TFG FAUUSP 2017 | Tadao Ando: modernidade e tradição

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TADAO ANDO

MODERNIDADE E TRADIÇÃO


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TADAO ANDO

MODERNIDADE E TRADIÇÃO

Vitor Massayuki Endo Orientação: Guilherme Wisnik Universidade de São Paulo Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Trabalho Final de Graduação Dezembro de 2017


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Agradecimentos

Este trabalho representa o encerramento de um período de oito anos da minha vida durante os quais pude aprimorar minha capacidade de enxergar e compreender o mundo. Esses mesmos oito anos foram permeados pela presença de pessoas sem as quais não teria igualmente aprimorado minha capacidade de enxergar e compreender a beleza contida no mundo. Dedico este trabalho aos mestres, amigos e familiares (não necessariamente nesta ordem), figuras que dançam constantemente entre si, ora sendo uma e ora sendo as três ao mesmo tempo. Agradeço ao professor Guilherme Wisnik pela orientação e pelos diálogos travados ao longo do processo de realização do trabalho. A Angelo Bucci pelo exemplo de paixão pela arquitetura, de interesse no fazer, e principalmente pela humildade cativante. A Victor Próspero pelo exemplo de interesse no saber e por essa mesma humildade anteriormente referida. Ao professor Hugo Segawa por ter aceito participar da banca e contribuir com o debate. Ao professor Alexandre Delijaicov pela ética e pelo respeito à arquitetura e às pessoas, inspiradoras durante minha formação. Aos arquitetos Alexandre Loureiro, Alexandre Yassu e Cesar Hiro agradeço pelo caos e disciplina da prática arquitetônica. Aos arquitetos Martha Bucci, Lucas Roca, Felipe Barradas, Tatiana Ozzetti, Paula dal Maso, Laura Pappalardo e Miguel Croce pela serenidade dessa mesma prática. Pelo companheirismo durante todos esses oito anos de FAU agradeço a Paco Talocchi, Marcos do Nascimento, Gabriel Pietraroia, Andre Vitiello, Marina Pizzotti, João Mascaro, Gustavo de Oliveira, Gabriela Deleu, Luiza Noia, Marina Diez, Martim Passos, Beatriz Brandt, Renata Castillo, Kim de Paula, Beatriz Lorenzi, Marina Eisenhauer e Lola Aronis. Pelo companheirismo descoberto em tempos mais recentes, a Olivia Locatelli e João Pini. E pelo companheirismo de tempos passados mas que resiste até os dias de hoje, a Priscila Akiyama e Renan Toledo. À minha família agradeço pelo apoio incondicional às escolhas feitas, em especial à Neusa pelo exemplo de humildade e resiliência ao longo da vida. Por fim agradeço a Marina B. Laurentiis pelo carinho, cumplicidade e por toda beleza contida nas palavras.


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ÍNDICE

0. Considerações iniciais

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1. Tadao Ando: arquiteto

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2. Regionalismo crítico e o modernismo fechado de Tadao Ando

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3. Shintai e genius loci: fenomenologia e natureza na arquitetura

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4. Luz e sombra: a poética do habitar

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5. Minimalismo e a cerimônia do chá

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6. Considerações finais

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Referências bibliográficas

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Fonte das imagens

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0. Consideraçþes iniciais


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Motivações

O presente trabalho partiu de um interesse em aprofundar meus conhecimentos teóricos sobre a arquitetura frente à experiência de 1 ano em que realizei um intercâmbio em Tóquio, entre 2015 e 2016. A possibilidade de em minha primeira saída do Brasil poder viver em um país cuja cultura e pensamento se colocam, em grande parte, sob parâmetros bastante distintos dos nossos me causou uma sensação de estranhamento (junto a uma curiosidade igualmente grande). Tudo o que eu havia aprendido até então sobre arquitetura e espaços urbanos durante minha graduação na FAUUSP foi de encontro a um ambiente onde à primeira vista poderia ser plausível a compreensão através dos meus conhecimentos mas que cada vez mais se demonstrou operar por outras lógicas. Falo aqui sobre minha formação apoiada em uma forte tradição arquitetônica moderna e, mais que isso, fundada em questões relacionadas ao papel social do arquiteto e a importância dos espaços públicos, valores que se enraizaram em mim e pelos quais tenho imenso apreço. Falo também de Tóquio, que está no topo da lista das maiores metrópoles do mundo sendo que São Paulo ocupa uma posição não muito distante. Apesar desta relativa proximidade, no Japão as relações sociais se dão de maneira diferente e mais


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ainda suas espacializações no sentido das esferas do público e do privado - o conceito de “público” inexiste no Japão, ou pelo menos não há uma palavra correspondente no vocabulário japonês a não ser o paburiku (パブリック), escrito através do alfabeto katakana, o qual é utilizado para indicar palavras de origem estrangeira. Por outro lado, o ar de estranhamento junto ao da novidade me manteve atento aos espaços que pude experienciar durante o período e foi neste contexto que visitei algumas obras do arquiteto japonês Tadao Ando, cujo trabalho eu já admirava. Isto se deu de maneira curiosa pois ao mesmo tempo em que seus edifícios tinham esse aspecto diferente (tanto por se situarem no Japão quanto pelo caráter único de sua arquitetura) eles também possuíam algo de familiar, talvez pelo uso do concreto aparente ou então pelos grandes vazios que conformavam seus espaços. Sempre considerei a questão da teoria de suma importância para a prática da arquitetura e após meu retorno ao Brasil, quando no começo de 2017 dei início ao processo de formulação do TFG, vi uma oportunidade de expandir meus conhecimentos para questões do debate arquietônico póstumo ao modernismo que pudessem me oferecer uma base para uma melhor compreensão dos espaços tão distintos que vislumbrei no Japão. A princípio busquei uma bibliografia que discutisse a questão do termo “público” e foi quando entrei em contato com o texto “A ideologia do lugar público” de Otília Arantes. Quase como um guia teórico, neste texto ela traça um espectro histórico que vai da escala dos grandes planos do modernismo às teorias do lugar, sendo que ao final surge a figura de Kenneth Frampton e junto a ele, para minha surpresa, Tadao Ando. Ainda que a princípio eu não tivesse a intenção de me debruçar sobre uma figura específica, Ando (sob a égide do regionalismo crítico de Frampton) me surgiu como um objeto de estudo que, além de eu já me interessar, ia de encontro às minhas intenções iniciais. O presente trabalho resultou dos desdobramentos decorrentes disto.


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Sobre o trabalho

Tadao Ando é um arquiteto japonês cuja obra, marcada pelo rigor geométrico, pelo uso destacado do concreto aparente e por sua íntima relação com a natureza, é reconhecida mundialmente. Composto de cinco capítulos, o presente trabalho estrutura-se através de textos que buscam analisar alguns aspectos de sua arquitetura sob a ótica da relação dicotômica entre a tradição japonesa e a sociedade moderna, campo permeado por tensões onde Ando opera. Autodidata, não tendo frequentado a universidade e também sem ter trabalhado junto a outros arquitetos antes de abrir seu próprio escritório, Tadao Ando possui uma trajetória atípica a qual, até então, conta com cerca de duzentos edifícios construídos. O primeiro capítulo busca debruçar-se sobre um certo mistério que paira sobre a figura de Ando a fim de compreender suas influências e a origem de sua arquietura. Para tal a bibliografia desse capítulo conta exclusivamente com os escritos do próprio arquiteto, principalmente sua autobiografia além de artigos e entrevistas, onde ele faz relatos sobre sua infância e sobre as viagens pelo mundo que o levaram formar suas próprias ideias sobre a arquitetura. O segundo capítulo irá tratar das relações entre a tradição japonesa


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e a modernidade, síntese definidora do presente trabalho e também da arquitetura de Ando. Partindo do regionalismo crítico de Kenneth Frampton, serão discutidas as relações entre cultura local e a civilização universal no âmbito da prática arquitetônica assim como o contexto do pós-guerra no Japão, quando o arquiteto inicia a formulação de seu pensamento. O terceiro capítulo irá focar nas questões relacionadas ao contato com a natureza e a espiritualidade japonesa, e seus parelelos com a fenomenologia do espaço presente nas ideias de Aldo Rossi e Christian Norberg-Schulz. Partindo da noção de shintai advinda da cultura nipônica e sobre a qual Tadao Ando escreve, serão analisados alguns projetos do arquieto onde a presença da natureza e a ideia de lugar se fazem presentes manifestando-se enquanto espaço. Na quarta parte do trabalho o recorte ficará nas questões relacionadas à presença e manipulação da luz na arquitetura de Ando. As ideias do escritor japonês Junichiro Tanizaki serão analisadas a fim de elucidar características da tradição japonesa que permeiam a arquitetura de Ando, ao passo que a abordagem de arquitetos como Louis Kahn e Le Corbusier também irá contribuir para essa leitura no sentido de sua influência moderna. O quinto e último capítulo do trabalho baseia-se nos paralelos entre o minimalismo e a noção japonesa do wabi, ou então mais precisamente entre a arte minimalista da década de 60 e a arquitetura dos tradicionais pavilhões da cerimônia do chá, em especial aqueles projetados por Sen no Rikyu no século XVI. O objetivo deste capítulo é traçar uma possível genealogia da simplicidade formal e material presente em toda a obra de Tadao Ando.


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1. Tadao Ando: arquiteto


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“Nasci em 1941 em Osaka. Aprendi arquitetura autodidaticamente e, em 1969, abri o escritório Tadao Ando Arquiteto & Associados”1. Com estas palavras breves, Tadao Ando apresenta seu currículo. Laureado com o prêmio Pritzker em 1995, um dos principais expoentes da arquitetura japonesa da segunda geração2, Tadao Ando apresenta uma arquitetura de geometria simples, materialidade pura e uma profunda relação com a natureza, dada principalmente pela manipulação das nuances e contrastes entre luz e sombra. Aliando uma sensibilidade advinda da tradição arquitetônica japonesa e a linguagem racionalista do movimento moderno, o arquiteto ganhou destaque em uma época marcada pela crítica ao modernismo e por releituras de questões fundamentais para a prática arquitetônica. Apesar de mundialmente reconhecido, há algo de misterioso na figura do arquiteto: sua trajetória (não) acadêmica e profissional fora do comum junto a certa particularidade de seus escritos (aspecto inerente às diferenças linguísticas entre o Japão e o ocidente) deixam diversos vazios dentro de uma possível narrativa a ser contada. Ao mesmo tempo, a dimensão de sua obra (dada não apenas por sua relevância, mas também pela quantidade de obras construídas - totalizando quase 200 projetos) traz consigo, em cada centímetro quadrado de concreto aparente, marca registrada na obra de Ando, questões conceituais elementares à arquitetura e um potencial ativador das relações entre a essência da vida humana e a percepção do espaço. 1. ANDO, 2010, p. 44. 2. A contar da inserção do Japão no cenário arquitetônico mundial após a Segunda Guerra Mundial, principalmente através do trabalho de Kenzo Tange.


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Lembranças da juventude: a casa escura Tadao Ando possui uma trajetória marcada por fatos atípicos, tais como a ausência de uma formação acadêmica convencional, e o início de sua carreira profissional diretamente como dono de seu próprio escritório, sem passar pela experiência com outros arquitetos. Em seus escritos (artigos, entrevistas, autobiografia) frequentemente transfere o papel de elementos convencionais de formação, como universidade e mestres, ao contexto onde cresceu e a viagens realizadas de forma solitária e independente em sua juventude, quando decidiu se tornar um arquiteto. Nascido em 1941 em um pequeno povoado no interior da província de Hyogo, Tadao Ando localiza o início de suas lembranças de infância após a mudança para o distrito de Asahi, em Osaka, em decorrência da destruição causada pelos bombardeios da Segunda Guerra Mundial. Dos aspectos marcantes que permearam o restante de sua vida na arquitetura, dois são fundamentais: a casa escura onde morou durante a infância e a vizinhança composta por artesãos onde cresceu. Há, na cultura oriental (em especial na cultura japonesa), uma relação com a luz distinta daquela que permeia o ideário ocidental. Diferente do iluminismo panóptico e da ideia da iluminação doutrinária cristã, a cultura tradicional japonesa valoriza não apenas o elemento luz, mas sim tudo aquilo que compõe o gradiente na relação entre luz e sombra: “Na minha opinião, uma das coisas mais importantes se perdendo na cultura moderna japonesa é o senso de profundidade e opulência contido na sombra. Ao passo que ficamos menos cientes da escuridão, acabamos esquecendo da reverberação espacial e dos padrões sutis criados pela relação entre luz e sombra. Quando isto acontece, tudo passa a ser uniformemente iluminado: objeto e forma ficam limitados a relações simplistas.” 3 A apreensão das nuances entre luz e sombra na arquitetura de Tadao Ando foi bastante marcada pelas lembranças da casa onde cresceu: um modesto sobrado de madeira situado em um lote profundo com cerca de 4 metros de largura por 16 metros de profundidade, comprido e compartimentado, frio no inverno e abafado no verão. 3. ANDO, 1990a. Em: DAL CO, 1996, p. 458.


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Segundo o arquiteto, as condições dadas pelo lote profundo e a organização dos cômodos na residência caracterizavam uma casa bastante escura e exígua. Entretanto, a predominância de uma atmosfera sombria, assim como a severidade térmica pouco atenuada pela estrutura de madeira, fizeram com que o arquiteto adquirisse consciência das forças impostas pela natureza - forças estas que posteriormente vieram protagonizar seus edifícios como elementos de grande caráter poético e extremo potencial arquitetônico. Um pequeno jardim interno ao lote da residência assumia o papel de trazer alguma luz para dentro dos aposentos, quase que como uma pintura, a qual Ando passou grande parte de seus finais de tarde a contemplar: “A memória daquela casa sempre esteve comigo, o modo como os aposentos pareciam estar pintados em sombra e luz.”4 Este simples relato sobre suas lembranças de infância e o impacto inspirador destas na trajetória do arquiteto japonês já configuram um imaginário suficientemente apto para a assimilação de uma de suas obras mais conhecidas, a Casa Azuma (Osaka, 1976). Primeira obra notória e responsável por lançar Tadao Ando no cenário arquitetônico japonês, essa residência caracterizada por uma hermeticidade conformada por paredes austeras em concreto aparente e cômodos organizados em torno de um grande vazio central que ocupa um terço do lote, em muito se assemelha à casa de infância descrita pelo arquiteto. Evidência clara de uma arquitetura que busca a retomada das relações entre homem e natureza, com seu pátio interno, que obriga os moradores a colocarem seus corpos ao ar livre toda vez que atravessam de um cômodo a outro (faça chuva ou faça sol), a casa Azuma possui em seu cerne conceitual a valorização de uma poética do habitar em detrimento do utilitarismo do cotidiano. Não apenas da luz tratam as lembranças de Ando da casa onde cresceu, mas também da percepção da passagem do tempo (dia, estações, ano) e de elementos como o vento, o céu e a vegetação. A ideia de um microcosmo contido dentro de um lote com dimensões limitadas expressa o desejo do arquiteto de capturar momentos e trazer recortes temporais - como muito se faz em diversos campos da cultura tradicional japonesa (poesia/haikai, pintura e arquitetura) - revelando a intenção de resgatar a possibilidade de contemplação do mundo e da paisagem, a qual, segundo ele, se perdeu dentro da assepsia da metrópole moderna. 4. ANDO. Em: AUPING, 2003, p. 11.


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1. Desenho de Tadao Ando: corte da Casa Azuma

2. Vista do pรกtio interno da Casa Azuma


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Muito do pensamento de Tadao Ando remete ao jogo entre extremos: o entendimento das relações entre eles e dos gradientes que permeiam as nuances contidas neste intervalo. Em paralelo à apreensão da relação entre luz e sombra, está o balanço entre sólidos e vazios. Das lembranças sobre sua casa de infância, a experiência de contemplar o jardim interno influenciou a visão do arquiteto sobre a importância do vazio, elemento por onde se manifesta a luz, meio possibilitador do recorte temporal contemplativo e, de acordo com a cultura japonesa e o pensamento zen, representante do infinito. Se a Casa Azuma, com seu vazio central para a entrada de luz nos ambientes, pode ser vista como o marco zero da arquitetura de Tadao Ando (o próprio arquiteto a assume assim), a utilização das relações entre extremos em suas obras se aperfeiçoou ao longo do tempo e conforme a escala de seus projetos adquiria dimensões maiores. Nos espaços surgidos do jogo entre luz e sombra, pode-se destacar o avanço da manipulação e da sutileza de tais relações com a Casa Koshino (Ashiya, 1981) e a Igreja no Monte Rokko (Kobe, 1986). Na contraposição entre a solidez do concreto aparente e a imaterialidade do vazio, são diversos os edifícios que tratam da organização espacial com o uso de um vazio central, tais como o grid estrutural do complexo comercial Festival (Naha, 1984) e a espiral descendente do Omotesando Hills (Tóquio, 2005). Entretanto, talvez o edifício que melhor sintetize o uso das relações entre luz/sombra e vazio/sólido seja a Igreja da Luz (Ibaraki, 1989), onde a simbologia do crucifixo cristão é reinterpretada espacialmente através de sua desmaterialização pela luz que atravessa duas frestas localizadas na empena atrás do altar.


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4. Luz e sombra no interior da Casa Koshino


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5. (abaixo) Luz entrecortando a empena atrás do altar na Igreja no Monte Rokko 3. (pág. ao lado) Átrio central do edifício Festival


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6. (abaixo) Vazio central e rampas descendentes em Omotesando Hills 7. (pรกg. ao lado) Vista para o altar da Igreja da Luz


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Vizinhança de artesãos: a voz dos materiais Pensando nas relações entre sólido e vazio, o primeiro evidencia outra lembrança determinante na forma como o arquiteto aborda o seu trabalho: a vizinhança de artesãos no lugar onde cresceu. O distrito comercial de Asahi, em Osaka, era formado em grande parte por pessoas que tinham como ofício a produção de objetos e utensílios. Talvez mais do que isso, como o próprio arquiteto aponta, eram pessoas que viviam através do “livre senso baseado na sensibilidade para os materiais, ou nas formas de criação dos objetos, ou na capacidade de pensar os objetos a partir de sua origem, sem se deter na sua forma”5. A atmosfera de boa relação entre os moradores do bairro onde Ando cresceu, no qual todos se conheciam e compartilhavam os espaços, possibilitou a ele horas de “diversão” em sua juventude - na serraria trabalhando a madeira para a criação de objetos, na serralheria jogando metal em formas que ele mesmo fabricava e vazava e no vidraceiro soprando balões de vidro para dar forma a recipientes. As experiências adquiridas ao longo de sua juventude criaram em Ando a consciência sobre as relações entre a ação do fazer e o caráter dos materiais. “A madeira possui um caráter e é preciso estirá-la na boa direção”6, dizia-lhe o proprietário da serraria onde passou horas a fio. Tal afirmação, que ficou em sua lembrança, diz muito sobre a maneira como ele trata e manipula o concreto de sua arquitetura, onde há a preocupação em escutar e compreender aquilo que Tadao Ando diz ser a “voz dos materiais”7. Sobre suas experiências na serraria quando criança, escreve o arquiteto: “Assim como as pessoas têm personalidades e rostos distintos, cada madeira tem suas próprias características. [...]. Eu obtive o conhecimento diretamente físico sobre as personalidades das madeiras, seus cheiros e suas texturas. Então eu compreendi o balanço absoluto entre a forma e o material do qual ela é feita.” 8

Além da possibilidade de viver em espaços voltados ao contato com

5. ANDO, 2010, pp. 35-36. 6. ANDO, 2010, p. 36. 7. ANDO. Em: AUPING, 2003, p.15. 8. ANDO, 1982, p. 9.


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os materiais, Ando aponta outra lembrança marcante em sua juventude, que ocorre durante a ampliação da residência onde Ando morava quando jovem. O encantamento do arquiteto, que acompanhou de perto a obra e esteve disposto a ajudar nas mais diversas tarefas, veio principalmente quando ele se deu conta do potencial modificador da paisagem no ato de construir: “A paisagem foi gradualmente mudando quando as obras começaram. Ao abrir um buraco no teto, uma luz branca penetrou através da casa escura e úmida. Pela abertura, podia-se ver em destaque o céu azul. Era um mundo totalmente diferente do que era nossa casa até o dia anterior” 9. O gosto pelo manejo de objetos e pelo contato com os materiais direcionou a vida do arquiteto após o fim de sua breve (e inusitada) carreira como pugilista. Aos dezessete anos o então jovem Ando iniciou sua passagem no boxe, recebendo a licença para participar de lutas profissionais com pouco mais de um mês de treino. Depois, conquistou o direito de participar de duelos mais longos - o que lhe rendeu a sua primeira viagem ao exterior, quando foi participar de uma luta em Bangkok. Entretanto, após dois anos treinando e avançando de posição, ao realizar um treino junto ao astro do boxe da época (Fighting Harada), Tadao Ando se deu conta de que não importava o quanto praticasse, jamais atingiria tal nível de preparo físico e mental. Ainda que atingido pela frustração, o futuro arquiteto assume que o aspecto disciplinar do boxe, onde o preparo físico e mental dependem única e exclusivamente do esforço do próprio indivíduo, foi um grande ensinamento. O mesmo orgulho de poder ser remunerado por usar o corpo e a mente, que o arrebatou no início de sua carreira no boxe, permeia até hoje a visão de Ando sobre a arquitetura e a construção. E foi em direção ao resgate desta antiga paixão pelo potencial de criação que ele deu seu próximo passo, o primeiro rumo à sua carreira como arquiteto. Sensibilidade dos materiais e orgulho do ofício. Esses aspectos, trazidos de suas experiências durante a juventude, sintetizam a maneira com que o arquiteto concebe suas superfícies em concreto aparente. Simultaneamente austero e suave, o “concreto de Ando” (fórmula composicional desenvolvida ao longo de anos de prática) busca explorar os limites criativos 9. ANDO, 2010, p. 36.


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8. Tadao Ando quando jovem durante o perĂ­odo em que foi pugilista


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do material, tendo como inspiração a delicadeza das construções japonesas que utilizam madeira e papel. O uso do concreto nas obras de Tadao Ando muito tem a ver com sua forte influência moderna, principalmente através das figuras de Le Corbusier (em sua fase beton brut) e Kenzo Tange, que serviu de referência durante seu processo autônomo de aprendizado. Esta influência é assumida pelo arquiteto sob as ressalvas de uma aplicação “do vocabulário e das técnicas desenvolvidas por um modernismo aberto e universalista ao domínio fechado dos estilos de vida individuais e da diferenciação regional.”10 O uso do concreto como arauto de uma linguagem modernista no mundo é compreendido pelo arquiteto como resposta às condições dos meios de produção e à conveniência de aplicação e abstração formal. Em se tratando de conveniência funcional, no próprio Japão do pós-guerra, o concreto passou a tomar espaço e ser utilizado principalmente por conta de sua resistência ao fogo, abalos sísmicos e durabilidade, em detrimento da madeira, muito mais suscetível aos impactos das intempéries. O protagonismo do uso do concreto no embate com as condições da natureza foi também o responsável pela negação desta dentro do processo de crescimento desenfreado das metrópoles japonesas, gerando espaços insípidos e carentes de “espírito e individualidade”, segundo Ando. Além disso, a sensibilidade japonesa com os materiais que compunham a paisagem e o espaço ainda repousava sobre o aspecto delicado e leve das construções em madeira e papel, de forma que o concreto era associado a um certo peso e agressividade em prol da resistência e da funcionalidade. Tadao Ando, no início de sua atuação como arquiteto, já enxergava as condições trazidas pelo uso do concreto aparente e, apesar de também utilizar o material por conta de um custo de construção mais baixo, que dava conta de espaços grandes com orçamentos restritos, via no material um grande potencial expressivo das ideias de um arquiteto e diversas possibilidades de materialização, as quais podiam variar de “uma expressividade tosca e potente como o Convento de La Tourette (de Le Corbusier) até o estilo elegante e rijo do Museu de Arte Kimbell, de Kahn”11. Adotou para tal o desafio de utilizar o material explorando suas nuances através de geometrias simples que pudessem servir como meio para a criação de espaços 10. ANDO, 1982, p. 8. 11. ANDO, 2010, p. 144.


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9. Convento de La Tourette de Le Corbusier

10. Museu de Arte Kimbell de Louis Kahn 11. (pรกg. ao lado) Fachada em concreto da Casa Azuma


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ricos, complexos e diversificados. Frente à tarefa de adaptar o caráter delicado das construções japonesas à rigidez do concreto aparente, Tadao Ando buscou um concreto de textura suave através do qual pudesse se manifestar “um espaço singelo e poderoso, capaz de deixar gravada no coração das pessoas apenas a experiência do espaço [...]. Uma arquitetura de forma nua, na qual tudo se manifesta pela proporção dos espaços recortados das paredes e pela luz neles embutida.” 12 A partir de sua visão e sensibilidade com relação ao trato dos materiais, Ando passou a empregar e desenvolver técnicas de fabricação e acabamento do concreto com grande rigor. Proporção entre água e cimento, entrelaçamento de barras de ferro e espaçadores, dimensão e instalação dos painéis de moldagem, todos essas etapas e elementos relacionados ao erguimento de superfícies puras de concreto foram testados pelo arquiteto, que também participava das atividades no canteiro de obra, até atingir um nível de precisão técnica e uma fórmula satisfatória, a qual o arquiteto batizou de “concreto do Ando”. O rigor nos processos de construção comandados pelo arquiteto aliado à crença de que o operário é um artesão (e que portanto deve sentir orgulho e respeito por aquilo que produz) atingiam níveis tão altos que há o registro do episódio no qual ele agrediu o operário de uma de suas obras. Segundo o próprio Ando: “[...] eu me juntava aos operários no canteiro e colocava mãos à obra. Quando encontrava um deles relaxando, eu o admoestava a ponto de ser capaz até de socá-lo se preciso fosse, para que se empenhasse ao máximo. O resultado do concreto depende da confiança das relações humanas entre o arquiteto e o pessoal do canteiro de obras, da capacidade de se formar no construtor o orgulho por construir algo.” 13 A abordagem de Ando aos materiais junto ao seu rigor técnico o levaram a atingir um alto patamar de reconhecimento através do uso do concreto aparente, (embora a partir da década de 1990, principalmente após 12. ANDO, 2010, p. 147. 13. ANDO, 2010, p. 148.


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o projeto para a Expo 92 em Sevilha, o arquiteto tenha passado a experimentar madeira). Em toda sua obra é possível observar o uso do material nas mais diversas situações, da austera fachada da Azuma House à súbita conformação e revelação dos espaços enterrados no Chichu Art Museum (Naoshima, 2004). Retomando os contrapontos luz/sombra e sólido/vazio, é possível apontar que a materialidade do concreto utilizado por Ando remete principalmente ao segundo par. Apesar disso, toda solidez do material têm por finalidade a sua própria desmaterialização, a qual serve como suporte para que fachos de luz possam pintar as sombras e para que a completude do espaço faça com que tudo resulte em síntese, o grande vazio meditativo e contemplativo: “O concreto que eu emprego não tem a ver com rigidez plástica ou peso. Pelo contrário, deve ser homogêneo e leve, deve criar superfícies. Quando elas estão em consonância com a minha abordagem estética, paredes se tornam abstratas, são negadas e então se aproximam do limiar do espaço. Sua materialidade se perde e somente o espaço que elas confinam parece realmente existir. Sob essas condições, o volume e a luz projetada flutuam em proeminência como elementos indicativos da composição espacial.” 14 Uma casa escura e uma vizinhança composta por artesãos. Esses dois elementos ecoam na arquitetura de Tadao Ando sintetizados na forma da luz que entrecorta os espaços conformados por suas superfícies em concreto aparente. O ímpeto do arquiteto por tomar as experiências de “corpo, mente e espírito” como elementos didáticos diz algo sobre como a própria experiência do espaço é vista por ele. Tal ímpeto também o direcionou ao desejo de presenciar a arquitetura pessoalmente, como nas viagens que fez pelo Japão e pelo mundo, parte importante de sua formação.

14. ANDO, 1982, p. 12.


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Autodidatismo: viagens e aprendizado solitário O autodidatismo no mundo da arquitetura não é algo exclusivo da carreira de Tadao Ando, ainda que não sejam tantos os exemplos de arquitetos que seguiram esse caminho. No eixo Estados Unidos-Europa, hegemônico na formação do pensamento arquitetônico, figuras influentes como os estadunidenses Louis Sullivan e Frank Lloyd Wright, e os europeus Mies van der Rohe e Le Corbusier (este último, referência assumida pelo arquiteto japonês), ilustram esse grupo atípico. A indefinição que ronda tal processo de formação tem as mais diversas conotações, indo de cursos universitários de arquitetura não concluídos até atividades em outros campos que por fim direcionaram a carreira de certos arquitetos à construção de edifícios. No caso de Ando a impossibilidade de frequentar uma universidade devido às suas condições financeiras, além de sua inaptidão para atividades formais de educação, levaram-no a traçar seu caminho autonomamente através de viagens formadoras, nas quais pôde experienciar a arquitetura presencialmente, e também da leitura de diversos livros e revistas de arquitetura garimpados previamente em sebos. “Como não frequentei uma universidade, nem tive professor me ensinando diretamente, escrevo que sou autodidata. Continuo pesquisando até hoje sobre o que e de que formas se deve estudar”15, afirma Tadao Ando sobre seu processo de aprendizado. Ao finalizar o ensino médio, pouco após o término de sua carreira no boxe, o desejo por retomar a prática de criação de objetos o levou a pequenos trabalhos temporários que tivessem relação com o ofício de arquiteto. Inicialmente como construtor de móveis, dada sua aptidão no manejo dos materiais, ao ver o mundo se ampliar dos objetos ao projeto de interiores e à arquitetura, Ando naturalmente pensou na possibilidade de frequentar a universidade. Entretanto, proveniente de uma família com condições econômicas restritas, e pouco afeito aos estudos desde a infância, se viu impedido de seguir esse rumo. Sob tais circunstâncias o único caminho possível era o de adotar um processo de aprendizado autônomo simultâneo aos trabalhos temporários que executava na época. Apesar de nunca ter frequentado uma universidade, Ando buscou trazer para perto de si tudo aquilo que pudesse colocá-lo em contato com seus objetivos: aulas de desenho, cursos de arquitetura por correspondência, 15. ANDO, 2010, p. 44.


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leitura da bibliografia dada nos cursos universitários. Este esforço, aliado aos trabalhos que realizava, fez parte de sua formação básica na arquitetura. “O mais duro desse tipo de aprendizado é ter de ponderar por si só sobre o que e de que forma estudar.”16 Dentre as leituras que o arquiteto tateava autonomamente na época (com enorme dificuldade em entender o conteúdo ou sua importância, admite ele), o nome de Le Corbusier, que recorrentemente surgia nos compêndios de arquitetura, estampado na capa de um livro em um sebo de Osaka mudou sua trajetória. Não apenas os desenhos e croquis contidos no objeto, mas também seu formato e a maneira como as imagens se alinhavam ao texto em francês se apresentavam com um ar diferente. Apesar de encontrado em um sebo, o livro importado custava uma quantia de dinheiro significativa na época, o que levou Ando a economizar por mais de um mês para adquiri-lo. Após feito, o arquiteto passou a copiar todos os desenhos do livro, decalcando tantas vezes as linhas das plantas e cortes que acabou por memorizá-las. Pelo fato de o livro ser em francês, na época não pôde entender o que estava escrito, o que o levou a adquirir uma tradução para o japonês da obra Por uma arquitetura. Naquele momento o aspirante a arquiteto se deparou com uma figura que, além de apontar novas direções e influenciar toda uma geração na arquitetura, era um autodidata. “Le Corbusier se tornou para mim uma figura que extrapolava o mero fascínio”17, afirma Tadao Ando. A autonomia em sua formação, apesar de apresentar dificuldades, conferiu à abordagem de Ando um estilo único na utilização de uma linguagem modernista. Kenzo Tange (1913-2005), o “papa da arquitetura moderna japonesa”, foi também uma figura influente na formação autônoma de Ando. Em meio às inúmeras leituras, muitas vezes de livros em inglês que o arquiteto não compreendia, a vontade de experimentar de maneira direta os espaços representados em desenhos e fotografias foi crescendo. Sua primeira peregrinação arquitetônica se deu em 1963, aos 22 anos de idade. O trajeto compreendeu algumas cidades no Japão, indo da região de Kyushu, ao sul do arquipélago, até Hokkaido, ao norte. Seu principal objetivo nesta peregrinação foi visitar as obras de Kenzo Tange, de extrema relevância para o movimento arquitetônico japonês do pós-guerra. 16. ANDO, 2010, p. 45. 17. ANDO, 2010, p. 47.


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Tange, assim como Ando, teve Le Corbusier como principal influência na arquitetura. Vencedor do concurso para o Hiroshima Peace Memorial Park em 1949, ganhou notoriedade internacional, tornando-se membro do CIAM na década de 50. Sua pesquisa no campo do planejamento urbano através do Tange Lab, na Universidade de Tóquio, foi responsável pelo surgimento do Metabolismo no Japão, assim como influente nos trabalhos de grupos estrangeiros, como o Team X e o Archigram. Entretanto, foi no campo da arquitetura que Ando se identificou com Tange, principalmente após visitar o Hiroshima Peace Memorial Museum. Neste projeto, um volume elevado sobre pilotis e centralizado a uma das avenidas para pedestres do parque projetado pelo mestre japonês evocava, através de um edifício, todo o sentimento e a memória então recente de um dos episódios mais trágicos da história japonesa. Durante a mesma viagem que o levou a presenciar a arquitetura do mestre japonês, Tadao Ando pôde presenciar construções vernaculares (séculos XVII e XVIII) de locais como Shirakawa-go e Hida-Takayama, todas imbuídas de uma profunda relação com a natureza e uma poética derivada de um cotidiano extremamente diferente daquele da metrópole moderna.

12. (acima) Hiroshima Peace Memorial Museum de Kenzo Tange 13. (pág. ao lado) Casas vernaculares na região de Takayama


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Tais aspectos configuram uma das características que Ando busca em sua arquitetura, principalmente como resistência ao processo homogeneizador da globalização. Tanto as aldeias vernaculares, como os castelos e templos históricos que compõem as paisagens de Nara e Quioto, próximos a Osaka, permearam a visão de Tadao Ando sobre a arquitetura e fizeram parte de seu processo de formação. Se, de maneira geral, a arquitetura de Tange pode ser descrita como detentora de uma linguagem que alia o estilo tradicional japonês ao modernismo, esta mesma descrição pode ser aplicada à arquitetura de Ando, sem perder sua veracidade. Há um capítulo pouco conhecido na carreira de Tadao Ando. Após sua viagem pelo Japão, enquanto trabalhava auxiliando um escritório de arquitetura local em um pequeno projeto de reurbanização na área de Minatogawa, em Kobe, Ando conheceu o professor Eisuke Mizutani. Este lecionava na Universidade de Osaka e coordenava um laboratório de pesquisas na área de urbanismo chamado Team UR, ao qual convidou Tadao Ando a participar. Apesar de ficar na equipe por um breve período, a experiência o fez confrontar uma escala oposta aos projetos de móveis e interiores que realizara até então. O entendimento da arquitetura como algo realizado entre escalas tão distintas, mas que de certa forma as sintetiza, se fez presente para o jovem arquiteto naquele momento. Em 1965, um ano após as viagens para o exterior serem liberadas no Japão, Ando partiu rumo à Europa, dando prosseguimento ao seu processo de aprendizado através da experimentação direta dos espaços. Neste caso, o grande valor da experiência residia no fato de que o ocidente representava toda a história de uma arquitetura que Ando vislumbrou em livros e revistas e que, entretanto, muitas vezes não podia compreender em sua totalidade, já que grande parte dos textos estavam em línguas ocidentais. A viagem, que durou mais de sete meses e deu fim às suas economias pessoais, seguiu o roteiro traçado no passado por Kunio Maekawa, que em 1928 viajou à Paris para se tornar aprendiz de Le Corbusier. Kunio Maekawa (1905-1986) também pode ser aqui interpretado como uma figura influente na trajetória de Tadao Ando. Em uma época marcada pela aceleração do processo de modernização no Japão, advinda da abertura dos portos após longo período de fechamento, e da inserção do país na política internacional ao final da era Edo (1603–1868), o fluxo de profissionais da arquitetura entrando e saindo do país gradualmente au-


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mentou. No sentido de entrada no país, dois arquitetos que se destacaram tanto na produção de material escrito sobre a arquitetura japonesa (principalmente a Vila Imperial Katsura, em Quioto) quanto na participação de projetos, foram Bruno Taut e Frank Lloyd Wright. Na contramão, o Japão enviou diversos jovens e profissionais para aprender sobre os mais diversos campos do conhecimento na Europa. Dentre eles, Kunio Maekawa que foi a Paris para se tornar aprendiz de Le Corbusier, foi um dos responsáveis por introduzir elementos de uma arquitetura modernista no país. Uma de suas obras mais famosas é a sua própria casa, onde o ineditismo da inserção de um piloti para o apoio de um mezanino representou a apropriação de elementos da arquitetura moderna no país. Assim como Maekawa, Ando realizou seu trajeto indo de navio até Nakhodka, na Rússia, de onde subiu a bordo de um trem na Transiberiana em direção a Moscou. Dentro de seu posicionamento de resistência e crítica à dispersão da contemplação da paisagem na sociedade moderna, Tadao Ando aponta a experiência de poder ver a infinitude do horizonte, tanto no mar do Oceano Pacífico quanto nas planícies russas, como algo arrebatador, em detrimento das viagens aéreas, que se tornavam cada vez mais comuns.

14. Casa de Kunio Maekawa


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15. Vista do altar da Igreja sobre a Água

16. Empena anunciando a presença do Museu de Arte Contemporânea de Naoshima


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A compreensão da dimensão da paisagem diz muito sobre a abordagem do arquiteto frente a programas localizados em áreas abertas, tal como na ampla horizontalidade da Igreja sobre a Água (Hokkaido, 1988) ou na implantação sutil do Museu de Arte Contemporânea de Naoshima (Naoshima, 1995). De Moscou, Tadao Ando foi em direção à Finlândia, onde presenciou o modernismo escandinavo na arquitetura de Alvar Aalto (1898-1976) e Heikki Sirén (1918-2013). Algo que o surpreendeu nessa passagem, foi a capacidade de uma expressão arquitetônica tão rica apesar do clima severo, poucos recursos naturais e um solo infértil. Tanto o modernismo, com sua expressividade material abstraída de uma cultura construtiva local, quanto a delicadeza de construções populares simples e asseadas, mas com grande consideração pela deslumbrante luminosidade, mais uma vez trouxeram a Ando a constatação da beleza contida no cotidiano distinto a cada região e contexto. Na Grécia e na Itália, Partenon e Panteão, ícones da história da arquitetura ocidental vistos somente em livros, materializaram-se em forma de espaço, fazendo Ando compreender a importância de tais obras. Tanto as colunas gregas nas ruínas do Partenon, ponto de partida da arquitetura na Europa Ocidental, como a dramaticidade da luz que penetra o óculo zenital na cúpula do Panteão trouxeram ao arquiteto japonês o entendimento da geometria, proporção e racionalidade, tão distintos das conformações espaciais da arquitetura tradicional japonesa. Em terras italianas o arquiteto percorreu de Roma a Florença a visitar pinturas e esculturas de Michelangelo e outros artistas, a fim de entender melhor a sensibilidade estética ocidental. A figura de Antoni Gaudí (1852-1956), na Espanha, também imprimiu uma forte característica na arquitetura de Tadao Ando no que diz respeito ao uso dos materiais. Ainda que à primeira vista toda a ornamentação contida na obra do arquiteto catalão aparente ser “irracional”, a abordagem estrutural através do uso da alvenaria possui muito de uma racionalidade construtiva. Utilizando apenas tijolos em formato de placas finas em uma época em que elementos industriais, como ferro e concreto, estavam protagonizando as construções europeias, Gaudí explorou os limites estruturais da alvenaria e as possibilidades físicas da forma, atingindo resultados que extrapolavam a estética moderna da época. O uso de um método construtivo que estava aos poucos sendo abandonado para composição de formas


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únicas, fez com que Ando vislumbrasse, ao visitar suas obras, o potencial expressivo contido em cada material. Da mesma forma que Gaudí soube utilizar a alvenaria em suas diversas nuances, Ando o faz com o concreto, não no sentido de uma composição plástica, mas sim entrevendo a multiplicidade compositiva através do uso de formas simples e texturas de profundidade diversas. Em território francês, o arquiteto guiou sua visita através das obras de Le Corbusier, que até então havia visitado somente em imagens de livros e revistas. Passou por obras como a Villa Savoye, Igreja de Ronchamp, o Convento de La Tourette e a Unidade de Habitação em Marselha, finalmente experienciando diretamente os espaços criados pelo mestre franco-suíço. Presenciar a clareza do raciocínio que permeia as obras de Le Corbusier, de fases distintas em sua carreira, influenciou a maneira que Ando tem de abordar os aspectos da abstração e do raciocínio lógico em sua arquitetura. Em seus escritos o arquiteto japonês fala sobre a intenção de criar uma arquitetura que integre de forma dinâmica dois elementos opostos: abstração e representação. “Abstração é uma estética baseada na clareza da

17. Cobertura em abóbada catalã da Escola da Sagrada Família, de Gaudí


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lógica e na transparência do conceito, e representação concerne a toda condição histórica, cultural, climática, topográfica, urbana e de vida”18. Ando, que após suas primeiras viagens nunca mais deixou de visitar outros países e contextos sempre que possível, parece ter desenvolvido esse modo de olhar para o mundo, buscando compreender as lógicas racionais que se manifestam nos mais diversos lugares, mas que são aplicadas a contextos específicos. O caminho de volta do arquiteto, que subiu a bordo de um navio em Marselha, ao sul da França, também lhe proporcionou uma maior abertura com relação à diversidade de contextos que permeia o mundo. Passando pela Cidade do Cabo, Madagascar, Índia e Filipinas, antes de retornar ao Japão, Ando vislumbrou paisagens e modos de vida distintos, cada qual com suas lógicas próprias. Na Índia, destaca ele, a presença de corpos cremados flutuando ao lado de pessoas se banhando no rio Ganges foi reveladora de uma forma outra de encarar as relações entre natureza, vida e morte. Ao final de sete meses, Tadao Ando regressa ao Japão. Dada a experiência modificadora de sua visão sobre o mundo e sobre a arquitetura, no intervalo entre seu retorno da Europa e a abertura de seu próprio escritório continuou a realizar serviços para que pudesse arcar com as despesas de outras viagens. Nesse entremeio, Ando visitou duas vezes os Estados Unidos, onde pôde vislumbrar paisagens e cidades do país, matriz de uma cultura que após a Segunda Guerra Mundial passou a influenciar cada vez mais o modo de vida no Japão. Ao comentar sobre suas impressões acerca dessas visitas evidencia um posicionamento de forte crítica à incompatibilidade entre os costumes dos estadunidenses e dos japoneses e à ausência de um sentido lógico para a adoção de determinados valores: “Senti o vazio do Japão, que, mesmo tendo um território, recursos naturais e hábitos de vida diferentes daqueles dos Estados Unidos, vivia imitando os americanos, num cotidiano muito pressionado pela sociedade de consumo em massa. A imagem da vida moderna é só mais um produto americano. Por onde quer que se olhe, é irracional demandar esse estilo de vida em um país pequeno como o Japão.” 19 18. ANDO, 1991a. Em: ESPOSITO, 2011, p. 73. 19. ANDO, 2010, pp. 68-69.


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Se toda a experiência prévia das viagens pelo Japão e pela Europa expôs a Ando a beleza e o potencial criativo de culturas locais e de contextos distintos, presenciar o modo de vida norte-americano (que, de maneira inversa, chegou a ele em seu país antes de sua visita aos Estados Unidos) deixou claro quão delicadas são as questões relativas ao embate e à sobreposição de culturas. Por outro lado, em solo estadunidense Tadao Ando teve a oportunidade de vislumbrar aspectos positivos dessa cultura através das obras de arquitetos como Frank Lloyd Wright e Louis Kahn, sendo este último uma grande influência para o arquiteto japonês juntamente a Le Corbusier. A arquitetura e o pensamento de Louis Kahn (1901-1974) encontram reflexo na obra de Tadao Ando em diversos aspectos, sendo aqui possível destacar dois deles: a ideia de ordem no espaço arquitetônico e a visão sobre os materiais. As proporções dos pavilhões cobertos por abóbadas do Museu de Arte Kimbell (Texas, 1972) de Kahn, assim como o refinamento com que a estrutura em concreto e os fechamentos em pedra branca, exprimem essas características. Ainda que o museu tenha sido construído posteriormente às primeiras viagens de Ando aos Estados Unidos, esse projeto de Kahn foi diretamente referenciado pelo arquiteto japonês três décadas após sua finalização, através do Museu de Arte Moderna de Fort Worth (2002). Localizado em um terreno limítrofe ao Kimbell, os pavilhões projetados por Ando, em estrutura de concreto coberta por uma pele de vidro, fazem alusão aos pavilhões de Kahn seguindo os mesmos preceitos de ordem e materialidade. Apoiado pela leitura de livros de arquitetura, em suas viagens de formação Tadao Ando presenciou uma grande variedade de construções, paisagens, climas e modos de vida: “Aquilo que sabemos por meio de vocábulos abstratos e a experiência real que nos leva a conhecer seu significado, embora sejam conhecimentos iguais, possuem uma profundidade totalmente diversa”20. O arquiteto sem mestres encontrou em seu trajeto pessoal elementos suficientes para formação de um repertório próprio e autêntico. Após alguns anos de viagens e pequenos trabalhos, em 1969 abriu seu próprio escritório em Osaka, sua cidade natal.

20. ANDO, 2010, p. 53.


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2. Regionalismo crĂ­tico e o modernismo fechado de Tadao Ando


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A obra de Tadao Ando sintetiza de maneira particular características advindas de duas esferas culturais bastante distintas: ocidente e oriente (ou mais precisamente Japão). O autodidatismo como trajetória de aprendizado - que se deu através de leituras e viagens autônomas de estudo - aliado ao contexto específico em que o arquiteto iniciou a formulação de seu pensamento sobre a arquitetura - um Japão onde demonstrava-se cada vez mais latente o choque entre a tradição japonesa e a dominação cultural estadunidense no pós-guerra - possibilitou a ele a apreensão de um conjunto de fatores que vão da materialidade e do racionalismo da arquitetura moderna à sensibilidade estética e relação com a natureza dos japoneses. Tal sobreposição, entretanto, não se dá através de processos passivos ou pela ausência de conflitos lógicos. Pelo contrário, o antagonismo imbuído nas diversas influências que constituem sua formação e a plena consciência dessa condição são determinantes na maneira como Ando concebe seus edifícios. Nas palavras de Kenneth Frampton, que em 1983 publica o texto “Prospects for a Critical Regionalism”, o arquiteto japonês formulou “com mais clareza que qualquer outro profissional de sua geração, um grupo de preceitos muito próximo da ideia do regionalismo crítico”. E continua: “Isso se revela clara-


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mente na tensão que ele percebe entre o processo de modernização universal e a idiossincrasia da cultura local.”21 O inglês Kenneth Frampton (1930-presente), responsável por trazer o conceito de regionalismo crítico ao debate arquitetônico a partir da década de 1980, é um teórico e historiador da arquitetura, cuja obra produzida mostrou-se de extrema relevância para os processos de reflexão póstumos ao modernismo e para a formulação do pensamento arquitetônico contemporâneo. Influenciado pela filosofia política de Hannah Arendt (1906-1975) e pela fenomenologia de Martin Heidegger (1989-1976), a partir de uma leitura crítica do movimento moderno Frampton advoga em favor do caráter tátil e tectônico do objeto arquitetônico e também em favor da consciência do lugar. Sua noção do fazer na prática arquitetônica pode ser interpretada como influência do contexto em que cresceu: filho de um carpinteiro e construtor, assim como Tadao Ando, desde sua infância teve contato com a “cultura do fazer”. Tal noção, por outro lado, vem a tomar corpo e se desenvolver a partir de sua leitura de “A Condição Humana” (1958), escrito por Hannah Arendt, e dos conceitos “labor” e “trabalho” contidos nele, onde a diferenciação se dá pelo caráter natural do homem no primeiro e o ímpeto da criação e da transformação da natureza no segundo22, sendo neste último campo onde Frampton situa a arquitetura. Por sua vez, a noção de “construir o lugar”, atribuída ao arquiteto italiano Vittorio Gregotti (1927-presente), parte de um interesse fenomenológico na especificidade do lugar23. Tomando a distinção que Heidegger faz entre as categorias de “espaço” e “lugar”, Frampton reconhece que este tem, além de seu atributo de ser um espaço fechado ou finito, o importante papel simbólico e político de representar a estrutura das relações sociais.”24 Colocando-se como contraponto de resistência aos efeitos da globalização sobre a construção do espaço, o regionalismo crítico apoia-se nos conceitos do lugar e da tectônica em uma busca pela reconstituição das ba21. FRAMPTON, 1983a. Em: NESBITT (org.), 2006, p. 515. 22. Ver ARENDT, H. A condição humana. Rio de Janeiro, RJ: Rio de Janeiro, RJ Forense-Universitária, 1999. 23. NESBITT (org.), 2006, p. 503. 24. Ver FRAMPTON, K. Uma leitura de Heidegger. Em: NESBITT, K. (org.) Uma nova agenda para a arquitetura antologia teórica (1965-1995). São Paulo: São Paulo Cosac Naify, 2006.


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ses da arquitetura sem prescrever uma estratégia exclusiva, apontando para uma arquitetura que evoque “a essência onírica do local e a inescapável materialidade da construção”25. Nesse sentido, a consciência do lugar assume o papel de antídoto para o avanço desenfreado do fenômeno das megalópoles ao passo que a tectônica se opõe à arquitetura cenográfica, mediada pela “imagem.”26 Kenneth Frampton toma o conceito de regionalismo crítico emprestado dos teóricos Alexander Tzonis e Liane Lefaivre e de seu texto “The Grid and the Pathway” (1981), onde afirmam que “trata-se de uma ponte sobre a qual toda arquitetura humanista do futuro deverá passar, mesmo que o caminho leve a uma direção completamente diferente”27. Tzonis e Lefaivre ressaltam a necessidade de uma postura crítica por parte dos arquitetos, o que, em “um sentido especializado, significa questionar tanto o mundo como ele é como as visões de mundo subjacentes”. Ainda segundo os autores, o sucesso dessa visão crítica através do objeto arquitetônico se dá quando este é “auto-reflexivo, auto-referente e contém, além de mensagens explícitas, metamensagens implícitas”28. O aspecto crítico é também o que leva à diferenciação entre o regionalismo crítico e os demais regionalismos (romântico e pitoresco), pois, à exceção do compromisso com o lugar e o uso de elementos arquitetônicos locais como confrontamento de uma arquitetura universalizante (características compartilhadas pelas variantes do regionalismo), o regionalismo crítico indica novas abordagens ao reconhecer a oposição entre civilização universal e cultura autóctone e, ao invés de negá-la, suplantá-la na base de sua ação como componente dialético. Essa oposição trazida por Tzonis e Lefaivre é alvo de uma eloquente apreensão por parte de Frampton, que vê também o regionalismo não como um retorno às formas vernáculas mas sim como resultado de um processo dialético entre passado e presente: “O regionalismo crítico [...] é uma expressão dialética. Busca intencionalmente desconstruir o modernismo universal a partir de imagens e valores localmente 25. FRAMPTON, 1983a. Em: NESBITT (org.), 2006, p. 509. 26. “A imagem, disse [Guy] Debord em uma famosa proposição teórica, é a forma final da reificação das mercadorias”, JAMESON, 1997, p. 121. 27. TZONIS & LEFAIVRE, 1981 apud FRAMPTON, 1983a. Em: NESBITT (org.), 2006, p. 518. 28. NESBITT (org.), 2006., p. 520.


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cultivados e, ao mesmo tempo, deturpar esses elementos autóctones com o uso de paradigmas originários de fontes alienígenas.” 29 A construção do paradigma entre tradição e modernidade de Frampton apoia-se nas ideias do filósofo francês Paul Ricoeur (1913-2005), segundo o qual o grande desafio da sociedade moderna é alcançar o diálogo autêntico entre a cultura de raízes locais e a civilização universal30. Para além dos aspectos que tratam da relação entre arquitetura e civilização, o regionalismo crítico, a partir do momento em que assume esse caráter crítico que nomeia a si próprio, adquire um posicionamento político frente ao cenário da globalização e do avanço da cultura de consumo em massa, o qual, segundo Ricoeur, ameaça a humanidade ao fazê-la estagnar no “nível de uma subcultura”31. Nesse sentido Frampton enxerga nas culturas locais um potencial de resistência e “um sentimento anticentrista, isto é, uma aspiração por algum tipo de independência cultural, econômica e política”32. O regionalismo crítico é antes um conjunto de características definidoras de uma arquitetura fundada na manutenção do caráter tectônico e da essência do lugar, do que um movimento com uma unidade de pensamento. A heterogeneidade inerente ao conjunto de valores em cada cultura, que por sua vez impacta no objeto arquitetônico ali pensado e produzido, encontra respaldo em um regionalismo que “muitas vezes não resulta de um esforço coletivo, mas do trabalho de um profissional talentoso que se empenha para produzir algum tipo de expressão com raízes locais”33. Por tal motivo, o espectro dos exemplos utilizados por Frampton para elucidar as bases do regionalismo crítico se coloca como um amplo leque que abrange individualidades presentes nos mais diversos contextos: a arquitetura na escala da paisagem do português Álvaro Siza, o labirinto da solidão34 do mexicano Luis Barragán, o modernismo fechado de Tadao Ando, entre outros. Essa multiplicidade e a ausência de uma unidade aparente entre os arquitetos citados pelo teórico inglês é resultado do referido paradoxo entre culturas locais e a civilização universalizante de Ricoeur. Indicando não um simples 29. FRAMPTON, 1983a. Em: NESBITT (org.), 2006, p. 506. 30. RICOEUR, 1961 apud FRAMPTON, 1983a. Em: NESBITT (org.), 2006, p. 505. 31. RICOEUR, 1961 apud FRAMPTON, 1983a. Em: NESBITT (org.), 2006, p. 505. 32. FRAMPTON, 1983a. Em: NESBITT (org.), 2006, p. 505. 33. FRAMPTON, 1983a. Em: NESBITT (org.), 2006, p. 512. 34. WISNIK, 2014. Em: NOVAES (org.), 2014, p. 402.


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18. (pág. ao lado superior) Museu de Arte Chichu de Tadao Ando, inserido na paisagem da ilha 19. (pág. ao lado inferior) Vista interna da Casa 4x4 de Tadao Ando e sua abertura para o mar 20. (acima) Vista da casa de chá da Boa Nova de Álvaro Siza, onde a implantação se insere na paisagem 21. (ao lado) Vista interna da Casa Barragán de Luis Barragán e sua abertura para o ambiente interno


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retorno às formas vernáculas, “a estratégia fundamental do regionalismo crítico é intermediar o impacto da civilização universal com elementos derivados indiretamente das peculiaridades de determinado lugar”35. É no sentido desse choque cultural entre o universal e o local que a obra de Tadao Ando se coloca como portadora de um caráter autoconsciente e de posicionamento crítico frente ao contexto da globalização: “Nascido e criado no Japão, exerço aqui minha atividade de arquiteto. E acredito poder dizer que o método que escolhi é o de aplicar o vocabulário e as técnicas desenvolvidas por um modernismo aberto e universalista ao domínio fechado dos estilos de vida individuais e da diferenciação regional. Mas me parece difícil tentar exprimir as sensibilidades, os costumes, a consciência estética, a cultura peculiar e as tradições sociais de uma determinada raça por meio de um vocabulário modernista, aberto e internacionalista.”36 O reconhecimento da dificuldade de síntese não torna seu processo de projeto estático, mas pelo contrário lhe concede dinamismo ao possibilitar a abordagem de elementos diversos, como o próprio afirma: “Quando projeto trabalhos de arquitetura, oscilo perenemente entre esses extremos: e quando maior for a amplitude das oscilações, mais dinâmico será o produto final.”37 Segundo Kenneth Frampton, a proposta de uma “arquitetura moderna fechada” por parte de Tadao Ando revela-se em dois sentidos, sendo o primeiro a intenção de criar verdadeiros enclaves onde seria possível a manutenção da tríade antes consagrada - homem, natureza, cultura - contra o ataque destrutivo do desenvolvimento das megalópoles38. Isso fica evidente frente à consciência que Ando demonstra possuir sobre o contexto culturalmente conflituoso no qual o Japão se encontrava: “Depois da Segunda Guerra Mundial, quando o Japão enveredou pelo caminho do rápido crescimento econômico, os critérios de valor das pessoas mudaram [...]. A excessiva densidade das populações urbanas e suburbanas impossibilitou a preservação de um aspecto anteriormente característico da arquitetura 35. FRAMPTON, 1983b. Em: FOSTER (org.), 1998, p.21. 36. ANDO, 1982, p. 8. 37. ANDO, 1991a. Em: ESPOSITO, 2011, p. 73. 38. FRAMPTON, 1983a. Em: NESBITT (org.), 2006, pp. 516-517.


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residencial japonesa: a relação de intimidade com a natureza e a abertura para o mundo natural. O que chamo de arquitetura moderna fechada é um resgate da unidade entre a casa e a natureza que as residências japonesas perderam no processo de modernização.” 39 O segundo sentido da chamada arquitetura moderna fechada reside na apreensão de uma linguagem que parte da ordem geométrica e de uma lógica racional moderna, mas que leva em consideração principalmente o contexto histórico, econômico e cultural específico de cada região de forma a preservar qualidades espaciais intangíveis (e que no caso do Japão, apontam para uma poética fundada no contato com a natureza). Aqui fica explícito o sentido de fechamento através de uma lógica que pressupõe o olhar para dentro de si, em favor da autonomia cultural, mas sem abrir mão dos materiais (concreto aparente) e das formas geométricas simples, elementos emblemáticos da arquitetura moderna. A síntese cultural crítica presente na arquitetura de Tadao Ando parece sinalizar uma direção ao paradoxo introduzido por Paul Ricoeur e assumido por Kenneth Frampton: “[...] como modernizar-se e retornar às fontes? Como despertar uma velha civilização adormecida e se integrar na civilização universal?”40 No cenário arquitetônico mundial do pós-guerra, definido, dentre outras maneiras, pelo conceito geral e suplementar de pós-modernismo41, o olhar do crítico e teórico marxista Fredric Jameson (1935-presente) sobre a obra de Tadao Ando também aponta para um modernismo autorreferencial e para o choque cultural entre o Japão e o ocidente. No texto “Tadao Ando and the Enclosure of Modernism” (1994), Jameson versa sobre uma possível classificação para a arquitetura de Ando - modernismo, modernismo tardio ou pós-modernismo - partindo de uma discussão sobre as próprias categorias de forma bastante crítica. Para ele, o risco de se debater a validade dos termos “moderno” e “pós-moderno” decorre de uma certa impossibilidade de organizar em categorias a totalidade das experiências empíricas e dos atributos observáveis da arquitetura. Ainda que haja o esforço intelectual de se fazer tal distinção, tal operação historicamente já “esgotou a si mesma culminando em um criticismo de gênero”42. Condicionando a análise a 39. ANDO, 1982, p. 9. 40. RICOEUR, 1961 apud FRAMPTON, 1983a. Em: NESBITT (org.), 2006, p. 505. 41. JAMESON, 1994a. Em: DAL CO, 1996, p.501. 42. JAMESON, 1994a. Em: DAL CO, 1996, p.501.


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essas ressalvas, Jameson situa suas definições em um campo que reconhece a volatilidade classificatória dentro do debate arquitetônico, mas a partir do caráter imanente das superfícies em concreto de Ando (tectônico, nos termos de Frampton) e da articulação entre interior e exterior nos edifícios projetados pelo arquiteto japonês, reconhece também que “no contexto de um retorno ideológico a certos valores estéticos usualmente associados ao modernismo, a discussão sobre Ando adquire uma significância cultural e política”43. Fredric Jameson é bastante crítico (com o perdão da redundância) com relação à dimensão política do regionalismo crítico, e se posiciona de maneira incisiva frente ao termo defendido por Kenneth Frampton. Para ele há uma falha enquanto proposta política, pois quando o objeto e a prática arquitetônica apostam em propriedades intrínsecas a si, buscando encontrar aí o potencial político e revolucionário, há um descolamento de outras áreas de ação: “[...] uma forma arquitetônica derivada do regionalismo crítico seria carente de toda eficácia política e alegórica, exceto se ela fosse coordenada junto a um conjunto de outros movimentos locais, sociais e culturais que visassem a manutenção de uma autonomia nacional.” 44 Chamando a atenção para o termo “nacional” aqui utilizado, é válido ressaltar a observação que Jameson faz sobre a escolha de Frampton pelo termo “regional”, que, segundo ele, funda-se em um desejo de desvencilhar-se de todas as conotações que “nacional” e “internacional” poderiam ter45, mas que de modo geral trata-se de abordar uma autonomia de conotação geopolítica. Outra crítica feita e que vai no mesmo sentido do isolamento entre a prática arquitetônica e outros campos de ação é o risco de cair em um “idealismo implícito em todas as formas de cultura nacionalista, o qual tende a superestimar a efetividade da cultura e da conscientização e a negligenciar a necessidade concomitante de uma autonomia econômica.”46 Apesar de contestar o potencial político do regionalismo crítico, Fredric Jameson concorda com Kenneth Frampton sobre a sutileza e a sin43. JAMESON, 1994a. Em: DAL CO, 1996, p.501. 44. JAMESON, 1994b, p. 203. 45. JAMESON, 1994b, p. 203. 46. JAMESON, 1994b, p. 203.


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gularidade contida na obra de Tadao Ando, em especial naquilo que diz respeito à síntese entre tradição e modernidade. O crítico afirma que o modo de vida clássico dos japoneses só pode ser acessado nos dias de hoje através de “imagens e pastiche”, e de uma “alusão historicista”, comentário válido também para o modernismo, cuja “estética e conceitos caíram na obsolescência” devido às mudanças nas estruturas de pensamento e o surgimento de novas modas intelectuais e culturais. Entretanto, a dicotômica relação entre o tradicional e o moderno - termos até então radicalmente opostos no debate acerca de uma “superação do modernismo” - possibilita o vislumbramento da originalidade do trabalho de Ando, pois efetivamente “seus espaços operam uma profunda identificação entre os dois termos antitéticos e proporcionam a recaptura do segredo perdido da estética japonesa através da reinvenção dos espaços perdidos do moderno.”47 A capacidade que Tadao Ando possui de sintetizar campos opostos de certa maneira parte do modo como os japoneses assimilam elementos históricos e culturais. Enquanto no ocidente a percepção da dinâmica do tempo e da história do pensamento se dá através de uma abordagem opositiva, ou seja, como substituição de paradigmas, o Japão tem, cravado em suas raízes, um princípio de permanência das camadas históricas que predispõe à inclusão dos opostos e à sua coexistência. Muito disso se deve às particularidades geopolíticas do país: “Diferentemente da civilização ocidental [...] a civilização japonesa não sofreu nenhuma invasão e se desenvolveu de forma autônoma e sem interrupção; por isso constitui um caso raro na história da humanidade.”48 Tal fato possibilitou a formação de uma ideia continuísta da história, onde as transformações culturais se deram a partir de um processo de assimilação das influências estrangeiras sem que houvesse necessariamente a atualização de paradigmas de maneira súbita. Isso pode ser verificado, por exemplo, na introdução e adaptação do alfabeto chinês no país, ou então no caráter sincrético do xintoísmo e do budismo (religiões predominantes no Japão) em oposição ao cristianismo, que por pregar uma crença única e absoluta acabou por não obter sucesso na tentativa de evangelizar o Japão no século XVII. Contudo, o episódio da derrota na Segunda Guerra Mundial foi capaz de romper com o senso de imanência dos valores que por séculos se 47. JAMESON, 1994a. Em: DAL CO, 1996, p.502. 48. PERNIOLA, 2006 apud ESPOSITO, 2011, p. 11.


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22. Acesso ao Templo da Água que se dá na chegada ao lago coberto por flores de lotus reclusa atrás de empenas de concreto

23. Vista do altar do Templo da Água que se encontra abaixo do lago circular de acesso e recebe luz natural externa


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consolidaram no cerne do pensamento japonês: “O choque coletivo e o sentimento de frustração geral produzido pela aniquilação atômica abalaram as bases das certezas coletivas do país.”49 Na posição em que se encontrava, o Japão foi obrigado a aceitar as políticas externas impostas principalmente pelos Estados Unidos, que ocuparam o arquipélago nipônico até 1952. Incapaz de se colocar de forma outra que não através da submissão, a capacidade que o Japão tinha de assimilar elementos de culturas estrangeiras através de um processo de sobreposição e síntese foi minada, resultando em um cenário de ocidentalização veloz e acrítica instigada pela economia de mercado e a consequente cultura de consumo. É nesse contexto que se insere o trabalho de Tadao Ando, cuja obra aparenta ser uma “tentativa independente de absorver e metabolizar os influxos ocidentais no campo das construções e da arquitetura, para inseri-los no sulco da civilização japonesa.”50 Se dentro do campo das construções e da arquitetura Tadao Ando lança um olhar crítico sobre a cultura ocidental e sua inserção no Japão, é a metrópole moderna (densa e populosa) o objeto que melhor representa o espaço desse embate. Nesse sentido, é possível retomar o significado do modernismo fechado de Tadao Ando através de um dos motivos expostos por Kenneth Frampton (retratados anteriormente no presente capítulo): o da criação de um enclave, um núcleo de resistência e proteção frente ao avanço das megalópoles. Isso se revela a partir de sua postura crítica mas se espacializa através das austeras superfícies em concreto que encerram os ambientes que compõem seus edifícios, como é caso da fachada da Casa Azuma (Osaka, 1976) e o pátio que se desvela em seu interior, ou então do percurso que induz à literal submersão em um lago coberto por flores de lótus, no Templo da Água (Awaji, 1991). A narrativa baseada na estética da experiência e a súbita transposição dos corpos do exterior - onde o objeto arquitetônico aparenta ser impenetrável ou se encontra mimeticamente inserido na paisagem - para o interior - onde a sutileza do silêncio e da contemplação configuram uma experiência oposta à solidez ou impenetrabilidade externa - são aquilo que, para Jameson, representa a autenticidade do “modernismo fechado” de Ando: um gesto radical de separação (disjunction) através da forma. 49. NAKAGAWA, 2006 apud ESPOSITO, 2011, p. 11. 50. ESPOSITO, 2011, p. 11.


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24. Fita de Moebius representada por Escher

25. (esq.) Símbolo da mônada pitagórica 26. (dir.) Pintura retratando o ensô, círculo zen representante do infinito


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Segundo Jameson, esse processo de separação, seguido de um olhar para si, pode sinalizar enganosamente para o ato primário do modernismo, onde o espaço das construções é livre das distorções e da falência que o circunda, status alcançado através do isolamento (de maneira escultórica) pelos pilotis que rejeitam a ausência de uma lógica formal no próprio sítio onde são içados. Aquilo que diferencia a disjunção proporcionada pelas paredes de concreto de Ando do distanciamento modernista (uma espécie de tábula rasa, tanto na dimensão de sua apreensão histórica quanto do presente contextual) é uma certa incompletude na ação do arquiteto japonês, como afirma Jameson: “[Na arquitetura de Ando] o ato de separação e vedação entre interior e exterior é um ato estruturalmente complexo ou até mesmo dialético, uma vez que de forma sistemática trata de filtrar e transmitir certas características do mundo externo.” 51 Pode-se dizer que esse processo de filtragem e transmissão ocorre em duas esferas: a do raciocínio lógico - situado no campo da cultura japonesa Ando absorve e sintetiza de forma seletiva as influências ocidentais - e da espacialização literal dessa separação - Ando captura elementos da natureza como a luz, o vento e a chuva, e os transporta para o interior dos edifícios utilizando-os como matéria prima, o que pode ser observado no microcosmo criado pelo pátio interno da Casa Azuma ou na luz que invade o espaço subterrâneo em vermelho vibrante do Templo da Água. Outro fator que possibilita perceber as particularidades presentes na obra de Tadao Ando é a transposição cultural entre ocidente e oriente, como é caso da relação entre a mônada e o círculo zen. Estabelecendo um paralelo entre o moderno e o pós-moderno, Jameson coloca que: “É certo que se a fita de Moebius, sempre externa a si própria e infinita dentro de sua finitude, é emblema do pós-modernismo em geral, a mônada, sempre interna a si mesma e finita em sua própria infinitude, é própria do modernismo. Os espaços internos de Ando são claramente mais monádicos do que moebianos e reinventam as categorias de interno e externo, os quais pensamos serem tabus 51. JAMESON, 1994a. Em: DAL CO, 1996, p.501.


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e estarem abolidos pela era pós-estruturalista e pós-moderna.” 52 A partir dessa associação entre o modernismo e a concentricidade e infinitude interna da mônada é possível reforçar a ideia do teórico de que a obra de Ando não pode ser classificada nos simples termos do modernismo, modernismo tardio ou pós-modernismo pois, no momento em que as questões relacionadas à cultura japonesa surgem como tema de seus projetos tais classificações passam a ser inoperantes em sua completude. Ainda que, como já citado, a ênfase de seu trabalho na produção de uma estética espacial única possa ser considerada de influência moderna, a mônada, por exemplo, pode facilmente ceder lugar ao círculo zen, representante do infinito53 e de uma filosofia japonesa que enxerga as relações entre a parte e todo, muito semelhante à noção filosófica da mônada. É nesse sentido que uma leitura da obra de Ando através das categorias do pensamento arquitetônico ocidental deve ser feita com ressalvas e levando em consideração a excepcionalidade cultural japonesa, pois como aponta Vittorio Gregotti ao falar de um certo mistério e distanciamento atribuído ao oriente a partir do ponto de vista ocidental: “[...] antes de tudo é necessário entender como se colocar de maneira respeitosa no limite dos espaços misteriosos que, sem dúvida, são as coisas mais fascinantes no trabalho de Ando.”54 Dentro do panorama geral do debate arquitetônico, a partir da década de 1960 uma das questões que ganha importância é o dilema entre a continuidade e o fim do projeto moderno arquitetônico, onde o modernismo fechado de Tadao Ando certamente aponta para um horizonte de continuidade. Entretanto esse apontamento também deve ser visto levando-se em consideração as particularidades japonesas. Assim coloca o arquiteto japonês: “Primeiramente há o grande vácuo entre a vida no Japão antes e depois da Segunda Guerra Mundial. Suspeito que nenhum ocidental poderia compreender a distância entre o estilo de vida antigo e aquele introduzido no país no período do pós-guerra. A distância com relação aos materiais, às formas e aos métodos da arquitetura tradicional japonesa é correspondentemente grande. O resultado 52. JAMESON, 1994a. Em: DAL CO, 1996, p.502. 53. ANDO. Em: AUPING, 2003, p.25. 54. GREGOTTI, 1982. Em: DAL CO, 1996, p.484.


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foi que independente de no debate arquitetônico atual o modernismo ser uma coisa do passado, ele permanece não assimilado no Japão.” 55 Essa condição japonesa do “modernismo não-assimilado” é também o que leva Ando a uma abordagem revisionista do projeto moderno pois, ciente das críticas feitas no sentido da insipidez e homogeneidade geradas pelo funcionalismo e pelo racionalismo econômico, o arquiteto japonês aposta no aspecto expressivo e individual da arquitetura sem abrir mão da lógica moderna: “Se o modernismo possui um aspecto inumano, o problema reside em suas ideias básicas sobre arquitetura e não em suas formas. O problema somente será resolvido pelo caráter expressivo da arquitetura e pelo indivíduo que o expressa, enquanto que ao mesmo tempo a necessidade de racionalidade e funcionalidade é satisfeita.” 56 Tal visão exposta por Tadao Ando situa sua arquitetura nos limites entre o modernismo (negando seu aspecto universalizante) e a tradição cultural japonesa, e evidencia uma preocupação com a manutenção (ou resgate) da essência do habitar japonês, o que, a grosso modo, aproxima o arquiteto japonês do regionalismo crítico de Kenneth Frampton. A relação entre abordagem de Ando e o “caráter tectônico e a consciência do lugar” sublinhados por Frampton se dá pura e simplesmente pela valorização de elementos próprios da cultura japonesa, que em sua essência já são portadores de tais qualidades. Isso fica evidente, por exemplo, na relação característica que os japoneses tem com a natureza, de forma que sua tradição arquitetônica pauta-se na construção de espaços que lidam com questões referentes à materialidade e à paisagem. A materialidade aqui referida trata-se simultaneamente dos materiais físicos, como a madeira da estrutura e o papel dos painéis shoji, e dos materiais impalpáveis, como a luz e o vento. O mesmo tipo de abordagem pode ser observado no pensamento filosófico japonês, onde “a natureza se manifesta através de dois aspectos relacionados porém opostos, 55. ANDO, 1982, p. 8. 56. ANDO, 1988a. Em: DAL CO, 1996, p.453.


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o tangível e o inefável, ou seja, a palpabilidade das florestas naturais que compõem a paisagem [...] e a comparável intangibilidade da luz e outros elementos climáticos.” 57 Essa inclusão de elementos que vão para além das formas tangíveis é uma das características japonesas presentes no trabalho de Ando e que, segundo Frampton, configuram uma “arquitetura ‘trans-óptica’, na qual a riqueza da obra esteja além da percepção inicial de sua ordem geométrica.”58 Assim escreve o arquiteto japonês sobre a Casa Koshino (Ashiya, 1984): “A luz muda de expressão com o tempo. Creio que os materiais arquitetônicos não se reduzem à madeira e ao concreto, que têm formas tangíveis, mas vão além ao incluir a luz e o vento, que apelam aos nossos sentidos.”59 Através de uma lógica geométrica, Tadao Ando enxerga na arquitetura o papel de revelar o caráter contemplativo dos espaços baseando-se em uma poética genuinamente japonesa: “Eu crio ordem arquitetônica com base em uma geometria cujos eixos básicos são formas simples - subdivisões do quadrado, do retângulo e do círculo. Além disso tento compreender as forças latentes da região em que estou trabalhando e desta forma desenvolver uma teoria das partes que se funda nas sensibilidades dos japoneses.” 60 O ato de revelar aspectos relativos à sensibilidade japonesa é representante do caráter tectônico citado por Kenneth Frampton, pois para este a tectônica refere-se não “à revelação mecânica da construção, mas à manifestação de uma estrutura potencialmente poética, no sentido original da palavra grega poiésis, como ato de criar e revelar.”61 Baseado na fenomenologia de Martin Heidegger, Frampton versa sobre a origem especificamente material da arquitetura para reivindicar “uma tectônica que expresse sua construção e suas relações com terra e com o céu”62, visão que aparenta estabelecer um vínculo de semelhança com a relação que os japoneses possuem com a 57. FRAMPTON, 1996, p. 306. 58. FRAMPTON, 1983a. Em: NESBITT (org.), 2006, p. 517. 59. ANDO, 1981, p.15. 60. ANDO, 1982, p. 9. 61. FRAMPTON, 1990. Em: NESBITT, 2006, p. 559. 62. NESBITT (org.), ibid., p. 557.


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27. (abaixo) Espaço da Vila Imperial Katsura em Quioto, onde é possível observar a madeira, os painéis shoji e os elementos da natureza 28. (pág. seguinte) Corredor iluminado naturalmente na Casa Koshino


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natureza. O conceito de tectônica trazido por Kenneth Frampton caminha no sentido da revisão do modernismo baseada na investigação de aspectos essenciais da arquitetura; ao passo que também se opõe à “tendência atual de reduzir a arquitetura à cenografia.” 63 Em outras palavras, através do caráter material, tátil e tectônico busca-se fazer oposição à “arquitetura da imagem” resultante do pós-modernismo propalado principalmente por Robert Venturi (1925-presente) e Denise Scott Brown (1931-presente). Tadao Ando conhece esse embate e, em consonância com Frampton, apesar de reconhecer as limitações causadas pelo funcionalismo e pelo racionalismo econômico, julga que o ponto a ser revisado não se situa apenas no formalismo historicista do pós-modernismo, e sim na base daquilo que é definido como arquitetura. Assim escreve Ando sobre o livro Complexidade e contradição em arquitetura (1966) de Venturi: “Não importa quão brilhante e deslumbrante as tendências culturais pós-modernas possam ser, a não ser que elas se desenvolvam fundamentalmente a partir do dia-a-dia da vida humana, a arquitetura relacionada a elas não irá prevalecer tanto quanto o campo conectado à amplitude do panorama da humanidade.” 64 É dentro dessa revisão das bases arquitetônicas que Ando busca resgatar o contato com a natureza e o aspecto contemplativo dos espaços, colocando-os como aspectos elementares da arquitetura; e é esse resgate em oposição à imagem que Frampton vem a classificar como uma arquitetura “trans-óptica”, em oposição à “arquitetura da imagem”. A tectônica contida na arquitetura de Tadao Ando pode ser vislumbrada em sua abordagem com relação aos pilares e às paredes, elementos conformadores físicos e simbólicos do espaço. Do ponto de vista da crítica à insipidez dos espaços modernos, Ando aponta que “o desenvolvimento moderno das estruturas rígidas concedeu liberdade os espaços; porém, ao favorecer a funcionalidade, subestimou a significância do pilar.”65 Esse papel simbólico referido pelo arquiteto parte tanto do seu olhar sobre a 63. FRAMPTON, 1990. Em: NESBITT, 2006, p. 557. 64. ANDO, 1982, p. 8. 65. ANDO, 1978, p. 9.


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coluna grega quanto sobre o torii 66 xintoísta, elementos muitas vezes apropriados de maneira direta em seus projetos, como no caso das colunas que demarcam o patamar intermediário do Museu das Crianças (Hyogo, 1989), da colunata que sinaliza para a ordem geométrica do não construído Teatro na Água (Hokkaido, 1987) ou da sequência de pórticos no interior da Casa Matsumoto (Ashiya, 1977). Interessante notar a síntese cultural presente nessa abordagem entre as referências gregas e japonesas, que coexistem em seus edifícios. Enquanto que no Museu das Crianças o edifício principal coloca-se como uma acrópole que é acessada através de um caminho serpentinoso, à maneira dos oremagari que dão acesso aos santuários tradicionais xintoístas67, o Teatro na Água organiza sua plateia em uma clara alusão ao anfiteatro grego e ao mesmo tempo dispõe seu palco como um pontão que invade o espaço do público, à maneira dos palcos do teatro kabuki. Os pórticos que induzem o trajeto no pátio interno da Casa Matsumoto, por sua vez, remetem simultaneamente à sequência rítmica dos pórticos gregos e aos torii que indicam a trilha nos santuários xintoístas. Ainda que essa apropriação das colunas e pilares se dê de maneira direta em alguns casos, a lógica crítica de Tadao Ando também o leva a abstrações da questão que resultam na abordagem que ele possui com a parede. Segundo o arquiteto japonês a modernização das estruturas extinguiu o potencial simbólico do pilar e a plasticidade rítmica das colunatas, e é nesse sentido em que ele vê a reinterpretação da parede como questão de extrema relevância. Para Ando, ao mesmo tempo em que a parede serve como delimitação física e psicológica do espaço e como proteção à infinitude da metrópole moderna, é um elemento capaz de romper com a mera função de isolamento entre interior e exterior e capturar e introduzir elementos da natureza dentro dos seus edifícios (como no ato de fechamento/filtragem exposto por Jameson, discutido anteriormente no texto). Ao escrever sobre a Casa Matsumoto transparece essa visão: “Nessa casa as paredes que se colocam de forma independente no mundo da natureza delimitam o território para o habitar humano. Inexpressivas por si 66. O torii é um portal que representa uma passagem de viés espiritual. Geralmente feito de madeira, localiza-se nas proximidades de santuários xintoístas. 67. O oremagari consiste em uma estratégia de mudança de eixo ou de nível utilizada nas trilhas que dão acesso aos santuários xintoístas e templos budistas. Ver YASUNAGA, N. Tadao Ando e a arquitetura tradicional japonesa. Projeto, São Paulo, n. 159, p.26, Dez. 1992


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só, as duas principais paredes são dispositivos de proteção para o interior. Ao mesmo tempo elas refletem as mudanças que ocorrem no mundo da natureza e ajudam a introduzir esse mundo para o cotidiano dos moradores. A operação limitante das paredes revela diretamente o arrojo da própria casa.” 68 As paredes em concreto armado de Tadao Ando também revelam algo sobre as relações entre o caráter físico, psicológico e simbólico de sua arquitetura à medida em que apresentam essa polivalência. A solidez do concreto empregado pelo arquiteto parte de seu rigor na construção, característica advinda de sua proximidade com a cultura do fazer em seu processo autônomo de formação e que o tornou consciente do “equilíbrio absoluto entre a forma e o material do qual ela é feita” 69. A continuidade desse processo levou Ando a extrapolar a abordagem entre material e forma para abarcar também as relações entre volume e vida humana. É dentro desse avanço que suas paredes de concreto ultrapassam o mero peso material para ganhar profundidade e homogeneidade sutis, gerando superfícies que se desmaterializam, atravessando do campo físico para o psicológico e o simbólico: “Quando elas entram em consonância com a imagem estética que tenho em mente as paredes se tornam abstratas, são negadas e se aproximam do limiar do espaço. Sua solidez se perde, e somente o espaço que elas conformam aparentam realmente existir.” 70 A ambiguidade entre a materialidade da construção e a imaterialidade do espaço é outra das características de Ando que evidenciam sua posição entre o moderno e a sensibilidade japonesa, e a forma que ele expõe tal dualidade novamente aproxima-se ao ato tectônico e poético de revelar. Se, como apontado por Kenneth Frampton, “a tectônica encontra-se suspensa entre uma série de oposições, sobretudo, do ontológico com o representacional”71, é nessa suspensão que as ambivalentes superfícies em concreto de Ando parecem se colocar. A relação do edifício com o lugar e a construção da paisagem são 68. ANDO, 1978, p.13. 69. ANDO, 1982, p. 9. 70. ANDO, 1982, p. 12. 71. FRAMPTON, 1990. Em: NESBITT (org.), 2006, p. 568.


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29. Colunas dóricas do Partenon

30. Imagem de um torii demarcando a entrada de um santuário xintoísta 31. (pág. ao lado) Malha modular de pilares no Museu das Crianças


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32. Oremagari no acesso ao Santuário de Taikoda ni Inari, em Tsuwano

33. Vista do Museu das Crianças, onde o edifício principal se coloca ao final do percurso, como uma acrópole 34. (pág. ao lado) Desenho do Teatro na Água, onde é possível observar os pilares que marcam o diâmetro da plateia e o palco que avança sobre a arquibancada


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35. (pág. ao lado superior) Santuário Fushimi Inari em Quioto onde inúmeros torii acompanham o trajeto que sobe a montanha 36. (pág. ao lado inferior) Desenho axonométrico da Casa Matsumoto onde é possível observar a sequência de pórticos que remetem aos torii tradicionais 37. (abaixo) Empena de concreto que separa interior e exterior na Casa Matsumoto


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outros conceitos que colocam Tadao Ando dentro do espectro do regionalismo crítico, traçado por Frampton, e partem da mesma abordagem que leva o arquiteto a uma releitura sobre o significado e os limites impostos pela parede enquanto elemento delimitador do espaço. Enquanto a cultura ocidental utilizou a parede como fronteira física, encarando a força da natureza como elemento a ser vencido, a cultura oriental “enfatiza um limiar espiritual entre a construção e a natureza.” 72 A partir dessa lógica, as demarcações entre interior e exterior se extinguem gerando um espaço de permeabilidade recíproca, de maneira que a consideração pelo caráter do sítio é de extrema importância. No texto “Por novos horizontes na arquitetura” (1991), Tadao Ando (aludindo ao famoso manifesto de Le Corbusier) faz o uso da palavra “horizonte” como direção prospectiva para a arquitetura, mas ao mesmo tempo evidencia a importância literal do termo, referindo-se ao sítio e à paisagem: “A presença da arquitetura - a despeito de seu caráter auto-suficiente - cria inevitavelmente uma nova paisagem. Isso implica a necessidade de descobrir a arquitetura que o próprio sítio está pedindo” 73. Essa visão da arquitetura como ato de construir a paisagem a partir da relação com a natureza pode ser vista com clareza no Museu das Crianças onde, através do uso de suas paredes de concreto, Ando recorta a visão da paisagem direcionando o olhar para pontos diversos que enquadram o céu, a floresta e o lago próximo ao qual se coloca o edifício. Ao mesmo tempo, a organização em patamares e a conformação dos espelhos d’água remetem à topografia e à implantação próxima ao lago, evidenciando a construção da paisagem a partir de características naturais do sítio. A relação de proximidade com o lugar é vista pelo arquiteto como atitude de redescoberta das relações entre homem, arquitetura e natureza, e que é necessária no atual cenário de destruição e afastamento do mundo natural: “[...] a arquitetura contemporânea tem um papel a cumprir no sentido de proporcionar às pessoas lugares arquitetônicos que as façam sentir a presença da natureza. Quando isso acontece, a arquitetura transforma a natureza por meio da abstração e modifica o seu significado. Quando a água, o vento, a luz, a chuva e outros elementos naturais são abstraídos na arquitetura, esta se transforma em um lugar no qual as pessoas e a natureza se defrontam em 72. NESBITT (org.), 2006, p. 493. 73. ANDO, 1991b. Em: NESBITT (org.), 2006, p. 497.


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permanente estado de tensão. Creio ser esse o sentimento de tensão que poderá despertar as sensibilidades espirituais latentes no homem contemporâneo.” 74 A apreensão de Tadao Ando sobre a ideia de lugar possui uma forte influência do caráter japonês naquilo que diz respeito à aproximação com a natureza. Por outro lado, essa leitura não se limita apenas a esse escopo e, como já citado, estende-se ao viés de um reconhecimento dos aspectos não só físicos como também culturais inerentes às regiões específicas onde cada construção é erguida: “Eu componho arquitetura procurando encontrar uma lógica essencial inerente ao lugar. A pesquisa arquitetônica supõe uma responsabilidade de descobrir e revelar as características formais de um sítio, ao lado de suas tradições culturais, clima e aspectos naturais e ambientais, a estrutura da cidade que lhe constitui seu pano de fundo, e os padrões de vida e costumes ancestrais que as pessoas levarão para o futuro.” 75 Exemplo desse pensamento pode ser visto no edifício comercial Time’s (Quioto, 1984), onde a escada que desce para o patamar à beira do rio Takase (corpo d’água de extrema relevância histórica para a cidade) ao mesmo tempo em que busca aproximar as pessoas do contato com a natureza, busca também uma reaproximação histórica e cultural ao rio, resposta de Ando ao contexto da cidade onde, devido a presença de inúmeros templos e santuários antigos, o caráter de “museu” cada vez mais distancia as pessoas dos elementos que compõem o espaço urbano. A síntese entre o caráter do lugar e a lógica geométrica simples demarca conceitos importantes no modernismo fechado de Tadao Ando: “Embora minha arquitetura se baseie no método compositivo e no ponto de vista formal do modernismo, atribuo um grande valor às especificidades do lugar, ao clima, às condições atmosféricas e ao pano de fundo histórico e cultural de cada contexto. [...] ou, para dizer de outra forma, busco integrar dinamicamente dois opostos: a abstração e a representação.” 76 74. ANDO, 1991b. Em: NESBITT (org.), 2006, p. 497. 75. ANDO, 1991b. Em: NESBITT (org.), 2006, p. 497. 76. ANDO, 1991a. Em: ESPOSITO, 2011, p. 73.


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38. (pág. ao lado) Vista dos patamares cobertos pelos espelhos d’água no Museu das Crianças, onde ao fundo é possível observar a paisagem 39. (acima) Corte do edifício Time’s passando pelo rio Takase

40. Patamar de acesso ao edifício Time’s, próximo ao rio Takase, visto da passarela que atravessa o rio


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Esses dois polos são tema recorrente de seus escritos, onde ele discorre sobre a abstração como sendo a clareza lógica e a transparência conceitual, e a representação como o conjunto de condições históricas, culturais, climáticas, topográficas e urbanas de vida. Uma das maneiras que Ando tenta ilustrar cada um desses conceitos é contrapondo a abstração conceitual do artista Josef Albers (1988-1976) e sua série “Homenagem ao quadrado” à representação espacial do gravurista e arquiteto Giovanni Battista Piranesi (1720-1778) e sua série “Carceri d’invenzione”. O que o arquiteto tem em mente é o paralelo entre as formas geométricas simples de seus projetos e o purismo formal para explicitação da investigação cromática de Albers, ambas de uma lógica que remete ao universal; e ao mesmo tempo o paralelo entre a complexidade da sobreposição histórica, cultural e física de sua arquitetura e os espaços labirínticos retratados por Piranesi, que remetem às especificidades locais. Assim afirma o arquiteto: “Um dos meus objetivos principais é criar uma arquitetura que seja simultaneamente abstrata e representativa, dando às formas geométricas simples uma articulação complexa, ou seja, implementando um imaginário labiríntico ‘piranesiano’ em uma estrutura como a de Albers.” 77 É também possível estabelecer o paralelo entre os conceitos de Tadao Ando e o paradoxo de Paul Ricoeur, onde a abstração está para a civilização universal assim como a representação está para a cultura local, comparação que evidencia a consciência do arquiteto japonês com relação ao choque cultural que define seu campo de atuação. Dentro das ideias que conformam o pensamento de Ando, um terceiro elemento vem a compor o tripé base de sua arquitetura: a natureza. Mais do que a abrangência do conceito da representação, a natureza na obra de Ando resume a importância de uma abordagem genuinamente japonesa, cravada no cerne de sua cultura. Se, como já mencionado, uma das grandes diferenças da cultura ocidental reside no fato de que a natureza é tratada como um “outro”, uma força a ser dominada, através do raciocínio do arquiteto japonês fica claro o caráter de comunhão entre homem e natureza contida na cultura japonesa: 77. ANDO, 1988b. Em: DAL CO, 1996, p.454.


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41. (abaixo) Pintura da série “Homenagem ao quadrado” de Josef Albers 42. (pág. seguinte) Uma das gravuras do “Carceri d’invenzione” de Piranesi


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“A arquitetura tem sua razão de ser no contraste entre abstração e representação. Um outro elemento, a natureza, se introduz nessa relação, mas é colocada em um plano diferente. A arquitetura não se limita à manipulação de formas; consiste também na criação artificial de um lugar pelas mãos do homem.” 78 Frente à essa concepção da arquitetura como sendo a ação do homem sobre a natureza e através das formas, Ando reconhece outro antagonismo cultural naquilo que diz respeito à ordem geométrica e verticalidade da arquitetura ocidental e a organicidade, ausência de formas claras e horizontalidade da arquitetura japonesa, buscando uma síntese dessa oposição. Trazendo a imagem do Panteão, em Roma, e do trabalho de Piranesi, assim coloca: “A ordem geométrica do Panteão e a verticalidade dos espaços de Piranesi contrastam de maneira admirável com a arquitetura tradicional japonesa. A arquitetura japonesa é marcadamente horizontal e não-geométrica, e consequentemente é caracterizada por seus espaços irregulares. É, em certo sentido, uma arquitetura sem forma. A arquitetura é integrada à natureza e o espaço adquire uma ordem aleatória. O interior do Panteão e dos espaços de Piranesi, por estarem em contraste com a arquitetura japonesa, representam para mim o espaço arquitetônico ocidental. Me parece que meu trabalho tem tido como objetivo por muito tempo a integração desses dois contrastes conceituais do espaço.” 79 O que parece ficar em evidência aqui é o reconhecimento do potencial espacial contido na ordem geométrica ocidental assim como no caráter orgânico e de ligação com a natureza do Japão, ambos de extrema importância dentro da síntese arquitetônica feita por Ando. Retomando o paradoxo de Paul Ricoeur entre culturas locais e civilização universal, ou entre natureza e tecnologia 80, o modernismo fechado de Tadao Ando, como exposto ao longo do texto, parece fundar sua base no limiar entre os dois campos através de uma síntese dos extremos que concede dinâmica ao objeto arquitetônico. Situando-se dentro do escopo 78. ANDO, 1991a. Em: ESPOSITO, 2011, p. 73. 79. ANDO, 1990b. Em: DAL CO, 1996, p.456. 80. NESBITT (org.), 2006, p. 504.


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do regionalismo crítico de Kenneth Frampton, o arquiteto japonês, a partir de uma leitura crítica do contexto cultural em que se encontra, aponta para o resgate e manutenção dos valores do habitar japonês, sem indicar um simples retorno às formas vernáculas. Ao falar sobre as qualidade do sukiya, espaço residencial tradicional japonês, afirma: “Hoje, para ressuscitar a estética do estilo sukiya é necessário empregar seu espírito, não necessariamente suas formas físicas” 81. Por outro lado, também não nega o importante papel da tecnologia, mas o vê como um campo a ser submetido à autonomia da própria arquitetura: “[...] o arquiteto deve definir sua própria visão a respeito da tecnologia. Sem um horizonte autônomo claro, a arquitetura se tornará submissa à lógica econômica e as convenções banais que dominam o campo tecnológico. A tecnologia nada mais é do que conhecimento. As intenções e ideias da arquitetura, por sua vez, controlam o conhecimento.” 82 Essa abordagem que trabalha de maneira consciente e fluída os antagonismos presentes nas mais diversas esferas do pensamento (oriente e ocidente, tradição e modernidade, interno e externo, homem e natureza, entre outros) é capaz de gerar uma arquitetura que fala sobre os valores universais da ordem geométrica e da clareza lógica ao passo que captura o caráter intangível e contemplativo da cultura japonesa através da relação com a natureza e da imaterialidade do espaço. A maneira como Tadao Ando sintetiza esse antagonismo é detentora da poética tectônica no ato de revelação e de uma consciência do lugar: “Se algum princípio central do regionalismo crítico puder ser isolado, ele certamente será o compromisso com o lugar e não com o espaço, ou, na terminologia de Heidegger, com a proximidade do Raum em vez da distância do Spatium. Essa ênfase no lugar também pode ser interpretada como propiciando o espaço político da apresentação pública, para usar a expressão de Hannah Arendt.”83

Se, como apontado por Fredric Jameson, o regionalismo crítico

81. ANDO, 1982, p. 12. 82. ANDO, 1990c. Em: DAL CO, 1996, p.461. 83. FRAMPTON, 1983a. Em: NESBITT (org.), 2006, p. 518.


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possui falhas em seu plano de atuação política, as superfícies de concreto de Tadao Ando não deixam de transparecer uma autenticidade que fala sobre sua relevância cultural e política. Também não pode ser negado que frente à “aversão a uma densa diferenciação cultural” 84, característica da megalópole universal, a arquitetura de Ando surge como uma fagulha de resistência à avidez dessa tendência. Como na filosofia zen, esse pequeno vislumbre, a captura de um recorte no espaço e no tempo à maneira da estética tradicional japonesa, é capaz de olhar para si e ao mesmo tempo falar sobre o infinito. E se há algo que possa ilustrar essa relação entre as partes e o infinito, certamente a síntese dicotômica contida em toda a obra de Ando parece oferecer, mesmo que momentaneamente, a beleza e a poética contida nessa síntese.

84. FRAMPTON, 1983a. Em: NESBITT (org.), 2006, p. 518.


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3. Shintai e genius loci: fenomenologia e natureza na arquitetura


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O espectro das referências apontadas por Tadao Ando como sendo influentes em seu pensamento e arquitetura passa, dentro de sua trajetória de aprendizado autônomo, por dois grandes campos geográficos e culturais: oriente e ocidente. Se o contexto da veloz modernização do Japão no período do pós-guerra encontrou respaldo em uma sociedade que absorveu diversos elementos da cultura ocidental (de uma forma bastante particular, ainda que eficaz em termos econômicos), Ando faz questão de apontar que sua arquitetura busca o encontro de uma linguagem moderna com a sensibilidade característica da cultura tradicional japonesa. Tal encontro se explicita na criação de tensionamentos que, através de uma intencionalidade, geram dinamismos na forma arquitetônica, e que fica claro quando se vislumbra a contraposição entre diversos pares: construção-natureza, ser-objeto, luzsombra, além da própria relação entre modernidade e tradição, entre outros. Compreender a tradicionalidade presente na obra de Ando passa por assumir aspectos de uma espiritualidade como sendo algo palpável e inteligível, tarefa pouco fácil quando se parte de uma ótica racionalista ocidental. Ainda assim, a vontade de criar espaços que possam estimular o corpo e o espírito, tão presente na geometria simples de sua arquitetura, estabelece


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laços de semelhança com áreas do pensamento arquitetônico que tratam da fenomenologia e da ideia de genius loci. Uma das reverberações da tradicionalidade japonesa nas obras de Ando está contida no shintai. O termo shintai (神体) pode ser diretamente traduzido como “corpo de Deus”. Entretanto, a compreensão do espectro traçado da passagem da palavra à arquitetura deve ser acompanhada da diferenciação entre o Japão e o ocidente a respeito daquilo que pode ser entendido como “corpo” e como “Deus”. Pertencente ao conjunto de crenças do xintoísmo, o shintai refere-se à presença de kami (神, Deus) nas diversas manifestações do plano físico, estendendo-se, entre outros, à imponência das montanhas (natureza), ao próprio corpo humano (homem), como também aos objetos criados pelo homem (arquitetura). O xintoísmo japonês tem suas origens nas práticas espirituais da cultura pré-histórica nipônica, e está ligado a uma visão de mundo onde o sagrado pode ser vislumbrado em todas as manifestações de vida, geralmente enquanto natureza. Ainda que dentro do campo dos estudos teológicos possa ser configurado enquanto religião, aproxima-se mais a um conjunto de práticas e crenças difundido na cultura japonesa do que a uma instituição ou unidade religiosa. Atualmente no Japão, cerca de 119 milhões de pessoas (95%) são contabilizadas como xintoístas. Entretanto, os próprios processos de contagem religiosa no Japão podem ser vistos com certo relativismo, uma vez que tanto o xintoísmo quanto o budismo (segunda religião predominante no país) não demandam uma atitude praticante, assim como possuem o sincretismo em seu cerne. No âmbito daquilo que dentro do shintai pode ser traduzido e entendido como “Deus”, é necessário o apontamento de certas particularidades. Há, no conceito kami, grandes diferenças com relação à acepção cristã-ocidental da palavra. A definição de kami está mais ligada às ideias de “espírito” e “essência”, do que a uma entidade única que possa ser denominada Deus. Ainda que da mesma forma que no ocidente haja a atribuição de uma força onipresente, as práticas xintoístas se voltam mais ao culto à natureza em celebração à existência de kami do que a rituais direcionados a uma entidade única. Do caráter sincrético do xintoísmo e da acepção de kami como uma onipresença que permeia e se manifesta através de todas as formas de vida, é possível compreender a relação intrínseca entre homem e natureza na


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43. Shintai como “corpo onde o espírito de kami reside”. Monte Fuji é o shintai mais famoso no Japão


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cultura japonesa, relação que se faz presente na obra de Ando quase que em sua totalidade. A contemplação da natureza, da passagem das estações, do cair da chuva e do movimento das folhas em uma árvore, são aspectos ligados historicamente a um senso de espiritualidade presente no país. No shintai, tanto a ideia do corpo de Deus (tendo kami como espírito onipresente) quanto sua manifestação atribuída à natureza, em muito se assemelham à ideia de genius loci, termo latim que pode ser traduzido como “espírito do lugar”. O apontamento de uma essência definidora do lugar toma espaço no discurso arquitetônico ocidental através do trabalho de Aldo Rossi (1931-1997) e Christian Norberg-Schulz (1927-2000). Rossi vai abordar o termo genius loci em seu livro La arquitectura de la ciudad, de 1966, no qual, em busca do aspecto ontológico da arquitetura, indica que sua essência se encontra na correta articulação dos elementos da memória, do locus (lugar) e do desenho. A evocação do locus através do objeto arquitetônico, para ele, parte da ideia de um lugar marcado pela presença protetora do genius loci, crença romana antiga: “A escolha do local para a construção de um edifício assim como para uma cidade, possuía um valor preeminente no mundo clássico; a situação, o sítio, estavam governados pelo genius loci, pela divindade local, uma divindade de tipo intermediário que presidia tudo que ocorria naquele lugar.” 85 O resgate do termo clássico e religioso genius loci como definidor da relação sítio-arquitetura assemelha-se bastante ao shintai. Mais do que no sentido da atribuição de aspectos sobrenaturais ao espaço, ambos os termos evidenciam uma preocupação com aquilo que constitui o lugar a priori. Em “A ideologia do lugar público”86 (1988), Otília Arantes se debruça sobre as transições ideológicas e teóricas decorrentes do surgimento e dissolução do modernismo na arquitetura. Indo da tábula rasa dos grande planos até às camadas de significação nas teorias do lugar, neste último campo ela situa a contribuição de Aldo Rossi (junto a Vittorio Gregotti, arquiteto também associado à chamada Escola de Veneza) destacando que, para ele, o lugar é resultante de “uma relação singular e sem embargo universal 85. ROSSI, 1976, p. 157. 86. Ver ARANTES, O. B. F. A ideologia do lugar público. Em: O lugar da arquitetura depois dos modernos. São Paulo: São Paulo Editora da Universidade de São Paulo : Studio Nobel, 1993.


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entre certa situação local e as construções aí sediadas.”87 Conceitualmente, o lugar como detentor de uma essência que ultrapassa as condições físicas e materiais presentes, sendo imbuído também de significados surgidos da percepção humana, vai ao encontro da abordagem que Tadao Ando dá ao tratar da relação entre corpo, arquitetura e sítio sob a ótica do shintai: “O shintai é um ser senciente que reage ao mundo. Quando se depara com um sítio vazio, às vezes pode-se ouvir o terreno exprimir a necessidade de uma construção. A antiga ideia antropomórfica do genius loci era o reconhecimento desse fenômeno.” 88 Christian Norberg-Schulz, no ensaio “O pensamento de Heidegger sobre a Arquitetura” (1983), também aponta para a ideia de lugar, partindo de bases heideggerianas para, assim como Rossi, investigar o potencial arquitetônico através de sua essência: “O propósito da arquitetura é fornecer um ‘ponto de apoio existencial’ que propicie uma ‘orientação’ no espaço e uma ‘identificação’ com o caráter específico do lugar. Oposto de alienação, o conceito de ‘ponto de apoio existencial’ sugere que o ambiente é vivenciado como portador de significado.” 89 Nesse sentido, a relevância do lugar fica evidente ao ser carregada com camadas de significado, estas atribuídas pela relação entre homem e espaço através da arquitetura. O genius loci é utilizado na obra de Norberg-Schulz em referência ao habitar heideggeriano, no sentido de uma essência a ser atingida através da experiência sensorial mediada pelo corpo. O retorno à experiência humana em suas origens ontológicas como meio de romper com a negação da história, característica do modernismo, configurou a base do que pode se chamar de fenomenologia90. Apesar de a atribuição de tal classificação não encontrar respaldo na forma de um 87. ROSSI, 1976, pp. 273-283. 88. ANDO, 1988a. Em: DAL CO, 1996, p.453. 89. NORBERG-SCHULZ, 1983. Em: NESBITT (org.), 2006, p. 462. 90. Ver WERNECK, C. A arquitetura de resistência de Peter Zumthor: fenomenologia, lugar e experiência; Pesquisa de Iniciação Científica, Universidade de São Paulo, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico; 2017.


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grupo com unidade de pensamento, o comum contraponto ao espaço homogeneizado do modernismo direcionou diversos arquitetos e pensadores, nos campos da teoria e da prática, a investigações similares, dentre eles os citados Rossi e Norberg-Schulz. Retomando aqui o conceito de shintai, através de sua mobilização, Tadao Ando busca na experiência do espaço a essência de sua arquitetura, aproximando-se de bases fenomenológicas. No texto “Shintai and Space” (1988) ele explora sua visão de shintai ao falar das relações entre corpo e espaço, assim como da noção de “lugar” como algo heterogêneo construído a partir desta relação, em oposição ao espaço absoluto e universal da física newtoniana. Se, novamente, shintai pode ser entendido como “corpo de Deus”, a definição que Ando dá à ideia de “corpo” revela bastante sobre o caráter ontológico da experiência humana que ele compartilha com o pensamento fenomenológico: “O uso que faço da palavra shintai não faz distinção entre corpo e mente; por shintai entendo a unidade entre espírito e carne. O corpo reconhece o mundo e simultaneamente reconhece a si mesmo.”91 Não há registros ou menções que evidenciem que Tadao Ando explorou conceitos filosóficos a fundo para a formação de seu pensamento arquitetônico, ainda que, curiosamente, tal acepção do shintai possa ser comparada ao ser-no-mundo de Martin Heidegger. Em sua arquitetura, o shintai parte de uma totalidade que significa a extinção da distância entre o corpo e o mundo, ou, mais precisamente, entre ser e objeto. Disso é possível destacar dois pontos: as camadas de significação como resultantes da consciência acerca dessa distância; e o papel da natureza como elemento dinâmico, ferramenta para a aproximação entre o ser e o objeto. Ainda dentro da noção de mundo como resultado da interação com o corpo, é interessante notar as semelhanças entre os discursos de Tadao Ando, de Aldo Rossi e Christian Norberg-Schulz, no sentido dos significados atribuídos ao lugar. Este último reconhece o “potencial fenomenológico da arquitetura como a capacidade de dar significado ao ambiente mediante a criação de lugares específicos.”92 A abordagem do lugar como algo carregado de especificidades e significações através da arquitetura (em 91. ANDO, 1988a. Em: DAL CO, 1996, p.453. 92. NESBITT (org.), 2006, p. 443.


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oposição à visão de mundo onde uma abstração homogeneizadora gera a ordem) se encontra muito clara no uso que Ando faz do shintai: “O ‘lugar’ não é o espaço absoluto da física newtoniana, ou seja, um espaço universal, mas sim um espaço com direcionalidade significativa e uma densa heterogeneidade que nasce da relação com aquilo que chamo de shintai”. A partir de sua definição de shintai e corpo, complementa: “O ‘aqui e agora’ onde se situa o corpo é o ponto zero, de forma que, consequentemente, um ‘lá’ surge. Através da percepção dessa distância, ou melhor, da experiência dessa distância, o espaço ao redor do corpo se manifesta como algo dotado de diversos valores e significados. O mundo que surge diante da sensibilidade humana e a condição em que se encontra o corpo do homem assim se tornam interdependentes. O mundo intermediado pelo corpo é um espaço vívido e vivido.” 93 As noções de “lugar” e da constituição da experiência arquitetônica através dos sentidos (relação ser-objeto) conformam uma rede conceitual em que, em diversos momentos, as ideias de Tadao Ando se cruzam com as de autores ligados à fenomenologia. Entretanto, as raízes da tradição cultural japonesa, matriz de seu pensamento, levam-no a desdobramentos que vão para além dessa rede. Ao tratar do espaço arquitetônico, a atribuição de um papel essencial à natureza evidencia a maneira como o arquiteto japonês resgata a sensibilidade tradicional e a coloca como protagonista nas investigações sobre a relação homem-objeto. Mais do que isso, Ando tenta capturar elementos dessa sensibilidade tradicional através do uso de uma linguagem modernista: “Não apenas o movimento do shintai como também o movimento da natureza através de luz, vento e chuva, podem alterar a distância (fenomenológica, em oposição à física) entre ser e objeto. Ao introduzir o movimento da natureza e do corpo humano em formas geométricas simples, tenho tentado criar espaços complexos.” 94 93. ANDO, 1988a. Em: DAL CO, 1996, p.453. 94. ANDO, 1988a. Em: DAL CO, 1996, p.453.


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44. Rokko Housing I implantado na encosta de uma montanha


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Dentre as diversas obras que Tadao Ando concebe através de uma abordagem sensorial do espaço, dois projetos com programas distintos que transparecem a lógica do lugar e a valorização da natureza podem ser apontados: o complexo residencial Rokko I (Kobe, 1983) e a Igreja sobre a Água (Hokkaido, 1988). A grosso modo, a arquitetura de Ando possui um caráter responsivo ao local e ao contexto que se manifesta em duas atitudes distintas: o fechamento e a hermeticidade nos edifícios inseridos em tecidos urbanos densos; e a inserção na topografia em projetos localizados em áreas mais amplas, geralmente em meio a paisagens naturais. Não cabe aqui discutir as nuances entre tais atitudes tão distintas, mas é válido destacar que ambas partem de uma mesma consideração pelo contexto. Nesse sentido, os dois projetos citados pertencem ao segundo grupo, situando-se em áreas abertas e em diálogo explícito com a paisagem. O Rokko Housing I pode ser descrito como uma estrutura modular em concreto, que abraça a declividade topográfica do terreno mesclando-se à vegetação e possibilitando a abertura de vistas para seu entorno. A consideração da encosta, coberta por uma densa floresta, e a possibilidade de vislumbrar paisagens distantes daquele ponto são definidoras a priori de toda a forma resultante: “Durante minha primeira visita ao local, notei que a inclinação de 60 graus oferecia uma vista esplêndida da baía de Osaka. Queria desfrutar ao máximo a característica especial daquele local, uma intenção que se concretizou quando a ideia do Complexo Rokko tomou forma.” 95 Desde sua juventude, quando empreendeu viagens solitárias para o aprendizado da arquitetura, Tadao Ando desenvolveu um raciocínio que sempre partiu das presenças de corpo e espírito para a compreensão do espaço arquitetônico. Como uma busca pela essência do espaço através do aspecto sensorial, assim ele descreve uma de suas intenções: “Quero que as pessoas experienciem a arquitetura através de todos seus sentidos - o olfato e o tato, assim como a visão.”96 A implantação do edifício, que segue em harmonia com sua inclinação e com a altura das árvores ao redor, transparece uma preocupação 95. ANDO, 1991a. Em: ESPOSITO, 2011, p. 75. 96. ANDO, 1997. Em: FUTAGAWA, 1997, p. 12-13.


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com o lugar e com a natureza que adquiriu em visita ao sítio. “Em última instância, arquitetura é uma questão sobre como responder às demandas feitas pela terra. Em outras palavras, a lógica arquitetônica deve se adaptar à lógica da natureza.”97 É possível entrever o shintai na forma como o edifício foi pensado e construído, há o retorno a elementos da espiritualidade tradicional para entender a presença da natureza como integrante do espaço construído e vice-versa. Antes de 1978, início do projeto para o Rokko Housing I, Tadao Ando já havia ensaiado a ideia de uma estrutura em grid modular seguindo a declividade de uma encosta na Okamoto Housing (Kobe, 1976), projeto não executado. Entretanto, a visão de um edifício que se mesclasse à topografia de uma montanha arborizada vem de templos tradicionais, referência admitida pelo arquiteto. Especificamente, o Sanbutsu-ji em Tottori, no Japão, estrutura em madeira construída em cima de uma plataforma assentada sobre estacas, incrustada em uma concavidade, traz a ideia de uma mímese da paisagem. Construído por monges que se afastavam de espaços habitados pelo homem, o templo traz novamente a ideia de uma aproximação da natureza como ato sagrado - o ato de aproximação entre ser e objeto, tão presente na obra de Ando. Não por coincidência, a quantidade considerável de edifícios religiosos projetados por ele (em sua maioria cristãos) trazem paralelos entre a ideia ocidental de “sagrado” e a espiritualidade japonesa na forma de natureza. A maestria com que tal síntese é alcançada pode ser vista do espelho d’água da Igreja sobre a Água ao crucifixo luminoso da Igreja da Luz, onde a hierarquia espacial e a narrativa construída através da experiência do corpo, ambas conformadas através do uso de elementos em concreto, buscam posicionar as relações entre homem e natureza ao nível do transcendental. O trabalho de Tadao Ando sobre o tema do espaço sacro, no que diz respeito às igrejas cristãs projetadas por ele, sempre parte da distância cultural e religiosa com relação ao cristianismo ocidental. De tal forma, a apropriação da ideia do sagrado em sua arquitetura é caracterizada pela “ausência de condicionamentos estreitos determinados pela liturgia e pelas tipologias históricas.”98 A condição possibilitadora de uma abordagem livre de pressupostos 97. ANDO, 1990d. Em: DAL CO, 1996, p.457. 98. ESPOSITO, 2011, p. 30.


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45. Registro do processo de construção do Rokko Housing I

45. Vista frontal do Rokko Housing I, em meio à vegetação da montanha


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46. Corte axonomĂŠtrico do Rokko Housing I


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47. Maquete do Okamoto Housing, projeto nĂŁo construĂ­do com a ideia de grid modular sobre uma encosta, e que precede o Rokko Housing I 48. (pĂĄg. ao lado) Sambutsu-ji, templo de madeira sobre estacas encravado na encosta


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formais leva Ando a uma investigação mais profunda acerca do sagrado, pairando sempre sobre o ser e a natureza, e sobre como esses podem ser articulados através da arquitetura: “Projetando certa quantidade de igrejas tenho pensado sobre o espaço sacro. A questão que faço a mim mesmo é como tal espaço pode ser definido. No ocidente, o espaço sagrado é transcendental. Entretanto, penso que de alguma forma o espaço sacro esteja relacionado à natureza, ainda que isso não tenha a ver com o animismo ou o panteísmo japonês.” 99 Inegavelmente, a espiritualidade tradicional exerce grande influência dentro do trabalho de Ando, ainda que sob a égide de um sincretismo e de um conjunto de crenças, e não como religião stricto sensu. Dentro da manipulação de suas influências ocidentais e orientais, ele consegue ressignificar elementos e questões relativas aos dois campos, sem abrir mão de uma essência estruturadora de tais pensamentos. Retomando o caráter fenomenológico do shintai, sua arquitetura tem por finalidade o estímulo dos sentidos: a completude entre corpo, mente e alma, como catalisadora da experiência sensorial e, consequentemente, da existência do mundo. Arquitetura e natureza, nesse sentido, são tensionadas para que resultem do reflexo da existência do ser humano no espaço. Esta tensão gerada através da coexistência dos opostos é consciente em seu pensamento, e intencional em sua obra: “Quando projeto trabalhos de arquitetura, oscilo perenemente entre extremos: e quanto maior for a amplitude das oscilações, mais dinâmico será o produto final.”100 Ao destacar o dinamismo gerado por forças distintas, Tadao Ando refere-se a diversos aspectos de seu trabalho, como os pares duais oriente-ocidente, interno-externo, moderno-tradicional, entre outros. No caso da Igreja sobre a Água, a contraposição entre a sensibilidade para com a natureza e a geometria simples da linguagem modernista é trabalhada a partir de releituras de tais conceitos. Ainda na chave do espaço sacro, Ando escreve sobre a igreja: “Para mim, a natureza relacionada ao espaço sagrado é a natureza feita pelo 99. ANDO, 1989. Em: DAL CO, 1996, p.455. 100. ANDO, 1991a. Em: ESPOSITO, 2011, p. 73.


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homem: uma ‘natureza arquitetônica’. Acredito que quando o verde, a água, a luz e o vento se diferenciam da natura naturans de acordo com a vontade do homem, nos aproximamos do sagrado.” 101 Entender a natureza como condição do lugar a priori vem da tradição japonesa. Contudo, na visão de Tadao Ando, é função da arquitetura evidenciar tais relações. Tais ensejos tomam forma no projeto através da vegetação que abraça a implantação do edifício, do espelho d’água advindo de um rio próximo ao sítio, e da visão das montanhas em direção à abertura do altar da igreja. A natureza local se faz presente sintetizada (e simultaneamente tensionada) pelas formas contidas em concreto. A manipulação de elementos do entorno, para o estreitamento das relações entre homem e natureza, tem por objetivo fazer o sagrado se manifestar, o que é alcançado por meio de um percurso sutil. Direcionado pela sequência de paredes em concreto que levam por inclinações leves (ora elevando o corpo, ora o descendendo), e uma alternância entre luz e sombra, o corpo é conduzido pelo espaço onde, ao final, a chegada ao altar é marcada pela dissolução de seu plano de fundo: a imagem do crucifixo sobre o espelho d’água revela-se subitamente. O princípio de silêncio que permeia as formas contidas e o caminhar pelo edifício não elimina um senso de religiosidade, pelo contrário, o enaltece: “O lago surge diante dos olhos, e na água encontra-se um crucifixo. Uma linha única divide o céu e a terra, o profano e o sagrado. [...] O balançar das folhas, o som da água e o cantar dos pássaros podem ser ouvidos. O som da natureza enfatiza o silêncio dominante. Integrando-se à natureza, o homem confronta a si mesmo.” 102 Descritivamente imaterial, o percurso voltado ao corpo e à natureza apoia-se na dissolução das formas geométricas, bastando a elas o papel de mediar e potencializar a experiência sensorial e a espacialidade. Assim como o sentido da natureza é adaptado por Ando, o uso que o arquiteto faz da linguagem modernista em suas composições transforma as relações entre forma-função, rompendo com uma racionalidade premente para a atribui101. ANDO, 1989. Em: DAL CO, 1996, p.455. 102. ANDO, 1989. Em: DAL CO, 1996, p.455.


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ção de outros sentidos mais próximos a aspectos humanos: “Me interesso não pelas formas, mas sim pela espacialidade das formas. Através da mediação por formas geométricas simples, busco introduzir uma diversidade de intenções e emoções que levam em conta fatores intangíveis.” 103 A atribuição de significados outros à racionalidade formal do modernismo pode ser constatada no conjunto de obras e no pensamento por trás delas. Na própria Rokko Housing I (que precede o aprofundamento da investigação na Rokko Housing II e III em terrenos vizinhos) a instrumentalização de um grid modular parte das demandas do lugar, imbuindo a forma com um significado que está além de uma abstração homogeneizadora. Ao explicar seu projeto residencial, Ando afirma: “Para alcançar um espaço homogêneo onde os limites são suprimidos e a extensão horizontal é infinita, o modernismo apagou o significado atribuído aos pilares e o converteu em um grid de pontos abstrato e homogêneo. O uso que faço do grid é diferente uma vez que intenciono dar outro significado a ele.” 104 Os aspectos formais da arquitetura de Ando, portanto, não se relacionam com as formas em si, mas com o uso que se dá a elas visando a espacialidade conformada através da inserção na natureza, aspecto herdado da tradicionalidade japonesa e do shintai. A experiência sensorial e a existência do ser no espaço como partido de projeto podem ser ilustradas tanto pelo percurso silencioso e desvelador da paisagem na Igreja sobre a Água, quanto pela implantação mimética em Rokko Housing I. Tadao Ando nunca se declarou conhecedor ou adepto do pensamento fenomenológico, seja em seu cerne filosófico ou em seus desdobramentos arquitetônicos. Ainda assim, os paralelos entre sua visão de espaço advinda de uma tradição espiritual e o aspecto ontológico do ser-no-mundo detêm, mesmo que de forma inconsciente, a metáfora de uma justaposição entre oriente e ocidente que se estabelece em sua arquitetura. Como o próprio arquiteto costuma afirmar, durante seu processo contínuo e autônomo de aprendizado diversas nuances de seu trabalho fo103. ANDO, 1988a. Em: DAL CO, 1996, p.453. 104. ANDO, 1991a. Em: ESPOSITO, 2011, p. 75.


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ram compreendidas somente após a realização dos projetos. Entretanto, a poética da experiência espacial e sensorial como superação de um funcionalismo determinante da forma possui grande autenticidade e figura em seu pensamento desde o início de sua trajetória. Em um de seus primeiros textos publicados – em 1977, pouco após a conclusão da Casa Azuma – já se percebe uma concepção de espaço fenomenológico quando escreve: “Se a arquitetura, como acredito, deve conter espaços vívidos que favoreçam o desenvolvimento físico e psicológico do indivíduo humano, almejo criar edifícios que revelem indícios de vida humana. Para tal, projeto coisas que se tornam suporte para a existência do ser através desta revelação.” 105

105. ANDO, 1977. Em: DAL CO, 1996, p.444.


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49. Imagem do portal (torii) sobre a água do santuário xintoísta de Itsukushima, em Hiroshima

50. Vista do altar da Igreja sobre a Água, onde o altar se abre a um crucifixo pairando sobre a água com a vegetação e as montanhas ao fundo 51. (pág. ao lado) Planta da Igreja sobre a Água onde é possível observar a circulação lateral que sobe até o volume superior da igreja de onde se pode acessar o altar


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52. Vista do crucifixo sobre o espelho d’água e o volume principal da igreja

53. Vista da inserção da Igreja sobre a Água na paisagem


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4. Luz e sombra: a poĂŠtica do habitar


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Ao nos depararmos com a arquitetura de Tadao Ando, seja experienciando o espaço pessoalmente ou acessando-o através de imagens, dois aspectos saltam aos olhos: as superfícies em concreto aparente e a luz que se materializa ao incidir nelas. O apontamento de tais elementos condensam uma dualidade que permeia seus projetos em diversos campos, seja na relação entre tradição e modernidade, seja no jogo entre luz e sombra, ou nas diferenças culturais entre oriente e ocidente, por exemplo. No presente caso, o uso do concreto aparente e das formas geométricas simples demonstram a linguagem herdada da arquitetura moderna. Esse mesmo concreto é elemento chave para que a luz se manifeste e indica a influência ocidental no pensamento de Ando (especialmente através de figuras como Le Corbusier e Louis Kahn). Entretanto, a maneira como o arquiteto busca trabalhar a textura e a profundidade dos materiais em função dos efeitos causados pela incidência da luz do sol remete a uma sensibilidade particular advinda da tradição japonesa. O apontamento da luz como protagonista dos espaços conformados pelas paredes em concreto estabelece relações com a estética japonesa tradicional, marcada por estruturas em madeira, fechamentos em shoji (pai-


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nel de papel) e paredes despidas de quaisquer ornamentos ou decorações, um espaço nu onde toda a materialidade vem à tona no momento em que a iluminação atravessa suas camadas e se projeta em sua superfície. Mais do que isso, a particularidade da tradição japonesa reside não apenas na luz que se manifesta mas também em seu extremo oposto, as variações da sombra, como aponta o escritor Junichiro Tanizaki, em 1933: “Realmente, a beleza do aposento japonês é apenas gradação de sombras, nada mais nada menos.”106 Cerca de 30 anos antes de Tadao Ando iniciar suas atividades como arquiteto, Tanizaki (1886-1965) já denunciava a perda de sentido na cultura do habitar japonês através do pequeno ensaio Em Louvor da Sombra. Após um extenso período de fechamento, ao final da era Edo (1603–1868) o Japão se viu forçado a abrir seus portos para a entrada de navios estrangeiros - em especial os estadunidenses -, sofrendo profundas transformações nos campos da cultura e da tecnologia. Neste deste contexto, Tanizaki ilustra, com leveza e simplicidade, aspectos de uma estética tradicional que se funda no gradiente contido nas relações entre luz e sombra. Através de uma prosa descritiva, o escritor percorre objetos, espaços e costumes do cotidiano japonês sempre comparando-os à forma ocidental de entrever a beleza do mundo. Ainda que não haja um tom de ataque e/ou acusação, Tanizaki tensiona a relação entre oriente e ocidente de forma crítica, refletindo sobre uma hegemonia cultural que se instaurou de maneira “desvantajosa” para os japoneses. Tal condição frente ao processo de modernização é apontada no ensaio através de constatações sobre aspectos do cotidiano tradicional japonês, e sobre como o advento de elementos ocidentais vieram a modificá-lo. Um dos exemplos dados é a caneta, sobre a qual o escritor divaga ao imaginar um cenário em que o Japão tivesse se mantido culturalmente autônomo a ponto de desenvolver sua própria versão industrial do objeto: uma caneta inspirada não na pena que se mergulha em tinta densa para se escrever sobre papel liso e brilhante, mas um objeto inspirado nos pincéis, que faria uso de uma tinta rala que escorreria umedecendo os pelos na ponta da caneta a ser usada em papel poroso e fosco, próprio para os ideogramas orientais. A possibilidade de existir um objeto como esse, continua o autor, inspirado na forma oriental da escrita, poderia vir a modificar a relação dos japoneses 106. TANIZAKI, 2007, p. 31.


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54. Luz e sombra na parede em concreto da Casa Koshino 55. (pĂĄg. ao lado) Caligrafia tradicional japonesa datada do sĂŠculo XIII


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com a escrita ocidental, fortalecendo as condições para que o alfabeto em ideogramas viesse a se manter hegemônico. O que fica em evidência aqui é a relação sutil porém conflituosa que se dá no encontro entre as duas culturas. Logo ao início do texto, comentários sobre as incompatibilidades estéticas entre objetos orientais e ocidentais expõem o criticismo do escritor. É o caso das luminárias em papel opaco diferentes dos lustres hespéricos de vidro translúcido, do revestimento em madeira envelhecida nos banheiros japoneses em oposição aos azulejos lustrosos ocidentais, entre outros. O escritor aponta: “Alguns dirão que discutir preferências e antipatias por esta ou aquela prosaica engenhoca de uso diário é luxo reservado aos que não têm o que fazer na vida. Que importância teria a forma das tais engenhocas se nos protegem das intempéries ou nos salvam de morrer de fome? Realmente, por mais que tentemos negar, o frio dos dias nevados é intenso, e se deparamos com invenções úteis para atenuá-lo, a tendência inevitavelmente é buscar rapidamente seus benefícios e deixar de lado a questão estética.” 107 Ainda que Tanizaki tenha consciência das condições e conveniências que residem no funcionalismo, ao apontar para nuances sutis busca expor como a adoção de elementos ocidentais por meio da chave funcionalista fez com que diversos aspectos impalpáveis da cultura japonesa acabassem sendo ofuscados, quando não extintos. A partir daí, dentro do campo das qualidades intangíveis - e de notável caráter poético - da cultura japonesa, o escritor ilustra um cenário onde o vazio, o silêncio e a sombra são vistos como elementos primordiais para a composição estética. Um cenário onde a se entrevê a beleza nas sombras e na escuridão, tal como fica evidente quando o autor versa sobre a predileção dos orientais pela cerâmica gasta e pelos cristais foscos, em oposição às louças lustrosas e às gemas brilhantes: “Isso não significa que todo o brilho nos desgoste, mas ao superficial e faiscante preferimos o profundo e o sombrio.”108 É possível estabelecer um paralelo entre os contextos vividos por Junichiro Tanizaki e por Tadao Ando, assim como é possível notar semelhanças no posicionamento de ambos frente a seus respectivos contextos. 107. TANIZAKI, 2007, p. 17. 108. TANIZAKI, 2007, p. 22.


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Da mesma forma que a abertura dos portos japoneses, em 1853, marcou o início da modernização japonesa (acompanhada de uma indissociável “ocidentalização”), o desfecho da Segunda Guerra Mundial configurou outro marco na continuidade desse processo. O Japão dos anos 1960, período de formação na trajetória de Ando, foi caracterizado pelo intenso processo de americanização ocorrido no país, momento de aceleração do crescimento guiado pelas políticas decorrentes do pós-guerra. Como Tanizaki, o arquiteto se coloca frente aos efeitos da modernização de forma crítica, principalmente no que diz respeito à insipidez dos espaços gerados na metrópole, carentes de um caráter outro que não o da eficiência funcional e econômica: “[...] Funcionalidade e racionalidade estão na base de tudo que se constrói de tal maneira que em toda parte prevalecem os espaços homogêneos destituídos de personalidade. Os espaços homogêneos da era moderna são o efeito de uma lógica que propõe como objetivo único a funcionalidade.” 109 Apesar do intervalo de três décadas entre a publicação do ensaio de Tanizaki e a construção do primeiro projeto de Ando, ambos compartilham de uma visão resiliente acerca da poética do habitar japonês, visão esta resumida na nuance contida entre a luz e a sombra. Ao falar sobre a influência da arquitetura moderna e o papel da luz em sua arquitetura, Ando continua em um viés de crítica à homogeneização do espaço: “A arquitetura moderna produziu um mundo de excessiva transparência - um mundo homogeneizado pela luz que ofusca e exclui todo o resto, um mundo desprovido de sombras. A luz que, através de sua difusão, ofusca a visão do mundo, significou a morte do espaço assim como a morte da escuridão absoluta.” 110 A percepção da sombra como elemento condicionante da beleza e portadora de uma poética é um traço singular da cultura japonesa, e permeou a formação de Tadao Ando de forma indireta. Ao comentar sobre suas referências, além de indicar qualidades da arquitetura tradicional japonesa, Ando também menciona lembranças de vida, experiências absorvidas inconscientemente através da vivência e do cotidiano - como no caso das 109. ANDO, 1991a, p.73. 110. ANDO, 1993. Em: DAL CO, 1996, pp. 470-471.


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memórias da casa escura onde passou a infância, onde a maneira com que a luz atravessava a escuridão, pintando as superfícies, marcou sua forma de pensar o espaço: “Morar em um espaço assim, em que a luz e a escuridão estão sempre interagindo, foi uma experiência decisiva para mim.”111 Compreender a beleza contida na sombra não se coloca como algo natural, principalmente quando se parte de bases filosóficas e culturais do ocidente. Ainda que uma lógica dialética possibilite entrever a relação indissociável entre luz e sombra, há uma premissa distinta naquilo que diz respeito aos valores atribuídos a cada um dos elementos. A figuração da luz como representante de um aspecto positivo, dado pela razão ou pela religião, desde sempre partiu de uma visão em que a sombra e a escuridão representam o oposto e, portanto, são imbuídas de sentido negativo. Da caverna de Platão, onde as sombras são metáfora da escravização e da alienação do olhar para o mundo, passando pela iluminação doutrinária cristã e pela razão emancipatória iluminista, à escuridão sempre foi relegado o papel de condição a ser evitada e superada. Segundo Tanizaki, nesse juízo de valor frente aos dois elementos, assim como na maneira de encará-lo (no intuito ocidental de negar as sombras e buscar a luz), reside uma das principais diferenças entre oriente e ocidente: “Creio que nós, os orientais, buscamos satisfação no ambiente que nos cerca, ou seja, tendemos a nos resignar com a situação em que nos encontramos. Não nos queixamos do escuro, mas resignamo-nos com ele como algo inevitável. E se a claridade é deficiente, imergimos na sombra e descobrimos a beleza que lhe é inerente.” 112 Mesmo frente a um aparente abismo que separa a sensibilidade oriental da ocidental, a singularidade japonesa que possibilita vislumbrar a beleza contida nas sombras foi muito bem ilustrada por Tanizaki através de exemplos que passam pela aparência dos objetos (como na já citada preferência pelo fosco ao invés do brilhante), pela sutileza dos gestos (como na culinária ou no Teatro Nô), e pela qualidade dos espaços. No caso da última categoria, o escritor versa sobre os zashiki, forma genérica de denominar os cômodos tradicionais, compostos pelo piso em tatami e aberturas em pai111. ANDO. Em: AUPING, 2003, p. 11. 112. TANIZAKI, 2007, p. 48.


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néis shoji. A própria forma de construir já revela bastante sobre os edifícios tradicionais, pois o primeiro elemento a ser erguido é a cobertura, austera e suntuosa, sob a qual tudo é recolhido, imerso na sombra: “Nós, os japoneses, ampliamos o beiral diante dos zashiki, já de si tão pouco insolados, e ali construímos varandas com o intuito de afastar ainda mais o sol. Em seguida, providenciamos para que o reflexo proveniente do jardim atravessasse o shoji e se infiltrasse vagamente no interior do aposento. O elemento de beleza primordial de nossos aposentos é pura e simplesmente essa dúbia luz indireta.” 113 Um dos aspectos que aproximam a arquitetura de Tadao Ando dos espaços tradicionais descritos por Tanizaki é a materialidade baseada no vazio, como aponta Guilherme Wisnik: “A capacidade que os orientais têm de preencher os ambientes sombrios de significado corresponde, em outros termos, à sua particular compreensão do espaço a partir do vazio, e não das superfícies sólidas.”114 Dentro do universo do zashiki, um espaço específico que parece condensar a simbologia das sombras e do vazio é o tokonoma: uma pequena reentrância que em geral situa-se na entrada dos edifícios, projetada para nunca receber um raio de luz e onde, eventualmente, um único ornamento, esteticamente muito sóbrio, é posicionado (uma caligrafia ou uma peça cerâmica). A ausência de qualquer excesso de cor, matéria e ornamentação conforma um vazio penumbroso carregado de significação e que, como diz Tanizaki, ao contemplá-lo “temos a forte impressão de que o ar se condensou só ali em agudo silêncio e em desolada solidão, imutável, eterna”. E completa: “Penso que a expressão ‘oriente misterioso’ usada por ocidentais designa esse tipo de sinistra quietude que caracteriza nossas sombras.”115 Dentro dessa lógica espacial que parte do vazio, a simplicidade material é de extrema importância. A sutil e monótona variação de cores junto à ausência de uma ornamentação que se destaque na composição dos espaços tradicionais japoneses, configuram o caráter físico e visual desses espaços, contidos e simples. Os tons da madeira e do papel, transições mí113. ANDO. Em: AUPING, 2003, p. 31. 114. WISNIK, 2014. Em: NOVAES (org.), 2014, p. 405. 115. TANIZAKI, 2007, p. 34.


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nimas que vão do branco ao ocre, junto às visualmente modestas caligrafias ou peças cerâmicas com arranjos de flor (ikebana) (objetos que compõem o entorno ao invés de chamarem a atenção para si) estabelecem um campo de simplicidade visual que fala menos sobre a matéria e realça a percepção das gradações da luz e da sombra. Assim discorre Tanizaki sobre os zashiki: “A tonalidade pode variar de aposento para aposento de maneira tão sutil que se julgaria imperceptível, uma variação não de cor, mas feita de mínimas gradações de claro e escuro, cuja percepção dependeria apenas do humor de quem observa. Contudo, são essas tênues variações que alteram o tom das sombras dos aposentos.” 116 O uso que Tadao Ando faz do concreto em sua arquitetura, através de formas simples e superfícies nuas, relaciona-se à essa sensibilidade, em que a qualidade dos espaços se funda em aspectos imateriais: “Me interesso menos nos elementos físicos da composição arquitetônica do que na pureza dos espaços contidos pelo piso, paredes e cobertura (no meu caso, geralmente esses elementos são feitos do mesmo material). Me interesso de forma ainda mais profunda na maneira como a luz e o ar que adentram e expandem a rigidez do espaço, fazem fluir e afetam a união entre o espaço em si e as pessoas que nele se encontram.” 117 Na tradição japonesa, da compreensão do espaço a partir do vazio e da simplicidade compositiva decorre a valorização de um caráter contemplativo, que se manifesta tanto nos aposentos imersos na penumbra (onde observar a sutil incidência da luz é um ato quase meditativo) quanto nas varandas voltadas aos serenos jardins (onde o ambiente externo e a natureza marcam a passagem do tempo). Esse pensamento fica evidente na arquitetura de Tadao Ando, na qual a contemplação de aspectos imateriais do espaço configura um ato de resistência frente ao funcionalismo predominante. Mais do que isso, é a afirmação de um caráter advindo da cultura tradicional e que pode ser definido como a poética do habitar japonês: essa sensibilidade que possibilita entrever a beleza no silêncio, no vazio e nas sombras. Ao 116. TANIZAKI, 2007, p. 32. 117. ANDO, 1982, p.9.


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56. Tokonoma: ambiente conformado pelo piso em tatami e fechamento em painĂŠis shoji

57. Detalhe de vaso cerâmico e ikebana compondo o espaço de um tokonoma


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58. Vista de um tokonoma intermediado por um engawa voltado a um jardim

59. Luz e sombra no pรกtio interno da Azuma House


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falar sobre a influência da filosofia zen e da cerimônia do chá, Ando aponta para aspectos de tal poética: “No pensamento zen-budista, a existência do espaço se dá no limite onde as coisas materiais desaparecem. Em tamanho e expressão, o pavilhão da cerimônia do chá conforma um microcosmo que revela o limiar desse desaparecimento. Uma pessoa sentada silenciosamente a contemplar tal espaço tem a experiência de vislumbrar o infinito contido na interação entre luz e sombra.” 118 Tais aspectos de uma abordagem baseada na imaterialidade e nas relações entre luz e sombra é também resumida por Tanizaki: “A beleza inexiste na própria matéria, ela é apenas um jogo de sombras, de claro-escuro surgido entre matérias. Da mesma maneira que uma gema fosforescente brilha no escuro mas perde o encanto quando exposta à luz solar, creio que a beleza inexiste sem a sombra.” 119 Não por coincidência, na Casa Azuma, o vazio central que ocupa um terço do lote possui uma presença tão marcante quanto a construção em si. A casa sintetiza diversos aspectos aqui citados, tanto através da atribuição ao pátio de um papel articulador dos espaços quanto no microcosmo contido entre as sóbrias (e austeras) empenas em concreto. A inserção de um vazio com o intuito de trazer luz aos cômodos que o circundam pode ser interpretada como decisão baseada no funcionalismo, entretanto relegar ao pátio somente esse significado soa como algo simplista. Ficam aqui visíveis as diferenças contidas na abordagem oriental e ocidental com relação à luz. A possibilidade de contemplar a luz atravessando a escuridão dos ambientes, realçando a percepção da passagem do tempo ao longo do dia, e até mesmo da passagem das estações ao longo do ano, configura uma abordagem espacial japonesa. Para Ando, o vazio deve ser imbuído de significado, tanto quanto o edifício em si: “Um pátio pode atrair a atenção para seu caráter intersticial, mas raramente possui uma presença tão forte quanto a da própria construção. Acredito que 118. ANDO, 1990a. Em: DAL CO, 1996, p. 458. 119. TANIZAKI, 2007, pp. 46-47.


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esses interstícios devam ter tanta importância quanto os próprios edifícios. Se presença e individualidade marcam uma obra de arquitetura, seus vazios também devem transparecer a lógica intrínseca do projeto. Uma construção agrega um caráter enriquecedor quando os vazios são estruturados de acordo com uma lógica clara de projeto, e quando são significativos enquanto espaços arquitetônicos.” 120 Se no vazio da Casa Azuma o pátio condensa um sentido poético, este atinge um nível explícito no Museu Hiroki Oda (Hino, 1998), conhecido também como Museu da Luz do Dia. O museu, projetado para abrigar a obra do pintor que leva o nome do edifício, opera fazendo uso somente da luz natural variável no curso do dia, e na sucessão dos dias e das estações. A implantação geométrica elementar em forma de arco concentra a área expositiva ao longo de um corredor e ganha vida nos jogos de luz e sombra que se projetam entre a parede curva de concreto, a cortina de vidro luminoso e o reflexo da água da lagoa, até o pôr do sol, momento em que o museu é fechado. Tal partido de projeto, entretanto, não parte apenas de mero capricho do arquiteto. Pelo contrário, a possibilidade de projetar um museu tão destoante dos museus modernos (herméticos, brancos e homogeneamente iluminados) partiu de uma profunda sensibilidade que Ando teve ao pensar um espaço que pudesse abrigar os quadros do artista japonês Hiroki Oda (1914-2012). O estúdio do pintor, uma estrutura rústica de madeira feita de materiais reaproveitados, não possuía eletricidade, gás ou água corrente. Por anos, Oda levantava-se ao amanhecer, passava o dia em seu ateliê pintando em função da luz do sol e ia se deitar assim que escurecia. Tadao Ando (que já conhecia a obra do artista), ao ter oportunidade de projetar o museu, imaginou que “um museu iluminado somente pela luz natural seria muito mais oportuno para expor seus quadros, que eram essencialmente reflexo de sua existência.”121 Tal pensamento não apenas revela a consideração que Ando teve com os aspectos que compõem o trabalho de Hiroki Oda, como também marca certo posicionamento do arquiteto com relação aos objetos artísticos e aos espaços expositivos. A concepção de um espaço que submete o acervo e o próprio funcionamento do edifício a condições naturais 120. ANDO, 1984. Em: DAL CO, 1996, p. 449. 121. ANDO. Em: ESPOSITO, 2011, p. 48.


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60. (abaixo) Vista do Museu Hiroki Oda situado à beira de um lago 61. (pág. seguinte superior) Espaço expositivo do Museu Hiroki Oda sob a iluminação natural 62. (pág. seguinte inferior) Desenhos do Museu Hiroki Oda onde é possível ver sua forma em arco


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marca a valorização de aspectos poéticos e contemplativos em detrimento de uma funcionalidade determinante, aproximando o ser humano das artes e da natureza. Assim o próprio Ando finaliza o memorial descritivo do projeto: “Provavelmente este museu não está em sintonia com os tempos modernos, mas permite que o visitante aprecie as obras nas mesmas condições de luz em que elas foram pintadas - e assim pode oferecer uma aproximação com o mundo da criação artística. Os quadros não devem ficar suspensos no tempo, selados e venerados assim que o artista lhes dá a última pincelada. Eles devem ser nossos amigos mais íntimos e viver entre nós de modo natural, transmitindo-nos paixões e valores. O museu fecha ao pôr do sol.” 122 Pode-se dizer que no Museu Hiroki Oda, de certa forma, a função atribuída ao objeto artístico e a maneira proporcionada para o contato com esse (ativando as relações entre homem, objeto e natureza) em muito se assemelham ao papel que as caligrafias e peças cerâmicas têm na composição espacial dos tokonoma: os elementos materiais são parte de um todo que serve como base para uma espacialidade fundada em aspectos imateriais, sensoriais e contemplativos do espaço. A possibilidade de trabalhar tais temas, tão característicos da cultura japonesa, para o projeto de um museu que abrigaria as obras de um artista conterrâneo, culminou em um espaço de notável caráter poético. Também, a abordagem dada ao pequeno museu em Hino encontra reverberação posteriormente nas cortinas de vidro do Museu de Arte Moderna de Fort Worth (Fort Worth, 2002): projeto de mesmo programa, mas com escala ampliada e fora do contexto japonês, onde fica ainda mais latente o encontro de uma poética tradicional com a linguagem moderna. O museu de Fort Worth encontra-se em um terreno limítrofe ao Museu de Arte Kimbell (Fort Worth, 1972) projetado pelo arquiteto Louis Kahn (1901-1974), referência na arquitetura moderna norte-americana e figura que certamente influenciou o trabalho de Tadao Ando. Kahn estabeleceu uma prática sólida a partir dos anos 1950 e, mais que isso, sistematizou conceitos de maneira bastante poética, tratando de diversos temas em comum com Ando, tais como a ordem, a luz e a natureza dos materiais. O tra122. ANDO. Em: ESPOSITO, 2011, p. 49.


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63. Louis Kahn no Museu de Arte Kimbell, onde a luz natural atravessa as abรณbadas da cobertura


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64. Pavilhões abobadados do Museu de Arte Kimbell e o espelho d’água que compõe sua implantação


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balho de Tadao Ando aproxima-se do pensamento de Kahn no momento em que há a valorização de aspectos fenomenológicos e a busca por aquilo que pode ser entendido como a “essência” da arquitetura, em detrimento de um pensamento estritamente racionalista. Nesse sentido, pode-se dizer que o viés poético da arquitetura de Ando baseia-se na tradição cultural de seu próprio país, enraizada em seu espírito através de sua experiência de vida, mas encontra vínculos de identificação dentro do modernismo elementar do arquiteto norte-americano. Para Louis Kahn a arquitetura situa-se no limiar entre o silêncio e a luz e esse limiar ele batizou de “tesouro das sombras”. Kahn utilizava a palavra “silêncio” para designar aquilo que é imensurável, que ainda não é; e a palavra “luz” para o mensurável, aquilo que é.123 A própria consideração de fatores intangíveis como sendo elementos básicos na constituição da arquitetura, representa uma abordagem autêntica se comparada ao racionalismo e ao funcionalismo definidores (a grosso modo) do movimento moderno, além disso, em diversos graus aproxima o pensamento de Kahn à sensibilidade japonesa. Nas palavras silêncio, luz, e sombra é possível notar um conjunto de conceitos que entram em consonância com a poética do habitar japonês, e talvez por esse motivo Ando consiga se apropriar de maneira tão natural das ideias de Kahn e sintetizá-las junto às referências tradicionais que permeiam sua formação. Ainda dentro da linha de pensamento do arquiteto estadunidense, o aspecto imaterial do mundo e a vontade de expressar pertencem ao silêncio, enquanto que a materialidade e a vontade de fazer pertencem à luz. De maneira poética, Kahn diz que das relações entre o silêncio e a luz, essa última projeta-se no mundo, revelando a matéria e fazendo surgir a sombra, que, por sua vez, pertence à própria luz.124 Ando também percebe na luz esse potencial de prover a existência das coisas, como fica explícito na seguinte fala: “Luz é a origem de todos os seres. Projetando-se na superfície das coisas, a luz lhes concede um contorno; concentrando sombras atrás das coisas lhes dá profundidade. As coisas são articuladas em torno do limite entre luz e sombra obtendo suas formas individuais, desvelando relações mútuas, conectando-se profundamente. A luz concede autonomia às coisas e, simultaneamente, deter123. LOBELL, 2000, p. 3. 124. KAHN, 1975, p. 24.


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mina suas relações.”

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Ainda assim, apesar de atribuir à luz uma importância próxima àquela presente no pensamento de Louis Kahn, o entendimento de Ando evidencia as diferenças entre as abordagens oriental e ocidental, pois para ele a existência da luz está condicionada à presença da sombra e ambos elementos coexistem pautando-se no equilíbrio, não havendo uma relação hierárquica: “Luz por si só não faz luz. É necessário que haja escuridão para que a luz se torne luz - resplandecente com dignidade e força. A escuridão, que sutilmente revela o brilho e a potência da luz, é, portanto, parte da luz.”126 A presença de diferenças na abordagem não configura um distanciamento entre o pensamento de Kahn e a arquitetura de Ando. Pelo contrário, a desenvoltura com que esse articula a tradição japonesa com determinados preceitos da arquitetura moderna enaltece e ressignifica aspectos que valorizam o espaço. O Museu de Arte Moderna de Fort Worth dialoga com o Museu de Arte Kimbell algumas vezes de maneira direta e outras mais sutis, evidenciando tal articulação. A referência direta ao Kimbell pode ser notada, por exemplo, em sua disposição sobre o solo que coloca o acesso no mesmo eixo viário que conduz à entrada do museu predecessor; ou então na organização espacial dada pelos pavilhões em concreto recobertos pelas cortinas em vidro, que fazem alusão aos pavilhões em pedra protegidos pelas abóbadas de Kahn. Ao mesmo tempo em que certos aspectos são recriados por Ando ao seu modo e linguagem, outros guardam semelhanças não materiais, mas sim no pensar. No Kimbell, a estrutura e a cobertura em concreto aparente não tocam nas paredes de pedra branca, garantindo leveza ao edifício sem deixar de propiciar fluidez ao espaço. Para Louis Kahn, o uso dos materiais na arquitetura deve fundar-se no cuidado em transformar a matéria-prima dada pela natureza de uma maneira que ela mesma aprovasse, um pensamento que busca equilíbrio e harmonia na relação dicotômica entre homem e natureza.127 A referência à natureza encontra expressão também na 125. ANDO, 1993. Em: DAL CO, 1996, pp. 470-471. 126. ANDO, 1993. Em: DAL CO, 1996, pp. 470-471. 127. GIURGOLA, MEHTA, 1975, p. 15.


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65. Vista aérea do Museu de Arte Kimbell de Kahn (esquerda) e do Museu de Arte Moderna de Fort Worth de Ando (lado superior direito)

66. Vista externa de três dos pavilhões que compõem o Museu de Arte Moderna de Fort Worth e o espelho d’água que os cerca


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implantação dos pavilhões acompanhada de jardins adjacentes e espelhos d’água em suas laterais (resposta clara ao amplo sítio existente), ou na presença marcante da luz natural, seja através das claraboias (onde o elegante detalhe das asas de alumínio perfurado evita a incidência direta de luz sobre as obras) ou dos vazios entre o concreto e a pedra, que ao serem atravessados pela luz reforçam a leveza do edifício. Aquilo que Ando chama de “a voz dos materiais”, assim como sua visão integradora das relações entre homem, arquitetura e natureza, assemelha-se ao amplo espectro de ideias de Louis Kahn. Da mesma maneira que no Kimbell as abóbadas e os fechamentos são organizados de forma a evidenciar a função de cada material, garantindo leveza ao volume através das relações com a luz, a clareza com que Tadao Ando dispõe o concreto da cobertura e os suntuosos pilares em forma de Y, recobrindo-os com uma pele de vidro, recria essas mesmas qualidades transformando o efeito vetorial que a luz tem no museu de Kahn em algo tridimensional, tanto durante o dia, quando o reflexo do espelho d’água envolve a transparência do museu, quanto durante a noite, quando o interior iluminado artificialmente gera um prisma de luz pulsante. O arquiteto japonês utiliza recursos de iluminação zenital em diversas obras, entretanto a escolha de uma solução que se diferenciasse da adotada no Kimbell recria, de forma distinta, a mesma potencialidade através da manipulação da luz. Tal releitura é feita sob forte influência da tradição japonesa, sem perder de vista o diálogo travado com o museu de Kahn. A maneira com que a camada primária de vidro recolhe-se sob a penumbra gerada pelo avanço da cobertura em direção aos pilares assemelha-se à descrição de Tanizaki sobre as varandas colocadas sob os amplos beirais das construções tradicionais. Esses espaços que separam exterior e interior são chamados de engawa e, segundo Ando, representam transições tanto psicológicas quanto físicas.128 Em geral configurados por um deck de madeira voltado ao jardim, sua função é intermediar a abertura dos edifícios ao exterior, ao mesmo tempo em que protegem os zashiki da iluminação direta, fazendo os ambientes serem iluminados pela suavidade do reflexo indireto. Tadao Ando, com grande maestria, faz alusão direta ao engawa, criando um espaço intersticial entre a pele de vidro e as paredes de concreto que organizam o espaço expositivo do museu. Esse entremeio recebe a luz refleti128. ANDO. Em: AUPING, 2003, p. 32.


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67.Templo Byodo-in, em Quito

68. Vista externa dos pavilhĂľes do Museu de Arte Moderna de Fort Worth


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da pelos extensos espelhos d’água de forma a proporcionar dinamismo ao percurso, seja pelo movimento da água ou pelo trajeto percorrido pelo sol, de seu nascer até o crepúsculo. Além de mencionar o engawa, ao falar sobre o museu de Fort Worth o arquiteto japonês também comenta sobre a imagem do templo Byodo-in, em Quioto, um edifício que parece flutuar sobre a água, fato que demonstra ainda mais a influência da tradição japonesa em sua arquitetura. A implantação do museu de Fort Worth toma proveito da horizontalidade do terreno, assim como Kahn o faz no Kimbell, organizando-se através de pavilhões e demonstrando uma abordagem que leva em conta o sítio existente. Para Tadao Ando, a dimensão horizontal da arquitetura possui o papel de ligar o edifício ao terreno, enquanto que a vertical representa a ação do homem com relação ao mesmo.129 Nesse sentido, retorna-se aqui ao papel da arquitetura de integrar-se à natureza ao mesmo tempo em que a modifica, pensamento presente tanto no escopo de ideias de Kahn quanto de Ando. A verticalidade em cada um dos pavilhões do museu de Fort Worth é trabalhada segundo dimensões similares às da extensão horizontal, remetendo a um quadrado, maneira que Ando encontrou para expressar o equilíbrio desejado entre a natureza e a ação do homem sobre ela. Ao gerar movimento e dinamismo nas relações entre interior e exterior através da disposição das paredes, em certo nível a arquitetura de Ando faz referência à concepção que Louis Kahn tinha sobre o papel da estrutura na arquitetura, como sendo nada mais do que um jogo de luz e sombra: “Quando decido ordenar uma estrutura que posiciona coluna ao lado de coluna, isso representa um ritmo de luz, sombra, luz, sombra, luz, sombra, luz.”130 Compreendendo a luz como representante da natureza, Tadao Ando toma proveito de tal conceito para potencializar a inserção do exterior dentro do museu de Fort Worth. Ao mesmo tempo, a dinâmica criada pela sequência de paredes parte também da influência das construções tradicionais pois, segundo Tadao Ando, nelas o uso dos paineis shoji têm a finalidade dupla de separar e integrar os espaços, de forma que sua disposição conjunta, ora abertas e ora fechadas, cria um efeito de alteração dos ambientes através tanto das mudanças naturais externas (mudança do clima e das estações)

129. ANDO. Em: AUPING, 2003, p. 45. 130. KAHN apud LOBELL, 2000, p. 3.


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69. (pág. ao lado) Espaço interno do Museu de Arte Kimbell com as clarabóias e a abóbada que não encosta nos fechamentos 70. Espaço interno do Museu de Arte Moderna de Fort Worth onde a pele de vidro possibilita a entrada de luz e a visualização do espelho d’água e da paisagem externa


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quanto do corpo humano (no caminhar e no contemplar).131 Ainda segundo o arquiteto japonês, o tensionamento das relações entre interior e exterior se dá através do ato de cortar, como uma espada, as vistas da paisagem externa com o uso de paredes. A poética desse cortar reside no fato de que para os japoneses isso não representa algo destrutivo, mas sim um ato de renovação e revelação, e que dá foco tanto ao espaço quanto ao tempo.132 No museu de Fort Worth, Tadao Ando materializa esse tipo de pensamento. Comparando o museu de Fort Worth com o museu Kimbell de Louis Kahn, ficam claras as relações estabelecidas entre os projetos, assim como a presença de um caráter ao mesmo tempo tradicional e moderno na arquitetura de Tadao Ando. Com sua reinterpretação do engawa e o ritmo impresso pelas paredes em concreto (que ora encerram o ambiente e ora se abrem para os espelhos d’água), o arquiteto japonês trata dos mesmos temas que Kahn (luz, natureza, materiais) ao passo que simultaneamente traz o mesmo caráter poético expresso no Museu Hiroki Oda: a integração entre homem, arte e natureza através da mediação da arquitetura, possibilitando não apenas espaços que abriguem e exponham as obras do museu, como também espaços que propiciem uma experiência contemplativa e sensorial. Tadao Ando, o arquiteto sem mestres, é detentor de tal alcunha por sua formação autodidata. Em decorrência disso, a maneira com que ele articula o pensar e o fazer perpassa não apenas por uma relação dicotômica entre tradição e modernidade como também por uma síntese de referências modernas distintas entre si. Nesse sentido, o escopo de referências de Ando, a partir de sua autonomia de aprendizado, acaba gerando um efeito inverso à ausência de figuras que se prostram enquanto patronas de sua arquitetura: Louis Kahn, o mestre da Filadélfia, e Le Corbusier, o mestre de La Chauxde-Fonds, encontram-se de maneira curiosa na obra do arquiteto japonês. Um exemplo disso pode ser observado na Casa das Paredes Gêmeas (1975), projeto da fase que antecede a Casa Azuma (considerada o marco zero de sua carreira), e de certa forma uma espécie de ensaio do repertório formal usado nessa. A casa de disposição linear, onde são experimentadas tanto a passarela quanto o pé-direito duplo no vazio central (elementos que viriam a compor a Azuma), traz um par de janelas “corbusianas” quadradas ao mesmo tempo em que as aberturas em arco dos acessos fazem referência à 131. ANDO, 1982, p. 11. 132. ANDO, 1984. Em: DAL CO, 1996, p. 449.


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71. Casa das Paredes Gêmeas. Vista superior da maquete onde é possível observar o vazio central e a passarela que a atravessa


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72. (acima) Casa das Paredes Gêmeas. Vista da fachada onde é possível observar os arcos que conformam as aberturas de acesso 73. (ao lado) Desenho axonométrico da Embaixada dos EUA em Luanda, de Louis Kahn


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Embaixada dos EUA em Luanda (1961), projetada por Kahn. Apesar de ser um exercício de projeto (a casa não foi desenhada para um local específico, e não foi feita para ser construída), o vocabulário formal utilizado mostra-se como um indicativo de ideias que permeariam o restante da obra de Ando, assim como de referências modernas utilizadas por ele ainda cruas, e que viriam a se desenvolver posteriormente. Quase 15 anos após a Casa das Paredes Gêmeas se dá a construção da Igreja da Luz (Ibaraki, 1989), uma das obras mais conhecidas de Tadao Ando, onde uma caixa de concreto conforma o espaço de uma igreja fazendo alusão ao crucifixo cristão através de sua desmaterialização. Há aqui o encontro de temas que partem tanto da influência japonesa, onde a ideia de “sagrado” está intrinsecamente ligada à natureza (e que na igreja de Ando vem na forma de luz), quanto das figuras de Le Corbusier e Louis Kahn, no modo como a luz e os materiais são trabalhados. Ao contrário do que anuncia o nome do projeto, o espaço constituído pelas paredes é protagonizado muito mais pela densa escuridão e pela sutileza da penumbra. De tal forma, essa ambiência serve de suporte para a luz e evidencia novamente a particular apreciação que os japoneses têm para com a sombra, como Tanizaki observou. A fala de Ando sobre o projeto ilustra ainda mais essa questão: “Preparei uma caixa com espessos fechamentos em concreto - a ‘construção da escuridão’. Então criei frestas em uma das paredes, permitindo que a luz penetrasse o espaço - sob condições bastante limitadoras. Nesse momento, um feixe de luz corta bruscamente a escuridão. Parede, chão e teto interceptam a luz, e sua existência é revelada ao mesmo tempo em que saltam para frente e para trás, refletindo a luz e iniciando relações complexas entre si. Somente então o espaço nasce.” 133 O caráter poético da obra manifesta-se menos pela simbologia cruciforme, que rasga uma das paredes de piso a teto e de um lado ao outro, do que pelo efeito e movimento da luz ao longo do dia. Ainda que o projeto tome proveito de uma hermeticidade para potencializar a densidade das sombras (e consequentemente da resplandecência da luz), na medida em que a iluminação natural representa a manifestação da natureza no interior do edifício, seu purismo elementar dá margem para o ato da contemplação. 133. ANDO, 1993. Em: DAL CO, 1996, pp. 470-471.


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74. (abaixo) Vista do crucifixo na parede atrรกs do altar na Igreja da Luz 75. (pรกg. ao lado) Desenho de Tadao Ando para Igreja da Luz


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Mesmo não havendo um jardim ou qualquer outro elemento externo que não a própria luz, sua transformação no decorrer do tempo (dia ou estações) faz com que as relações espaciais, ou melhor, o espaço em si, seja a todo momento recriado, possibilitando de maneira sutil que as pessoas entrem em um estado de contemplação, seguido de reflexão.134 A existência do ser no limite entre o presente, congelado e imutável, e o futuro, que a todo momento vem a se tornar o próprio presente, indica uma visão de tempo bastante poética que a sensibilidade tradicional japonesa tenta captar, podendo ser vislumbrado tanto na pintura quanto na poesia (haikai) tradicional japonesa. Na Igreja da Luz Tadao Ando adapta tais efeitos à arquitetura buscando o recorte temporal, a captação de um momento, sem perder de vista a totalidade espacial e a constante transformação desse que se dá através das relações entre luz e sombra: “Um instante de luz é simultaneamente o instante de sua própria extinção. No limite entre luz e sombra, o objeto se articula e toma forma.”135 Le Corbusier é assumido pelo próprio Ando como sua grande referência na arquitetura, a tal ponto que há o curioso fato de que ele batizou seu cachorro com o nome do mestre franco-suíço. A ideia de trabalhar a luz como elemento de aproximação ao sagrado parte da experiência que o arquiteto japonês teve ao visitar a Capela de Ronchamp (1955) e o Convento de La Tourette (1960), obras de Corbusier que utilizam da iluminação natural para gerar efeitos no espaço. Como já abordado neste capítulo, apesar de a luz ser um elemento bastante significativo tanto na cultura oriental quanto na ocidental, há importantes diferenças no valor atribuído a ela. A relação entre a luz e o sagrado no oriente carrega conotações distintas no ocidente, ainda que se trate do mesmo elemento. Nas igrejas ocidentais tradicionais tal relação se dá através dos vitrais, elementos que servem de aproximação para a abordagem de Corbusier, que em Ronchamp os transforma em aberturas de geometria irregular com vidros em cores primárias, remetendo à pintura moderna de artistas como Piet Mondrian (1872-1944) por exemplo (o próprio Le Corbusier também dedicou sua vida à pintura). Uma das grandes qualidades poéticas da capela reside também na interação das aberturas com o movimento do sol, que ao nascer atravessa o vermelho de um dos filtros, passando pelas variadas formas cavadas na 134. ANDO, 1993. Em: DAL CO, 1996, pp. 470-471. 135. ANDO, 1993. Em: DAL CO, 1996, pp. 470-471.


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76. Vista interna da Capela de Ronchamp de Le Corbusier, onde a luz atravessa as aberturas geomĂŠtricas e os vidros em cores primĂĄrias


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parede e terminando em uma única abertura, situada na face oposta. Para Le Corbusier, que se define como agnóstico, a apropriação da luz como estruturadora do espaço sagrado representa uma forma de resistência à ordem doutrinária da Igreja.136 Essa oposição à instituição através da possibilidade de pôr o ser humano diretamente em contato com o belo de certa forma aproxima-se ao criticismo de Tadao Ando, que busca na poética do espaço uma maneira de resistir ao funcionalismo e ao utilitarismo da arquitetura. De maneira menos pitoresca e mais elementar, o Convento de La Tourette também faz uso dos efeitos da iluminação ao longo do dia, aproximando-se mais à materialidade e espacialidade da Igreja da Luz. O destaque da coreografia lumínica em La Tourette começa com o pôr do sol. Uma fenda no topo da parede oeste desenha linhas ao longo das paredes laterais. A parede norte conecta as duas linhas douradas, e com o sol se pondo a linha se move lentamente para cima. A atmosfera dramática aumenta até o momento em que a luz dourada atinge a cobertura inclinada e as ranhuras no teto de lajes pré-fabricadas. Este efeito muda de acordo com as estações do ano - formando um pequeno triângulo no inverno e um grande retângulo no verão, quando o sol atinge sua intensidade máxima. Se os artifícios presentes nas igrejas de Le Corbusier, utilizados para criar efeitos de luz em função de suas alterações temporais, influenciaram a Igreja da Luz, a abordagem dos materiais e o entendimento de uma certa ontologia presente na luz certamente partem da figura de Louis Kahn. O rigor e a elegância com que Tadao Ando trata o concreto aproximam-se mais do refinamento de Kahn do que do béton brut de Corbusier137, e é através da textura e da profundidade desse concreto que a escuridão ganha densidade, e a luz o brilho. O par dialético de Kahn, conformado pelo silêncio e pela luz, pode ser retomado aqui para ilustrar a leitura das coisas em sua essência, assim como concebe Ando. Nesse ponto reside uma das maiores diferenças entre a abordagem de Kahn e a de Corbusier, pois se o arquiteto franco-suíço viu na tecnologia a possibilidade de ganhar maior liberdade ao separar a unidade espacial da unidade estrutural, Kahn, também explorando a tecnologia, rejeitou essa abordagem para buscar a liberdade inerente ao conjunto arquitetônico.138 O conceito de ordem de Kahn possibilita que 135. SCHIELKE, 2015. 137. DAL CO, 1996, p. 10. 138. GIURGOLA, MEHTA, 1975, p. 190.


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77. Vista interna do Convento de La Tourette, onde a linha solar dobra em torno da parede


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78. Efeito da luz adentrando a Primeira Igreja Unitรกria de Rochester (1969), de Louis Kahn


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ele se aprofunde em cada uma das partes sem abrir mão do equilíbrio que constitui o objeto arquitetônico como um todo. A austeridade de suas construções nasce dessa força unitária, e pode ser observada tanto na leitura e uso que ele faz da estrutura (como sendo o ritmo entre luz e sombra) ou no purismo dos materiais utilizados em cada elemento. Essas mesmas qualidades espaciais revelam-se de maneira autêntica na igreja de Tadao Ando, onde a ordem entre os elementos e o refinamento dos materiais apontam para uma particular poética do espaço (com grande influência tradicional), e para aspectos que tratam da essência da luz e da arquitetura. Os projetos aqui apontados apresentam a caraterística ambivalência entre tradição e modernidade que permeia a totalidade da obra de Tadao Ando. O vazio contemplativo da Casa Azuma; a aproximação entre homem, arte e natureza do Museu Hiroki Oda; o movimento entre interior e exterior do Museu de Arte Moderna de Fort Worth; e o caráter meditativo da Igreja da Luz; todos esses pautam-se na sutileza do silêncio, do vazio e das sombras através de uma sensibilidade particular dos japoneses. Ainda que seja expressão do criticismo com relação à dominação cultural do ocidente, e um ato de resistência contra os espaços homogêneos de viés funcionalista, a arquitetura de Tadao Ando não foge das condições dadas pela modernidade. Pelo contrário, o vocabulário formal e o pensamento ordenador dos espaços, advindos da influência moderna de Kahn e Corbusier, são apropriados de maneira certeira pelo arquiteto japonês, culminando em construções de materialidade suave porém austera, e organizados com rigor mas sem abrir mão de um aspecto poético. Quando escreveu seu manifesto em denúncia da perda do sentido poético do habitar japonês, Junichiro Tanizaki já refletia sobre a possibilidade de enveredar por outros caminhos, ainda que não os soubesse apontar: “Escrevo porém estas coisas por ter a impressão de que em algum lugar, quem sabe no campo da literatura ou das artes, resta-nos um caminho capaz de invalidar as já referidas desvantagens. Eu mesmo quero chamar de volta, pelo menos ao campo literário, esse mundo de sombras que estamos prestes a perder.” 139 Três décadas depois Tadao Ando iniciou suas atividades como arquiteto, de 139. TANIZAKI, 2007, pp. 62-63.


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certa forma explorando as relações entre tradição e modernidade e dando continuidade aos horizontes belos e sombrios anteriormente vislumbrados por Tanizaki.


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5. Minimalismo e a cerimĂ´nia do chĂĄ


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Uma arquitetura de geometria simples e composição sóbria, com seus espaços conformados por austeras superfícies em concreto aparente. Tais adjetivos expõem de maneira bastante direta a imagem que a obra de Tadao Ando transmite ou, em outras palavras, oferecem uma descrição assertiva da identidade formal do conjunto de seus edifícios. Essas mesmas características podem ser resumidas em um termo comumente associado à obra de Ando: “O que antes era austero, simples ou sóbrio hoje é minimalista, ou minimal, utilizando o feliz termo anglo-saxão.”140 Por outro lado, a tradição japonesa ou, mais precisamente, o conceito wabi (侘), cuja espacialização pode ser verificada principalmente em pavilhões da cerimônia do chá, indica um outro campo tão vasto e complexo quanto àquele do minimalismo e que por transparecer uma estética semelhante a este pode ser igualmente utilizado para traçar uma possível genealogia das formas puras do arquiteto japonês. No limiar entre tradição e modernidade, linha composta por tensões onde opera o arquiteto, tanto o minimalismo quanto o wabi deixam pistas sobre a origem de sua forma arquitetônica. Entretanto, a própria volatilidade do termo minimalismo, que ora se usa para designar 140. ZABALBEASCOA & MARCOS, 2001, p. 6.


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trabalhos de artes visuais, e ora de arquitetura (campos distintos para os quais a autonomia é algo caro), já indica sua limitação, como aponta Vittorio Gregotti: “Interpretar o trabalho de Ando somente em relação ao minimalismo é [...] insuficiente.”141 Ao mesmo tempo, ainda que não seja o caso de Ando, o simples retorno às formas tradicionais japonesas pode se colocar como mero historicismo. Definir ambos os termos, suas especificidades e sua pertinência com relação à obra de Ando coloca-se, portanto, como algo de extrema importância para o entendimento de sua arquitetura. Antes de traçar uma leitura sobre o minimalismo e o wabi, é possível situar o interesse que suas formas simples instigam naqueles que as observam. Em uma época na qual o espaço construído demonstra-se cada vez mais saturado de informações visuais e sonoras, o ato de depurar e filtrar é portador de grande eloquência. Mais que isso, esse “silêncio eloquente” pode indicar um contraponto crítico, uma “categoria simbólica caracterizada pela recusa a essa saturação de palavras, imagens e produtos”.142 Curiosamente (mas não à toa), a presença de formas neutras, anônimas e supostamente sem estilo acaba por convertê-las em formas marcantes e inconfundíveis, tal como acontece com as superfícies em concreto de Tadao Ando: lisas e homogêneas, a ausência de quaisquer outras características que indiquem uma maneira de classificá-las ou descrevê-las é o que propriamente define sua arquitetura. Se de fato essa ausência pode gerar uma identidade, o oposto também pode ser afirmado, como o faz Ando: “Eu acredito que se a paisagem urbana, padronizada e monótona, deve ser transformada em um lugar de descoberta e surpresas, a arquitetura precisa ser individualizada novamente.” 143 Consciente da condição dada pela metrópole moderna, Ando buscou na simplicidade e na relação com a natureza (características da arquitetura tradicional japonesa) maneiras de se contrapor à insipidez desse espaço. O cruzamento entre a linguagem do modernismo e a sensibilidade estética tradicional resultou em uma arquitetura que por muitos é chamada de minimalista. 141. GREGOTTI, 1982. Em: DAL CO, 1996, p.508. 142. WISNIK, 2014. Em: NOVAES (org.), 2014, p. 398. 143. ANDO, 1986. Em: DAL CO, 1996, p.450.


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Ainda que o termo minimalismo não configure um estilo ou uma unidade de pensamento comum entre os autores dos objetos e edifícios que recebem tal rótulo, há uma semelhança principalmente naquilo que diz respeito ao processo de concepção dos artistas e arquitetos (para estes, o consensualmente chamado projeto), o qual apoia-se em um ato de depuração material onde “alcançar a máxima expressividade através da mínima expressão”144 parece ser uma ideia predominante. A própria abrangência do termo, que molda-se tanto às artes quanto à arquitetura, revela a base do seu raciocínio de associação, algo fluido que aplica-se mais ao caráter formal reconhecível e comparável do que sobre a diversidade dos pensamentos que resultam nele. Do “less is more” de Mies van der Rohe (1986-1969) à chamada “minimal art” produzida nos Estados Unidos na década de 1960, características como a pureza geométrica, a precisão técnica e a abstração ornamental indicam um campo identificável comum. Atendo-se ao campo das artes, dentro de sua história o sucesso das etiquetas que a dividem foi muitas vezes devido mais à obstinação de seus nomeadores do que à convicção de seus defensores. A partir deste ponto de vista, algo que parece operar sem grandes questionamentos é o fato de que o minimal nunca existiu. Ou então, como indicam Anatxu Zabalbeascoa (1966-presente) e Javier Rodríguez Marcos (1970-presente) em seu livro Minimalismos (2001), “não existiu pelo menos para os artistas que, num lugar e num tempo preciso, os Estados Unidos nos anos sessenta, foram identificados com a etiqueta.”145 Frente a isso, para além da simplicidade em comum que paira sobre a arte minimalista, grande parte das associações feitas concentra-se mais no negativo da imagem, ou seja, procuram indicar o que não é para aproximarem-se do que é. Neste sentido, o distanciamento com relação às formas tradicionais das artes coloca-se como um dos pontos que engloba as obras minimalistas: “[O minimalismo] não é pintura porque as obras têm volume e renunciam ao ilusionismo que determina o trabalho num espaço de duas dimensões; não é escultura porque, apesar do volume e do caráter tridimensional, as obras carecem de partes, de composição.” 146 144. ZABALBEASCOA & MARCOS, 2001, p. 6. 145. ZABALBEASCOA & MARCOS, 2001, p. 20. 146. ZABALBEASCOA & MARCOS, 2001, p. 24.


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Tal apontamento pode ser verificado nas peças em aço galvanizado de Donald Judd (1928-1994) ou nos módulos geométricos de Carl Andre (1935-presente), por exemplo. Cronologicamente, a arte produzida nos Estados Unidos na década de 1960 sucede o ápice do chamado expressionismo abstrato de artistas como Jackson Pollock (1912-1956) e Mark Rothko (1903-1970). Seguindo tendências filosóficas do século XX, onde o descrédito da capacidade expressiva da linguagem surge como uma das grandes questões, há uma quebra com o expressionismo abstrato através da negação da representação em prol de uma prévia apresentação do próprio objeto artístico, o objeto como ele é, “uma espécie de pragmatismo ideal onde coincidem dizer e querer dizer.”147 As obras que seguiam essa lógica adquirem então um caráter antes descritivo do que interpretativo, dando margem a um campo onde a forma é, portanto, portadora de todo o esforço intelectual e de realização. Outro desdobramento da quebra com o expressionismo abstrato foi a rejeição da noção de um espaço ideal prévio à sua própria criação formal, o que em suma significava uma resistência à inacessibilidade da experiência. A sua própria presença era o que tinha que ser visto nos objetos, qualquer um poderia entendê-los. É no sentido da oposição à unicidade subjetiva do expressionismo abstrato que a arte pop buscou na cultura de massas e o minimalismo na pureza geométrica um sentido universal para suas produções. Dentro deste escopo o minimalismo vem a explorar as relações entre volume, cor e escala, ao mesmo tempo que reavaliava as relações entre arte, objeto e o homem. Retomando a ideia do distanciamento das formas tradicionais da arte, a autossuficiência do objeto artístico encontrou respaldo no uso de materiais industriais - tijolos, aço, alumínio, vidro, etc. - os quais eram portadores de uma abstração perfeita dos acabamentos e apagavam qualquer vestígio da intervenção do artista. Ao passo que a fabricação de materiais industriais assegurava que estes tivessem formas e tamanhos padronizados, distanciando-se do vínculo tradicional do escultor com os materiais e também evitando relações hierárquicas de composição, esses mesmos materiais, por permitirem seu uso em estado bruto, dispensavam a necessidade de manipulação para assumirem a aparência de algo. Fugindo de todo o ilusionismo, os objetos interessam em função de seu material, de sua forma, da sua cor e do seu volume, apreendidos pelo que são, e não pelo 147. ZABALBEASCOA & MARCOS, 2001, p. 25.


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79. (pág. ao lado) Casa Azuma, Tadao Ando, 1976 80. (ao lado) Untitled, Donald Judd, 1965 81. (abaixo) Steel Zinc Plain’, Carl Andre, 1969


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82. Convergence, Jackson Pollock, 1952

83. Untitled, Mark Rothko, 1953


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que possam representar. “Nada de ilusões, nada de alusões”, como dizia Donald Judd. Se, como já apontado, o minimalismo não é reconhecido pelos próprios artistas relacionados à tal etiqueta, a abordagem material e a maneira como as formas eram elaboradas são os únicos pontos de convergência entre as figuras distintas. Para além disso, todo os discursos feitos como justificativa para os objetos artísticos resultantes esbarravam em contradições entre si, de forma que parece não ser possível existir um acordo em relação à sua definição e nem ao seu significado a não ser o seu caráter em comum. Passando ao minimalismo no âmbito das sobreposições entre arte e arquitetura, algo que deixa margem para essa interpretação e associação é a relação entre espaço e objeto. A negação por parte da arte minimalista de qualquer leitura histórica, metafórica ou impressionista em prol do potencial contido no objeto leva os seus efeitos a se situarem no campo da percepção. As coisas não significam mais do que ser coisas, como propriamente eram percebidas. Se a arte como experiência bastava-se em suas formas e na percepção destas, ela também promovia uma reflexão a respeito da relatividade da perspectiva e das circunstâncias do lugar onde se inseriam os objetos artísticos, questões que permearam em diferentes graus toda a história da arquitetura. Em Minimalismos a transcrição de uma crítica feita por Michael Benedikt às peças de Donald Judd e Robert Morris expostas em 1967 na galeria Dwan de Nova Iorque parece apontar para essa relação entre arte e arquitetura: “A escultura de Morris era um bloco branco de 3,5 metros de largura que atraía a atenção de uma maneira especial para os limites da galeria, especialmente para as paredes, com as quais tinha uma forte semelhança. Apesar da coloração cinzenta que dominava, a fila de seis caixas de ferro galvanizado também parecia esculpir o espaço exterior a elas, conduzindo o interesse mais ao espaço que as rodeava do que ao seu próprio.” 148 A definição de Rosalind Krauss (1941-presente) sobre a escultura da década de 1960, através de uma lógica da imagem negativa, aponta tanto para o distanciamento da escultura tradicional quanto para a aproximação das questões relativas ao espaço, oferecendo mais pistas sobre as sobreposi148. ZABALBEASCOA & MARCOS, 2001, p. 35.


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ções entre arte e arquitetura: “[A escultura] era tudo aquilo que estava sobre ou em frente a um prédio que não era prédio, ou estava na paisagem que não era paisagem.”149 O que de fato se verifica é que tanto o apontamento de Krauss sobre o campo expandido da escultura quanto a visão do minimalismo sobre o pictórico indicam o interesse das artes em questões antes reservadas exclusivamente à arquitetura. É possível elencar algumas características semelhantes nos processos lógicos que aproximam esses dois campos. O primeiro deles reside no fato de que a arte passou a recusar a ideia de figuração (no caso da escultura, a negação da lógica do monumento), resultando em uma tendência de representação de seus próprios materiais e uma preocupação em criar formas abstratas que se situam no espaço, algo que coincide com o campo investigativo da arquitetura. O segundo ponto refere-se à adoção de materiais industriais como resposta à lógica da representação de si mesmo. Ainda que seja um reflexo claro do contexto histórico e dos meios de produção associados a este, a quebra com os modos tradicionais de produção artística representou um direcionamento próximo à busca que o modernismo arquitetônico empreendeu a partir do início do século XX, onde a pureza material também foi expressa através do uso dos materiais industriais em sua aparência natural. Por fim, relacionado à essa pureza material e à abstração formal está a superação dos tradicionais estilos históricos, remetendo à prática arquitetônica moderna baseada na depuração do ornamento defendida por Adolf Loos (1870-1933). Frente aos paralelos apontados, o uso da geometria primária, a elaboração industrial, as superfícies puras e a procura de imagens simples que permitissem uma apreciação imediata eram os propósitos da arte minimalista que, de certa forma, constituem igualmente os propósitos da arquitetura moderna. Nessas circunstâncias não soa estranho o interesse mútuo entre artistas e arquitetos assim como certas semelhanças nos trabalhos destes. Isso pode ser verificado, por exemplo, nas formas geométricas das peças em tijolo de Carl Andre em Equivalent I-VIII (1966) e do projeto de Mies van der Rohe para o campus do IIT (Chicago, 1941); na verticalidade e repetição das Torres de la Ciudad Satélite (Cidade do México, 1957) de Mathias Goeritz para uma praça desenhada pelos arquitetos Luis Barragán e Mario Pani e dos pilares que demarcam o patamar intermediário do Museu das Crianças 149. KRAUSS, 1979, p. 36.


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84. Equivalent I-VIII, Carl Andre, 1966

85. Fotomontagem do projeto para o campus do IIT de Chicago, Mies Van der Rohe, 1941


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86. (pág. ao lado) Torres de la Ciudad Satélite, Mathias Goeritz, 1957 87. (abaixo) Grid de pilares no Museu das Crianças, Tadao Ando, Hyogo, 1989


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88. (pág. ao lado superior) Five Modular Structures, Sol LeWitt, 1972 89. (pág. ao lado inferior) Desenho axonométrico do projeto para o Museu de Arte Moderna de Gunma, Arata Isosaki, 1974 90. (acima) Desenho de Tadao Ando para o projeto do Rokko Housing II, Kobe, 1993


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(Hyogo, 1989) de Tadao Ando; ou então na abstração modular em grid de Sol LeWitt em Five Modular Structures (1972) e nos desenhos tanto de Arata Isosaki para o Museu de Arte Moderna de Gunma (Takasaki, 1974) quanto de Ando para o Rokko Housing II (Kobe, 1993). Para além das semelhanças citadas, uma relação intrínseca entre arte e arquitetura ocorre a partir do momento em que algumas peças da minimal art passam a ser concebidas conceitual e fisicamente em função do espaço. Fisicamente no sentido de que suas formas geométricas retilíneas são dispostas de maneira a dialogar com as arestas conformadas por piso, paredes e teto. Conceitualmente no sentido de que, a partir do momento em que o espaço é levado em consideração, a arquitetura passa a ser um suporte ativo para a arte. Essa menção direta deixa ainda mais explícito as relações entre a arte e a arquitetura, como apontam Zabalbeascoa e Rodríguez Marcos: “A nova escultura dos anos sessenta deixou de criar objetos ou esculturas para serem colocadas no espaço, para projetar peças que definiam um espaço.”150 Por outro lado, ainda que haja uma área de intersecção entre arte e arquitetura, isso não significa que elas sejam a mesma coisa. Inclusive, diferenças profundas entre a arte minimalista e a arquitetura são de grande importância para a geração de um tensionamento de aspecto positivo para os seus processos de concepção, como aponta Vittorio Gregotti: “O contraste entre o caráter intransitivo do trabalho de arte ‘mínimo’ (com todo o respeito ao seu aspecto construtivo) e a maneira como a arquitetura desdobra-se em espaço imersa em sua própria dialética com as convenções do social; entre a mitologia da ‘unicidade’ que domina o minimalismo e a multiplicidade de conexões e adaptações típicas da obra arquitetônica, ainda não deixou-se de produzir uma tensão positiva dentro da ideia que os une: o procedimento do projeto.” 151 É possível afirmar com toda certeza, até mesmo por uma questão cronológica, que a sobriedade e simplicidade formal encontrada em objetos e edifícios contemporâneos deve-se mais ao modernismo arquitetônico do que à arte minimalista. Ainda assim, é inegável que o pensamento e os procedimentos produzidos pelo minimalismo influenciaram positivamente 150. ZABALBEASCOA & MARCOS, 2001, p. 36. 151. GREGOTTI, 1982. Em: DAL CO, 1996, p.507.


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a esfera cultural de sua época a ponto também de afetar a arquitetura. Tomando as diferenças apontadas por Gregotti como sendo de fato positivas, ao traçar uma genealogia das formas que hoje podem ser chamadas de minimalistas há necessariamente um retorno aos princípios da arquitetura moderna (em especial à contribuição de Mies van der Rohe) onde faz-se ainda mais claro as diferenças que separam o minimalismo arquitetônico do artístico. Se as obras minimalistas buscaram eliminar qualquer referência alheia à sua própria qualidade de objeto, a arquitetura moderna, talvez antes que qualquer outro campo, pretendeu eliminar toda a referência para libertar-se das limitações conformadas pelos estilos históricos, os quais até o início do século XX ditavam as formas, composições e materiais em função de um repertório pré-definido. Curiosamente, as mesmas pretensões conduziram arte e arquitetura a caminhos formalmente paralelos porém com filosofias distintas e até mesmo opostas entre si. Enquanto que a escultura libertou-se da sujeição ao antropomorfismo (traduzido em estátuas e monumentos) através de uma abstração de todo símbolo ou função que não fosse a forma pura, a arquitetura enveredou para o caminho do funcionalismo como maneira de conceber suas formas sem concessões estilísticas ou representativas. De maneira paradoxal, a época do surgimento do minimalismo escultórico coincide com o período de dissolução do modernismo arquitetônico, o qual devido à aplicação indiscriminada e massificada de preceitos baseados no universalismo da forma e no mote do funcionalismo acabou por cair em uma arquitetura que negava as particularidades culturais e climáticas de cada região. Mesmo frente às críticas à aplicação indiscriminada do ideário moderno, a tendência à simplicidade perdurou até os dias de hoje. A apropriação das doutrinas outrora propagadas pelos mestres da arquitetura moderna implicou em modificações, como é caso de Tadao Ando que, a partir de uma crítica à homogeneização do espaço pelo viés funcionalista, soube adotar a linguagem formal fundada na simplicidade e economia de elementos levando em consideração a tradição cultural de seu país, a qual é detentora de certos valores que em diversos pontos convergem com àqueles do minimalismo, questão que será discutida mais adiante. O fato de o minimalismo ter sido influenciado profundamente pela arquitetura moderna faz com que seja necessário o apontamento das diversas


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nuances desta, as quais podem ser observadas nas figuras que propagaram as ideias correntes relacionadas à materialidade pura e à geometria simples. Da depuração ornamental pregada por Adolf Loos à estética purista de Le Corbusier, talvez seja possível afirmar que nenhum arquiteto influenciou tanto o minimalismo quanto Mies van der Rohe, que levou a abstração e essencialidade formais aos seus limites mais extremos, encontrando no trato dos materiais e na presença da estrutura o ápice de sua busca pelo “espírito” da arquitetura. Apesar de compartilhar com o minimalismo plástico diversas características referentes à composição formal, para Mies estas formas não eram a finalidade de sua arquitetura e sim o único resultado possível de uma ordenação intelectual baseada em princípios “espirituais”. Esta ordem seria algo que estabeleceria a relação entre fato e significado, entre sujeito e objeto, concedendo à vida sentido e à arquitetura expressividade máxima através de elementos mínimos. A validez daquilo que é autêntico e essencial na arquitetura é o que revela a verdadeira beleza da forma, e é nesse sentido que Mies irá apontar a estrutura como o elemento conformador do espaço arquitetônico. Apesar de resultar em formas consonantes com as da minimal art, tal descrição breve do “minimalismo miesiano” indica um grande espectro de diferenças entre as abordagens do arquiteto e dos artistas que na década de 1960 vieram a protagonizar o cenário das artes no Estados Unidos. Primeiramente com relação à forma despida de toda e qualquer trivialidade, enquanto que para os minimalistas o fim é propriamente essa forma pura, o objeto específico, para Mies a forma nunca refere-se a si mesma, e a sua essencialidade procede daquilo ao que remete, uma espécie de princípio essencial e objetivo do volume ou do espaço, ou seja, do arquitetônico. Em 1927, quando falava precisamente sobre a forma da arquitetura escreveu: “Não me oponho à forma, mas unicamente à forma como meta [...]. Não valorizamos o resultado, mas a orientação do processo de formalização. Precisamente este nos revela se a forma foi encontrada partindo da vida ou por ela mesma. Por isso é tão essencial para mim o processo de formalização.” 152 152. ZABALBEASCOA & MARCOS, 2001, p. 68-69.


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91. ResidĂŞncia Farmsworth, Mies van der Rohe, Plano, 1951

92. Capela do IIT, Mies van der Rohe, Chicago, 1952


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Inclusive, através da simplicidade, da abstração e da construção, essa analogia entre pensamento racional e obra construída empreendida por Mies é direcionada para um caminho que busca uma certa desmaterialização por meio de uma redução do objeto que resultaria na revelação de sua essência. Relacionado a essa essencialidade que precede a forma, o minimalismo, que em oposição ao expressionismo abstrato renunciou à ideia de uma presença prévia à criação da própria forma, indica uma abordagem claramente oposta. Ao mesmo tempo, se para Mies a essência arquitetônica poderia ser vislumbrada mais do que na função, na estrutura conformadora do espaço, para os minimalistas, até mesmo pela questão já apontada da ausência de um consenso acerca do conceito minimalismo, a visão sobre as relações entre material, superfície e estrutura variavam de acordo com cada artista. Um fato que se observa é que o sucesso da chamada linguagem minimalista, tanto artística quanto arquitetônica, evitou aspectos metafísicos para focar-se no material, no objeto e na forma, muito embora o discurso “transcendentalista” tenha continuado presente no debate arquitetônico até os dias de hoje. Outra questão na qual se diferenciam a abordagem de Mies van der Rohe e a dos minimalistas é o propósito do objeto no espaço. Enquanto o discurso de Mies tinha como premissa a busca pela essência arquitetônica pautada em um certo positivismo da ordem, as obras minimalistas que passam a surgir a partir dos anos 60, ao contrário, traziam um viés de questionamento e revelação espacial, como aponta Gregotti ao falar das obras site-specific: “Muitos dos trabalhos daqueles anos demandam um contexto espacial específico e são deliberadamente projetados para um lugar ou uma localidade; eles aparentam querer assumir um campo, defini-lo, ou defendê-lo como se fosse um território ameaçado. Mas eles também se propõem como elementos de interrogação e revelação, mais do que ordenadores, dos sistemas de significação daquele campo.” 153 Anatxu Zabalbeascoa e Javier Rodríguez Marcos afirmam que “são precisamente o radicalismo idealista de Mies e o materialismo do minimalismo escultórico que separam projetos diversos que originam em formas se153. GREGOTTI, 1982. Em: DAL CO, 1996, p.507.


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melhantes.” Assim como a arte minimalista tem seu campo definido por determinadas semelhanças formais, contexto de formação do pensamento e imagens negativas (aquilo que não é), também as relações entre essa arte e a arquitetura moderna que a influenciou se dão nos mesmos parâmetros. Deste ponto de vista, a mesma lógica pode ser aplicada para avaliar aquilo que de há de minimalista nos edifícios de Tadao Ando. Assumidamente portadora de uma linguagem modernista, a arquitetura de Ando se aproxima do minimalismo através de seus aspectos formais: abstração, geometria elementar, precisão nos acabamentos, literalidade na utilização dos materiais (notadamente concreto), austeridade e ausência de ornamento. Ao mesmo tempo, como já apontado, o sucesso das formas simples deve-se mais à arquitetura moderna do que ao minimalismo escultórico, sendo portanto válido ressaltar que os edifícios do arquiteto japonês aproximam-se mais do purismo de Le Corbusier (grande referência de Ando) do que do radicalismo de Mies van der Rohe. Ainda que ambos os mestres estejam de acordo sobre o propósito da arquitetura, suas definições são divergentes. Se o mote “construir é servir” do arquiteto holandês Hendrik Berlage (1856-1934) influenciou Mies van der Rohe, a menção de Le Corbusier sobre tal afirmação - “Aos que dizem ‘a arquitetura deve servir’ respondemos ‘a arquitetura deve emocionar’” - com certeza teve impacto na visão de Tadao Ando sobre a arquitetura. Apesar de ideias sobre a essência da arquitetura e a ordem do espaço estarem presentes na abordagem do arquiteto japonês (talvez mais por uma via advinda de Louis Kahn do que de Mies), sua visão centra-se no aspecto humano e emocional (espiritual, segundo a tradição japonesa): 154

“[...] meus espaços transcendem a teoria e apelam aos mais profundos níveis espirituais. Em outras palavras, meus espaços relacionam-se a aspectos fundamentais da humanidade.” 155 Por outro lado, algo que percorre o caminho inverso, aproximandose da arte minimalista e distanciando-se da arquitetura moderna, é a oscilação entre o universalismo da forma e a absoluta especificidade desta com relação ao meio físico onde se insere: implantação, tamanho, escala e volu154. ZABALBEASCOA & MARCOS, 2001, p. 68. 155. ANDO, 1977. Em: DAL CO, 1996, p.444.


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me. Tal oscilação é um ato consciente de Tadao Ando que, através de seu “modernismo fechado”, busca a apreensão de uma linguagem moderna ao passo que se desvencilha do uso indiscriminado dos seus preceitos, atitude outrora praticada por arquitetos adeptos ao pensamento modernista. Tanto o aspecto humanista de sua arquitetura quanto a relação com o lugar são resumidos de forma certeira por Vittorio Gregotti: “[Na arquitetura de Ando] somente a presença da figura humana, seus movimentos e gestos, é que dá vida ao cenário estático da geometria e do espaço. Ainda, enquanto aguarda pela chegada da figura humana, o espaço pode se empenhar exclusivamente em sua relação com a paisagem.” 156 Retomando as sobreposições entre as artes visuais e a arquitetura, para além das relações entre a arquitetura moderna e o minimalismo, durante a história de ambos os campos sua relevância na esfera cultural como um todo certamente fez com que reverberações ocorressem nos dois sentidos. Josep Maria Montaner (1954-presente) em seu livro A modernidade superada (2001) discorre sobre essa questão argumentando que no século XX tais relações foram tornando-se gradualmente maiores. O autor separa essa esfera de influências em três níveis: o primeiro refere-se às influências diretas, de tipo mimético, como é caso de Alison e Peter Smithson que se apropriam do expressionismo abstrato para enriquecer o repertório morfológico dos clusters, ou de Robert Venturi utilizando o recurso pop de citações literais das ordens clássicas. Um segundo nível estabelece relações processuais, metodológicas e de critério, tendo como exemplo a aproximação de Peter Eisenman da arte conceitual. O terceiro e último nível de influências insere-se mais profundamente, entretanto à distância, de forma que “cada nova proposta do campo das artes ou do pensamento impulsionaria a arquitetura a investigar as suas próprias tradições arquitetônicas com o objetivo de fazer emergir novas formas enriquecedoras”. Neste último nível Montaner insere Tadao Ando, alegando que este, “por sua afinidade com a estética minimalista, busca na própria tradição do espaço japonês os conceitos de simplicidade e limpeza [...].”157 Ainda que esta relação de causalidade entre o minimalismo e a tradição japonesa na arquitetura de Ando não possa ser 156. GREGOTTI, 1982. Em: DAL CO, 1996, p.508. 157. MONTANER, 2001, pp. 152-153.


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afirmada categoricamente e nem de forma tão simples, é inegável que os espaços serenos conformados pelos painéis shoji e o piso em tatami deste possuem diversas semelhanças com o caráter daquele. Sendo assim, o conceito wabi parece apontar para essa relação. Levando em consideração as limitações linguísticas contidas na tradução do japonês para os idiomas ocidentais, a noção japonesa do wabi indica, a grosso modo, as qualidades daquilo que é solitário, simples e incompleto. É comumente conhecido por sua composição junto ao termo sabi, o qual remete a ideias relacionadas à passagem do tempo e ao envelhecimento. O wabi-sabi, por conseguinte, refere-se a um estado de apreciação da beleza contida na imperfeição, na impermanência e na incompletude. Derivado da filosofia zen-budista, o wabi-sabi possui conotações tanto morais quanto estéticas. Pode-se dizer que seus valores estéticos estão para a cultura japonesa assim como os ideais gregos de beleza e perfeição estão para a cultura ocidental.158 Tal fato indica também uma grande diferença com relação à noção ocidental clássica de beleza, uma vez que pode ser vislumbrado nos espaços elegantes da Vila Imperial Katsura, conjunto arquitetônico que foi objeto da obsessão de arquitetos como Frank Lloyd Wright e Bruno Taut, mas também está contido na cerâmica tradicional japonesa, irregular e de caráter rústico. O wabi-sabi é um conceito de difícil apreensão até mesmo para os próprios japoneses pois, ainda que pertença à esfera do conhecimento popular do país, poucos conseguem explicá-lo através de palavras. Frente a isto, a presente análise irá se ater não tanto ao termo, mas sim aos tradicionais pavilhões destinados à realização da cerimônia do chá projetados especialmente por Sen no Rikyu (1522-1591), um dos maiores mestres do chá e importante arquiteto imperial. A cerimônia do chá foi introduzida no Japão no século XIII por sacerdotes zen, e logo ganhou popularidade entre os xoguns que governavam o país, a corte aristocrática e posteriormente entre os comerciantes mais abastados. Com seu caráter ritualístico, a preparação da bebida era feita de forma elaborada e demandava tanto utensílios específicos quanto espaços destinados à sua realização. A hospitalidade associada à bebida e seus rituais com o tempo foi codificada por mestres do chá resultando naquilo que é chamado chado (茶道, “o caminho do chá”), ou então cerimônia do chá. 158. Ver KOREN, Leonard. Wabi-Sabi for Artists, Designers, Poets and Philosophers. Stone Bridge Press, 1994.


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93. (ao lado) Cerâmica datada de 1575, utilzada em cerimônias do chá 94. (abaixo) Espaço interno composto por paineis de madeira e piso em tatami na Vila Impertial Katsura


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Sen no Rikyu foi um importante arquiteto dos pavilhões destinados à cerimônia do chá por ter introduzido conceitos que partiam de tradições arquitetônicas populares. Em oposição aos santuários xintoístas (como o Ise e o Izumo), as residências da aristocracia no estilo shinden-zukuri, as casas militares no estilo shoin e os templos budistas, ele reinterpretou os valores estéticos encontrados nas humildes casas camponesas (minka) em uma busca pela criação de microcosmos, espaços que, apesar de pequenos, pudessem trazer calma e paz, possibilitando a imersão no processo da cerimônia. Através da adaptação de elementos vernaculares das minka, a influência de seus edifícios foi tão grande a ponto que as residências da nobreza e dos militares no governo passaram a se inspirar nas casas camponesas. O arquiteto japonês Kiyoshi Takeyama (1954-presente) aponta que a simplicidade dos pavilhões de Sen no Rikyu obtiveram relevância por se colocarem como “elementos de crítica social e de questionamento do status quo.”159 Muito deste criticismo baseava-se na estética simples e rústica do wabi, termo que representava o oposto do refinamento e da ostentação comumente associados ao xogum Toyotomi Hideyoshi, o qual, curiosamente, era patrão de Rikyu. Neste sentido, os pavilhões inspirados no wabi indicavam uma insatisfação com a autoridade imposta. Outra característica que leva os pavilhões de Rikyu para o campo do criticismo é o fato de que eram espaços destinados à disciplina e refinamento humanos, do indivíduo, e nunca símbolos de status social ou religioso. Ainda que a arquitetura de Tadao Ando não encontre respaldo diretamente em termos de estilo ou em suas formas propriamente ditas, a natureza dos seus edifícios residenciais, por sua escala e pela força da ideia de proteção da intimidade, em muito aproxima-se dos pavilhões projetados por Sen no Rikyu, cujos espaços reduzidos e a criação de um microcosmo também apontam para uma dimensão relacionada ao indivíduo e à intimidade. Como lista Takeyama: “[Ambas] são voltadas para si, enclausuradas; possuem uma aparência deliberadamente simples; são calmas, serenas e puras; demonstram delicadeza e austeridade; constituem ambientes escuros mas possuem luz em meio à penumbra; dão a sensação de expansividade ainda que sejam pequenas; ainda que inseridas no ambiente urbano, ambas são de natureza rural; ainda que 159. TAKEYAMA, 1983, p. 165.


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95. Santuários xintoístas Ise (dir.) e Izumo (esq.)

96. Palácio imperial Shishinden em estilo shinden-zukuri (ao lado) e Castelo Nijo em estilo shoin (acima) 97. (pág. ao lado) Casa camponesa (minka) do século XVIII


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artificiais, ambas são naturais; não se colocam como espaços ordinários mas também não são monumentais.” 160 Dentre os conceitos e elementos empregados por Sen no Rikyu para isolar os pavilhões do caos mundano, criando microcosmos serenos e voltados à auto-reflexão, a ideia de um enclausuramento espacial parece ser definidora de sua identidade. Um exemplo é o Tai-an (Quioto, 1653), pavilhão da cerimônia do chá projetado por Rikyu que, apesar de possuir uma área composta apenas por dois tatami (é portadora de uma “abundante amplitude espiritual.” 161 Em espaços deste tipo, quanto menor as dimensões, mais intensamente preenchidos eles se colocam. A arquitetura residencial de Tadao Ando parece compartilhar esse mesmo conceito de espaço. Para além disso, outras características que Ando possui em comum com os projetos de Rikyu são a manipulação da luz, a sobreposição de cenários e a introdução de elementos da natureza. Uma vez que o enclausuramento coloca-se como caráter primordial para os pavilhões do chá de Sen no Rikyu, a iluminação natural e, consequentemente, o posicionamento e dimensão das aberturas são elementos de grande importância. A penumbra característica que permeia os espaços tradicionais faz com que a presença sutil da luz que entrecorta a escuridão carregue um sentido profundo na conformação de seus ambientes. No geral, as residências tradicionais japonesas têm suas aberturas orientadas para a face sul, de forma a receber iluminação direta durante o inverno. Tanto Rikyu quanto Ando evitam tal orientação no posicionamento de suas aberturas por conta do efeito inquietante que a luz direta tem no espaço. O Tai-an, por exemplo, não possui janelas em sua face sul, ao passo que Ando também busca trabalhar mais com o efeito da luz difusa do que a direta, como pode ser observado nas casas Yamaguchi (Hyogo, 1975), Ueda (Okayama, 1979) e Koshino (Hyogo, 1981), as quais não orientam nenhuma de suas aberturas para o sul. Outros artifícios relacionados à iluminação natural utilizados por Tadao Ando podem ter suas origens traçadas até Sen no Rikyu, às vezes de forma direta e outras através de associações onde é possível perceber as influências. As aberturas zenitais chamadas tsukiage-mado, presentes em diver160. TAKEYAMA, 1983, p. 166. 161. TAKEYAMA, 1983, p. 166.


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98. (ao lado) Planta do Tai-an de Sen no Rikyu 99. (abaixo) Fachada leste do Tai-an


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100. Casa Yamaguchi (pรกg. ao lado superior) 101. Casa Ueda (pรกg. ao lado inferior) 102. Casa Koshino (acima) 103. Tsukiage-mado no pavilhรฃo do chรก do templo Gyorky-in (ao lado)


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sos pavilhões do chá, admitem tanto a entrada de luz como a circulação de ar mas sem que haja uma grande interferência externa nos ambientes. O uso de aberturas zenitais que desempenham este mesmo efeito pode ser visto em algumas casas desenhadas por Ando, como é caso do rasgo que cruza a laje superior do volume principal na Casa Koshino. Sucessor de Sen no Rikyu, o mestre de cerimônia do chá Kobori Enshu (1579-1647) empregou um elemento de iluminação ao qual alguns componentes da arquitetura de Ando parecem fazer menção. No pavilhão Koho-an Bosen (Quioto, 1641), Enshu utilizou de maneira diferente os painéis shoji, de forma que sua parte inferior era completamente aberta, possibilitando a vista para o jardim e a entrada da luz refletida por este, enquanto que sua parte superior era coberta por papel branco translúcido, admitindo somente a luz difusa. Como uma tentativa de transpor os materiais tradicionais para uma linguagem moderna, Tadao Ando atinge o efeito de iluminação difusa substituindo os painéis shoji por blocos de vidro. Na Casa Horiuchi (Osaka, 1979) Ando dispõe paredes compostas por estes blocos de forma a definir as relações entre interior e exterior separando-os fisicamente mas admitindo uma permeabilidade visual. Similar aos dispositivos utilizados por Enshu no Koho-an, na Casa Ishihara (Osaka, 1978) a maneira como a composição entre os blocos de vidro translúcidos e as superfícies de vidro transparentes causa o mesmo efeito. Através das comparações aqui feitas não há a intenção de dizer que Tadao Ando utilizou de maneira direta o vocabulário formal tradicional dos mestres da cerimônia do chá. Tanto nos aspectos relativos à luz como em todos os outros nos quais Ando cruza com questões relativas à sensibilidade tradicional japonesa, o que parece se averiguar é que há mais a ideia de um espírito que permeia seu pensamento do que uma menção literal às formas tradicionais. Isso vai ocorrer também no efeito causado pelas narrativas espaciais nos percursos encontrados em certos edifícios de Ando. Nos pavilhões da cerimônia do chá os trajetos que levam do acesso ao lote até o cômodo onde é realizada a cerimônia fazem parte da composição espacial. Chamados de roji, esses percursos que se dão na área externa, geralmente cruzando jardins, geram uma sequência de cenários e paisagens que adicionam profundidade e riqueza à composição, estimulando aqueles que experienciam o espaço. Tanto a adição de elementos como pórticos, fontes, degraus e pisos de materiais variáveis, como um certo caráter labi-


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102. (pág. ao lado superior) Koho-an de Kobori Enshu onde os painéis shoji são utilizados de maneira distinta 103. (pág. ao lado inferior) Casa Horiuchi onde paredes em blocos de vidro são utilizadas para separar interior e exterior 104. (acima) Casa Ishihara onde um recurso similar ao koho-an é utilizado 105. (ao lado) Pórtico no roji da Vila Imperial Katsura


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106. Desenho do acesso da Casa Okusu que se dá por um percurso que passa por escadas e paredes que se colocam no caminho

107. Desenho da casa Tezukayama onde há a sobreposição de planos


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ríntico gerado pelas curvas impostas no decorrer do trajeto, culminam neste tipo de efeito. Ao final do percurso, o acesso ao pavilhão se dá por uma porta chamada nijiriguchi, cujas dimensões reduzidas (cerca de 79 centímetros de altura por 72 centímetros de largura) obrigam o usuário a agachar-se antes de adentrar o espaço, contribuindo com essa sequência quase ritualística da caminhada ao mesmo tempo que realça a hermeticidade pretendida pelo pavilhão. Isto pode ser observado em espaços como o roji da Vila Imperial Katsura ou do Tai-an. Tadao Ando apropria-se deste tipo de efeito gerado pelo percurso em diversos projetos, trabalhando a contraposição entre as formas geométricas simples e a complexidade espacial geradas por elas: “Ao encerrar espaços de grande complexidade em composições de geometrias simples, encara-se o imprevisível e estimula-se a consciência de um indivíduo”.162 Seu projeto para a Casa Okusu (Tóquio, 1978) dispõe deste artifício. Após atravessar o pórtico que demarca o acesso ao lote, o usuário deve passar por outro portal que dá acesso a uma escadaria que leva ao pavimento superior, onde se encontra a entrada principal da casa. Corredores e paredes que bloqueiam a passagem direta se distribuem pelo edifício e, ao mesmo tempo que articulam os cômodos da casa criam uma narrativa espacial na qual cena por cena o usuário vai tomando conhecimento da totalidade do edifício. Este tipo de narrativa pode ser vista também nos corredores que organizam o programa da Casa Koshino assim como no caráter labiríntico dos planos que compõem a Casa Tezukayama (Osaka, 1977). O efeito causado tanto pelos tradicionais roji quanto pela disposição espacial das residências de Tadao Ando funda-se em um caráter japonês que permeia sua cultura. Tal caráter baseia-se em um paradoxo entre a estaticidade e o movimento. Isso pode ser observado, por exemplo, nos arranjos tradicionais do ikebana, onde apesar de estático e delicado o conjunto de flores é disposto de forma que haja uma tensão ativa em sua composição. Kiyoshi Takeyama aponta que “a arquitetura destinada à cerimônia do chá baseia-se em uma estética da ação inerente ao estado estático; e a arquitetura de Sen no Rikyu, onde elementos estáticos são organizados a fim de criar uma tensão ativa, é a expressão máxima 162. ANDO, 1991a. Em: ESPOSITO, 2011, p. 74.


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desta estética.” 163 Tadao Ando, por sua vez, tem consciência desse recurso estético, e assim afirma ao falar dos intervalos conformados por painéis shoji e pelas cercas de madeira na arquitetura tradicional japonesa: “Intervalos deste tipo que demarcam e interrelacionam parte a parte, cena a cena, são uma característica não apenas da arquitetura como também das artes japonesas e talvez possam ser vistas como um símbolo da estética japonesa. Sua principal função é o estímulo através de uma antecipação da cena que está por vir. As partes, feitas independentes entre si através desses intervalos, se entrelaçam e se sobrepõem a fim de criar uma nova cena dentro da configuração geral. Este tipo de imagem está profundamente enraizada na relação entre as casas japonesas e o mundo da natureza.” 164 Tomando esta última citação como referência, o citado “mundo da natureza” configura outro aspecto comum entre os pavilhões da cerimônia do chá e a arquitetura de Tadao Ando. A maneira como este introduz elementos da natureza em sua arquitetura é um dos fatos mais marcantes de sua obra. É possível apontar que tanto Ando quanto Sen no Rikyu, produzem espaços responsivos à relação intrínseca que a cultura japonesa possui com a natureza, não apenas na arquitetura como também na filosofia e na religião. Os espaços voltados à realização da cerimônia do chá proporcionam o contato com a natureza tanto de forma direta, através dos jardins que conformam as áreas externas, como também de forma mais sutil, como é caso da introdução da luz natural em seus ambientes herméticos. Os próprios jardins possuem um caráter simbólico que pode ser visto, por exemplo, no jardim de areia e pedras do templo Ryoan-ji (Quioto, 1450) que remete à imagem do mar e de ilhas, ou então nas composições rochosas do templo Daitoku-ji (Quioto, 1326), que remetem à paisagem das montanhas. Tadao Ando introduz elementos da natureza fazendo uso dessa menção indireta. Ainda que em seus projetos residenciais não haja jardins compostos por vegetação, as áreas externas, ao colocarem em embate a solidez do concreto com elementos como a luz do sol, a chuva e o vento, 163. TAKEYAMA, 1983, p. 174. 164. ANDO, 1982, p. 11.


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buscam trazer este tipo de associação, como afirma o próprio arquiteto: “As nuances entre os materiais simples e suas texturas enfatizam as composições espaciais simples, deste modo provocando a consciência do diálogo com os elementos naturais como a luz e o vento.” 165 Um exemplo pode ser encontrado em uma de suas obras mais famosas, a Casa Azuma, onde o pátio interno que ocupa um terço do lote conforma um vazio estruturador do programa da casa, representando o mundo da natureza. Em termos de composição geométrica a arquitetura de Tadao Ando também aproxima-se dos pavilhões projetados por Sen no Rikyu. Este comumente trabalhava com espaços e composições simétricas em primeira instância para logo após inserir elementos de distorção dessa simetria. A planta do pavilhão Tai-an, por exemplo, parte de algo próximo a um quadrado, o qual tem sua simetria quebrada pela introdução de divisórias. Outro exemplo é o desenho das aberturas do pavilhão Shigura-tei do templo Kodai-ji (Quioto, 1606), onde uma única abertura circular é situada próxima a outras ortogonais. Embora a assimetria possa ser destacada como uma característica da arquitetura japonesa, este processo que parte de formas simétricas para depois promover sua quebra é algo particular de Sen no Rikyu. Nas casas Koshino e Yamaguchi de Tadao Ando algo similar pode ser observado. Em ambas as plantas, a conformação espacial dada por dois volumes é contraposta e sua simetria é sutilmente quebrada, no caso da Casa Koshino através de uma alteração nas dimensões de um dos volumes, e na Casa Yamaguchi através de um deslocamento na implantação de um dos volumes. Outro recurso de quebra de simetria e regularidade utilizado por Ando é a inserção de elementos circulares (em geral, uma fração da circunferência) em meio às formas ortogonais, ato que relaciona-se à já mencionada criação de narrativas no percurso de seus edifícios. Exemplo disto é a casa Ishii (Shizuoka, 1982) onde uma parede curva é colocada para dividir um cômodo de dimensões quadradas. É importante ressaltar novamente que através das comparações aqui feitas não pretende-se inferir que Tadao Ando faz menção direta às formas 165. ANDO, 1977. Em: DAL CO, 1996, p.444.


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108. (acima) Jardim de areia do Templo Ryoan-ji 109. (ao lado) Pedra no jardim do Templo Daitoku-ji 110. (pág. ao lado sup.) Nijiriguchi e aberturas de geometria irregular no pavilhão do chá de Katsura 111. (pág. ao lado inf.) Abertura circular do pavilhão Shigura-tei


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110. (acima) Desenho axonométrico da Casa Yamaguchi, onde é possível ver os dois volumes identicos com um pequeno deslocamento 111. (ao lado) Desenho axonométrico da Casa Koshino, onde é possível ver dois volumes diferenciados por sua escala 112. (pág. ao lado) Interior do Soseikan, pavilhão de cerimônia do chá projetado por Tadao Ando como um anexo à Casa Yamaguchi


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do mestre Sen no Rikyu, mas que sua influência e inspiração advinda da tradição cultural e arquitetônica japonesa com certeza o levou a desenvolver conceitos espaciais e um espírito que em muito se assemelha aos pavilhões da cerimônia do chá. Não por coincidência, Ando foi o arquiteto que projetou o primeiro pavilhão em concreto construído no Japão de que se tem registro. O Soseikan (Hyogo, 1982) é um volume anexo à Casa Yamaguchi e representa toda a espiritualidade contida nos tradicionais pavilhões através de uma linguagem moderna. Os conceitos aqui discutidos de manipulação da luz, narrativa espacial e composição geométrica se fazem presentes na casa e culminam na atmosfera conformada pelas paredes em concreto aparente de Ando. Ainda que não haja uma associação direta, os materiais empregados por Tadao Ando em seus projetos também estabelecem relações com aqueles utilizados nos pavilhões da cerimônia do chá. Sen no Rikyu, como já apontado, tomou como referência as humildes casas rurais para a concepção de seus edifícios, absorvendo a estética material dessas. Madeira não tratada, ripas de bambu, massa composta por argila e palha: estes são materiais utilizados nos pavilhões de forma deliberada, a fim de atingir uma estética pura e refinada apesar de rústica, decisão que se coloca como uma busca pela aproximação à estética do wabi. Estabelecendo um paralelo entre o Japão tradicional e o espaço urbano moderno, o uso do concreto aparente por parte de Ando representa igualmente o espírito do wabi, uma vez que esse material é um dos mais comumente empregado nas construções, como a madeira e a palha foram outrora. Assim como os pavilhões de Sen no Rikyu possuíam um tratamento refinado dos materiais rústicos, o concreto de Ando, apesar de aparentemente bruto, passa por processos rigorosos tanto de mistura, para atingir texturas e profundidades sutis, quanto de aplicação, como é possível observar nos furos deixados pelas fôrmas que se colocam simetricamente distribuídos por todas as superfícies. A partir da materialidade e principalmente da estética do wabi é possível estabelecer os paralelos entre a arquitetura de Tadao Ando, os pavilhões da cerimônia do chá e o minimalismo. A palavra que melhor define essa aproximação é simplicidade. Tanto o wabi quanto a cerimônia do chá baseiam-se no ato de excluir tudo aquilo que é excessivo, algo fundamentalmente ligado à filosofia zen-budista. Por outro lado, este mesmo ato pode ser vislumbrado no “less is more” de Mies van der Rohe ou no caráter defi-


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nidor da arte minimalista. O que de fato se verifica é que por ambas as vias o resultado formal da arquitetura de Ando (austera, de geometria simples e composição sóbria) parece encontrar respaldo. Se seus espaços conformados pelo concreto aparente, monocromáticos e despidos de qualquer decoração ou ornamento, inserem-se dentro da esfera moral do zen-budismo, também aproximam-se da depuração formal praticada pelos minimalistas. A arquitetura de Tadao Ando assemelha-se à poesia tradicional japonesa (haikai), pois procura dizer muito utilizando pouco166, como aponta Peter Eisenman (1932-presente): “Como o haikai, o entendimento das formas de Ando vem de maneira imediata e instintiva ao invés de vir através da lógica e da razão. É possível sentir o minimalismo dos seus esqueletos de concreto sobressalentes, articulados e brutos, ainda que sua complexidade não visível também se infiltre em nossa intuição.”167 Ao mesmo tempo, esse minimalismo adquire peso e força, como indicam Anatxu Zabalbeascoa e Javier Rodríguez Marcos: “O minimalismo convida ao sutil, ao evanescente, ao visível para além da visão ordinária e, no entanto, a partir da simplicidade alcança a monumentalidade. Muitos destes edifícios são contundentes devido à sua discrição, são monumentais sem ser espetaculares. A monumentalidade da arquitetura minimalista é aparentemente respeitosa porque resulta contida e, portanto, estranha.” 168 De certa forma, é possível entrever na arquitetura de Tadao Ando uma relação maior com a tradição japonesa do que com a estética minimalista, mas isto se dá pura e simplesmente pela dimensão temporal de cada um dos campos: o primeiro é resultado de séculos de história enquanto que o segundo possui pouco mais de meio século de existência. Entretanto, exceto por tal diferença histórica/temporal, a arquitetura de Ando parece situar-se simultaneamente nos dois campos ou então, como sugere Eisenman, não está em lugar algum: 166. TÁPIA, 2008, p. 9. 167. EISENMAN, 1991. Em: DAL CO, 1996, p.496. 168. ZABALBEASCOA & MARCOS, 2001, pp. 107-109.


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“[A arquitetura de] Ando é uma ausência que não é o espaço do nada (void) do ocidente e nem o espaço do vazio (emptiness) do oriente. É antes algo surgido dessa fusão híbrida, um vestígio da ausência de quaisquer sinais conhecidos.” 169 Como exposto, Tadao Ando não busca um retorno às formas tradicionais senão um resgate de seu espírito. Também não se declara adepto ao minimalismo, visto que o próprio não é assumido pelos artistas e arquitetos relacionados à etiqueta, quanto menos pelo próprio arquiteto. Ainda assim, suas formas geométricas simples, suas composições sóbrias e suas superfícies austeras em concreto aparente carregam uma identidade que se associa aos pavilhões projetados por Sen no Rikyu no passado e também às esculturas minimalistas da década de 1960. Mas talvez, mais que isso, sua arquitetura seja a espacialização daquele “silêncio eloquente” referido no início do texto, uma resposta clara à saturação de imagens e sons da metrópole moderna. Ando assim expõe sua visão: “Uma arquitetura despida de todo excesso e composta simplesmente das necessidades básicas é verdadeira e convincente porque é apropriada e satisfatória. Simplificação através da eliminação de todas decorações superficiais, o emprego de composições mínimas e simétricas e de materiais limitados. Isto tudo constitui um desafio para a sociedade contemporânea.” E complementa: “Acredito que a arquitetura não deva falar muito. Ela deve manter-se em silêncio e deixar a natureza falar através da luz do sol e do vento.” 170

169. EISENMAN, 1989. Em: DAL CO, 1996, p.489. 170. ANDO, 1984. Em: DAL CO, 1996, p.449.


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6. Consideraçþes finais


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Conforme exposto ao longo do trabalho, é possível entrever o caráter único da arquitetura de Tadao Ando que se dá através de uma síntese autêntica entre a sensibilidade tradicional japonesa e o rigor da lógica moderna. O autodidatismo junto ao posicionamento crítico frente às condições dadas pela modernidade possibilitou que sua apreensão de ideias sobre a arquitetura não se vinculasse exclusivamente a nenhuma esfera de pensamento, seja ela japonesa ou ocidental. Inclusive, o dinamismo concedido pela contraposição de determinadas oposições - oriente e ocidente, abstração e representação, luz e sombra, entre outros - é assumido como parte de seu processo de concepção arquitetônica, algo que pode ser vislumbrado no conjunto de sua obra. Das experiências de sua infância (nas quais a atmosfera sombria da casa onde cresceu e o orgulho do fazer, presente na vizinhança onde morava, o marcaram profundamente) até as viagens empreendidas em sua juventude (onde a diversidade de estilos de vida tanto no Japão quanto no ocidente evidenciaram a riqueza contida no mundo), o caráter presencial de corpo e espírito possibilitaram que Ando formulasse suas próprias ideias sobre o espaço construído e uma linguagem detentora de uma vasta esfera de influências.


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Se, como aponta Kenneth Frampton, a homogeneização do espaço e a perda das identidades locais dadas pelo contexto da globalização ameaçam a esfera da cultura mundial, o modernismo fechado de Tadao Ando parece indicar um contraponto de caráter político bastante significativo. Sem indicar um retorno ao vernacular e muito menos recorrer a um mero historicismo, Ando funda sua arquitetura na consciência do lugar ao passo que reconhece o caráter universal e ontológico da arquitetura como objeto de investigação. Ainda que não se coloquem como uma resposta única às condições dadas pela sociedade moderna (e que se estendem até o cenário contemporâneo), seus edifícios se colocam como verdadeiros enclaves, microcosmos de resistência frente ao caos da metrópole. Ao recusar o viés primordialmente funcional da arquitetura, esse outrora praticado indiscriminadamente pelo modernismo, Ando direciona sua prática a aspectos intangíveis do espaço que resultam em um profundo contato com a natureza assim como em uma poética baseada nas sombras, no vazio e no silêncio, resposta à contraditória falta de expressão de um cenário cada vez mais saturado de informações. Monumental sem ser espetacular, as formas simples e sutis de seus volumes em concreto concentram grande expressividade e conformam espaços que buscam potencializar as experiência do ser no espaço. A amplitude contida na dicotômica relação entre tradição e modernidade parece demandar a escolha de um direcionamento por parte do arquiteto japonês. Entretanto, se é possível visualizar tal amplitude na forma de uma linha horizontal que conecta os extremos, os edifícios de Tadao Ando se colocam como detentores de um pontecial que leva esse direcionamento em sentido perpendicular, revelando a criação de algo autêntico que não repousa sobre quaisquer linhas previamente dadas. A relevância de sua arquitetura encontra-se nesse caráter único, o qual, segundo o pensamento zen, ao falar do “um” remete também ao infinito.


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