Formas Generativas: O Desenho do Processo

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FORMAS GENERATIVAS O Desenho do Processo

Vitor Curti Orientador Sidney Tamai Co Orientador Dorival Rossi

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FORMAS GENERATIVAS O Desenho do Processo

Trabalho Final de Graduação em Arquitetura e Urbanismo Unesp - Bauru janeiro de 2018

Vitor Curti Orientador Sidney Tamai Co Orientador Dorival Rossi 3


Agradecimentos 4


Aos meus pais, que desde cedo me encorajaram a escolher o caminho mais verdadeiro e que sempre me compreenderam, mesmo quando fazia as “experiências” mais esquisitas em casa enquanto criança. A minha irmã, companheira de sempre, cujos cachinhos certa vez foram vítimas dessas experiências. As minhas primas, Ludmila e Natalia (esta última responsável pela revisão deste trabalho), e a toda a minha família, que em tempos difíceis de escolha me apoiaram pela decisão de me tornar arquiteto. Aos amigos que conheci na faculdade, que compartilharam comigo tantas noites varadas (tanto para trabalho quanto para diversão), e que expandiram a experiência de estudar arquitetura para uma experiência de vida. A citar: Julia (Fadi), Guilherme (Isis), Shin (Marrom), Luis (Alfajor), Leticia (Sorocaba), Leonardo (Dudu), Lais (Pardinho), Tatiana (Skol), Cristine (Crazy) e Vany. A meus amigos de infância de Rio Preto, que fizeram e ainda fazem parte da minha formação. Aos amigos que fiz durante o intercâmbio em Londres, em especial Julia, Icaro e Guilherme, com os quais vivi experiências que mudaram pra sempre minha maneira de enxergar o mundo. Ao meu professor Sidney, que desde o primeiro ano da faculdade me inspirou o desejo de produzir arquiteturas pelos mais diversos meios.

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Ă?ndice

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Agradecimentos

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Resumo

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Objetivo e Metodologia

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I. teoria

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1. Introdução

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2. Desenho Generativo Analógico 2.1 Frei Otto 2.2 Eladio Dieste 2.3 Carol Gay

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3. Desenho Generativo Digital: Parametria 3.1 Nicholas Grinshaw 3.2 Autopoiese na Arquitetura 3.3 Nova Teoria Unificada 3.4 Parametrismo ≠ Parametria

30 31 33 36 37

4. Fabricação Digital 4.1 Do Físico ao Digital 4.2 Do digital ao físico

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5. Geometrias Tolológicas 5.1 A forma em movimento

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II. Experimentos

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1. Luminária de Canto

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2. Luminária Pedra Mole

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Considetações Finais: O Desenho Do Processo

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Resumo

O resultado das formas constituintes de um projeto

é diferente dependendo do método e das ferramentas utilizadas para sua concepção. Dentro dos métodos de desenho generativo, desenha-se um sistema ao envés de um objeto. Tal sistema , diferente do método tradicional de desenho, não é baseado numa ideia pré concebida da forma. Pelo contrário, ele baseia-se em alguns parâmetros para a geração do objeto, esteja ele na escala do design ou da cidade. Frei Otto utilizava modelos físicos para gerar seus edifícios, num processo onde a materialidade moldava naturalmente as formas. Otto gerava seus modelos de maneira analógica, no entanto a era digital possibilita a criação de novos paradigmas para o desenho generativo. Veremos que através da parametria e da fabricação digital é possível criar um processo no qual o desenho, a fabricação e a construção de um objeto estejam totalmente integrados. Dessa maneira, desenhar o objeto significa construir o objeto.

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Objetivo e Metodologia

O objetivo deste trabalho é investigar as potencialidades do método do desenho generativo na concepção de projetos e, também, estudar a Fabricação Digital como desdobramento deste método na arquitetura e no design contemporâneos. O presente estudo será dividido em duas etapas: parte I - Teoria, que será dedicada ao levantamento de um referencial teórico sobre o tema; parte II - Experimentos, onde o arcabouço teórico adquirido será utilizado para a aplicação do método generativo em alguns projetos. Na parte I - Teoria, serão expostos a origem do desenho generativo, e também alguns dos principais expoentes deste método. Partindo de sua definição (o que é desenho generativo?), vamos estudar exemplos de projetos que utilizaram deste método: primeiro de maneira analógica e depois de maneira digital paramétrica. Numa próxima etapa da teoria, vamos estudar a Fabricação Digital como um desdobramento do uso do método generativo no projeto contemporâneo. Serão expostos alguns estudos de caso e seus processos, tanto na escala da arquitetura quanto na escala do design. Na parte II - Experimentos, o arcabouço teórico apreendido será utilizado para o desenho de sistemas geradores 10


de forma, que serão projetadas, fabricadas e construídas como objetos luminosos ou luminárias. Baseado na idéia de projetar sistemas ao invés de objetos, partiremos de materiais simples para que as luminárias possam ser construídas em escala real de maneira prática. A partir desse experimento, poderemos observar como o uso de ferramentas digitais pode resultar num processo em que o desenho, a fabricação e a montagem estejam completamente interligados através de um sistema digital. A fabricação digital evita hierarquias ineficientes que fragmentam o processo de produção da arquitetura. Este trabalho pretende adotar esse mesmo conceito, e evitar a fragmentação dos processos de estudo e prática. Apesar de Teoria e Experimentos estarem sendo apresentados de maneira separada neste estudo, ambas as partes serão produzidas concomitantemente, de maneira que a teoria alimente a prática, mas também que a prática faça surgirem perguntas que serão estudados mais a fundo na teoria (ver figura 1). A opção por produzir luminárias ao invés de um projeto arquitetônico propriamente dito também tem a ver com a intenção de interligar os processos. Optou-se pela construção de luminárias para que o processo não parasse simplesmente no desenho. A escala reduzida dos objetos possibilitará sua construção de fato, e não apenas a confecção de modelos ou maquetes. Como resultado, o processo poderá ser experimentado de maneira completa, da concepção da ideia até a sua produção em escala real.

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I. TEORIA Investigações acerca do Desenho Generativo Desenho tradicional possui papel secundário, não de geração da forma.

O que é?

Desenho do sistema ao envés do objeto

Analógico

Referências Digital

Frei Otto Eládio Dieste Carol Gay

Modelos físicos (materialidade)

Patrick Schumacker. Nicholas Grimshaw Greg Lynn

Fabricação Digital -Engenharia Reversa -Do digital ao físico

Parametria (sistemas interdependentes)

Integra

projeto - fabricação - montagem

Tudo num mesmo sistema!

Formas como resultado de um processo. Brutalismo Digital?

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II. EXPERIMENTOS Projetar e construir luminárias baseado na ideia de desenhar sistemas ao invés de objetos.

Porque luminárias?

A escala reduzida possibilitará a passagem por todos os processos (projeto, fabricação e montagem).

Gerar forma por desenho paramétrico.

Marcas do processo ficarão gravadas na forma.

Quais métodos utilizar?

1. Fabricação digital Subtrativa 2. Fabricação digital Aditiva + engenharia reversa

Fabricar no FABLAB!

Objetos Luminosos como produto final.

Fig. 1 Diagrama que ilustra o processo de desenvolvimento desta dissertação. O trabalho foi estruturado a partir de dois eixos principais - Teoria e Experimentos. Ambos se alimentam-se e questionam-se mutuamente, numa lógica não linear. 13


I. Teoria

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1. INTRODUÇÃO

Historicamente, a produção arquitetônica tem como base o desenho. Através de ferramentas que desempenham a função de desenhar, arquitetas e arquitetos concebem seus projetos de maneira a gerar um desenho final, rígido e imutável. Independente da escala do objeto, seja ele uma cadeira ou um edifício, o método tradicional do desenho desempenha essa função de produzir representações únicas que serão posteriormente construídas.

*O termo desenho generativo (generative design) é muito comumente utilizado como sinônimo do termo form finding, que não possui tradução em português, mas literalmente significa “achar a forma”. 16

O desenho generativo* baseia-se na definição de um sistema para a geração da forma. Ao invés de desenhar um objeto, desenha-se um sistema, que com a definição de parâmetros mutáveis, pode gerar infinitas variáveis geométricas. Tal método não se baseia na ideia de uma forma pré concebida. Pelo contrário, ele deixa que as contingências gerem a forma. No final do século XIX, o arquiteto barcelonense Antonio Gaudi (1852–1926) desenvolveu um método que permitia que a forma estrutural correta emergisse através da gravidade. Gaudi deixava que a forma mais resistente estruturalmente fosse gerada através de modelos construídos com cordões e pesos (fig. 2). O caimento natural das cordas formava curvas catenárias moldadas pela gravidade. A geometria resultante era posteriormente desenhada e invertida de maneira a gerar o desenho dos


arcos de sustentação. A Sagrada Família (fig 3) e o Parque Güell foram concebidos dessa maneira. “Antonio Gaudi foi o primeiro arquiteto a usar o método generativo, e também o primeiro na história moderna a utilizar um computador analógico no desenho de estruturas em arco.” (ISAACS, 2008, p 9) Dentro do método Generativo, o desenho único e imutável passa a ter uma função secundária. Assim como Gaudi, o arquiteto alemão Frei Otto, em meados do século XX, utilizou de métodos generativos para conceber a forma de seus edificios. Como veremos posteriormente, seu método baseado na criação de modelos deixava que as características do material moldassem o projeto, de maneira que a geometria ideal do edifício fosse baseada na performance e na materialidade. A ausência de tecnologias digitais não impediu que arquitetos como Frei Otto e Gaudi criassem sistemas para a geração de formas. Ambos anteciparam a tendência do desenho como um sistema aberto, num processo não linear. A presença das tecnologias digitais hoje possibilita que criemos sistemas ainda mais complexos para a geração da geometria, mas a mudança vai muito além disso. Tais tecnologias mudam radicalmente as relações entre concepção e produção de um projeto. “Um dos aspectos mais profundos da arquitetura contemporânea não é a redescoberta de formas curvilíneas complexas, mas sim a habilidade de gerar informação de constru17

Fig. 2 Modelo feito de cordas confeccionado por Antonio Gaudi no final do século XIX.


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ção diretamente da informação do desenho, através de processos de desenho e fabricação digital.” (KOLAREVIC, 2003, p. 01). O desenho, a fabricação e a construção de um objeto passam a formar juntos um sistema interdependente, no qual ao desenhar (ou modelar) um edifício, estamos automaticamente gerando informações para a sua fabricação e construção. Há, portanto, uma mudança de paradigmas. “O Palácio de cristal, projetado por Joseph Paxtons, foi um prédio audaz para o seu tempo, incorporando o espirito tecnológico da Era Industrial, e anunciando um futuro de edifícios construídos a ferro e vidro. A Torre Eiffel em Paris manifestava a possibilidade de novos prédios atingirem alturas inimagináveis. Após isso, levou quase 100 anos para que edifícios construídos a ferro e vidro se tornassem onipresentes mundialmente, se espalhando pelo skyline de cada uma das metrópoles no mundo.” (KOLAREVIC, 2003)

Para Branco Kolarevic, os primeiros Palácios de Cristal e Torres Eiffel da nova era da informação acabaram de ser construídos nos últimos anos. Segundo ele, o Museu Guggenhein de Bilbao é o melhor exemplo que captura o espírito da revolução da era da informação digital, que terá consequências para a indústria da construção numa escala parecida com aqueles primeiros edifícios icônicos da era industrial.

Fig. 3 Fotografia da Sagrada Familia de cabeça para baixo. Existe uma clara relação entre o sistema criado para a geração da forma e o edifício em si.

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Da mesma maneira que na era industrial, a arquitetura contemporânea encontra sua legitimação na exploração dos últimos avanços tecnológicos. A parametria surge como uma importante ferramenta, na qual o sistema gerador é alimentado com informações, da mesma maneira que nos “computadores analógicos” do passado, com a diferença de que os parâmetros são agora gerados digitalmente. Como uma manifestação dos novos processos informacionais que estão transformando culturas, economias e sociedades em escala global, a arquitetura contemporânea torna-se um produto lógico e inevitável do zeitgeist digital.


2. DESENHO GENERATIVO ANALÓGICO

O desenho do processo é a principal premissa do desenho generativo e não depende de tecnologias digitais para acontecer. Estudaremos aqui três abordagens sobre o desenho generativo analógico, sendo dois na escala da arquitetura e um na escala do desenho de produto. Primeiro Frei Otto, com sua abordagem de produção de formas arquitetônicas através de modelos; depois Eládio Dieste, com seu trabalho no limite entre engenharia e arte; e por último Carol Gay, arquiteta brasileira que produz peças de design em que as marcas do processo são bem claras.

2.1 Frei Otto: A forma vem de modelos Influenciado por sua experiência como piloto de aviões planadores no exército, e pelo seu fascínio pelos princípios da aerodinâmica, Frei Otto iniciou, na primeira metade do século XX, sua carreira de arquiteto, desenvolvendo tendas e habitações para instalações do exército. Ele desenhou e construiu um grande número de obras numa situação de carência de materiais, usando meios considerados hoje primitivos. Projetou conjuntos de habitação desmontáveis, que deram origem aos seus estudos de minimalização da construção. Seu método partia de modelos para a concepção do projeto (Fig. 4), e é 20


considerado um método generativo em que a forma é gerada a partir da interação dos materiais. “A origem dos processos de desenho generativo na arquitetura é atribuida a Antonio Gaudi, e após isso foi Frei Otto quem os aperfeiçoou. Basta observar o trabalho de Otto para entender que a beleza na arquitetura pode ser gerada sem ter sido necessariamente desenhada.” (ISAACS, 2008, p 10)

Estruturas mínimas A partir do conceito de minimalização da construção, Frei Otto desenvolve a noção de Estruturas Mínimas, que seriam estruturas que, ao cumprir com todos os requisitos que apresentam uma obra real, ainda necessitam de uma quantidade mínima de energia de construção. A energia de construção inclui a quantidade de material empregado e também o trabalho utilizado para a fabricação e montagem. É uma abordagem totalmente 21

Fig. 4 Modelo confeccionado por Frei Otto para o projeto do Estádio Olímpico de Munich, nos anos 70. Detalhe para as câmeras ao fundo, que “mediam” o modelo após a geração da forma


baseada na performance da obra, no que diz respeito a construção e sua materialidade. De uma maneira generalizada, para Frei Otto a performance de uma obra está vinculada a leveza de sua estrutura. Seu peso e volume estariam diretamente relacionados a performance do edifício.

Fig 5. Diagrama do fluxo de trabalho com modelos de Otto.

A simples construção de formas harmoniosas não serviriam como justificativa para a elaboração do projeto. A principal premissa do projeto seria a plena adaptação às necessidades técnicas da obra. A pergunta constante que surge para Frei Otto no desenvolvimento de seu trabalho é: como resolver um problema de construção com uso mínimo de energia construtiva? Dessa maneira, qualquer que seja o local ou programa ou objetivo do edifício a ser projetado, a sua forma sempre seria gerada através da estrutura mínima resultante das interações do material.

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Modelos de pequenas dimensões

Modelo de medições geométricas

Modelo de medição de esforços

Feito com membranas elásticas e telas finas

Feito em dimensões maiores, para medir a geometria

Prova de cargas

Ensaios com modelos Num método em que a materialidade e a tecnologia construtiva são as forças geradoras do desenho, o trabalho com modelos físicos que simulavam a estrutura e sua geometria eram indispensáveis. Os ensaios com protótipos eram a parte mais importante no método de Otto. Os modelos feitos com membranas de alta elasticidade e redes de cabos permitiam que a forma fosse manuseada facilmente, e que o projeto inicial fosse remodelado diversas vezes, num processo não linear, porém cíclico. O modelo poderia ser modificado até que se conse22


guisse condições ótimas de estrutura e volumetria. Na figura 5 podemos conferir o fluxo de trabalho de Frei Otto, com base na ordem em que seus modelos eram produzidos

Modelo x representação gráfica Nesse método de obtenção da forma através de modelos, o projeto não parte do desenho ou da representação gráfica. Muito pelo contrário “a representação gráfica serve unicamente para anotar os resultados obtidos” (CONHAD ROLAND, 1972, P. 2) num processo em que a geometria é gerada através da resposta do material aos esforços. Como veremos mais a frente, algo muito parecido acontece na arquitetura paramétrica, onde a forma é gerada através de parâmetros manipuláveis digitalmente. Tais parâmetros podem ser modificados até que se obtenha uma geometria satisfatória, e a representação gráfica é um processo que aparece a parte simplesmente para representação. Para entender melhor a relação entre o modelo físico e a representação gráfica, 23

Fig 6. Fotografias dos modelos confeccionados com cabos de madeira, utilizados para a construção da igreja em Bremen-Grolland, Alemanha.

Fig 7. St. Lukas-Kirche, Bremen, Alemanha


Fig 8. Planta de cobertura da igreja. A malha ortogonal representa os cabos de madeira, e as linhas curvas representam as curvas altimétricas. da superfície.

podemos observar as figuras de 6 a 9. Nesse projeto, uma igreja na cidade de Bremen, Alemanha (Fig. 7), a estrutura consiste numa rede de cabos de madeira apoiada sobre dois arcos inclinados e articulados. É possível observar no modelo (Fig. 6) que os arcos tencionam a rede de cabos de maneira a gerar uma superfície contínua entre eles. Os fechamentos laterais são construídos com a mesma rede de cabos de maneira contínua a cobertura, e servem para segurar os dois arcos principais no plano normal ao seu eixo e, assim, estabilizar a estrutura. A cobertura e o fechamento lateral são produzidos sob a mesma lógica, trazendo unidade formal ao projeto. O desenho da vista superior da cobertura (Fig 8) não fez parte do processo de obtenção da forma, mas é uma representação posterior, feita após a definição da geometria pelo modelo. Nele podemos observar as curvas altimétricas que definem as superfícies e suas respectivas cotas de altura. Assim podemos concluir que para o método generativo de Frei Otto, o desenho não possui o papel de gerar o projeto, mas sim de descrição da geometria para quantificação e produção.

Bolhas de sabão Durante sua carreira, Frei Otto realiza diversos estudos sobre formas geradas a partir de reações físicas. Com o intuito de entender melhor como funcionam estruturas pneumáticas, ele realiza estudos com bolhas de sabão (Fig 9). Estruturas pneumáticas são estruturas formadas por membranas, nas quais a pressão interna é maior que a externa, o que possibilita sua auto sustentação. As bolhas de sabão são o exemplo mais acessível de estruturas pneumáticas. Elas adotam, para um volume determinado, a forma de menor superfície, criando assim superfícies mínimas.

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Fig 9. Estudos de Frei Otto sobre agrupamentos de bolhas de sabĂŁo. As bolhas se comportam de maneira a formar a menor superfĂ­cie de contato possĂ­vel. 25


“A toda forma que se pode obter com bolhas de sabão podemos aplicar estruturas pneumáticas arquitetônicas. É conveniente que estruturas pneumáticas tenham formas parecidas com as das bolhas de sabão para que as tensões em cada ponto e direção da membrana sejam o mais parecidas possível. Isso fará com que a membrana se deforme menos já que ela, como qualquer outra estrutura, se deforma consideravelmente sob a ação de um esforço constante.” (CONHAD ROLAND, 1972, P. 86)

Fig 10. representação das macrocoberturas, que poderiam ser utilizadas como estufas para produção de espécies vegetais.

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Frei Otto usa do conhecimento adquirido das bolhas de sabão para projetar imensas estruturas, que permitiriam cobrir grandes superfícies de terreno com gasto mínimo de materiais. Essas macrocoberturas (Fig 10) poderiam ser utilizadas para a produção mecanizada de alimentos, para grandes tanques de armazenagem ou para o abrigo de instalações industriais. No caso da produção de alimentos, as coberturas serviriam como estufas, bastante apropriadas para uso em climas temperados devido as suas propriedades de conservação de calor. “A importância da obra de Frei Otto não consiste na perfeição do resultado de seu trabalho, mas sim nos métodos e processos mentais que tornaram possível a sua realização. “(CONHAD ROLAND, 1972, p. 1).


2.2 Eládio Dieste: tijolos e formas curvas Para o arquiteto uruguaio Eládio Dieste (1917 – 2000), a forma perfeita do projeto seria gerada ao levar as características de materiais muito simples ao limite. Um modo de pensar muito parecido com o de Frei Otto, se não fosse seu material preferido: tijolos cerâmicos. Seu trabalho é baseado em alcançar eficiência estrutural combinando esses tijolos cerâmicos de maneira “não usual”, formando abóbadas em suas coberturas curvadas e paredes sinuosas. Apesar de sua complexidade formal, essas estruturas não necessitam de vigas ou colunas, e são bem mais baratas que o concreto armado. Um de seus projetos mais notáveis é a a Igreja de Jesus Obrero, 1952 (Fig. 11) em Montevideo. A estrutura consiste em uma parede dupla de tijolos recheada com argamassa de alta resistência e reforço de aço. A curva da borda da parede aproxima-se da forma do diagrama de momento criado pelos esforços e converte a flexão em momentos axiais criando um sistema estrutural extremamente eficiente.

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Fig 11. Parede da Igreja de Jesus Obrero, Montevideo.


“Existem profundas razões morais e práticas que dão forma ao nosso trabalho: com a forma que criamos podemos ajustar as leis da matéria com toda a reverência, criando um diálogo entre a realidade e seus mistérios.” (Eladio Dieste: Innovation in Structural Art.) Ao contrário da lógica do modernismo, segundo a qual o fechamento deve ser independente da estrutura, a superfície curva criada pelos tijolos justapostos acumulava as duas funções. Como numa tela em que inúmeros pixels se juntam para formar uma imagem, os tijolos organizados segundo um sistema baseado na lógica estrutural se unem para formar uma superfície única que ignora os limites entre engenharia, arquitetura e arte.

2.3 Carol Gay Partindo do mesmo princípio do desenho do processo, a arquiteta brasileira Carol Gay produz objetos interessantes ao explorar a materialidade do vidro. No método tradicional de produção de vidrarias em serie, o vidro é soprado dentro de um molde. Essa ação permite repetição, mas o gesto do artesão é sempre único. Ao soprar o vidro em geometrias não usuais, o óbvio dá lugar a surpresa, e a potencialidade do vidro em se moldar ao entorno emerge. Como num vaso soprado dentro de um molde furado, o objeto surge como resultado do “erro”. O Vaso Mangue e outras peças criadas por Carol Gay podem ser considerados objetos criados por desenho generativo, já que o que se definiu primariamente foi o processo e não a forma em si. Um método de produção foi criado, mas os resultados serão sempre únicos. Da mesma maneira que na obra de Frei Otto (mas numa escala e com um objetivo completamente diferentes), os objetos de Carol Gay caracterizam-se pela obtenção da forma através do comportamento dos materiais. Muito mais que a forma final exata e imutável, prioriza-se o processo.

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Fig 11. Vaso mangue, por Carol Gay.

A seguir vamos estudar o desenho generativo sob a luz da parametria, num exercício de compreensão dos sistemas de produção do espaço na vanguarda da arquitetura contemporânea. Vamos observar que os métodos digitais de geração da forma guardam algumas semelhanças com o método utilizado por Otto, Dieste e Carol, mas também que ferramentas diferentes implicam em diferenças fundamentais nos objetos (ou edifícios) produzidos. 29


3. DESENHO GENERATIVO DIGITAL: PARAMETRIA Os objetos a nossa volta se transformam ao longo do tempo com o desenvolvimento de novas técnicas de produção. As ferramentas disponíveis mudam, e os objetos que produzimos se transmutam em consequência da tecnologia. A pedra lascada que serve para cortar; a Faca que serve para cortar; a máquina CNC (Computer numerical control) que corta materiais através de laser. Três ferramentas diferentes que se distribuem na escala do tempo, mas que tem a mesma função. Apesar de possuírem a mesma função, produzem objetos em diferentes níveis de complexidade, que são a imagem das limitações das ferramentas que os produziu. Ao considerar edifícios como objetos, podemos pressupor que a arquitetura é produzida a partir de ferramentas. Nesse contexto, a parametria surge como nova ferramenta de produção arquitetônica, que se encaixa no nosso momento histórico por fazer uma ponte entre a linguagem de programação, própria da tecnologia contemporânea, e a produção de espaços para pessoas. Apropriando-se da linguagem de programação, a arquitetura paramétrica abre espaço para a manipulação e análise de infinitas variáveis no projeto. Sol, chuva, vento, fluxos, estrutura, redes, conexões, e por ai vai. Infinitos parâmetros que podem ser analisados e testados em busca de soluções formais. 30


Dentro da arquitetura paramétrica, o desenho é gerado através de algoritmos, que compõem um código fonte gerador do projeto. Ao invés de desenhar a forma, passamos a gerar a forma. Nesse processo não linear, alimentamos códigos com informações, que são imediatamente interpretadas para gerar o que chamamos de desenho paramétrico. O resultado é um código fonte que se traduz em uma série de modelos que podem ser analisados e depois m odificados. Tal processo é portanto cíclico, pois a qualquer momento podemos alimentar os algorítimos com novas informações, gerando outro desenho. Não é o designer que desenha, mas sim os parâmetros do código fonte que dão forma ao objeto. No Desenho Paramétrico não se declara a forma de um desenho particular, mas sim os parâmetros desse objeto.

3.1 Nicholas Grinshaw O Terminal Internacional de Waterloo em Londres (Fig 12) projetado por Nicholas Grimshaw, oferece uma clara demonstração das potencialidades do desenho paramétrico.

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Fig 12. Terminal Internacional de Waterloo, por Nicholas Grinshaw


O edifício é essencialmente uma longa cobertura de 400 metros de comprimento que se afunila de 50 para 35 metros de largura (Fig. 13). Sua forma estreita e sinuosa é determinada pelo desenho das linhas dos trens e pela geometria dos limites do terreno.

Fig 13. Vista isométrica do Terminal de Waterloo. O vão dos arcos varia de 50 para 35 metros.

A estrutura da cobertura consiste em uma série de 36 arcos duplos que são diferentes em suas dimensões, mas idênticos em sua configuração. Cada um dos arcos é diferente, pois se encaixa ao terreno conforme ele se afunila. Os arcos do lado oeste são mais curvos, pois os trens desse lado chegam exatamente embaixo dos arcos. Ao invés de desenhar cada um dos arcos separadamente, foi criado um modelo paramétrico genérico baseado nas regras que o terreno e a posição dos trens impunham. Ao associar os valores do tamanho do vão (35 a 50 metros) e as curvaturas dos arcos individuais, criou-se a regra que guiou a geometria de cada um dos pórticos (Fig. 14). Após a definição da estrutura principal, o modelo paramétrico pode ser extendido para os elementos que os conectam, os elementos de fechamento, suas peças, e assim por diante. Cria-se uma complexa hierarquia de interdependências, possibilitando um refinamento interativo que é capaz de detalhar cada um dos componentes. Como observado no projeto do Terminal de Waterloo, o desenho paramétrico nos leva a produzir não simplesmente a forma específica de um edificio, mas sim uma serie de princípios que guiam o desenho em busca de soluções formais. Vemos que aqui a estética do edifício foi gerada pelas limitações do ambiente, num desenho que responde especificamente as ne-

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cessidades programáticas do projeto. A “beleza” resultante da cobertura não veio de um padrão pré concebido, mas sim de uma estrutura muito bem resolvida em termos de tecnologia, construção e utilidade. Vamos procurar entender agora se a parametria, apesar de sua infinita capacidade de gerar formas, seria também uma limitante formal capaz de impor padrões chegando a gerar um novo estilo.

3.2 Autopoiese na Arquitetura Nos experimentos de Otto, os parâmetros não são geradas por computador como no projeto de Nicholas Grinshaw, mas sim pelas leis da física. A gravidade, a tensão superficial da bolha, a elasticidade, etc moldam a bolha de acordo com as limitações físicas, e o resultado são bolhas de sabão. Tal fenômeno pode ser reproduzido digitalmente, no entanto Otto não dispunha dessa ferramenta. Ao invés disso, ele construía modelos físicos, produzindo diversas situações que geravam formas abstratas, cujo contexto principal era a materialidade. Após a geração da forma, aparelhos e sensores fotográficos apareciam para “medir” a geometria. Zaha Hadid e Patrick Shumacker trouxeram de volta os experimentos de Otto, mas dessa vez digitalmente. Em seu livro Autopoieses in Architecture (Autopoiese na Arquitetura), Patrick Schumacker apresenta um novo viés do desenho Generativo, no qual assume-se a arquitetura como um sistema de comunicação. Autopoiese é um termo criado na dé33

Fig 14. Sistema de geração dos arcos e suas treliças. Cada um dos 36 arcos tem geometrias diferentes, mas a lógica de sua geração é idêntica.


cada de 1970 pelos biólogos e filósofos chilenos Francisco Varela e Humberto Maturana para designar a capacidade dos seres vivos de re-produzirem a si próprios. Tal conceito é trazido para a arquitetura para aproxima-la da natureza. Para Schumacker, a arquitetura é um sistema indepentente com sua própria linguagem, e deve ser capaz de reproduzir a si mesma a partir de certos mecanismos. Tal sistema de comunicação baseia-se na parametria para construir uma base de dados (INPUT) que gera respostas inteligentes (OUTPUT) (fig 15). Inúmeros inputs que, através da definição dos parâmetros, resultam em inúmeros outputs, que são formas geradas pelas interpretação dos dados. Desta maneira, toda a geometria do edifício deve estar interligada dentro de um processo paramétrico.

Modelo de medições geométricas

Fig 15. Diagrama Input Output

INPUT

OUTPUT

fonte/alimentação

resultado/resposta

Para Schumacker, arquitetura é um processo inteligente gerador de espaço, dentro de um contexto de evolução auto organizada. Não é sobre redesenhar estilos precedentes, ou sobre a reprodução mimética do que já existe. Ao invés de enquadrar edifícios a tipos ou estilos históricos, Schumacker prefere se apropriar das tecnologias digitais e tratar a arquitetura como um método de composição do espaço independente de tipologias. Para ele o projeto deve estar todo interligado, em um processo que muitas vezes é voltado para si e ignora completamente o contexto histórico do entorno. Em um experimento feito por Hadid e Schumacker (fig. 16), são criadas perturbações num plano retangular maleável, que reage através de modificações na geometria de sua superfície. Criam-se ondas no plano, que dependendo do local, frequência e intensidade comportam-se em determinada maneira. Observa-se que o plano responde como um objeto único e que nenhum movimento escapa de ser percebido por todo o plano.

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Fig 15. Experimento feito por Zaha Hadid e Patrick Schumacker, onde são criadas perturbações num plano digital para que se possa observar as ondulações. 35


3.3 Nova teoria unificada Assim como o fez Le Courbusier em seu livro “Por uma arquitetura”, Patrick Schumacker tenta lançar uma nova teoria unificada da arquitetura. No modernismo, devido as novas tecnologias e ao pensamento utilitário do período pós guerra, pregava-se a necessidade de uma “Linguagem Universal”, que poderia enquadrar-se em qualquer situacão. Dessa maneira, o modernismo era na verdade a manifestação de um projeto coletivo, que se baseava em algumas premissas formais para a criação de um novo modelo de espaço para a sociedade. Planta livre, fachada livre, janelas em fita, terraço jardim, pilotis e o zoneamento funcional das cidades eram as principais proposições do movimento moderno. Da mesma maneira, Patrick Schumacker baseia-se em algumas premissas formais para a criação de sua nova teoria unificadora da arquitetura. Tal teoria culmina na criação de um novo estilo que também se diz universal: o Parametrismo. Dentro da lógica formal do parametrismo, todos os sistemas devem ser interdependentes, ou seja, todos os sistemas devem se comunicar. Evita-se a criação de formas rígidas e a repetição simples, assim como evita-se a colagem de objetos isolados que causariam uma “falta de ordem”. A ordem acontece pela repetição programada, pela deformação através da informação de parâmetros, criando gradientes de formas que estão sempre se comunicando ou se misturando. Abaixo podemos conferir os princípios desse novo estilo, tanto no âmbito formal quanto no âmbito funcional.

FORMA

Fig 16. Princípios formais e de função do parametrismo. 36

- Evitar formas rígidas (falta de maleabilidade) - Evitar colagem de objetos isolados (falta de ordem) - Todos os sistemas devem ser diferenciados (gradiente) - Todos os sistemas devem ser interdependentes

FUNÇÃO - Evitar estereótipos funcionais rígidos - Evitar zoneamento funcional segregativo - Todas as funções devem ser ativas e paramétricas


3.4 Parametrismo ≠ Parametria Nesse contexto de proposição de uma nova teoria unificada por Patrick Schumacker, é importante deixar claras as diferenças entre Parametrismo e Parametria. O termo Parametrismo representa esse novo estilo, que ao mesmo tempo que promove uma nova estética progressista relacionada aos avanços da era digital, nega a subjetividade dos aspectos humanos que dão vida a arquitetura. Já o termo Parametria refere-se a uma ferramenta e não a um estilo ou produto final. Ao falar de parametria estamos falando de um meio de produção de arquitetura, que se baseia no desenho de um sistema para a geração de formas e que não precisa necessariamente subordinar-se a regras pré-estabelecidas por um estilo. Novas arquiteturas estão emergindo da revolução digital, arquiteturas estas que acharam sua expressão em formas altamente complexas e na maioria das vezes curvilíneas, como apresenta o estilo do parametrismo. Para Branco Kolarevic, autor do livro “Arquitetura na Era Digital”, estas formas entrarão no mainstream na prática arquitetônica dos próximos anos: “O ponto em comum entre arquitetos, designers e pensadores digitais não será o desejo de pruduzir tudo e qualquer coisa em formas altamente complexas, mas sim o uso de tecnologia digital como um aparato que integra diretamente concepção e produção de maneira sem precedentes.” A fabricação digital surge como um desdobramento das novas tecnologias e, juntamente com o desenho generativo, permite a ligação direta entre o projeto e produção.

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4. FABRICAÇÃO DIGITAL

*NURBS (Non Uniform B-Splines) é uma maneira simples de representar digitalmente curvas não uniformes através de pontos de controle. Dessa maneira, curvas altamente complexas e superfícies curvadas duplamente podem ser processadas por máquinas acessíveis pois utilizam uma mínima quantidade de dados. A forma de uma curva NURBS pode ser alterada por manipulação interativa de seus pontos e pesos associados a cada nó. 38

Historicamente, arquitetos e arquitetas desenhavam o que podiam construir e construíam o que podiam desenhar. As linhas retas e arcos desenhados no papel usando régua e compasso foram traduzidas nos materiais produzidos por extrusão e maquinário de rolamento. Esta reciprocidade entre meios de representação e produção não desapareceu na era digital. Com os novos métodos de representação digital baseadas em NURBS*, expandiu-se infinitamente o que poderia ser desenhado, enquanto as tecnologias de fabricação digital aumentaram as possibilidades do que poderia ser fabricado e construído. As tecnologias digitais possibilitaram o link direto entre o que pode ser representado e o que pode ser produzido através de processos file-to-factory, cujos dados para a fabricação das peças são gerados do próprio modelo digital. A construção de edifícios pode ter agora uma ligação direta com o processo de geração do desenho. Como consequência, projetistas podem tornar-se muito mais envolvidos no processo de fabricação, pois o próprio modelo carrega sistemas de informação que podem ser traduzidos em dados para alimentar equipamentos de fabricação.


Após a fabricação digital dos componentes, sua montagem em campo pode ser assistida por tecnologias digitais. Em outras palavras, o processo de construção está ligado tanto ao desenho quanto a fabricação das peças. Modelos tridimensionais digitais podem ser usados para determinar a precisa localização de cada componente, move-los para seu local no projeto e depois fixar o componente em seu lugar. Os dados digitais do desenho podem ser usadas diretamente na fabricação das peças e construção do objeto, tornando desnecessários os tradicionais desenhos para representação. Esta nova habilidade de gerar informação para a construção a partir das informações do desenho é o que define o mais profundo aspecto da arquitetura contemporânea. “A relação estreita entre arquitetura e construção (o que já representou a natureza fundamental da arquitetura) reemerge como consequência principal deste novo processo de produção.” (KOLAREVIC, Architecture in the digital Age: design and manufacturing,) Tal processo interliga numa mesma rede desenho, fabricação e montagem, (fig 17) e torna desnecessárias as atuais hierarquias ineficientes de intermediação entre esses processos. Os modelos digitais concentram todas as informações do objeto a ser construído, da descrição a construção. Ou seja: a informação do desenho é a informação da construção. Modelamos o sistema de geração de um objeto, e a partir disso obtemos informações para sua construção.

Desenho

Fabricação

Montagem

sistemas integrados digitalmente Fig 17. Processos integrados pela fabricação digital. 39


A fabricação digital estabelece uma nova relação entre concepção e produção, pois agora as informações dessas três etapas (desenho, fabricação e montagem) estão todas concentradas em um modelo ou protótipo digital. A construção torna-se uma função direta da computação. A produção digital possibilita que uma geometria extremamente complexa possa ser descrita em termos formais, mas vai além disso, e proporciona meios para que tal estrutura seja factível de produção. Modelos digitais podem ser usados para análises estruturais, bem como para simulações interativas de insolação e fluxos de ventos ou de água, através de softwares de CFD (Computer Fluid Dynamics). Os modelos digitais garantem um alto grau de precisão na produção de objetos, independente da escala. Diferentes técnicas podem ser empregadas dependendo da necessidade do projeto, e daqui pra frente cada vez mais novos meios de concepção e fabricação digital serão descobertos. Nas próximas seções serão expostos algumas das principais técnicas de fabricação digital disponíveis atualmente. No entanto, é importante que não nos prendamos a elas, pois, sabendo que vivemos na era da informação digital, logo novas tecnologias tornarão os atuais meios obsoletos.

Fig 18. Modelo físico do Walt Disney Concert Hall sendo digitalizado no escritório de Frank Gehry com FaroArm, 1991. 40


4.1 Do Físico ao Digital Para alguns projetistas, o contato direto com modelos físicos é muito mais importante que a interação com modelos digitais, nos quais a tangibilidade física só é possível após a prototipagem. No caso de Frank Gehry, as tecnologias digitais são usadas não como um meio de concepção, mas sim como um meio de tradução do físico pro digital. Nesse processo, o imput é sempre um objeto físico como uma maquete. Podemos observar na figura 18 uma técnica de escaneamento digital “primitiva”, baseada no traçado das superfícies do modelo. A técnica foi utilizada no projeto do Walt Disney Concert Hall em Los Angeles. A partir do modelo físico, uma réplica digital é criada com técnicas de escaneamento tridimensional (hoje alguns aplicativos de celular são capazes de fazer esse trabalho), e o modelo digital, que é uma tradução do modelo físico, é usado como base para desenvolvimento da estrutura e componentes secundários. Tal processo é chamado de engenharia reversa, pois vai na “contramão” da lógica da fabricação digital, em que a forma é gerada digitalmente. Com base no modelo físico, cria-se uma nuvem de pontos, e a partir desses pontos são criadas superfícies que podem repro41

Fig 19. Walt Disney Concert Hall, finalizado em outubro de 2003.


duzir quase perfeitamente o modelo base. Técnicas de escaneamento tridimensional podem ser usadas não apenas para a conversão do objeto projetual em si, mas também para a leitura e modelagem do contexto, inclusive de paisagens inteiras, substituindo o levantamento manual com trenas, níveis, etc.

4.2 Do Digital ao Físico Conhecer as particularidades de cada equipamento de fabricação digital permite que arquitetos e designers desenhem especificamente para a capacidade destas máquinas. Processos de produção baseados em cortar, subtrair, adicionar e formar materiais oferecem oportunidades riquíssimas de exploração de novas geometrias. “Esses métodos são análogos aos processos de fabricação de modelos em arquitetura, onde materiais são trabalhados manualmente para chegar aos resultados desejados.” (Nick Dunn, Digital Fabrication in Architecture,). A seguir, vamos estudar rapidamente cada um destes métodos.

Fig 20 (direita) Cadeira Valovi, projetada pelo brasileiro Denis Fuzii. Fig 21 (abaixo) Linhas de corte da cadeira Valovi

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Fabricação em duas dimensões O corte CNC, ou fabricação em duas dimensões, é o método de fabricação digital mais comum. Tecnologias de corte como plasma, laser e jato de água envolvem o movimento bidimensional de uma cabeça cortante e permitem que peças planas sejam cortadas com precisão. No corte a plasma, uma corrente elétrica passa através de um jato de ar comprimido na cabeça de corte, aquecendo o gás a altíssimas temperaturas (25.000 °F). No método do jato de água, um jato de água pressurizada misturada com partículas abrasivas solidas é jogado contra a superfície do material, causando a rápida erosão do mesmo e produzindo cortes muito claros e precisos. No corte a laser, uma coluna de luz infra-vermelha de alta intensidade em combinação com gás pressurizado derretem ou queimam o material a ser cortado. O Pavilão Bolha (fig. 22), projetado por Bernhard Franken e ABB Architekten, foi um dos primeiros edifícios construídos a partir deste método. Já na escala do design, a cadeira Valovi (fig. 20 e 21) se aproveita do método de corte a laser em CNC para gerar um desenho muito simples de ser fabricado. O projeto é open source, ou seja, qualquer pessoa ao redor do mundo pode baixar os arquivos e produzir seu próprio mobiliário.

FIG 22. The Bubble (1999) BMW pavilion, Frankfurt, Alemanha. Arquitetos Bernhard Franken e ABB Architekten. A estrutura de alumínio foi toda cortada utilizando tecnologia CNC jato de água. 43


Fabricação por subtração O processo de fabricação por subtração envolve a remoção de um volume específico de material de peças sólidas através de processos químicos, elétricos ou mecânicos (CNC multi eixos). No caso dos processos mecânicos, a retirada de material pode ser feita ao redor de um eixo, de uma superfície ou de toda a volumetria da peça.

Fig 23 (abaixo) Fonte memorial no Hide Park Vista de cima. Fig 24 (direita) Fonte memorial no Hide Park. Através da fabricação digital, criou-se um ambiente lúdico de interacão com a água,

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Finalizado no ano de 2004, a fonte memorial construída no Hide Park em Londres (fig 23) é um projeto que aplicou fabricação digital por subtração sobre o granito para criar um ambiente lúdico de interação com a água. Projetada pelo escritório Gustafson Porter + Bowman, a fonte integra-se ao declive natural do terreno formando um anel, através do qual a água corre em duas vertentes diferentes. A água brota do ponto mais alto e desce naturalmente através dos dois lados do anel. Ao longo do percurso, a fonte possui sulcos e canais detalhados que se combinam com jatos de ar para movimentar a água e criar diferentes efeitos. A fonte é feita de 545 peças de granito únicas, que se encaixam perfeitamente para gerar o anel e reproduz em seu caminho di-


versas texturas que remetem ao curso natural de rios. Para Mark Mason, responsável pelo desenho das superfícies no projeto, não teria sido possível alcançar um resultado similar em termos formais com métodos manuais de escultura. Utilizou-se equipamento CNC de 3 eixos para esculpir cada uma das peças.

Fabricação aditiva Processos de fabricação aditiva envolvem a produção de volume através da deposição de material camada a camada, num processo inverso ao da subtração. Todos os processos de fabricação aditiva compartilham o mesmo princípio de que o modelo digital é totalmente fatiado em camadas bidimensionais. A informação ou geometria de cada camada é transferida ao processador da máquina, e o produto físico é gerado a medida que esse material é depositado. Atualmente as tecnologias de fabricação aditiva tem sido usadas mais como um meio de prototipagem rápida do que como um meio de fabricação de peças e componentes de fato. No entanto, para Branko Kolarevic “é totalmente concebível que num futuro próximo arquitetos possam transmitir diretamente a informação do desenho para a máquina (ou máquinas) de construção, que irão automaticamente construir o edifício completo, com todos os seus componentes”.

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Fig 25 e 26 Detalhe das texturas que mimetizam o curso natural dos rios. 545 peças únicas foram esculpidas digitamente para formar a fonte.


5. GEOMETRIAS TOPOLÓGICAS

Na prática da arquitetura e do design contemporâneos, meios digitais estão deixando de ser usados pura e simplesmente como uma maneira de representar e visualisar e passando a ter o papel de ferramenta de transformação da forma. As ferramentas paramétricas são capazes de articular uma certa lógica que produz uma série de possibilidades formais, das quais o “desenhista” poderá escolher uma ou várias para desenvolvimento e detalhamento. Modelos capazes de produzir transformações contínuas e dinâmicas estão substituindo os processos estáticos convencionais, e o desenho plano de plantas e seções passa a ter um papel puramente analítico. A Morfogênese da arquitetura passa a ser pautada nas emergentes propriedades adaptativas da forma. “O processo muda sua ênfase de desenhar a forma para achar a forma […], e o estável é substituído pelo variável, a singularidade pela multiplicidade.” (KOLAREVIC, 2003, p. 13) O conceito de topologia torna-se importante na produção dessas novas arquiteturas baseadas na multiplicidade da forma. De acordo com sua definição matemática, a topologia é o estudo das relações qualitativas intrínsecas das formas que não são afetadas por mudanças em seu tamanho ou proporções, e permanecem idênticas ao passar por processos de transformações 46


elásticas como torcer ou esticar. Tomemos como exemplo um circulo e uma elipse. Ambos são topologicamente idênticos pois suas propriedades qualitativas não se alteram no ato de esticar o circulo em uma das direções. Da mesma maneira, um quadrado e um retângulo são topologicamente idênticos pois suas propriedades de número de vértices ou retas não foi alterada pela mudança das proporções. Podemos nomear formas topologicamente idênticas como formas homeomórficas. Esta qualidade de homeomorfismo é particularmente interessante, pois a mesma estrutura topológica pode ser manifestada em infinitas formas geométricas. As estruturas topológicas são infinitamente dinâmicas, como num vídeo em que uma pessoa dança, e o corpo adquire novas formas com o movimento. A topologia desta pessoa permanece a mesma, já que é o mesmo corpo que está dançando, e suas características qualitativas não foram alteradas (cabeça, ombros, braços, tórax, dedos, etc).

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Fig 27 Homeomorfismo de um torus em uma caneca

Fig 28 Ensaio Fotográfico “Chronos”, por Michael Langan & Terah Maher. O corpo e suas transformações homeomórficas, que não mudam suas “qualidades intrínsecas” mas afetam sua geometria.


Diferentes geometrias são geradas ao “congelar” esse video para que se possa observar nesta “fotografia” a forma estática. Esta mesma forma estática é parte de um conjunto inacabável de formas homeomórficas, ou com as mesmas propriedades estruturais. Transformações topológicas são transformações estruturais, por exemplo, um quadrado pode se transformar em um triângulo com uma única operação topológica de deletar um dos vértices. Formas topológicas como a fita de Mobius e a garrafa de Klein são particularmente interessantes pela sua propriedade de possuir apenas um lado, e podem ser utilizadas na arquitetura e no design para gerar objetos onde as fronteiras entre o interior e o exterior são borradas, numa geometria que ignora as distinções entre o dentro e o fora.

Fig 29 Representação de uma Garrafa de Klein e uma fita de Moebius, respectivamente.

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A importância da topologia na arquitetura e no design contemporâneos deve-se ao fato de que os meios digitais nos possibilitam que as formas sejam geradas através do movimento. Uma fita de mobius pode distorcer-se infinitamente através de parâmetros definidos estrategicamente, até que se satisfaçam as condições para a criação de um determinado espaço ou objeto. O modelo digital “capturado” pode ser utilizado para posterior desenvolvimento ou detalhamento, até que tal objeto possa ser construído no mundo real.


5.1 A Forma em Movimento Como acabamos de ver, a topologia preocupa-se apenas com as propriedades qualitativas dos obietos. Dentro de uma mesma definição de “qualidades”, as variações são infinitas. Ao acrescentar a quarta dimensão [tempo] ao processo de modelagem, podemos incluir fatores externos que causam transformações contínuas nas forma dos objetos e observar essas transformações através de animações. Ao envés de modelar dentro de um espaço tridimensional neutro e estacionário, inserimos informações neste espaço, e essas informações exercem forças sobre a forma que ali se encontra, de modo que essas forças fiquem gravadas no objeto que está sendo criado. É como um ambiente tridimensional real, onde temos a gravidade, vento, chuva, sol, barulho, etc, e tudo isso interage de maneira a “deformar” e “formar” tudo a nossa volta, de uma maneira que não podemos controlar. “É importante para qualquer desenho baseado em parâmetros que haja tanto um sistema de informações interno ao objeto quanto a inserção de campos de forças que estabeleçam um contexto.” (GREG LINN. Animate form. Princeton: Princeton Architectural Press, 1998) Gregg Linn foi um dos primeiros arquitetos a utilizar softwares de animação, não como meio de representação, mas sim como maneira de gerar forma. Para ele, o espaço cartesiano de eixos x, y e z não deve ser neutro. Ao contrário, ele deve conter planos de forças que gerem movimento e ajam sobre o objeto no momento da concepção formal. Dessa maneira, o movimento fica gravado no objeto, mas não é apenas isso. Na forma fica gravado também o processo, como na produção de um objeto artesanal. Quando a forma vem do movimento, o gesto que deu origem àquela forma fica gravado, ou seja: a verdade do processo aparece no objeto. Podemos chamar isso de brutalismo digital? O processo molda o objeto e deixa suas marcas.

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II. Experimentos

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1. LUMINÁRIA DE BORDA A luminária de Borda é um objeto experimental e representa a iminência do movimento. Ela foi criada num ambiente virtual não neutro sob a ação da gravidade, da pressão e da impenetrabilidade, segundo a qual dois objetos não podem ocupar o mesmo espaço. Além disso, foi incluída a quarta dimensão [tempo] no processo de modelagem, e a forma final surge através do movimento. Ela é resultado da interação de dois objetos digitais: uma bolha maleável e um paralelepípedo (degrau) rígido. Dentro do ambiente virtual, uma certa pressão é aplicada no interior da bolha que está suspensa no espaço. A bolha cai na direção de um paralelepípedo e, ao se encontrar com essa superfície, sofre deformações de maneira a se ajustar ao obstáculo. A forma emergente continua a se movimentar e a mudar sua geometria. Ela rola sobre o degrau em direção ao vazio. De repente, como num clique de fotografia, capturamos forma ao pausar o movimento. O objeto foi congelado no tempo, instantes antes de sua queda fatal.

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Fig 1 Diagrama de movimento da forma. Neste diagrama aparecem alguns frames da forma “congelada�, enquanto ela cai. 53


A forma congelada é usada como base para a luminária. Ainda digitalmente, uma lâmpada é posicionada em seu interior de maneira que a geometria da lampada é subtraída de dentro da bolha. Forma-se a cavidade para a lâmpada no interior da luminária. A forma obtida é fatiada horizontamente para adaptar-se ao material escolhido para fabricação: lâminas de acrílico de 4 mm. O contorno das lâminas é transferido para a máquina de corte CNC através do processo de fabricação digital. As lâminas em forma de disco são, então, cortadas e coladas com uma mistura de cola acrílica e catalisador.

Lâmpada de led G9 utilizada na luminária

Detalhamento paramétrico da forma: 1. mesh original; 2. forma lisa sem textura; 3. fatiamento horizontal; 4. extrusão dos cortornos.

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Forma final. O padrão que se distribui pela luminária é originário da mesh que gerou a bolha.

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Contornos da forma, antes de serem planificados e organizados para corte em CNC

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Contornos numerados e organizados de baixo para cima. São no total 33 peças.


O objeto final consiste em duas partes: a superior e a inferior. As duas peças são unidas por um sistema de encaixe, e a lâmpada ecaixa-se perfeitamente entre as duas formas, como num sanduiche. Após a sua fabricação, a luminária é capaz de interagir com qualquer superfície que contenha um desnível de 90 graus. Um sistema foi criado, e a forma obtida é apenas uma entre as infinitas possibilidades formais dentro desse processo.

Cavidade superior para encaixe da lâmpada

Peças de acrílico espessura 4mm coladas com cola acrílica transparente

Cavidade do encaixe

Lâmpada de LED G9 com soquete

Cavidade inferior para encaixe da lâmpada Encaixe para parte superior

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2. LUMINÁRIA PEDRA MOLE A luminária Pedra Mole explora o abismo que existe entre o mundo real e o mundo digital. Ela trabalha a relação entre duas superfícies: uma concreta e a outra feita de bits. A superfície concreta é representada por uma pedra, e a virtual por uma forma irregular que se assemelha a uma bolha. Cria-se um sistema que une as duas superfícies de maneira que elas possam interagir. O resultado dessa interação é a luminária Pedra Mole.

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Espaço tridimensional não neutro ação de forças dentro do sistema

tempo

pressão

gravidade impenetrabilidade

O sistema no qual a pedra é contida possui gravidade, pressão e o princípio da impenetrabilidade, segundo o qual dois objetos não podem ocupar o mesmo espaço. Dessa maneira a pedra adquire caráter solido.

z

x y

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Uma pedra feita de ruínas é colhida no campo. A pedra é feita de agregado de cimento e brita, um método construtivo ancestral. Para que a pedra possa existir virtualmente, ela é submetida ao processo de engenharia reversa. Cria-se um modelo virtual da pedra a partir de fotografias e um software de smartphone. O modelo tridimensional é então posicionado em ambiente virtual.


Sequência de simulações feitas dentro do mesmo sistema. Diferentes objetos são soltos no espaço tridimensional e interagem com com a pedra.

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Dentro de uma simulação, um objeto de geometria irregular e maleável é solto no espaço virtual e cai verticalmente em direção a pedra. Com o choque das duas superfícies, a pedra permanece intacta. Já o objeto estranho (ou bolha) deita-se sobre sua “topografia acidentada” de maneira a ajustar-se a ela. A simulação é interrompida, e pode-se observar as deformações sofridas pelo objeto. A geometria da bolha é então editada parametricamente, e uma lâmpada é colocada em seu interior. Após o processo de edição, a bolha é impressa em tres dimensões e, ao ser posisionada sobre a pedra inicial, encaixa-se perfeitamente para formar a luminária.


Programação desenvolvida no software grasshoper para gerar o sistema. 65


126 mm

A

A

Vista Superior

115 mm

Corte AA

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Criou-se um sistema de interação entre uma superfície real e outra virtual. A superfície da bolha interagiu com a topografia da pedra de maneira a moldar-se a ela. Neste experimento, o sistema foi aplicado em uma escala pequena para gerar uma luminária. No entanto, o mesmo processo pode ser aplicado na escala da arquitetura. Uma outra técnica (provavelmente assistida por drones) seria usada para escanear o terreno em 3D e gerar seu modelo virtual. Consideradas as diferenças de complexidade, um objeto seria programado para interagir virtualmente com esse terreno, e o resultado da interação seria o modelo do edifício.

Geometria escolhida para a luminária. Detalhe para a cavidade que abriga a lâmpada, e também sua base, que funciona como um berço.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS: O DESENHO DO PROCESSO

Em uma obra de arquitetura vernacular não existe projeto. Não existe um desenho, uma prancha tamanho A0 sobre a qual os construtores debruçam-se para obter as medidas exatas de um cômodo. Tudo o que existe é o processo. A obtenção do material, o modo como esse material será organizado, e o que as mãos construtoras dessa obra serão capazes de produzir. Principios são criados para atingir um objetivo final, mas não existe um desenho rígido e imutável pré determinado. Dentro da arquitetura vernacular, o “desenho” está intimamente ligado a construção. Ele é resultado do processo. O desenho final de uma obra vernacular está intimamente ligado ao seu processo de construção. Ora, a arquitetura vernacular, assim como qualquer outra arquitetura, necessita de ferramentas para ser produzida. As ferramentas fazem parte do processo, visto que são elas que o moldam por completo. As ferramentas são capazes de processar o material, e o material se torna o que elas são capazes de fazer. Por isso as ferramentas ditam as regras de um sistema construtivo, e por isso se configuram como limitantes. Não vivemos mais em tribos como antigamente. Não fazemos 70


mais arquitetura vernacular como antigamente. Apesar disso, assim como no passado, continuamos a depender de ferramentas para produzir nossos objetos e nossas arquiteturas. Vivemos na era da informação, somos produtos do zeitgeist digital e, como não poderia ser diferente, as ferramentas que possuímos são produtos do nosso tempo. Nossas ferramentas estão cada dia mais tornando-se digitais. Chamamos o conjunto dessas ferramentas de tecnologia. De fato, ainda não estamos totalmente dentro da era digital. Estamos num momento de transição: da era industrial para a era digital. A era industrial, que nos afastou um pouco da nossa essência de ser humano, com toda essa produção em massa e produtos e cidades todas iguais, parece estar se desintegrando. No seu lugar entra a era digital, na qual aparentemente existe uma brecha para que as peculiaridades de cada espaço e de cada pessoa sejam respeitadas. Um futuro de customização em massa ao invés de produção em massa. Dentro de espaços digitais podemos criar sistemas e desenhar processos tão eficientes e verdadeiros quanto os que a arquitetura vernacular já nos proporcionou. Entender as potencialidades da era digital para a produção do design e da arquitetura seria uma oportunidade de voltar a nossa origem, a nossa essência. Voltemos ao vernacular por um instante. Dessa vez ao design vernacular. Imagine o sistema onde um objeto de argila é construido. Seus dedos moldam a argila. A argila se deforma de acordo com seus movimentos, com seus gestos. Seus dedos imprimem a forma na argila, e ela responde de acordo com a sua capacidade. Dentro desse sistema, a materialide e os atributos físicos da argila são uma regra. A segunda regra diz respeito a interface entre a argila e você, que são seus dedos. Você movimenta seus dedos, imprime suas digitais no barro, e suas mãos servem de fôrma para a argila. Essa é a segunda regra.

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Em seguida, acrescente a rotação, e teremos uma terceira regra. A massa giratória se moldará de acordo com essa limitante, e seus dedos ,dessa vez, causarão deformações ao redor de um eixo. Enquanto a massa estiver girando, é assim que vai funcionar. O sistema oferece suas limitantes, que são #1: as propriedades da argila; #2: o contato da argila com os dedos; e #3: o movimento da massa em torno de um eixo. Apesar dessas regras, que são limitantes, as possibilidades de criação dentro desse sistema são infinitas. O número de possibilidades não pode ser medido. Os objetos construídos por meio deste sistema representam o processo. A tecnologia usada na construção de um vaso, ou de uma tijela deixa suas marcas. Para a criação das luminárias desse trabalho, foi criado um sistema de geração da forma. Ao contrário do sistema de geração de um vaso de barro, que é analógico, o sistema criado aqui é digital. Ele funciona por meio de uma ferramenta, um computador, que gera simulações do que quer que seja. Dentro de um espaço tridimensional, foram adicionadas forças que podem ser encontradas no mundo real: gravidade, pressão, impenetrabilidade e, por último, tempo. Ao adicionar tempo dentro do sistema, o movimento foi ativado, e as formas maleáveis e sob a ação de forças passaram a sofrer transformações contínuas. Objetos criados virtualmente eram soltos sobre a representação de um objeto real, que era a pedra. Os objetos “imaginários” caiam sobre esse objeto “real” e essas duas superfícies interagiam de maneira a acomodar-se. A programação dentro desse sistema gerou limitantes, no entanto havia infinitas possibilidades geométricas de formas a serem geradas. Os objetos gerados através desse processo representam o sistema que os criou. O desenho surgiu a partir do movimento, a partir de um processo, e não a partir de uma forma pré-concebida. É a verdade do processo que aparece a partir da criação de sistemas, não importa se analógicos ou digitais.

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A tecnologia deixa suas marcas, independente do quão “desenvolvida” seja ela. A técnica, seja ela vernacular ou digital, deixa as suas marcas. É no momento que as marcas do processo são gravadas que surge a essência ou a verdade do objeto. Objetos interagem uns com os outro ao invés de simplesmente ocuparem espaço. O designer torna-se essencialmente um editor do sistema desenhado, até que uma das formas emergentes seja considerada apropriada. Em última instância, talvez esse sistema seja tão eficiente que o designer seja uma pessoa comum, agindo instintivamente dentro de um sistema pré concebido. Após a criação da forma, esse objeto poderia ser facilmente produzido por métodos de fabricação digital. Desenhar processos para a produção do espaço seria a mesma coisa que nos aproximar de nossas origens: voltar ao vernacular, só que dessa vez digitalmente. A ponte criada entre a arquitetura e a linguagem de programação possibilita que utilizemos nossas ferramentas mais potentes para a criação do espaço. Podemos voltar a criar processos para a produção de objetos, ao invés de produzir objetos em massa, todos idênticos e sem alma. Os objetos tornam-se fruto das contingências, e aqueles que utilizarão o objeto tornam-se parte integrante do processo, podendo inclusive altera-lo ou edita-lo para obter o objeto em sua verdade absoluta. As marcas do processo são inerentes ao objeto e não há a necessidade de esconde-las. A verdade do material permanece e revela a origem do sistema que criou o objeto. A arquitetura e o design, assim como os espaços naturais ao longo do tempo, tornam-se produtos das contingências ou das possibilidades do processo.

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BIBLIOGRAFIA

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