Manifestações Indígenas barram a extinção da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) Ellen Francisco 25/03/2019 Na semana do dia 25 de março, diversas etnias indígenas realizaram manifestações em todo o país. De norte a sul do Brasil, em 22 estados e no distrito federal os povos indígenas saíram em passeatas, bloquearam ruas e rodovias e ocuparam prédios de instituições públicas como a prefeitura de São Paulo, o Núcleo Estadual do Ministério da Saúde em Manaus e o Ministério da Saúde em Brasília contra a municipalização da Atenção à Saúde Indígena. A reação indígena é uma resposta ao anúncio realizado pelo Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, na quarta-feira, 20 de março, em reunião da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados. Durante a apresentação do novo organograma da pasta ministerial, o ministro afirmou a extinção da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) e a incorporação da Atenção à Saúde Indígena à Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Segundo Manetta, “como a atenção à saúde indígena enquanto secretaria nacional se ocupa basicamente da atenção primária, a mesma poderia ser incorporada pela secretaria de atenção primária à saúde dentro do organograma do SUS (Sistema Único de Saúde)” No entanto, a medida autoritária desconfigura a estrutura do subsistema de saúde indígena e relativiza as especificidades das atribuições da secretaria no cuidado e atenção à saúde dos povos originários. Além de desrespeitar o direito à autodeterminação dos povos indígenas, a Lei Orgânica da Saúde e a própria Constituição Federal. A SESAI é uma conquista de anos de luta dos povos originários por um subsistema e uma política de saúde em consonância com o direito da autodeterminação indígena, com assistência à saúde autônoma que respeite e considere a cultura, a economia e a organização social das diferentes etnias. Fundada em 2010 a secretaria especial abrange atualmente 5 mil territórios e 305 etnias indígenas no escopo de trabalho. A Secretaria atua de forma descentralizada, com autonomia administrativa, orçamentária e financeira. Seu território de atuação é organizado através de unidades gestoras de responsabilidade sanitária, chamados de Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs). Atualmente são 34 DSEIs divididos estrategicamente com base na ocupação das comunidades indígenas, não sendo limitados por fronteiras estaduais. Nos DSEIs são desenvolvidas ações de atenção integral à saúde indígena, educação e saúde e práticas de saúde tradicionais indígenas, além de saneamento e edificações de saúde conforme orientações das Políticas que orientam o SUS.
A extinção da SESAI e a incorporação da saúde indígena à Atenção Primária à Saúde submete a autonomia e a responsabilidade dos serviços básicos às Secretarias Municipais de Saúde, fragmentando os cuidados e a oferta dos serviços nos territórios ancestrais, uma vez que as terras desses territórios estão distribuídas em mais de um município ou estado, como é possível observar no mapa. Outro entrave da submissão da assistência à saúde indígena às autoridades locais de estados e municípios é o contexto do jogo político em que estão afundadas as prefeituras e governos estaduais brasileiros. Em conluio com ruralistas, madeireiros e milícias rurais, não é raro assistir a escândalos de políticos envolvidos com fraudes, grilagem de terras e assassinatos de indígenas e camponeses. Como o caso do prefeito do município de Costa Rica no Mato Grosso do Sul, Waldeli dos Santos Rosa (MDB), processado Ministério Público por grilagem de 12 mil hectares de terras indígenas reivindicadas pelos Guaranis Kaiowá como parte da reserva de Guyraroká. Além disso, os serviços de saúde municipais próximos das comunidades, em geral, estão localizados em áreas rurais que já sofrem pela precariedade da estrutura das instalações e falta de profissionais, agravado com a saída dos médicos cubanos, únicos médicos presentes em diversas localidades. De acordo com a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) são altas as prevalências de doenças infecciosas e parasitárias, sendo tuberculose e malária as principais causas de adoecimento. Os problemas nutricionais que atingem principalmente as crianças, as condições ambientais inadequadas e o acesso restrito aos serviços de saúde estão relacionados com as maiores taxas de mortalidade infantil brasileira, sendo a morte de crianças indígenas 4 vezes superior à de crianças não indígenas. Dessa maneira, extinguir a SESAI e municipalizar o subsistema de saúde é uma medida genocida contra os povos das floresta e faz parte de uma política anti - indigenista do governo Bolsonaro, iniciada no seu mandato com a Medida Provisória 870/2019 que transferiu a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e também atribuiu a demarcação de terras ao Ministério da Agricultura, historicamente comandado por ruralistas. A Secretaria de Assuntos Fundiários da pasta ministerial da agricultura é chefiada pelo também presidente da União Democrática Ruralista (Luiz Antônio Nabhan Garcia), organização conservadora que se opõe a oficialização das áreas protegidas. A organização de diversas etnias através de ocupações, manifestações, ações diretas e ações judiciais movidas pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e ministério público questionando a inconstitucionalidade da medida do Ministério da Saúde fez com que o Ministro Mandetta, relutante, recuasse sobre a extinção da SESAI. Em vídeo publicado nas redes sociais, o Ministro, que também atua na Frente Parlamentar da Agropecuária, afirma que o cabo de guerra entre o ministério e os indígenas resultou na manutenção da secretaria especial, mas que os diálogos devem seguir com os Grupos de Trabalhos para um acordo na Conferência de Saúde Indígena.
Nós, da Rádio Mutirão nos solidarizamos e apoiamos a luta dos povos originários por seus direitos e a garantia de sua autodeterminação