Caminhar na cidade: integração urbana no Bexiga a partir de uma galeria

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

VITTORIA CARPINI MARINUZZI CUCURULL PUIG

CAMINHAR NA CIDADE: integração urbana no Bexiga a partir de uma galeria

Trabalho Final de Graduação, apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como parte das exigências para a obtenção do título de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo. Orientador Prof. Dr. Felipe de Araújo Contier agner

São Paulo 2020



UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

VITTORIA CARPINI MARINUZZI CUCURULL PUIG

CAMINHAR NA CIDADE: integração urbana no Bexiga a partir de uma galeria

Aprovada e 11 de agosto 2020

Banca examinadora:

Prof. Dr. Felipe de Araújo Contier

Prof. Dr. Celso Aparecido Sampaio

Profª. Dra. Sabrina Studart Fontenele Costa


agradecimentos Agradeço aos mestres que me acompanharam em minha jornada, em especial ao meu orientador Felipe de Araújo Contier, por acreditar em meu trabalho desde o primeiro dia, por me apoiar e inspirar nessa última etapa da graduação. Aos meus pais, Alexandre e Luciana, por tudo o que me ensinaram, pelo amor que me deram e por todo o esforço que fizeram para que eu tivesse uma vida confortável e uma educação excelente. À minha irmã, Verônica, o melhor presente que já ganhei, por dividir tudo comigo, da primeira letra do nome às angústias e aflições. À minha avó Beatriz, por todos os passeios de ônibus pelo centro da cidade que despertaram cedo em mim esse amor por São Paulo. Ao meu avô Juan, pelas infinitas discussões sobre os tijolos dos arcos da rua Jandaia que me instigaram a conhecer e me apaixonar pelo Bexiga. Ele quis tanto me ver formada e hoje verá de um ângulo diferente. Às minhas tias Ausonia, Magda e Paula, por todo o afeto destrambelhado de uma típica família italiana. A Eduardo, Gabriel e Daniel, por cuidarem de mim, por toda a entrega, pela confiança, pelas noites de pernas para o ar e pelas de olhos no computador. À Isadora e Marco, pelas incontáveis 6


aventuras, pela superação de limites e por serem fora da caixa muito antes de existir uma caixa. À Lúcia, pelo suporte incondicional. Sem você eu não teria conseguido. À Lela e Julie, pela conexão de outras vidas, por sempre estarem por perto e pelos capricórnios que habitam em nós. À Isabella, Luanna, Mayara e Maria Clara, por todas as vezes que me ajudaram a lembrar o caminho de volta para casa. Ao Bexiga, pelas histórias, pelas noites de samba, pelas cervejas e pelas andanças.

Por fim, agradeço à São Paulo: porque és o avesso do avesso do avesso do avesso.

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Esta pesquisa é sobre caminhar na cidade.

O ato de deslocar-se é a essência desse trabalho e funciona como o elo mais importante entre a monografia e o exercício de projeto proposto. Eu, nascida na mais paulista das avenidas e criada na cidade em São Paulo senti esse processo como uma investigação quase familiar. Quais os impactos dessa cidade nas pessoas? E das pessoas na cidade? Pensando sempre nessa construção mútua, me propus a investigar os mistérios dessa troca entre as metrópoles e seus habitantes. O caminhar une todos os habitantes da cidade, mesmo com as barreiras que nos separam – principalmente a imensa desigualdade social. Em algum momento do dia precisamos descer de nossos carros, sair dos ônibus ou estacionar as bicicletas e simplesmente andar a pé para chegarmos ao destino. Caminhar por um território ajuda a compreendê-lo. Nos faz sentir parte da cidade e por consequência contribui para a construção de afeição e noção de pertencimento à cidade em que vivemos. Foi pensando na memória da cidade de São Paulo que escolhi o bairro do Bexiga como território para abrigar o exercício projetual. No momento em que se discute a reforma de espaços notórios da cidade com projetos de grande porte, como a Praça das 12


Artes (2012), a implantação da ciclovia na Avenida Paulista (2015) e a reforma do Vale do Anhangabaú (em andamento), qual o papel de um bairro tradicional situado entre o Centro Novo e a avenida Paulista nesse cenário? A proposta de uma galeria no Bexiga funciona como um instrumento dessas reformas e ressignificações, uma proposição sobre a participação do bairro e de suas histórias nessas reformas da cidade. A escolha do Bexiga para receber uma galeria passa primeiramente por uma ressignificação do que é esse programa. Em São Paulo a tipologia de galerias instalou-se a partir da década de 1940 principalmente no Centro Novo, e em particular no bairro da República – território que até hoje abriga milhares de postos de trabalho e conta com uma forte dinâmica comercial. O Bexiga aproximase da República apenas geograficamente, apesar de ambos carregarem a identidade paulistana, cada um com seu nuance. Os bairros possuem gabaritos, cores, habitantes, usos e densidades profundamente distintos – enquanto a República vive frenética de segunda a sexta-feira as 8h às 18h, o Bexiga não dorme aos finais de semana. Apesar de tantas diferenças, a presença de pedestres nas ruas é notável nos dois bairros. Ainda que os pedestres sejam frequentes no Bexiga, percebe-se certa dificuldade de locomoção a pé devido, 13


principalmente, aos desníveis topográficos. A transposição entre a Rua Treze de Maio e a Rua dos Ingleses, escolhida para o projeto, é um exemplo claro. A quadra existente entre as duas vias possui 600 metros de comprimento, e a única alternativa pare o pedestre é a Escadaria do Bexiga – quase no centro da quadra. Existem diversas maneiras de realizar a transposição de cotas, inclusive através de edifícios, o que representa uma oportunidade mutuamente benéfica para a arquitetura e para a cidade. As galerias paulistanas, em particular, acumularam grande quantidade e qualidade de projetos que apontara nessa direção, abruptamente interrompida. O advento dessa tipologia no Centro Novo trouxe uma novidade para os pedestres da região: as galerias ampliavam a área valorizada dos térreos, contabilizada em metros lineares de vitrines e ao mesmo tempo ofereciam novas possibilidades de percurso coberto pelo miolo das quadras, encurtando caminhos e promovendo novas experiências na cidade. No caso do Bexiga, a galeria proposta funciona como elemento de ligação entre a Rua Treze de Maio e a Rua dos Ingleses, ajudando o pedestre a vencer o desnível de 12 metros entre as duas vias. Para mais, a galeria atua como percurso peatonal alternativo, colaborando para que a quadra se torne mais permeável ao pedestre. Ao mesmo tempo oferece um espaço de arte, cultura e preservação da memória do Bexiga, ativado pela dinâmica cultural do bairro. 14


“Caminante no hay camino, se hace camino al andar.� Joan Manuel Serrat, 1969

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galeria nos três sentidos da palavra

¹ Segundo a Resolução no. 22/2002, emitida pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (COMPRESP), órgão da Secretaria Municipal de Cultura Departamento do Patrimônio Histórico da Prefeitura do Município de São Paulo.

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O território do Bexiga fica no distrito da Bela Vista é ocupado desde o século XVI, mas seu loteamento foi inaugurado apenas em 1878. O bairro funciona como uma colcha de retalhos de culturas, pois recebeu diversos tipos de imigrantes: ex-escravos africanos, imigrantes europeus, incluindo muitos italianos e, mais recentemente, imigrantes do Oriente Médio. Soma-se a essa população um contingente constante de migrantes de todas as regiões do Brasil. Suas ruas são repletas de histórias que estão materializadas em suas construções. Com mais de 600 lotes tombados pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (COMPRESP)¹, o Bexiga colabora com a preservação da memória paulistana ao manter edificações de valor histórico, arquitetônico, ambiental e afetivo, muitas delas remanescentes do loteamento do bairro, iniciado no final do século XIX. Considerando a histórica vocação comercial do bairro, seu atual caráter cultural e sua topografia acidentada, o projeto propõe uma galeria nos três sentidos da palavra: um conjunto de lojas, um espaço expositivo de arte e uma via de passagem coberta para pedestres. As lojas foram pensadas para abrigar comércios com foco na compra e venda de artigos históricos – sebos, brechós, antiquários e lojas de discos – já existentes


Imagem 1 - Situação do bairro do Bexiga na cidade de São Paulo. Imagem por Google.

Imagem 2 - Cartografia sensitiva: levantamento dos bens tombados ao longo da rua Treze de Maio, Conselheiro Carrão, dos Ingleses e avenida Rui Barbosa. Pela quantidade de lotes tombados (destacados em vermelho), percebe-se a importância histórica do bairro. Imagem autoral.

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e ativados pela feira de antiguidades que funciona aos finais de semana na praça Dom Orione há 35 anos. Cada loja conta com um mezanino que deve servir como ateliê dos lojistas. As lojas estão dispostas ao nível da Rua Treze de Maio, de maior movimentação. Além do comércio de antiguidades, a proposta é que uma das lojas abrigue um café de apoio para os visitantes, o público das palestras do auditório e os lojistas. Subindo o primeiro lance de escadas rolantes o visitante depara-se com outras quatro lojas e uma passarela que permite a contemplação da praça interna. Essa praça funciona como espaço de descompressão e auxilia na ventilação e iluminação natural da galeria. A copa das árvores serve de vista para o espaço de coworking localizado ao fim da passarela com vaga para 27 pessoas. Ao fim do segundo lance de escadas rolantes o visitante finalmente vence os 12 metros de desnível e tem acesso à praça da cabeceira do terreno e à Rua dos Ingleses. Esse pavimento foi pensado para receber eventos em geral – trazendo mais um tipo de fluxo de pessoas para o espaço da galeria. Pensando na valorização do bairro do Bexiga, o pavimento conta com um amplo mirante para a admiração da região. O terceiro pavimento funciona como um oásis urbano: um espaço de lazer e observação da paisagem. O gramado convida o visitante ao descanso e transforma-se num jardim público em que as crianças brincam, os 20


Imagem 3 - Mapa dos desníveis topográficos na região do Bexiga. Degradê do nível mais baixo (na cor mais clara, 760m) ao mais alto (na cor mais escura, 805m). Imagem autoral.

Imagem 4 - Croqui inicial: síntese espacial de projeto e programa. Imagem autoral.

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Imagem 5 - Planta do pavimento térreo - acesso pela rua Treze de Maio. A opção de trazer o piso de pedra portuguesa vermelha das calçadas para a parte interna do edifício faz com que a galeria integre-se à cidade e à dinâmica urbana. Imagem autoral.

Imagem 6 - Pespectiva pavimento térreo. A praça interna e o pé direito de 5,85m colaboram para a iluminação e ventilação natural da galeria. Imagem autoral.

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Imagem 7 - Planta do primeiro pavimento. Após o primeiro lance de escadas-rolantes o visitante encontra um espaço com mais quatro lojas, banheiros públicos, um espaço de trabalho coletivo e passarela com vista para a praça do pavimento térreo. Imagem autoral.

Imagem 8 - Pespectiva primeiro pavimento, vista do usuário ao sair do primeiro lance de escadas-rolantes. Imagem autoral.

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Imagem 9 - Planta do segundo pavimento - acesso pela rua dos Ingleses. Depois dos dois lances de escadas-rolantes o visitante vence o desnível entre a rua Treze de Maio e a rua dos Ingleses. Neste pavimento estão os espaços de eventos e a praça pré-existente da cabeceira do terreno. Imagem autoral.

Imagem 10 - Pespectiva segundo pavimento - espaços de eventos ligados por uma passarela com vista para a praça interna. Imagem autoral.

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Imagem 11 - Planta do terceiro pavimento. O gramado convida o visitante a uma pausa, um momento de lazer no dia-a-dia da metrópole. Com o objetivo de exaltar o bairro, o espaço também funciona como mirante para a região. Imagem autoral.

Imagem 12 - Pespectiva do terceiro pavimento - o gramado a céu aberto funciona como espaço de ócio e descompressão. Imagem autoral.

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cachorros passeiam e todos aproveitam seu tempo livre. Analisando a hipótese de ligação do Bexiga com o eixo da Avenida Paulista, o terreno foi escolhido por estar localizado na quadra entre a Rua dos Ingleses e a Rua Treze de Maio, próximo à Praça Dom Orione; por ser um terreno não edificado, no qual atualmente funciona um estacionamento, e lindeiro ao conjunto edificado tombado; e por sua localização, que permite ao pedestre um caminho mais curto e agradável, diminuindo o comprimento da quadra, vencendo e oferecendo conforto para vencer o desnível de 12 metros. A tipologia de galeria é comum na região. O Boulevard Monti Mare (liga a Avenida Paulista à Rua Carlos Sampaio), o Topcenter (liga a Avenida Paulista à Rua São Carlos do Pinhal) e o Conjunto Arquitetônico Vila Rica (liga a Alameda Ribeirão Preto à Avenida Brigadeiro Luís Antônio) são exemplos de galerias de comércio e de passagem pensados para atuar como percurso alternativo aos pedestres. Esses espaços quando pensados em conjunto formam uma rede de caminhos cobertos que auxiliam o pedestre a reduzir seu percurso e ao mesmo tempo promovem dinâmicas comerciais para os pavimentos térreos dos edifícios. Os edifícios citados ficam nos arredores da Avenida Paulista e foram construídos em um contexto histórico mais atual do que as edificações do bairro 26


Imagem 13 - Legenda: A- Av. Paulista, B- Av. Brigadeiro Luís Antônio, C- Rua Treze de Maio, 1- Boulevard Monti Mare, 2-Topcenter, 3- Conj. Arq. Vila Rica, 4- Terreno escolhido para intervenção projetual.

Imagem 14 - Corte a-a’. Galeria nos três sentidos da palavra: de comércio, de arte e de passagem. As escadas rolantes auxiliam o pedestre a transpor os 12 metros de desnível em um percurso coberto, seguro e atrativo. Imagem autoral.

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do Bexiga. A intervenção arquitetônica proposta não acontece em uma construção pré-existente, mas em um bairro histórico consolidado e repleto de lotes tombados. Por isso, adotar a caminhabilidade e a facilitação da circulação dos pedestres como principal diretriz projetual exigiu cuidado e respeito ao compatibilizar o projeto ao bairro.

² SCHNECK, S. Formação do bairro do Bexiga em São Paulo: loteadores, proprietários, construtores, tipologias edilícias e usuários (1881 1913). Dissertação (Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação) - FAUUSP. São Paulo, p. 13. 2010.

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“Atualmente, a cidade ainda acomoda exemplares remanescentes daquele momento. Casarões e palacetes são documentos importantes dos modos de morar, das linguagens arquitetônicas adotadas naquela época e, hoje, testemunham o processo de apropriação e produção do espaço urbano pelas camadas mais altas da sociedade. (...)”²

Sendo assim, a galeria não pretende em nenhum momento reproduzir as arquiteturas de seu entorno ou erguer-se como uma cópia da edificação original que um dia esteve no terreno escolhido. A galeria ergue-se utilizando materiais e linguagem arquitetônica totalmente distintas das de seus vizinhos do século XIX e XX, utilizandose de diversos elementos em concreto aparente e vidro ao mesmo tempo em que respeita as premissas do bairro: os gabaritos e recuos enquadram-se no padrão Bexiga. Dito isso, a galeria instala-se no bairro do Bexiga com o objetivo de auxiliar,


Imagem 15- Perspectiva do acesso da galeria pela Rua 13 de Maio, 984. Imagem autoral.

Imagem 16- Fotoinserção do projeto no entorno existente. Imagem autoral.

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intensificar e diversificar o fluxo de pessoas que passa pelo bairro. Ampliando a diversidade de horários e motivações das visitas ao bairro graças aos diferentes programas que o edifício abriga, mas sempre prezando pela qualidade ao caminhar e pelos momentos de contemplação da cidade.

Imagem 17 - Corte c-c’. Imagem autoral.

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Imagem 18 - Corte d-d’. Imagem autoral.

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um bairro multicultural

³ A maior parte da história do bairro foi retirada de: GONTIER, Bernard. Bexiga. São Paulo, Mundo impresso, 1990. SCHNECK, S. Formação do bairro do Bexiga em São Paulo: loteadores, proprietários, construtores, tipologias edilícias e usuários (1881 1913). Dissertação (Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação) - FAUUSP. São Paulo, p. 32. 2010. 4

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Segundo Bernard Gontier ³, o território onde fica o bairro do Bexiga tem seu primeiro registro de ocupação datado do ano de 1559, como Sesmaria do Capão, propriedade do tabelião português Antônio José Leite Braga, conhecido como Antônio Bexiga devido às cicatrizes de varíola que possuía – doença popularmente conhecida como “bixiga”. A chácara do Bexiga deu origem ao nome do bairro. Não se sabe ao certo a data de início do loteamento do bairro do Bexiga. Segundo Sheila Schneck4 , até 1868 o Bexiga aparece nas plantas da cidade como região periférica ao Centro, enquanto na planta de 1881 encontramos o loteamento definido e com arruamento previsto. Ainda segundo a autora, o anúncio publicado no jornal A Província de São Paulo, em 1878, demonstra que a ideia do empreendimento era anterior à planta organizada pela Cia. Cantareira de Água e Esgotos. No entanto, nos parece que este foi apenas o primeiro sinal do empreendimento, que somente viria a se concretizar após 1881, com o lançamento do leilão de Roberto Tavares, conforme os anúncios publicados em 27, 28 e 29 de abril de 1881. “Até o início da expansão urbana, as terras do Bexiga foram, supostamente, ocupadas por integrantes dos segmentos mais pobres da população que, excluídos da região central,


Imagem 19 - Planta da cidade de São Paulo levantada pela Cia. Cantereira e Esgotos em 1881. O centro da cidade encontra-se bastante adensado quando comparado às demais regiões. O Bexiga (área destacada - intervenção autoral) aparece com arruamento traçado e seus três Ribeirões foram identificados (Ribeirão da Bexiga, Saracura e Anhangabaú). A única rua com nome até o momento é a Santo Antônio, que corre paralela ao Ribeirão Saracura.

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procuraram a periferia da cidade. A partir do momento em que se concretizou a expansão dos limites urbanos, alguns aspectos geográficos condicionaram um novo tipo de ocupação. A topografia irregular e a presença de cursos d’água como o Anhangabaú e os córregos do Saracura e do Bexiga, em área sujeita a constantes inundações, teriam desvalorizado os terrenos da região, abrindo a possibilidade para investimentos mais baratos, destinados a uma fatia relevante do mercado imobiliário representada pelas camadas mais pobres. Áreas mais altas do bairro, por outro lado, foram ocupadas por gente mais rica.” 5

SCHNECK, S. Formação do bairro do Bexiga em São Paulo: loteadores, proprietários, construtores, tipologias edilícias e usuários (1881 1913). Dissertação (Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação) - FAUUSP. São Paulo, p. 12. 2010. 5

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A configuração geomorfológica do Bexiga era constituída por morros e brejos insalubres e atravessada por três córregos (Ribeirão Saracura, Ribeirão da Bexiga e Ribeirão Anhangabaú) que inundavam suas margens em época de cheia. Essas características naturais tornavam os preços dos lotes mais acessíveis em relação a outras regiões da cidade de São Paulo, o que atraiu um público com poucos recursos financeiros. Apesar de ter se consagrado popularmente no século XX como uma “pequena Itália dentro de São Paulo”, devido à presença significativa de imigrantes italianos, a região já era habitada por descendentes africanos. Desde suas origens a população do Bexiga foi dividida principalmente entre escravos libertos no final do século XIX e imigrantes europeus (especialmente os italianos) que vieram para o Brasil nesse mesmo período. Segundo Márcio Sampaio de


Imagem 20 - Planta da capital do Estado de São Paulo e seus arrabaldes. Desenhada e publicada por Jules Martin em 1890 . Nesse desenho podemos perceber que a cidade como um todo já contava com um traçado mais detalhado do que o existente em 1881. A área da Bela Vista (onde fica o bairro do Bexiga) ganha destaque e é uma das regiões nomeadas no mapa. O arruamento do Bexiga (área destacada - intervenção autoral) aparece mais detalhado do que em 1881 e suas ruas foram nomeadas.

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Casto, autor do livro Bexiga, um bairro afroitaliano6, a região às margens do Córrego Saracura, onde atualmente está a Avenida Nove de Julho, era ocupada por um quilombo e a partir da abolição da escravidão em 1888 passou a receber inúmeras pessoas recém libertas e seus descendentes de pessoas escravizadas.

“(...) “O córrego passava onde hoje é a Avenida 9 de Julho. Os escravos refugiados viviam no mesmo local em que, atualmente, funciona a escola de samba Vai-Vai. “Isso foi tão forte que até os anos [19]60 ali era conhecido como quadrilátero negro ou pequena África.” 7

CASTRO, M. Bexiga - Um Bairro Afro-Italiano.São Paulo, Annablume, 2008 6

Márcio Sampaio de Castro, jornalista, professor universitário e autor do livro “Bexiga - Um Bairro Afro-Italiano” em entrevista ao jornal Estadão em 06 de janeiro de 2009. Disponível em: <https://brasil. estadao.com.br/ noticias/geral,a-face-afro-de-um-bairro-italiano,303001> Acesso em: 13 fev. 2020 7

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O que acontecia no Bexiga se repetia no Cambuci, Barra Funda ou Casa Verde, todos territórios em regiões de várzea que sofriam constantemente com problemas de alagamento e por isso perdiam valor imobiliário. Não coincidentemente, os imigrantes italianos recém chegados à São Paulo também se instalaram nessas regiões, motivados igualmente pelos baixos preços dos terrenos. Muitos dos imigrantes estavam fugindo da Primeira Guerra Mundial e da fome que assolava a Europa. No momento em que abandonaram seus países de origem muitas dessas famílias não se encontravam em suas melhores condições financeiras, porém, se comparadas à situação dos africanos exescravizados que viviam no Brasil, possuíam algumas vantagens: os europeus já estavam


Imagem 21 - Speranza: uma das cantinas italianas mais tradicionais de São Paulo e do bairro do Bexiga. Inaugurada em 1958, fica na rua Treze de Maio, 1004. Foto por autor desconhecido.

Imagem 22 - Resistência da presença africana no Bexiga: banca de comida baiana na rua Conselheiro Carrão. Foto autoral, set.2019.

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inseridos em uma realidade de trabalho assalariado e boa parte deles também era alfabetizada. Assim, muitos lotes do Bexiga foram vendidos para esses imigrantes europeus, especialmente italianos, que montaram seus próprios negócios no bairro. Essas vantagens dos europeus em comparação aos africanos acabaram fortalecendo a política de branqueamento da população da época, alimentando a ideia de uma São Paulo mais europeia e do Bexiga como reduto ítalobrasileiro. Se no fim do século XIX a cidade de São Paulo buscava ser desassociada da negritude, manifestações culturais amparadas por instituições como a escola de samba VaiVai, garantiram a sobrevivência da herança negra. A escola foi fundada em 1930 e está localizada nas proximidades de onde ficava o quilombo do Saracura há 200 anos atrás. Outra instituição responsável pela conservação da cultura negra no bairro do Bexiga é a Pastoral Afro da Paróquia de Nossa Senhora da Achiropita, instituída em 1988, comemorando o centenário da abolição da escravidão no Brasil e conhecida por sua tradicional festa italiana. Coincidentemente (ou não), a Paróquia Nossa Senhora da Achiropita – santa padroeira dos imigrantes italianos – está localizada na Rua Treze de Maio – data da assinatura da Lei Áurea, que aboliu a escravidão negra no Brasil em 1888. Essa ocorrência cartográfica é um exemplo material da mistura de culturas que 40


Imagem 23 - Fotografia da sala principal do MUMBI (Museu da Memória do Bixiga). O paletó da velha guarda da escola de samba Vai-Vai enquadrado e pendurado na parede mostra a relevância da escola para a história do bairro. Foto autoral, set. 2019.

Imagem 24 - Ala da Vai-Vai no desfile de carnaval de 2020. A escola é a maior campeã do carnaval de SP, com 15 títulos e neste ano escolheu o tema “Quilombo do futuro”. Foto: Associated Press.

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acontece no Bexiga e, ilustra a classificação de bairro afro-italiano, sugerida por Castro. Nessa mesma rua, em frente à paróquia, acontece anualmente a festa da Achiropita durante todo o mês de agosto. A típica festa italiana tem caráter beneficente e firmou-se como festa de rua autorizada pela prefeitura a partir de 1979. No mesmo quarteirão, a poucos metros de distância da paróquia ocorre semanalmente o Samba da Treze, evento comandado pelo Grupo Madeira de Lei há 11 anos. A roda de samba é um evento modesto, que mistura moradores tradicionais do bairro, frequentadores da Vai-Vai e jovens de classe média.

Dia 13 de maio em Santo Amaro Na Praça do Mercado Os pretos celebravam (Talvez hoje inda o façam) O fim da escravidão Da escravidão O fim da escravidão Tanta pindoba! Lembro do aluá Lembro da maniçoba Foguetes no ar Pra saudar Isabel Ô Isabé Pra saudar Isabé (13 de maio, Caetano Veloso, 2000)

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Imagem 25 - Festa da Achiropita completa 94 anos em 2020. Foto por autor desconhecido.

Imagem 26 - Samba da Treze. Evento semanal que reúne grande público na rua Treze de Maio e ajuda na manutenção do Bexiga como pólo cultural. Foto: Lucas Lima.

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A convivência nesse território retalhado de culturas nem sempre é amigável. Atualmente está em andamento no Ministério público um inquérito civil com reclamações contra o Samba da Treze, responsabilizando-o por barulho excessivo e atração de um público maior do que o comportado na rua. Segundo os incomodados, o evento estimula atividades ilícitas – como tráfico de drogas e violência – na região. Para evitar maiores conflitos, ficou estipulado que o samba tem horário para começar (20h00) e para terminar (23h59), acordo fielmente respeitado. Assim que o samba acaba, a multidão se dispersa pela rua Treze de Maio e as pessoas se distribuem em bares e casas noturnas da região. A pluralidade do Bexiga absorve variados tipos de público de acordo com os múltiplos estabelecimentos da região. Para além da noite de sexta-feira com o Samba da Treze e os botecos, no bairro também existem tradicionais cantinas italianas, tratorias, padarias, armazéns, teatros e casas de show que garantem ao bairro a presença de todos os tipos de pessoas: de crianças que brincam nas ruas a anciões da gafieira, passando por trabalhadores em seus happy-hours e espectadores dos Teatros Oficina, Ruth Escobar e Sérgio Cardoso. Essa variedade de espaços e atividades garante a presença de diferentes grupos de pessoas nos mais diversos horários e com múltiplas motivações no bairro. Isso faz com que o Bexiga seja além de um bairro residencial,

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Imagem 27 - Teatro Oficina, Lina Bo Bardi, 1984. Importante espaço cultural para o bairro do Bexiga, atrai visitantes de todo o país interessados em suas peças. Foto: Nelson Kon.

Imagem 28 - Entrada do Al Janiah, ave Rui Barbosa, 269. Foto por autor desconhecido.

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um importante pólo cultural e gastronômico da cidade de São Paulo.

Quem nunca viu o samba amanhecer Vai no Bexiga pra ver Vai no Bexiga pra ver O samba não levanta mais poeira Asfalto hoje cobriu o nosso chão Lembrança eu tenho da Saracura Saudade tenho do nosso cordão Bexiga hoje é só arranha-céu E não se vê mais a luz da Lua Mas o Vai-Vai está firme no pedaço É tradição e o samba continua (Tradição, Geraldo Filme, 1982)

Um exemplo recente da constante renovação do bairro é a casa noturna Al Janiah. O espaço foi aberto pelo palestinobrasileiro Hasan Zarif em janeiro de 2016 e além bar e excelente restaurante de comida árabe, presta serviços sociais e abriga eventos políticos e culturais, integrando música, teatro e cinema, lançamentos de livros e exposições. A casa conta com mais da metade do quadro de funcionários composto por refugiados da Palestina, Síria e imigrantes de Cuba e Argélia, pessoas que, assim como os ex-escravos e os imigrantes italianos que ocupavam o bairro no século XIX e XX,

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buscam iniciar uma nova vida em São Paulo, no Bexiga. Portanto, considerar o Bexiga como um bairro exclusivamente ítalo-paulistano é como focar apenas em um trecho de uma enorme colcha de retalhos. Esse pensamento desvaloriza e subestima as interações multiculturais que aconteceram na cidade de São Paulo e no bairro principalmente entre o fim do século XIX e início do século XX. Ao considerarmos o contato que acontece entre pessoas de diversos países e culturas nesse território, podemos concluir que o Bexiga atual não nega suas origens e continua funcionando como um caldeirão multicultural, um bom lugar para quem começa a construir um novo capítulo da vida em São Paulo.

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patrimônio cultural “A cidade de São Paulo é um palimpsesto – um imenso pergaminho cuja escrita é raspada de tempos em tempos, para receber outra nova” 8

TOLEDO, Benedito Lima de. São Paulo três cidades em um século. São Paulo, Duas Cidades, 1981. 8

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A cidade de São Paulo carrega muitas camadas de história desde sua fundação. No entanto, muitas regiões da metrópole tiveram suas memórias materiais apagadas pela demolição de edificações originais para darem espaço a novas. Um exemplo desse palimpsesto paulistano é a Avenida Paulista, conhecida pelos palacetes ecléticos do início do século XX, hoje conta com apenas quatro dessas edificações. Esses imóveis representam o auge do período do café e sua preservação é relevante pois são arquiteturas que ajudam a contar a história de São Paulo nesse momento histórico. Na contramão da verticalização acelerada que tomou conta de regiões da cidade a partir do pós guerras, inclusive da Avenida Paulista ao longo da década de 1950, o Bexiga conseguiu preservar muito de sua arquitetura original e consequentemente, de sua paisagem. Presente no imaginário urbano atual como espaço pitoresco entre os arranhacéus da Avenida Paulista e os do Centro de São Paulo, o bairro que faz parte do distrito da Bela Vista é hoje um dos que mais concentra lotes tombados na cidade devido à Resolução nº 22


Imagem 29 - Mansão dos Matarazzo na Av. Paulista, 1230. Começou a ser construída em 1896 e em 1996 foi iniciado o processo de demolição. Foto: Eduardo Garcia/Estadão.

Imagem 30 - O terreno de 12.000m² em que estava a mansão centenária de 4.400m² hoje abriga a Torre Matarazzo e o Shopping Cidade São Paulo, com 125.000m² de área construída. Projeto de Aflalo Gasperini, 2007. Foto: autor desconhecido.

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de 2002 do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo – CONPRESP. Nesta resolução foram valorados diversos aspectos relativos ao ambiente urbano do bairro: “Considerando a importância histórica e urbanística do bairro da Bela Vista na estruturação da cidade de São Paulo, como sendo um dos poucos bairros paulistanos que ainda guardam inalteradas as características originais do seu traçado urbano e parcelamento do solo; Considerando a existência de elementos estruturadores do ambiente urbano, como ruas, praças, escadarias, largos, etc., com interesse de preservação seja pelo seu valor cultural, ambiental, afetivo e/ou turístico; Considerando a permanência da conformação geomorfológica original nas áreas da Grota, do Morro dos Inglesews e da Vila Itororó, cuja preservação proporciona a compreensão de como se deu a estruturação urbana do bairro; Considerando o grande número de edificações de inegável valor histórico, arquitetônico, ambiental e afetivo, muitas delas remanescentes da ocupação original do bairro, iniciada no final do século XIX; Considerando a ocupação atual do bairro caracterizada pela mescla dos usos residencial, cultural, comercial e de serviços especializados; Considerando a vocação do bairro e o seu grande potencial turístico de âmbito nacional; Considerando a população residente na Bela Vista, cuja permanêzzzzncia e ampliação é fundamental para a manutenção da identidade do bairro; Considerando futuras propostas de renovação urbana visando promover a melhoria

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Imagem 31 - Rua 13 de Maio em 1921 - Arquivo Histรณrico de Sรฃo Paulo.

Imagem 32 - Rua 13 de Maio 2018. Foto por Giulia Vercelli 05 mar. 2018.

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Nível de preservação 1: Preservação integral do bem tombado. Quando se tratar de imóvel, todas as características arquitetônicas da edificação, externas e internas, deverão ser preservadas.

das condições de uso e ocupação do bairro da Bela Vista em harmonia com o presente instrumento de preservação.” CONPRESP, 1985

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Nível de preservação 2: Preservação parcial do bem tombado. Quando se tratar de imóvel todas as características arquitetônicas externas da edificação deverão ser preservadas, existindo a possibilidade de preservação de algumas partes internas, a serem definidas nessa resolução. 10

Nível de preservação 3: Preservação parcial do bem tombado. Quando se tratar de imóvel deverão ser mantidas as características externas, a ambiência e a coerência com o imóvel vizinho classificado como NP1 e NP2, bem como deverá estar prevista a possibilidade de recuperação das características originais. 11

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A Resolução estabeleceu três níveis de preservação. A Praça Amadeu Amaral, a Praça Dom Orione, a Escadaria das ruas Treze de Maio e dos Ingleses, as encostas e muros de arrimo da Rua Almirante Marques de Leão, os arco da rua Jandaia foram tombados com nível de proteção 1 (NP1)9. Na Resolução mais de 650 imóveis isolados e conjuntos arquitetônicos também foram tombados, alguns com NP210 e a maior parte com NP311. Além disso, a Resolução delimitou o espaço envoltório dos bens tombados, definindo formalmente a área do Bexiga, a área da Vila Itororó e a Área da Grota, onde qualquer intervenção deve manter a coerência com o imóvel vizinho tombado. As considerações da resolução revelam uma preocupação em preservar a ambiência do bairro do Bexiga. Muitos dos imóveis classificados NP3 são casas geminadas com dois a três patamares. Eles foram erguidos em lotes estreitos e compridos no fim do século XIX e desde então abrigaram diversos usos e funções. Atualmente o bairro mantém sua característica de abrigar uma mescla de usos residencial, cultural, comercial e de serviços especializados. O lote escolhido para o exercício de projeto, segundo entrevistas feitas na região, abrigou uma dessas casas. Não foram


Imagem 33 - Vista da parte inferior do terreno escolhido para abrigar a intervenção projetual, Rua 13 de Maio, 984. Atualmente o terreno de 650m² abriga um estacionamento na parte inferior e uma praça em sua cabeceira. Foto autoral, fev. 2020.

Imagem 34 - Vista da parte superior do terreno escolhido para abrigar a intervenção projetual, Rua dos Ingleses, 507. O terreno conecta a Rua Treze de Maio à Rua dos Ingleses e conta com um desnível de 12 metros. Foto autoral, fev. 2020.

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encontrados registros materiais (documentos, fotos ou plantas) de domínio público dessa residência. Segundo os entrevistados, a casa foi demolida há mais de dez anos e atualmente o terreno abriga um estacionamento particular para os clientes do restaurante vizinho. Com o intuito de preservar a ambiência do Bexiga, o projeto proposto utiliza-se das premissas arquitetônicas do bairro (baixo gabarito e ausência de recuo), mas sem reproduzir as arquiteturas históricas ali presentes. A galeria respeita tanto o gabarito da Rua Treze de Maio quanto o da Rua dos Ingleses, inserindo-se entre seus vizinhos sem descaracterizar o entorno. Seu programa arquitetônico busca facilitar o fluxo dos pedestres na região com escadas rolantes e valorizar o bairro por meio de mirantes e espaços de contemplação.

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Imagem 35 - Perspectiva do acesso da galeria pela Rua dos Ingleses, 507.

Imagem 36 - Perspectiva do acesso da galeria pela Rua dos Ingleses, 507.

Imagem 37 - Vista oeste. Entrada pela praça pública na parte mais alta do terreno.

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“Caminhar | ca·mi·nhar (...)

HOUAISS, I. A. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro; Objetiva, 2001. 12

CARERI, Francesco. Walkscapes - O caminhar como prática estética. São Paulo: Gustavo Gili, 2013, 13

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2. Locomover-se, andando, até um ponto determinado; dirigir-se a.” 12

Caminhar. Caminhada. Caminho. O radical camin dependendo do sufixo que o acompanha pode ser verbo, substantivo ou advérbio. Deslocar-se é um ato plural e existem inúmeras maneiras de fazê-lo pela cidade. O ato de caminhar por um território para compreendê-lo é redescoberto na arquitetura e no urbanismo como um meio para captar as dinâmicas urbanas com os sentidos. Diversos estudiosos dedicaram-se ao ato de caminhar. Francesco Careri no livro Walkscapes defende o “caminhar como prática estética” e afirma que esse ato funciona não apenas como “instrumento cognitivo e projetual”13, mas também como prática essencial para se construir uma nova noção de direito à cidade. Com a ascensão do capitalismo no século XIX, o caminhar urbano ganhou novas proporções e motivações. No momento, a Europa adaptava-se às novas dinâmicas do período pós Revolução Industrial e dentre as principais capitais, Paris pulsava desenvolvimento. Esse incremento foi amplamente explorado nas obras de autores como Gustave Flaubert (1821 e 1880) e


Charles Baudelaire (1821-1867). Os autores observaram as primeiras mudanças no comportamento das pessoas na França e transformaram suas percepções e poesias e romances. Flaubert ficou conhecido por fazer crítica a classe burguesa – da qual fazia parte, sem negar e analisar a necessidade de consumo impulsionada pela produção frenética das fábricas após a Revolução Industrial Contemporâneo à Flaubert e com uma linha de raciocínio parecida, Charles Baudelaire também assistiu e descreveu as intensas transformações sociais do período. Para o poeta, a figura do flâneur, que dedica boa parte de seu tempo a caminhar pelas ruas de Paris, ilustra a modernidade nas grandes cidades14. Segundo Paola Jacques, na obra de Baudelaire, o flâneur integra ambiguamente o contexto urbano da modernização e tem uma postura crítica em relação às grandes reformas de Haussmann e Paris15. Descrito por Walter Benjamin como o homem da cidade moderna, o flâneur experimenta em suas flanâncias o caminhar arrastado: “Ocioso, caminha com uma personalidade, protestando assim contra a divisão de trabalho que transforma as pessoas em especialistas”16. Com isso, o flâneur torna-se o primeiro personagem moderno a realizar caminhadas pela cidade em transformação com uma potente postura crítica acerca da modernidade.

De acordo com Paola Berenstein, apesar de Baudelaire ser frequentemente associado como o “inventor” do flâneur em 1863, ainda no séc. XVIII a cidade de Paris já havia sido explorada e “narrada” por outros autores, como Sébastien Mercier, em Tableau de Paris, de 1781 e Restif de la Baronne, em Les nuits de Paris ou le spectateur nocturne, de 1788. 14

JACQUES, Paola Berenstein. Elogio aos errantes. Salvador; EDUFBA, 2014, p.54. 15

BENJAMIN, Walter. Paris do Segundo Império. In: Obras Escolhidas. Volume III. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. São Paulo, Brasiliense, 1989. Apud JACQUES, Paola. Texto citado, p. 55. 16

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“A flânerie se baseia, entre outras coisas, no pressuposto de que o fruto do ócio é mais precioso que o do trabalho. Como se sabe, o flâneur realiza ‘estudos’.” 17

BENJAMIN, Walter. Texto citado. Apud JACQUES, Paola. Texto citado, p. 48. 17

BAUDELAIRE, Charles. O pintor da vida moderna, original de 1863, publicado no jornal Le Figaro. Apud JACQUES, Paola Berenstein. Elogio aos errantes. Salvador: EDUFBA, 2014, p. 40.

“A multidão é seu universo [do flâneur], como o ar é o dos pássaros, como a água, o dos peixes. Sua paixão e profissão é desposar a multidão. Para o perfeito flâneur, para o observador apaixonado, é um imenso júbilo fixar residência no numeroso, no ondulante, no movimento, no fugidio e no infinito. Estar fora de casa, e, contudo, sentir-se em casa onde quer que se encontre; ver o mundo, estar no centro do mundo e permanecer oculto ao mundo, eis alguns dos pequenos prazeres desses espíritos independentes, apaixonados, imparciais, que a linguagem não pode definir senão toscamente. O observador é um príncipe que frui por toda parte o fato de estar incógnito.” 18

18

BENJAMIN, Walter. Paris do Segundo Império. In: Obras Escolhidas. Volume III. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. São Paulo, Brasiliense, 1989, p.34. 19

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Benjamin inclina-se sobre a obra de Baudelaire em seu livro Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. O autor inova ao trazer esse tipo de análise, evidenciando as marcas que o contexto histórico imprimiu na produção literária de Charles Baudelaire: poeta francês, boêmio e flâneur. Segundo Benjamin, a flânerie teve seu desenvolvimento facilitado devido às tipologias de galerias, espaços que funcionavam como “uma nova descoberta do luxo industrial”19 e por isso está intimamente ligada ao comércio, ao consumo e ao capitalismo. Ainda segundo Benjamin, as galerias:


Imagem 38 - Flânerie em Paris. Foto: Jamie Young.

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“(...) são caminhos cobertos de vidro e revestidos de mármore, através de blocos de casas, cujos proprietários se uniram para tais especulações. De ambos os lados dessas vias se estendem os mais elegantes estabelecimentos comerciais, de modo que uma de tais passagens é como uma cidade, um mundo em miniatura. Nesse mundo o flâneur está em casa.”20

BENJAMIN, Walter. Paris do Segundo Império. In: Obras Escolhidas. Volume III. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. São Paulo, Brasiliense, 1989, p.34. 20

Enquanto tipologia, as galerias revelam uma nova maneira de consumir concomitante ao caminhar pela cidade. Se antes delas o comércio se limitava ao pavimento térreo dos sobrados com fachada para a rua, nesse momento a atividade comercial se reinventa com a otimização do uso de lotes estreitos e longilíneos. A fissão da quadra e a abertura de uma nova via possibilita a transferência da calçada para o interior do lote, ampliando o número de vitrines e gerando um novo caminho para o pedestre, dessa vez coberto e com lojas, bares e restaurantes variados. Esse ambiente é propício para o flâneur, que em seu passeio burguês pela cidade se encanta ao ver os letreiros e vitrines das galerias e assiste a dança da cidade sem nunca se entediar.

“(...) As galerias são um meio-termo entre a rua e o interior da casa. [...] A rua se torna moradia para o flâneur que, entre as fachadas dos prédios, sente-se em casa tanto quanto o burguês entre suas quatro paredes. Para ele, os letreiros esmaltados e brilhantes das firmas são um adorno de parede tão bom ou melhor que a pintura a óleo no salão do burguês;

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Imagem 22- Flânerie em Paris. Foto: Jamie Young.

Imagem 39 - Fachada da Galeria Vivienne, em Paris. Construída em 1823 pelo arquiteto Francois Jean Delanoy. Foto: Carolina Pio Pedro.

Imagem 40 - Interior da Galerie Vivienne, passagem coberta que reúne lojas e restaurantes. Foto: Renata Haidle.

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muros são a escrivaninha onde apoia o bloco de apontamentos; bancas de jornais são suas bibliotecas, e os terraços dos cafés, as sacadas de onde, após o trabalho, observa o ambiente.” 21

BENJAMIN, Walter. Paris do Segundo Império. In: Obras Escolhidas. Volume III. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. São Paulo, Brasiliense, 1989, p.34. 21

COSTA, Sabrina Studart Fontenele. Relações entre o traçado urbano e os edifícios modernos no Centro de São Paulo. Arquitetura e cidade (1938/1960). São Paulo: FAUUSP, 2010, p.140. 22

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Benjamin explora a relação entre a flânerie e a modernidade na França do séc. XIX pelas palavras que Baudelaire escreveu quando viveu este momento. A partir das análises do sociólogo alemão, percebe-se a familiaridade do flâneur com as ruas e vitrines da cidade e pode-se considerar que a flânerie age como o resultado orgânico da transformação sofrida pela sociedade europeia motivada pela ascensão do capitalismo. O trajeto do flâneur é orientado por espaços de consumo, fazendo com que sua rota passe por pontos obrigatoriamente comerciais, dentre eles as galerias – o que não implica necessariamente em fazer compras, mas vincula-se ao consumo. Seguindo a leitura de Benjamin, Sabrina Fontenele, que estudou a flânerie paulistana no séc. XX, acrescenta:

“Além disso, não somente os produtos eram contemplados, mas também os próprios pedestres, que iam às galerias para verem e serem vistos, representando, portanto, a nova vida na metrópole quando indústria, comércio e artes se unem e novos hábitos surgem”22


Outro aspecto marcante da flânerie além do envolvimento com eixos comerciais clássicos das cidades é o contato visual entre os flâneurs, como assinala a autora. O movimento de observar e ser observado faz parte do flanar contribui para a construção de uma imagem burguesa positiva perante os outros burgueses. Dado isso, pode-se considerar que a flânerie é um caminhar pela cidade não tão despretensioso, visto que possui um local determinado para ser executado e é necessário ater-se à sua postura enquanto flana.

BENJAMIN, Walter. Paris do Segundo Império. In: Obras Escolhidas. Volume III. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. São Paulo, Brasiliense, 1989, p.37. 21

“(...) As fisiologias alimentavamse desse crédito sem nada acrescentar de seu. Asseguravam que qualquer um, mesmo aquele não influenciado pelo conhecimento do assunto, seria capaz de adivinhar profissão, caráter, origem e modo de vida dos transeuntes. Nos fisionomistas esse dom aparece como uma faculdade que as fadas colocam junto ao berço de todo habitante da cidade grande.(...)” 23

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desdobramentos da flânerie “(...) Paris criou o tipo do flâneur. (...) Aquela embriaguez anamnésica, na qual o flâneur vagueia pela cidade (...)” 24

BAUDELAIRE, Charles. O pintor da vida moderna, original de 1863, publicado no jornal Le Figaro. Apud JACQUES, Paola Berenstein. Elogio aos errantes. Salvador: EDUFBA, 2014, p.55. 24

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Se o conceito da flânerie está muito ligado à Europa do séc. XIX, principalmente à Paris, ao direcionarmos o olhar para o outro lado do Oceano Atlântico encontramos um fenômeno análogo acontecendo na América do Norte a partir do séc. XX: o footing. Podemos considerar essa atividade como uma adaptação do fenômeno francês ao período histórico e ao contexto social dos Estados Unidos da América. O footing é uma manifestação típica da sociedade norte americana em resposta ao seu capitalismo. Diferente do fenômeno francês, o footing aparece descaracterizado, acontecendo como uma atividade mais informal. Enquanto os flâneurs utilizavamse de seus melhores trajes, modos e posturas ao flanar, o footing é tão mais casual que pode ser praticado com trajes esportivos ou blue jeans. Mas nem por isso é isento de códigos e representações sociais equivalentes à flânerie. O que podemos notar nessa comparação é a mudança de valores que privilegiam a atividade física e a juventude. A individualização aumenta na mesma proporção em que o consumo se massifica e as cidades se globalizam.


Imagem 22- Flânerie em Paris. Foto: Jamie Young. Imagem 41 - Porto, 2020. Foto: Paulo Marinuzzi.

Imagem 42 - Porto, 2019. Foto: Paulo Marinuzzi.

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KOOLHAAS, R. A cidade genérica. In: KOOLHAAS, R. Três textos sobre a cidade. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, SL, 2010, p. 32. 25

Nessa condição em que as contradições são aceleradas não deixa de ser interessante que a sociedade americana tenha nomeado essa fundamental atividade social urbana a partir do vestígio mais animal de seu exercício: os pés. Essa análise nos faz pensar que, apesar dos constantes avanços tecnológicos, do desenvolvimento dos meios de transporte e do aumento das interações virtuais, o ato de caminhar ainda é muito importante. É quando se está com o corpo na rua em movimento que acontece a troca de olhares, a conversa ao vivo, o toque no outro: sensações corriqueiras que com a pandemia do novo Coronavírus em 2020 foram ressignificadas e ganharam muito mais valor. Ao analisar as cidades genéricas americanas, Rem Koolhaas afirma que elas são destituídas de identidade enquanto as características marcantes de uma cidade derivam de um passado material e podem aprisionar esses centros urbanos num padrão estético eterno. Para Koolhaas, quanto mais forte é a identidade de uma cidade, mais aprisionada num arquétipo ela está: “Paris só pode se tornar mais parisiense – já está a caminho de se tornar hiper-Paris, uma caricatura polida”25.

“A fé estéril de que vestimentas e gestos arcaicos produzirão verdades eternas deixa a arte francesa imobilizada em um ‘abismo de beleza abstrata e indeterminada’ e priva-a de

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originalidade, que só pode advir do ‘selo que o Tempo imprime em todas as gerações’”26

A partir do excerto de Berman em Tudo que é sólido se desmancha no ar, percebe-se certo alinhamento ao pensamento de Koolhaas. Berman expõe que a arte francesa – fortemente ligada à identidade da sociedade francesa – resiste à expansão e reinterpretação, e por isso encontra-se engessada em seus moldes tradicionais. Segundo Koolhaas, a identidade deriva da substância física, do histórico, do contexto e do real, e, de certo modo, propõe que não conseguimos imaginar que algo contemporâneo – feito por nós – contribua para o crescimento ou manutenção da identidade27. Pensando no crescimento exponencial da população humana, Koolhaas afirma que a identidade como modo de compartilhar o passado é uma proposta fadada ao fracasso pois em algum momento ele estará tão “dissolvido” que se esgotará. Isso está materializado e pode ser notado ao observarmos a constante apropriação dos símbolos históricos das cidades consolidadas – como Paris, por exemplo. Sua história está se esvaziando e tem cada vez menos o que partilhar visto que a produção contemporânea não consegue colaborar para o fortalecimento dessa identidade pois ela está presa ao passado.

BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Editora Schwarcz Ltda., 1987, p.153. 26

KOOLHAAS, R. A cidade genérica. In: KOOLHAAS, R. Três textos sobre a cidade. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, SL, 2010, p. 31. 27

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“Será que a Cidade Genérica começou na América? É tão profundamente pouco original que só pode ter sido importada? Em qualquer caso, a Cidade Genérica também existe na Ásia, Europa, Austrália e África.”28

Sem pretender esgotar o assunto e nem comparar Koolhaas à Benjamin, o que nos interessa ao contrapor a flânerie com o conceito de cidades genéricas é comparar a flânerie à cidade de Paris e o footing à cidade genérica. O fenômeno francês carrega características marcantes que compõem a sua identidade, enquanto o footing é um fenômeno contemporâneo, muito menos característico de uma região específica e mais abrangente, retratando a vida globalizada na metrópole. O aspecto que liga o footing às cidades genéricas é o fato de ambos serem reprodutíveis, pois são estruturas compostas por uma repetição infindável do mesmo módulo estrutural simples29: basta estar em um grande centro urbano. O footing e as cidades genéricas funcionam em metrópoles dos cinco continentes do planeta, diferenciando-se – como evidenciado nas fotos acima – apenas pelo idioma das publicidades nos outdoors.

KOOLHAAS, R. A cidade genérica. In: KOOLHAAS, R. Três textos sobre a cidade. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, SL, 2010, p. 36 28

KOOLHAAS, R. Texto citado, p. 38. 29

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Imagem 43 - Footing em Nova Iorque. Foto: Robert Aakerman em dez. 2017.

Imagem 44 - Footing em Tokyo. Foto: Jui-Chi Chan em fev. 2019.

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caminhando por são paulo

KOOLHAAS, R. A cidade genérica. In: KOOLHAAS, R. Três textos sobre a cidade. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, SL, 2010, p. 36 30

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“Será a cidade contemporânea como o aeroporto contemporâneo <igual a todos os outros>? Será possível teorizar esta convergência? E em caso afirmativo, a que configuração definitiva aspira? A convergência é possível apenas à custa do despojamento da identidade. Isso é geralmente visto como uma perda; mas à escala em que isso acontece, tem de significar algo. Quais são as desvantagens da identidade e, inversamente, quais as vantagens da vacuidade? E se esta homogeneização aparentemente acidental – e geralmente deplorada – fosse um processo intencional, um movimento consciente de distanciamento da diferença e aproximação da semelhança? E se estivermos a assistir a um movimento de libertação global: <abaixo o carácter!> O que resta se removermos a identidade? O genérico?” 30

Com a ascensão da globalização alavancada pelo constante crescimento do capitalismo, a hipótese da cidade genérica surge como um possível futuro para as metrópoles de todo o planeta. Essas cidades são espaços onde há grande concentração e movimentação financeira, sedes de grandes empresas, filiais de transnacionais, importantes centros de pesquisas, universidades, aeroportos, bolsa de valores, ampla rede de hotéis, centros de convenções e bancos. Possuem serviços bastante diversificados, como jornais, teatros, cinemas, editoras, agências de publicidade, entre outros. Essas cidades funcionam como centros de influência internacional e estão


no topo da hierarquia urbana de seus países e São Paulo é uma delas. O Estado de São Paulo concentra aproximadamente 20% da população brasileira31, sendo que a região metropolitana conta com cerca de 20 milhões de habitantes e a capital abriga mais de 12 milhões de pessoas. São Paulo pulsa desenvolvimento e se direciona cada dia para mais perto do conceito de cidade genérica. Porém, mesmo com o avanço do processo de esvaziamento da identidade da cidade, marcado pela substituição parcial e constante de seus edifícios, no caminho contrário existem iniciativas que se esforçam para preservar os patrimônios históricos materiais (as edificações) e, por consequência, os imateriais (as tradições e memórias). Em São Paulo o bairro do Bexiga é um exemplo dessa resistência, empenhada através do Conpresp e do instrumento de tombamento mencionados no capítulo anterior. O tema modernização das cidades e da resistência das tradições incide não apenas na teoria contemporânea da cidade genérica, mas também nas reflexões antecessoras sobre a flânerie. Como nota Paola Berenstein Jacques:

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Segundo o IBGE.

“A experiência do flâneur, ao vivenciar a cidade antiga sendo demolida para dar lugar à

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grande cidade modernizada, está diretamente relacionada com o que, de maneiras distintas, a sociologia de Georg Simmel (1858-1918), as crônicas de Siegfried Kracauer (1889-1966) e também, como já vimos, os ensaios de Walter Benjamin (1892-1940), trataram no início dos anos XX como “estado de choque”: o choque da modernidade mas, sobretudo, o choque da transformação da cidade antiga e a emergência da metrópole moderna.” 32

JACQUES, Paola Berenstein. Elogio aos errantes. Salvador: EDUFBA, 2014, p.49. 32

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A abertura dos pavimentos térreos dos edifícios privados ao público no Centro Novo da cidade foi estimulada pelo governo municipal nos anos 1940. Essa ampliação dos passeios públicos contava com a instalação de bares, cafés e lojas que transformaram o caminhar do paulistano em uma atividade mais interessante. Nesse período a flânerie paulistana – já inaugurada pelas ruas de comércio, largos, cafés e pontos de encontro do Centro Velho – é incrementada no despertar das caminhadas por esses portais, galerias e recuos do Centro Novo. Esse momento histórico foi marcado por uma grande efervescência no Centro Novo de São Paulo a partir da abertura das galerias. Existia um forte estilo de vida cosmopolita ligado à área, onde havia diversidade de fluxo de pedestres ao longo do dia inteiro: fosse para trabalhar, estudar ou ter um momento de lazer. A Cinelândia constituída ao longo da Avenida São João desde meados da década de 1930 teve sua contribuição para


Imagem 45 - Flânerie paulistana na rua XV de Novembro em 1901. Foto por autor desconhecido.

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Importante instrumento de autopromoção dos Estados Unidos da América durante a Guerra Fria (19471991). As revistas do período eram recheadas com páginas de publicidade anunciando carros, aparelhos eletrônicos, eletrodomésticos e outros objetos de desejo da modernidade sempre vinculados a emblemas do “sonho americano” de constituir uma nação onde todos os cidadãos teriam direito à vida, liberdade, propriedade e por consequência a busca pela felicidade, com oportunidade para cada um de acordo com seu mérito e capacidades próprios, num contexto fantasioso de progresso e mobilidade social ilimitados. 33

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a agitação local. O Cine Metro (1938), o Cine Art Palácio (1936) – ambos na Avenida São João – e tantos outros atualizavam a flânerie paulistana com suas marquises e foyers. Com a 2ª Guerra Mundial, a região da Cinelândia se tornou o centro irradiador do American way of life33 na cidade, acompanhado pelo consumo de produtos importados dos EUA, o que deu origem a um novo ciclo comercial. A região testemunharia drásticas alterações na lógica econômica e nos padrões culturais brasileiros, que culminou na decadência da Cinelândia paulistana: em 1969 existiam 400 mil televisores no Brasil, o que fez com que atores e atrizes dos filmes e rádios migrassem para as telenovelas, assim como o público, que migrou dos cinemas de rua para as salas de suas casas. A derrocada das grandes salas de cinema de rua (a sala do Cine Art Palácio, por exemplo, tinha capacidade para mais de 3.000 espectadores) é concomitante à do Centro Novo, com isso, inicia-se o declínio e empobrecimento da vida pública. Concomitantemente, existem novos cinemas abrindo em outras regiões da cidade, como o Cine Belas Artes (inaugurado em 1956 como Cine Trianon – na esquina da Avenida Paulista com a Rua da Consolação). Com isso, o pedestre que antes “paulistanamente” flanava pelas ruas do centro foi deslocado para outros espaços.


Imagem 46 - O declínio da demanda popular pelos cinemas de rua fez com que o valor dos ingressos aumentasse mesmo sem melhorias nesses espaços.

Imagem 47 - Cenas do filme “Quando as luzes da marquise se apagam - a história da cinelândia.” Direção: Renato Brandão. Produção: Clara Bastos. São Paulo, 2018, 87 min, livre.

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“As pessoas vão ao shopping principalmente porque podem caminhar por locais tranquilos e seguros, com pisos bem cuidados. As cidades têm muito a aprender com os shoppings. O espaço público deve competir em qualidade e segurança com os corredores dos centros comerciais. Se o lugar para caminhar e ver gente em uma cidade é o shopping, essa cidade está doente.” 34

PEÑALOSA, E. Dito em palestra na Convenção Secovi, em São Paulo, em 01/09/2015. Apud LORES, Raul Juste. São Paulo nas alturas. São Paulo: Três estrelas, 2017, p.161. 34

Em 1998, 91% das salas de cinema em São Paulo encontravam-se dentro de shoppings centers. Esse dado revela que no fim do século XX o lazer e o estilo de vida paulistano estava muito ligado aos shopping centers: sistemas que reproduzem uma cidade artificialmente controlada – limpa, segura e bem iluminada. A ascensão dos shoppings está diretamente ligada ao enfraquecimento da vida pública e, portanto, o da flânerie. Nesse momento a rua transforma-se em um lugar inseguro e ameaçador, perdendo espaço para esses locais segregacionistas e que se fecham para a cidade.

“Assim, o shopping center pode ser entendido como um espaço privado – que se propaga como público – criado para ser uma solução dos problemas da cidade onde reinam desajustes, desigualdades, contradições, imprevistos. Por isso, a cidade pode ser vista como o ‘mundo de fora’ em contraposição ao shopping center, o ‘mundo de dentro’. O ‘mundo de fora’ é

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a ‘realidade real’, o espaço urbano e seu caráter público. Esse mundo contém uma outra realidade construída, o ‘mundo de dentro’, asséptico e isento dos fatores imprevisíveis que agem no ‘mundo de fora’” 35

O enfraquecimento do Centro Novo e da flânerie somados à exaltação de espaços clássicos das cidades genéricas (espaços genéricos), como os shoppings centers, contribui para que São Paulo se adeque cada vez mais à teoria de Rem Koolhaas. Nessa cidade, assim como nas outras cidades genéricas, o footing é realizado como um lazer, um passeio a pé para espairecer. O fenômeno não está necessariamente ligado às vitrines, às marcas e ao consumo, muito menos à formação de uma imagem perante a sociedade de classes como a flânerie. Essa construção de status social também se encontra debilitada no contexto do território paulistano cosmopolita atual em que cada pessoa é anônima na multidão.

PADILHA, V. Shopping center: a catedral das mercadorias. São Paulo: Boitempo, 2006, p. 45. 35

“As flanâncias ocorrem em um momento muito específico de transformações urbanas; vêm do surgimento dessa experiência nova da multidão, do surgimento do turbilhão humano e urbano no século XIX, da experiência física dos corpos que se esbarram, se esquivam, por vezes se acotovelam, da experiência do estranhamento, do estar só em meio a desconhecidos de diferentes classes que,

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juntos, formam uma só massa humana, uma multidão sem rosto, uma uniformidade feita de diferenças, de individualidades, de solidões. Uma multidão que proporciona diversas possibilidades, tanto de encontros quanto de conflitos, de desaparecimentos e de surgimentos. Uma concentração humana que permite uma coexistência não pacificada no espaço público, o confronto entre diferentes, antes separados geograficamente, que entram em contato pela primeira vez na cidade grande. A multidão proporciona uma relação entre anonimato e alteridade que é exatamente o que constitui a própria noção de espaço metropolitano.”36

JACQUES, Paola Berenstein. Elogio aos errantes. Salvador: EDUFBA, 2014, p.56. 36

JACQUES, Paola Berenstein. Texto citado, p.55. 37

SIMMEL, G. A metrópole e a vida mental. In: VELHO, O. O fenômeno Urbano. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967, p. 16. 38

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Segundo Paola Jacques, flânerie e multidão formam um casal37. A multidão, surge da concentração populacional em ascensão nas grandes cidades no século XIX. Contudo, ao pensarmos no contexto paulistano atual e das cidades genéricas num geral, a flânerie – fenômeno do “ver e ser visto” na metrópole – entra em desatino e dá lugar a outros eventos psíquicos como a atitude blasé e a reserva. Essa é classificada por Georg Simmel (1958-1918) como a incapacidade de reagir à novas sensações com a energia apropriada e consiste no embotamento do poder de discriminar38. Segundo o autor, o indivíduo blasé tem uma percepção uniformemente plana e fosca sob as pessoas e objetos à sua volta e os observa como destituídos de substância. Conforme Baudelaire,


“O homem das multidões mergulha incessantemente no seio da multidão: nada com delícia no oceano humano. Quando desde o crepúsculo, repleto de luzes tremulantes, ele foge dos bairros pacificados e busca, ardoroso, aqueles onde fervilha vivamente a matéria humana. À medida que o círculo da luz e da vida se estreita, procura-lhe o centro, inquieto: como os homens do Dilúvio, agarra-se desesperadamente aos últimos pontos culminantes da agitação pública. E isso é tudo. Seria um criminoso que tem horror à solidão? Seria um imbecil que não consegue suportar a si mesmo?”39

Simmel considera que “o dinheiro, com toda sua ausência de cor e indiferença, torna-se o denominador comum de todos os valores e arranca irreparavelmente a essência das coisas, sua individualidade, seu valor específico e sua incomparabilidade”40. Com isso, numa metrópole torna-se indiferente se estamos no meio de uma multidão ou em um lugar vazio: estamos sempre sozinhos pois na atitude blasé reificamos todos os objetos e seres que estão à nossa volta. O autor defende que essa autopreservação do cidadão metropolitano perante o outro funciona como uma reserva41 pessoal e que não age apenas com indiferença, mas também com uma leve aversão, estranheza e repulsão mútuas, que futuramente se transformarão em ódio e luta no momento de um contato mais próximo.

BAUDELAIRE, Charles. Edgard Allan Poe. Sua vida e suas obras. original de 1852. Trad. Joana Angélica D’Ávila Melo e Marcella Montar in: Poesia e Prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar. Apud JACQUES, Paola Berenstein. Elogio aos errantes. Salvador: EDUFBA, 2014, p.53. 39

JACQUES, Paola Berenstein. Texto citado, p.56. 40

SIMMEL, G. A metrópole e a vida mental. In: VELHO, O. O fenômeno Urbano. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967, p. 17. 41

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“Pois a reserva e a indiferença recíprocas e as condições de vida intelectual de grandes círculos nunca são sentidas mais fortemente pelo indivíduo, no impacto que causam em sua independência, do que na multidão mais concentrada na grande cidade. Isso porque a proximidade física e a estreiteza de espaço tornam a distância mental mais visível. Trata-se, obviamente, apenas do reverso dessa liberdade, se, sob certas circunstâncias, a pessoa em nenhum lugar se sente tão solitária e perdida quanto na multidão metropolitana. Pois aqui como em outra parte, não é absolutamente necessário que a liberdade do homem se reflita em sua vida emocional como conforto”42

SIMMEL, G. A metrópole e a vida mental. In: VELHO, O. O fenômeno Urbano. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967, p. 20. 42

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A flânerie cruzou um oceano chegando à América do Norte e depois desceu por terra, chegando à América do Sul. Nesse percurso o fenômeno passou por diversos ajustes e adaptações, tanto no que tange o momento temporal quanto os aspectos culturais num geral. O crescimento populacional e a globalização foram eventos determinantes para a dissolução da flânerie francesa no footing norte-americano e mais tarde no “bater perna” brasileiríssimo. Ao analisarmos essa transformação do fenômeno, percebe-se que a atividade de caminhar a pé na metrópole está cada vez menos ligada à própria cidade e à vida pública. Pelo contrário, a evitamos ao máximo, fechamo-nos em ambientes controlados, limitamos nosso contato aos


familiares e amigos prĂłximos e assim a cada dia construĂ­mos bolhas sociais mais sĂłlidas e restritas.

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LORES, Raul Juste. São Paulo nas alturas. São Paulo: Três estrelas, 2017, p.18. 43

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Recenseamento Geral do Brasil (1º de setembro de 1940). 44

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O século XX foi um período de intensas mudanças no Brasil e, particularmente, em São Paulo. Segundo Raul Lores, em 1920 havia apenas 34 edifícios com mais de cinco andares em todo o território nacional43. Esse número de prédios, quando comparado a Nova Iorque, caberia em um único quarteirão da cidade norte americana (a qual em 1916 já contava com 1.000 prédios de onze a vinte andares). A verticalização das edificações chegou tarde ao Brasil. A produção de cimento em território nacional começou apenas em 1926 e levaria ainda duas décadas para começarmos a produzir aço e elevadores. Para Lores, o crash da Bolsa de Nova Iorque em 1929 foi o pontapé definitivo rumo às mudanças na paisagem urbana brasileira, principalmente ao pensarmos na cidade de São Paulo. A desvalorização do preço do café – que fez com que os palacetes em Higienópolis fossem derrubados para dar lugar a prédios para renda, com apartamentos para a lugar – e o impressionante crescimento populacional das cidades brasileiras foram elementos determinantes para a realização de importantes reformas nas paisagens urbanas. A população do Brasil quebrava recordes de crescimento a cada pesquisa do Censo Demográfico. Saltamos de 30.635.605 habitantes em 1920 para 41.236.315 em 194044 – aumento de 35% em 20 anos. São Paulo e Rio de Janeiro rivalizavam pelo posto de maior cidade do país. A cidade fluminense


Imagem 48 - Censo demográfico do Brasil em 1940. Crescimento populacional estrondoso. Fonte: IBGE.

Imagem 49 - Censo demográfico do Brasil em 1940. Número de brasileiros naturalizados por sexo e grupos de idades segundo países de naturalidade. Fonte: IBGE.

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carregava o posto de capital brasileira desde 1763, enquanto a cidade paulista – com 70% de seus habitantes alfabetizados – chamava a atenção de empresas internacionais que visavam uma filial no Brasil. Nessa época, notava-se um elevado fluxo de pedestres deslocando-se diariamente pelo Centro Novo da capital paulista, que contava com quase 23% dos habitantes do Estado. As pessoas que circulavam pelo centro da cidade integravam diversos grupos: além dos moradores, a região concentrava estudantes, trabalhadores, profissionais liberais, empresários, intelectuais hóspedes dos hotéis e consumidores das lojas especializadas. A “cidade” promovia encontros inusitados nas ruas e passava a atrair uma população interessada na vida social e cultural de seus bares, restaurantes, clubes, teatros e cinemas, muitos deles abrigados nos novos e modernos edifícios, muitos desses abertos para o acesso do público no pavimento térreo. A possibilidade de circular e penetrar pelos térreos dos edifícios privados muitas vezes também era associada à continuidade espacial, ou seja, o prolongamento da vida urbana externa (espaços públicos) para a parte interna de um edifício privado, o que tornava o passeio mais interessante ao pensarmos na integração entre arquitetura e cidade: o abrigo das intempéries é uma gentileza urbana; o comércio nesses novos percursos é uma conveniência. 88


Imagem 50 - Edifício-Galeria Califórnia. Primeiro projeto de Oscar Niemeyer inaugurado em São Paulo em 1953. Foto: Filipe Redondo.

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“Com 8,2 metros de altura, os três pilares em forma de “v” na entrada do edifício-galeria Califórnia, na rua Barão de Itapetininga, impressionavam os transeuntes. Além de servirem de sustentação ao prédio, eles devassavam o térreo de um sinuoso corredor, imponente e arejado, com trinta lojas.”45

LORES, Raul Juste. São Paulo nas alturas. São Paulo: Três estrelas, 2017, p.29. 45

Um exemplo europeu é a Galeria Vivienne, de 1823, em Paris. 46

Os térreos dos edifícios privados liberados para uso público traziam consigo o conceito de uma cidade mais permeável convidativa para o pedestre. A ideia de realizar percursos por dentro das quadras, cortando caminhos e fugindo das intempéries era novidade no Brasil em 1940, mas já acontecia nos espaços urbanos europeus desde o século XIX46. Esses espaços permeáveis funcionavam como área de circulação e de permanência para o público – que podia utilizar-se dos térreos abertos dos edifícios tanto para cortar caminho quanto para desfrutar dos espaços comerciais que se firmavam nesses novos percursos.

“A galeria no térreo foi aberta em novembro de 1953, quando os escritórios do edifício ainda passavam pelos últimos retoques. A cidade tinha pressa, e o Califórnia logo virou um ímã para os modernos. Duas das primeiras galerias de arte da capital se instalaram ali, a Martin Jules e a Sete de Abril. A livraria

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Imagem 51 - Galeria Metrópole em destaque. Projeto de 1956 por Gian Carlo Gasperini e Salvador Candia, inaugurado em 1964. Um exemplar de gentileza com o pedestre e com a cidade: acesso pela Avenida São Luís, Praça Dom José Gaspar e Rua Basílio da Gama. Ortofoto: Geosampa, 2017.

Imagem 52 - Átrio interno da Galeria Metrópole. Projeto de Candia e Gasperini. Foto: Filipe Redondo.

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Triângulo abrigava concorridos lançamentos (...) no 12º andar, havia aulas de design e de moda no Instituto Paulista de Desenho Industrial, criado pelo Museu de Arte Moderna (MAM) e pelo Instituto de Arquitetos de Brasil (IAB). Eventos culturais de todo tipo espalhavam-se pelos corredores do Califórnia, desde a Feira de Arte do Clube dos Artistas e Amigos da Arte à exposição de fotos e pôsteres de cinema do estúdio hollywoodiano Metro Goldwyn Mayer. Para decorar a lateral da galeria, onde ficava a rampa de acesso ao cinema no subsolo, foi instalado um raro mural abstrato de Candido Portinari, com 250m² de pastilhas.”47

Dentre os comércios que se instalavam nesses térreos encontravam-se cafeterias, confeitarias, bares, livrarias etc. Com esse laço entre espaço privado de uso público estabelecido, os térreos adquiriram além da qualidade de espaços de passagem, a de locais de permanência e convivência social onde as pessoas se dirigiam para verem, serem vistas, desfrutar de um tempo de pausa para descanso ou encontros para trocas de ideias.

LORES, Raul Juste. São Paulo nas alturas. São Paulo: Três estrelas, 2017, p.29. 47

“O próprio café, líquido estimulante, relacionava-se diretamente com os novos hábitos da vida moderna. “O café é desde cedo associado ao rito do trabalho, à vida moderna e à cidade. (...) A associação de São Paulo com o café e toda sua gama de conotações logo assumiu uma amplitude simbólica poderosa” (SEVCENKO, 2009, P.83). Cafés e também confeitarias, restaurantes, livrarias, cinemas, galerias de arte

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Imagem 53 - Edifício Grandes Galerias (conhecido como Galeria do Rock). Projetado por Maria Bardelli, inaugurado em 1963. Funciona como passagem coberta para o pedestre deslocar-se do Largo do Paissandú à Rua 24 de Maio. Foto autoral.

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e lojas localizavam-se nos térreos dos edifícios garantindo a presença constante dos habitantes da metrópole.”48

Os térreos livres muitas vezes eram anunciados por meio de recursos arquitetônicos, como o uso de colunatas, portais, galeria ou arcadas abertas. Esses recursos eram utilizados como ambientes para vencer as intempéries e sinalizavam ao público a possibilidade de um espaço permeável ao público no térreo de um edifício privado. Esses elementos, quando associados a cafés, confeitarias e livrarias transformavam um espaço que antes funcionaria apenas como local de passagem em um local também de permanência. As colunatas foram elementos bastante utilizados nas entradas dos cinemas do Centro Novo. Estas, associadas aos cartazes e anúncios de filmes tinham como objetivo atrair o público que circulava nos arredores da Avenida Ipiranga.

FONTENELE, S. Relações entre o traçado urbano e os edifícios modernos no centro de São Paulo. Arquitetura e cidade (1938/1960). São Paulo, 2010, p. 137. 48

“Junto com a Galeria Metrópole, de Candia e Gasperini, as Grandes Galerias – inauguradas em 1963 e posteriormente chamadas Galeria do Rock –, de Maria [Bardelli] e Ermanno [Siffredi], são um feliz exemplar nesse gênero de construção. Seus sete pavimentos recebem luz natural, que desce do

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Imagem 54 - EdifĂ­cio Grandes Galerias (conhecido como Galeria do Rock). Projetado por Maria Bardelli, inaugurado em 1963. Foto: Filipe Redondo.

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topo do prédio, atravessando os rasgos ovalados feitos nas lajes entre os andares, onde ficam as escadas rolantes. Os rasgos aumentam de tamanho à medida que subimos os andares. A luz chega até o subsolo”49

O período entre o fim da década de 1940 e meados de 1960 foi um momento bastante fecundo para a arquitetura em São Paulo. A cidade verticalizava-se rapidamente em quantidade e em qualidade. Os edifícios-galerias eram cada vez mais presentes na cidade. Oscar Niemeyer, Rino Levi, Franz Heep, João Artacho Jurado estão entre arquitetos que assinaram alguns dos mais importantes deles. Mas foi o casal Bardelli que mais se destacou nesse gênero de empreendimento. No centro da cidade, Maria Bardelli e Ermanno Siffredi criaram os edifícios da Galeria Nova Barão, Presidente, Sete de Abril e Grandes Galerias – a Galeria do Rock. A mais conhecida é a sinuosa Galeria do Rock, considerada um “oásis comercial vibrante” em uma área degradada e um exemplo de arquitetura resiliente que sobreviveu aos shoppings-centers. Sua arquitetura é bastante chamativa com suas lajes recortadas e onduladas criando convidativos mirantes para que os visitantes admirem suas duas entradas, uma na Avenida São João e no largo do Paissandu e a outra que leva à rua 24 de Maio.

LORES, Raul Juste. São Paulo nas alturas. São Paulo: Três estrelas, 2017, p.166. 49

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Imagem 55 - Átrio central e paginações de piso da Galeria do Rock. Foto: Filipe Redondo.

Imagem 56 - Jardim interno da Galeria Califórnia, Carlos Lemos, 1953. Foto: Filipe Redondo.

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“O lugar é um agradável mirante até para quem não quer comprar nada. Para os que o veem da rua, o prédio se assemelha a uma enorme vitrine vertical, quase transparente, que atrai o olhar. Em vez de invadir o passeio com uma marquise, suas lojas se retraem, permitindo ainda mais iluminação natural”50

LORES, Raul Juste. São Paulo nas alturas. São Paulo: Três estrelas, 2017, p.168. 50

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Do último andar é possível perceber pelas aberturas nas lajes a delicadeza das variações geométricas no piso desenhado por Bramante Buffoni. O artista plástico assina outra obra do casal, dessa vez um painel na entrada da Galeria Nova Barão, o que mostra a preocupação dos Bardelli em unir arquitetura e artes plásticas em seus edifícios. Esse recurso também foi empregado em outras galerias da região, a Galeria Califórnia de Niemeyer, por exemplo, conta com um jardim interno desenhado por Carlos Lemos com o intuito de presentear os escritórios que lá existiam com uma vista mais gentil do que apenas as janelas de seus vizinhos. As galerias do Centro Novo da cidade de São Paulo erguidas no séc. XX foram desenhadas por excelentes arquitetos e sem dúvida são belos edifícios. No entanto, sua organização em rede e os novos caminhos que inauguraram na cidade – transformando a dinâmica paulistana – é o que as torna extraordinárias. A maioria delas funciona como espaços abertos ao público no pavimento térreo e como salas e apartamentos particulares nas torres


Imagem 57 - Galeria Nova BarĂŁo, Maria Bardelli, 1963. Foto: Adriano Vizoni/Folhapress.

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Prefeitura do Município de São Paulo, 1941. 51

dos andares superiores. A premissa, como qualquer empreendimento particular, era o lucro: máximo aproveitamento do terreno, redução dos custos de condomínio com o aluguel de lojas e aumento da área de vitrines. Ao mesmo tempo esses espaços também serviam como uma generosidade urbana: nasciam novas passagens para os pedestres entre uma rua e outra, criando inúmeras possibilidades de passeios abertos com lojas, cafés, cinemas e bares perfeitos para a abrigar flânerie paulistana. A implantação desses percursos abertos pelos interiores dos pavimentos térreos dos edifícios particulares de São Paulo na década de 1940 foi incentivada pelo poder público a partir do Decreto-lei nº41:

“Art. 9 - As construções com mais de 20 pavimentos deverão ter ao nível do passeio público reentrância (portal, galeria, colunata ou arcada aberta), ocupando, no mínimo, ⅓ da frente do lote, com profundidade e superfície nunca inferiores, respectivamente a 3,5ms e 30m². Parágrafo único - estudará a Prefeitura a concessão oportuna de favores especiais para os prédios que não possuírem corpos super elevados (art. 4) e cujos pavimentos térreos apresentem recuos, galerias, colunatas ou arcadas, equivalentes a uma ampliação dos passeios, utilizáveis para mesas de café, bares, etc.” 51

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Esse decreto operava sobre a Avenida Ipiranga e suas construções, estimulando a criação de espaços de passagem para pedestres nos pavimentos térreos dos edifícios ao longo desta via. Esses espaços funcionariam como novas áreas de convivência no Centro Novo, onde as pessoas poderiam circular ou permanecer. Vale ressaltar que a Prefeitura se utiliza do termo “favores especiais”, oferecendo vantagens aos prédios que se propusessem a ampliar o passeio público para dentro de seus lotes – isso demonstra grande interesse do órgão a construção de tais espaços. FONTENELE, S. Relações entre o traçado urbano e os edifícios modernos no centro de São Paulo. Arquitetura e cidade (1938/1960). São Paulo, 2010, p. 130. 52

“Esta lei demonstra claramente a intenção do governo municipal de criar espaços de convivência. O uso de colunatas, arcadas e recursos nas entradas dos edifícios era um artifício arquitetônico que garantia a proteção no caso de intempéries e sinalizam a possibilidade de ter um espaço permeável nos térreos”52

A adesão dos empreendimentos particulares ao artigo 9 eximia o poder público da responsabilidade de investir em novos espaços de convivência. Nesse sentido, os térreos públicos dos edifícios privados estão diretamente relacionados à vontade da iniciativa privada de construir edifícios cada vez maiores em altura, visando maior

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rentabilidade para esses empreendimentos. Seguindo esse mesmo viés, os espaços de encontro eram sempre ambientes ligados ao consumo (cafés, foyers de cinemas, corredores de galerias comerciais) e não praças ou largos. Diversos autores concordam que ao longo da década de 1960 a intensa vida pública da cidade de São Paulo começou a decair. O trânsito decorrente do boom dos automóveis durante o governo de Juscelino Kubitschek, a inflação do mesmo período e o surgimento de outras opções de lazer em bairros novos – tudo isso agravado com a Ditadura Militar, fez com que espaços como o Centro Novo e outros lugares de vida pública bastante ativa (como a Rua Augusta, por exemplo), decaíssem. Enquanto isso, investidores privados aproveitaram a oportunidade para impulsionar os espaços de entretenimento e convívio que lhes eram interessantes. Três anos após a inauguração da Galeria do Rock, São Paulo ganhava seu primeiro shopping center, o Iguatemi, aberto em 1966 entre os Jardins e a várzea do Rio Pinheiros. Com o minguar da urbanidade e do caminhar na cidade, 53 outros shopping centers foram construídos em São Paulo até os dias de hoje. Esses centros de consumo são muito mais do que um “caixotão genérico” com vitrines e ar-condicionado. O shopping center tornou-se um espaço de lazer em um contexto histórico de mercantilização da diversão. Segundo Padilha, o “shopping 102


Imagem 58 - Shopping Iguatemi em 1967. Foto: Paulo Levi.

Imagem 59 - Shopping Iguatemi em 2020. Foto: Fernando Moraes

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PADILHA, V. Shopping center: a catedral das mercadorias. São Paulo: Boitempo, 2006, p. 48. 53

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center nasce e se desenvolve como centro de consumo no seio da cidade capitalista de forma historicamente entrelaçada com a subordinação do lazer a essa lógica do capital”53. Observa-se então no decorrer do tempo o acúmulo de opções de entretenimento nesses espaços, que passam a abrigar de lojas, cinemas, restaurantes, salões de beleza, parques de diversão, brinquedos, jogos eletrônicos e outros. O atrelamento dessas atividades de lazer ao ambiente de consumo que é um shopping center reforça a lógica capitalista e dá cada vez mais poder às mercadorias, marcas e etiquetas. Para Padilha, o “shopping é um espaço de lazer reificado e potencializado pela publicidade, que exclui aqueles que não podem consumir, além de ignorar a cidadania, o espaço público, a cidade e sua história”. Nesses espaços é enfatizada uma convivência entre “iguais” e o afastamento entre os “diferentes”, economicamente falando. Os shoppings centers funcionam como espaços de consumo que convidam os que tem poder aquisitivo para estar (e consumir) neles e exclui os que não tem a mesma condição econômica. Essa segregação ajuda a construir uma hierarquia entre grupos sociais por critérios como classe, raça e renda, o que demonstra que segregação urbana e desigualdade social são fenômenos interdependentes.


Imagem 60 - “Rolezinho”: encontro de jovens da periferia em shopping center da capital paulista.. Foto: Fabio H. Mendes/Folhapress, 2016.

Imagem 61 - Rolezinho em 2014: “Viemos dar um rolé, fazer amizades, namorar e comprar”. Rolezinho em 2014. Foto: Mila Cordeiro.

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“As marcas são sinais de distinção simbólica há alguns anos não só para os grupos sociais favorecidos, mas também para os grupos da periferia.”54

CASTILHOS, R. B. Subindo o morro: consumo, posição social e distinção entre famílias de classes populares. Dissertação. 2007. 205 f. Programa de Pós-Graduação em Administração, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007. 54

PADILHA, V. Shopping center: a catedral das mercadorias. São Paulo: Boitempo, 2006, p. 106.

Essa “garantia” de segregação é concomitante à construção de uma realidade artificial nos shoppings: substitui-se a cidade real e seus problemas55. No entanto, quando se coloca o “ter” em pé de igualdade ao “ser”, todos querem consumir para se sentirem reconhecidos. Essa extrema valorização dos objetos atinge todas as classes sociais e acaba originando outros fenômenos, como os “rolezinhos” ou uma cultura de ostentação. É nesse sentido que os jovens de periferia buscam a inclusão na lógica de consumo, ostentando objetos de valor com orgulho. Esse sentimento somado ao déficit de equipamentos de lazer e entretenimento nas zonas periféricas da cidade parecem estar no centro do fenômeno dos “rolezinhos”, recorrentes em todo o Brasil nos anos de 2010 a 2015.

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“A realidade é que em muitas cidades do país, não apenas nessas, aconteceu nas últimas décadas um movimento intenso de migração dos espaços comerciais e de lazer para o interior dos shopping centers, com o correspondente esvaziamento crescente dessas mesmas funções nas ruas e praças das cidades. Some-se a isso a total inexistência de


Imagem 62 - Tarde de lazer no “parque” minhocão. Foto: Joel Nogueira/Fotoarena

Imagem 63 - Domingo com a Avenida Paulista fechada para carros e aberta para pedestres. Foto: Leticia Jardim Guedes.

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investimentos na qualidade urbanística dos espaços públicos da maior parte dos bairros de nossas cidades – sobretudo nas periferias – e o resultado está aí: a eclosão de um conflito no interior dos shoppings sobre quais são as formas permitidas – ou proibidas – de se divertir, e quem tem ou não o direito de usar esses espaços.” 56

Raquel Rolnik para YAHOO, Habitat. Rolezinhos e a guerra nos shoppings do interior. 2015. Disponível em < https:// br.noticias.yahoo. com/blogs/habitat/ rolezinhos-e-a-guerra-nos-shoppings-do-interior-011134665. html#more-id> Acesso em 22.04.2020. 56

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Os “rolezinhos” não são a única resposta da sociedade atual à falta de espaços de urbanidade nas cidades de todo o país. Em São Paulo a reinvindicação por esses lugares resultou em políticas, como a abertura exclusiva a pedestres e ciclistas do “parque” Minhocão (elevado Costa e Silva) a partir das 15 horas do sábado até às 6h30 das segundas-feiras (julho de 2015) e da Avenida Paulista aos domingos e feriados das 10h às 18h (outubro 2015). Mesmo sendo ambientes que não foram pensados originalmente com a função de lazer que tem adquirido, percebe-se um grande fluxo de pessoas nos dias de abertura desses espaços ao público. A presença das pessoas nesses lugares, seja nos “rolezinhos” nos shoppings ou nos passeios pela Avenida Paulista ou pelo Minhocão são gritos pela urbanidade. As pessoas querem sair de suas casas, querem ver e ser vistas, querem consumir a cidade e seus pólos de cultura. Estar nesses ambientes é uma manifestação por espaços de ócio, cultura e entretenimento.


A atual atitude do poder público em trazer a população para as ruas não é um ato de benevolência estatal, mas uma resposta às reinvindicações da população em prol de uma cidade mais humana: o famigerado clamor pelo direito à cidade Essas políticas respondem às manifestações da população, mas não são suficientes em número e em qualidade. Pensar a cidade inclui construir espaços de descompressão e troca para seus habitantes com qualidade e planejamento. Isso é responsabilidade do poder público e não pode ser deixado nas mãos da iniciativa privada, pois isso já foi feito no passado e a urbanidade foi prejudicada. São Paulo carrega muitas cidades dentro de uma só e clama por vida pública, por convívio e acesso. O que todos que vivemos nessa metrópole temos em comum? Em algum momento saímos de nossos carros, descemos dos ônibus ou estacionamentos as bicicletas e andamos a pé, mas para isso transformar-se em uma experiência de troca com a cidade precisamos de percursos e espaços mais gentis e convidativos. Por isso a importância do caminho: é na fundamental atividade social urbana (o caminhar) que está nosso denominador comum, o que nos une como seres humanos na escala do pedestre. É preciso transformar o caminhar em uma vivência pois ele nos ajuda a compreender territórios e desenvolver identificação e afeição pela cidade. Investir em vida pública, espaços 109


de convívio e percursos peatonais mais convidativos e seguros colabora para a construção de uma noção de pertencimento à cidade em que vivemos No momento em que a cidade ganha, todos ganhamos também: os que caminham, os que estão no meio do caminho e os que assistem ao caminhar.

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