Malu refinetti 2014

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ACESSO À MORADIA E À CIDADE – UMA REFLEXÃO CYTED (DES)BORDES URBANOS 2014 - Maria Lucia Refinetti Martins – LabHab FAUUSP




Cidades no século XX Princípios e normas Urbanísticas associados ao modernismo, à racionalidade e a um conceito subjacente de “Interesse Público” e de “Bem Estar Coletivo”. Projetos e obras do Poder Público

Normas de “comando e controle”, apoiado em leis de Uso e Ocupação do Solo e Código de Edificações.


Movimento de democratização + Ajustes econômicos

Diálogo com o grande capital + Investimento em ganhos sociais, ampliação do mercado consumidor e melhoria de algumas condições sociais


Nova normativa urbanística incluindo objetivos de democratização das cidades Ley 388 de 1997 – Colômbia

Estatuto da Cidade de 2001 – Brasil Novos instrumentos, formas e procedimentos do Planejamento Urbano. Substituem regras fixas, rígidas por regras negociais. Abre espaço à negociação e se implementa por um modelo baseado na exceção Muitas semelhanças, várias diferenças


O Estatuto da Cidade articula pela primeira vez no país as regulações referentes ao uso e ocupação do solo e à propriedade. Contem tanto instrumentos de recuperação para o poder público de ganhos da valorização urbana (portanto, associando, de algum modo, o estado ao mercado – como na lei colombiana), quanto outros, que procuram “proteger” determinadas áreas em relação ao mercado – como é o caso das ZEIS (Zona Especial de Interesse Social).


A lei colombiana advém basicamente do meio técnicoacadémico, com uma “caixa de ferramentas” composta por instrumentos bastante amplos, coerentes entre si, de planejamento, gestão, jurídicos e financeiros para intervir no território urbano-rural A brasileira é uma costura de demandas de diversos setores sociais do meio urbano e por isso inclui uma gama de instrumentos, que buscam responder às diferentes forças sociais articuladas em torno do “Movimento Nacional pela Reforma Urbana”, que lhe deram origem.


Ambas contêm regras que contemplam o tratamento de exceção:

Facilidades para o setor formal da produção imobiliária Alternativas que visam qualificar e produzir melhorias num amplo quadro de informalidade


Investigar em Medellín e São Paulo a normativa e seus impactos: 1. As exceções para o capital: normas urbanísticas e as novas territorialidades do poder político e econômico – Operações Urbanas (em São Paulo), Planes Parciales (em Medellín)

2. As exceções de caráter social: Zonas Especiais de Interesse Social e Regularização Fundiária (no caso brasileiro) e os Projetos Urbanos Integrais (no caso colombiano).


Constituição de 1998 Emenda Popular da Reforma Urbana Art 182 – Função Social da Propriedade Urbana Art 183 – Usucapião Especial Urbana EC 26 / 2000 – Moradia como Direito Social – Art 6º


Estatuto da Cidade – 2001 Um novo estatuto para a cidade e para a propriedade: Função social da propriedade e da cidade A cidade e a moradia como direitos Relaciona os instrumentos de política urbana Obriga do sistema de controle e acompanhamento

Inclui entre as atribuições do Ministério Público, a ordem urbanística Cria Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano


Ministério das Cidades – 2003 Política Nacional de Habitação Conselho Nacional das Cidades e Câmara Técnica de Habitação

Sistema e Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social Articulação União, Estados, Municípios Exigências para aderir ao SNHIS Fundos e Conselhos Estaduais e Municipais

Planos Estaduais e Municipais de HIS


PAC – Plano de Aceleração do Crescimento mudança na agenda econômica, do controle da inflação e do déficit fiscal, para o o aumento dos investimentos públicos Investimento em Infra-Estrutura: Logística: rodoviária, ferroviária, portuária, hidroviária e aeroportuária Energética: geração e transmissão de energia elétrica, petróleo, gás natural e energias renováveis Social e urbana: luz para todos, saneamento, habitação, metrôs, recursos hídricos Estímulo ao Crédito e ao Financiamento, criação de fundos de investimentos; Desoneração e Aperfeiçoamento do Sistema Tributário; Melhora do Ambiente de Investimento - marco regulatório; Medidas Fiscais de Longo Prazo e valorização do Salário Mínimo


Plano Nacional de Habitação – Planhab 2008 Horizonte temporal de 04 quadriênios: até 2023

CONSIDERA: Déficit, conforme conceito e cálculo Fundação João Pinheiro 2005 Projeções e cenários Capacidade financeira das famílias – grupos de atendimento Distribuição do déficit por estratos Tipologia de Municípios EIXOS ESTRATÉGICOS: Modelo de financiamento e subsídios Política urbana e fundiária Desenho institucional Cadeia produtiva da construção civil


PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA Lançado pelo governo federal em abril de 2009 como MP

Convertido em Lei 11.997, de 07 de julho de 2009

Objetivos Implementação do Plano Nacional de Habitação, construindo 1 milhão de moradias Aumento do acesso das famílias de baixa renda à casa própria Função anticíclica: geração de emprego e renda via construção civil


Programa Minha Casa Minha Vida LEI FEDERAL Nº 11.997 DE 07 DE JULHO DE 2009

CAPÍTULO I DO PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA – PMCMV CAPÍTULO II DO REGISTRO ELETRÔNICO DE IMÓVEIS E DAS CUSTAS E EMOLUMENTOS

CAPÍTULO III DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE ASSENTAMENTOS URBANOS


Na Colômbia, mediante as disposições contidas no Plan de Ordenamiento Territorial (conforme Ley 388), o estado define e agencia as condições para futuras intervenções urbanas sob forma de planes parciales, em que os agentes privados (promotores, incorporadores, proprietários, etc.) formulam e executam os planes, basicamente centrados num uso eficiente e rentável do solo urbano.


Os Planos Parciais se constituem em estratégia de “cooperação” entre o poder político do estado local e o poder econômico exercido por agentes privados e se traduzem em arranjos territoriais para a revalorização de solos em lugares estratégicos e sua transformação espacial a novas territorialidades urbanas. Resulta que o agente público dispõe os elementos para a apropriação de rendas urbanas por parte dos privados.


Sendo um instrumento que concentra espacialmente ações públicas e privadas em determinados perímetros específicos, implementa nesses locais mudanças físicas e sociais, criando ilhas de exceção dentro do tecido urbano regular.


ANTES E DEPOIS DO PLAN PARCIAL DE ARGOS

fonte: MARTINS e RINCÓN. Urbanismo de exceção e transformação da norma: Medellín- Colômbia, São Paulo- Brasil. RII 2014

Setor de Argos Setor que se transformou de uso industrial a uso de serviços, comercial e financeiro. Direita: Edificio Bancolombia, localizado à margem do rio Medellín, solos de alto valor


MORAVIA: ANTIGO ATERRO DE LIXO, RELOCAÇÃO E RESTAURAÇÃO AMBIENTAL


NARANJAL: RENOVAÇÃO URBANA. ABAIXO: USOS INFORMAIS ATUAIS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO AUTOMOTOR, RELOCAÇÃO DE POPULAÇÃO E OFERTA DE HABITAÇÕES PARA CLASE MEDIA, MEDIAALTA


CENTRO: PRAÇA PÚBLICA CUJO USO ERA PARA MANIFESTAÇÕES E ENCONTROS PÚBLICOS. HOJE PRAÇA DAS LUZES, CUJAS 300 TORRES IMPEDEM O USO ANTERIOR. FAZ PARTE DA RENOVAÇÃO DO CENTRO


O correspondente aos Planos Parciais, em São Paulo, são as Operações Urbanas, definidas no Estatuto da Cidade como o “conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental” (art 32, § 1º).


Em ambos os casos – Medellín e São Paulo, o que se observa é a implantação dessas intervenções em regiões muito específicas da cidade: na zona sul de Medellín, especificamente nas comunas El Poblado, Guayabal e Belén e na zona centro-leste e nas margens do Río Medellín, eixo de valorização imobiliária que conecta vários dos Planos Parciais. Em São Paulo, as operações em curso se encontram no quadrante sudoeste da cidade, região de maior valorização.


As Operações Urbanas Consorciadas configuramse como recortes no tecido urbano regular, em que podem ser previstas medidas como: modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, bem como alterações das normas edilícias, considerado o impacto ambiental delas decorrente; a regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente.


A proposta de Operação Urbana, com seu conjunto de intervenções deve ser aprovada por lei municipal. Essa lei poderá prever a emissão pelo Município de quantidade determinada de certificados de potencial adicional de construção - CEPAC, que serão alienados em leilão e utilizados diretamente no pagamento das obras necessárias à própria operação.





Os CEPACs podem ser livremente negociados, mas conversíveis em direito de construir unicamente na área objeto da operação. Sua aquisição, em leilões públicos, pode ser feita desvinculada de um projeto de edificação específico, o que permite a seu adquirente utilizá-lo onde e quando quiser (desde que dentro do perímetro da Operação). Isso acarreta imprevisibilidade em relação à produção e impossibilidade de acompanhamento pela sociedade quanto à regularidade, já que os referenciais do que é permitido, em que quantidade e onde, são extremamente vagos e dependem da forma como o interessado aplicar seu potencial construtivo adicional, adquirido como outorga onerosa.


No caso de São Paulo, o contraponto às Operações Urbanas são as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). São parcelas de área urbana instituída pelo Plano Diretor, destinadas à moradia de população de baixa renda e sujeita a regras específicas de parcelamento, uso e ocupação do solo.

Assim como as Operações Urbanas, são também recortes delimitados no tecido urbano regular. De modo oposto ao objetivo das Operações Urbanas, que têm por perspectiva a valorização do território, as ZEIS se caracterizam como reserva para a implantação de Habitação de Interesse Social. De certa forma contêm a idéia de “proteção” em relação ao mercado e à especulação.


ZEIS – ZONAS ESPECIAIS DE INTERESSE SOCIAL Versão integrante dos Planos Regionais Estratégicos das Subprefeituras de São Paulo


POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO Versão integrante do Plano Diretor Estratégico do município de São Paulo


Apesar de em São Paulo serem cinco as modalidades de ZEIS, para não entrar em detalhes, podem ser simplificadas em dois tipos: aquelas que se destinam a provisão de novas unidades (ZEIS 2, 3, 4 e 5) e a ZEIS 1, de regularização.

A Regularização Fundiária de Interesse Social consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia e um meio ambiente equilibrado.


Nesses perímetros, para acomodar a ocupação já existente, auto-construída, informal, mas contendo grande investimento pessoal de seus ocupantes na edificação das moradias, as exigências regulares, são substituídas por Plano de Regularização que inclua melhorias ainda que em padrão abaixo das normas, que são flexibilizadas


Nesse campo, existe um paralelismo com Medellín, porém com menos semelhanças do que aquele que ocorre entre Operações Urbanas e Planes Parciales. Em Medellín hoje estão presentes os PUIs (Proyectos Urbanos Integrales), surgidos a partir de 2004. Anteriormente, em 2000 foram formulados Planes de Regularización y Legalización Urbanística (PRLU), como instrumentos de planejamento e gestão territorial nos assentamentos de “desenvolvimento incompleto”. Esses planos, que se assemelham às políticas brasileiras, ficaram, no entanto na maioria, na etapa de diagnósticos ou estudos técnicos.


Os Proyectos Urbanos Integrales surgem como una das principais ações de transformação urbana da cidade e estratégia de intervenção física nos setores informais. Por seu grande e rápido impacto em termos físico-espaciais e grande apoio do governo urbano, os PUI ganharam importância em relação aos Planos de Regularização e Legalização Urbanística. O PUI foi concebido como um instrumento de planejamento e intervenção física de grande porte em zonas caracterizadas por altos índices de marginalidade, segregação, pobreza e violência. Escolheu a comuna noroeste como primeiro piloto. Inaugurou-se aí um sistema de transporte de media capacidade, o Metrocable, que por teleférico conecta a cidade informal ao Metro.



URBANISMO SOCIAL NAS PERIFERIAS


• As intervenções em diferentes zonas da cidade, através de grandes obras e projetos, não tiveram como propósito impactar as desigualdades sociaies


Em Medellín os PUIs, acompanhados de grandes obras de infraestrutura e de equipamentos sociais e espaços públicos na periferia, articulados aos metrocables projetaram a cidade internacionalmente, como modelo de desenvolvimento urbano e cidade inovadora. No entanto, dez anos depois de implementado esse modelo, os projetos implicaram em deslocamento de população devido ao aumento do custo de vida e geraram especulação no preço da terra tornndo-se atrativos para o setor imobiliário.


Em São Paulo (incluída Região Metropolitana), a Regularização de loteamentos informais e a Urbanização de favelas mantêm a população em seu local, assegurando direitos e melhorias, mas configurando uma cidade de menor qualidade. Acolhe e legitima a situação real, mas não garante a integral formalidade e inclusão.



Assentamentos Precários e/ou Irregulares de SBC

TIPOS DE SITUAÇÃO URBANO-HABITACIONAL

Tipologia 1

Tipologia 4

Assentamentos Consolidados que demandam Regularização Fundiária

Assentamentos Irregulares e Precários Consolidáveis cuja solução demanda obras complexas e percentual significativo (40%) de remoções

Tipologia 2 Assentamentos Irregulares, parcialmente urbanizados cuja regularização não depende de obras

Tipologia 5 Assentamentos Irregulares Não Consolidáveis

Tipologia 3

Tipologia 6

Assentamentos Irregulares, parcialmente urbanizados, cuja regularização demanda remoções pontuais

Conjuntos Habitacionais Públicos


UMA AVALIAÇÃO

UM NOVO ESTATUTO PARA A CIDADE E PARA A PROPRIEDADE Estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bemestar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. (Art. 1º, Parágrafo único) A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana (Art. 2º):


Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta Lei.


RELACIONA OS INSTRUMENTOS DE POLÍTICA URBANA Relaciona velhos e novos instrumentos e define os seguintes novos: Os que obrigatoriamente devem constar do Plano Diretor para que possam ser utilizados • Utilização compulsória e IPTU Progressivo no Tempo • Instrumentos negociais Os que se aplicam de imediato, não dependendo de Plano Diretor Impacto de vizinhança (exige Lei Municipal) • Usucapião Especial de Imóvel Urbanao • Concessão de uso especial para fins de moradia • Consórcio imobiliário para viabilizar financeiramente o aproveitamento de imóvel


Art. 4º Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos: I - planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; II - planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões; III - planejamento municipal, em especial: a) plano diretor; b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo; c) zoneamento ambiental; d) plano plurianual; e) diretrizes orçamentárias e orçamento anual; f) gestão orçamentária participativa; g) planos, programas e projetos setoriais; h) planos de desenvolvimento econômico e social; IV - institutos tributários e financeiros: a) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana - IPTU; b) contribuição de melhoria; c) incentivos e benefícios fiscais e financeiros;


V - institutos jurídicos e políticos: a) desapropriação; b) servidão administrativa; c) limitações administrativas; d) tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano; e) instituição de unidades de conservação; f) instituição de zonas especiais de interesse social; g) concessão de direito real de uso; h) concessão de uso especial para fins de moradia; i) parcelamento, edificação ou utilização compulsórios; j) usucapião especial de imóvel urbano; l) direito de superfície; m) direito de preempção; n) outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso; o) transferência do direito de construir; p) operações urbanas consorciadas; q) regularização fundiária; r) assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos; s) referendo popular e plebiscito; VI - estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e de vizinhança (EIV).


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