que ela não gosta, você sente um alívio. Estávamos assistindo eu e uma amiga, que também é gorda, já passou por várias coisas. E nós falávamos, “nossa dá vontade de só respirar aliviada”. Ver pessoas que conseguiram sair desse lugar de autoestima baixa e de desprezo pelo próprio corpo. Então isso é crucial, a mulher empoderada empoderar outras.
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REMENDO DE QUEBRADA MUITO MAIS QUE APARATOS TECNOLÓGICOS, AS TECNOLOGIAS SOCIAIS CHEGARAM PARA SOLUCIONAR QUESTÕES SOCIAIS E PROMOVER O ACESSO A DIREITOS BÁSICOS
TEXTO JEFFERSON ROZENO, WESLEY MATOS, VITÓRIA SOARES E FLORA BEATRIZ, VIRAJOVENS DE SÃO PAULO (SP) FOTOS ACERVO PANO SOCIAL
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sociedade está em constante evolução, graças às inovações tecnológicas e à utilização de novas práticas e metodologias. É verdade que esses avanços facilitam bastante a nossa vida, gerando oportunidades em diferentes segmentos e facilitando descobertas importantes para a humanidade. Mas o que acontece quando esses recursos não chegam a todos? Pois é, a desigualdade social se reflete também na distribuição e acesso às tecnologias. Segundo o relatório “ICT Facts & Figures 2016”, publicado pela União Internacional de Telecomunicações (UIT), a penetração da internet é de 81% nos países desenvolvidos, de 40% nos emergentes e de 15% nos países mais pobres. No Brasil, entre 2005 e 2015, o percentual de domicílios com conexão saiu de 13,6% para 57,8%, segundo a pesquisa TIC Domicílios de 2015. O aumento
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é significativo, mas se olharmos pra esse número mais de perto, entendemos como ele é desigual. Segundo o IBGE, os dados de 2015 revelam que a conectividade é influenciada diretamente pela escolaridade e pela renda da população. No ano da pesquisa, apenas 32,7% das pessoas com renda menor que um quarto do salário mínimo acessaram a internet, enquanto o índice chega a 92,1% entre os que ganham mais de 10 salários mínimos. Um dos maiores retratos da desigualdade no Brasil são as “quebradas”, zonas geralmente afastadas dos grandes centros comerciais e bairros nobres. Além de extremamente populosas, as quebradas são conhecidas pela falta de assistência do Poder Público e pelo acesso limitado a direitos humanos básicos como educação, saneamento, saúde e tecnologia. É a partir disso, motivados pela necessidade e desamparo,
que os próprios moradores passam a desenvolver técnicas e metodologias transformadoras que representam soluções para inclusão social e melhoria das condições de vida, contemplando as diferentes realidades brasileiras. São as chamadas “tecnologias sociais”, iniciativas eficientes, progressistas e o melhor, criadas pela comunidade e para a comunidade.
TECNOLOGIA SOCIAL: MUITO ALÉM DAS TELAS Podemos chamar de tecnologia social o conjunto de processos, técnicas ou metodologias criadas
com o intuito de solucionar questões sociais e promover transformações que contribuam de forma positiva com o meio em que será aplicado. O termo surgiu na década de 80 e não caiu em desuso, pelo contrário, vem se reafirmando a cada ano. As tecnologias sociais podem ou não estar associadas aos meios digitais e geralmente são desenvolvidas em lugares onde a privação de direitos é uma realidade vivenciada pelos moradores. Têm baixo custo, fácil aplicação e replicação, e contam com diferentes áreas
do conhecimento, solucionando problemas de forma participativa e integral. Um exemplo disso é a Infopreta, empresa que presta Serviços Tecnológicos feito por mulheres. A ideia do projeto começou com a Buh D’ Angelo, fundadora e técnica de manutenção, robótica, eletrônica e automação industrial. O fato de Buh ser uma mulher negra, periférica e não figurar os padrões de feminilidade da nossa sociedade, fez com que as oportunidades de trabalho fossem escassas para ela.
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Para Buh e Danielle Esli Lourenço, também sócia e administradora da InfoPreta, as dificuldades se tornaram fonte de possibilidades. Hoje, a empresa proporciona para mulheres cis e trans, moradoras da periferia e em situação de vulnerabilidade, o acesso facilitado a computadores e à manutenção de seus aparelhos com preços acessíveis. “Os impactos que tivemos na comunidade foi perceber e ver as pessoas correndo atrás dos seus sonhos. Ver uma mulher preta querendo cursar engenharia, enfrentado tudo e fazendo o curso. Ver uma mulher sem condições de comprar um computador novo e consertar o seu PC. São impactos realmente revolucionários porque na área da tecnologia, todas as mulheres são vistas como burras”, conta Danielle. Vale lembrar que as tecnologias sociais vão muito além de tecnologia em si. Um exemplo disso é o Grupo Carteiro Amigo, empresa carioca que nasceu da ausência de um serviço básico na favela da Rocinha: receber correspondências. “Começamos a identificar que a maioria das pessoas tinham essa necessidade e não recebiam correspondências em casa. A partir daí, surgiu a ideia de criar um projeto que pudesse entregar correspondências nas casas das pessoas”, conta Sila Vieira Da
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Silva, um dos criadores do projeto. “Pensamos em um nome fácil, procuramos espaço, uniforme, e colocamos a mão na massa”.
combater o estigma atribuído a ex-detentos, que enfrentam discriminação e resistência no mercado de trabalho.
Hoje, além de oferecer o serviço de entrega e recebimento de correspondências, o Carteiro Amigo gera oportunidades de renda e qualidade de vida. “Com o passar dos anos, a gente notou que estava dando a condição dessas pessoas terem acesso ao mundo através da internet e comprar mercadorias por um preço bem menor. Fora as cartas de ENEM que a pessoa passa a receber, cartas de escola pública... porque para se matricular a carta tem que chegar em casa. Então, tudo isso acabou gerando um impacto social e também ajudando a pessoa se globalizar”.
“A ideia nunca foi criar uma marca de moda e depois debater se seria sustentável ou não. Em primeiro, veio a sustentabilidade e a intenção de atuar socialmente e depois a gente casou isso com esse ramo de atuação”, conta Gerfried. Além de expandir o espaço físico das oficinas de costura, a empresa também objetiva levar essas oficinas para as periferias, gerando emprego e fonte de renda nas comunidades.
Outra iniciativa de tecnologia social que não se refere às tecnologias informatizadas é o projeto Pano Social, que oferece oportunidades de emprego a ex-detentos na confecção de roupas, utilizando-se de matériaprima ecológica e de processos produtivos sustentáveis. A empresa nasceu da frustração do austríaco Gerfried Gaulhofer com a cobertura midiática sobre a criminalidade exacerbada no Brasil e tem como objetivo
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Exemplos como a Infopreta, o Carteiro Amigo e a Pano Social, mostram que a tecnologia social vai muito além da tecnologia da informação. São muitas as formas de criar, investir e implementar tecnologias sociais nos mais diversos cenários: na sua quebrada, escola, praças e até hospitais do seu bairro. O importante é identificar os problemas existentes, cobrar dos responsáveis e botar a mão na massa!
NO ESCURINHO
TEXTO SÉRGIO RIZZO, JORNALISTA E PROFESSOR
BLACK
IMAGEM DIVULGAÇÃO
UM ESPELHO SOMBRIO DA NOSSA REALIDADE
Q
uer olhar de um outra forma para o seu smartphone, para os seus perfis nas redes sociais e, de modo mais amplo, para a presença cada vez maior da tecnologia - e das “muletas” que ela proporciona - no seu cotidiano? Experimente navegar por Black Mirror, a série inglesa cultuada em muitos países. Em cada episódio, somos confrontados por provocações incômodas. Ambientadas em um futuro indeterminado, mas bem próximo do nosso presente, as tramas propõem situações em que a tecnologia - responsável pelo desenvolvimento de aparelhos, sistemas e novas formas de relacionamento social - aprofundou traços comportamentais que já testemunhamos no dia a dia. O primeiro episódio de Black Mirror foi ao ar, discretamente, em 4 de dezembro de 2011, no Reino Unido. Com o título O Hino Nacional, aborda a política em tempos de redes sociais, de vídeos que se tornam virais e
MIRROR
de reputações que rapidamente chegam ao esgoto. Na trama, o sequestro de uma integrante da família real britânica complica terrivelmente a vida do primeiro-ministro inglês. Uma crise situada no amanhã, mas que bem poderia ocorrer hoje; os “ingredientes”, digamos assim, já estão disponíveis, sobretudo a fascinação de tantas pessoas por acompanhar histórias escabrosas pela internet e por emitir julgamentos a respeito de tudo e de todos. Os outros dois episódios da primeira temporada foram ao ar nas semanas seguintes, ainda em 2011, e ajudaram a formatar um universo peculiar, muitas vezes assustador. Criada pelo inglês Charlie Brooker e hoje disponível no Netflix, Black Mirror compreende apenas 19 episódios distribuídos por quatro temporadas, a última delas lançada com pompa e circunstância internacionais no final de 2017.
Cada episódio equivale a um telefilme, com personagens e tramas independentes um do outro. É possível entrar em Black Mirror a partir de qualquer episódio e assistir a eles em ordem aleatória. Podese começar, portanto, pelos seis episódios da quarta temporada, que nos levam a temas como programas de encontros que se propõem a encontrar o “par perfeito”, implantes cerebrais que permitem a mães monitorarem seus filhos, realidade virtual e resgate de memórias que se julgavam perdidas. O melhor caminho, no entanto, é mesmo iniciar a jornada por O Hino Nacional (aproveite que estamos, no Brasil, em ano de eleições) e prosseguir, na sequência correta, por histórias que equivalem a uma poderosa lente de aumento lançada sobre o mundo em que já vivemos.
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IMAGENS QUE VIRAM
NOVAS LUZES SOBRE O ROSTO
TEXTO E FOTOS WEBERT DA CRUZ, VIRAJOVEM DE BRASÍLIA (DF)
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Luz refletida em olhares atentos na pele, na roupa ou em lentes de grau uma geração conectada atenção total dedos inquietos vibra uma nova era emergente em abas, abas, abas uma realidade virtual real realidade da solitude ou da integração? você escolhe e aprende a bom senso possibilidades que solicitam cuidado e criatividade com novas luzes sobre nossos rostos alem do sol e das estrelas, também no bolso ou na área de trabalho
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TEXTO ARACIELE KETZER, VIRAJOVEM DE SANTA MARIA (RS)
CONEXÃO EM
SALA DE AULA POTENCIALIDADES E DESAFIOS DAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NA EDUCAÇÃO
ILUSTRAÇÃO FREEPIK câmeras fotográficas e fílmicas, televisão, computadores, rádio etc. Como bem sentimos em nosso dia a dia, tudo isso está revolucionando a sociedade. Setores como economia, indústria, comércio, mídia e, principalmente, a educação, estão cada vez mais imersos neste mundo, o que faz o tema ser tão importante para ser discutido por todos nós, especialmente pelos jovens.
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ocê já assistiu à série Black Mirror? Sim? Pois é, não é exagero pensar que em um dia não muito distante o cenário apresentado nessa ficção seja a nossa realidade. A tecnologia é cada vez mais onipresente em nosso dia a dia, principalmente as chamadas Tecnologias da Informação e Comunicação, ou TICs – termo que você já deve ter ouvido falar. De forma geral, as TICs podem ser compreendidas como recursos tecnológicos que potencializam
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a comunicação na sociedade. Seu desenvolvimento está associado ao período da década de 70 – na chamada Terceira Revolução Industrial que floresceu após a Segunda Guerra Mundial – com especial ascensão nos anos 90, a partir da introdução da internet no mercado. Mas atenção, falar em TICs, não é apenas falar em internet, afinal, a rede é apenas um item, muito importante por sinal, de um conjunto de recursos, como hardwares e softwares, celulares,
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Ao olharmos para essa conjuntura, muitas dúvidas surgem e devem ser colocadas em pauta, para que nos apropriemos de forma crítica deste contexto. Por que, apesar desse cenário em que vivemos, em algumas escolas não é possível usar o celular em sala de aula? Por que a maioria dos livros didáticos são impressos, sendo que há tantas outras ferramentas online, mais econômicas e sustentáveis, que poderiam ser adotadas? Faz parte da formação de professores, disciplinas que discutem o uso de tecnologias? A inclusão digital no Brasil é uma realidade ou um sonho? E a alfabetização digital tanto no sentido de saber usar a tecnologia, quanto de ser crítico em relação a ela - é um fato ou é discurso? É nítida as potencialidades das TICs no desenvolvimento dos sistemas de ensino no Brasil. A Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), por exemplo, que é parceira do Ministério da Educação nas discussões e práticas sobre TICs na educação, defende que a inserção de tais tecnologias no processo de aprendizagem são um caminho à democratização da educação de qualidade, enquanto um direito de todos e todas, e à construção de um ensino mais horizontal e comunicativo. Além disso, a Unesco sugere que três fatores sejam levados em conta quando pensamos neste assunto: “Primeiro, as TICs são apenas uma parte de um contínuo desenvolvimento de tecnologias, a começar pelo giz e os livros, todos podendo apoiar e enriquecer a aprendizagem. Segundo, as TIC, como qualquer ferramenta, devem ser usadas e adaptadas para servir a fins educacionais. Terceiro, várias questões éticas e legais, como as vinculadas à propriedade do conhecimento, ao crescente tratamento da educação como uma mercadoria e à globalização da educação face à diversidade cultural, interferem no amplo uso das TICs na educação”. Raquel Scremin, produtora editorial e pesquisadora das tecnologias educacionais em rede, afirma que as TICs favorecem a autonomia e a motivação no ensino e aprendizagem e proporcionam que o conhecimento seja construído a partir das habilidades do aluno. “As TICs auxiliam o professor a ver o perfil e trocar experiências com os alunos e melhor atender a cada um, um exemplo prático são os ambientes virtuais de
aprendizagem que podem ser utilizados tanto para ensino a distância quanto para apoio no ensino presencial”. Além disso, para ela, um dos processos fundamentais é a formação relacionada ao uso e apropriação das TICs segundo a realidade de cada comunidade. Um caminho para conhecermos melhor este cenário e buscarmos respostas para as perguntas citadas é também através das estatísticas. Pensando no contexto da educação básica, por exemplo, de acordo com o Censo Escolar de 2016, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), no país há cerca de 150.000 escolas públicas (rurais e urbanas). Entre essas, 62% tem acesso à internet e apenas 42% à banda larga, com um total de 1.067.947 computadores disponíveis aos estudantes. Além disso, só 43% das instituições possuem laboratórios de informática. Ou seja, já com esses dados, podemos constatar que ainda há muito a ser investido para que haja um serviço de internet eficiente a toda comunidade escolar no país, o que é um passo importante à inclusão digital. O mesmo Censo traz dados sobre outros itens relacionados à tecnologia presentes nas escolas, tais como: aparelho de DVD (74%), impressora (66%), antena parabólica (24%), máquina copiadora (40%), televisão (79%), e apenas 29% possuem retroprojetor, um dispositivo fundamental para o trabalho com vídeos, por exemplo, para aulas mais dinâmicas.
CONHEÇA AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE INSERÇÃO DAS TICS NA EDUCAÇÃO O Estado vem tentando trabalhar pela inserção das TICs na Educação. É bacana conhecermos algumas das políticas públicas implementadas pelo Ministério da Educação. ProInfo Integrado: Programa de formação voltada para o uso didático-pedagógico das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) no cotidiano escolar, articulado à distribuição dos equipamentos tecnológicos nas escolas e à oferta de conteúdos e recursos multimídia e digitais oferecidos pelo Portal do Professor, pela TV Escola e DVD Escola, pelo Domínio Público e pelo Banco Internacional de Objetos Educacionais. Programa Banda Larga na Escola: Tem como objetivo conectar todas as escolas públicas à internet, por meio de tecnologias que propiciem qualidade, velocidade e serviços para incrementar o ensino público no país. Essas conexões inicialmente serão mantidas de forma gratuita até o ano de 2025.
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Banco Internacional de Objetos Educacionais: Repositório que tem o propósito de manter e compartilhar recursos educacionais digitais de livre acesso, mais elaborados e em diferentes formatos - como áudio, vídeo, animação, simulação, software educacional - além de imagem, mapa, hipertexto considerados relevantes e adequados à realidade da comunidade educacional local, respeitandose as diferenças de língua e culturas regionais. Programa um computador por aluno (PROUCA): Tem o objetivo de promover a inclusão digital pedagógica e o desenvolvimento dos processos de ensino e aprendizagem de alunos e professores das escolas públicas brasileiras, mediante a utilização de computadores portáteis, os “laptops educacionais”. Programa Universidade Aberta do Brasil (UAB): Busca ampliar e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação superior, por meio da educação à distância. A prioridade é oferecer formação inicial a professores da educação básica pública, mas que ainda não se graduaram, além de formação continuada aos já graduados.
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Apesar do esforço do Estado em trabalhar pela inserção das TICs na Educação, é. interessante observar que a maioria das políticas públicas voltadas para esta temática foram decretadas a partir de 2008, ou seja, 10 anos atrás, e que ainda há muitos desafios, planejamento e investimentos a serem realizados para tais políticas contribuírem de forma mais assertiva no contexto de ensino brasileiro. É o que afirma Natalina Hernandes, professora do ensino básico há cerca de 20 anos, atualmente lecionando em uma escola municipal de Inhacorá, no interior do Rio Grande do Sul. “As tecnologias são sim uma aliada ao processo de ensinoaprendizagem. Com base em minha experiência diária com os alunos percebo o quanto nossos métodos estão defasados, o quanto precisamos inovar. Contudo, avalio que apesar das políticas públicas existentes, elas não estão sendo bem planejadas e sua execução final, no contexto da escola, acaba sendo ineficiente. Muitas instituições não têm acesso às TICs e quando têm há lacunas – têm laboratórios de informática, mas falta equipe para gerir; estraga um equipamento, não tem verba para conserto; professor tem acesso à retroprojetor, mas não sabe manuseá-lo, falta formação... Logo, tais recursos ficam trancados em uma sala de aula”. Natalina afirma também que o planejamento em torno das TICs na educação, deve caminhar junto com outras estratégias de reformas e investimentos no sistema de ensino brasileiro (em relação à
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infraestrutura, currículo, salários, segurança), defasado há décadas. Luciano Becher, estudante do 9º ano em uma escola pública de Santa Maria, região central do Rio Grande do Sul, considera que ainda estamos bem longe de uma igualdade social quando falamos de tecnologia, “Visito muitas escolas, me alegra saber que em outras instituições de ensino público existem espaços para acontecer as TIC’s, mas não são todas. Precisamos que todos tenham a mesma oportunidade, que todos tenham celular, notebook, computador, tablet...” Para Luciano, a tecnologia é uma aliada na construção de uma “escola democrática, livre e emancipadora”. Além disso, ele relembra a importância das próprias ocupações de escolas públicas realizadas pelos estudantes secundaristas entre 2015 e 2016, onde essa realidade foi colocada em pauta: o interesse dos estudantes por outras metodologias de ensino, que dialoguem com seus mundos, cada vez mais conectados com a tecnologia. E claro, é sempre bom realçar, que as TICs devem ser vistas como um instrumento a mais ao contexto de ensino, que contribua na constituição de uma educação libertadora, crítica, que forme cidadãos para estar “com o mundo” e não apenas “no mundo”, enquanto sujeitos de sua própria história, como defendia o educador Paulo Freire.
TELEFONE
SEM FIO
QUAL É O CAMINHO PERCORRIDO PELAS INFORMAÇÕES QUE VOCÊ TROCA NA INTERNET?
TEXTO JEFFERSON ROZENO, VIRAJOVEM DE SÃO PAULO (SP)
ILUSTRAÇÕES FREEPIK
O WhatsApp permite o envio e recebimento de mensagens de texto e EMISSOR multimídia através do sistema + de conversação em tempo real. CHAVE Emissor: Alguém que emite a mensagem. Pode ser uma pessoa, um grupo, uma empresa ou uma instituição. Mensagem: Podendo conter até 500 caracteres, a mensagem é o conteúdo da MENSAGEM conversação em tempo real. O WhatsApp é livre de qualquer censura! Criptografia: Depois de enviada, a mensagem é criptografada (recebe códigos CRIPTOque a torna ilegível). A GRAFIA criptografia de ponta-a-ponta assegura que somente você e a pessoa com que você está se comunicando possam ler o que é enviado. É como se as mensagens estivessem DESCRIPTOGRAFIA trancadas por um cadeado e somente você e o destinatário têm a “chave” para abri-lo. Descriptografia: Assim que chega ao destino final (seu contatinho) a mensagem é descriptografada, ou seja, ela volta a ser legível. USUÁRIO Usuário final: Agora que a FINAL mensagem foi recebida pelo + destino final, ela está pronta CHAVE para ser visualizada (ou ignorada) e respondida. Assim, o ciclo se repete.
No Facebook, rede social mais popular do mundo, é possível criar e compartilhar conteúdo, incluindo nossos queridos memes. Emissor: Alguém que emite a mensagem. Pode ser uma pessoa, um grupo, uma empresa, ou uma instituição. Mensagem: Pode conter até 2 mil caracteres (textão garantido), mas o ideal é que não passe de 480 caracteres pra que não fique escondido no “ver mais”. O Facebook permite criar postagens com imagens, áudios, links externos e vídeos. Algoritmo: O algoritmo do Facebook é um recurso utilizado para determinar o que aparece primeiro no seu feed. Estima-se que um usuário médio tenha acesso a pelo menos 1.500 posts diários mas que, no final, presta atenção em apenas 20% disso. Boa parte desses fatores leva em conta não apenas os interesses do usuário, mas o seu comportamento na rede: quanto tempo permanece em determinado tipo de postagem, o uso dos recursos disponíveis e a interação com amigos. Essa ação é conhecida como
“filtro bolha”, ou seja, o Facebook mostra aquilo que ele considera interessante para você, podendo excluir muitas outros conteúdos… isso é muito Black Mirror. Usuário final: A partir do momento em que o algoritmo é acionado e selecionado, o usuário final recebe o conteúdo e pode interagir com o seu post. Vale lembrar que um fator definitivo para o alcance de postagens de páginas oficiais depende de publicidade, ou seja, quanto maior o investimento em anúncios no Facebook, maior é o número de pessoas atingidas. Parece democrático pra você?
EMISSOR
MENSAGEM
ALGORITMO
FILTRO
USUÁRIO FINAL
_________________ https:// marketingdeconteudo. com/algoritmo-dofacebook/
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VOCÊ JÁ OUVIU FALAR EM TEXTO JEFFERSON ROZENO E MARIA SOARES, VIRAJOVENS DE SÃO PAULO (SP)
PEGADAS DIGITAIS ? O QUE VOCÊ FAZ ONLINE FICA REGISTRADO PARA SEMPRE, ENTENDA PARA ONDE VÃO SEUS DADOS E COMO NAVEGAR DE FORMA MAIS SEGURA
Ao longo de nossas vidas, deixamos marcas e rastros de nossa existência. Álbuns de fotos, cartas, pegadas na areia da praia, lixo que descartamos, coleções de livros, impressão digital e por aí vai. Agora, imagine estes rastros em uma escala muito maior e além do mundo “físico”. Estamos falando de “foot print”, ou “pegada digital”. A pegada digital é o registro de nossas atividades na internet, que vai desde uma foto publicada há muitos anos, ou um simples textão no Facebook, até o histórico de localizações no seu GPS - seria um episódio de black mirror? Em todos esses acessos deixamos pegadas, rastros que permitem sermos identificados. E eles dizem MUITO sobre nós! Um volume expressivo de rastros das nossas ações é gerado e registrado, constituindo imensos arquivos sobre nossas preferências, hábitos, lugares que frequentamos, ou seja, nossos modos de vida. O problema é que esses rastros digitais vêm sendo apropriados - e até comercializados - por diversos campos: vigilância, entretenimento, publicidade... Quem nunca se deparou com
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um anúncio publicitário de um produto que acabara de pesquisar? Segundo Rodrigo Nejm, diretor da SaferNet Brasil, Organização Social que atua na pesquisa e prevenção de crimes na internet, existem dois tipos de dados que podem se tornar pegadas: “Os dados públicos, que é quando a própria pessoa divulga e torna pública uma informação, e os dados privados, que são retirados de cadastros, documentos e conversas privadas”, explica. Grandes empresas como o Google, o Facebook e o Yahoo são campeãs em armazenamento de dados e isso não acontece por acaso, elas são recordistas de acesso e juntas somam bilhões de usuários. A pergunta é: será que os usuários estão conscientes de que deixam suas pegadas por aí? A responsabilidade das plataformas quanto aos registros de conteúdo são mínimas, a única coisa exigida é que elas tenham um espaço para que o usuário denuncie qualquer forma de discriminação, agressão e afins. No entanto, segundo Rodrigo, mesmo depois de registrada a denúncia, a única instituição
autorizada a exercer qualquer tipo de punição é a polícia e o Estado. Sobre os danos que podem ser causados, Rodrigo acrescenta: “O uso criminoso de qualquer um desses registros pode gerar consequências como golpes, falsa identidade, extorsão de conteúdo íntimo entre outros.” Segundo Rodrigo, existem algumas áreas em que é possível monitorar o que se está deixando de vestígio digital, mas é muito difícil apagar informações do Google. Você pode até tentar configurar, mas apagar totalmente é quase impossível.
O ARMAZENAMENTO DE DADOS É ILEGAL? O Marco Civil da Internet estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. O artigo 8º, garante o direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações e é condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet. No entanto, a partir do momento em que deixa brecha para diferentes interpretações, a coisa muda de figura. Quando realizamos nosso elo de vínculo com essas plataformas, como um e-mail ou uma ficha de inscrição, somos apresentados ao “Termo de uso e política de privacidade”, um conjunto de regras e permissões para o uso deste “serviço” - o que, cá entre nós, poucas pessoas realmente leem. Só no final vemos o botão ou uma caixa de seleção com os dizeres “li e concordo”, ou “discordo”. Acontece que, conscientemente ou não,
aprovamos o armazenamento dos nossos dados tornando a prática legal. Então, passa a ser responsabilidade dos pais e do governo orientar as crianças e essas famílias na forma certa de usar internet, conta Rodrigo. “Pode ser encarado como uma violação dos Direitos da Criança o fato dela estar exposta a todos os problemas que a Internet traz, com a sua dimensão e o seu acesso a diversos tipos de conteúdo, porém também pode ser encarado como uma violação o fato de tirar isso da criança. ” Enquanto usuário, é importante estarmos atentos aos nossos direitos e sobretudo conscientes da importância de nossos dados que, em mão erradas, podem nos comprometer.
EXPOSIÇÃO E A NOVA GERAÇÃO Hoje, temos uma geração que nasceu na era digital e, portanto, suas pegadas digitais estão registradas desde muito cedo, por meio das redes sociais dos pais e familiares. Laura Gutsche, mãe de um menino de 4 anos e uma menina de 1 ano, tem o costume de compartilhar fotos de seus filhos em sua conta no Instagram. “Eu compartilho por orgulho mesmo! Coisa de mãe babona que quer mostrar toda a fofura dos filhos para os amigos e familiares.” Embora compartilhe fotos, Laura defende o compartilhamento consciente. “Posto fotos que não afetam a segurança deles, por exemplo, não coloco fotos deles usando uniforme e também não coloco a localização nas postagens
onde eles aparecem, entre outras medidas de segurança.” Quando questionado sobre as possíveis violações e a responsabilização dos pais perante a exposição dos filhos, Rodrigo Nejm alerta: “A exposição das crianças não é necessariamente um ato criminoso, os pais querem compartilhar experiências e sua relação com os filhos. A questão principal é noção de cuidado que esses pais devem ter. Se a criança for exposta a violência, humilhação ou alguma exposição vexatória, aí passa a ter outro sentido. Existem casos, por exemplo, no YouTube, em que os pais foram responsabilizados legalmente pela exposição forçada dos filhos [...] O que vale é o bom senso, o bom senso é a melhor medida” diz Rodrigo, afirmando ser importante envolver a criança no processo de decisão. “Vale a pena perguntar para a criança, a partir do momento em que ela atinge determinada idade, se ela se sente confortável ou não com essa exposição. Não se pode subestimar a autonomia da criança.”
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INTERNET, UMA TEXTO MARIA CAROLINA CABRAL E LUCIANA CARDOSO, VIRAJOVENS DA JORNALISMO JR., EMPRESA JÚNIOR DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES DA USP
T ERRA SEM LEI ? DE TERRA SEM LEI À CONSTRUÇÃO PARTICIPATIVA DE DIREITOS E DEVERES
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ideário de a internet ser uma “terra sem lei” vem da “Declaração da independência no ciberespaço”, onde John Perry Barlow defende a ideia de um espaço sem fronteiras e sem leis. Depois da publicação do texto em 1995 muita coisa mudou, inclusive na propagação de direitos e deveres na rede. O Brasil, quarto país no ranking de países conectados à internet, conta com leis que se destacam tanto pelo conteúdo quanto pelo processo pelo qual foram construídas. Aqui, a legislação que rege toda a conduta online é o Marco Civil da Internet, Lei 12.965/2014. De acordo com Rafael Zanatta, pesquisador de telecomunicações do Instituto Brasileiro do Consumidor (Idec), o documento foi construído a partir da participação popular. Através de sites de consulta pública, a sociedade civil deu sugestões de como deveria ser a regulamentação. “O Marco Civil foi criado diferentemente do
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mecanismo tradicional de como uma lei é aprovada. É uma lei que foi construída democraticamente e foi uma vitória tremenda dos usuários, dos cidadãos e de quem se envolveu”, diz. Zanatta explica ainda que o Marco foi criado com base em alguns pilares essenciais para garantir os direitos no espaço virtual:
1) LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO USO DA INTERNET: É proibida a censura ou qualquer ato que impeça a liberdade de expressão.
2) DIREITO À PRIVACIDADE E À PROTEÇÃO DOS DADOS PESSOAIS: Garante a liberdade e sobretudo a segurança do usuário e de seus dados.
3) NEUTRALIDADE DE REDE: Baseia-se no princípio de que todas as informações que trafegam na rede devem ser tratadas da mesma forma, navegando à mesma velocidade, garantindo o livre acesso a qualquer tipo de conteúdo.
4) RESPONSABILIDADE DOS INTERMEDIÁRIOS: Atribui aos provedores a responsabilização intermediária por crimes cibernéticos.
5) DIREITO SOCIAL DE CONEXÃO À INTERNET: O acesso à Internet é um direito humano básico e é essencial para o exercício da cidadania.
Apesar dessas vantagens, um aspecto gerou muita polêmica: a neutralidade de rede. Esse pilar diz que o provedor de internet não pode priorizar um site em detrimento de outro e isso é algo que não é cumprido no Brasil. É muito comum vermos as operadoras oferecendo planos em que certo aplicativo não é descontado da franquia, por exemplo, prática conhecida como Zero Rating. Uma pesquisa feita pela Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social - em parceria com a organização chilena Derechos Digitales em 2017, identificou práticas comuns e preocupantes na América Latina. “Além da prática do zero rating, identificamos pouca transparência em relação a quais são as práticas de gerenciamento de tráfego que as operadoras adotam”, explica Veridiana Alimonti, advogada e pesquisadora do Intervozes.
O Marco Civil da internet dialoga também com outras leis regulatórias, como a Lei Geral das Telecomunicações, que disciplina esses serviços no país. Veridiana explica que, embora seja muito polêmico, o Marco contribui para garantir a internet como um direito de todos, protegendo-a dos interesses das grandes empresas para a privatização do setor. Outro desafio é a oposição das empresas de tecnologia e da indústria de propriedade intelectual, que controlavam o tráfego e os downloads e uploads antes da existência do Marco. Desde que ele foi aprovado, o documento tem sofrido ameaças por parte dessas empresas e de alguns políticos, que tentam modificar a lei de forma a flexibilizá-la e até derrubá-la.
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TEXTO ANDRÉ ROMANI E TAÍS ILHÉU, VIRAJOVENS DA JORNALISMO JR., EMPRESA JÚNIOR DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES DA USP ILUSTRAÇÕES FREEPIK
TUDO O QUE VOCÊ PRECISA SABER SOBRE BOT S
COMO ELES ESTÃO MUDANDO O JEITO DE FAZER NEGÓCIO, POLÍTICA, COMUNICAÇÃO E MUITO ALÉM
P
odemos estar ainda longe da era imaginada pelos Jetsons, animação de Hanna Barbera, em que carros voariam e todos trabalhariam apenas uma hora por dia, mas pouca gente poderia prever um fenômeno que se tornou recorrente nos últimos anos. Conversas em chats do Facebook, serviços de atendimento ao cliente e até discussões sobre política no Twitter: tudo protagonizado por robôs ou, como se tornaram conhecidos, os bots. Distante da imagem que geralmente temos em mente de como seria um robô, este não tem uma estrutura física, mas digital. Ele nada mais é do que um programa de computador, criado para realizar tarefas antes realizadas por seres humanos. As vantagens são inúmeras, dependendo da aplicação. O tempo é poupado, as tarefas otimizadas e o custo é infinitamente menor, tanto para as empresas que os aplicam quanto para quem usufrui deles. O projeto do profissional de e-commerce Rafael Topera, de 35 anos, mostrou as diferentes
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funcionalidades que se pode atribuir aos bots. Ele criou, durante seu mestrado em hipermedia, um bot que buscava e disponibilizava informações sobre o cardápio do restaurante universitário da USP em São Carlos. O sistema funcionava em algumas etapas: “Você mandava uma mensagem falando ‘bandejão’ ou ‘bandeco’ e o servidor de mensagens instantâneas enviava para o Google. O Google mandava pro bot, o bot acessava o sistema da USP para ver o cardápio e retornava a resposta para o usuário”, explica Rafael, afirmando ainda que este é um bot mais simples e sem muitos recursos.
UM UNIVERSO DE POSSIBILIDADES Assim como são diversas as atividades que um bot pode executar — de acordo com Rafael, todas que um ser humano poderia executar usando um computador — mais sofisticadas ainda são as maneiras pelas quais ele pode fazêlas. Hoje, muitos dos recursos para construção de bots são dignos de filmes futuristas.
O processamento de linguagem natural é um dos mais comuns. É o que o assistente do Google utiliza, por exemplo, para entender quando dizemos “ok Google” e pedimos uma busca por meio do áudio — embora o processamento seja válido também para texto. Um outro conceito importante no universo dos bots e também presente no assistente do Google é o de “sessão”. Muitos bots são configurados para reter informações referentes apenas ao período isolado em que realizaram aquela tarefa. Não é o que acontece no caso do assistente do Google, por exemplo, que consegue reter informações de uma sessão e utilizá-la no futuro. Assim, se você diz para ele uma informação como o seu endereço e encerra a sessão, em sessões futuras ele se lembrará desse dado. Serviços de telemarketing e de atendimento ao cliente, por outro lado, costumam fazer uso da árvore de decisão em seus bots. O nome já é bem intuitivo: o bot te dá algumas opções, geralmente enumeradas, e você escolhe por onde seguir dizendo um número. Ele então é orientado por suas escolhas. Já os recursos mais elaborados aproximam as capacidades e o comportamento do bot ao de um ser humano. A presença ou não do “recurso de estado” nos robôs funciona como o uso da memória de curto prazo nos humanos. Imagine que você esteja usando um aplicativo para consultar a previsão do tempo. Se você pergunta “qual a temperatura de São Paulo?”, o bot retornará com a resposta. Se em seguida
você diz “e a chance de chuva?” e ele te retorna com a chance de chuva em São Paulo, é porque ele conta com o recurso de estado. Do contrário, ele não teria memória e não saberia que na segunda pergunta, assim como na primeira, você se referia àquela cidade. Dizer que um bot tem “estado”, no entanto, não é o mesmo que dizer que ele tem capacidade de aprendizado, recurso conhecido como “Machine learning”. Isto porque, de acordo com Rafael, existe uma diferença entre aprender com uma pessoa e com várias. Quando o bot possui “machine learning” ele é capaz de reunir informações vindas de diversas fontes e construir um conhecimento sobre aquele assunto, diferente de simplesmente apreender o contexto em uma conversa. Apesar de todos os recursos disponíveis e do aprimoramento da inteligência artificial, Rafael considera importante enfatizar que, longe do Exterminador do Futuro, não estamos criando robôs com inteligência humana e consciência, mas que meramente reproduzem nossos comandos.
USO NA POLÍTICA E LEGISLAÇÃO Nos últimos anos aconteceram importantes e controversos marcos políticos no mundo, como as disputas presidenciais americana e brasileira, o golpe no Brasil e a votação do Brexit. Para além dos desdobramentos surpreendentes, estes eventos tiveram outra coisa em comum: a utilização de bots. É neste ponto que começa a polêmica sobre o assunto. Um estudo da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV (DAPP/FGV), denominado Robôs, Redes Sociais e Política no Brasil, mostra que eles já vêm sendo utilizados em diversos momentos importantes na política nacional, como as manifestações pró e contra impeachment, os debates presidenciais e a aprovação de projetos controversos, como a reforma trabalhista. Mas o que os bots de fato fazem? Os bots, ao mando de seus programadores, simulam pessoas reais, com contas nas redes sociais como o Twitter e o Facebook. Tal recurso pode ser usado para diversos fins como, por exemplo, inflar opiniões. Para isso, cria-se uma rede de bots que posta, curte e compartilha diversos conteúdos, fazendo quem está de fora pensar que determinada linha de pensamento é mais bem aceita pela população do que outra, o que ajuda no
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convencimento dessas idéias, principalmente se discutíveis ou falsas. Marina Pita, coordenadora do coletivo Intervozes — organização que discute o direito à informação, a pluralidade e diversidade nos meios de comunicação —, comenta que o grande conflito nesse caso é o fato de as pessoas não saberem que se trata de um bot. No entanto, de acordo com ela, o uso dessa ferramenta na política não é necessariamente ruim. ‘’A bot feminista, a Beta, é uma robô que te alerta no Facebook quando tem um projeto de lei para ser aprovado que vai contra os direitos sexuais e reprodutivos, ou quando precisa de uma mobilização das mulheres em torno de uma causa’’. Um outro exemplo de bot que divulga informações de relevância pública é Rosie, que usa sua conta no twitter para alertar sobre os gastos indevidos de deputados federais. Mas e aqueles que fazem e movimentam a política tradicional, o que pensam deste recurso? Em março de 2017, a Cambrigde Analytica, empresa que participou das campanhas de Ted Cruz e Donald Trump, firmou parceria com um escritório no Brasil, já de olho nas eleições deste ano. Ela parte da análise comportamental de dados da população para montar uma campanha. André Torreta, representante da empresa no Brasil e fundador da Ponte, nacional que se juntou à Cambrigde, explica, assim como Marina, que a questão principal não é a ferramenta, mas como ela é usada. “O autor do crime é o
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criminoso, não a ferramenta. Se alguém utiliza uma ferramenta para o crime, tem que se punir a pessoa”. Em março deste ano, André decidiu não renovar o contrato com a Cambridge depois dos jornais The New York Times e The Guardian denunciarem a empresa por ter feito uso ilegal de dados privados dos usuários do Facebook durante a campanha de Trump. A legislação em torno dos bots e a penalização para quem faz uso indevido dessas ferramentas é complicada. Levando em conta apenas o uso político, para inflar opiniões, ainda não existe no país algo que o regule. A reforma política realizada em 2017 estabeleceu algumas regras nas quais os bots podem ou não se encaixar, como a proibição do uso de ferramentas digitais para “alterar o teor ou a repercussão de propaganda eleitoral”, mas em momento algum eles são explicitamente citados e há muito espaço para interpretação.
NOTÍCIAS FALSAS, ROBÔS VERDADEIROS Em relação aos que são utilizados para disseminar fake news (notícias falsas) a situação é diferente. De acordo com a análise do Buzzfeed News, as notícias falsas tiveram mais alcance que as verdadeiras nas eleições americanas. Dessa forma, para barrar sua influência e credibilidade, surgiram diversas
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agências de fact-checking (checagem de informações), que analisam a partir de checagem quais notícias têm ou não procedência verdadeira. Legalmente, contudo, apenas certas emendas do Marco Civil agem para tirá-las do ar a partir do acionamento jurídico. Tramitam também no parlamento projetos de lei que visam a criminalização das fake news com aplicação de multas, mas a responsabilidade de quem define ou não o que é uma notícia falsa continua gerando impasse. “Uma ferramenta é muito boa se o outro não a tem. Qual é o problema do bot: todo mundo tem. Então é o que a gente chama de correlação de forças, eu tenho e você tem, empatamos o jogo”. Torretta complementa dizendo que acredita na influência da ferramenta, mas ela será “muito menor do que as pessoas imaginam”. Como a pesquisa da DAPP/FGV já havia concluído, boa parte do espectro político utiliza os bots. No entanto, não é possível afirmar que todos têm acesso aos mesmos graus de complexidade. Cada vez mais parecidos com os seres humanos, os bots vêm sendo aprimorados para evitar sua identificação, como mostra o mesmo relatório. Dessa forma, linguagem, intervalo entre as postagens e interação são alguns dos campos que evoluem, permitindo robôs cada vez mais verossímeis e que inflamam novamente o debate acerca da transparência.