PANORAMA LEGAL

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EFEITOS POSITIVOS

BIODIESEL PORTO ALEGRE | 2019



INSTITUTO DE PESQUISA

GIANELLI MARTINS O INSTITUTO DE PESQUISA GIANELLI MARTINS foi fundado com o intuito de propiciar o desenvolvimento da pesquisa e da produção intelectual em diversos eixos temáticos, qualificando profissionais, debatendo e aprofundando questões atuais e relevantes. Para tanto, promove cursos, seminários, congressos, encontros científicos e outros, voltados principalmente às áreas das ciências jurídicas, sociais, de gestão de pessoas, ambientais e do agronegócio.

Para mais informações sobre o Instituto de Pesquisa Gianelli Martins, visite o website:

www.ipgm.org.br



Foto: Arquivo Pessoal

COM A PALAVRA,

A PRESIDENTE Meu pai, Décio Gianelli Martins, sempre foi um realizador que acreditou na premissa de pesquisar, informar e divulgar ideias relevantes. O Instituto de Pesquisa Gianelli Martins nasce deste objetivo e busca se manter como referência, por meio da contribuição de seus membros e apoiadores. A história de vida do fundador do IPGM foi marcada pela vontade de fazer diferente, de buscar alternativas para o desenvolvimento do seu ambiente, não somente através do meio jurídico ou acadêmico, mas também do agronegócio. Nesta publicação, será possível identificar os reflexos do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) em âmbito não somente ambiental, mas também socioeconômico. Apresentar os benefícios do programa é uma forma de iniciar o debate sobre esta tecnologia. Desde já, em nome da Família Martins, deixo registrado o profundo agradecimento ao Sr. Odacir Klein, por dar continuidade a esta parceria tão desejada pelo meu pai, junto ao IPGM, e por promover esta publicação. Como acreditava o fundador do referido Instituto, apresentar este estudo será mais uma contribuição do IPGM, na sua vocação de fazer ciência com seriedade e competência, para a discussão de temas centrais ao desenvolvimento da nossa sociedade.

Larissa Martins Presidente

Quem quiser fugir dos desafios que nos colocam as novas tecnologias estará condenado à total exclusão. MARTINS, DÉCIO. JUNHO/2014.



APRESENTAÇÃO Odacir Klein Coordenador Foto: Eduardo Rocha

e na agregação de valor, inclusive em outros setores da economia. É um Programa que tem no óleo de soja a sua principal matéria-prima, mas cuja existência ensejou o uso de diversas outras, como o sebo bovino e demais gorduras animais que não tinham aproveitamento.

O Instituto de Pesquisa Gianelli Martins (IPGM) é resultado do idealismo do advogado, professor e empreendedor Décio Gianelli Martins. Alguns dias antes de ele falecer, falamos a respeito da importância do Programa de Biodiesel, seus reflexos socioeconômicos no Estado do Rio Grande do Sul e sua influência positiva em nível nacional. Ele me sugeriu aproveitar a estrutura do Instituto para um trabalho a respeito. Ponderei que, para isso ocorrer com neutralidade, a elaboração não deveria ser patrocinada por empresas ou entidades vinculadas à produção de biodiesel, especificamente, de modo que o conteúdo pudesse ser apresentado com total isenção, mas demonstrando os grandes benefícios trazidos pelo Programa. Com o texto apresentado nesta publicação poderemos demonstrar que o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) trouxe reflexos na área ambiental, onde são muitos e significativos, na geração de empregos, na diminuição da importação de diesel fóssil, com efeitos na balança comercial,

No caso específico da soja, 18% são óleo, sendo que 4/5 partes da matéria física da oleaginosa afluem principalmente para a produção de rações sob a forma de farelo, o que significa agregação de valor e esmagamento interno, sem os reflexos da Lei Kandir nas finanças estaduais. Todos esses aspectos altamente positivos tiveram uma grande influência no Rio Grande do Sul e o que se constata é que não há divulgação no Estado a respeito do que representa o Programa, nas mais diversas áreas. É por isso que o falecido Décio, então presidente do IPGM e seu criador, estimulou que se editasse esta publicação. O principal objetivo é concorrer para que possamos divulgar e fortalecer um Programa de tanta importância para a economia e para a área social do Rio Grande do Sul. Por isso, este trabalho examinará aspectos estaduais e nacionais, demonstrando a importância da indústria do Rio Grande do Sul e que se não fosse pela ousadia dos empresários não teríamos hoje um programa com tantos reflexos positivos. Será abordado o histórico da implantação do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) no Brasil, sendo demonstrados também os reflexos nacionais do Programa. O trabalho esclarecerá que houve projeto, liderança, pesquisa científica, risco dos empresários, matéria-prima, resultando em agregação de valor e expressivos ganhos ambientais. Pretendemos efetivamente demonstrar algo que não é divulgado: o resultado altamente positivo da produção e uso do biodiesel com a forte atuação da indústria, principalmente do Estado do Rio Grande do Sul.


Esta é uma publicação do Instituto de Pesquisa Gianelli Martins – IPGM. Rua Lopo Gonçalves, 555 – Bairro Cidade Baixa Porto Alegre – RS - CEP 90.050-350 www.ipgm.org.br Coordenação: Odacir Klein Colaboração: Cíntia dos Santos Pereira Revisão: Jairo Nether Design: Visual Comunicação e Design Coordenação de design: Eduardo Rocha Projeto gráfico e diagramação: Marcelo Morais


Sumário 1. BENEFÍCIOS DA PRODUÇÃO DE BIODIESEL NO RIO GRANDE DO SUL

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1.1. MATÉRIAS-PRIMAS

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1.2. A INDÚSTRIA NO RIO GRANDE DO SUL

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1.3. REFLEXOS AMBIENTAIS

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1.4. AGRICULTURA FAMILIAR

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1.5. CONCLUSÃO/RS

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2. BIODIESEL NO BRASIL

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2.1. PESQUISA ACADÊMICA: EXPEDITO PARENTE

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2.2. IDEALISMO COM CONVICÇÕES

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2.3. MEDIDAS GOVERNAMENTAIS

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2.3.1. GRUPO GESTOR

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2.3.2. COMISSÃO EXECUTIVA INTERMINISTERIAL DO BIODIESEL (CEIB)

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2.4. AÇÕES DO MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA

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2.5. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO (ANP)

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2.6. PETROBRAS

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2.7. MARCO REGULATÓRIO DO PROGRAMA NACIONAL DE PRODUÇÃO E USO DO BIODIESEL (PNPB)

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2.8. IMPORTÂNCIA DAS ENTIDADES REPRESENTATIVAS DO SETOR

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2.9. FRENTE PARLAMENTAR DO BIODIESEL

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2.10. MISTURA DE BIODIESEL AO ÓLEO DIESEL

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2.11. MATÉRIAS-PRIMAS

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2.12. EFEITOS POSITIVOS DO USO DE BIODIESEL NO BRASIL

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2.12.1. AMBIENTAIS

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2.12.2. RENOVABIO

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2.12.3. SAÚDE HUMANA

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2.12.4. AGREGAÇÃO DE VALOR

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2.12.5. INCLUSÃO DA AGRICULTURA FAMILIAR

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2.13. MÍDIA E BIODIESEL BR

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CONCLUSÃO

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BENEFÍCIOS DA PRODUÇÃO DE BIODIESEL NO RIO GRANDE DO SUL Durante o governo Germano Rigotto, no Rio Grande do Sul (2003 a 2007), iniciaram no Estado as movimentações visando ao estímulo à produção de biodiesel, como decorrência das ações na área federal com tal objetivo. Os governos subsequentes continuaram interagindo com os agentes privados, concorrendo decisivamente para o sucesso do Programa.

1.1 MATÉRIASPRIMAS Na primeira hora, com o desconhecimento do setor, falava-se muito em matérias-primas como mamona e pinhão-manso, entre outras. As pessoas conhecedoras informavam que no Estado haveria a possibilidade de uma produção consistente pela existência de soja, cujo óleo seria importante matéria-prima. Parecia uma incoerência destinar o que poderia ser alimento humano ao uso como combustível em substituição ao óleo diesel fóssil. As tentativas, pela iniciativa privada, da produção de outras matérias-primas não tiveram os resultados desejados. Os que defendiam o uso do óleo de soja argumentavam que a produção de alimentos não seria prejudicada, mas estimulada. O referido óleo não tinha demanda nacional que comportasse maior esmagamento dos grãos. Isso se constituía em estímulo à exportação in natura, sem agregação de valor e principalmente com os reflexos da Lei Kandir na receita estadual, pois as exportações ocorrem com não incidência no ICMS.

Como a soja gera 18% de óleo e o restante de seu volume é transformado principalmente em farelo, o seu uso como combustível exigia esmagamento do grão internamente, resultando expressiva liberação do insumo para a alimentação animal, estimulando com isso a área da produção de proteínas destinadas ao mercado interno e externo. Empresários gaúchos ousaram e investiram em instalações industriais para a produção de biodiesel, alavancando também outros setores da economia, destacando-se a avicultura e a suinocultura por maiores facilidades de acessos a insumos para alimentação dos animais. A agregação de valor resultante, com geração de empregos, renda e movimentação econômica, foi expressiva para o Estado.

O óleo de soja garantiu o Programa, mas estimulou o aproveitamento de matérias-primas como sebo bovino, outras gorduras animais e inclusive óleo reciclado, que tinham escasso ou nenhum valor comercial e eram descartados, em muitos casos, com sérios reflexos ambientais. A produção de 1 m³ de biodiesel – que, além do óleo, contém outros componentes – necessita de aproximadamente 4.800 kg de soja, ou seja, 80 sacas. Da mencionada quantidade, o óleo extraído fica em torno de 18%, restando aproximadamente 4/5 partes para outros usos já referidos.

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1.2 A INDÚSTRIA NO RIO GRANDE DO SUL O setor industrial de esmagamento de soja tivera considerável queda em suas atividades. O aproveitamento da oleaginosa para a produção de biodiesel reestimou as indústrias.

Pode-se, com segurança, afirmar que o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), lançado pelo governo federal, teve sua implantação graças à ousadia dos empresários, principalmente do Rio Grande do Sul, que, correndo riscos em uma atividade inovadora, investiram nas instalações industriais, adaptando fábricas existentes e construindo novas unidades. Essa audácia empresarial reativou indústrias esmagadoras de soja, ampliou as capacidades existentes e estimulou a construção de novas fábricas. Também garantiu abastecimento ao setor da produção de proteínas animais.

Atualmente, estão autorizadas pela ANP a operar com produção de biodiesel no RS as seguintes empresas: Bianchini, de Canoas; Biofuga, de Camargo; Bocchi, de Muitos Capões; BSBios, de Passo Fundo; Camera, de Ijuí; Granol, de Cachoeira do Sul; Oleoplan, de Veranópolis; Olfar, de Erechim; e Três Tentos, de Ijuí, somando a capacidade autorizada de 2.352.000 m³ por ano.

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O Rio Grande do Sul é responsável por 6% do consumo nacional de óleo diesel, ao passo que produz de 27 a 30% do biodiesel vendido nos leilões para a mistura obrigatória em todo o país, o que demonstra que as usinas rio-grandenses garantem produção para atendimento à demanda interna e brasileira. Se considerarmos que o óleo de soja representa em torno de 70% das matérias-primas e que o Rio Grande do Sul vendeu nos leilões, em 2018, 1,5 milhões de m³ de biodiesel, constataremos que o percentual referido (70%) compreenderá a produção de 1,05 milhões de m³, para o que haverá necessidade do esmagamento de aproximadamente 5 milhões de toneladas de soja para garantir o óleo demandado. Sem essa indústria, possivelmente o grão fosse exportado in natura, sem agregação de valor e com Lei Kandir.

O faturamento das usinas gaúchas com as entregas de biodiesel resultantes dos leilões em 2018 foi de R$ 4,09 bilhões, sobre os quais houve incidência de ICMS de aproximadamente R$ 200 milhões, que foram aplicados pelo poder público na busca do bem-estar da população. A estimativa da geração de empregos diretos é de cerca de 1,6 mil. Num momento em que o país passa por sério problema de desemprego, esse número é expressivo pelos reflexos nas famílias e nos outros elos da cadeia produtiva envolvidos no setor. A capacidade industrial estimada para processamento é de cerca de 24 mil toneladas


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de soja por dia, o que representa 8,5 milhões de toneladas por ano, representando considerável parcela da produção do grão no Estado. Com a previsão do aumento paulatino – 1 ponto percentual ao ano – da mistura obrigatória de biodiesel ao óleo diesel de pe-

tróleo, no próximo quinquênio haverá necessidade de aumento da produção em 50% dos volumes atuais. A indústria do Rio Grande do Sul tem condições de dar resposta a essa demanda.

Foto: Freepik

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1.3 REFLEXOS AMBIENTAIS Em 2014, a Câmara Setorial da Cadeia Produtiva de Oleaginosas e Biodiesel, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), constituiu um grupo de trabalho para apresentar estudo sobre os benefícios ambientais da produção e do uso de biodiesel. Após debates, audiências técnicas e análises, o Grupo de Trabalho instituído demonstrou que a cada 1% de mistura obrigatória de biodiesel ao óleo diesel há um ganho ambiental equivalente ao plantio de 7,2 milhões de árvores, como decorrência da redução dos gases poluentes, por ano. O uso de matérias-primas como sebo e outras gorduras animais - antes em grande parte descartáveis e, em consequência, poluentes - também tem reflexos positivos na área do meio ambiente. Em 2017, foi aprovada a Lei Federal Nº 13.576, que criou o RENOVABIO, tendo como objetivo principal atender às exigências do Acordo de Paris no que diz respeito à redução da emissão dos gases mencionados. Tal programa trata também da regularidade do abastecimento de combustíveis e assegura a previsibilidade para o mercado do fornecimento de biocombustíveis. Esses efeitos positivos na área ambiental têm reflexos benfazejos na saúde da população e na vida dos cidadãos.

1.4 AGRICULTURA FAMILIAR A agricultura familiar foi contemplada no Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) quando este estimulou sua participação na matriz produtiva através do fornecimento de matérias-primas, o que veio a ser regulado pelo Selo Combustível Social.

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A Portaria Nº 515/2018 da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (SEAD) - que foi extinta e cujas atribuições foram transferidas para a atual Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativismo, do MAPA - dispõe sobre os critérios e procedimentos relativos à concessão, manutenção e uso do Selo Combustível Social, estabelecendo para a região Sul que, do total das matérias-primas utilizadas para a produção do biodiesel, no mínimo 40% devem ser obrigatoriamente de origem da agricultura familiar.


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As indústrias do Rio Grande do Sul passaram a desenvolver o estímulo às atividades dos agricultores familiares, que, recebendo dos produtores de biodiesel assistência e capacitação técnica - como prevê o Programa geraram um maior número de empregos e fortaleceram sua capacidade de geração de renda pela utilização de novas técnicas que lhes possibilitaram aumentar significativamente a produtividade da lavoura. Para tanto, também contaram com invejável organização, através de sindicatos e cooperativas de produtores rurais.

A agricultura familiar tem papel importante na geração de matérias-primas para o biodiesel, sendo que a produção de soja no Estado garante a capacidade para suprir as necessidades das usinas gaúchas e ainda atender a outras unidades da Federação com dificuldades em suas áreas geográficas, para suprir os volumes necessários à manutenção do Selo Combustível Social. O Rio Grande do Sul é o Estado que mobiliza o maior número de famílias da agricultura familiar e de cooperativas com a produção de biodiesel.

Convém, no entanto, ressaltar que pelo fato de na região Sul haver obrigatoriedade da aquisição de maior percentual de matérias-primas da agricultura familiar do que nas outras regiões, as indústrias do território sulino são prejudicadas, pelo que há necessidade de alteração das normas vigentes. Como haverá paulatino aumento da mistura obrigatória, a necessária modificação dos percentuais para corrigir a distorção não representará, em longo prazo, diminuição do número de famílias atendidas ou de cooperativas participantes do Programa.

1.5 CONCLUSÃO/RS A existência de um programa nacional, a interação com os sucessivos governos estaduais e a ousadia dos empresários - correndo riscos, mas investindo no setor - originaram para o Rio Grande do Sul os efeitos benéficos que são pouco conhecidos. Para estimular o conhecimento é que abordaremos o Programa em âmbito nacional, com seus reflexos nas diversas áreas.

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BIODIESEL NO BRASIL Para demonstrar a importância que a indústria de biodiesel do Rio Grande do Sul teve para garantir o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) é fundamental apresentar um retrospecto de como o atual programa foi implantado no país. Houve algumas experiências visando à implantação do Programa Nacional de Produção de Óleos Vegetais para Fins Energéticos, como o PRO-ÓLEO, iniciado em 1975, na vigência do regime militar e cujo objetivo principal era criar alternativas ao diesel fóssil, inclusive em função da crise do petróleo, que causava preocupação no mundo. O PRÓ-ÓLEO teve alguns desdobramentos iniciais relacionados à produção de óleo com matérias-primas de origem vegetal e, ao longo do tempo, foi substituído por outro programa, o Programa de Óleos Vegetais, chamado OVEG. Os referidos programas tiveram duração, a partir de 1975, até o final dos governos militares. Foi um período experimental, com o objetivo de se preparar alternativas ao uso do óleo diesel fóssil. Como o Brasil já tinha uma experiência bem-sucedida na área da fabricação de etanol como sucedâneo da gasolina, hou-

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ve essa busca para que também no setor do óleo diesel houvesse um combustível renovável que pudesse substituí-lo. Por isso, iniciaram-se as tentativas com os referidos programas, que foram experimentais, enfrentando muitas dificuldades. Não havia um processo científico bem elaborado que desse suporte às pesquisas, em decorrência do que teve duração de apenas uma década, aproximadamente.

Gestões e Parcerias Em esclarecedora entrevista concedida à revista “Biodiesel e Bioquerosene em Foco” (8ª edição) o presidente da União Brasileira de Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio), Juan Diego Ferrés - respondendo a uma pergunta referente a quando o biodiesel começou a entrar na pauta brasileira - afirmou textualmente: “No final de 1999, início dos anos 2000, o biodiesel era uma novidade. Houve um seminário da AEA (Associação Brasileira de Engenharia Automotiva) nessa época,


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fundamental porque foi bem no começo. O presidente palestrou naquele evento. Outra participação importante foi a do José Goldemberg1. Ele fez a maior parte das perguntas, porque foi um dos arquitetos do ProÁlcool e tinha bastante conhecimento sobre biocombustíveis. Foi importante porque ninguém perguntava muita coisa, porque nunca tinham ouvido falar de biodiesel, então tinha que explicar o que era a molécula de éster que substitui o óleo diesel.”

Juan Diego Ferrés informa, na entrevista, que o Programa de Biodiesel foi conduzido pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Esclarece também que iniciado o governo Lula os líderes do setor procuraram o presidente da República para tratar do assunto, mas que, embora a simpatia presidencial, havia uma grande resistência contra a soja, principalmente na Casa Civil, onde José Dirceu era ministro.

1 Professor e físico brasileiro nascido em Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, foi ministro da Educação, secretário nacional de Meio Ambiente, por dois períodos, secretário nacional de Ciência e Tecnologia, secretário de Educação do Estado de São Paulo, reitor da USP, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do mesmo Estado e membro da Academia Brasileira de Ciências.

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2.1 PESQUISA ACADÊMICA: EXPEDITO PARENTE O professor Expedito José de Sá Parente, engenheiro químico cearense, dedicava-se às pesquisas para a produção de biodiesel e bioquerosene. Sabia da ocorrência de avanços na produção de álcool para servir como combustível e entendia que o mesmo substituiria a gasolina, que era usada para veículos leves automotores, principalmente de passeio.

óleos vegetais. Concluiu que era importante a transformação do óleo vegetal em um éster linear. Com o tempo, chegou à técnica de reação chamada de transesterificação. Em 1983, depois de muitas parcerias, pesquisas, interações com governos, área acadêmica e entidades do Ceará - inclusive de geração de energia - obteve a primeira patente para a produção do biodiesel brasileiro.

Havia necessidade de um combustível que substituísse o diesel fóssil e pudesse ser usado para veículos pesados, como caminhões, tratores e outras máquinas. Por isso, o professor Expedito passou a se dedicar ao estudo e à busca de formulações científicas que permitissem, de uma forma organizada e com escala, que se produzisse esse combustível resultante principalmente de

Não há dúvidas de que essa ansiedade científica do professor Expedito Parente foi importante para o programa hoje vigente no país e que dá suporte a uma extraordinária produção de biodiesel resultante não só de óleos vegetais, mas inclusive de gordura animal, como vem ocorrendo.

2.2 IDEALISMO COM CONVICÇÕES O engenheiro agrônomo Roberto Rodrigues 2, que foi secretário de Agricultura do governo paulista entre 1995 e 1997, presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) e da Aliança Cooperativista Internacional (ACI), com formação acadêmica, grande experiência internacional em economia agrícola e cooperativismo, com visão moderna de sustentabilidade, fora convidado para ser ministro da Agricultura no primeiro governo Lula. Idealista, realizador, com empatia, sempre buscou defender seus pontos de vistas e conven-

cer. Passou a agir junto ao Presidente da República e às esferas de governo, demonstrando que o Brasil poderia concorrer para que tivéssemos segurança alimentar e produção de energia com os devidos cuidados ambientais, ressaltando os efeitos positivos daí decorrentes. Roberto Rodrigues passou a defender projetos sempre dizendo que vivíamos no mundo uma deficiência de lideranças, sendo que com essa falta de líderes para defender determinadas posições era ne-

2 Em 2012, foi nomeado “Embaixador do Cooperativismo” pela ONU. Coordena o Centro de Negócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

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cessário que tivéssemos projetos qualificados que pudessem resultar na aplicação de programas fundamentais para a produção de alimentos e de energia, com sustentabilidade. Sempre repetia - como ainda repete - que o Brasil é um país capaz de liderar essa ação para produzir alimentos e energia com condições de auxiliar na aplicação dos processos tecnológicos em programas globais, transferindo tecnologias de desenvolvimento sustentável para a África, Ásia e outros países da América Latina.

. .

À frente do Ministério da Agricultura, com seu idealismo e sua capacidade de defesa dos projetos, conseguiu aliados importantes. Como ministro, tinha condições de influir nas formulações das atividades da Embrapa e nessa instituição encontrou apoio do qualificado e idealista pesquisador gaúcho, formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Décio Luiz Gazzoni, que passou a defender a implantação de quatro grandes projetos inspirados por Roberto Rodrigues, que foram:

A adoção de diretrizes para a atuação do governo no âmbito da agroenergia, uma vez que até ali não havia diretrizes claras, discutidas e que dessem segurança para a atuação no setor.

A elaboração do primeiro Plano Nacional de Agroenergia, no qual, pela primeira vez, apareceu a defesa do uso do biodiesel.

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O suporte da área da agricultura e da pesquisa do setor, a recém-criada Comissão Executiva Interministerial do Biodiesel (CEIB), à qual haverá posterior referência nesta publicação.

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A criação, na Embrapa, de uma unidade voltada para o segmento da agroenergia, o que significa que dentro da entidade passou a haver uma área específica tratando do assunto.

O primeiro chefe-geral da Embrapa Agroenergia foi Frederico Ozanan Machado Durães, sucedido por Manoel Teixeira Souza Júnior. Atualmente, a chefia-geral é exercida por Guy de Capdeville. Durante o período da presença de Roberto Rodrigues no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, com apoio de Décio Luiz

Gazzoni, houve também a criação da Câmara Setorial vinculada à pasta, para atuação do setor, cujo primeiro presidente foi Carlos Lovatelli, então presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (ABIOVE). Décio Luiz Gazzoni foi o primeiro secretário-executivo.

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Foto: Unsplash

2.3 MEDIDAS GOVERNAMENTAIS Diante da mobilização de lideranças da cadeia produtiva do biodiesel, das ponderações do ministro Roberto Rodrigues e do conhecimento que o presidente Lula – Dilma Rousseff era titular do Ministério de Minas e Energia

– tinha do trabalho do professor Expedito Parente, o governo iniciou estudos para a criação do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB). Algumas medidas foram pontuais.

2.3.1 GRUPO GESTOR Através de Decreto de 02 de julho de 2003, foi criado um Grupo Gestor para apresentar estudo sobre a viabilidade do Programa, coordenado pela Casa Civil da Presidência da República, tendo como coordenador o economista gaúcho Rodrigo Rodrigues, que liderou um extraordinário trabalho de interação e decisões. O Grupo Gestor era formado por representantes de

doze ministérios e tinha prazo de noventa dias para apresentação de um relatório. Com atividades fortes, responsáveis e objetivos claros, o Grupo cumpriu sua tarefa dentro do prazo determinado e apresentou relatório submetido à Câmara de Políticas de Infraestrutura, que resultou na aprovação pelo governo.

2.3.2 COMISSÃO EXECUTIVA INTERMINISTERIAL DO BIODIESEL (CEIB) Criada através de Decreto de 23 de dezembro de 2003, a Comissão foi encarregada da implantação das ações direcionadas à produção e ao uso de óleo vegetal – biodiesel - como fonte alternativa de energia. Era formada por quatorze ministérios, coordenada pela Casa Civil (coordenador Rodrigo Rodrigues) e foi

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responsável pela apresentação de projetos de um marco regulatório através não só dos trabalhos dos integrantes do poder público, mas da interlocução com representações da atividade privada com vistas a que pudesse ser apresentado um projeto com condições de exequibilidade.


2.4 AÇÕES DO MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA

EFEITOS POSITIVOS DA PRODUÇÃO DE BIODIESEL //

Dentre os ministérios integrantes, inicialmente do Grupo Gestor e posteriormente da CEIB, cabe destaque às ações do Ministério de Minas e Energia (MME) por suas atribuições específicas no contexto da produção e do uso de combustíveis no país. Desde a primeira hora, enquanto os colegiados eram agentes de interação, o MME atuava como formulador das propostas de políticas, inclusive com competência decisória no cumprimento de suas atribuições.

al modelo, gerador de transparência, segurança e agilidade, foi concebido pelo MME e a realização e supervisão incumbem à Agência Nacional de Petróleo (ANP), que - frise-se mais uma vez - cumpre papel fundamental no contexto.

A presença do engenheiro eletricista Ricardo de Gusmão Dornelles3- com longa experiência profissional e dedicação – como diretor do Departamento de Combustíveis Renováveis foi fundamental para o desenvolvimento do processo.

Como há nuances diferenciadas em relação a outros processos licitatórios, o modelo criado pelo MME é composto por etapas, com seleção prévia de habilitação das empresas detentoras de Selo Combustível Social e ofertas, das quais é dado conhecimento às distribuidoras e empresas concorrentes, permitindo nova oferta de preços, com transparência, para embasar a aquisição.

Junto a Dornelles houve a forte atuação do engenheiro mecânico Ricardo Borges Gomide, coordenador geral de Desenvolvimento da Produção e do Mercado de Combustíveis Renováveis do Ministério. O MME atuou decisivamente na formatação do modelo a ser adotado para o biodiesel, inclusive encaminhando as propostas para a institucionalização dos leilões a serem realizados de forma transparente e ágil. No processo visando a avançar e aprimorar, os leilões tiveram seus modelos modificados. O atu-

A Petrobras é a adquirente formal do combustível ofertado pelas usinas, sendo que as distribuidoras indicam de qual usina desejam retirar o produto, por preço determinado no processo de leilão.

Além da formatação dos leilões, o MME teve participação decisiva na apresentação de estudos, garantindo a viabilidade dos aumentos na mistura de biodiesel ao óleo diesel. O embasamento oferecido pelo Ministério e as decisões nele tomadas - sempre com a forte coordenação de Ricardo de Gusmão Dornelles e do Ricardo Borges Gomide - foram fundamentais para a garantia da implantação do bem-sucedido Programa no país.

2.5 AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO (ANP) Em diversos tópicos deste trabalho mencionamos a Agência Nacional do Petróleo (ANP). Ela foi e é imprescindível para o sucesso do Programa de Biodiesel no Brasil. Desde o início do mesmo até 2011, foi diretor-geral da ANP o ex-deputado federal baiano Haroldo Lima que, com espírito público, liderou a qualificada equipe da Agência na execução dos trabalhos, que demandavam conhecimen-

to técnico e bom senso. Em 2012, foi substituído por Magda Chambriard. No período inicial do Programa, teve destacado papel o diplomata gaúcho Roberto Furlan Ardenghy, então superintendente de abastecimento da ANP. O exercício de atividades fiscalizatórias é imprescindível num Programa dessa magnitude.

3 Nascido no Rio de Janeiro, era neto do ex-governador do Rio Grande do Sul, general Ernesto Dornelles.

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// EFEITOS POSITIVOS DA PRODUÇÃO DE BIODIESEL

2.6 PETROBRAS A Petrobras, participando como forte elo na comercialização do biodiesel, interagindo formalmente com as usinas produtoras e as distribuidoras do combustível - inclusive através de sua plataforma online nos leilões, a Petronect - garantiu a necessária estrutura para a

comercialização. Embora as distribuidoras retirem o biocombustível diretamente das usinas e indiquem de qual e em que quantidade pretendem comprá-lo, a intermediação contábil da Petrobras no processo é garantia da regularidade.

2.7 MARCO REGULATÓRIO DO PROGRAMA NACIONAL DE PRODUÇÃO E USO DO BIODIESEL (PNPB) Em 13 de setembro de 2004, o governo encaminhou ao Congresso Nacional a Medida Provisória 2014/2004, como decorrência dos trabalhos da CEIB, onde constou, inclusive, que a produção teria como matérias-primas óleos vegetais e gorduras animais, saindo da fixação inicial apenas em óleos vegetais. Previu a regulação, contratação e fiscalização através da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Foi texto sintético encaminhado ao Congresso Nacional, onde teve rápida tramitação, mas com aprofundadas discussões e apresentações de emendas. Foi relator na Comissão Especial o deputado Betinho Rosado, do Rio Grande do Norte. Após os acréscimos feitos pelo Congresso Nacional, com grande participação parlamentar, resultou na lei sancionada sob o número 11.097, de 13 de janeiro de 2005. A mencionada lei tratou da introdução do biodiesel na matriz energética brasileira, fixando em 5% o percentual mínimo obrigatório de adição de biodiesel ao óleo diesel comercializado ao consumidor final, em qualquer parte do território nacional, com prazo para aplicação de oito anos após a publicação da lei e de três anos

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para utilização do percentual mínimo de 2%, podendo haver redução dos prazos em razão de resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Estabeleceu também a competência da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) na definição dos limites de variação admissíveis para efeito de medição e aferição dos percentuais mencionados. Essa lei foi decorrência da atuação do grupo gestor, posteriormente transformado na CEIB, com qualificada condução por Rodrigo Rodrigues, cuja atuação resultou na apresentação da Medida Provisória 2014/2004 e sua transformação, após a tramitação no Congresso Nacional, na Lei nº 11.097. Antes da conversão da Medida Provisória 2014/2004 na Lei nº 11.097, é relevante mencionar a edição do Decreto nº 5.297, de 6 de dezembro de 2004, que tratou de medidas importantes, como as definições de biodiesel e respectivos produtor ou importador. Ficou instituído o “Selo Combustível Social”, concedido ao produtor de biodiesel que promove a inclusão social dos agricultores familiares enquadrados no Programa Nacional de


EFEITOS POSITIVOS DA PRODUÇÃO DE BIODIESEL //

Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) - fornecendo-lhes a matériaprima - e comprove regularidade perante o Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores (SICAF). Para promover a inclusão social dos agricultores familiares, o produtor de biodiesel deve: adquirir de agricultor familiar matéria-prima em parcela não inferior ao percentual definido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário; celebrar contratos com os agricultores familiares, especificando as

condições comerciais que garantam renda e prazos compatíveis com a atividade; e assegurar assistência e capacitação técnica aos agricultores familiares. O Decreto tratou da redução de coeficientes de PIS/ COFINS para que houvesse a inclusão dos agricultores familiares no Programa. Estabeleceu também as competências do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) em relação ao Programa de Biodiesel.

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2.8 IMPORTÂNCIA DAS ENTIDADES REPRESENTATIVAS DO SETOR No início do movimento que visava à implantação do PNPB já existia uma entidade representativa do setor das indústrias de óleos vegetais, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (ABIOVE). Entidade expressiva formada pelas empresas produtoras de óleos vegetais, com forte presença inclusive das grandes multinacionais, era presidida por Carlos Lovatelli, grande líder e que exerceu a presidência por um longo período. O setor se mobilizou para a criação de uma entidade que envolvesse toda a cadeia produtiva do biodiesel e não apenas as empresas produtoras de óleos vegetais. Esse movimento teve a liderança de um diretor da Granol, Juan Diego Ferrés, e resultou na criação da União Brasileira de Biodiesel (Ubrabio), cuja razão social, posteriormente, foi ampliada para União Brasileira de Biodiesel e Bioquerosene. A Ubrabio foi criada em 2007, quando se discutiam regulamentações, aumento de mistura obrigatória e outros tópicos importantes para o Programa de Biodiesel. Contribuiu muito para os avanços ocorridos e era formada por integrantes de toda a cadeia produtiva e não apenas da indústria de óleos vegetais ou indústrias produtoras de biodiesel. A criação da entidade possibilitou a presença de representantes desde a área

de fornecimento até a de consumidores, como empresas do setor de transportes coletivos urbanos. Em 2011, houve movimentação para que fosse criada nova entidade que não representasse apenas a indústria de óleos vegetais nem toda a cadeia produtiva, mas especificamente as empresas produtoras de biodiesel, o que resultou na criação da Associação dos Produtores de Biodiesel do Brasil (APROBIO), cujo primeiro presidente foi Erasmo Carlos Batistella - presidente da BSBios - que exerceu forte liderança na implantação da entidade. As entidades passaram a agir em sintonia e as atividades da Câmara Setorial, vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), onde havia a presença não só de empresas privadas, mas do poder público no contexto da cadeia produtiva, possibilitou avanços significativos e conquistas importantes, principalmente no que diz respeito ao aumento da mistura obrigatória de biodiesel ao óleo diesel. Mencionadas entidades representativas tiveram papel fundamental na interação, encaminhando fortes reivindicações que resultaram em avanços expressivos.

2.9 FRENTE PARLAMENTAR DO BIODIESEL Por gestões inicialmente da APROBIO e liderança do deputado Jerônimo Goergen (PP/RS), foi criada a Frente Parlamentar do Biodiesel, que organizou a atuação na área parlamentar. Referido parlamentar foi sucedido pelo deputado Evandro Gussi (PV/SP), que tinha forte ligação com o presidente da UBRABIO, Juan Diego Ferrés, e foi o autor do Projeto de Lei nº 160/2017, na Câmara dos Deputados, do qual

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resultou a criação do RENOVABIO, programa importante a ser referido em tópico específico desta publicação. Na atual legislatura, a presidência do colegiado foi novamente assumida pelo deputado Jerônimo Goergen. Das atividades da Frente Parlamentar resultaram fortes interações, com reflexos alta-


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mente positivos para o setor, como a aprovação do Projeto de Lei do Senado n° 613/2015, apresentado pelo senador Donizete Nogueira (PT/TO), que resultou na importante Lei

nº 13.263/2016, que garantiu expressivos aumentos nos percentuais de mistura obrigatória.

2.10 MISTURA DE BIODIESEL AO ÓLEO DIESEL A mistura do biodiesel ao óleo diesel não iniciou de forma obrigatória, mas autorizativa. O Decreto nº 5.448, de 25 de maio de 2005, criou essa autorização, para a qual era necessária prévia anuência da ANP – à época presidida pelo ex-deputado federal baiano Haroldo Lima - que ficou com a incumbência também de aprovar normas complementares para que tal prática fosse adotada.

Por força de lei, tornou-se obrigatória a mistura a partir de 2008. Havia a previsão legal de que cinco anos depois, ou seja, em 2013, a mistura deveria passar a ser não mais de 2%, mas de 5%. No entanto, por decisão do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), essa mistura foi antecipada para 3% em 2008, 4% em 2009 e 5% em 2010, o que significa que houve um aumento escalonado de 2% para 5%, com uma antecipação, em três anos, do B5, ou seja, mistura obrigatória de 5%. Sem dúvidas, isso foi resultado da forte atuação de entidades do setor, nesse caso, preponderantemente da UBRABIO – à época recentemente constituída – somando-se os esforços da ABIOVE. A Medida Provisória 647, que resultou na Lei nº 13.033, estabeleceu que a mistura obrigatória passaria a ser de 6% a partir de julho 2014 e de 7% a partir de novembro de 2014. A Lei nº 13.263, de 23 de março de 2016, es-

tabeleceu que um ano depois de sua entrada em vigor a mistura passaria a ser de 8%, ou seja, a partir de março de 2017; um ano depois passaria a ser de 9% e, mais um ano depois, passaria a ser de 10%. No entanto, a Resolução nº 23 de 2017, do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), antecipou em um ano o B10, ou seja, a mistura obrigatória de 10%, fazendo com que ela passasse a ocorrer a partir de março de 2018. O CNPE aprovou, em 29 de outubro de 2018, que a mistura obrigatória deveria ser de 11% a partir de junho de 2019, aumentando progressivamente para 15%, ou seja, B15 em 2023. O assunto ainda está pendente de homologação, mas a expectativa é de que, por todos os benefícios que o aumento da mistura produz, não só em termos econômicos, mas principalmente ambientais, ele venha a ocorrer imediatamente, cumprindo-se as previsões do CNPE. A atuação forte das entidades representativas do setor, da Frente Parlamentar do Biodiesel, com interação com a CEIB, Ministério de Minas e Energia, ANP e CNPE, com a Petrobras concorrendo favoravelmente através da realização dos leilões, fez com se chegasse a esse aumento da mistura obrigatória, trazendo significativos reflexos não apenas para a economia do setor de biodiesel, mas para toda a sociedade, como se verá posteriormente.

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2.11 MATÉRIAS-PRIMAS No início do Programa de Biodiesel, com uma visão de estímulo à agricultura familiar e também de desenvolvimento regional, algumas matérias-primas eram previstas como as principais a serem utilizadas. Falava-se, à época, em mamona, pinhão-manso e outras oleaginosas. Na verdade, se dependesse do desenvolvimento das culturas mencionadas, não teríamos a implantação do biodiesel no

Brasil como tivemos, com rapidez. A cultura da mamona não tinha escala suficiente para desenvolvimento de um projeto. Defendia-se também o uso do óleo de dendê para os fins de produção de biodiesel, mas tanto o óleo da mamona (óleo de rícino) como o de dendê têm preços expressivamente superiores ao óleo da soja em outros usos (alimentar ou medicinal), em consequência do que a soja garantiu


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a presença de uma matéria-prima com escala e condições de imediato aproveitamento. A cultura do pinhão-manso também seria demorada e faria com que se tivesse um programa implementado lentamente, com os riscos de ocorrer o que ocorrera nos regimes militares, ou seja, a existência de programas que se revelaram inexequíveis.

O óleo de soja foi a garantia do Programa. Sem ele, não teríamos a situação atual. À primeira vista poderia parecer que um óleo alimentício ser usado na geração de energia se constituiria em contrassenso. No entanto, o esmagamento de soja no Brasil concorreu para que tivéssemos aumento da oferta de alimentos e principalmente de proteínas animais, pois a soja contém em torno de 18% de óleo e o restante da matéria física é preponderantemente usado na produção de rações para animais.

Como não havia mercado interno para o óleo e pouca demanda no mercado externo, se não houvesse o programa de biodiesel e o esmagamento da soja para a produção do combustível, o Brasil exportaria a soja em grão: sem agregação de valor, sob efeitos da Lei Kandir, que são negativos para a arrecadação tributária. O óleo de soja é que garantiu a existência do Programa, sem prejuízo para a alimentação humana. Com o Programa implementado, houve a possibilidade do aproveitamento de matérias-primas que tinham uso secundário, como a gordura bovina ou outros materiais graxos. O óleo de soja viabilizou o programa e o surgimento de matérias-primas que antes não produziam resultados ambientais, sociais ou econômicos e que a partir de então passaram a garanti-los.

PERFIL NACIONAL DE MATÉRIAS-PRIMAS CONSUMIDAS PARA PRODUÇÃO DE BIODIESEL (2018)

BRASIL Matéria-Prima

Volume (m3)

Participação

Óleo de Soja

3.739.434,92

70,07%

Gordura Bovina

700.181,49

13,12%

Outros materiais graxos

520.946,90

9,76%

Gordura de Porco

113.569,87

2,13%

Óleo de fritura usado

88.210,38

1,65%

Óleo de Palma

71.557,25

1,34%

Óleo de Algodão

48.856,57

0,92%

Gordura de Frango

44.042,74

0,83%

Óleo de Milho

5.722,65

0,11%

Óleo de Canola

4.094,41

0,08%

Total Geral

5.336.617,19

100,00% 25


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2.12 EFEITOS POSITIVOS DO USO DE BIODIESEL NO BRASIL 2.12.1. AMBIENTAIS A Câmara Setorial da Cadeia Produtiva de Oleaginosas e Biodiesel, instalada no âmbito do MAPA, instituiu um Grupo de Trabalho para apresentar estudo a respeito dos benefícios ambientais da produção e do uso do biodiesel. O trabalho foi coordenado por Leonardo Zílio, que representava a ABIOVE no colegiado, à época de Odacir Klein na presidência. Após estudos, debates e aprofundadas discussões, foram apresentados os resultados. Para que se tenha conhecimento, é importante destacar parte do relatório que foi apresentado:

Atualmente, com o B5, estão sendo evitadas emissões de cerca de 5,2 milhões de toneladas de CO2eq. por ano. O uso do

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B6 passaria a evitar cerca de 6,2 milhões de toneladas anuais de CO2eq., enquanto que a introdução do B7 representaria 7,3 milhões de toneladas de emissões de CO2eq. evitadas ao ano. O uso de B10 no Brasil representaria, em 2013, cerca de 10,4 milhões de toneladas evitadas de CO2eq. e o B20 cerca de 20,8 milhões de toneladas. De forma aproximada, cada percentual a mais de biodiesel mandatório no Brasil é equivalente ao plantio de cerca de 7,2 milhões de árvores.

Figura: Emissões de GEE evitadas e equivalência em plantios de árvores por ano: vigência de diferentes percentuais de mistura de biodiesel no diesel mineral


EFEITOS POSITIVOS DA PRODUÇÃO DE BIODIESEL //

Conforme mostra a figura abaixo, a adição, a adição de biodiesel traz melhorias significativas nas emissões de monóxido de carbono (CO), hidrocarbonetos (HC) e materiais particulados (MP), com um pequeno incremento nas emissões do óxido de nitrogênio (NOx). O efeito é proporcional à quantidade de biodiesel adicionada. O uso do B5, por exemplo, reduz em 5% as emissões de HC e em 4% as emissões de CO e MP, mantendo as emissões de NOx praticamente estáveis. Os dados mostram que as reduções nas emissões diretas, em especial na emissão de hidrocarbonetos e materiais particulados, podem ser significativamente ampliadas com o aumento da mistura de biodiesel ao diesel mineral, tal como visto nos resultados para o B10 ou o B20.

Figura: Efeito da adição de biodiesel nas emissões diretas em motores de ciclo diesel

Os dados se referem à comparação com o plantio de árvores no que diz respeito aos efeitos benéficos para as emissões no meio ambiente. É importante mencionar uma frase do renomado professor Donato Aranda, especialista com grande atuação na área universitária a respeito deste assunto: “Mais do que árvores, estamos preservando vidas, evitando essas emissões ambientais”. Em 2018, cerca de 16% do biodiesel produzido provieram de subprodutos da pecuária de corte - cerca de 700 mil toneladas. Antes do PNPB, o sebo não conseguia colocação integral no mercado e acabava se transformando em passivo ambiental. O óleo de fritura é um resíduo que se torna um problema nas cidades, principalmente quando descartado de forma inadequada, entupindo redes de esgoto e contaminando as águas. Este mesmo óleo pode ter um destino sustentável ao ser transformado em biodiesel. Nos dois primeiros meses de 2019, cerca de 2% do biodiesel produzido foi a partir de óleo de fritura.

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2.12.2. RENOVABIO

2.12.3. SAÚDE HUMANA

O RENOVABIO, instituído pela Lei nº 13.576/2017, não trata especificamente de biodiesel.

Obviamente, os reflexos ambientais positivos transportam-se para a saúde humana. Expedito Parente, a quem já houve referência neste trabalho, afirmou:

Seu objetivo é a Política Nacional de Biocombustíveis. Seu principal instrumento visa a estabelecer metas nacionais - por ano - de descarbonização para o setor de biocombustíveis. Com isso, incentiva o aumento da participação de biocombustíveis na matriz energética de transporte do país. Essas metas foram definidas para um período de dez anos, pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Com tal prática, o RENOVABIO constitui-se em importante contribuição para os compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris – com redução de emissões de gases causadores de efeito estufa - ao mesmo tempo em que enfatiza a regularidade no abastecimento de combustíveis e assegura previsibilidade para o mercado. A Lei nº 13.576/2017, além de estabelecer os instrumentos para a fiscalização dos produtores e importadores de biocombustíveis que aderirem ao RENOVABIO, criou os Créditos de Descarbonização (CBIO), que são ativos financeiros negociáveis em bolsa derivados da certificação do processo da produção dos biocombustíveis no respeitante à eficiência relativa às suas emissões. O Projeto de Lei nº 9086/2017, que resultou na lei criadora do RENOVABIO, foi apresentado na Câmara dos Deputados pelo então deputado Evandro Gussi, atual presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (ÚNICA), em 28 de novembro de 2017. Teve rápida tramitação e foi sancionado pelo presidente Michel Temer em 27 de dezembro de 2017. Era ministro de Minas e Energia Fernando Bezerra Coelho Filho e o relator no Senado Federal foi o seu pai, senador Fernando Bezerra Coelho, o que demonstra a total sintonia entre Legislativo e Executivo relativamente ao assunto.

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“Nas grandes cidades, hoje, as doenças pulmonares estão matando cada vez mais. E o biodiesel, se for misturado no óleo diesel, com um nível de 25%, elimina totalmente a fuligem, que é o fato causador dessas doenças pulmonares.” Os reflexos na saúde humana, obviamente, têm outras implicações positivas, como a destinação de recursos públicos para setores do próprio serviço de saúde, a redução do índice de mortalidade e o respeito à vida, que é o primeiro dos direitos fundamentais constantes da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU.

2.12.4. AGREGAÇÃO DE VALOR A primeira referência à matéria-prima e ao uso de óleo de soja demonstrou que o esmagamento da oleaginosa no Brasil concorre para que tenhamos maior oferta de farelo usado na alimentação para animais e aumentemos a oferta de carnes, principalmente de aves e de suínos. Isso produz efeitos tributários expressivos. Essa soja seria exportada com Lei Kandir e sem nenhuma tributação. Portanto, os efeitos positivos na receita pública resultam em bem-estar social.


EFEITOS POSITIVOS DA PRODUÇÃO DE BIODIESEL //

Além disso, a diminuição nas importações de diesel fóssil resulta em reflexos positivos em nossa balança comercial. Com o biodiesel produzido, há menor necessidade de importação de diesel fóssil. O Programa gera empregos, renda, recursos públicos e tem reflexos na balança comercial, além de todos os outros aspectos de agregação de valor. Por isso sua implantação, ensejando o uso do biodiesel com a mistura obrigatória agora existente, foi altamente positiva para o Brasil e para os brasileiros.

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Foto: Daria Obymaha/Pexels

2.12.5. INCLUSÃO DA AGRICULTURA FAMILIAR Com o Selo Combustível Social, em 2018, 60 mil famílias foram incluídas, representando aquisições de R$ 3,5 bilhões da agricultura familiar, com o acréscimo de benefícios para os produtores rurais: // assistência técnica; // presença positiva dos compradores com compromissos de qualificar os produtores; // interação com os sistemas cooperativo e sindical rural.

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Isso ocorreu para qualificar esse tão valioso programa de inclusão social através da agricultura familiar e o PNPB. Inicialmente com o gaúcho Miguel Rossetto como ministro, o Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) foi o responsável pela coordenação da política relativa ao Selo Combustível Social e pelos estímulos à agricultura familiar. No governo Michel Temer, mencionada atividade passou, com a extinção do MDA, à Casa Civil, cujo titular era o gaúcho Eliseu Padilha. Atualmente, no governo Bolsonaro, mencionadas atribuições foram transferidas ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), especificamente para a Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativismo, cujo titular é o gaúcho Fernando Henrique Kohlmann Schwanke.


EFEITOS POSITIVOS DA PRODUÇÃO DE BIODIESEL //

2.13 MÍDIA E BIODIESEL BR A divulgação positiva do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel no Brasil pela mídia concorreu para facilitar sua aprovação. Nesse sentido cabe destacar a atuação da BiodieselBR, criada em 2003, sob a liderança de Univaldo Vedana, como um site de notícias sobre um combustível que ainda não existia. Através de um portal na Internet e posteriormente com qualificadas conferências anuais e, durante um período, com edição de revista impressa, a BiodieselBR se tornou referência nacional para quem estiver procurando entender e se manter atualizado sobre a produção e o mercado de biodiesel. Esse portal de informações especializadas colocou em alto nível o conhecimento sobre biodiesel, ensejando a interação com pessoas e instituições, com o surgimento de ideias, propostas e os consequentes avanços.

CONCLUSÃO Esta publicação objetivou apresentar e discutir os benefícios da utilização do biodiesel na matriz energética brasileira - com evidência ao Estado do Rio Grande do Sul – dando o devido destaque ao Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) e às consequências positivas obtidas com sua implantação. A produção e o uso do biodiesel - cuja energia produzida é chamada de renovável por se tratar de combustível derivado de fontes produzidas a partir de óleos vegetais ou gorduras animais - contou com importantes ações políticas para sua efetivação na matriz energética brasileira, que ocorreram em diversos momentos e foram tratadas neste

trabalho, seja pela obrigação de diminuir a dependência dos combustíveis fósseis ou por necessidade de uma alternativa limpa aos combustíveis convencionais. No momento em que são discutidos problemas ambientais, como o aquecimento global, o tema biodiesel é fundamental para levantar as questões relacionadas a essa promissora fonte de energia. A produção e o uso do biodiesel trouxeram ao país melhorias consideráveis no que diz respeito à qualidade do ar e à utilização mais eficiente dos recursos vinculadas ao biocombustível, com significativa redução de emissões dos gases de efeito estufa e de outras substâncias nocivas à saúde humana. Portanto, na condição de benefício à saúde humana – considerando o potencial efeito na redução de internações e tratamentos de doenças relacionadas à má qualidade do ar respirado – o biodiesel deixa sua parcela de contribuição para a garantia de um meio ambiente melhor para as futuras gerações. Muitos são os benefícios trazidos pela produção e o uso do biodiesel, como a geração de empregos e distribuição de renda, inclusão social, fomento ao cooperativismo e à agricultura familiar, com reflexos econômicos e no equilíbrio de nossa balança comercial, tratados em capítulos específicos da publicação. Portanto, pensar no biodiesel como solução energética significa investir em pesquisas científicas e tecnológicas e em um modelo de desenvolvimento socialmente sustentável, com políticas públicas adequadas. A cadeia de produção e uso do biodiesel no Brasil deverá continuar em expansão. O setor produtivo, deve se organizar para atender ao aumento de demanda obrigatória que se aproxima. O PNPB ainda tem um longo caminho a percorrer.

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Homenagem a

DĂŠcio Gianelli Martins Fundador do Instituto de Pesquisa Gianelli Martins

Foto: Arquivo Instituto de Pesquisa Gianelli Martins

In memoriam


EFEITOS POSITIVOS

BIODIESEL


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