16.18 - Formando um designer

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16,18

FORMANDO UM

DESIGNER



16,18

FORMANDO UM

DESIGNER

VIVIEN REIS

editora prรกxis



À TODOS OS IMPRESSOS



Práxis, 2016 Vivien Reis, 2016 Coordenação editorial VIVIEN REIS Design editorial VIVIEN REIS Revisão VIVIEN REIS Projeto gráfico VIVIEN REIS Tratamento de imagens VIVIEN REIS 1ª impressão, 2016

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) (CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO, SP, BRASIL)

REIS, VIVIEN (1992-) 16,18 - FORMANDO UM DESIGNER ORGANIZADORA: VIVIEN REIS SÃO PAULO: PRÁXIS, 2016 96 PP. VÁRIOS AUTORES BIBLIOGRAFIA ISBN 978-7503-428-6 1. DESIGN GRÁFICO 2. DESIGN EM AULA 3. EDITORAÇÃO

ÍNDICES PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO: 1. BRASIL: DESIGN GRÁFICO: ANÁLISE 741,60981 2. DESIGN GRAFICO BRASILEIRO: ANÁLISE 741,60981

Práxis Rua Marechal Deodoro, 295, 8º andar. 04738-000 São Paulo SP (55 11) 991 059 364 editorapraxis.com.br Atendimento ao professor (55 11) 991 059 765 NESTA EDIÇÃO, RESPEITOU-SE O NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA


12 o que este livro quer dizer

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16 as exposições universais e a reconstrução do tempo

TEORIA

26 bauhaus: pedagogia para o design

48

58 PRÁTICA

o minimalismo e o design minimalista

sumário


60 A PRODUÇÃO DE UM LIVRO INDEPENDENTE

70

74 PRODUÇÃO

O DESIGN DO TEXTO

80 TIPOGRAFIA

88

90 PERCEPÇÃO

VOCÊ ESTÁ DEMITIDO E NÃO SABE

92 O MUNDO CODIFICADO

106 MULTIDISCIPLINARIDADE

112 A ARTICULAÇÃO SIMBÓLICA



“os detalhes

não são os detalhes. eles fazem o design.

charles

eames


A

partir do briefing inicial, no qual cada professor disponibilizaria um texto referente à matéria dada no semestre em questão e nós teríamos que organizá-los de alguma forma, surge a ideia de discutir o processo de formação que nós alunos nos colocamos em prol sermos profissionais mais versáteis e completos. Sendo um árduo caminho a se trilhar, é essencial que este seja dividido, para melhor compreensão, em partes o mais didáticas possíveis. Se tratando de um trabalho de projeto gráfico, é consistente também, usar o máximo de ferramentas gráficas possíveis para explicitar o conceito.

O QUE ESTE LIVRO QUER DIZER

POR VIVIEN REIS

A publicação é um comentário sobre a gradualidade do processo de aprendizado, que se torna mais difícil com o passar do tempo. Isso porque a aquisição de repertório se torna mais complexa e deve vir de uma vontade individual. Assimilando o meu próprio desenvolvimento, dividi o livro em três partes (talvez simplistas em seus nomes): teoria, prática e percepção. A quantidade de textos em cada capítulo, supostamente, no início do projeto, se mantinha na escala 03,05,07 (também gradual). Porém, um paradoxo foi percebido. A prática é um processo finito. Por exemplo, quando se aprende toda a técnica do InDesign, não é mais necessário aprendê-la. Já a teoria e a percepção, muitas vezes andam lado a lado. E não se esgotam facilmente. Por isso, o sistema toma a escala 03,05,03; em menção à esta essencial ligação. Para o projeto gráfico, apenas uma matiz - azul - com tons diferentes. Quanto mais complexa a formação do tom, mais complexo é o conteúdo


por ela envolto. As imagens também seguem um padrão gradual de compreensão: se apresentam por meio de fotografias, depois formatam o próprio texto e, por último, somem completamente (para amplificar a imparcialidade do conteúdo). Na primeira parte, teoria, são exemplificados textos básicos, de fundamentação histórica. Textos necessários à introdução do assunto design para qualquer aluno, que são entendidos facilmente. Em questões gráficas, o azul toma um tom claro e as imagens são fotografias de época, que ilustram o estilo de cada texto. No caso, foi selecionado o texto da professora Patrícia Fonseca e adicionados mais dois (sobre assuntos que me identifico mais - Bauhaus e Minimalismo). Para a segunda parte, prática, foram dispostos o restante dos textos indicados pelos professores - pelo caráter técnico e didático. A estrutura do texto é imagética, em blocos, com o movimento apropriado para prender a atenção do leitor. O azul entra com um tom mais escuro que o capítulo anterior, dessa vez também sendo usado no fundo da escrita. Por fim, no último capítuo - percepção - selecionei textos que foram de alguma forma importantes para a minha formação. Estes seguem sem nenhum tipo de imagem, para não influenciar na leitura, muito menos na apreensão do que estes significam. O azul entra escuro, como se tivessemos chegado numa parte mais profunda do conhecimento. É essencial pensar que cada aluno tem uma formação diferente, mas que a construção de repertório muitas vezes segue a mesma estrutura lógica. O design também a segue e para sermos profissionais completos, devemos entendê-la.

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TEORIA

processo 01


AS EXPOSICOES

UNIVERSAIS

E A RECONSTRUÇÃO

DO TEMPO POR PATRICIA FONSECA


E

m 1872, quando Phileas Fogg saiu de Londres para cruzar o mundo em 80 dias, a era industrial andava a passos rápidos. As pessoas já estavam se habituando a ter máquinas ao redor de si, como a máquina de costura doméstica, os teares de produção de tecidos diversos, as locomotivas a vapor. A vida mode­rna se desenrolava rapidamente, e habituar-se à sua crescente velocidade era estonteante às vezes, mas necessário. A modernidade mudava o tempo da vida diária, apressava-a, exigia ordem e exatidão: quando Passepartout, o fiel e diligente criado do Sr. Fogg, orgulhava-se da precisão mecânica de seu patrão, esse orgulho retratava o pensamento pragmático/tecnicista que se instalava na sociedade recém industrializada, da qual o criado francês se comprazia em fazer parte. Vinte e um anos antes, a Grande Exposição Universal havia sacudido a capital inglesa, trazendo transformações que afetariam a vida cotidiana em níveis diversos. A partir dela, a ideia do progresso através da mecani­zação da sociedade, a crença de que a tecnologia seria a resposta para os problemas sociais futuros e, principalmente, o estabelecimento de uma identidade nacional mediada pelo desenvolvimento industrial tornaram-se metas gover­namentais das nações que outorgavam para si a posição de líderes mundiais.

Este texto pretende discutir como as Exposições Universais estabeleceram novos para­digmas não somente para estas nações, mas para as ideias de progresso e futuro que irão se desenvolver ao longo do século XX. Pretende­mos também delinear como as Expos (como passaram a ser conhecidas) ajudaram a estabelecer a noção moder­ na de um mundo de fronteiras cada vez mais próximas e de um tempo reconstruído em intervalos cada vez mais curtos.

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DESENHO DA EXPOSIÇÃO UNIVERSAL DE LONDRES

1851

AS EXPOSICOES UNIVERSAIS


“Isto é exatamente o que eu queria! Ah , nós nos daremos bem, o Sr. Fogg e eu! Que cavalheiro doméstico e regrado! Uma verdadeira máquina! Bem, eu não me importo de servir uma máquina.”


A Grande Exposição Universal de 1851: o império têm urgência O pioneirismo em montar uma exposição para apresentar novos produtos e invenções pertence aos franceses: desde 1798 eles montavam mostras periodicamente, mas elas costumavam ser “uma mistura agradável de produtos agrícolas, invenções mais ou menos convincentes, objetos de arte e bibelôs à venda.” Estas mostras eram de cunho nacional: “as nações estrangeiras não eram convidadas: os ‘industriais’ franceses não queriam se esbarrar na concorrência”. A exibição inglesa de 1851 quebrou a monotonia: intitulada A Grande Exposição dos Trabalhos da Indústria de Todas as Nações, ela mudou os parâmetros de montagem de mostras expositivas. Sua primeira inovação foi convidar outras nações a exibirem suas criações: 32 países teriam participado da mostra, segundo nos informa JACKSON (2008). A mostra rompeu escalas, a começar com a grandiosidade do edifício que a abrigou: “uma estrutura gigantesca de ferro e vidro cobrindo mais de sete hectares de terreno, com um vasto espaço interior onde caberiam quatro igrejas do tamanho da catedral de St. Paul”. Nomeado Palácio da Grande Exposição dos Trabalhos da Indústria de Todas as Nações, o edifício foi apelidado de Palácio de Cristal pela revista inglesa Punch. Montado em cinco meses e meio apenas, ele era “magnífico; porém mais ainda por ser tão repentino, tão surpreendente por ser todo de vidro, tão gloriosa e inesperadamente real”. A rapidez com que foi montado ilustrava a velocidade que a modernidade impunha às novas sociedades industriais: a urgência em sua construção espelhava a urgência de uma nação que apressava o passo e colocava-se à frente dos demais países do continente europeu. Em seis meses, a mostra recebeu 6 milhões de visitantes, um número impressionante para a época. Mas se a mostra de 1851 apresentava uma escala suprahumana e números exponenciais, foi a sua influência no cotidiano das pessoas comuns um dos seus maiores legados. O encanto que a mostra causava nos visitantes era notável, e visitá-la era quase uma obrigação: BRYSON nos relata o caso de da Sr.ª Callinack, “de 85 anos, ganhou fama ao vir a pé desde a Cornualha, caminhando quatrocentos quilômetros”. O maravilhamento das pessoas começava com o edifício, a maior construção em vidro já feita até então. Sua monumentalidade foi alcançada graças aos avanços da Re­ volução Industrial, cujo desenvolvimento tecnológico tornou possível a utilização do ferro pré-moldado e dos paineis de vidro em grandes estruturas arquitetônicas. O fato de ser todo em vidro AS EXPOSICOES UNIVERSAIS

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dava ao edifício uma atmosfera especial, uma aura espectral, quase fantasmagórica. Uma vez passado o torpor causado pela monumentalidade da construção, o visitante se encantava com os produtos expostos: as máquinas apresentadas na Exposição prometiam organizar as tarefas diárias, tornando-as mais rápidas e eficientes: “quase todas as máquinas faziam coisas que o mundo desejava ardentemente que as máquinas fizessem - arrancar pregos, talhar pedras, moldar velas de cera - (...) com tanta precisão, presteza e incansável confia­bilidade (...)”. A exibição trazia ainda a ideia de um mundo encurtado, menor: em uma única visita era possível ver pavilhões de países distantes como o Egito, a Índia, a Turquia. Para a maior parte dos visitantes, a possibilidade de entrar em contato com culturas tão diversas era fascinante, algo impensável até há pouco tempo. Esta variedade de informações e proximidades possibilitava novas apreensões de sentidos e olhares, e interferia com a própria noção tempo/distância: países longínquos a passos de distância, máquinas que só estariam presentes no mercado dali a meses, ou mesmo anos. O futuro era presentificado, as distâncias continentais inexistiam. Para o homem comum de meados do século XIX, cuja vida inteira se passava, muito provavelmente, em uma única cidade e às vezes em um único bairro ou distrito, visitar uma exposição universal era uma experiência transformadora. O próprio ato de se deslocar até a exposição, já propiciava, por si só, o vivenciar de um lampejo da modernidade: na nova era das máquinas, deslocar-se, viver a cidade e suas transformações são os fundamentos da nova época. Como afirma ORTIZ (1991), “o princípio de ‘circulação’ é um elemento estruturante da modernidade que emerge no século XIX.”

FOTOS DA EXPOSIÇÃO UNIVERSAL DE PARIS

1889


A modernidade se instala: as exposições e a vertigem dos deslocamentos

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Quando Napoleão III se instalou no poder em 1852, projetos de modernidade estavam em seus planos: entre eles, a realização da Exposição Universal de 1855. Ela não foi um sucesso como a exposição inglesa de 1851, mas sua ocorrência e aquelas que a seguirão vão marcar o tom das próximas exposições internacionais: se foi a Grande Exposição que estabeleceu o modelo pelo qual as exposições internacionais passaram a ser julgadas, foram os eventos parisienses que elevaram os padrões. Entre 1855 e 1900 a capital francesa hospedou cinco Expositions Universelles, cada uma mais exuberante que a outra. (JACKSON 2008, p. 16-17.) Mesmo não sendo tão grandiosa como a mostra de 1851, a mostra de 1855 espantava os visitantes ao apresentar-lhes a fotografia e a “aplicação doméstica da eletricidade”. Na exposição de 1867, as fronteiras entre os países se tornam cada vez menores, possibilitando os visitantes transitarem de uma cultura à outra em minutos. O experimentar outras culturas era mediado também pelo olfato e paladar: o Champs de Mars fica aberto até a meia noite e se torna, por cinco meses, o ponto de encontro preferido dos parisienses. Entre as centenas de restaurantes que se encontra ao longo do passeio de um quilômetro que contorna o palácio das Indústrias e o parque, havia um café argelino, um café holandês, um lugar para degustar curaçao, um restaurante prussiano que serve os vinhos do Reno, uma brasserie vienense, uma loja de refrescos suíça (...). O café sueco servia ponche; o restaurante russo, caviar e salmão cru. Ainda há os restaurantes italianos, turcos, romanos, marroquinos... e um café dos Estados Unidos onde os parisienses se espremiam para degustar soda com sorvete”. (AGEORGES 2008, p. 36) As mais novas tecnologias serão exibidas nas Expos: na mostra de 1878, a iluminação elétrica foi instalada na Avenue d’Opera e na Place de l’Opera. A eletricidade ampliava as possibilidades da noite como espaço de entretenimento: o tempo diário se estendia, o dia se alongava. Em 1889, na Expo que comemorava o centenário da Revolução Francesa, seus maiores trunfos foram duas joias arquitetônicas que competiam com a engenhosidade do Palácio de Cristal e glorificavam o poder da máquina: a Galerie des Machines e a torre Eiffel. A exposição, apesar da recusa de alguns países em participar de um evento que comemorava uma revolução, foi um triunfo: 32 milhões de pessoas a visitaram (JACKSON 2006). A exposição celebrava a arquitetura do ferro, que já havia sido glorificada com a construção do Palácio de Cristal em 1851. Mesmo com um antecedente deste porte, a construção da torre Eiffel foi um espanto: com seus 320m de altura, ela causava vertigens nos visitantes. Sua iluminação elétrica também foi AS EXPOSICOES UNIVERSAIS


um sucesso: milhares de lâmpadas a adornavam, enquanto um raio tricolor saía de seu topo e iluminava os céus todas as noites. A mostra de 1900, ao raiar do novo século, confirmou as mudanças nos deslocamentos espaço/tempo causadas pelas novas tecnologias. Uma nova estação de trem, a Gare d’Orleans, foi construída para receber os visitantes, possibilitando que habitantes de localidades mais distantes chegassem com maior conforto, desembarcando nas proximidades mostra. Próximo à nova estação, e fazendo parte do complexo de edifícios montados para a Expo, foi construído um hotel. A primeira linha de metrô parisiense foi inaugurada e uma calçada ambulante transportava os visitantes entre pontos importantes da exposição. Não havia tempo a perder: os deslocamentos mais rápidos se faziam necessários, e a exposição foi um emblema disto. “A rapidez e a quebra das fronteiras representam o espírito de uma época; elas expressam uma aceleração da vida social”. No topo do Palácio da Eletricidade, uma estátua de 6,5 metros segurava uma tocha que disparava um facho de luz de 50.000 volts. A eletricidade, glorificada na exposição, já havia mudado transformado a noção de pertencimento ao mundo. Como escreve Bodanis, antes da eletricidade, o tempo era uma coisa local, mutável, pessoal. Os relógios de Nova York e Baltimore, por exemplo, tinham uma defasagem de vários minutos, pois estavam em diferentes latitudes e o meio-dia chegava um pouco mais tarde em Baltimore. Cada cidade era um mundo em separado, e assim era legítimo pensar que um indivíduo andando aqui ou ali, ou trabalhando na sua fazenda isolada em algum lugar, era parte de um mundo igualmente separado. Mas agora esses mundos podiam sincronizar-se e, onde quer que alguém estivesse, ele sabia como ajustar-se ao “controle” preciso e universal do tempo perdido. (BODANIS 2008, p. 33) A mostra de 1900 foi montada em uma Paris bem diferente daquela que recebeu a exposição de 1855. O processo de reurbanização conduzido por Georges Haussmann durante o Segundo Império havia deixado a cidade mais rápida, pois as novas avenidas reduziram o tempo gasto nos deslocamentos. Flanar pela cidade havia se tornado um hábito de seus moradores, não mais circunscritos a pequenas distâncias entre os bairros em que moravam. Os pavilhões da mostra de 1900 e o deslocar-se entre eles eram um retrato desta cidade feérica, que exigia trilhos e relógios: “antes da estrada de ferro, possuir um relógio era um sinal de riqueza; desde então, tornou-se uma prova de civilização.”


O século XX: o futuro instaurado pelas Expos

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A exposição de 1900 inaugurou um século que será pautado pela inovação tecnológica e pela construção do futuro. As expos subsequentes, realizadas em várias partes do mundo, reafirmaram este posicionamento. Mas nenhuma delas talvez tenha levado a ideia do futuro de maneira tão ousada e completa como a exposição de 1939, realizada em Nova York. Com o slogan “O Amanhã é Hoje”, a feira de 39 foi pautada pela vontade norte-americana de mostrar que os difíceis anos de depressão econômica já tinham sido superados. “Construindo o mundo de amanhã com as ferramentas de hoje”: a nação agora mirava o futuro e mostrava ao mundo que, se havia um país pronto para chegar lá primeiro, estes seriam os Estados Unidos da América. O empe­nho do governo norte-americano em mostrar seu avanço tecnológico mostrava uma nação sôfrega por adiantar-se no tempo, como se a feira fosse um túnel que levaria a um futuro feliz, de irmandade entre os povos, onde todas as imperfeições seriam sanadas pela tecnologia. As empresas americanas esmeraram-se: no pavilhão da Westinghouse Electric, o público era recebido por Elektro, um robô de aproximadamente 2m de altura que respondia a pequenos comandos e conseguia entabular uma conversa com seu interlocutor. As montadoras de automóveis não ficaram atrás: assim como na mostra de 1900, inovações na mobilidade e no transporte individual e coletivos eram o cerne das questões ligadas à projeção da vida no futuro. A GM apresentou Futurama, cidade projetada pelo designer Norman Bel Geddes, montada em uma imensa maquete que se estendia por mais de 3.000m2. JACKSON nos descreve a experiência com a cidade imaginada: do conforto de poltronas que se moviam, os visitantes podiam ver o mundo em 1960, enquanto escutavam um comentário sobre as virtudes da América do futuro, melhorada pelas autoestradas avançadas e carros sofisticados. Os visitantes saíam por um display dos últimos lançamentos automobilísticos da General Motors e recebiam um broche que orgulhosamente aclamava “eu vi o futuro”. (JACKSON 2008, p. 109) A feira de 1939 presentificava o sonho pensado em 1851: a crença em um mundo melhor, uma época futura em que a humanidade, sob os auspícios da máquina e da tecnologia, caminharia para uma era de paz e cooperação internacional. A Segunda Guerra Mundial irrompeu antes do término da feira, adiando os sonhos.

AS EXPOSICOES UNIVERSAIS


O LEGADO DAS EXPOS CLARK ( 2004), comentando a respeito da pintura de Manet sobre a exposição Universal de 1867, afirma que “ninguém acredita propriamente em uma Exposição, pelo menos não na sua pretensão de representar o mundo” . Difícil concordar com esta afirmação, quando se pensa na história das Exposições Universais. Seus organizadores e público acreditavam nas mostras, nas experiências que elas proporcionavam. Mais ainda, acreditavam no poder transformador destas experiências. O número de visitantes alcançado pelas principais feiras atesta esta crença. Seja pela vontade de se inteirarem do mundo em que viviam, de entender sua época, de pensarem o futuro, os visitantes acorriam às mostras desejando, por instantes, serem raptados da realidade em que viviam, serem transportados para outro espaço, para outro tempo. Quanto aos organizadores, planejar o futuro, trazê-lo para o presente, torná-lo possível em uma brecha do espaço/ tempo: as feiras proporcionavam esta ilusão, tão real para muitos. Em seus oitenta dias de viagem ao redor do globo, Phileas Fogg e Passepartout acreditaram no poder do tempo cronometrado, da ordem, da máquina e conseguiram que o até então impossível acontecesse. Se algum viajante do tempo lhes contasse sobre a futura conversa do robô Elektro com a srª Ellias, em 1939, eles provavelmente não se espantariam. Mas talvez se perguntassem porque ela teria demorado tanto tempo para acontecer.

FOTO DA EXPOSIÇÃO UNIVERSAL DE CHICAGO

1893

FOTO DA EXPOSIÇÃO UNIVERSAL DE LONDRES

1851



BAUHAUS:

PEDAGOGIA

PARA O DESIGN POR Sônia ribeiro


C

omemoraram-se, no ano de 2009, os noventa anos da fundação da Bauhaus, escola criada na Alemanha que, tendo existido por apenas 14 anos, tornou-se importante contribuição para a arte e a cultura internacional da modernidade, no início do século XX. E, é exatamente pela relevância da Bauhaus que o tema mantém-se atraente para aqueles que atuam na área do design e da arquitetura, tendo, no caso, levado à pesquisa “Bauhaus: a influência de sua pedagogia para o ensino do design”, cujos resultados, são apresentados neste artigo. Contudo, esta pesquisa não objetivou uma crítica e nem tão pouco esgotar o assunto, mas sim a compreensão do contexto que levou à fundação da Bauhaus e à pedagogia adotada, pressupondo-se que a pedagogia bauhausiana foi determinante para o ensino do design moderno. Assim, buscou-se avaliar como a prática pedagógica da escola alemã influenciou o ensino do design1, visto que a pedagogia da escola alemã rompeu, na época, com as formas de ensino tradicionais em artes e ofícios. Quando a Bauhaus – termo alemão que significa literalmente “casa para construção” – surgiu no ano de 19192, em Weimar, Alemanha, o mundo moderno vivia o ápice das mudanças trazidas a partir da primeira Revolução Industrial. No final do século XIX e inicio do século XX, vivenciava-se o ápice de idéias e inquietudes trazidas com os amplos e diversos acontecimentos nas ciências, nas artes, na política, na economia, na produção industrial e na estrutura e vida social daquele tempo. A relação de distância fora drasticamente alterada com a invenção de meios de transportes mais rápidos. Assim o fazer em série e a velocidade entraram definitivamente, na vida de todos. Tudo começava a ser pensado e feito em “massa”. Teoricamente, o homem ao ser substituído pela máquina, no trabalho braçal, teria mais tempo para se dedicar aos “prazeres” da vida. Moholy-Nagy, em seu livro “La nueva visión”, lembra que a industrialização foi uma armadilha da modernidade, pois o tempo livre passou a ser cada vez mais reduzido. Lançando mão das palavras de Pevsner (2002, p. 3), [...] o progresso mecânico permitia aos fabricantes produzir milhares de artigos baratos no mesmo período de tempo e ao mesmo preço anteriormente necessários para um único objeto bem-trabalhado; [...] o artesanato, que tão notável era ainda nos tempos de Chippendale e de Wedgwood, fora substituído pela rotina mecânica. No final do século XVIII o processo de industrialização ganhou corpo na Europa trazendo reflexões em relação ao mundo mecânico que estava surgindo. Um dos primeiros questionamentos sobre este BAUHAUS

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novo mundo industrial ocorreu na Inglaterra (que no século XIX liderava o processo de industrialização na Europa) com o movimento Arts and Crafts (Artes e Ofícios), idealizado por John Ruskin e William Morris, que o colocou em prática. O Arts and Crafts orientou-se por dois pontos básicos. O primeiro estava relacionado à divisão da arte por meio da arte pura e da arte aplicada, ou seja, belas artes e artesanato. O segundo ponto ia contra o padrão aplicado pela indústria, nos produtos. A dialética principal girava em torno da má qualidade dos produtos oriundos da indústria. Com a Revolução Industrial o artesão deixou de criar e executar para se transformar apenas no operário que ajuda a confeccionar um produto (MORAES, 1997). William Morris, que com o passar dos anos passou a partilhar das idéias marxistas, foi aluno de John Ruskin e teve como ponto de partida o pensamento do seu mestre, mas foi além. Para ele, [...] não é muito importante que o artista (um burguês por definição), com um gesto de santa humildade, converta-se em operário; pelo contrário, o importante é que o operário se torne artista e, assim devolvendo um valor estético (ético-cognitivo) ao trabalho desqualificado pela indústria, faça da obra cotidiana uma obra de arte (ARGAN, 1992, p. 179). Em síntese, “criar uma cultura do povo e para o povo”, desde então, desafiou a grande maioria dos “[...] movimentos de renovação cultural, apadrinhando inclusive a fundação da Bauhaus” (DROSTE, 2006) edifício bauhaus dessau - alemanha

1925


O Art Nouveau surgiu pouco depois da segunda metade do século XIX, em Glasgow, na Escócia, objetivando, romper com as características estilísticas tradicionais: [...] artistas e arquitetos como Mackmurdo, Emile Gallé, Hector Guimard, Henry van de Velde, Victor Horta, Paul Hankar e Gustave Serrurier propuseram criar um novo estilo que não tivesse ligações com o academicismo até então praticado (MORAES, 1997, p. 22). Tal movimento, explica Moraes (1997), também buscava algo para representar o desenvolvimento industrial da época, carente de inovações que respondessem ao desejo da burguesia por “novidades nos produtos da arte aplicada”. E, assim, os designers do movimento Art Nouveau, cuja real intenção “[...] era aquela de unir a originalidade à utilidade, em uma relação mútua e produtiva” (WITTLICH , 1990, apud MORAES, 1997, p. 23), buscaram na natureza com suas formas sinuosas a inspiração. Entretanto, segundo Argan (1992, p. 204), o Art Nouveau [...] visto em conjunto não expressa em absoluto a vontade de requalificar o trabalho dos operários (como pretendia Morris), mas sim a intenção de utilizar o trabalho dos artistas no quadro da economia capitalista. Por isso o Art Nouveau nunca teve o caráter de uma arte popular, e sim, pelo contrário de uma arte de elite, quase de corte, cujos subprodutos são graciosamente ofertados ao povo [...]. O Deutscher Werkbund, criado na cidade de Berlim, na Alemanha, em 1907, de grande importância para o passado intelectual da arte industrial e da Bauhaus (DROSTE, 2006), teve como um dos principais protagonistas Hermann Muthesius, dando corpo ao que foi iniciado por Ruskin e Morris, na Inglaterra. Seu maérito foi unir o pensamento do movimento Arts and Crafts na busca de um diálogo contínuo entre a arte pura e a arte aplicada, sem desprezo ao processo industrial. Simplificar e geometrizar a forma foram soluções encontradas para a adaptação dos produtos ao processo industrial dos “tempos modernos”. A arte aplicada e as novas técnicas de mecanização emergiram entre dois pontos distintos, sendo o primeiro marcado pela esperança social desse novo ofício, consenso defendido tanto pelo movimento Arts and Crafts quanto pelo movimento Werkbund. O segundo ponto ressaltava muitas dúvidas e incertezas no que dizia respeito ao novo sistema produtivo que se estabelecia (MORAES, 1997, p. 25). Quanto à relação do homem com as obras de arte, esta sofreu profunda alteração com o abandono da tradicional concepção européia de arte como imitação da natureza, dominante desde o Renascimento. Na segunda metade do século XIX, os impressionistas revolucionaram ao sair do atelier para pintar ao ar livre e perante a natureza tendo por filtro a percepção sensível e subjetiva dos valores cromáticos e luminosos, experimentando em seus quadros a decomposição das cores que são fixadas diretamente na tela. Assim, causaram uma mudança notável “[...] nos seus princípios basilares a forma de exprimir BAUHAUS

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a realidade visível, desligando-se da representação fiel da natureza para reproduzir, pelo contrário, a sua verdade perceptiva e sensível” (EVANGELISTI, 1999, p. 126). Já o Expressionismo representou a rebelião contra o naturalismo com ênfase na suprema importância dos sentimentos pessoais do artista, o que está na fundação das atitudes estéticas do século XX (CHILVERS, 1996). Este aspecto tem relação com o que era proposto pelo pedagogo Johannes Itten, na Bauhaus, ou seja, despertar o aluno, por meio de experiências sensoriais, levando-o a novas maneiras de lidar com a própria intuição e assim interpretar a realidade e não apenas representá-la fielmente. Estudos de simplificação da forma – “primeira pesquisa analítica sobre a estrutura funcional da obra de arte” (ARGAN, 1992, p. 302) – levaram, no início do século passado, ao Cubismo, manifestação artística na qual diferentes aspectos do mesmo objeto passaram a ser vistos simultaneamente. Na segunda década do mesmo século, com o abstracionismo, cenas da natureza e objetos foram substituídas por formas e cores que existiam por si mesmo. A pintura abstrata suprime a “[...] norma renascentista da ‘transparência’ do quadro e substitui-a por uma concepção densa e opaca da superfície, graças à qual o que ‘é visto’ é sempre e apenas a própria superfície tratada segundo diferentes processos [...]”. A linguagem é nova e “[...] compreende então a qualidade ‘concreta’ do quadro, as proporções espaciais, as assonâncias e as dissonâncias, as combinações e os contrastes cromáticos” (SPROCCATTI, 1999, p. 181). A relação obra de arte - expectador, alterada definitivamente, amplia o diálogo propondo ao público atuar com suas experiências subjetivas. Recorrendo à Mohogy-Nagy (1963, p. 14), já “não é possível sentir a arte através das descrições. Explicações e análises servirão, em sua forma mais elevada, como preparação intelectual. Podem, entretanto, induzir-nos a estabelecer um contato direto com as obras de arte” (tradução das autoras).

design for a np stand herbert bayer

1924


Em relação ao ensino, no final do século XIX e início do século XX, o que estava vigente quanto à arte era o ensino em academias, baseado na cópia. Já para atender às necessidades da produção decorrentes da Revolução Industrial foram criadas escolas técnicas que visavam à formação de especialistas. Então, no sistema escolar ocorreram algumas propostas de modificação na pedagogia, com destaque para a “Reformpädagogik”, “[...] uma moderna filosofia pedagógica que fomentava a introdução do ensino baseado na atividade e em escolas unificadas” (DROSTE, 2006, p.14). Esses foram fatos significativos do período que teve como ponto fulcral a Primeira Guerra Mundial iniciada em 28 de Julho de 1914. Sabe-se que esta Guerra foi uma luta entre potências imperialistas que contou com forte apoio da Alemanha, cujo povo acreditava poder provar sua superioridade mundial com a luta armada. Após quatro anos, em 1918, a Primeira Guerra Mundial chegou ao fim. A Alemanha saiu derrotada, arrasada e humilhada pelo tratado de Versalhes. Nesse turbulento contexto surgiu a Bauhaus Estatal, na cidade de Weimar. “Fundava-se sobre o princípio da colaboração, da pesquisa conjunta entre mestres e alunos, muitos dos quais logo se tornaram docentes” (ARGAN, 1992, p. 269). Abordar-se-á a seguir o necessário para que se entenda a existência da Bauhaus e os acontecimentos marcantes em pouco mais de uma década de sua vigência. Para tanto, será adotada a divisão da história da Bauhaus apresentada por Wick (1989), que se orienta em Friedhelm Kröll, que distingue três fases: a fundação (1919-1923); a consolidação (1923-1928); e a desintegração (1928-1933). Após a Primeira Guerra Mundial, em 1919, da união da Escola de Artes e Ofícios e da Escola Superior de Belas Artes, foi fundada a Bauhaus Estatal na República de Weimar, sendo o arquiteto Walter Gropius o primeiro diretor. Por ocasião da inauguração da escola, Gropius lançou o Manifesto Bauhaus, contendo, como lembra DROSTE (2006), além de uma declaração de princípios, os objetivos da escola, o seu currículo e os requisitos de admissão. Imediatamente 150 alunos inscreveram-se, sendo quase metade do sexo feminino. O objetivo específico da Bauhaus, segundo Walter Gropius, em seu livro Bauhaus: nova arquitetura (1975, p. 30), era [...] concretizar uma arquitetura moderna que, como a natureza humana, abrangesse a vida em sua totalidade. Seu trabalho se concentrava aquilo que hoje se tornou uma tarefa de necessidade imperativa, ou seja, impedir a escravização do homem pela máquina, preservando da anarquia mecânica o produto de massa e o lar, insuflando-lhes novamente sentido prático e vida. BAUHAUS

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Isto significava desenvolver objetos e construções voltados para a produção industrial. Visava-se “[...] eliminar as desvantagens da máquina, sem sacrificar nenhuma de suas vantagens reais. [...] criar padrões de qualidade, e não novidades transitórias” (GROPIUS, 1975, p. 30-31). Para alcançar este fim, relatou Gropius, era preciso experimentar, ter um espírito aberto e coordenante sem o limite das especialidades. Aliás, Moholy-Nagy (1963) afirma que a educação especializada apenas faz sentido quando forma “a um indivíduo integrado em suas funções biológicas” o que se traduz em equilíbrio de “faculdades intelectuais e emocionais”. Sem este fim as mais altas diferenciações do estudo especializado – que são “privilégios” do adulto – são meras aquisições quantitativas, que não intensificam a vida nem dilatam seus horizontes. Apenas homens dotados de claridade no sentir e de sobriedade intelectual serão capazes de adaptar-se às exigências complexas e de dominar à vida em sua integridade (MOHOLY-NAGY, 1963, p. 19) (tradução das autoras). Para tanto o arquiteto Walter Gropius, entre os anos de 1919 e 1922, contratou artistas de origens diferentes que atuariam nas oficinas – freqüentadas pelos alunos após um curso preparatório – como o pedagogo de arte e pintor Johannes Itten. Este mestre, desenvolveu o Vorkurs (curso preliminar), ponto máximo do programa pedagógico da Bauhaus. Foram ainda admitidos Paul Klee, os pintores expressionistas Lyonel Feininger e Georg Muche, o escultor Gerhard Marcks, Oskar Schlemmer, posteriormente o artista não-figurativo Wassily Kandisnky e Lothar Schreyer encarregado de criar um departamento de teatro. “Apesar de não estar incluída no curriculum original, a oficina de teatro era considerada um elemento indispensável da Bauhaus como um todo, e em particular como um parceiro conceitual da ‘estrutura’” (DROSTE, 2006, p. 24) (“O objetivo final de toda atividade criativa é a estrutura”, diz o Manifesto Bauhaus). Quanto ao convite aos artistas mais avançados para ensinarem na Bauhaus, a intenção de Gropius, conforme Argan (1992) “[...] é recompor entre a arte e a indústria produtiva o vínculo que unia a arte ao artesanato [...]”. Estes mestres encontraram, “[...] na Bauhaus, uma oportunidade para, através dos seus ensinamentos, tornar a arte uma parte evidente da vida diária” (DROSTE, 2006, p. 24), conforme já foi dito. Na Bauhaus, eles podiam “[...] transformar a reorientação intelectual em ação. Os artistas aceitaram plenamente o conceito geral da Bauhaus (união da arte, da técnica e da indústria), permanecendo, ao mesmo tempo, indivíduos criativos dentro de um todo” (DROSTE, 2006, p. 23).


Em sua segunda fase, a de consolidação (1923–1928), a Bauhaus firmou-se, porém enfrentou dificuldades com o governo. Houve uma reorganização de suas oficinas e a substituição de alguns mestres – Itten saiu em 1923, encerrando-se, assim, o “[...] conflito entre a arte autônoma e o objetivo da criação comprometido socialmente” (WICK, 1989, p. 56) tendo Moholy-Nagy assumido a direção do curso preliminar. Em 1925, ao incorporar jovens mestres formados na Bauhaus, a escola passou por uma estabilização interna, e foi assegurada “a conformidade de objetivos e a continuidade dos trabalhos desenvolvidos” (WICK, 1989, p.44).

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Composition A XXI moholy nagy

1925

BAUHAUS


Ressalta-se que, com o advento dos políticos conservadores ligados ao partido de direita que venceu as eleições nacionais de 1924, a Bauhaus foi ameaçada de dissolução. Acrescenta-se o fato de alguns professores, tais como Paul Klee e László Moholy-Nagy, serem considerados bolchevistas e comunistas. Por isso, foram cortados os subsídios para a escola. Apesar destes fatos, no ano de 1925, por iniciativa do prefeito de Dessau, um social-democrata, a escola encontrou um novo abrigo. Então, Gropius projetou e construiu um conjunto de prédios para ser a nova sede da escola naquela cidade industrial alemã. No ano de 1926, a Bauhaus transferiu-se para o novo endereço, o que foi estabilizador para a instituição de ensino e contribuiu para a sua consolidação (WICK,1989). Nesta fase consumou-se, realmente, a orientação da Bauhaus, no sentido do, “[...] estabelecimento de tarefas voltadas para a funcionalidade e (em parte) requeridas por encargos assumidos junto à própria indústria”. [...]. Sob a tese “arte e técnica: uma nova unidade”, “uma abstração instrumentalista” conforme Kröll (apud WICK, 1989, p. 56), “ [...] “domina a formulação de objetivos da Bauhaus” (WICK, 1989, p. 56). Em 1928, Gropius, que por quase 10 anos esteve à frente da Bauhaus, despediu-se da instituição, marcando o inicio da terceira fase, a de desintegração. O suíço Hannes Meyer sucedeu Gropius no período de 1928 a 1930. Sob a sua direção, “[...] a Bauhaus abandonou definitivamente a idéia de uma escola de arte [...]” e “[...] tornou-se absolutamente imperiosa a idéia de um local de produção voltado à satisfação de necessidades sociais” (WICK, 1989, p. 57). Em 1930, em decorrência de pressões políticas, uma nova direção assumiu a escola. Então, o diretor passou a ser o arquiteto Ludwig Mies van der Rohe. Permanecendo fiel à trajetória traçada por Hannes Meyer, “[...] sob sua direção, também foram mantidos na Bauhaus os traços de uma academia de arquitetura com algumas classes de design, duas classes de pintura livre e uma classe de fotografia [...]” (WICK, 1989, p. 58). No entanto, introduziu algumas modificações na distribuição da carga horária da escola, quando “[...] reduziu-se drasticamente o trabalho de produção em benefício do programa de ensino”, de acordo com Wingler (1975, apud WICK, 1989, p. 58). Dois anos após, em 1932, a Bauhaus mudou-se para Berlim-Steglitz, como instituto privado, mas mesmo assim, em 1933, sob pressão dos nazistas, teve suas atividades encerradas. As idéias da


Bauhaus, conforme já foi dito, não eram aceitas pelo regime totalitário nazista que estava em plena ascensão na Alemanha. Os ideais da escola eram considerados, pelo novo partido antipatriotas. Ressalta-se que após o fechamento da escola, em 20 de junho de 1933, muitos de seus mestres emigraram para os Estados Unidos. A Bauhaus, primeira escola de arte reformadora a retomar atividades na nova República de Weimar, após a Primeira Guerra Mundial, teve em sua pedagogia, indubitavelmente, a marca definitiva para seu sucesso. Em muitas escolas de arte, provou-se ser virtualmente impossível implementar quaisquer reformas; noutras, as reformas foram adiadas, como a de Karlsruhe, ou limitadas quanto ao seu âmbito. À primeira vista, o programa da Bauhaus parecia-se com o ensinado em várias escolas de arte reformadas antes da Guerra: os alunos deviam receber uma formação artesanal, uma de desenho e outra científica. A novidade residia, contudo, no objetivo global que Gropius estabeleceu para a escola: a estrutura erguida “em conjunto”, à qual todos deveriam contribuir através do “artesanato” (DROSTE, 2006, p. 22). Gropius, no Manifesto Bauhaus, esboçou o que seria o programa pedagógico desta escola: um ensino da arte, com o intuito de unificar o trabalho do artista, do artesão e da indústria para assim ajudar a Alemanha a se reerguer economicamente. Propunha-se transformar os artistas livres, sem “função social”, em um ser produtivo para a sociedade (segundo parágrafo do Manifesto Bauhaus). A Bauhaus resgatou, tendo em vista a produção industrial, “[...] uma gramática básica do visual dos escombros das formas historicistas e tradicionais” (LUPTON & MILLER, 1994, p. 4) (tradução das autoras). As formas básicas, triângulo, quadrado e círculo foram o que pode ser considerado o elemento essencial dessa “gramática”. A repetição destas três formas básicas e cores primárias na obra dos mestres e estudantes da Bauhaus evidência o interesse da escola pela abstração e sua ênfase nos aspectos do visual que poderiam descrever-se como elementares, irredutíveis, essenciais, fundacionais e originários (LUPTON & MILLER, 1994, p. 4) (tradução das autoras). A estrutura do programa de ensino da Bauhaus foi dividida em três etapas, sendo etapa 1 - O curso preliminar, com duração de um semestre, obrigatório. A aprovação neste curso era indispensável para o trabalho em uma oficina (atelier, laboratório) de aprendizagem, a ser escolhida pelo aluno. etapa 2 - Aprendizagem na oficina (atelier, laboratório), juntamente com a teoria da forma, ministrada por dois mestres, um artista e um artesão, nos três anos subseqüentes. A intenção era possibilitar ao aluno reunir a habilidade criativa do artista e o conhecimento BAUHAUS

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técnico do artesão. etapa 3 - O estudo da construção, núcleo de ensino da Bauhaus (que teve inicio posteriormente), fim último da arquitetura (WICK, 1989). Era opcional, caso o aluno desejasse prosseguir os estudos e obter o certificado de Mestre em arquitetura. Singularmente importante para os objetivos da Bauhaus foi o desenvolvimento do Vorkurs, curso preparatório ou preliminar, mais tarde denominado curso básico, obrigatório para os estudantes recém ingressados naquela escola. E, conforme palavras de Wick (1989, p. 40), elemento estável na doutrina da escola, provocando “[...] pelo menos em parte, uma formalização do sistema de ensino ainda indefinido no programa da Bauhaus.” Criado pelo pedagogo Joahannes Itten, o maior objetivo deste curso era introduzir e propiciar ao aluno um contato com o mundo artístico e “interior”, para assim desenvolver sua capacidade de observação e expressão; “[...] o ensino se limitava aos problemas da observação e da representação visando ‘a identidade ideal entre forma e conteúdo’” (ARGAN, 2005, p. 58). O Vorkurs foi ministrado, também, por outros mestres no decorrer da história da Bauhaus. Todavia, aqui, objetiva-se, particularmente, o curso desenvolvido e ministrado por Joahnnes Itten, de 1919 a 1923, quando se demitiu. De acordo com Droste (2006, p. 25) o ensinamento de Itten apoiava-se em um princípio pedagógico que se resume em dois conceitos opostos, ou seja, “intuição e método” ou “experiência subjetiva e recognição objetiva”. Para propiciar aos alunos a busca da descoberta “subjetiva” de cada material, Itten procurava, conforme Arndt (1971 apud DROSTE, 2006, p. 25-26), “[...] ‘trazer à luz o essencial e o contraditório em cada material’ e, assim, desenvolver e apurar a sensibilidade dos alunos para os materiais”. Ao mesmo tempo em que os alunos eram submetidos aos estudos subjetivos, Itten ensinava-lhes “teorias de contrastes, formas e cores”. Os contrastes incluíam, por exemplo, áspero–suave, pontiagudo-rombo, duro-mole, claro-escuro, grande-pequeno, topo-fundo, leve-pesado, redondo-quadrado. Os contrastes ensinavam também a ter-se uma sensibilidade pelos materiais e eram uma preparação para as atividades oficinais. Podiam ser revelados em desenhos de materiais e objetos naturais, desenhos com a ajuda da teoria da forma ou ilustrados como esculturas. A teoria da forma de Itten partia de formas elementares geométricas de círculos, quadrados e triângulos, conferindo a cada uma delas um determinado caráter [...]. O círculo era, assim, “fluente” e “central”, o quadrado “calmo” e o triângulo “diagonal” (DROSTE, 2006, p. 27-28). Em seu livro “Design and form”, Itten fala de uma maneira geral sobre o curso básico da Bauhaus, desenvolvido por ele. O então diretor Walter Gropius permitiu ao pedagogo total liberdade para estruturar


a temática do curso. Todavia Itten deveria seguir três tarefas que, basicamente, eram: 1 - liberar a criatividade dos estudantes encorajando o seu trabalho; 2 - facilitar a escolha da carreira dos estudantes. Para facilitar esta escolha eram executados exercícios com materiais e texturas e, assim, o estudante ao tomar conhecimento dos diversos materiais escolhia aqueles que mais o atraíam; 3 - transmitir aos estudantes os princípios básicos do design (ITTEN, 1966). Inicialmente, o mestre levava os aprendizes a trabalhar a forma e o ritmo, os fundamentos da cor e os contrastes. Esses reagiam de formas diversas aos elementos do design. Alguns preferiam o claro e o escuro, outros a forma, o ritmo, a cor, proporções e construções, a textura, direções de espaço ou volume. Destaca-se que o curso básico objetivava conduzir o aluno a um experimento de contrastes (ITTEN, 1966). Como exemplo dos ensinamentos de Itten em suas aulas, apresenta-se aqui uma experiência sensorial desenvolvida pelo mestre que partia um limão ao meio e pedia para os alunos que o desenhassem. Depois, propunha que os estudantes o provassem e, então, perguntava se o desenho representando o limão tinha o mesmo “gosto” do limão. Assim, o desenho deveria traduzir a “alma” do que era desenhado, sendo mais do que uma representação. Os exercícios de material e textura eram especialmente estimulantes para os alunos. Itten apresentava aos aprendizes uma grandiosa lista de diferentes materiais, como madeira, vidro, tecidos, casca de árvore, peles, metais e pedras, e estes eram anotados. O mestre, a partir de então, levava os estudantes a integrar, em seus trabalhos, qualidades tácteis e ópticas dos materiais. Entretanto, o exercício não se encerrava aí, pois, para cada qualidade dos materiais deveriam ser experimentadas e representadas as suas características. Os contrastes liso-rugoso, duro-macio, leve-pesado, por exemplo, deveriam ser sentidos e não apenas vistos. Na Bauhaus eu tive que alongar fileiras cromáticas feitas de material real para o julgamento táctil de diferentes texturas. Os estudantes tinham que sentir estas texturas com suas pontas dos dedos, com os olhos fechados. Após um curto tempo o sentido do toque melhorou a um grau surpreendente. Eu então pedia aos estudantes que fizessem uma montagem com textura de materiais contrastantes. O efeito destas criações fantásticas foi inteiramente novo para aquele tempo (ITTEN, 1966, p. 45) Itten pedia aos estudantes para olhar, sentir, tocar e desenhar materiais como a madeira, a casca de árvores e peles. Esta atividade era finalizada quando os alunos estivessem habilitados a representar os materiais com o coração. Com este estudo da natureza, era possível reproduzir observações, memórias interpretativas, e não imitativas. Os resultados eram positivos, de acordo com Itten. BAUHAUS

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Sobre o estudo da forma, Itten diz que “as tarefas especificas (contribuições) da composição das formas abstratas serviam para melhorar o pensamento e, ao mesmo tempo, para trabalhar novos significados de design” (ITTEN, 1966, p. 79) Estudar as formas, entretanto, não estava restrito ao plano, eram realizados estudos tri-dimensionais. Para tanto, Itten pedia aos aprendizes modelos de esferas, cubos, pirâmides, cones, e cilindros em argila, possibilitando aos mesmos entrarem em contato com a forma em suas três dimensões, sentindo-a. Já em relação ao estudo do ritmo, afirma Itten (1966), a influência da época foi determinante – o jazz e a dança – para a forma única como introduziu o tema aos alunos de design. Os exercícios deveriam ser representados graficamente, sempre. O mestre ditava uma sentença para mostrar que uma sensação do ritmo, por exemplo, não era meramente uma coisa esquemática de repetição, mas um movimento fluido. E não se pode esquecer... Ao final do primeiro curso básico, que terminou pela primeira vez na primavera de 1920, Itten levou os estudantes a aplicar em objetos o que ele havia ensinado. Posteriormente, toda a base teórica era experimentada, também, nas oficinas que se configuraram uma parte importante da pedagogia da Bauhaus. Gropius (1975), sobre o Vorkus, diz que, de um modo geral, o ensino deste curso preliminar compreendia de teorias de composição a exercícios de auto-estima, sendo uma grande experiência com materiais e instrumentos variados levando os alunos a encontrarem em si suas qualidades inerentes e, assim, manifestarem-se com segurança. A formação geral de seis meses, ou seja, o curso preparatório almejava. [...] amadurecer a inteligência, o sentimento e a fantasia, e visava a desenvolver o “homem inteiro” que, a partir de seu centro biológico, pudesse encarar todas as coisas da vida com segurança instintiva e que estivesse à altura do ímpeto e do caos de nossa “Era Técnica” [...] ficou provado que ela (a formação geral), não apenas proporciona maior confiança no aluno, mas também aumenta consideravelmente a produtividade e a rapidez de seu ulterior treinamento especializado (GROPIUS, 1975, p. 38). Os estudantes despertados para um “mundo interior” e com uma larga compreensão dos fenômenos da vida que o cercavam poderiam oferecer uma contribuição própria ao trabalho criativo de seu tempo. Desta forma, a “[...] estrutura concêntrica da formação toda incluía desde o começo todos os componentes essenciais do projeto e técnica, para que o aluno dispusesse de uma perspectiva imediata do campo total de sua atividade futura” (GROPIUS, 1975, p. 38-39).


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Os estudantes despertados para um “mundo interior” e com uma lardesign project ga compreensão dos fenômenos da vida que o cercavam poderiam aeroseen oferecer uma contribuição própria ao trabalho criativo de seu tempo. Desta forma, a “[...] estrutura concêntrica da formação toda incluía desde o começo todos os componentes essenciais do projeto e técnica, para que o aluno dispusesse de uma perspectiva imediata do campo total de sua atividade futura” (GROPIUS, 1975, p. 38-39). Primeiro a formação artística, depois o trabalho nas oficinas complementava o estudo dos alunos com uma formação artesanal. Era uma forma de fazer com que o aluno tivesse um conhecimento bem determinado de materiais e processos de trabalho para assim ter condições de influenciar a produção industrial. As oficinas, ministradas por dois mestres, um artista e um artesão, passaram a vivenciar uma grande experimentação de materiais e de criação. É importante lembrar a incorporação de antigos aprendizes da Bauhaus em cargos de direção das oficinas que, trazendo em sua bagagem uma dupla qualificação – artística e artesanal – permitiram o fim do conflito no sistema de

1962

BAUHAUS


direção dual das oficinas. Ao longo do tempo, foram alteradas, também, denominações de oficinas, buscando eliminar “conotações de ‘pro­ximidade com a arte’” (WICK, 1989, p. 44). A meta principal era o projeto de artigos standard para uso diário. Embora esses modelos fossem feitos à mão, os projetistas tinham de fiar-se nos métodos de produção em escala industrial, e por isso, a Bauhaus enviou seus melhores alunos, durante a formação, para um certo período de trabalho prático nas fábricas. Inversamente, das fábricas vinham às oficinas da Bauhaus trabalhadores experientes, a fim de discutir com os professores e estudantes as necessidades da indústria. Desse modo surgiu uma influência recíproca, que encontrou expressão em produções valiosas, cuja qualidade técnica e artística foi reconhecida igualmente pelo produtor e consumidor (GROPIUS, 1975, p. 40-41). Foram diversos os mestres da Bauhaus24, entretanto, a abordagem nominal, neste momento, será sucinta e restrita àqueles que, entende-se, foram de singular importância para a pedagogia da escola, ou seja, Walter Gropius, Johannes Itten, Wassily Kandisnky, Paul Klee e László Moholy-Nagy. A intenção é identificar a participação de cada um, na escola.


Walter Gropius Gropius nasceu em Berlim, Alemanha, no ano de 1883. Formou-se em arquitetura e trabalhou juntamente com Peter Behrens. A fábrica Fagus, sem dúvida uma de suas obras mais importantes antes da Bauhaus, rendeu-lhe fama na Alemanha. Como diretor da Bauhaus, Gropius foi impetuoso em sua tarefa. Lutou para que a Bauhaus não fosse mais uma escola de arte e que a relação com a indústria se tornasse uma realidade acreditando que o processo de mecanização não seria uma forma de substituir o homem, mas sim de aliviá-lo de árduas tarefas. Acreditou, também, que as idéias da Bauhaus não foram mais exploradas devido à lentidão da natureza humana em relação às mudanças (GROPIUS, 1975). Registrou: “creio, todavia, poder afirmar sem exagero que a comunidade da Bauhaus contribuiu, pela inteireza de sua tentativa, para ancorar novamente a arquitetura e o design contemporâneos no domínio social” (GROPIUS, 1975, p. 44). Gropius, em 1928, deixou a Bauhaus. Mudou-se para os Estados Unidos em 1937, buscando refugiar-se da perseguição nazista, onde se tornou diretor do Curso de Arquitetura da Universidade de Harvard. Levou consigo as idéias da escola alemã, persistindo na “[...] na confiança no valor de uma técnica” (ARGAN, 2005, p. 27), passo decisivo para que a Bauhaus se perpetuasse.

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JOHANNES ITTEN Itten nasceu na Suiça em 1888. Antes de entrar para a Bauhaus dirigiu, em Viena, uma escola de arte privada. Foi, inicialmente, professor de escola primária, tendo recebido, posteriormente, formação de pintor. O seu professor foi Adolf Hoelzel, de Sttugard, e a sua didática de arte e teoria de composição exerceram forte influência sobre Itten (WICK, 1989). Ao ser convidado por Gropius para ensinar na Bauhaus, Itten viu uma oportunidade para aplicar teorias de composição. A criação do Vorkurs foi o seu grande mérito. Entretanto, a abordagem de Itten era muito expressiva, levando o ensino ao extremo, como se fosse uma religião. Ele queria seguir uma linha individualista o que não correspondia à intensão de Gropius para a Bauhaus. Itten entendia que o objetivo primeiro da “[...] educação Bauhaus era o despertar the bauhaus teachers (dessau) e o desenvolvimento do individuo em harmonia com ele próprio e o mundo” (DROSTE, 2006. p. 46). Deixou a escola em 1921 por não compartilhar dos mesmos ideais de seu diretor o que possibilitou s que uma nova filosofia se insinuasse aos poucos, na Bauhaus.

1920

BAUHAUS


paul klee Paul Klee, artista expressionista que experimentava sucesso em torno dos anos 1920, quando veio a compor o corpo docente da Bauhaus, na primavera de 1921, não tinha experiência como professor. Como artista, nas palavras de Droste (2006, p. 62), Klee refletia o “espírito do tempo”. Já “[...] a necessidade de ensinar constituía uma razão adicional para alterar agora a técnica, o estilo e o teor da sua arte e desenvolver simultaneamente uma didática de arte adequada a um curso introdutório sobre a forma.” Aliás, A contribuição de Klee para a pedagogia da Bauhaus, não consiste da introdução ou do desenvolvimento de novos métodos de ensino. [...]. Significativa é a sua contribuição para a Didática, entendido o termo em sentido estrito, ou seja, como referente apenas ao conteúdo, e estando excluídos os métodos de ensino e aprendizagem (WICK, 1989, p. 333). É importante registrar a grande influência da “teoria elementar da criação” da autoria de Klee, por ele ensinada em variantes de 1921 a 1931 no curso preliminar (WICK, 1989). Wassily Kandinsky Kandinsky, que possuía uma boa fama de artista abstrato quando foi convidado por Gropius para fazer parte da Bauhaus, assumiu suas atividades na escola, em Weimer, em 1922, tendo ensinado, também, em Dessau e Berlim. Com Paul Klee, que conhece na Bauhaus, partilha de uma concepção da espiritualidade na arte. De acordo com Wick (1989, p. 255), [...] a contribuição de Kandinsky não interessa tanto sob o aspecto do método educativo [...] mas sim sob o aspecto do conteúdo. [...]. Destilando a essência de seus primeiros anos como professor da Bauhaus, Kandinsky concebeu em seu livro Punkt und Linie zu Fläche (Ponto e linha sobre o plano), publicado em 1926, uma teoria da criação, que se baseava em reflexões teóricas e em experiências práticas que datam do período por volta de 1910, desenvolvendo-as, depois, sistemática e didaticamente. A referida teoria da criação encontra-se, conforme Wick (1989, 255), “[...] entre os trabalhos pioneiros produzidos no âmbito da interpenetração racional dos fundamentos da criação”. Quanto ao curso ministrado no âmbito do primeiro semestre (curso preliminar) por Kandinsky, na Bauhaus, este era composto de duas partes, ou seja, “[...] uma introdução aos elementos formais abstratos e um curso de desenho analítico” (WICK, 1989, p. 268). É um princípio dualista, no qual o “[...] método de ensino se baseava na relação condicional, indissolúvel segundo o parecer de Kandinsky, entre análise e síntese [...]” (WICK, 1989, p. 269), sendo o método analítico, em estreita relação com a orientação cada vez mais racional-


-científica da Bauhaus, defendido veementemente por Kandinsky, explica Wick (1989). Ressalta-se a ênfase à teoria das cores com a qual Kandinsky iniciava seu curso na Bauhaus. onforme Droste (2006) seu interesse estava voltado particularmente para os efeitos da cor, tendo apresentado em 1923, uma proposta de “[...] correspondência universal entre as três formas elementares e as três cores primárias: o dinâmico triângulo é essencialmente amarelo; o estático quadrado, intrinsecamente vermelho; e o sereno círculo, naturalmente azul” (LUPTON & MILLER, 1994, p. 2) Kandinsky bem como Itten e Klee almejavam descobrir a origem da “linguagem visual”, buscando-a em formas geométricas básicas, cores puras e abstração. Sua prática e sua pedagogia têm o caráter tanto de ciência como de fantasia. De uma parte, constituem uma análise de formas, cores e materiais orientados até uma Kunstwissenschaft (ciência da arte); por outra parte, são construções teóricas sobre as leis primordiais da forma visual que de modo presumível operam fora da historia e da cultura 27 (LUPTON & MILLER, 1994, p. 21) Já avaliar o significado do ensino de Kandinsky não é uma tarefa fácil, diz Droste (2006), pois seu curso foi fortemente criticado. Todavia, o mestre tentava sempre responder às críticas, e dava liberdade para que se discutisse com os alunos os problemas encontrados nas atividades das oficinas.

László Moholy-Nagy Moholy-Nagy, autodidata como pedagogo e como artista, apresentava um reconhecido trabalho como criador experimental quando, em 1923, foi convidado por Gropius a ingressar na Bauhaus, tendo, nas palavras do arquiteto que o convidara, influído decisivamente no desenvolvimento da escola. Na Bauhaus, juntamente com Gropius, Moholy-Nagy, organizou a publicação de livros sobre a escola, estando sob sua responsabilidade o curso preliminar e o ministrado na oficina de metal (DROSTE, 2006), tendo deixado a escola em 1928. A afirmação de Moholy-Nagy, apresentada em seu livro La nueva visión, citado acima, resume o pensamento deste mestre. “Não é possível sentir a arte através das descrições. Explicações e análises servirão, em sua forma mais elevada, como preparação intelectual. Podem, entretanto, induzir-nos a estabelecer um contato direto com as obras de arte” 28 (MOHOLY-NAGY, 1963, p.14). As buscas de Moholy-Nagy, como pedagogo, não se resumiram aos elementos artísticos, tampouco à realidade transcendental e ao modelo ideal do homem, como era feito por alguns mestres e, sim, BAUHAUS

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orientava-se para o viés mais real, social e produtivo, aproveitando novos meios de comunicação (WICK, 1989). Quanto ao sistema pedagógico do mestre, embora Moholy-Nagy, de acordo com Wick (1989, p. 216), sempre tenha aludido “[...] à importância do aspecto não-racional, do aspecto intuitivo, no processo de criação”, há que se destacar a sua base racional. O caráter sistemático e construtivo dos exercícios de material e dos estudos de equilíbrio surgidos sob a supervisão de Moholy sugere a noção de estarmos em face de um sistema pedagógico que repousa exclusivamente sobre uma base racional; uma noção que contrasta com as tendências, patentes em Itten, orientadas para um irracionalismo estético e pedagógico (WICK, 1989, p. 215). Sem dúvida uma das grandes contribuições de Moholy-Nagy para a Bauhaus foi sua atuação, a convite, como diretor na Nova Bauhaus, escola fundada por um grupo de industriais de Chicago em 1937 (LUPTON & MILLER, 1994), passo decisivo para que a pedagogia da Bauhaus se perpetuasse. Acrescenta-se a ampla aceitação que Moholy-Nagy teve, como pedagogo, nos Estados Unidos. Os dados foram coletados por meio de ampla pesquisa bibliográfica com revisão de literatura (documentação indireta) e entrevistas – estruturadas e não estruturadas (documentação direta), com designers e arquitetos cujo campo de estudos e atividades permitem reflexões sobre a escola alemã. É importante dizer que alguns dos livros que fundamentaram a pesquisa são edições (traduzidas) de textos escritos pelos mestres da Bauhaus, responsáveis pela pedagogia da instituição. Johannes Itten, em seu livro “Design and form: the basic course at the Bauhaus”, além de apresentar o curso básico da Bauhaus, por ele ministrado, faz uma reflexão sobre a educação. O objetivo maior do mestre consistia em levar o aluno a compreender a teoria da composição por meio da intuição. O livro “Ponto e linha sobre plano,” de Wassily Kandisnky, é um tratado teórico sobre o ponto, a linha e o plano, retomado pelo mestre durante o curso preliminar por ele ministrado na Bauhaus, a partir de 1923. Outro livro por ele escrito, em 1926, “Curso básico da Bauhaus”, traz o programa de suas aulas – um plano de curso – dando a conhecer conteúdo e método de ensino, por ele utilizados, passo a passo. O livro de Paul Klee, “Pedagogical sketchbook”, traz introdução de László Moholy-Nagy na qual é apresentada a visão intuitiva de Klee, que ultrapassa as duas dimensões, relacionando o espaço físico e o intelectual. Para Moholy-Nagy o livro “Pedagogical sketchbook é o abstrato da visão intuitiva de Paul Klee29” (KLEE, 1963, p. 9) (tradução das autoras). Já Walter Gropius revela, sobre a sua concepção da Bauhaus, como seu fundador, no livro “Bauhaus: nova arquitetu-


ra”, suas intenções quanto à escola e ao seu funcionamento. É uma reflexão sobre a escola de artes e ofícios que ele ajudou a fundar e dirigiu de 1919 até 1928. Refletindo sobre o contexto histórico no qual surgiu a Bauhaus, pode-se dizer que o cenário de crise e de incertezas do inicio do século XX foi decisivo para a adoção e as experimentações das novas idéias pedagógicas apresentadas por aquela escola. Baseada, principalmente, nos conceitos de pensadores das reformas pedagógicas da época, como Froebel e Pestalozzi, a filosofia de ensino adotada e aplicada na escola de artes e ofícios explorava as qualidades inerentes a cada indivíduo e ao mesmo tempo a valorização da prática, ou seja, idealizava levar os alunos a uma aguçada percepção por meio do uso de formas, cores, texturas e ritmos para que mais tarde os produtos desenvolvidos nas oficinas da própria Bauhaus fossem funcionais, ergonômicos e acessíveis. Sendo assim, a Bauhaus foi um lugar de experimentação para os professores, muitos deles artistas, que puderam colocar em prática suas teorias e, ainda, sugerir uma integração da arte e da técnica a serviço da indústria. É importante dizer que a personalidade de cada mestre ditou muito a pedagogia adotada. Claramente, tem-se o caso do mestre, Johannes Itten. Com a sua saída evitou-se que a Bauhaus se tornasse mais uma escola de arte, pois a partir daquele momento afastou-se de uma fase mais expressionista – voltada para a personalidade do aluno – e se inseriu em uma fase mais objetiva, racionalista que correspondia às necessidades da indústria: produtos de qualidade e facilmente executáveis (DROSTE, 2006). Foi produto da didática a criação de uma linguagem visual bauhausiana marcada pelo uso do “simples”, ou seja, cores básicas e primárias – preto, branco, vermelho (magenta), amarelo, azul – formas primárias – quadrado, círculo, retângulo e linhas predominantemente verticais e horizontais. Contudo, mesmo após o fechamento da escola, em 1933, em decorrência das políticas adotadas pelo regime totalitarista, na Alemanha, os ideais da Bauhaus não se extinguiram. Muitos de seus mestres e alunos emigraram para várias partes do mundo. Mais significativamente para os Estados Unidos (que estava a se recuperar da grande depressão de 1929) onde Walter Gropius, Mies van der Rohe e Moholy-Nagy puderam transmitir as idéias bauhausianas que foram implementadas, ali, com sucesso. Gropius foi o diretor do Curso de Arquitetura em Harvard e Moholy-Nagy dirigiu a Nova Bauhaus em Chicago. As propostas pedagógicas da Bauhaus, é possível dizer, foram perfeitas para o momento em BAUHAUS

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que se encontravam os Estados Unidos da América – um país aberto para receber e aprimorar idéias. Incorporar uma linguagem visual inovadora naquela época pela simplicidade seria ideal para diminuir custos, sistematizar a produção e aumentar os lucros. Com isso, é possível inferir que os métodos para a prática do design ajudaram a reestruturar e a alavancar a indústria estadunidense, primordial para que o legado da escola de “artes e ofícios” alemã se perpetuasse, deixando de ter sua existência restrita a pouco mais de uma década para ser lembrado na história como fundamental para o design.

the bauha us teachers (dessau)

1920

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Quanto à influência da pedagogia da escola alemã, esta [...] não se faz sentir apenas depois do fechamento definitivo do Instituto em 1933 e na emigração que a ele se seguiu de alguns professores e alunos (especialmente para os Estados Unidos); ela já está presente na República de Weimar, tanto na formação profissional de artistas, quanto na educação estética em escolas. Em síntese, as experiências na área do aprendizado da Bauhaus foram importantes para o ensino do design, uma vez que aquela escola: 1. Formalizou o ensino das artes e ofícios (do design) levando em consideração uma formação artística e artesanal (prática); 2. Propôs uma reflexão sobre materiais inovadores e sua utilização bem como sobre a sua composição; 3. Sugeriu a utilização de cores e formas simplificadas, que foram adequadas no rompimento da estética vigente Os acontecimentos do final do século XIX, as revoluções em todos os campos foram favoráveis para a formação intelectual e o surgimento da Bauhaus. O momento de destruição pela primeira Grande Guerra Mundial foi propicio para que se instaurasse, juntamente com a primeira República alemã na cidade de Weimar, uma escola que dentre outros objetivos tinha uma aliança forte com a indústria alemã resultando em uma estratégia econômica. Ao incorporar um modelo pedagógico já criado, contudo aprimorando e inovando, a Bauhaus possibilitou que fossem estabelecidas as bases do design propriamente dito. Quanto à transmissão do conhecimento na Bauhaus, após o curso preliminar – o Vorkurs – havia o ensino nas oficinas, ministrado por um mestre artista e um mestre artesão. No primeiro – instituído por Johannes Itten – que pode ser considerado como a espinha dorsal para a pedagogia da Bauhaus, os alunos desenvolviam a capacidade de observação e tinham contato com os materiais, cores e formas. Essa “forma de ensinar” possibilitou conciliar no aluno a técnica dos artesãos e a “criatividade” dos artistas, aplicando-as à indústria. As relações estabelecidas pela Bauhaus entre a arte, a técnica e a indústria, ou seja, o pensamento da escola alemã ao ser transferido pelos professores para os Estados Unidos, após o fechamento da escola em Berlim, no ano de 1933, possibilitou que se perpetuassem os métodos outrora ensinados permitindo, muito além do curto período de existência da escola, tornar-se referência para o ensino do design contemporâneo. BAUHAUS

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O MINIMALISMO

E O DESIGN

MINIMALISTA POR EDUARDO FERREIRA


O

termo minimalismo possui uma conotação vaga que permite seu uso em diversos momentos, tornando-o quase que uma síntese de um tipo de linguagem visual. Cotidianamente, é utilizado para classificar objetos que possuam uma limpeza formal e assepsia visuais tais que denotem impessoalidade, simplicidade, e funcionalidade. No entanto, acredita-se que esse uso acaba por alargar demais as fronteiras do nome, terminando por colocar num mesmo grupo diversas correntes que possuem muito mais características intrinsecamente díspares do que a sua natureza formal sugere. Assim supõe-se que o nome minimalismo, da mesma maneira como na arte designa um movimento extremamente específico na história, no design acontece da mesma maneira. Pretende-se, portanto, por meio desse texto, clarificar essas diferenças e expor os motivos que justificam esse corte tão preciso para seu uso. A minimal art foi um movimento artístico surgido na década de 50, por influência direta de Duchamp (ready-mades), Rauschenberg (arte como objeto), Jackson Pollock (aleatoriedade) e do Concretismo (rigidez formal), tendo como artistas mais proeminentes Donald Judd, Carl Andre, Dan Flavin, Robert Morris e Sol leWitt. Absorvendo a simplicidade e despojamento concretistas (como a tela “Quadrado branco sobre fundo branco” de Malevich), rejeitam seu lado positivista para assumir a fenome­nologia semiótica pollockiana e duchampiana, a fim de colocar em pauta modos de vivenciar a obra de arte além do uso compositivo de peças ou grafismos. Buscavam na arte uma postura universalizaste, lançando mão, para isso, de formas geométricas tridimensionais para uma apreensão instantânea dos objetos, e de materiais industriais e literais (sem simularem outros que não eles mesmos) para fornecer uma fruição visual espacial ao observador da obra. A união desses conceitos acabou por gerar uma linguagem extremamente limpa e seca, originando o uso do termo “minimalismo” para designar o conjunto de artistas que trabalhavam dessa maneira. Dada a importância dessa pesquisa e a quebra de paradigmas que foi para o momento, sua influência em outros meios de arte foi quase que natural, gerando frutos na música, na arquitetura, na poesia, literatura e no design. No entanto, em parte desses frutos, a apropriação do nome se deu de forma meramente formalista, levando-se em conta apenas o caráter visual“limpo” das obras como fonte de inspiração, ignorando quaisquer ou­tros pontos fundamentais dos conceitos existentes na minimal art que não a concisão de planos e volumes. DESIGN MINIMALISTA

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E um desses frutos onde o uso do nome se deu por motivos mera­ mente formais, porém não desprovidos de significados, foi no design, onde o termo minimalismo serviu para designar um tipo de estética que se apresentava como pura e desprovida dos exces­sos característicos de seus predecessores pós-modernos, o design de memphis e seus contemporâneos. Há divergências quanto a origem do minimalismo no design. Franco Bertoni, em seu livro “Minimalist Design” apresenta como, mesmo entre os designers expoentes dessa estética, não há uma confluência para o mesmo ponto. The minimalist experience in the Field of design is connected to the past by countless links and threads. Fronzoni himself affirmed that minimalism was born in classical Greece, whe­reas Silvestrin felt it was more accurated to identify Cistercian architecture as the oldest, recog­nized antecedent. For Pawson, a decisive influence was his knowledge of Japanese art and architecture, unlike Tadao Ando, who asserts that Western phenomena like American artistic Minimalism and Romanesque architecture played a fundamental role (…) three explanations are most widely accredited: minimalism in opposition to the excess typical of the eighties, largely identifiable with the postmodern phenomenon (the most obvious candidate in Italy is the Memphis Group), but this would rule out decisive and strictly conforming contributions, like those made by Fronzoni, Judd and Wilson; minimalism seen as the result of a general economic crisis to which companies in the furniture sector delegated the task of offering sober models that were more in the keeping with the new times, but this interpretation is also open to the previous objections; minimalism as an a-historical phenomenon, a ‘karst river’ that surfaces and than disappears repeatedly during history, like a constant category in line with Vichian cycles. The third hypothesis appears to gather the greatest consensus” (Bertoni, 2004).

seite (rot) Florian Pumhosl

2011


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Six Benjamin Moore paintings

1961

Embora todas as três hipóteses sejam plausíveis, defende-se que a primeira seja a mais acertada, e isso se mostrará mais claro ao longo do artigo. O que vale ser ressaltado nesse momento é a insistência de Bertoni em generalizar o termo minimalismo a algo cíclico e acontextual, tanto que utiliza o mesmo argumento de “pouca abrangência” para negar as duas primeiras possibilidades, e, assim, incluir no minimalismo programas e tendências do design tão díspares quanto as pessoas de Donald Judd (1928- 1994), Bruno Munari (1907- 1998), Dieter Rams (1932-) e Robert Wilson (1941-). Tenta colocar sob esse rótulo movimentos tão distintos quanto o primeiro modernismo da Bauhaus, o funcionalismo alemão, e o pósmodernismo do grupo Zeus. Assim, para que se chegue a algo mais claro, é necessário nos voltarmos para algo como a ontologia última desses tão distantes exemplos, e, assim, precisar melhor o alcance que o nome “minimalismo” merece ou deveria merecer. Até os anos 1960, o modo de projeto predominante era o funcionalismo, quer na sua maneira ideológica da escola alemã, quer na sua apropriação capitalista americana. A primazia de um usuário “universal” como partido inicial do projeto é o que melhor caracteriza essa escola de design, e as soluções finais acabaram por desempenhar bastante claramente essa primícia ética proposta (em especial no design derivado da escola de Ulm). Um exemplo claro disso foi a excelência dos objetos projetados para a marca Braun, onde o funcionalismo alcançou seu mais alto expoente em escala industrial, além de exemplos nos Estados Unidos, como Charles e Ray Eames. DESIGN MINIMALISTA


Em ambos encontramos uma ênfase a função expressiva, deixando-se a máxima “less is more” de lado, permitindo ao designer maior liberdade projetual nos aspectos estéticos e simbólicos. Há uma maior gama de produtos para as mais diversas culturas, com soluções extremamente criativas e distintas das convencionais, tanto em materiais quanto em formas utilizadas, inclusive com a produção de novas linguagens para a conceituação do projeto do design, focando o objeto como transmissor de informação e assumindo dados culturais pontuais como de grande importância à construção do objeto. No entanto, essa expressividade e exagero formal pós-moderna italiana terminou por gerar um tipo de resposta nos anos 1980 completamente oposta ao que se vinha fazendo, chegando assim a produtos extremamente geométricos, claros, evidentes e concisos do ponto de vista formal, ou seja, o que se está defendendo como o design minimalista. O que o difere, no entanto, do funcionalismo, ou de qualquer outro movimento ou tendência anteriores é de tratar-se de uma resposta formalista a um problema culturalista proposto pelos pós-modernos. Enquanto o funcionalismo possui seu foco na função prática e no desempenho do usuário, o design pós-moderno propõe que o objeto lúdico e primordialmente signo, tratando-se com mais apuro o subjetivo na vivência com o objeto que trespasse esse aparente utilitarismo e imediatismo funcionalista. Ou seja, há uma base conceitual que sustenta a ambos movimentos. No design minimalista, pelo contrário, há apenas uma aversão à cacofonia de cores e formas irregulares dos pós-modernos, embora seja evidente a influência, por exemplo, do design High Tech, em especial no uso de materiais. Assim, a tentativa de Bertoni de unir sob a mesma bandeira elementos tão díspares quanto funcionalismo e a reação ao pós-moderno acaba por forçar uma união de meras aparências, e que subestima completamente toda uma bagagem filosófica presente (ou ausente) em cada um deles. As justificativas dos designers minimalistas para suas soluções podem parecer semelhantes a algo como o funcionalismo. No entanto, o resultado efetivo não o é. Embora se clame pela simplicidade, esta existe no uso extremo da forma geométrica, e não do uso em si do objeto. Há uma solução simplista formalmente, mas nem sempre uma simplicidade cognitiva, para facilitar o uso do objeto. Trabalhos como o de John Pawson (1949), Robert Wilson e Enzo Mari (1932) possuem soluções muito diferentes dos trabalhos de Dieter Rams, apesar de todos projetarem tendo em mente formas simples.


O resultado do trabalho minimalista visa ser solucionado principalmente em sua estética, e não em todas as possibilidades do objeto, podendo-se, em alguns casos, inclusive, postular que no minimalismo, “a função segue a forma”. Se determinado conjunto de pranchas assemelha-se a uma mesa, esse será o uso dela.

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É nesse engajamento estético que o minimalismo se diferencia do Six Benjamin funcionalismo tradicional, e de todos os movimentos anteriores no Moore paintings design. Esse formalismo “clean” do minimalista, inclusive, preencheu de forma bastante precisa os desejos de uma nova classe social que nascia naquele momento, décadas de 1980 e 1990, que foram os Yuppies, ou “novos ricos”. Como aponta Ficher: “Such a combination of abstraction and expression, which deliberately renounces individual artistic gestures, best suits the cool attitudes of career-minded yuppies, for whom aesthetic engagement is a component of “lifestyle”, and hardly involves existential connotations” (Ficher, 1989) A sobriedade de cores e formas paradoxalmente apontando para a existência de um designer assinando o projeto (no funcionalismo, pelo contrário, a autoria “designer” dilui-se para permitir que o produto e o usuário se destaquem) satisfez esse público com estilo de vida igualmente formalista.

1961

DESIGN MINIMALISTA


Dentro do design minimalista, encontram-se presentes dois tipos de autores: o artista e o designer. Dentro do primeiro grupo estão os artistas provenientes da minimal art que se enveredam pelo campo do design, criando objetos de aparência relacionada a sua estética artística mais do que a outros estilos de design. Dentre eles, estão Donald Judd e Sol LeWitt, entre outros. Como característica de seus mobiliários está a explícita relação à sua produção artística, como que criando ícones de funcionalidade da inutilidade prática de suas obras. Ao utilizarem o ponto estético de seus trabalhos e pesquisas artísticas como base para o projeto de design, acabam dando certa função a algo que por si seria afuncional. Chegam a sugerir certo paradoxo conceitual, já que, enquanto no ideal da minimal art se prima pela ausência da metáfora (“what you see is what you see” – Stella), não fazem nada além dela ao misturar conceitos de desenho industrial e obras de arte, deslocando-as de qualquer eixo normativo substancial (nem arte, nem design). Donald Judd, por exemplo, cria objetos que são quase cópias de suas obras espaciais, tanto no material utilizado quanto na aparência que nestes coloca. Ives Klein desenvolveu uma mesa com a temática paralela à sua pesquisa do “azul perfeito”, agregando a esta elementos desnecessários e totalmente figurativos quanto à sua temática artística. Ao mesmo tempo, contudo, essa produção deve ser relevada, como nos coloca Bürdek: “não se tratava de uma aproximação com o design, mas muito mais um estranhamento dos produtos, uma infra-estruturação dos objetos, uma transformação de paradoxos, parafraseamentos, quebras ou fragmentos:’peças de mobiliário de artistas contêm a possibilidade do uso, mas esta não é a sua principal intenção. Sua qualidade não depende de seu grau de conforto, do espaço das prateleiras ou da ergonomia da forma’ (Bochynek, 1989)’” (Bürdek, 2006).

s/ título donald judd

1962


Nos projetos de designers a coisa se mostra de outra maneira. Nomes como Philippe Starck, grupo Zeus, Shiro Kuramata, Stefan Wewerka, Jown Pawson, Richard Meier, entre outros, são exemplos de projetos que contém certas qualidades interessantes, mas que acabampor cair nesse formalismo purista característico do design minimalista. Tomando como exemplo para análise o trabalho de Shiro Kuramata, em especial sua poltrona de arame How high the moon (1986), pode-se perceber menos ênfase da funcionalidade em prol do aspecto estético final do produto. Nesse móvel de Kuramata, a clareza dos materiais, esse entrelaçado de arames, com certa transparência e austeridade visual o destacam entre o desenho minimalista. Essa possibilidade de alteração dos planos de visão não pelo vidro (imaterial), mas pelo metal (material) gera um efeito espacial digno de um artista minimalista. Mas cai-se novamente na gratuidade da forma. Embora a silhueta seja de um sofá, o funcionamento como tal deixa a desejar. O ângulo do ponto onde se localizaria um joelho, ou no final do apoio do braço, são problemas ergonômicos sérios. Mesmo a dureza do material, inadequada a servir de assento, acaba gerando certo receio de uso por parte do usuário. Este trabalho possui ainda certo diálogo formal com o já mencionado design High-Tech, característico da década de 60. Trata-se de um trabalho no limiar entre o estilominimalista e o revival do design high-tech. A partir desse exemplo, podemos tirar um ponto que se repetirá em diversos outros objetos minimalistas, em que o objeto aparentemente quer se tornar ícone daquilo que deveria ser. Na semiótica, o ícone é, superficialmente, uma imagem (mental ou material) que mantém com o objeto a que se refere semelhanças que o remetem e ligam a este, propiciando as mesmas impressões visual. Por constituir-se de formas rígidas, fortes, estáticas, claras, etc., um objeto minimalista como que se torna um ícone do objeto a que se refere, mantendo visualmente as características suficientes para catalogá-lo como tal, mas sem uma usabilidade convencional inerente a ele. Kuramata, por exemplo, apropria-se do que convencionalmente se tem por “poltrona” (encosto, assento para uma pessoa, braços de apoio) para criar umobjeto passível de uso, mas não desenhado especificamente para isso. O objeto faz-se sobre as características “sofá”, mas não se constitui de fato enquanto mobília. Podemos constatar também no design minimalista um uso constante de símbolos que, segundo Bürdek (2006), é também “uma função de integração social”. “Objetos simbólicos” são “aqueles que primeiraDESIGN MINIMALISTA

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mente servem a ter significância”, diferente do “objeto de uso”, que são aqueles que “primeiramente servem a preencher uma tarefa prática”. E foi o simbolismo inerente ao objeto minimalista, presente no seu “despojamento” formal, na sua altivez, etc. que atraíram os yuppies como principal público consumidor. São um público que, como seu mobiliário, vivem de aparências, para firmar-se num contexto social recém adentrado. Não importando se objeto eletrônico ou analógico, a operação simbólica na forma se faz fundamental à mensagem que se pretende transmitir, ou seja, a identidade do usuário. Assim, por mais que o design minimalista tenha sido uma reação a certas vertentes pós-modernos a partir de uma redução formal absoluta, não se livra da bagagem simbólica que o contextualizará da mesma maneira como pós-moderno, mas num grupo diferente. Ou seja, o design minimalista termina por também possuir todas as características do design pós-moderno de projeto no aspecto sígnico para o indivíduo em detrimento de algo de cunho social. O consumo pelo caráter formal e pessoal ainda prevalece sobre o funcional, sendo esse mais um ponto que o coloca diametralmente oposto ao movimento funcionalista no design, não se podendo confundir um pelo outro. Vale, finalmente, averiguar mais pontualmente a posição de Bertoni no que diz respeito à atemporalidade do design minimalista. É compreensível que coloquialmente seja utilizado o nome “minimalista” para outros projetos que tenham o mesmo foco que estes, já que tratou-se de um momento importante, com nomes influentes relacionados a ele, e que naturalmente influenciariam outros projetos. Um paralelo que pode auxiliar esclarecer esse ponto é com o funcionalismo. Embora esse termo “funcionalismo” conote muito mais que seu período histórico pontual, denotativamente o nome remete-se àquele grupo e prática, idealizadas e fundamentadas naquele contexto. Assim, embora hoje possamos dizer que há projetos funcionalistas, projetos que primam pela funcionalidade e usuário, estes são de certa forma “ecos” daquele período, e quando são chamados de “funcionalistas”, são assim classificados em relação àquele momento, àquele ideal e forma de pensar e fazer projeto. Da mesma forma, é possível que classifiquemos outros projetos que não desse período como “minimalistas”, mas isso aconteceria apenas na sua relação com o ideal formalista e sígnico desse movimento das décadas de 1980 e 1990, sem perder o foco no que realmente constitui intrinsecamente um projeto minimalista, e que esse ideal nasceu num momento histórico bastante preciso, e que, consequentemente, surtiram determinados efeitos de projeto que o diferem dos demais movimentos no design.


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s/ título donald judd

1991 DESIGN MINIMALISTA



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A publicação de um trabalho significa que há mais de uma cópia dele e está disponível, de alguma maneira, a um público, seja grande ou pequeno. A publicação pode ser local e manual ou pode alcançar um vasto público no mundo todo. Fazer um álbum de recordações não é realmente publicar, mas produzir várias cópias de um livro de fotos e dá-las para os amigos e familiares, trata-se de um tipo informal de publicação. Para um trabalho ser publicado de modo mais formal, precisa ser acessível a um público mais amplo, tornan-


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do-se parte de um discurso partilhado —o registro público. Um trabalho público é disponibilizado onde qualquer pessoa pode vê-lo. Publicar envolve coragem e risco, é uma iniciativa empreendedora, no sentido intelectual e também financeiro, além disso, é expor-se e proclamar que você tem algum conteúdo que vale a pena compartilhar. Publicar envolve tanto produzir quanto distribuir um trabalho. Primeiro você tem de apresentar seu conteúdo de uma forma física que as pessoas possam entender, e então precisa possibilitar que as pessoas o encontrem. (Se você tem 5 mil cópias impressas de um livro guardadas em sua casa, ele não está realmente disponível ao público; foi produzido, mas não distribuído.) Antes, livros e revistas só podiam ser encontrados em bibliotecas e livrarias, e era difícil introduzir publicações independentes naqueles lugares. Hoje, existem maneiras de esses pequenos formadores de conteúdo alcançarem o mercado. O editor de um livro é, como o produtor de um filme, responsá­vel por decidir se vale a pena publicar, fazer o seu design, imprimir, montar, comercializar e distribuir um determinado trabalho. O editor investe dinheiro e encontra as pessoas e serviços que farão todas essas coisas acontecer; o objetivo final é levar o livro até as mãos de leitores, vendendo-o a livrarias e a distribuidores, ou diretamente ao público. A indústria editorial costumava ser uma comunidade fechada e controlada por um pequeno grupo de elite. Hoje, embora algumas poucas editoras grandes dominem o ramo editorial, empresas de menor porte estão começando a aparecer por toda parte, graças a novas tecnologias e maneiras de fazer, comprar e vender livros. Cada vez mais os editores estão criando trabalhos dirigidos para segmentos do mercado (de beatlemaníacos a designers), e eles estão usando a internet para alcançar os leitores diretamente. A publicação independente abrange uma série de iniciativas empresariais, da iniciação de um único projeto de livro por um autor solitário a esforços contínuos por parte de organizações e indivíduos. Milhares de pequenas editoras em todo o mundo produzem livros

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LIVRO INDEPENDENTE


em quantidades relativamente pequenas e os distribuem on-line, bem como por intermédio de livrarias. Alguns serviços de publicação própria (como a Lulu.com) trabalham com os arquivos digitais do autor, prontos para imprimir, enquanto outros cobram taxas adicionais para fazerem editoração, projeto gráfico, impressão, marketing e distribuição. Em contrapartida, as editoras comerciais assumem o custo de todos esses serviços e (em geral) remuneram o autor pelo conteúdo. Estabelecimentos que fazem publicações pagas com frequência são menosprezados com o termo “imprensa da vaidade”, mas essas conotações negativas estão mudando à medida que iniciativas independentes, de pequena escala, se tornam mais vitais e disseminadas. Na música, no cinema, na arte e no jornalismo, a ideia de mídia “independente” agora é aceita e até mesmo celebrada por artistas que também querem ser empreendedores e desejam trabalhar fora da indústria convencional. Ao se tornar um editor, o autor ganha muita liberdade. Ele também assume o risco financeiro, a responsabilidade por todos os detalhes da produção e da distribuição. Por que alguém assumiria essas tarefas tão árduas quando existe uma indústria e profissionais para fazer isso? Muitas pessoas começam suas próprias publicações porque não têm acesso às editoras —elas não têm contatos na área, não são conhecidas como autores, foram recusadas por editores e agentes literários, estão trabalhando em um gênero novo ou incomum, ou estão escrevendo para mercados especializado. Outros querem ter total controle do design e da apresentação de sua obra. Alguns autores ou instituições fazem sua própria publicação a fim de realizarem o trabalho com mais rapidez, enquanto outros adoram a emoção de fazer um produto e vê-lo ganhar vida. De fato, a maioria das editoras começa com a visão de um indivíduo empreendedor (ou grupo). Esses pequenos negócios às vezes se tornam lucrativos —ou pelo menos autossustentáveis. A maioria dos negócios editoriais, no entanto, não é tão motivada pelo lucro, mas mais pelo desejo de compartilhar ideias. Este guia é dirigido aos autores e artistas que estão começando a experimentar a ideia de fazer publicações independentes. Cuidado: publicar um livro, assim como começar uma banda, é uma maneira improvável de enriquecer rapidamente ou de ficar famoso depressa. Publicar exige um trabalho manual intenso. Faça isso porque você se importa muito com o que tem a dizer, você quer dizer algo às pessoas, e porque tem o prazer de fazer as coisas acontecerem.


FUNDAMENTOS DO DESIGN

por Joseph Galbreath 63

No entanto, todo livro é feito por pessoas criativas que se detiveram em cada aspecto de sua feitura, desde o tamanho das páginas até o design da capa à forma de encadernação e o papel. Embora a folha de rosto de um livro em geral use uma tipografia pesada e imagens para chamar atenção, as páginas internas frequentemente são delicadas e discretas, para facilitar o processo de leitura. O design do livro é uma arte. Qualquer pessoa que tentefazê-lo, até mesmo de um livro simples, descobrirá rapidamente como essa arte pode ser difícil. Se você for novato em design gráfico, faça suas primeiras tentativas do modo mais simples possível e examine atentamente outros livros, para ter inspiração. Há uma longa tradição na produção editorial, e ao projetar seu livro observando os que já foram produzidos, é mais provável que você crie um volume que pareça clássico, profissional e atraente aos leitores. O processo de design de um livro está intimamente interligado com a produção e a manufatura —como ele será construído fisicamente. Este capítulo examina os princípios básicos de sequência, design de página, tipografia e design da capa. Quando você começar o processo de design, também precisará ter em mente como o seu livro será feito. Consulte a seção intitulada Faça seus próprios livros para ter ideias. Você pode decidir que trabalhar com um designer profissional é a melhor via para o seu projeto, mas como editor independente, você desejará se familiarizar com o processo.

Faça isso porque você se importa muito com o que tem a dizer LIVRO INDEPENDENTE


livro de texto Um romance ou algumas obras de não ficção consistem basicamente de texto, embora possam eventualmente conter ilustrações, como um frontispício na abertura, pequenos desenhos no início de cada capítulo, ou diagramas relacionados ao texto. A maioria dos livros tem uma coluna principal chamada mancha ou corpo do livro. As margens podem todas ser iguais, ou você pode criar margens internas mais largas (para distanciar o conteúdo da área da lombada), ou na borda externa (para criar espaço para as mãos do leitor). Alguns designers usam margem mais afastada do pé do livro, para dar espaço para o leitor segurá-lo deixando o texto livre para leitura.

Neste tipo de livros, como é óbvio, há o predomínio das fotografias em relação ao texto. Faça o design da página em conta os formatos e tamanhos das fotos que você tem e o que quer dizer em relação a elas. O formato das fotografias são predominantemente verticais, horizontais ou quadradas? Você apresentará apenas imagens ou elas serão mescladas com texto?

livro de fotografia

páginas e páginas duplas Normalmente as páginas de conteúdo de um livro são numeradas e reunidas em sequência. Quando você abre um livro, a primeira página e a última são as únicas que não estão lado a lado. Todas as demais, normalmente estão lado a lado —uma página à esquerda e uma à direita que estando o livro aberto são vistas juntas. Os designers tratam um livro como uma série de páginas duplas, e não como uma série de páginas separadas. Em um livro de texto, os lados esquerdo e direito se espelham com frequência. Dessa forma, a mancha de texto é aplicada de modo que respeite o espaço da página, ou seja suas linhas não ultrapassam o limite para a página seguinte. Em um livro de fotos, às vezes as imagens são aplicadas nas duas páginas (esquerda e direita, ou par ou impar) formando um todo. Quando isso acontece, o designer tem de ter atenção ao lugar onde ficará a calha da lombada, em relação à imagem. Esta calha tem uma grande presença física e visual ao longo das páginas de conteúdo, e essa circunstância tem que ser levada em conta ao se posicionar uma imageme não perder detalhes importantes dela.

Este elemento crucial não só indica ao leitor o que há dentro do livro e onde encontrar, mas é uma importante ferramenta de marketing. Os livreiros on-line frequentemente apresentam o sumário, e páginas de conteúdo para análise dos potenciais compradores para decidirem sobre a compra da obra — ou não.

sumário


livro de texto 65

alinhamento O software de edição lhe permite alinhar o texto de quatro formas básicas: justificado, centralizado, alinhado à esquerda e alinhado à direita. A maioria dos livros tem o texto justificado — blocos de texto sólidos com margens iguais em ambos os lados. Para um romance, um livro de memórias ou outros trabalhos com muito texto, justificar é a maneira mais comum e eficiente de dispor o conteúdo principal. Você precisará explorar outras formas de alinhamento para os títulos de capítulos, de páginas, a tipografia da capa e assim por diante. Poesia em geral segue alinhamento à esquerda, permitindo que cada linha quebre-se naturalmente, da forma como ela é escrita, em vez de ser centralizada ou forçada em blocos geométricos. Livros ilustrados são menos afeitos a convenções que os livros de textos; experimenteo alinhamento para ver o que funciona melhor com seuconteúdo e o ponto de vista que você espera transmitir.

Escolher os tipos e distribuí-los nas páginas de seu livro são etapas essenciais para se criar um visual convidativo e apropriado para ele. Hoje os designers têm muitas opções, que incluem fontes tradicionais e contemporâneas.

justificado

tipografia

Um romance ou algumas obras de não ficção consistem basicamente de texto, embora possam eventualmente conter ilustrações, como um frontispício na abertura, pequenos desenhos no início de cada capítulo, ou diagramas relacionados ao texto. A maioria dos livros tem uma coluna principal chamada mancha ou corpo do livro. As margens podem todas ser iguais, ou você pode criar margens internas mais largas (para distanciar o conteúdo da área da lombada), ou na borda externa (para criar espaço para as mãos do leitor). Alguns designers usam margem mais afastada do pé do livro, para dar espaço para o leitor segurá-lo deixando o texto livre para leitura.

Este é o formato padrão para livros com bastante texto (manchas grandes). O texto justificado parece organizado na página, e é altamente econômico, porque o software de edição usa hifenização e tam-bém ajusta o espaçamento entre palavras e letras a fim de incluir o número máximo de palavras em cada linha. Se o comprimento de sua linha é pequeno, a hifenização e o espaçamento serão variáveis e de-siguais, como se vê em jornais, que com frequência têm grandes espaços e muitas linhas hifenizadas em um único parágrafo. Se você está produzindo seu livro com um programa de processamento de texto (como o Microsoft Word) em vez de um programa de editoração (como o InDesign), a justificação pode parecer muito ruim. (Veja a linha acima.) LIVRO INDEPENDENTE


CENTRALIZADO

ALINHADO À ESQUERDA

Estático e clássico, o texto centralizado costuma ser usado para títulos de página, títulos de capítulo e dedicatórias.O caráter formal do texto centralizado também o torna adequado para convites de casamento, inscrições em túmulos e o tipo de verso que aparece dentro de cartões sociais. Ao usar o texto centralizado, o designer em geral quebra linhas de acordo com o sentido, colocando palavras ou frases importantes em linhas isoladas.Esse tipo de disposição tem frequentemente um espaçamento generoso entre as linhas.

ALINHADO À DIREITA

A disposição do texto com uma margem irregular do lado direito da coluna passou a ser comum no século XX. O texto alinhado à esquerda é considerado moderno por ser simétrico e orgânico, permitindo que o fluxo da linguagem ajude a determinar o arranjo tipográfico. O texto à esquerda funciona bem com colunas mais estreitas. O designer deve prestar muita atenção, no entanto, à aparência do recorte, ou da margem desalinhada. O recorte deve parecer irregular e natural; não deve parecer plano ou uniforme nem assumir formatos reconhecíveis como luas, ziguezagues ou pranchas afundando.

Tipografias tradicionais Muitos tipos foram criados especialmente para serem usados em livros, incluindo famílias tradicionais como Garamond, Caslon e Jenson, que estão disponíveis em versões digitais modernas que têm sido cuidadosamente redesenhadas para refletir suas origens históricas. Os livros também podem ser produzidos com fontes sem serifa, como a Futura e a Helvética.

Nunca diga jamais, mas o alinhamento à direita raramente é usado para textos de um livro inteiro. Essa disposição pode ser muito útil para criar legendas, notas à margem, e outros recursos tipográficos com bom gosto. A margem direita regular pode ser usada para criar uma noção de afinidade ou atração magnética entre diferentes elementos da página.

Tipografias CONTEMPORÂNEAS Ao escolher uma tipografia, procure uma com características orientadas para livros que você esperaria de uma fonte clássica, como versaletes e numerais não alinhados. Você pode começar a avaliar a qualidade de um tipo pela forma como ele é apresentado no site do designer. A fonte é mostrada e descrita com cuidado? Está disponível em diversos pesos e estilos?


PROCESSOS DE DESIGN

67 Analise outros livros parecidos ao seu. Pense no que o atrai e note a variedade de estratégias de design. Algumas capas só contêm letras; outras contêm fotos e/ou ilustrações. Algumas são discretas. Outras são atraentes.

Faça uma descrição do que você quer dizer e a quem quer dizer. Qual é o assunto principal de seu livro? Que atitude você quer expressar (formal, descontraída, profissional, realista)? Quem é o seu público-alvo (amigos, inimigos, colegas, empregadores potenciais)? Tenha esses objetivos em mente quando desenvolver ideias de design.

BR AIN STO RM ING

Defina o problema

PESQUISA

Quais ideias fazem sentido para o seu livro? Quais são viáveis para você produzir? Estude os recursos disponíveis, como fotos clássicas ou ilustrações dentro do livro.

PRIORIZE

Anote o máximo de ideias que tiver —boas, más e ridículas.

EXPERIMENTE Se suas habilidades de design são fracas, busque ajuda com um designer, artista, ilustrador ou fotógrafo. Procure imagens e fotografias em bancos de imagem. Respeite sempre os direitos autorais e lembre-se que as fotografias devem estar em alta resolução e em grande escala para serem bem reproduzidas.

TESTE

TESTE

TESTE

TESTE

TESTE

Mostre seus designs a outras pessoas, para sentir a reação. Avalie cada design. LIVRO INDEPENDENTE


usando o indesign A maneira mais eficiente e efetiva de desenhar um livro é usar um software profissional de edição como o Adobe InDesign ou o QuarkXPress. Embora teoricamente seja possível desenhar um livro usando um programa padrão de processamento de texto como o Microsoft Word, fazer isso é frustrante e consome tempo —em geral com resultados insatisfatórios. Programas como o InDesign lhe permitem arrastar e soltar intuitivamente elementos e criar com facilidade grades/grids, números de página (fólio), refinamentos tipográficos e outros. As instruções aqui oferecem uma visão breve do InDesign. A ótima ferramenta de Ajuda do software pode responder a dúvidas que você tenha.

crie um novo documento faça uma caixa de texto Use o comando Facing pages (páginas espelhadas) para criar uma publicação com várias páginas desenhadas em páginas duplas. Defina o tamanho de seu documento (por exemplo, 15 x 15 cm) para que mais tarde você possa imprimi-lo com marcas de corte (crop). (Ao imprimir, selecione Printer Marks>Crop Marks no menu imprimir.) O sistema de medida do InDesign baseia-se em picas e pontos; você pode mudar isso para polegadas ou milímetros em General Preferences. Use os campos de Columns and Margins para criar uma grade/grid.

Todo elemento no InDesign está dentro de um frame ou caixa. Para fazer uma caixa de texto, selecione a ferramenta Type e arraste-a na posição desejada. Você também pode mudar qualquer frame para uma caixa de texto clicando nela com a ferramenta Type. Use a janela Character para mudar a tipografia, tamanho, espaçamento, entrelinhas, entreletras e outros atributos. Use a janela do parágrafo para mudar o alinhamento (à esquerda, à direita, centralizado, justificado).

As imagens entram em frames ou caixas de imagens. Use a caixa de ferramentas para arrastar um frame. Vá para File>Place para incluir o link. O InDesign cria um preview de sua ilustração, que lhe permite editar a imagem mais tarde, no Photoshop ou outro software. (Em contrapartida, o Word incorpora imagens diretamente no documento, formando um arquivo digital pesado e limitando a edição.) Você também pode cortar e alterar o tamanho da imagem dentro do documento, sem afetar o arquivo original da imagem.

Se uma imagem ou texto usa o comando contornar o texto/wrap, os outros elementos (textos ou imagens) serão forçados a contorná-lo, em vez de ficar acima ou atrás dele. Faça isso com Window>Text>Wrap. Novos objetos no InDesign não têm valor de wrap de texto.

warp text

faça uma caixa para a imagem


Ligando caixas de texto

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Você pode ligar duas ou mais caixas de texto de modo que ele flua de um para outro. Use essa característica para criar documentos com várias colunas e páginas. Selecione uma caixa de texto, e então com a ferramenta White Arrow, clique o in-port ou out-port -—o quadradinho com um + [mais] ou um - [menos]. A seta se tornará um “ícone de texto carregado”. Posicione o ícone de texto carregado sobre o frame que você quer conectar. Clique no novo frame para confirmar a ligação. Ou clique em qualquer lugar da página, e o InDesign fará uma nova caixa automaticamente.

hifenização

Ajustar o espaço entre duas letras é chamado de espaçamento manual. (O tipo já possui valores de espaçamento.) Agora você está fazendo ajustes em cada ponto, de acordo com o que considera necessário. Posicione seu cursor entre as letras que deseja ajustar. Em um Mac, pressione option e ! (esquerda) ou”(direita) para remover ou adicionar espaço. Raramente você precisará fazer isso se estiver trabalhando com títulos em corpos grande.

tracking

Use a hifenização automática quando você está trabalhando com texto justificado. Desative-a quando você estiver trabalhando co m texto alinhado a esquerda ou a direita, ou com chamadas de qualquer tipo. Clique na caixa Hyphenation na barra de ferramenta Paragraph.

espaçamento / kerning

Ajusta o espaçamento entre letras em um texto selecionado (uma palavra, linha, parágrafo ou mais). Ao passar uma palavra para maiúscula ou versalete, por exemplo, é aconselhável espaçar as letras, expandindo o espaço entreelas. Selecione o texto e o tipo em um Tracking no menu Character ou barra de ferramenta (AV com uma seta embaixo).

Esta ferramenta contém elementos gráficos que aparecem em toda página nova de um documento, como números de página, cabeçalhos e guias. Selecione New Master do menu na janela Pages. Nomeie a página mestra e coloque texto e outros elementos nela. A página mestra agora pode ser aplicada a qualquer página, ou a todas elas e você pode basear uma nova em uma já existente, pode ter várias mestras em um documento, e pode transformar uma página existente em uma mestra. Para mais informações, veja a ajuda on-line do InDesign. Para eliminar ou modificar os elementos de uma mestra na página de um documento, pressione (command-shift [control-shift no PC]) enquanto seleciona o elemento. Isso lhe permite editar ou apagar o item. Note que um item cancelado na mestra não será atualizado naquela página se você editar a página mestra. Para numerar páginas automaticamente, crie uma caixa e escolha Type>Insert Special Character>Auto Page Number.

página mestra LIVRO INDEPENDENTE


POR ROBERTO TEMIN

Posso mostrar um texto em duas formas distintas, uma delas é a invisibilidade, como um copo de cristal que não esconde a aparência de um bom vinho, explica Beatrice Warde em seu ensaio Cristal Goblet1 onde nada deve se sobrepor ao texto. A outra é o oposto, fazer o texto aparecer usando artifícios gráficos para chamar a atenção sobre ele. Os dois formatos tem seus admiradores e seus detratores, um não pode ser considerado melhor que o outro dependendo do contexto e do efeito que se pretende alcançar.


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Para uma boa disposição gráfica, não importando a forma escolhida, deve-se ter em mente que uma série de normas permeiam o texto, não apenas para melhorar a legibilidade ou embelezar a forma, mas sim para criar um estilo, uma mecânica onde os textos de um mesmo escritor, de uma editora ou acadêmicos, tenham uma normalização comum a todos. Essa unidade pretendida não é novidade, manter uma relação harmônica, uma conexão entre textos pode ser verificada até nos primeiros livros impressos, os incunábulos2, a coerência tipográfica facilita a leitura e o entendimento, criando unidade. Dúvidas e erros devem ser corrigidos pela figura do editor por meio de um manual de estilos ou órgão normatizador como a Associação Brasileira de Normas Técnicas (a.b.n.t.) para manter a coerência entre todos os impressos e um padrão único entre os textos. Não existe uma normativa absoluta, alguns critérios simplesmente não se adequam a todos os modelos de discursos, porém seguir normas de pontuação facilita a leitura e a compreensão. Muitas editoras planejam e desenvolvem uma série de convenções de texto e manuais de estilo que os editores e designers precisam seguir. Essas orientações são frequentemente chamadas de ‘o estilo da casa’, e podem afetar tanto a especificação visual quanto o detalhamento linguístico do texto. Algumas editoras desenvolvem guias/manuais de estilo que são pertinentes a determinados gêneros de livros ou coleções; já outras permitem que seus editores desenvolvam uma estratégia detalhada para o título, seu potencial público leitor e o mercado. Certos escritores detêm uma visão muito particular da maneira que seus textos devem ser apresentados e, portanto, é importante que o designer tenha concordado com as convenções do título e acordado sobre seu detalhamento junto ao editor antes do início dos trabalhos de layout. (haslam, p. 240) O designer cuida do projeto gráfico de um livro ou coleção, definindo o seu formato e aparência final; ele tem a liberdade de criar e modificar a tipografia, grade, capa e sobrecapa, aberturas de capítulo, títulos, citações, notas de rodapé, créditos, enfim, todos os elementos que constituem uma publicação sempre seguindo as diretrizes da casa editora. O DESIGN DO TEXTO


Alguns pontos sobre editoração do texto O correto uso das regras gramaticais é importante para um bom design, saber como usar aspas e plicas, colchetes e parênteses, hifens, frações, ligaturas entre outros sinais é essencial para o entendimento do texto. Erros comuns são o uso de aspas em vez de plicas, uso incorreto do apóstrofo e hifenação incorreta. Entre as dúvidas, quando nas falas de personagens, o uso de travessão ou aspas que são definidos pelo escritor ou editor.

pontuação

A língua falada é contínua não tem espaços, no momento que a escrita foi inventada criou-se espaços entre as palavras, foi necessário informar as pausas, respiros, dúvidas e exclamações para entender o escrito como palavras faladas. O que antes eram gestos, expres-

sões e silêncios, a escrita tipográfica traduziu como espaços e marcas de pontuação. Na tipografia tudo tem que ser preciso “com dimensões conhecidas e localizações fixas”, o espaço entre as letras, palavras e linhas informam o leitor e podem facilitar ou dificultar a leitura.

ESPAÇOS

Os ‘numerais alinhados’, 0123456789, surgiram no início do séc. XIX para facilitar a leitura onde os algarismos eram o principal elemento, tabelas, balanços comerciais, catálogo de preços, enfim, atividades bancárias e comerciais. (araújo, p. 407) Já os ‘numerais não alinhados’, 0123456789, chamados de old style, tem ascendentes e descendentes, como as letras minúsculas, e por isso se integram melhor a um texto. (LUPTON, p. 52)

NUMERAIS

O grid, grade ou malha tipográfica divide a folha em espaços regulares para a colocação do conteúdo em páginas. Cria uma estrutura modular para facilitar a localização de textos, imagens, ilustrações e qualquer elemento contido no espaço da página impressa ou tela. O grid bem formatado permite flexibilidade e é uma estrutura essencial de um projeto gráfico. Ele define a estrutura do texto em colunas e cria uma moldura para sua mancha. Uma analogia é a estrutura das cidades, com sua malha viária e suas quadras, e também dos edifícios modernos de aço e vidro no qual vemos claramente as linhas divisórias entre os materiais. Barcelona com seus quarterões todos iguais tem um grid altamente visível. Pode-se dizer que o grid, usado em planejamento urbano desde Roma antiga, é parecido com o que o designer gráfico usa no papel impresso e na tela do computador.

GRIDS & COLUNAS


EXEMPLOS

73 PLICAS E APÓSTROFO

travessão ou aspas? “A senhora não sabe o milagre que me aconteceu”, contou-me com firmeza. texto de Clarice Lispector — Mas é o sim que importa — disse Cal. — É para o sim que ela volta no final. texto de Sylvia Plath

entre letras Neste texto a entre letras está muito apertada e sem respiro. Neste texto as letras estão muito separadas. Neste texto o espaçamento entre letras está adequado. Exemplos de separação entre letras

numerais em texto

em tabela

Os números ‘não alinhados’ ficam ótimos em texto corrido, desde muito antes de 1926, podem ser usados 365 dias ao ano das 7h30 até às 18h40 ou qualquer horário necessário.

P485 000.100.100.030 P300 080.040.000.000 P286 100.040.010.010 P072 020.000.020.030 P232 040.589.020.047

MANCHA

O DESIGN DO TEXTO


R P

Ç U D O O A R P UC D O O R Ã P UÇ D O Hoje em dia, a palavra produção significa muitas coisas, que estão sendo continuamente redefinidas. Para resumir, a produção é tudo o que precisa acontecer com o design antes dele ser executado. Não faz muito tempo, especialistas treinados em uma empresa de pré-impressão, selecionadores de cor ou impressores, encarregavam-se do processo de produção. Os profissionais da pré-impressão cuidavam da separação de cores, dos retoques, do trapping (sobreposição de cores) e a composição tipográfica. Agora,


O Ã Ç O

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mais do que nunca, o designer que gosta de fazer o melhor, precisa se preparar para ter certeza do que o espera. Bem-vindo à era digital. Os computadores revolucionaram o design. De repente, o designer
tem mais controle sobre o processo, o que torna o design mais desafiador e complexo, com 
as constantes mudanças nas técnicas e nas tecnologias. Atualmente o designer é exigido para tomar decisões bem fundamentadas, utilizando seus conhecimentos do processode produção. Essa compreensão da produção vai fazer a diferença entre um grande design ou apenas um grande esforço perdido.

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CONSEGUINDO O QUE VOCÊ QUER

O projeto está pronto, e agora? Desde o início, visualize o fim. Desenvolva um pensamento claro e preciso desde o princípio. Esteja presente em cada passo do processo para transmitir e preservar a sua visão do design. Você é a pessoa mais indicada para transmitir as suas intenções. Saiba quais perguntas fazer, de modo a gerenciar as suas expectativas e as de seu cliente ao se relacionar com seus fornecedores gráficos. Desenvolva o relacionamento com ele para resolver qualquer problema em potencial que possa surgir. Envolva-o desde o princípio no processo de criação, de modo que o seu design não exceda nenhuma limitação ou capacidade de produção. Essas parcerias vão prevenir problemas sérios na impressão, evitar embaraços ou desapontamentos no acabamento, e, por fim, vão viabilizar os resultados como planejado.

PRODUCAO


ENTENDENDO OS FUNDAMENTOS Conhecer as opções, e o que é possível fazer, facilita a comunicação. Aprenda sobre os padrões da indústria. Identifique o melhor processo de impressão para seu projeto e esteja familiarizado com esses métodos. Depois, escolha um impressor com base na reputação, na experiência, no equipamento atualizado, na confiabilidade e na disponibilidade. As principais técnicas de impressão disponíveis são:

FLEXOGRAFIA Técnica de impressão planográfica pelo qual a tinta é depositada na área de grafismo da
matriz de impressão (placa de alumínio) que é transferida para o substrato (papel ou cartão) por uma superfície emborrachada (blanqueta). As impressoras ofsetecomerciais, em geral, imprimem até 10 cores em cada passada de máquina. Esta técnica permite a utilização de uma ampla gama
 de papéis e cartões, sendo indicada para gramaturas de substratos até 350 g/m².

OFSETE

Esse sistema é a menos dispendiosa das técnicas de impressão.Caracteriza-se pelo uso de matrizes flexíveis de borracha ou polímero sendo que as áreas de grafismo(imagens e/ou textos) em alto-relevo e tintas fluidas voláteis que secam rapidamente e são aplicadasdiretamente no substrato (papel, cartão ou plástico) e se distingue pelas cores saturadas, e pelas quebras acentuadas no gradiente de tons e vinhetas. As impressoras flexo imprimem várias cores em uma só passada de máquina e esta técnica é adequada para produzir invólucros 
a vácuo, caixas de sucos, sacos de batatas chips, caixas de cereais, recipientes de iogurte e encartes de jornais.

DESIGNERS COMPLETOS CONHECEM O SISTEMA


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Técnica de impressão utilizada para imprimir textos e/ou
ilustrações a partir de uma matriz (cliché) em alto-relevo que é entintada nas partes altas e transfere
o grafismo diretamente para o substrato, que pode ser papel ou cartão. É uma técnica em desuso comercialmente. Tem sido utilizada para a impressão rápida de anúncios, convites e artigos de papelaria.

rotogravura

letterpress

Técnica de impressão direta que utiliza uma matriz cilíndrica com as áreas de grafismo gravadas em baixo-relevo transferindo a tinta diretamente ao substrato. Caracteriza-se pelas 
fortes cores saturadas e pelos ciclos ligeiramente irregulares. Permite imprimir em várias cores sobre filmesflexíveis e transparentes. A rotogravura também é ideal para a impressão de caixas de papelão,permitindo as operações de corte e vinco, gravações em relevo e hot-stamping (aplicação de película metálica a quente) por meio de dispositivos próprios posicionados em linha na saída da impressora.

SERIGRAFIA técnica de impressão que utiliza uma tela de tecido, plástico ou metal permeável à tinta nas áreas de grafismos e impermeável nas áreas de contragrafismo. A tinta é espalhada sobre a tela e forçada por uma lâmina de borracha através das malhas abertas até atingir o substrato. Trata-se de uma técnica versátil que permite imprimir sobre uma infinidade de materiais além de superfícies irregulares ou curvas.

Também conhecida como impressão sob demanda, está ganhando mercado. Esta técnica utilizada impressoras digitais de grande porte. O grafismo é gerado a partir de um arquivo digital. 
É particularmente indicada para projetos que necessitem de impressões rápidas e de baixa tiragem, ou tenham cronogramas apertados e possuam dados variáveis, como em malas diretas.

impressão digital

PRODUCAO


OPÇÕES DE ACABAMENTO GRÁFICO Você encontrou o impressor, escolheu o substrato, especificou as cores. Agora vem a parte divertida: uma infinidade de decisões que precisam ser tomadas para acrescentar os toques de acabamento ao seu design:

Trata-se do processo de aplicação de um produto protetor sobre uma substrato impresso ou não. Tem a dupla finalidade de proteger ou destacar uma superfície. Por exemplo: em uma capa de livro você pode aplicar a laminação a quente (BOPP) para proteger a área impressa do manuseio do leitor. Nesta mesma capa é possível aplicar verniz UV em relevo, para destacar áreas específicas de seu design. Há inúmeras possibilidades de materiais e uso na área dos revestimentos. Consulte o seu fornecedor gráfico

ESTAMPAGEM A QUENTE Processo de aplicação de películas metálicas (ouro, prata etc.) por meio de placas de metal que sobre forte pressão e calor transfere imagem ou texto para áreas específicas de seu design

GRAVAÇÃO EM RELEVO É um processo que utiliza placas de metal (cliché) para imprimir imagens
ou texto em uma área específica de seu design. A gravação pode ser em baixo-relevo ou em alto-relevo, também é um processo muito utilizado para livros de capa dura e nas sobrecapas em geral.

REVESTIMENTO ENCADERNAÇÃO Processo utilizado para juntar os vários cadernos de livros, brochuras, folhetos etc. Existem vários de tipos de encadernação. Há encadernação com costura, cola quente ou fria, grampus de metal, com espiral plástica, com anéis de aço etc. Sua escolha vai depender do número de páginas, da gramatura do papel e também de como o seu material impresso será usado. Consulte sempreo seu fornecedor gráfico sobre qual o método de encadernação é mais adequado para seu projeto.


Processo que utiliza máquinas especiais para dar formato final a uma folha de papel impressa.
 Por exemplo, para imprimir as páginas internas de um livro (miolo) a gráfica, normalmente, monta suas matrizes de impressão (chapas) com 16 páginas. Lembre-se de que a folha de papel é impressa nos dois 
lados (frente e verso); portanto, ao final do processo de impressão se obtém uma folha impressa com 32 páginas do conteúdo do livro. O processo de dobra transforma esta folha no que é chamado caderno

VINCAGEM

DOBRA Processo semelhante ao corte e vinco que consiste na formação de sulcos em uma área específica do seu design para tornar a dobradura mais fácil e impedir que o papel quebre quando for manuseado. Por exemplo, o sulco que normalmente existe na capa de um livro ao longo da lombada. Processo semelhante ao corte e vinco que consiste na formação de sulcos em uma área específica do seu design para tornar a dobradura mais fácil e impedir que o papel quebre quando for manuseado.

CORTE E VINCO Processo pelo qual o papel ou cartão é cortado em formato e áreas específicas por
meio de lâminas de aço especialmente desenha e montada sobre uma base de madeira. É um processo muito utilizado para a produção de embalagens, rótulos, etiquetas etc.

FAZENDO AS COISAS ACONTECERAM

O design não se materializaria sem a etapa de produção. Ela é a antecipação do design.Cada passo precisa ser executado e cada cenário considerado. Os relacionamentos foram desenvolvidos,e alguns problemas foram evitados, embora outros tenham sido reconhecidos como oportunidades expressivas. Bravo! A jornada rumo à preservação da integridade do design começa com um designer bem informado.

PRODUCAO

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Fazer tipografia é como escrever. Você aprende os elementos básicos para construir algumas frases simples. Você aprende um pouco mais, para ser mais eloquente. Você pratica, conforme um conjunto confuso de regras e exceções. E, finalmente, você aprende a quebrar as regras e parte para a expressão pessoal. É claro que, infelizmente, aqui não há espaço suficiente para ensiná-lo sequer os elementos básicos da tipografia. Então, em vez disso, eu resolvi redigir um apelo apaixonado para impedir que você prejudique a mim e aos outros

POR Marian Bantjes


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com algumas péssimas práticas usuais. A tipografia malfeita me faz estremecer de dor. A primeira coisa que eu preciso fazer é lhe dizer para que esqueça tudo o que seu professor de datilografia lhe ensinou. A máquina de escrever, embora fosse muito boa para as secretárias na década de 1970, é hoje um equipamento primitivo. Pense nela como um carrinho de bate-bate de um parque de diversões. Agora você cresceu e está sentado na direção de uma Ferrari. Aprenda a dirigi-la sem esbarrar em nada. Existem muitos conceitos a desaprender. Para começar não coloque dois espaços no final de um período. Pare com isso já e, por favor, nunca mais me deixe ver isso novamente. Depois, apesar de você ser “pra frente”, não sublinhe textos para dar ênfase, nem para destacar títulos de livros ou revistas. Para esse fim, use o itálico. Algumas vezes use bold para ênfase, embora normalmente itálico seja melhor. E não use a tabulação para abrir parágrafos. A tabulação tem finalidades específicas, e sinalizar parágrafos não é uma delas. Não discuta sobre isso comigo. Apenas faça o que estou lhe dizendo. Existe uma razão para se determinar o início de um parágrafo: indicar que “um novo pensamento começa ali”. Então, você deve usar algum método. Mas vamos fingir por um momento que os espaços entre linhas, as aberturas de parágrafos (que devem ser criadas em folhas de estilo padrão) e outros recursos custem dinheiro. Vamos dizer 100 reais. Toda vez que você iniciar um parágrafo vai lhe custar 100 reais. Você vai usar um espaço entre linhas e uma abertura de parágrafo? Portanto, são 200 reais! Não faça isso. Use um método, é tudo o que você precisa. Outra forma de economizar dinheiro na abertura de parágrafos é quando você tem o início de uma seção, ou um cabeçalho: você pode (deve) eliminar a o recuo do parágrafo, no início do texto, depois da pausa ou do cabeçalho. Não queira parecer o The New Yorker. Eles fazem isso de maneira errada e são pessoalmente responsáveis pela elevação de minha pressão arterial. Verifique se você usa aspas e apóstrofos de verdade. É algo tão básico que me aborrece ter de explicar isso. Algumas pessoas as TIPOGRAFIA


chamam de “aspas inteligentes”, mas o apelido é irrelevante. Embora a aparência das aspas varie conforme o estilo dos caracteres, as aspas de fechamento devem ter a forma da vírgula, e as aspas de abertura devem ser iguais, só que invertidas. Muitas vezes elas parecem pequenos seis ou noves, mas nem sempre. O apóstrofo tem sempre a mesma forma da vírgula e deve ser exatamente igual às aspas de fechamento simples (quando ela está invertida, trata-se apenas de aspas de abertura simples e não do apóstrofo). Esses outros caracteres, que normalmente vão para cima e para baixo e não têm a mesma forma da vírgula, são chamados de plicas ou duplas plicas, e são como agulhas para os meus olhos quando usadas no lugar das aspas e dos apóstrofos. Quando eu as vejo em algum documento, sinto dor física. Por favor, eu não estou brincando. Existe um uso correto para as plicas: indicar pés e polegadas, e também segundos (tanto como medida de tempo como subunidade de graus): por exemplo, eu tenho 5´ 4´´ de altura (plica = pés, duplas plicas = polegadas). A subtortura deste gênero é ver as polegadas e os pés representados por aspas e apóstrofos. Eu não tenho 5’ 4” de altura, isso é completamente absurdo. A questão é que as aspas não são marcas de estilo, elas têm um significado. E, por falar nisso, o significado das aspas é indicar que algo foi dito (ou pensado, ou citado como exemplo), e não, como tantos parecem acreditar, para dar ênfase. Reforçando o conceito: use itálico (ou bold) para ênfase e aspas para citação. Elas também são úteis para indicar o sentido de ironia, que normalmente é um efeito inesperado quando erroneamente as usamos para dar ênfase. Atenção: peixe “fresco” é “peixe supostamente fresco”, quer dizer que é tudo menos fresco. Vejo isso todo dia em lojas e seria engraçado se não doesse tanto. Muitos ficam confusos a respeito do uso de hífens e de travessões, mas isso é realmente muito simples. Os hífens (-) são usados para manter as coisas unidas, os travessões m (—) são usados para manter as coisas separadas, e os travessões n (–) são usados para indicar um intervalo. Se você puder substituir o traço pela palavra “a” (ou por “de” e “até”), então deve ser um travessão n (muito comum em intervalos de datas “1960 a 2007” ou “de 1960 até 2007”). Se o traço cria uma pausa ou um aparte, ele deve ser um travessão m. Mas se você estiver unindo duas palavras,então deve usar o hífen, por exemplo, amoreira-do-brasil. Simples assim. O duplo hífen, usado na digitação, deve ser trocado pelo travessão. Algumas pessoas, e eu não sou uma delas, preferemusar o traço simples com espaço em ambos os lados, em vez do travessão. A respeito disso, eu

Será que note quando eu d


quero dizer: “não seja tão tolo e use o caractere adequado” [Nota do editor: em muitos países de fala inglesa, o traço simples com espaço em ambos os lados é a forma de pontuação aceita para indicar a pausa ou o a parte]. Quando for necessário definir o corpo do texto, não nos deixe atordoados e doentes com espaçamento variável entre as letras de linha a linha. Por favor, mude a configuração padrão para “justificado” no programa de editoração, para que o espaçamento seja zero por cento no texto inteiro. Quer dizer, o espaçamento entre as suas letras nunca deve espremer nem oscilar, não importa o que você veja nos jornais diários ou em revistas populares. Os designers de tipos passam muito tempo calculando o espaço correto entre cada par de letras. Por favor, respeite essa competência (se você ainda não ouviu o designer de tipos Lucas de Groot falar a respeito do assunto dos pares de kerning, você vai se juntar a mim e nos recolhermos à nossa insignificância). Porém, lembre-se de que usar comprimentos de linhas mais curtos pode causar problemas no espaçamento entre palavras. O seu texto justificado está com linhas cheias de vazios? Aumente o comprimento da linha, reduza o tamanho do tipo, acrescente alguma hifenização, e, em caso de dúvida, defina o texto como desalinhado.

otei você quase perder o fôlego eu disse a palavra “hifenização”? Não me inclua na ridícula vingança do mundo corporativo contra os hífens. Pegue um livro, uma revista, ou um jornal decente. Confira: hífens! Um exército de pequenos e gloriosos hífens presentes todos os dias, ajudando a nos proteger contra os demônios do espaçamento entre palavras. Dificilmente os percebermos, tão acostumados estamos com o serviço que nos prestam. Se estiver usando o texto justificado, acione a hifenização, não permita mais do que duas ou três em uma sequência, e você estará prestando um grande serviço a todos nós. Mas, se estiver trabalhando sob alguma proibição de hífens, apenas defina o texto como desalinhado e nos livre de cair em rios de espaços em branco entre as palavras. TIPOGRAFIA

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O texto desalinhado também pode (preferivelmente deve) ser hifenizado, especialmente em linhas de comprimentos mais curtos, mas o que simplesmente me assusta é a grande frequência com que sou assaltada pelos pequenos blocos com títulos e chamadas de matérias desnecessariamente hifenizados, mal hifenizados, ou com tantas quebras de linhas malfeitas em relação ao conjunto do texto ou à maneira como é lido. O texto ampliado é uma coisa, tem a atenção que merece, mas se um pequeno bloco de texto ficar sozinho em um título ou chamada, ou ainda no caso de uma legenda, verifique todas as linhas, levando em conta como são lidas, quais informações devem estar juntas e o que a forma final da significa. Forma? Sim, forma! Qual forma deveria ter uma pequena peça com tipografia display? Falando em geral, pequena e pesada. Ela deve ter linhas mais curtas no topo e embaixo, e um pouco mais larga no meio. Neste caso, estamos pensando em um homem de meia-idade, e não na mulher cheia de curvas: a chamada deve ser curta e grossa. Está na moda colocar muito espaço entre linhas, o que me choca no fundo da alma. Faixas, faixas! Por que motivo você gostaria de ler longos corpos de faixas horizontais? Toda a questão de definir a mancha texto gira em torno de facilitar a leitura. O bloco de texto deve ser coesivo, apenas com o espaço para a respiração entre as linhas, e não a ponto de fazer nossos olhos saltarem de uma linha para a seguinte. Por isso é tão cansativo ler esses tipos de textos. Listas, marcadores/bullets e recuos. Vamos pensar nos marcadores/bullets e nos recuos: o pri-meiro ponto, eles aparecem juntos, unidos em sua violência mútua. Não use marcadores/bullets sem recuar o texto seguinte, e verifique se o recuo se alinha corretamente embaixo da primeira linha. O mesmo vale para as listas numeradas, e tome cuidado em especial com os números que terão dígitos duplos ou triplos. Pense nisso antecipadamente, então defina uma tabulação de modo que os números se alinhem à direita sob o último dígito ou período ou qualquer marca que venha em seguida, então se permita colocar um travessão simples n ou um travessão m, e defina outra tabulação para alinhar seu texto à esquerda. Bloqueie e carregue. E, por falar nisso, os marcadores/bullets são bolinhas e não balas de canhão, então que sejam pequenos! Grandes o suficiente para que se possa vê-los, mas não tão grandes que espantem o leitor ao visualizá-los. A questão é criar hierarquia e ordem; portanto, mantenha tudo limpo e arrumado. Na medida do possível, não me venha com todas as letras digitadas em maiúsculas, se você tiver versaletes de verdade disponíveis.


Elas vêm num formato separado das fontes Type 1, ou incluídas na maioria das fontes Open Type. Se você não as tiver, não as falsifique tornando-as maiúsculas encolhidas, ou usando aquele estúpido botão (Tt) dos softwares de editoração que deforma o desenho original da letra. Nesse caso, usar maiúsculas serve. Mas, em qualquer escolha, dê-lhes um pequeno espaçamento entre as letras: de 50 a 100 unidades, para uso no texto corrido, talvez mais, quando utilizado em títulos e cabeçalhos. Em todos os casos, mantenha consistência. Ela é a chave de tudo. Não use maiúsculas aqui, e minúsculas ali. Se usar algarismos antigos [ou elzeverianos, com ascendentes e descendentes], use-os do começo ao fim (e, em geral, se estiver usando algarismos antigos, você também deve usar minúsculas. Usar maiúsculas e algarismos antigos juntos é terrível!). Se usar itálico para ênfase, use do começo ao fim. Tome uma decisão e a mantenha. Ou então, se você mudar de estilo, mude-o completamente, do começo ao fim. Agora, uma palavra ou duas sobre o texto de títulos e chamadas, quer dizer, o texto que fica sozinho, em destaque no corpo do documento, normalmente em tamanhos maiores do que o texto. Não confie no espaçamento de letras definido pelo software ou pelo designer de tipos, em corpos maiores a maioria dos tipos disponíveis precisa de algum ajuste. A primeira conduta necessária é um ajuste geral das letras. Quanto maiores forem, mais concentradas devem ficar. Então, quase sempre será preciso fazer algum ajuste manual de kerning. Preste atenção para a tipografia, exagere-a, acrescente espaço entre as letras que se tocam ou ficam muito próximas umas das outras, aproxime-as quando elas estiverem afastadas. De maneira similar, você provavelmente precisará ajustar a entrelinha de um tipo maior e, de novo, quanto maior o corpo, menor a proporção entre o corpo e a entrelinha. Exagere, exagere, exagere. O título é para ser visto! Não desmereça a tipografia deixando-a abandonada, virando-se por conta própria, parecendo uma garota com o vestido preso na roupa debaixo. Existe muito mais para se conhecer nesta área, mas essas ideias básicas vão aliviar muito sofrimento. Para saber mais, você deve ler tudo em que você puder colocar as mãos referente à tipografia. [O editor sugere: Projeto Tipográfico – Análise e produção de fontes digitais, de Claudio Rocha e Primeiros socorros em tipografia, de Hans Peter Willberg e Friedrich Forssman.] Junto com os tipógrafos de toda parte, você vai afastar os bárbaros dos nossos portões, livrando--nos da invasão das atrocidades tipográficas. TIPOGRAFIA

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Não. E não é culpa da crise, até por que elas vem e vão. Existe uma coisa chamada crescimento exponencial, e isso faz o mundo andar cada vez mais rápido. Do crescimento da população ao desenvolvimento de novas tecnologias, velocidade de obsolescência das coisas e grandes mudanças culturais. Um ser humano inventou o Uber e destruiu o esquema do taxi. Outro, o Whatsapp e matou o sms, telefone e a porra toda. O smartphone transformou operadoras de telefonia (existe?) em distribuidoras de banda. Você paga sua tv a


O Dbe.

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cabo e nem assiste. E mais mil exemplos desses. E assim caminha, rapidamente, a humanidade. E aí vem a pergunta: Por que caralhos esse treco não há de pegar a nossa indústria? Se quiser se basear na fé, talvez encontre um pensamento mágico que nos salve. Dirão os céticos: “sempre existem os cavaleiros do apocalipse, que diziam que tal coisa ia morrer, e tal coisa ia matar tal coisa”. De fato, não necessariamente uma coisa mata a outra. Mas sim, uma coisa mata a outra se essa outra não olhar pra dentro e se reinventar. Deixando de lado a fé, vamos voltar aos fatos. – Quanto vale a marca Uber? Como ela se fez? Quanto de comunicação investiu? Qual o jeito de fazer e quanto tempo levou? O mundo todo conhece o Uber tanto quanto grandes marcas globais. – E os estudantes de cinema de Berlim que fizeram um filme (Que filme!) para a Johnnie Walker. Visto pelo planeta. Aplaudido pelo planeta. A Netflix com faturamento gigantesco ameaça o negócio da TV. A queda de audiência de quem ainda protege o modelo de negócios no Brasil. Os bureaus de mídia pelo mundo e o jeito como a própria disciplina tem se reinventado, com aprofundamento de ROI e mensuração, mídia programática, customização de canais, etc. – Indústria automotiva em pânico (e excitação) com os carros que andam sozinhos. Os Ubers que andam sozinhos. Os drones que levam pessoas pelos céus. Os drones Uber que farão a humanidade chegar no De Volta para o Futuro. O Google é concorrente e/ou parceiro de todo mundo. Até de você. Indústria alimentícia repensando tudo. Bancos, Imóveis, Escolas, Supermercados. – A morte de todos os tipos de agentes, que não faziam nada mais que ser agentes. Corretores de imóveis, agências de turismo, operadora de hotéis, cartões de crédito tradicionais, cooperativa de táxi. Fim dos intermediários que não tem um valor além de, simplesmente, intermediar. – Falência moral e/ou financeira das instituições duras: Fifa, governos e classe política, Sindicatos, Grupos disso ou daquilo. O Vatica-

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DEMITIDO!


no, por exemplo, tenta desesperadamentecom o Papa Francisco se conectar a outros tempos, outros valores, sobreviver. – Os Youtubers e influencers com mais reputação, audiência e moral que os velhos atores de sempre, da novela de sempre. Qualquer um pode ser a nova sensação do último minuto da próxima semana. Blogs de alguns clubes de futebol fazem trabalho muito mais sério e relevante que muitos (falsos) jornalistas mumificados nas arcaicas editorias com interesses comerciais. Vemos hoje tentativas da TV de incorporar linguagens de internet (Adnet é um bom exemplo). Antes tinha um papo de “isso é coisa pra internet”. Acabou. Ninguém entra mais na internet. A vida é uma internet. E diante de toda essa loucura, a primeira tentativa é a mais banal: protecionismo. CBF peitando a Primeira Liga com ameacinha coronelista, boba, colegial. TV’s tentando apavorar a Netflix. Processos contra o Whatsapp. Taxistas enfiando porrada no motorista do Uber. Em vão. É tipo o velho casamento, que só se mantinha por causa de um papel. Separar era feio, e isso protegia a instituição casamento (e nos bastidores todo mundo fazia de tudo). Protecionismo é coisa do século velho. O negócio é: Entenda a mudança e, como diz a Dori pro Nemo, o peixe: “Continue a Nadar”.

Perdemos, playboy. O seu jeito de fazer não funciona mais. O que você faz será feito de outro jeito. A proposta de valor da sua empresa não será a mesma. A ferramenta não será a mesma. A estrutura da empresa ou necessidade dos clientes não será a mesma. O velho planejamento e o planejar não funcionam mais. Mas cá entre nós, que tesão viver nesse mundo, não? Nunca foi tão fácil aprender. Nunca foi tão acessível se conectar com gente que pode ajudar. Nunca foi tão interessante mensurar Nunca foi permitido errar como se pode errar e corrigir hoje. Nunca foi tão convidativo e rápido mudar, rever, construir. Enfim. A mudança é forte e rápida. De alguma maneira, ela irá chegar até você. E por isso você já está demitido. Demitido do seu velho você. Do que ele fazia, pensava e agia. E, na minha opinião, esse é o primeiro passo para que alguma trans-


formação aconteça. Precisamos profissionais pra transformar, por exemplo, as agências. Dar uma nova perspectiva, sustentabilidade e relevância na vida das (novas) companhias. Resgatar o respeito, o papel, a estratégia, o espaço, o talento, a motivação. Vamos assistir todo mundo querendo ir trabalhar em qualquer outra coisa? A fonte secar? Saber que estamos ameaçados pode ser um combustível pra nos fazer acordar mais cedo, prototipar coisas, tentar o que ninguém tentou. Inverter ou subverter a lógica. Cruzar agência de propaganda, lab de inovação, startup, academia, engenharia, tudo! Percebemos e repensamos. Ganhamos uma nova vida. Muito mais legal, inspiradora, e em busca de ter maior relevância. Uma vida que quer se plugar num mundo mais flexível, inspirador, democrático, orgânico e de possibilidades infinitas. Semana que vem, um projeto que faço parte vai pro ar. Pra inspirar a gente a repensar a gente. Afinal, esse mundo dá, ao mesmo tempo, medo e tesão.

A questão é: Você vai abraçar sua demissão Virtual e começar a tentar

mudar? Ajudar sua empresa nisso? Caminhar, evoluir? O resto é fé. E choro.

DEMITIDO!

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PERCEPÇÃO

processo 03


A MULTIDISCI PLINARIDADE

NO DESIGN Luís Cláudio Portugal


A

tese da multidisciplinaridade no design entrou em cena, nos anos 1950, de maneira particularmente sofisticada e entusiástica, por via da célebre escola de Ulm na Alemanha. Sobretudo a partir da orientação proposta pelo teórico e pedagogo Tomás Maldonado, substituindo Max Bill na direção da escola, o ensino do design assumiu, em definitivo e com propriedade, seu caráter multi e interdisciplinar. Tal modalidade bastante positiva e mesmo essencial de multi e interdisciplinaridade ocorre quando campos de conhecimento com interlocução com o campo do design carreiam – iguais a Reis Magos aportando suas prendas – insumos, avanços e descobertas ao campo do design, no sentido de arejá-lo, ventilá-lo, fecundá-lo, robustecê-lo e enriquecê lo em sua identidade própria. Esta visão de multidisciplinaridade permite o estabelecimento de diálogos, transposições, fertilizações cruzadas, analogias, comparações, regras de três, paralelos e triangulações entre um campo de conhecimento e outro. Pode-se inovar no design, a partir, por exemplo, da seguinte equação conceitual: “este dado avanço, oriundo deste dado campo de conhecimento, está para este mesmo campo, assim como quê estaria para o campo do design?” E, então, tantas vezes, oportunidades de paralelos são brilhantemente vislumbradas. (Alguém poderia, neste sentido, ao tomar conhecimento das técnicas específicas de moldagem e modelagem de próteses dentárias, imaginar novas abordagens, materiais, instrumentais, procedimentos e mesmo sensibilidades para execução de modelos de aparência utilizados na atividade projetual do design. Com isto, avanços da protética odontológica alcançariam a área de execução de modelos de representação de

design, com evidentes ganhos para o último.) Outra forma inquestionável de contribuição é aquela em que se passa a compreender a atividade do design como parte de um sistema mais complexo de conhecimento, interrelacionando o design, situando-o, permitindo seu entendimento em termos laterais, macroscópicos e microscópicos. (Valendo-se de outra analogia com o universo da odontologia, todos concordam que um dentista tem muito a ganhar por haver cursado disciplinas que situem o sistema bucal no âmbito mais amplo do corpo humano.) Tais concepções benfazejas e bem-vindas de multidisciplinaridade o são exatamente por aportarem insumos, sensibilidades, olhares, luzes e conhecimentos de fora para dentro – de modo propositivo, sugestivo e informativo. Esta modalidade de multidisciplinaridade se dedica, como sugerido, a fecundar o que já existe, tal como a terra mais rica fertiliza uma semente que nela se desenvolva. Há, entretanto, outra maneira – esta segunda, nitidamente deturpada e, em certos casos, até, alegadamente oportunista – de valer-se do conceito de multidisciplinaridade. Se o primeiro sentido, o sentido legítimo, positivo e propositivo, de multidisciplinaridade foi incorporado ao design, nos anos 1950, na escola de Ulm, este segundo e ilegítimo sentido virou modismo, no país, a partir dos anos 1990. Aquela primeira acepção de multidisciplinaridade aduba a identidade do campo receptor, respeitando suas características constitutivas essenciais. O segundo uso de que se tem ultimamente feito de multidisciplinaridade se converte em forma de indefensável colonização intelectual de um campo de conhecimento mais novo, menos estruturado e menos amadurecido. A MULTIDISCIPLINARIDADE DO DESIGN

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Campos menos amadurecidos, “receptores” dos supostamente benéficos influxos de multidisciplinaridade, estariam, como é o caso do design, portanto, menos aptos a se posicionar e a se defender da pressão que modelaria de fora para dentro suas identidades. Tal pressão exercida de fora para dentro teima em travestir e desconsiderar a dimensão epistemológica, ontológica e metodológica do design, seu cabedal constituído de conhecimento, seu arcabouço teórico e suas demais referências idiossincráticas que lhe conferem identidade e sentido. Esta forma de multidisciplinaridade deixa, então, de ser assistiva, propositiva e ancilar para tornar-se impositiva, desrespeitosa, inculta e abusiva. Uma concepção como esta de multidisciplinaridade aplicada ao design desconsidera, fundamentalmente, a dinâmica naturalmente endógena do processo orgânico de desenvolvimento do campo. De maneira exógena, procura conformar as características do campo do design às características dos campos de onde emanam os forasteiros nele recém-radicados, desfigurando-o e empobrecendo-o, paulatinamente, assim. Se a primeira acepção de multidisciplinaridade incorpora virtudes ao campo que recebe seus influxos, a segunda modalidade cristaliza vícios, obscurantismo e equívocos. À guisa de ilustração do caráter degenerativo desta modalidade de multidisciplinaridade, mencione-se um dos casos muito discutidos de imiscuência de um campo externo no fazer próprio do design: a assim denominada modalidade da “artistagem”, abordagem conceitual e metodológica nitidamente errônea que insiste em tentar conformar, centripetamente, exogenamente, com patente desconhecimento de causa, a atividade projetual do design às concepções, enfoques e métodos.

A chamada “artistagem”, prática cabalmente refutada por integrantes mais respeitados da comunidade de design no país, tais como os expoentes Alexandre Wollner, Gustavo Goebel Weyne e Karl Heinz Bergmiller, seria como uma assim forçada tentativa de implausível e impraticável hibridização em que um meio (o das artes plásticas) se impõe sobre o registro do outro meio (o do design). Situada, se tanto, apenas nas franjas do design, a “artistagem” resulta, em geral, em deficiente trabalho de artes plásticas e em descaracterizado projeto de design, seja gráfico, seja de produto. Apresenta-se como um ser destituído de organicidade e unidade ontológica, tal como um Minotauro ou um Centauro: meio gente, meio bicho; mas nem bem gente e nem bem bicho – apenas mito. Bruno Munari, um dos autores mais conceituados da literatura especializada em design, também ressalta, com clareza, em vários de seus livros e artigos, a impropriedade da abordagem das belas artes em projetos de design. Após tecer várias outras considerações explicando o que argumenta ser a nítida demarcação entre os dois fazeres, o das belas artes e o do design, e as duas formas distintas de sensibilidade correspondentes a cada qual, Munari (1979?) complementa indicando que: Enquanto o artista, se tem de projetar um objeto de uso o faz no seu estilo, o designer não tem estilo nenhum e a forma final dos seus objetos é o resultado lógico de um projeto que se propõe resolver da melhor maneira todas as componentes de um problema: escolhe as matérias mais convenientes, as técnicas mais justas, experimenta as possibilidades de ambas, tem em conta a componente psicológica, o custo e cada função em particular. Aqui, não é a “elite” o público a quem o designer se di-


rige, mas sim todo o grande público dos consumidores; procura projetar objetos que além de servirem bem as suas funções, tenham também um aspecto coerente segundo uma escolha, a qual dá origem àquilo que eu creio poder definir como a estética da lógica. Segundo os princípios do bom design, o consumidor anônimo deveria sentir a presença de um trabalhador que também pensou nele, no sentido de produzir um objeto que funcione bem e que tenha, além disso a sua estética, não devida ao estilo pessoal de alguém, mas nascida do próprio problema. Logo a seguir, Munari volta a contrastar o modo estético próprio do design com o modo estético da artistagem, já testemunhando, em fins da década de 1970, o estado de coisas de ordem mais relativista que perdura até hoje. Ao analisar o comportamento de artistas imiscuindo-se na prática de projeto do design, Munari sugere que eles se desviam do modo mais abrangente de conciliar as múltiplas funções que coabitam em projetos de design: (...), quando o artista pretende trabalhar como designer fá-lo sempre de um modo subjetivo, procura mostrar a sua “artisticidade”, deseja que o objeto produzido conserve ou transmita a sua expressão artística, seja esse artista um pintor, um escultor ou um arquiteto. Atualmente, as confusões neste campo são freqüentes, na nossa época, tem lugar de valores subjetivos para valores objetivos. Esta artificiosa associação entre o design e as artes plásticas é igualmente criticada, em termos argutos e corajosos, por Gui Bonsiepe, reconhecidamente um dos mais lúcidos teóricos do campo do design. Bonsiepe (2003) desnu-

da a questão do desvio que vem sendo imposto às características estéticas, lingüísticas e metodológicas do design, contrapondo que o universo do design não se confunde com, nem se subordina ao das belas artes: (...) Como é conhecido, nos anos 80 e 90, o caráter de signo dos produtos adquiriu gradualmente um status de “prima dona”. Além disso dentro desta popularização estética do design este foi reduzido do seu significado simbólico para “algo engraçado”, “uma experiência” ou “o maior barato”. Este processo atingiu o seu ponto alto na “botiquização” do design. Isso é uma das razões para a tendência de se ver o design como um fenômeno superestrutural que se encaixa nas categorias das estruturas da história da arte e da teoria da arte. (...) Este tipo de visão teórica deixa de ver que o design tem haver [sic] com tecnologia, indústria e economia, ou seja dura materialidade. No que concerne a [sic] prática profissional, a redução do design à dimensão de signos e símbolos promove uma imagem do designer como criativo “outsider”, um embelezador da feiúra industrial, um moderno fazedor de signos ao invés do antigo fazedor de formas, e acima de tudo a imagem de um criador de uma nova e separada categoria de objetos, os “objetos de design” caros, fora de série, elitistas, enfim “de design”. (...) No mesmo texto, Bonsiepe aduz implicações preocupantes desta visão, que também julga conceitualmente equivocada, presente em parcela – minúscula, porém de grande visibilidade –do chamado design contemporâneo, para o ensino do design: (...) Também na formação em design esta tendência encontrou seu ninho, onde o clichê A MULTIDISCIPLINARIDADE DO DESIGN

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do design como um curso fácil, divertido, de “moda”, com muito “hip” e “hop”, e que não exige muito esforço do estudante se estabeleceu. A primeira modalidade de multidisciplinaridade, a que engendra crescimento, exemplificada, neste parágrafo, por meio de analogia com o universo esportivo, seria como se um treinador de basquete, acercando-se de um colega treinador de futebol, sugerisse-lhe algumas de suas estratégias de ataque – por exemplo, mencionando o papel do pivô, que, ágil e forte, irrompe contra a defesa adversária. Um técnico de futebol poderia, assim, incorporar tais táticas do basquete a seus próprios treinamentos. (Consta que Ronaldo, jogador da Seleção Brasileira, já desempenhou, em análoga função, este papel de pivô, criando jogadas fulminantes que terminaram em gols de sua equipe.) Esta é a multidisciplinaridade altamente enriquecedora que se deveria almejar consolidar. Ela é, antes de tudo, profundamente respeitosa com o campo intelectual que a acolhe. Em contraste, o outro tipo de multidisciplinaridade, a que impinge o registro de um meio sobre o de outro, se afigura, na melhor das hipóteses, como algo apenas divertido e “engraçadinho”, como haveria de ser uma equipe de vôlei treinada por técnicos de handibol de modo a reter ou a conduzir a bola com as mãos. Não resultaria em bom handibol, nem em bom vôlei. Ela adulteraria a regra e a dinâmica intrínsecas ao vôlei e deixaria de treinar jogadores de alto desempenho. Um treinamento de vôlei, assim, em parte calcado no registro do handibol, desconsideraria a existência efetiva do mundo do vôlei, internacionalmente competitivo, realidade esta objetiva que vigora para além dos muros que confinam aqueles

que apenas entenderiam do jogar do handibol. Quem não aspirar à excelência no vôlei poderá considerar esta estranha hibridização (como a das figuras do Minotauro e do Centauro) até uma distração descontraída, capaz de entreter amigos em férias em um playground. Para aqueles, porém, que buscam a excelência na prática do vôlei, tal modalidade algo esquisita e esdrúxula de “handi-vôlei” introjetaria vícios imperdoáveis, reduzindo suas chances de se tornarem atletas de elevado padrão. Um suposto ser alienígena que, por hipótese, não conhecesse suficientemente bem a espécie humana em suas características e seus contornos, não se daria muito conta de que um Minotauro (ou um Centauro) não seria, propriamente, um ser humano. De igual modo, alguém que não conheça tão bem como se joga o voleibol, ao assistir aos joviais praticantes de um divertimento como o “handi-vôlei”, não saberia bem discernir não se tratar de voleibol de verdade. Prosseguindo na mesma linha, alguém que não conhecesse profundamente a prática e o ensino do design poderia também confundir-se, tomando gato por lebre, achando a “artistagem” tratar-se, como não, do tal design de que tanto se fala. Imagine-se, por um momento, os efeitos indesejáveis que seriam decorrentes de uma prática pedagógica da astronomia que fosse baseada em visões transplantadas da astrologia. (Existe, até, quem defenda tal evidente aberração.) Afinal, diriam seus proponentes, “no início, a astrologia e a astronomia eram indissolúveis”. Há, entretanto, que se distinguir, hoje, a vocação mais objetiva, física, cientificista e técnica da astronomia, em contraste com a natureza mais subjetiva, intuitiva, simbólica e esotérica, mesmo, da astrologia. “Mas ambas as disciplinas lidam com astros! Ambas têm, até, o mesmo radical em suas nomenclaturas!” Tais


afirmações não autorizam, porém, a inferência de que o caráter, métodos e pedagogias da astronomia devam ser tomados de empréstimo da astrologia. Caso muitíssimo semelhante se dá entre as belas artes e o design. Ambos os domínios lidam com o belo, ambos se mesclaram em tempos passados, ambos tratam da criação de formas visuais e táteis. Mas, igualmente, tal constatação não permite inferir que suas naturezas sejam, de fato, imbricadas. Design, como defendido de maneira virtualmente consensual em toda literatura especializada do campo, lida com um certo modo de belo distinto do modo de belo intrínseco às artes plásticas. Design opera com um belo objetivo, um belo funcional, um belo que não reina como “filho único” e que coexiste com múltiplas outras demandas de ordem prática e objetiva vinculadas ao mundo exterior, às situações de uso, aos sistemas de objetos, à realidade ambiental, aos meios de produção, à economia e a vários outros fatores de projeto. Esta é uma das limitações e grandezas que caracterizam sua identidade. Caberia, aqui, talvez, um paralelo com a forma de redação da narrativa jornalística, igualmente de natureza mais objetiva (que há, entretanto, também de incorporar graça, elegância e beleza), e as formas de um belo mais livre de restrições objetivas associado à literatura no sentido das belas letras. Ambos os meios de expressão lidam com o belo, mas lidam com belos de naturezas distintas. Reduzir o design à sua dimensão estética é relegá-lo a um exercício formalista, pessoal, subjetivo, estritamente autoral e de volição pessoal – ainda que tal, entenda-se, possa até ser, eventualmente, meritório enquanto categoria das belas artes. A chamada artistagem, assim, é exemplo ilustrativo das conseqüências deformadoras para o campo do design do emprego indevido do

conceito de multidisciplinaridade. Retornando, portanto, nesta altura, ao tema mais geral da multidisciplinaridade, com seus dois sentidos, um benéfico e outro desfavorável, todos concordariam com o fato de que o campo do design possui características multidisciplinares. Ele não é, entretanto, como alguns tentam desta idéia persuadir os demais, denominado “campo da multidisciplinaridade”. Ele é (ainda?) denominado “campo do design”. O design não pode continuar a ser encarado como um “campo-salada”, um “campo-sopão”, um “campo-miscelânia”, um campo “xis-tudo”, um campo, como se ouve dizer, “coração-de-mãe”, a ser indevidamente inchado, neste e naquele caso, até por indivíduos de competência extrínseca a ele. Ele não se constitui, como sugerido acima, em mera soma de competências distintas que se agregam. É uma competência homogênea em si. Design, há que se respeitá-lo assim, possui organicidade, lógica interna, substância, especificidade e unicidade. A simples justaposição de competências “vizinhas” ao campo do design não conduz, como se elas fossem misturadas em um liquidificador, à essência do design. A formação de uma dada especialidade se constitui em fenômeno, por assim dizer, “químico”, intramolecular, implicando em alterações qualitativas – e não, meramente, em um fenômeno “físico”. Em outros termos, não se faz design a partir da liquidificação de competências adjacentes. Do mesmo modo, não se chega à competência específica da carpintaria e da marcenaria a partir de uma equipe constituída por pedreiros, serralheiros e vidraceiros. “Mas são todos operários!” “Todos mexem com ferramentas!” “Todos trabalham em construções!” “Eles haverão de entender-se e chegar a um meio termo A MULTIDISCIPLINARIDADE DO DESIGN

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sobre a carpintaria e a marcenaria!” Esta visão, porém, não se sustenta. Quem se recordar do grande fiasco da celebração dos 500 anos do descobrimento do Brasil, em 2000, saberá que a muito ironizada construção desastrada do que seria a réplica da nau capitânia de Cabral se deveu, em grande parte, à não escalação de profissionais que, realmente, entendessem de carpintaria naval. Não dar a importância devida ao mérito intrínseco das competências específicas tende a produzir maus resultados. Para construir-se uma embarcação de madeira, são necessários carpinteiros especializados, competentes e experientes. São necessários carpinteiros, em uma palavra, que possuam mais do que mero verniz de carpintaria naval e que sejam profundos conhecedores do riscado. Um pedreiro, um serralheiro e um vidraceiro, misturados, não produzem um carpinteiro. Isto porque a competência da carpintaria provém de dentro. A competência da carpintaria emana da própria carpintaria. Não adianta, portanto, convocarem-se pedreiros, serralheiros e vidraceiros que, por mais que se os agitem, não se chegará à competência específica da carpintaria e da marcenaria naval. Similarmente, competências circunvizinhas ao design não o produzem por uma média mágica entre seus posicionamentos, por assim dizer, “territoriais”. Design, como campo de projeto e de ensino, não pode, pois, ser rebaixado à condição de uma nau sem identidade própria e sem rumo. Há, também, que se evitar a crença chauvinista de que o céu do Brasil é mais azul e possuído de um azul anil mais cintilante do que o céu de outras nações. Por que o seria? De fato, não resulta verídica a visão de que o campo do design haveria de ser, por algum capricho cósmico, mais multidisciplinar do que outros campos. Não há razão para supor-se que o de-

sign seria, por exemplo, mais multidisciplinar do que o campo da arquitetura (em cujos domínios, a propósito, aquela segunda acepção, a de efeitos degenerativos, da multidisciplinaridade não é minimamente tolerada). Como reiterado neste trabalho, a multidisciplinaridade, em seu sentido dialético e sadio, é componente essencial para evolução de todos os campos do saber. Por outro lado, a requentada tese de que o design viria a ser, por alguma graça especial, um campo “eleito”, um campo mais particularmente multidisciplinar do que o seriam outras searas, parece estar associada, não a um fato indisputável, mas à incapacidade circunstancial de o campo do design proteger-se da colonização intelectual oriunda de outros campos. Em suma: nem o design é mais multidisciplinar do que outros domínios vizinhos, nem o céu do Brasil é, cientificamente, nem um pouco mais azul anil cintilante do que o de outros países de mesma latitude. É, em verdade, bem variado o repertório de neologismos fabricados para argumentar-se em prol desta segunda e questionável acepção de multidisciplinaridade. Fala-se, em algumas ocasiões, como se a esperar-se ecos de acrítico assentimento, além de “multidisciplinaridade” e “interdisciplinaridade”, em termos como: “transdisciplinaridade”, “polidisciplinaridade”, “meta-disciplinaridade”, “pós-disciplinaridade”, “pós-especialidade”, “multipolaridade”, “não-disciplinaridade”, “transversalidade”, “multiversidade”, entre outras bossas que tais. Fica-se com a impressão de que quanto mais pseudo-intelectualizado, pseudo-poético, moderninho, rebuscado e empolado soar o termo, mais pontos ele rende e mais tende a cair nas boas graças da moda tupiniquim. Freqüentadores da cena de determinados cursos de pós graduação estão, por certo, já familiarizados com este afã de le-


gitimar o abuso do conceito de multidisciplinaridade por meio da assaz impressionante recriação de neologismos hibridizados – a ferramenta corretora do programa de texto ora empregado não reconhece quase nenhum deles – e, supostamente, mais “antenados”. Alguns proponentes deste estado de coisas tentam, por vezes com crasso desconhecimento do corpo de conhecimento do design, impor a lógica de seus campos de origem à lógica do design. Trata-se, no fundo, com perdão de mais um neologismo, de atitude “disciplino-cêntrica”. Que multidisciplinaridade é esta, porém, em que seus postulantes se mostram, assim, tão aferrados à lógica de suas próprias disciplinas? (Esta forma, assim, predatória de multidisciplinaridade se bate pela abertura das fronteiras do design a estrangeiros cujas visões de mundo, paradoxalmente, se mostram fechadas à natureza própria do campo do design. Ora, ora.) Nisto reside o âmago do problema. Este tipo de intervenção multidisciplinar não mais produz, na prática, o efeito de iluminar o campo do design, porém, ainda que involuntariamente, o efeito de descaracterizá-lo, de sufocar sua identidade individual, desprezando, como apontado há pouco, suas próprias características, desenvolvimentos teóricos e conquistas metodológicas. Esta forma de indevida intromissão necessitaria de ser temperada por uma visão mais delicada e sensível com relação ao campo de conhecimento em que a intervenção dos leigos ou semi-especialistas desembarca. Muitos de seus principais atores teriam a ganhar se, por exemplo, adotassem a abordagem antropológica da observação participante. Observar, com humildade sincera, a lógica de um dado substrato cultural – e, sobretudo, informar-se e aprender – é recomendação sábia, que deveria preceder toda

forma de intervenção apriorística, de fora para dentro, de um campo de conhecimento sobre a área de atuação do outro. Na visão original modernista em que o conceito de multidisciplinaridade foi incorporado ao design, este era cultuado como disciplina “guarda-chuva” (e, mesmo, “manda-chuva”), coordenadora das múltiplas competências convidadas a co-participar de sua atividade. Este era o sentido original do conceito de multidisciplinaridade aplicado ao design. Em equipes multidisciplinares, aos designers era destinado o papel de “meio-de-campo”, capitaneando, até, a interface comunicacional entre as diferentes competências (engenheiros, biólogos, sociólogos, fotógrafos, ilustradores, técnicos etc.) conjugadas em projetos de design. Já na ideologia predominantemente relativista que distingue o atual momento, o design foi desalojado de sua condição anterior para um canto secundário, mais humilde, em seu próprio domicílio. Em realidade, ele vem sendo relegado, em prejuízo da lógica e da razão, em casos e casos, no âmbito de sua prática projetual e de seu magistério, ao status de disciplina ancilar, se tanto, em sua própria esfera de atuação. O design foi, assim, apeado da condição de piloto e, sem muito se dar conta, feito passageiro em seu ofício específico. Se, no momento anterior, ele incorporava – indevidamente, até, em vários casos – o posto de demiurgo e senhorio, no momento de agora, foi apequenado quase à função de espectador. Trata-se, no mínimo, de melancólica inversão de papéis, face a seu mais vistoso e técnico passado. Quando se projeta em design, quando se ensina design, quando se discute design, entretanto, o foco principal deveria partir do design mesmo que se discute. Que egiptólogos A MULTIDISCIPLINARIDADE DO DESIGN

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discorram e explanem sobre egiptologia. Em nome da própria idéia da multidisciplinaridade, em nome da verdadeira idéia de multidisciplinaridade, deixe-se o design florescer como design. Afinal, que multidisciplinaridade de conveniência é esta que pouco concede espaço para que o design, como disciplina, possa se expressar com autoridade – especialmente expressar-se a respeito de sua própria substância e em seu próprio domínio? Descortina-se, enfim, a questão essencialmente política da problemática. Papéis coadjuvantes ou mesmo apenas de figuração na cena do design almejam ocupar maior centralidade, auto impondo-se ao respeitável público na função de protagonistas em um palco em que, entretanto, deveria o design ser a estrela principal. Não se sentem, porém, constrangidos, tantos destes “neo-especialistas”, por estarem, ali, em posição de influência, apesar de não muito preparados para esta exata função, ocupando o espaço do discurso do design sobre si? Não se sentem, afinal, desconfortáveis no íntimo e pouco à vontade em suas peles, como não-nativos de um dado idioma se sentiriam ao, assertivamente, contraditar nativos do referido idioma, nativos estes cultos e estudiosos do mesmo, sobre questões vocabulares e gramaticais deste dado idioma? Como se sujeitam a desempenhar papel algo semelhante ao do Secretário Geral do Rei, no eterno conto de Hans Christian Andersen, “As roupas novas do imperador”, que se dispôs a elucidar as qualidades estéticas do tecido invisível que, em realidade, não visualizava, mas sobre que discorria, com segurança, em profusão de detalhes? Como se arriscam, alguns deles, a pontificar, categoricamente, sobre questões tão fulcrais, complexas e específicas do campo do design, sem havê-lo estudado, anos a fio, de verdade? Não se per-

cebem inapelavelmente frágeis neste incerto papel de “porta-vozes do design” para o qual suas carreiras tenderam, ocupando posições vulneráveis, instáveis e pouco promissoras, por mais que gostem do design e se interessem por aprendê-lo nos próximos anos? Seria concebível, por hipótese, que, simetricamente, indivíduos com formação em design se assenhorassem, de modo tão avassalador (o termo é bem exato), de tantas posições-chave na prática e no ensino de domínios de onde provém tais influxos de “novos-especialistas” em design? Que modalidade de multidisciplinaridade capenga e auto contraditória é esta, por fim, que só vale em sentido unilateral de lá para cá? Um discurso assim em muito se assemelha ao discurso dúbio de determinadas nações desenvolvidas que apregoam aos quatro ventos a melíflua e encantadora cantilena do livre comércio, mas que só concebem o livre-comércio quando se trata de elas, tais nações, promoverem o livre fluxo dos produtos de seus domínios a domínios menos desenvolvidos e estruturados. Que livre-comércio, afinal, é este? Que liberalismo é esse de mão única? Como explicar a existência desta modalidade fundamentalmente contraditória e aberrativa de “multidisciplinaridade unidirecional”? Não raro, fato já discutido, alguns proponentes deste estilo travestido e amesquinhado da nobilíssima causa da multidisciplinaridade adentram o campo do design sem a necessária bagagem de vida, sem domínio conceitual, metodológico, teórico, histórico e pedagógico do mesmo, empenhando-se, com afinco, ainda que por desconhecimento da teoria do design, por fazer tábua rasa da identidade própria do campo. Como tantas vezes testemunhado, vários deles passam, não-especialistas ou “semi-especialistas”, não conhecedores enfim


que são, a sacramentar com impressionante segurança – em alguns casos, até, com empáfia e desfaçatez – sobre o que é e o que não é o design. Ainda alguns se lançam, de um ano para outro, de uma temporada para outra, a escrever artigos e livros, a organizar congressos e outros eventos, a fazer curadoria de mostras de design, a emitir pareceres sobre projetos de pesquisa na área, a participar de bancas examinadoras de concursos públicos, a ocupar posições-chave em órgãos de fomento à pesquisa, a orientar alunos (que estão apenas se iniciando nas referências do campo que abraçaram), arvorando-se, assim, à condição de ora estipular, ora abolir, regras de como se faz e de como não se faz design. Dentre tais, há, ainda, uns mais apressados que parecem, mesmo, buscar estampar em grande estilo seus nomes em artigos, livros e congressos de design, assinalando, com desconcertante ímpeto e avidez, suas novas conquistas territoriais no campo ainda pouco sedimentado e pouco guarnecido do design. Em frases de efeito que impressionam, atordoam e escanteiam a lógica e a racionalidade, a causa da multidisciplinaridade é, então, por vezes, empregada (na segunda e ilegítima acepção) como “cunha de penetração” para franquear a entrada de visitantes despreparados que tencionam tomar posse de um graúdo lote no fascinante e prestigiado território do design. A esta altura, a célebre frase do jogador Romário parece capturar com precisão o que também aconteceria, mesmo que talvez apenas em parte, no campo do design: “Os caras acabaram de chegar e já querem sentar na janelinha.” Cabe, ainda, reproduzir breve comentário recentemente entreouvido em roda de designers que igualmente sintetiza, de modo bem coloquial, alguns aspectos do presente estado de coisas: “‘Tá tudo muito bem! ‘Tá tudo

muito bom! A prosa ‘tá mesmo muito boa! ‘Tá tudo muito bonito, mas cadê o design? Quando é que o design vai chegar? Quem é, afinal, que vai projetar a fralda geriátrica descartável? E quem vai projetar a comunicação visual do manual da filmadora de DVD?” Quando se sentem logicamente encalacrados, alguns desses ainda costumam tentar uma sofística saída. Assim como a falsa mãe aceitou dividir ao meio a criança disputada frente ao Rei Salomão, os não-especialistas e os semi-especialistas, flagrados na indevida atividade de palestrar em nome do design, apelam para a cartada de afirmar que o que o design é há de ser estipulado por uma certa “média” entre a opinião de todos, isto é, uma “média” entre a opinião dos especialistas em design e a opinião dos recém-chegados. Assim, tudo meio que borra e fica valendo para todo mundo. Todos passariam a contar com iguais prerrogativas de pontuar e opinar sobre design. Cria-se, com permissão da expressão, um “trenzinho da alegria” para alguns desses neo-especialistas que almejam, também, ocupar um lugar ao sol na ora concorrida e atraente praia do design. Tudo fica, supostamente, “mais inclusivo”. Afinal, objetam, “todos cedem um pouco”. A questão é que, a bem da verdade e com todo respeito, ao tratar-se de uma dada matéria, apenas aqueles não conhecedores a fundo da dada matéria deveriam ser colocados na posição de ter que abrir mão de suas prerrogativas ilegítimas de pontificar, em posição de influência, sobre tal. Os campos da física, medicina e arquitetura, por exemplo, não são canhestramente definidos, em suas essências, em suas identidades, em seus conceitos, em seus métodos, em seus parâmetros e padrões de qualidade, não são pautados em como devem ou não devem ser A MULTIDISCIPLINARIDADE DO DESIGN

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ensinados, por uma “média”, assim, de opiniões e visões combinadas de não-especialistas e especialistas. Nesta matéria, não cabe sair circulando enquetes de opiniões. Tampouco cabem votações “democráticas”, tal qual em programas interativos de televisão. Não se conceberia, nas áreas de conhecimento mencionadas acima, criar-se algo como uma tal média “democrática” entre as opiniões de não-especialistas e especialistas. Com devida anuência pelo recurso consciente à seguinte tautologia, especialidades são para ser tratadas e lecionadas por especialistas. A lógica mesma da existência das especialidades é a lógica de um sistema de valores meritocrático – não de um sistema demagógico e populista, em que a opinião de quem estudou a vida inteira passa a ter o mesmo relevo e preponderância atribuídos à opinião de quem entrou no circuito ou na sala há poucos anos. A lógica meritocrática da questão vem sendo ofuscada, com degradação qualitativa a olhos vistos do campo do design. Não se pode atropelar, impunemente, competências efetivas acumuladas por especialistas, sob pena de graves perdas para o patrimônio conceitual do campo. Isto porque, quando se concede inadvertidamente que não-especialistas, em tamanha profusão e em posições de tanta centralidade, visibilidade e influência, arbitrem – seja em conjunto com os verdadeiros especialistas ou não – sobre matérias específicas de uma dada especialidade, ocorre lamentável nivelamento por baixo da mesma. A especialidade se dilui, se torna aguada, se degrada. Há, portanto, que se reavivar o conceito mais nobre e melhor interpretado de elite, de uma elite científica, crítica e intelectual, de uma elite do conhecimento e do saber, em sua mais digna acepção, em defesa da excelência profissional e acadêmica a que se aspira.

Com todo respeito, não cabe propor, contínua e exaustivamente e sem sentido de utilidade, a redefinição do conceito de design, a cada seis meses, a cada nova escola de design que se abra no país (e já se contam mais de quatrocentas escolas). O campo do design existe, não é uma entidade instável, mutante e esquizofrênica. E o conceito de design é, por certo, de conhecimento de seus especialistas. (Exatamente por conhecê-lo, eles são, por definição, chamados de especialistas.) Há, tão-somente, que recrutá-los e ouvi-los. O campo do design não é novo, portanto. Não há que reinventá-lo a cada vez. Ele é novo, apenas, para os recém chegados que não acompanharam, intimamente, tudo o que já vem sendo discutido desde o início. Tomam, então, “o que não viram” como sendo “o que não existe”. E como alguns deles não se dispõem a estudá-lo, imaginam recriá-lo, projetando suas visões pessoais e subjetivas sobre ele. A tornearia mecânica se altera em suas técnicas, ferramentas e equipamentos, em suas feições e manifestações exteriores, mas não se transmuta, a cada cinco minutos, em sua essência. A tornearia mecânica – assim como a física, a medicina, a arquitetura e o design – tampouco fica cambiando de identidade, disso para aquilo, com tamanha volatilidade. Não faz sentido fechar-se, por irrazoável que pareça, o campo da tornearia mecânica “para balanço”, para um mergulho especulativo paralisante e ensimesmado, a cada nova escola inaugurada de tornearia mecânica, a fim de redefini-la, reconcebê-la e reinventá-la. A roda já está inventada. Isto é um fato, não matéria de contínua recriação. Não cabe reinventar-se a roda para aperfeiçoar-se o torno. É anti-civilizatório e anti-científico lançar-se em insensata busca a fim de reinventar-se a roda, desconhecendo a evolução cumulativa dos saberes.


A discussão deveria, isto sim, estar localizada bem mais à frente, focalizando questões mais reais, necessárias e aprofundadas. A discussão não pode continuar tristemente estagnada na redefinição do mais básico dos mais básicos pressupostos, refém do desconhecimento dos que chegaram há pouco. Estes que se juntem aos demais, de jeito a pegar o fio da história ao longo do filme – e que, em nome da sabedoria, abstenham-se de fabular sobre o que não viram. Acontece que o sistema solar é heliocêntrico, não geocêntrico. Isto é matéria vencida. Que se parta da concepção heliocêntrica para frente – em lugar de, por desconhecimento dos avanços e conquistas do campo, ficar-se discutindo o modelo orbital do sistema solar, sem base informacional, a partir de uma “média” de opiniões de não especialistas e especialistas. Neo-especialistas (por mais persuasivos, sedutores, poéticos, refinados e sofistas que alguns se mostrem ser – reconheça-se em vários deles tais requintados dotes e proezas verbais) não possuem ascendência, qualificação, nem competências conceituais e técnicas intrínsecas para discutir de igual para igual com autoridades especialistas sobre a natureza e a pedagogia da dada especialidade em questão. Por mais simpatia que, no clássico “Pinóquio” de Carlo Collodi, as personagens risonhas e traquinas que habitam a Ilha dos Prazeres despertem pelo discurso liberal, permissivo e hedonista, a voz da sensatez, lucidez e correção, representada pela figura do Grilo Falante, exortando Pinóquio a regressar aos estudos, há de prevalecer para que este não se transmute, para sempre, em burro, como os demais meninos da Ilha dos Prazeres, e a história chegue a bom termo. Mas, de fato, conceda-se que afrouxar regras e posturas enseja mais simpatia momentânea

do que implementá-las ou restabelecê las. É, pois, equívoco transformar-se, cegamente, desiguais em iguais. É equívoco colocar-se profundos conhecedores e “semi-conhecedores” no mesmo barco, no mesmo patamar de autoridade técnica. Há que se reabilitar a noção de mérito, tratando desiguais como... – o que, em verdade, são – ...desiguais! O mérito possui prerrogativas próprias de estirpe intrínsecas a si. Há, quando menos, que se honrar a excelência dos que consagraram a vida a qualificar-se para o desempenho de dada especialidade. A sociedade perde com o descrédito conferido aos, de fato, profundos conhecedores e com o indevido crédito estendido a levas de “novos-especialistas”. Como seria óbvio (não fora a desalentadora inversão de valores em redutos da academia do design), não basta que alguém obtenha diploma de mestrado ou doutorado em área afim à do design (ou mesmo em design) para que granjeie legitimidade moral e técnica para ensiná-lo e para discorrer soberanamente sobre ele. Ensinar é missão superior, entre outros aspectos, de auxiliar a plasmar os horizontes dos jovens que ingressam na profissão. Não-especialistas estão em condição, como afirmado, de prestar valiosíssima contribuição em torno de aspectos do campo do design que possibilitem a construção de pontes entre o design e seus campos de origem. Não-especialistas teriam, portanto, muito a enriquecer o campo que visitam a propósito de questões em que seus campos de origem tangenciem ou interpenetrem este campo. Não mais do que isto, porém. Não-especialistas não possuem prerrogativa de arbitrar, de forma abalizada, sobre o conjunto e a essência mesma de campos que conhecem apenas perifericamente, ainda que tais campos se superponham parcialmente aos A MULTIDISCIPLINARIDADE DO DESIGN

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seus. Que psicólogos, por exemplo, lecionem e publiquem, com justa autoridade, sobre aspectos psicológicos, perceptivos e cognitivos do design, não sobre a essência mesma deste segundo campo, seus conceitos fundamentais e seu método clássico de projeto. Segundo esta lógica, até mesmo um designer (imaginando-se, agora, um designer no papel simétrico de personagem visitante) estaria apto a discorrer, com mérito, sobre o campo da egiptologia naqueles aspectos em que o design permeia a egiptologia. Assim, neste exemplo, um designer gráfico especialista na história da escrita poderia abordar, de maneira de fato particularmente rica, aspectos da escrita egípcia – iluminando, com a riqueza da visão técnica e específica do design, o campo de conhecimento da egiptologia. Todos concordariam quanto ao valor inestimável desta forma de intercâmbio. Colocar-se um designer, entretanto, na posição de espraiar sua autoridade intelectual, apesar da tentação humana bastante desculpável, além dos aspectos da egiptologia afetos ao design, por mínimo que fosse este adentrar, seria forma de inaceitável presunção de conhecimento. Parafraseando se o célebre estadista Georges Clemenceau , invertendo-se, porém, o sentido de sua proposição original, poder-se-ia complementar afirmando-se que os campos de conhecimento são, realmente, importantes demais para serem deixados por conta dos chamados “neo especialistas”. Começam a surgir vozes críticas também em outras searas do saber, questionando a indevida interferência, em matérias intrínsecas à determinação da essência mesma de tais universos, por parte de indivíduos não plenamente dotados do conhecimento específico dos mesmos. Assim, por exemplo, eruditos da área da literatura se mobilizam em resposta à apropriação da cena literária por parte de historia-

dores, sociólogos, antropólogos, cientistas políticos, entre outros, em matérias não restritas aos pontos em comum entre a formação de tais indivíduos e este dado campo. Também entre os literatos, neste caso, pleiteia-se o resgate do foco na competência específica, técnica e estética da literatura em seu próprio domínio e em suas próprias questões. Analogamente, historiadores articulam, com firmeza crescente, reflexão crítica semelhante a propósito da deformação e do empobrecimento imposto ao campo da história por recém-ingressos com bagagem, sobretudo, em sociologia. Não caberia, por certo, como repetidas vezes sugerido neste texto, qualquer forma de objeção corporativista e xenófoba à participação de pessoas externas a determinados campos do saber no desenvolvimento de outros campos. Trata-se, tão-somente, de circunscrever-se esta forma de participação aos aspectos que, realmente, sejam passíveis de ser iluminados pelo olhar específico de indivíduos de competência externa – evitando-se que tal participação extrapole os limites de confluência entre o campo do visitante e o campo visitado. Tese defendida na presente reflexão crítica, o ensino do design, em particular o das matérias mais centrais e específicas de seus cursos, pressupõe – não a arregimentação de seus docentes com formação exclusivamente em design, mas –, imperativamente, isto sim, prolongado, efetivo e intensíssimo envolvimento e comprometimento de vida dos mesmos com esta atividade. Tal reclame é, afinal, absolutamente razoável. Pressupõe que dominem, a fundo, sua bibliografia clássica. Pressupõe que se assenhorem, por completo, dos eixos principais de sua epistemologia. Pressupõe que conheçam, de trás para diante, seus modelos e modalidades pedagógicas. Quem ensina, por definição, há que ser notável e efetiva


autoridade de conhecimento na matéria que ensina. E a matéria, no caso, é design – não outra. A matéria não se intitula: “multidisciplinaridade”. Não é uma matéria, por assim dizer, “relacional”. É, em si, matéria substantiva e objetiva. Apequena-se o campo do design e a própria noção do magistério ao se aceitar, reféns de uma mal-interpretada (e, até, em determinados casos, oportunistamente mal-interpretada) noção de multidisciplinaridade, que pessoas com envolvimento de vida apenas parcial com o design sejam impropriamente alçadas à delicadíssima condição de ensiná-lo, cabendo-lhes, então, a sagrada prerrogativa de formar mentes e corações. O design se trata, afinal, de um campo de conhecimento, um domínio legítimo, uma especialidade, uma especificidade epistemológica. É esta a razão que justifica a criação de cursos de graduação e pós-graduação na área: a área existe como tal. Porém, eis outra contradição: se for importante a formação em design para o corpo discente (argumento pela abertura de novos cursos), como não o ser para o corpo docente (postura que se evidencia no recrutamento de novos professores, recrutamento este que, apenas muito raramente, exige, em caráter eliminatório, ampla bagagem de vida dos mesmos na área específica do design)? Como explicar, assim, em concursos públicos para o magistério de design, a continuada imposição de uma rigidez absoluta e draconiana quanto à dimensão vertical dos currículos de aspirantes à docência em design (apenas aceitando-se a inscrição de doutores), em flagrante contraste com uma flexibilização estonteante quanto à dimensão horizontal de seus currículos, isto é, quanto à natureza da real bagagem de vida de tais candidatos? Esta conjugação de, por um lado, absoluta rigidez na dimensão vertical dos currículos com, de outra parte,

uma injustificável flexibilização da dimensão horizontal dos mesmos concorre, na prática, em termos efetivos, para bloquear o acesso de “nativos” do design ao magistério do próprio design. Isto se dá, pois, tratando-se o design de área emergente com relativamente poucos doutores titulados no país, a quase totalidade de candidatos à cátedra do design em concursos públicos termina por ser constituída por doutores... – mas não por designers. É ingênuo, porém, supor que uma tal concentração de não-especialistas, assim, por geração espontânea de conhecimento, haverá de formar especialistas de alto calibre. A especificidade do design, compreende-se, torna-se um incômodo cisco nos olhos para parte dos não especialistas que decidem mudar-se com armas e bagagens para esse novo campo. A especificidade do design passa a constituir-se, mesmo que inconscientemente, para alguns recém-chegados, em certo empecilho, em uma forma de entrave, como se fora um inoportuno dobrar de sinos a lembrá-los – e, talvez, ainda pior, a lembrar a todos – de que eles não são profundos conhecedores da matéria. Mas, afinal, como pode? Como não são especialistas, se as especialidades hão de ser matéria, por definição, da alçada de especialistas? A resposta balsâmica, a tábua de salvação, a senha libertária, o salvo-conduto, o auxílio em boa hora dos céus, a carta de alforria, a redenção, a anestesia!, a anistia ampla, geral e irrestrita, o comando peremptório de “Estátua!”, capaz de, instantaneamente, tudo paralisar e de intimidar a crítica a tais flagrantes incoerências, o grito de “Abre-te, Sésamo!”, o brado retumbante de “Liberou geral!”, o clamor engasgado, indignado mesmo, de socorro: “— Multidisciplinaridade!” A MULTIDISCIPLINARIDADE DO DESIGN

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O

MUNDO

CODIFICADO VILÉM FLUSSER


O

objetivo deste trabalho é mostrar que a revolução no mundo da comunicação (cujas testemunhas e vítimas somos nós) influencia nossa vida com mais intensidade do que tendemos habitualmente a aceitar. Na verdade, temos consciência dos efeitos, por exemplo, da televisão, das propagandas ou do cinema. O que pensamos aqui, no entanto, é algo mais radical. Buscaremos mostrar que o significado geral do mundo e da vida em si mudou sob o impacto da revolução da comunicação. Essa afirmação, sem exageros, é ousada, mas apesar disso será apresentada aqui. E para isso vamos nos concentrar em um aspecto isolado dessa revolução - a saber, nos códigos – com a esperança de que isso seja suficiente para transmitir a radicalidade da presente renovação. Se compararmos nossa situação atual com aquela que existia pouco antes da Segunda Guerra Mundial, ficaremos impressionados com a relativa ausência de cores no período anterior à guerra. A arquitetura e o maquinário, os livros e as ferramentas, as roupas e os alimenros eram predominantemente cinzentos. (A propósito, um dos motivos que impressionavam os visitantes que retornavam dos países socialistas era seu aspecto monocromático: nossa explosão de cores não aconteceu por lá). Nosso entorno é repleto de cores que atraem a atenção dia e noite, em lugares públicos e privados, de forma berrante ou amena. Nossas meias e pijamas, conservas e garrafas, exposições e publicidade, livros e mapas, bebidas e ice-creams, filmes e televisão, tudos se encontra em technicolor. Evidentemente não se trata de um mero fnômeno estético, de um novo “estilo artístico”. Essa explosão de cores significa algo. O sinal vermelho quer dizer “stop!”, e o verde berrante das ervilhas significa “compre-me!”. Somos en-

volvidos por cores dotadas de significados; somos programados por cores, que são um aspecto do mundo codificado em que vivemos. As cores são o modo como as superfícies aparecem para nós. Quando uma parte importante das mensagens que nos programam hoje em dia chega em cores, significa que as superfícies se tornaram importantes portadores de mensagens. Paredes, telas, superfícies de papel, plástico, alumínio, vidro, material d tecelagem, etc. se transformaram em “meios” importantes. A situação no poeríodo anterior à guerra era relativamente cinzenta, pois naquelas época as superfícies para a comunicação não desempenhavam um papel tão importante. Predominavam as linhas: letras e número ordenados em sequência. O significado de tais símbolos independe de cores: um “a” vermelho e um “a” preto têm o mesmo som, e se este texto tivesso sido impresso em amarelo, teria o mesmo sentido. Consequentemente, a presente explosão de cores indica um aumento da importância dos códigos bidimensionais. Ou o inverso: os códigos unidimensionais, como o alfabeto, tendem atualemnte a perder importância. O fato de a humanidade ser programada por superfícies (imagens) pode ser considerado, no entanto, não como uma novidade revolucionária. Pelo contrário: parece tratar-se de uma volta a um estado normal. Antes da invenção da escrita, as imagens era meios decisivos de comunicação. Como os códigos em geral são efêmeros (como, por exemplo, a língua falada, os gestos, os cantos), somos levados a decifrar sobretudo o significado das imagens, nas quais o homem, de Lascaux às plaquetas mesopotâmicas, inscrevia suas ações e seus infortúnios. E, mesmo depois da invenção da escrita, os códigos de superfície, como afrescos e mosaicos, tapetes e vitrais de igrejas, continuavam desempenhando um papel importante. Somente após a invenção da imprensa é que o alfabeto coMUNDO CODIFICADO

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meçou efetivamente a se impor. Por isso a Idade Média (e inclusive a Renascença) nos parece tão colorida se comparada à Idade Moderna. Nesse sentido, nossa situação pode ser interpretada como um retorno à Idade Média, ou seja, como uma “volta avant la lettre”. Não é uma ideia feliz, no entanto, querermos entender nossa atual situação como um retorno ao analfabetismo. As imagens que nos programam não são do mesmo tipo que aquelas anteriores à invenção da imprensa. Programas de televisão são coisas bem distintas dos vitrais das igrejas góticas, e a superfície de uma lata de sopa é algo diverso de uma tela renascentista. A diferença, em poucas palavras, é a seguinte: imagens pre-modernas são produtos da tecnologia. Por trás das imagens que nos programam pode-se constatar uma teoria científica, mas não se pode dizer o mesmo das imagens pré-modernas. O homem pré moderno vivia num outro universo imagético, que tentava interpretar o “mundo”. Nós vivemos em um mundo imagético que interpreta as teorias referentes ao “mundo”. Essa é uma nova situação, mais revolucionária. Para resumir isso, faremos uma pequena digressão sobre os códigos: um código é um sistema de símbolos. Seu objetivo é possibilitaree a comunicação entre os homens. Como os símbolos são fenômenos que sustituem (“significam”) outros fenômenos, a comunicação é, portanto, uma substituição: ela substitui a vivência daquilo a que se refere. Os homem tem de se entender mutuamente por meio dos código, pois perderam o contato direto com o significado dos símbolos. O homem é um animal “alienada” (verfremdet) e vê-se obrigado a criar símbolos e a ordená-los em códigos, caso queira transpor o abismo que há entre ele e o “mundo”. Ele precisa “mediar” (vermitteln), precisa dar um sentido ao “mundo”.

Onde quer que se descubram códigos, pode-se deduzir algo sobre a humanidade. Os círculos consrtuídos com pedras e ossos de ursos, que rodeavam os esqueletos de antropoides africanos mortos há 2 milhões de anos, permitem que consederemos esses antropoides como homens. Pois esses círculos são códigos, os ossos e as pedras são símbolos, e o antropoide era um homem porque estava “alienado”, louco para poder dar um sentido ao mundo. Embora tenhamos perdido a chave desses códigos: reconhecemos neles o propósito de dar sentido (o “artifício). Códigos mais recentes (como, por exemplo, as inscrições nas cavernas) permitem melhor decodificação. (Pois nós utilizamos códigos similares). Sabemos que as pinturas em Lascaux e em Altamira significam cenas de caça. Códigos que existem a partir de símbolos bidimensionais, como é o caso em Lascaux, significam o “mundo”, na medida em que reduzem as circunstâncias quadridimensionais de tempo-espaço a cenas, na medida em que eles “imaginam”. “Imaginação” significa, de maneira exata, a capacidade de resumir o mundo das circunstâncias em cenas, e vice-versa, de decodificar as cenas como substituição das circunstâncias. Fazer “mapas” e lê-los. Inclusive “mapas” de circunstâncias desejadas, como uma caçada futura (Lascaux), por exemplo, ou projetos de equipamentos eletrônicos (blueprints). O caráter cênico dos códigos bidimensionais tem como consequência um modo de vida específico das sociedades por eles programadas. Eles podem ser denominados de “forma mágica da existência” (magische Daseinform). Uma imagem é uma superfície cujo significado pode ser abarcado num lance de olhar: ela “sincroniza” a circunstância que indica como cena. Mas, depois de um olhar abrangene, os olhos percorrem a imagem analisando-a, a fim de acolher


efetivamente seu significado; eles devem “diacronizar a sincronicidade”. Para os homens que estão programados pelas imagens, o tempo flui no mundo assim como os olhos que percorrem a imagem: ela diacroniza, ordena as coisas em situações. É o tempo do retorno, de dia e noite e dia, de semente e colheita e semente, de nascimento e morte e renascimento, e a magia é aquela técnica introduzida para uma determinada experiência temporal. Ela ordena as coias do modo como elas devem se comportar dentro do circuito do tempo. E o mundo dessde modo codificado, o mundo das imgens, o “mundo imaginário”, programou e eleaborou a forma de existência (daseinform) de nossos antepassados durante inúmeros milhares de anos: para eles o “mundo era um amontado de cenas que exigiam um comportamento mágico. E isso resultou numa mudança radical, numa revolução com consequências tão fortes a ponto de nos deixar sem fôlego quando consideramos o acontecimento, mesmo depois de 6 mil anos transcorridos. A invenção da escrita deve-se, em primeiro lugar, não a invenção de novos símbolos, mas ao desenrolar da imagem em linhas (Zeilen). Dizemos que com esse acontecimento se encerrou a pré-história e começou a história no sentido verdadeiro. Mas nem sempre estamos conscientes de que aí está implícito aquele passo que retorna à imgem e segue em direção ao nada (gähnendes Nichts), o que possibilita que a imagem seja desenrolada como uma linha. Quando se quer decifrar (“ler”) um texto, os olhos tem de deslizar ao longo da linha. Somente ao final da linha que se recebe a mensagem, e é preciso tentar resumi-la, sintetizá-la. Códigos lineares exigem uma sincroniação de sua diacronia. Exigem uma recepção mais avançada. E isso tem como efeito uma nova experiência

temporal, a saber, a experiênciade um tempo linear, de uma corrente do irrevogável progresso, da dramática irrepetibilidade, do projeto, em suma, da história. Com a invenção da escrita começa a história, não porque a escrita grava os processos, mas porque ela transforma as cenas em processos: ela produz a consciência histórica. Essa consciência não venceu imediatamente a consciência da mágica, mas a superou lentamente e com dificuldade. A dialética entre superfície e linha, entre imagem e conceito, começõu como uma luta, e somente mais tarde é que os textos absorveram as imagens. A filosofia grega e a profecia judaica são desafios de luta dos textos contra as imagens: Platão, por exemplo, desprezou a pintura, e os profetas bradaram contra a idolatria (Bildermachen). Somente no decorrer dos séculos é que os textos começaram a programar a sociedade, e a consciência histórica, ao longo da Antiguidade e da Idade Média, permaneceu como característica de uma elite de literatos. A massa continuou sendo programada por imagens, apesar de serem imagens infectadas por textos, e persistiu na consciência mágica, continuou pagã. A invenção da tipografia reduziu os custos dos manuscritos e possibilitou a uma burguesia em ascensão se inserir na consciência histórica da elite. E a Revolução Industrial, que arrancou a popoulção “pagã” das pequenas aldeias, de sua existÊncia mágica, para concentrá-la como massa em volta de máquinas, programou essa massa com códigos lineares, graças à imprensa e à escola primária. O nível de consciência histórica se torna universal no decorrer do século XIX, nos chamados países “desenvolvidos”, pois esse é o momento em que o alfabeto começa a funcionar efetivamente como código universal. Se considerarmos o pensamento MUNDO CODIFICADO

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científico, por exemplo, como a expressão mais elevada da consciência histórica (por ele elevar a método a estrutura lógica e processual dos textos lineares), poderemos então dizer que a vitória dos textos sobre as imagens, da ciência sobre a magia, é um acontecimento do passado recente, que está longe ainda de poder ser considerado algo garantido e seguro. Caso o primeiro parágrafo deste texto esteja correto, o que se deve constatar, ao contrário, é uma volatilização da consciência histórica. A experiência temporal, que é entendida juntamente com as categorias da história, ou seja, como algo irreversível, progressivo e dramático, deixa de existir para a massa, para o povo, para quem os códigos de superfície prevalecem, para quem as imagens substituem os textos alfabéticos. O mundo codificado em que vivemos não mais significa processos, vir-a-ser; ele não conta histórias, e viver nele não significa agir. O fato de ele não significar mais isso é chamado de “crise de valores”. Pois nós ainda continuamos a ser programados por textos, ou seja, para a história, para a ciência, para o engajamento político, para a “arte”: para uma existência dramática. Nós lemos o mundo. Mas a nova geração, que é programada por imagens eletrônicas não compartilha dos nossos “valores”. E ainda não sabemos os significados programados pelas imagens eletrônicas que nos circundam. Essa nossa ignorância qunato aos novos códigos não é surpreendente. Levou séculos, depois da invenção da escrita, para que os escritores aprendessem que escrever significava narrar. Inicialmente eles apenas contavam e descreviam cenas. Também vai demorar bastante até que aprendamos o que significa fotografar, filmar, fazer vídeos ou programação analógica. Por enquanto contamos apenas as histórias da TV. Mas essas histórias já um clima pós-histórico. Vai demorar muito para que comecemos

a lutar por uma consciência pós-histórica; no entanto, é visível que está na nossa vez de dar um passo decidivo de retorno dos textos em direção ao nada. Um passo que lembra a ousadia dos escritores de caracteres cuneiformes da Mesopotâmia. A escrita é um recuo em relação às imagens, pois ela permite que as analisemos. Com esse recuo, perdeu-se a fé nas imagens, perdeu-se a magia, e alcançou-se um nível de consciência que mais tarde conduziu à ciência e à tecnologia. Os códigos eletrônicos são um passo de volta aos textos, pois eles permitem que as imagens sejam compreendidas. Uma fotografia não é a imagem deuma circunstânncia (assim como a imagem tradicional o é), mas é a imagem de uma série de conceitos que o fotógrafo tem com relação a cena. A câmera não pode existir sem textos (por exemplo, as teorias químicas), e o fotógrafo também precisa primeiro imaginar, depois conceber, para, por fim, pdoer “imaginar tecnicamente”. Com a volta dos textos para a imagem eletrônica, um novo grau de distanciamento foi alcançado: perdeu-se a “crença nos textos” (nas explicações, nas teorias, nas ideologias), pois eles, assim como as imagens, podem ser reconhecidos como “mediação”. Isso é o que consideramos como “crise de valores”: o fato de termos retornado do mundo linear das explicações para o mundo tecnoimaginário dos “modelos”. Não é o fato de as imagens eletrônicas se movimentarem, nem o de serem “audiovisuais”, nem o fato de irradiarem nos raios catódicos que determina sua novidade revolucionária, mas o fato de que são “modelos”, isto é, significam conceitos. Isso é uma “crise” porque, como a superação dos textos, os antigos programas (por exemplo, a política, a filosofia, a ciência) serão anulados, sem que seja substituídos por novos programas.


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MUNDO CODIFICADO


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ARTICULACAO

SIMBÓLICA Marcos Namba Beccari


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sta etapa do trabalho apresenta uma abertura inicial para um “olhar de fora”, buscando focar a discussão filosófica do Design a partir da Filosofia. Consideramos necessário, neste sentido, dar atenção às devidas distâncias entre o campo de pesquisa da Filosofia do Design e as produções propriamente filosóficas sobre o Design, nas quais o componente crítico-analítico é explicitado e prevalece no discurso. Por certo, a oportunidade desta iniciativa nos instiga a investigar as intermináveis correntes filosóficas que analisam temas como estética, comunicação, mídias, tecnologia, linguagem, etc. No entanto, frente ao foco e aos objetivos de nossa pesquisa, nos limitaremos apenas a três pensadores contemporâneos que se referem diretamente ao termo design, seja como atitude, fenômeno ou fato histórico: Vilém Flusser (1920-1991), Jean Baudrillard (1929- 2007) e Giuliu Carlo Argan (1909-1992). Embora não sejam filósofos de formação1, os três autores fornecem fundamentação teórica a muitas teses e linhas de pesquisa no campo da Filosofia, o que sinaliza suficiente consistência filosófica e necessária rigorosidade científica em suas obras. Ademais, entre as recentes discussões acerca do Design e da Comunicação nas produções filosóficas contemporâneas, sobretudo entre aquelas que se auto intitulam pós-modernas, os três autores selecionados apresentam, em nosso entendimento, uma preocupação mais direcionada e aproximada ao campo do Design. Neste ínterim, selecionamos apenas uma obra de cada autor. No caso de Flusser, contudo, recorremos aos livros “O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação” (2007) e “Uma Filosofia do Design: A Forma das Coisas” (2010). O segundo livro é a tradu-

ção integral de “The Shape of Things: A Philosophy of Design” (1999), enquanto que O mundo codificado reúne apenas alguns textos do The Shape of Things e outros textos do livro “Writings”(2002). Em Baudrillard, selecionamos o livro “O Sistema dos objetos” (2008) que, a saber, é sua tese de doutorado sob a orientação de Roland Barthes (1915-1980). Por fim, o livro de Argan o qual revisaremos é o “História da Arte como História da Cidade” (1993), especificamente o capítulo “A Crise do Design”. Necessário enfatizarmos que, diante de tais obras, nosso intuito é apenas demarcar aquilo que representa, em linhas gerais, este lado de fora da Filosofia do Design. Com efeito, insistimos na importância de uma aproximação com o campo da Filosofia para que, ao menos, nossa intenção filosófica seja devidamente justificada. O leitor acompanhará na sequência uma sucinta descrição de cada um dos três autores, o esboço dos temas e problemas levantados em suas obras e a síntese da mensagem das mesmas. Por fim, procuraremos analisar rapidamente em que sentido o estudo de tais obras pode e deve contribuir para um conhecimento mais amplo da Filosofia do Design em todas as suas facetas. Evidentemente, não se trata aqui de se estabelecer uma análise no centro de cada sistema, nem no centro de uma doutrina, nem mesmo dentro de uma obra, mas, antes, de apresentar os autores em conjunto para responderem a questões cuja iniciativa não é deles. Pois o lado de fora que aqui contemplamos ainda é visto de dentro, através de espelhos laterais posicionados nas margens de uma paisagem filosófica e sistemática, podendo facilitar ou mesmo iluminar o acesso a ela. Flusser (2007b) encara a imagem e o artefato como princípios básicos da existência A ARTICULACAO SIMBÓLICA

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humana. Mas diferentemente de outros pensadores de mídias (como Barthes, McLuhan, Baudrillard, etc.), Flusser ultrapassa muitas limitações metodológicas a favor de uma reflexão aberta do pensamento humano (no sentido mais amplo que isso possa ter). Isso porque, de fato, Flusser nunca publicou um tratado filosófico, nem construiu algo que se assemelhe a um sistema filosófico – ao invés disso, escrevia somente na forma de ensaios. Ainda que seja influenciado por um discurso positivista e lógico, sua reflexão transcende qualquer tentativa de categorização, adquirindo um tom “absurdo” que o leva muitas vezes a ser desconsiderado enquanto filósofo. Encarando seu próprio trabalho enquanto mídia, Flusser (2002) se justifica ao considerar que qualquer mídia possui uma lógica própria, transmitindo informações sobre a realidade segundo leis próprias. Neste sentido, se mudamos a estrutura da mídia, mudamos também a realidade percebida. Em função da experiência do autor com textos jornalísticos – sempre curtos e provocativos –, suas frases são diretas e taxativas. Assemelha-se a uma fala nietzschiana, isto é, quase profética. Porém, por mais nebulosa que sua leitura possa parecer, sua postura localiza- se majoritariamente entre o ceticismo e a fenomenologia. Segundo Gustavo Bernardo (apud SILVEIRA, 2007), um dos principais intérpretes de Flusser no Brasil, teríamos três fenomenologias: a transcendentalista (como em Husserl); a existencialista (como em Sartre e Merleau-Ponty); e a hermenêutica (como em Heidegger e Gadamer). Flusser transitaria vagamente entre elas, aproximando-se mais da última. Design e comunicação são, para ele, desdobramentos interdependentes de um mesmo fenômeno; a saber, o processo de codificação da experiência. Significa que projetar é in-formar, isto

é, dar forma à matéria seguindo uma determinada intenção. Para melhor compreendermos estes conceitos, podemos recorrer aos primeiros capítulos do livro Uma Filosofia do Design (2010), onde o filósofo trilha uma investigação etimológica sobre forma e matéria. A palavra morphé (forma em grego) é oposta a hyle (matéria em grego), mostrando-nos que o mundo material é amorfo e o mundo formal é imaterial, podendo ser descoberto somente através da intencionalidade (uma espécie de acesso às formas). Se interpretarmos a palavra alemã Materie como Stoff (material, substância), retomaremos o verbo stopfen (embutir, encher), deduzindo que o mundo material é aquilo que é introduzido nas formas, de modo a preenchê-las como em um recipiente. Logo, a oposição matéria-forma equivale à oposição conteúdo-recipiente: quando vemos uma mesa, por exemplo, vemos na verdade madeira com a forma de mesa. Isto é, a madeira estaria em uma forma transitória, mas a forma que temos da mesa seria eterna. Por isso, a forma da mesa seria real e o seu conteúdo (a madeira), só aparente – um copo d’água não indica que a água possui aquela forma, mas atribui a ela uma condição provisória. Assim, deduzimos que a Forma é o “como” da matéria e a Matéria é o “quê” da forma. Flusser (2010) conclui que as formas não são descobertas, ou mesmo invenções, ideias platônicas, ficções, mas sobretudo “recipientes” para os fenômenos (entendidos aqui como modelos), sendo o Design, portanto, não uma ciência verdadeira nem falsa, mas antes disso um método Formal (projetar modelos). Pois o Design, tal como todas as expressões culturais, mostra que a matéria não aparece (não é ostensiva), senão na medida em que é in-formada, e que, uma vez in- formada ou “informada”, começa a aparecer para nós


(torna-se um fenômeno). Assim, a matéria é também o modo como aparecem as formas, ou vice-versa. Isso desemboca em duas diferentes abordagens ao Design: a material, que encara a matéria como origem das representações, e a formal, que encara a forma como modelo ou esquema que precede a matéria. O primeiro modo de ver dá ênfase na matéria que aparece na forma, e o segundo modo, na forma daquilo que aparece na matéria. A posição de Flusser consiste, seguindo esta linha de raciocínio, no fato de que, enquanto nos tempos de Platão tentava-se “fazer aparecer” toda a matéria disponível, hoje tentamos encher de matéria um dilúvio infinito de formas que, por sua vez, emergem em nossas incontáveis perspectivas teóricas e nos aparelhos de informação, de modo a “materializar” as formas. Retomando a questão da codificação da experiência, significa que, ao contrário de encarar a realidade como dado a ser in-formado (em teorias e modelos), hoje estaríamos projetando formas e mais formas, como um esboço da matéria, para se produzir “mundos alternativos”. Fato é que o produto de design seria ao mesmo tempo modelo (forma materializada) e informação (matéria formalizada): ao transformar as relações entre o homem e seu entorno, atribui uma função e um significado ao mundo. Embora isso pareça simples, o paradoxo do Design se revela em sua ambiguidade de ser simultaneamente uma atividade natural e artificial. Se por um lado configura uma habilidade imanente ao homem (natural), por outro, compõe um universo codificado (artificial) regido por uma semântica e uma dinâmica próprias. Tal dinâmica manifesta-se nas superfícies (imagens) que, antes mesmo da invenção da escrita, sempre foram mediações decisivas na comunicação. “O homem pré-moderno vivia num outro universo imagético, que tenta-

va interpretar o mundo” (FLUSSER, 2007b, p. 130). Depois, com a invenção da imprensa, as superfícies foram codificadas linearmente, transformando-se em símbolos (como o alfabeto), seguindo o propósito de dar sentido às imagens. Mas se outrora perdemos a fé nas imagens para nos conduzirmos à ciência e à tecnologia, hoje estaríamos, segundo Flusser (idem), perdendo a crença nos textos (explicações, teorias, ideologias) que, assim como as imagens, também podem ser reconhecidos como mediações (mídias). Não estaríamos, no entanto, retrocedendo ao mundo primitivo das imagens, estaríamos na verdade em direção ao mundo das tecnoimagens, isto é, modelos tecnológicos e imagéticos que explicam textos (que outrora explicavam as imagens). Para resumir isso, faremos uma pequena digressão sobre os códigos: um código é um sistema de símbolos. Seu objetivo é possibilitar a comunicação entre os homens. Como os símbolos são fenômenos que substituem (significam) outros fenômenos, a comunicação é, portanto, uma substituição: ela substitui a vivência daquilo a que se refere. Os homens têm de se entender mutuamente por meio dos códigos, pois perderam o contato direto com o significado dos símbolos. O homem é um animal alienado (verfremdet) e vê-se obrigado a criar símbolos e a ordená-los em códigos, caso queira transpor o abismo que há entre ele e o mundo. Ele precisa mediar (vermitteln), precisa dar um sentido ao mundo (FLUSSER, 2007b, p. 130). Seguindo este raciocínio, quando nós codificados a experiência, estamos apenas exercendo o propósito humano (o artifício) de dar sentido ao mundo. A imagem seria, nas palavras A ARTICULACAO SIMBÓLICA

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de Flusser (idem), a “forma mágica da existência”: ela ordena as coisas de modo que possamos atribuir um sentido a elas através dos símbolos. “E o mundo desse modo codificado, o mundo das imagens, o mundo imaginário, programou e elaborou a forma de existência (Daseinsform) de nossos antepassados” (FLUSSER, op. cit., p. 132). Para eles, o mundo era um amontoado de cenas que exigiam um comportamento mágico, imagético. Os símbolos que substituíam (davam significado) às imagens eram os gestos, as falas, as crenças, etc. A invenção da escrita, por sua vez, não se deve simplesmente à invenção de novos símbolos, mas sim ao desenrolar da imagem em linhas. “Os textos, com relação às imagens, estão a um passo mais afastado da vivência concreta, e conceber é um sintoma mais distanciado do que imaginar” (FLUSSER, op. cit., p. 133). Com a invenção da escrita, o homem teria conquistado aquilo que Flusser denomina de consciência histórica, não porque a escrita grava os processos, mas porque ela transforma as coisas em processos lineares. Evidentemente, a consciência histórica não venceu imediatamente a consciência mágica ou imagética. Ao longo da Antiguidade e da Idade Média, a consciência histórica pertencia apenas a uma elite de literatos. Platão, por exemplo, desprezou a pintura, e os profetas iconoclastas lutaram contra a idolatria pagã. Porém, a grande maioria da população persistiu com a consciência mágica. Somente com a invenção da tipografia que a burguesia em ascensão, por exemplo, pôde usufruir da consciência histórica da elite aristocrática. Com a Revolução Industrial, que arrancou a população pagã dos campos (e de sua existência mágica), a grande massa teve acesso aos códigos lineares, graças à imprensa e à escola primária. No decorrer do século XIX, finalmente o alfabeto começou

a funcionar efetivamente como código (sistema de símbolos) universal. Entretanto, “...a vitória dos textos sobre as imagens, da ciência sobre a magia, é um acontecimento do passado recente, que está longe ainda de poder ser considerado algo garantido e seguro” (FLUSSER, op. cit., p. 134). Pois a escrita pode ser considerada uma intenção de regressão às imagens, uma vez que ela permite que as analisemos. E seguindo seu próprio percurso, alcançaria um novo grau de distanciamento, a imagem eletrônica. Retornaremos “do mundo linear das explicações para o mundo tecnoimaginário dos modelos” (FLUSSER, op. cit., p. 136). Neste sentido, modelos significam conceitos, isto é, são estruturas imagéticas que ilustram textos (que outrora explicavam as imagens). Esta imaginação tecnológica estaria, pois, descartando os antigos modelos (a política, a filosofia, a ciência) e solicitando novos modelos que impeçam a falta de sentido implícita em um mundo cada vez mais codificado pelo homem. A grande provocação de Flusser (idem) torna-se então evidente nas entrelinhas: caberia ao Design este recomeço dos novos modelos? Ou seria o Design um dos modelos a serem substituídos? De todo modo, a cada dia se torna mais inesgotável a variação de forma/aparência entre objetos destinados a uma mesma utilização. Dado que projetar e in-formar são aspectos de uma única ação, Flusser (idem) postula que o Design deve rejeitar a dicotomia clássica entre representação e referente, signo e objeto, teoria e prática, etc. Afinal, o Design se torna indistinguível de comunicação ou linguagem na medida em que sinaliza a singular tentativa humana (natural) de impor sentido ao mundo por meio de códigos e técnicas (artificiais). Em outras palavras, significa enganar a natureza por meio da tecnologia – ou simplesmente


produzir cultura (idem). No entanto, este poder cultural acaba enganando a nós mesmos: mundos alternativos àquilo que consideramos realidade, quando vivenciados coletivamente, se tornam reais a partir de palavras, imagens e artefatos. Não se trata de um mundo à parte, mas da reconstrução de um mesmo mundo cuja lógica permanece à margem da distinção material-imaterial. Revela-se, com isso, outro paradoxo: embora o ato de in-formar seja natural ao ser humano, o excesso de informação nos conduz à desagregação de sentido. Trata-se daquilo que Flusser (2010) chama de não-coisas. “E estas não-coisas são simultaneamente efêmeras e eternas” (FLUSSER, op. cit., p. 103), materiais e imateriais, reais e irreais. Após inaugurarmos, no século retrasado, o admirável mundo novo da industrialização e da imagem técnica (como a fotografia), temos que lidar com um crescente acúmulo de lixo (mesmo que eletrônico) proveniente de nossa tentativa natural de superar a natureza. De fato, conseguimos alterar a paisagem, tanto quanto o nosso destino. Os designers são portanto deuses, profetas, Prometeus roubando o fogo divino... enfim, aqueles que direcionam a tecnologia para manipular a eternidade, isto é, seus próprios destinos. Retomando o raciocínio das não-coisas, contudo, nossas mãos tornam-se supérfluas (não podemos pegar uma não-coisa), ao passo que as pontas dos dedos se tornam nosso instrumento de decisão. Por exemplo: se eu aperto o gatilho de um revólver apontado para mim mesmo, significa que decidi tirar-me a vida. Aparentemente, esta é a máxima liberdade humana: sou capaz de me libertar de qualquer dificuldade apertando um gatilho/tecla/ botão. Mas um olhar mais atento perceberá que, ao apertar o gatilho, eu apenas aciono

um processo pré-programado no revólver. A liberdade de decidir apertar uma tecla com a ponta dos dedos revela-se uma liberdade programada, uma escolha entre possibilidades predefinidas. Este quadro sugere que o futuro da cultura não- material será dividido em duas classes: os que programam e os que são programados. Mas novamente um olhar mais atento perceberá a possibilidade de meta-programas, revelando infinitos níveis de programadores de programadores. Logo, o cenário do futuro imaterial sinaliza uma sociedade de programadores programados. No entanto, os programas estão cada vez melhores, com possibilidades de escolha que superam astronomicamente a capacidade humana de tomar decisões. Temos a sensação de tomar decisões de forma absolutamente livre. O programa então se torna invisível – ele só era visível em seu estado embrionário (FLUSSER, 2010). Pois o indivíduo emancipado, capaz de tomar decisões livremente, representa o programa utópico com que a humanidade sonhou desde sempre. Seria esta a nossa programação original? Se sim, o maior erro de programação ainda não resolvido é, consoante Flusser, a nossa própria condição humana, “aquela que é a condição emocional fundamental da existência, isto é, o ser para a morte, independentemente do fato de a morte ser vista como coisa última ou como não-coisa” (FLUSSER, op. cit., p. 100). Somos coisas perecíveis e materiais, ainda que nossas decisões fiquem eternizadas na efemeridade imaterial de nossos programas. Substituímos a vida por um outro programa, mas não conseguimos substituir aquele que nos programou. Por outro lado, o designer é também uma fonte de possibilidades. A crença na tecnologia como algo controlável, tangível e linear, A ARTICULACAO SIMBÓLICA

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que teoricamente existe a serviço de nosso bem-estar, atribui autonomia àquilo que foi construído artificialmente. Máquinas tão eficientes e inteligentes passam a reger a paisagem, reformulando nossa experiência e nossa percepção que, deste modo, assumem outros códigos e convenções. Mesmo se abrirmos mão de nossa consciência histórica (no sentido de cronológica e mecanicista) e deixarmos de tentar controlar a realidade, continuaremos inevitavelmente transformando a própria noção de “realidade”. A única certeza é o aumento, em escala geométrica, da complexidade do mundo. O que era solução se torna obstáculo (e vice-versa), confundindo construção e desconstrução e coadunando informação e falta de sentido. Pois a paisagem moderna da cultura material certamente não corresponde ao paraíso que nossos bisavôs pensavam que fosse – e agora estamos, aos poucos, recusando esta materialidade, deixando de manusear concretamente as coisas. Flusser (idem) nos lembra do quanto as noções de produtividade, utilidade, trabalho e experiência prática estão mudando de sentido radicalmente. O autor não mais enxerga o designer apenas como um homo faber (um homem de ação), mas também como um homo ludens (um jogador). E acredita ainda que os projetos dramáticos, com ações e soluções, estão perdendo espaço para os projetos trágicos, feitos de sensações, como em um espetáculo. Afinal, não haveria mais sentido em fazer ou ter, mas sim em conviver, conhecer, compartilhar, vivenciar. À parte disso, não é difícil notar que toda discussão trazida pelo filósofo carrega um questionamento ético nas entrelinhas. No ensaio “A guerra e o estado das coisas”, Flusser (2010) nos lembra de que o escritor alemão Goethe proclamava que o homem deve ser nobre, generoso e bom. Aproveitando-se de tal

prerrogativa, o autor “adapta” esta premissa ao Design e, ao mesmo tempo, o coloca em cheque: “o designer deve ser nobre, generoso e bom?” (FLUSSER, op. cit., p. 23). Supomos que temos que projetar uma faca de cozinha (o exemplo de Flusser é de um cortador de papel). Deve ser uma faca nobre na medida em que seja fácil de ser manuseada, não exigindo nenhum conhecimento prévio para isso – portanto, uma faca generosa também. Sobretudo, a faca deve ser boa para cortar alimentos de maneira eficaz e sem dificuldades. No entanto, se ela for boa demais, pode cortar também os dedos de quem a utiliza. Concluímos então que o Design deve ser nobre, generoso e bom, mas não demasiado bom. E quanto aos revólveres? São objetos nobres, “elegantes e podem ser considerados típicas obras de arte contemporânea” (FLUSSER, op. cit., p. 24). São generosos também, qualquer criança analfabeta é capaz de utilizá-los. Por fim, são bons projetos de Design: não apenas matam com eficácia, como geralmente desencadeiam a reação de outros usuários que, por sua vez, matam aqueles que atiraram primeiro. “Isso é o que se chama precisamente de progresso” (idem): graças ao Design, os homens se tornam cada vez mais nobres, generosos e bons. Há pessoas, contudo, que são contra a guerra: estão dispostas, em nome da paz, a aceitar um mau design. Trata-se de pessoas boas num sentido completamente diferente do que se entendeu até agora. Enquanto designers, podemos projetar objetos intencionalmente ruins a favor da paz, ou objetos bons e alheios às suas consequências. Temos que escolher entre a guerra que traz uma vida nobre, abastada e rodeada de objetos funcionais; e a paz de uma vida miserável, desconfortável e com objetos ruins. Flusser (op. cit., p. 26) então propõe um meio-termo: que o Design seja


“nobre, generoso, relativamente bom e, à medida que o tempo passa, cada vez mais nobre e generoso”. Porém, entre o bem categórico (o bem em si, puro) e o bem aplicado (funcional, pragmatista) não há nenhum compromisso, pois “tudo que é bom no caso do bem aplicado é mau no caso do bem categórico” (idem). Por exemplo, se o designer toma uma decisão em detrimento do bem puro e resolve projetar um cigarro menos nocivo à saúde, não adianta recorrer ao âmbito do bem funcional, pois inevitavelmente ele chegará à conclusão que, na verdade, o cigarro nunca deveria ter sido projetado. Isso implica que o compromisso do Design com o progresso pragmatista (bom e funcional) não faz sentido, tanto quanto falar de um Design ético ou santo: “onde quer que haja um objetivo, está o diabo no meio” (FLUSSER, op. cit., p. 27). Afinal, tudo que é funcional e bom para alguém, inevitavelmente prejudica e não funciona para outrem. Flusser (idem) exemplifica este fato com os designers nazistas que tiveram que pedir desculpas ao patrão, pois as câmeras de gás que eles projetaram não matavam os usuários suficientemente rápido. Não é preciso, contudo, apontar um exemplo tão incisivo, podemos falar dos designers que projetam a amplitude do som ensurdecedor das festas raves (ao ar livre) ou a potência dos alto-falantes de carros customizados, ou mesmo aqueles que atuam por detrás das eleições brasileiras que tanto poluem (material e imaterialmente) nosso cotidiano. Em qualquer caso, a prioridade do designer é fazer funcionar. De acordo com Flusser (idem), se a funcionalidade do Design é sua função primeira, o “ser humano” de cada designer se perde, bem como sua própria identidade sociocultural. O homem do século XIX, o senhor de si do modernismo, estaria hoje sa-

turado da função que lhe é inerente, enquanto que o homem contemporâneo deverá passar por um processo de desindividualização, isto é, de valorização do papel de cada pessoa enquanto um todo coletivo. Significa reconhecer, enquanto é tempo, aquilo que está por detrás do conceito de bom design. Embora Flusser (op. cit., p. 28) acredite que tal reconhecimento não contraria o desejo por objetos funcionais, elegantes e cômodos, o autor se limita a repetir: “Pretendemos, apesar do que sabemos sobre o diabo, que o designer seja nobre, generoso e bom”. Ainda se referindo a questões éticas e funcionais do Design, em “Abrigos, guarda- ventos e tendas” Flusser (2010) reflete sobre o guarda-chuva, objeto este que ele considera demasiado estúpido: recusam-se a funcionar quando mais precisamos deles (quando há vento), são difíceis de transportar, dificultam o tráfego das pessoas na calçada e, não obstante, podem furar olhos distraídos. Além disso, “não foram alvo de progressos técnicos desde os tempos dos antigos Egípcios” (FLUSSER, op. cit., p. 53). Partindo deste exemplo, Flusser nos ensina que Gegenstand (objeto em alemão) significa algo que está contra (em latim obiectum, em grego probléma), um estorvo ou obstáculo que foi lançado em nosso caminho. O produto de Design configura então uma contradição: um obstáculo que serve para remover obstáculos. Depois que a chuva cessa, por exemplo, o guarda-chuva se torna um grande estorvo para seu usuário e para as demais pessoas. Ademais, um duplo estorvo: eletambém se torna problemático na medidaem que há a necessidade de usá-lo. Na tentativa de sair deste círculo vicioso, o designer elabora um novo projeto, algo inovador, lançando um obstáculo diferente no caminho das pessoas. Mas como A ARTICULACAO SIMBÓLICA

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estorvar as pessoas o mínimo possível? Não por acaso, esta questão configura a problemática central daquilo que hoje denominamos Sustentabilidade na produção de objetos, um dilema simultaneamente político e pragmático. Para Flusser (idem), essa questão confronta-se fatalmente com o tema da responsabilidade e da liberdade, então encaradas como sendo os dois lados de uma mesma moeda. A responsabilidade é a decisão que o designer tem de responder por algo em nome de outras pessoas, isto é, a “lealdade em relação aos outros” (FLUSSER, op. cit., p. 59). Deste modo, a ênfase de um projeto sustentável é dada ao seu aspecto intersubjetivo (entre sujeitos) e não no objetivo. Se a ênfase é dada ao objeto, significa irresponsabilidade, pois será apenas mais um estorvo que reduzirá a liberdade das pessoas. Mas se voltarmos ao exemplo do guarda-chuva, o verdadeiro progresso sustentável seria abolir a existência deste objeto, atitude esta que contraria o progresso científico e técnico, além de levar as fábricas de guarda-chuvas à falência. A solução mais razoável, para o bem de todos, seria projetar um guarda-chuva que também pudesse ser usado, por exemplo, como bolsa ou mochila, feito de material biodegradável. Nota-se que o estorvo é inevitável, revelando-nos que o princípio sustentável tende ao imediatismo, ao efêmero, ao tapa-buraco. A sustentabilidade, portanto, nunca é radical (no sentido de cortar o mal pela raiz), ela consegue apenas podar os galhos. A responsabilidade categórica que um projeto sustentável pressupõe, deste modo, seria tecnicamente e mercadologicamente um retrocesso. Alguns ambientalistas, conforme descreve Flusser (idem), colocam a culpa em nossa cultura materialista, dizendo que os objetos são os ídolos pagãos contemporâneos. Trata-se de um argumento

equivocado, haja vista a crescente produção de objetos imateriais: design de serviços, softwares, sistemas de comunicação, etc. Contudo, não significa que a cultura imaterial seja um estorvo menor, pelo contrário, “restringe ainda mais a liberdade do que a cultura material” (FLUSSER, op. cit., p. 60). Como vimos anteriormente, a imaterialidade configura uma crescente necessidade humana, sendo por isso um obstáculo também crescente: quanto mais necessitamos de objetos imateriais, mais eles serão consumidos – e vice-versa. O círculo vicioso permanece, com a diferença que os obstáculos imateriais são mais difíceis de serem descartados. A segunda lei da termodinâmica, “segundo a qual toda matéria tende a perder sua forma (a sua in-formação)”, não se aplica aos objetos imateriais – suas formas não são descartáveis. Por exemplo: um novo serviço/software/sistema sempre solicita alguma coisa do serviço/ software/sistema anterior, ainda que seja apenas um determinadoconhecimento. Isso gera um acúmulo de formas, isto é, informações que atuam como obstáculos na medida em que, acumulando-se cada vez mais, diminuem a nossa liberdade. Um típico projeto sustentável é fazer as coisas transformadas pelo homem retornarem a seu estado inicial – por exemplo, filtrar e tratar a água suja para que ela volte a ser limpa. Porém, no caso de um objeto imaterial, é a sua forma que é transformada pelo homem, não a matéria. Assim como o objeto material, que nunca desaparece, a informação não pode ser anulada, mas ao invés disso ela é capaz de ser gerada sem depender da matéria. Eis a segunda contradição da sustentabilidade: a própria liberdade, que é um acúmulo imaterial de informações, é um estorvo e, portanto, uma atitude irresponsável. A pura sustentabilidade


então seria, em última instância, a inexistência do homem. Trata-se, na verdade, de uma luta contra a entropia natural do mundo, não passível de ser julgada – não há valores na entropia, apenas fatos. E como parte destes fatos entrópicos, o meio natural de sobrevivência do homem é alterar as coisas, adaptá- las para si, de modo material ou imaterial. Sobreviver é um ato sustentável ao mesmo tempo em que é também não sustentável e irresponsável: o fato de estarmos vivos agora significa que milhares de outros seres vivos estão morrendo por nossa causa. A conclusão é “cada um por si e Deus contra todos”? Não, responderia Flusser, pois a ação humana é (ou deveria ser) resultado do pensamento racional. Pensar na sustentabilidade, nas relações interpessoais e na responsabilidade envolvida nisso é uma atitude racional. Mas quando uma atitude racional se torna uma intenção emancipadora, no sentido de tentar controlar completamente o entorno no qual estamos submetidos, confrontamos a natureza geral das coisas que são, à priori, irracionais. A verdadeira sustentabilidade, portanto, é a liberdade humana que, por si só, é insustentável. Neste sentido, a responsabilidade ética no Design acaba sendo um guarda-chuva que, embora seja necessário, é também um estorvo. Essa questão, se colocada um pouco antes, teria sido supérflua. (...) O designer tinha como meta principal a produção de objetos úteis. As facas, por exemplo, tinham de ser concebidas para cortar bem (inclusive a garganta dos inimigos). E ainda qualquer construção que fosse de utilidade também devia ser realizada com exatidão, isto é, tinha que estar de acordo com os conhecimentos científicos. Devia ter também um aspecto bonito, ou seja, devia estar

apta a se converter em uma experiência para o usuário. O ideal do construtor era pragmático, quer dizer, funcional. Considerações morais ou políticas raramente estavam em jogo. As normas morais foram fixadas pelo público (por uma instância supra-humana, por consenso ou por ambos). E tanto os designers como os usuários do produto estavam submetidos a essas normas, sob pena de serem castigados – nesta vida ou na próxima (FLUSSER, 2007b, p. 200). No entanto, o autor observa que atualmente não há mais nenhum âmbito público que estabeleça normas. Por mais que ainda haja autoridades de natureza política, religiosa e moral, suas respectivas competências estão perdendo credibilidade. “Então, revelada como incompetente, toda universalização autoritária de normas inclina-se mais a inibir ou a desorganizar o progresso industrial do que a lhe fornecer uma diretriz” (FLUSSER, op. cit., p. 201). A única exceção seria a ciência que, embora também forneça normas técnicas, não fornece normas morais. Além disso, no âmbito da produção industrial, tornou-se necessária a atuação em grupos e equipes compostas de elementos humanos e artificiais, o que impede que o resultado seja atribuído a um único autor. Consequentemente, não é possível responsabilizar uma só pessoa pelos erros de projeto. E se no passado o Design era visto como uma espécie de atividade pré- ética – a culpa de se cortar com uma faca, por exemplo, era do usuário e não do designer que projetou a faca –, hoje o Design já estaria totalmente isento de responsabilidade. Pois é praticamente impossível determinar se um erro provém do projeto em si ou das máquinas que fabricaram o produto, da programação dessas máquinas, A ARTICULACAO SIMBÓLICA

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da empresa que fabricou essas máquinas, do complexo industrial em sua totalidade ou até do sistema a que pertence esse complexo. “Isso já ficou evidente (...) em 1945, quando se questionava quem deveria ser responsabilizado pelos crimes dos nazistas contra a humanidade” (FLUSSER, op. cit., p. 203). As câmaras de gás que não “funcionavam direito” revelaram que não existe mais norma alguma que se possa aplicar sobre a produção industrial, nem mesmo um único causador de um delito. Mas embora a responsabilidade esteja diluída a tal ponto de representar os primeiros estágios de uma autodestruição, “O fato de que começamos a fazer perguntas é motivo de esperança” (FLUSSER, op. cit., p. 204). Ainda assim, é difícil reconhecer em Flusser uma esperança definitiva de um final feliz. Segundo ele, por mais que alguém tenha consciência de todo o sistema já construído, ainda estará longe de controlá-lo frente à falsa impressão humana de usufruí- lo. E talvez seja justamente esta tentativa de entender a complexidade de um mundo tumultuado que, de um modo geral, resume a obra deste filósofo. Quase como um órfão da modernidade em meio ao desabamento das antigas certezas do esforço humano, Flusser foi um profético pensador que elegeu o Design enquanto objeto de análise e que, conforme o historiador Rafael Cardoso nos confirma (apud FLUSSER, 2007), permanece sem a atenção merecida por parte da grande maioria dos designers brasileiros. Cardoso ainda nos alerta: “Que ninguém se engane com a aparência amena dessa água, cuja superfície transparente esconde a profundidade vivente de um oceano!” (CARDOSO, op. cit., p. 11-12). Em outras palavras, os postulados de Flusser podem ser provocativos, mas não são ingênuos. Por certo este é um dos motivos que levou sua obra a ser amplamente divulgada e

estudada no Brasil e em diversos outros países, ainda que ela não seja considerada, por muitos, como objeto que mereça atenção filosófica. Isso se deve à sua aparente falta de método científico/filosófico e ao fato de que o autor questiona muito e responde pouco, deixando muita coisa no ar e não chegando a lugar algum. Em nosso entendimento, contudo, Flusser nitidamente confia no potencial e na inteligência dos designers, não os subestimando com fórmulas e respostas fáceis. Ao invés disso, o filósofo nos ensina a também não subestimarmos a nós mesmos, sobretudo ao deixarmos de pensar ingenuamente no Design como uma atividade recente na história. Necessário ainda acrescentar que, embora a obra de Flusser não seja muito estudada no campo do Design, os estudiosos de Comunicação e Artes têm se aprofundado bastante no legado flusseriano. Especificamente no Brasil, é possível notar uma atenção bastante atual no que diz respeito às discussões em Flusser – apenas para mencionar dois eventos recentes, em 2008 o Centro Interdisciplinar de Semiótica da Cultura e da Mídia (CISC) promoveu o 1º Simpósio Internacional “ReVer Flusser” junto ao 4º Congresso Internacional de Comunicação, Mídia e Cultura (CoMcult); e em 2011 o Instituto de Filosofia, Artes e Cultura (IFAC) da Universidade Federal de Ouro Preto promove o Congresso Internacional Imagem, Imaginação, Fantasia - Vinte anos sem Vilém Flusser. Além disso, consta no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq o Núcleo Vilém Flusser (NVF), coordenado pelo Prof. Dr. Michael Hanke, que conduz uma Bolsa de Produtividade em Pesquisa dedicada ao tema “Vilém Flusser e a Comunicologia”. Entre os principais pesquisadores nacionais em Flusser, destacamos Machado (2002), Batlickova (2010), Krause (2000; 2002) e Mendes (2001).


No campo do Design, recentemente Neto et. al. (2010) procurou estabelecer uma relação entre alguns conceitos flusserianos e as atividades projetuais envolvidas na indústria gráfica, concluindo que no futuro vislumbraremos “um horizonte onde (...) os meios de produção estarão nas mãos dos designers, para o bem e para o mal” (NETO, op. cit., p. 11). De modo semelhante, Schoenacher et. al. (2010, p. 7) compara a filosofia de Flusser com os estudos em Design e Emoção, afirmando que atualmente há “evidências científicas que confirmam a teoria de que os objetos possuem um componente intersubjetivo, comunicativo tão ou mais relevante que seu aspecto objetivo, útil”. Finalmente, a pesquisa mais completa e direcionada que encontramos entre as atuais publicações em Design foi a dissertação “Vilém Flusser e o debate do design no Brasil” (SHIMODA, 2008). Com o objetivo de estabelecer um panorama nacional sobre o termo design seguindo a concepção de Flusser, Shimoda investiga o contexto histórico, social e econômico do Brasil no século XX e estabelece um debate polarizado sobre a definição de design como profissão e como disciplina de ensino. Por fim, o pesquisador posiciona a teoria de Flusser frente ao Design brasileiro e propõe um modo flusseriano de pensamento que oriente o emergente processo de emancipação científica do Design. Dando continuidade aos filósofos que adotam o Design como objeto de estudo, Jean Baudrillard pode ser considerado “a primeira sombra de dúvida ou negação em face da inexorabilidade racional e afirmativa do desenho industrial” (Zulmira Ribeiro Tavares in BAUDRILLARD, 2008, p. 230). Convém enfatizarmos de antemão que tal teórico e crítico social tornou-se mais conhecido por suas análises sobre os modos de mediação e comunicação tecnológica. Sua obra, embora

voltada predominantemente ao modo pelo qual os progressos tecnológicos afetam a sociedade, abrange os mais diversos assuntos - consumismo, relações de gênero, mitologia, cultura, psicologia, etc. Tal abrangência caracteriza uma geração de pensadores franceses que inclui Gilles Deleuze, Jean-François Lyotard, Michel Foucault, Jacques Derrida e Jacques Lacan, o que justifica o fato de Baudrillard ser frequentemente visto como pós-estruturalista (Cf. TRIFONAS, 2001). Seguindo esta linha, Baudrillard construiu teorias gerais da sociedade humana com base em nossa busca ontológica por um sentido existencial, ou uma compreensão total do mundo, o qual permaneceria constantemente esquivando-se de nós. Em suas próprias palavras: Sou um dissidente da verdade. Não creio na ideia de discurso de verdade, de uma realidade única e inquestionável. Desenvolvo uma teoria irônica que tem por fim formular hipóteses. Estas podem ajudar a revelar aspectos impensáveis. Procuro refletir por caminhos oblíquos. Lanço mão de fragmentos, não de textos unificados por uma lógica rigorosa. Nesse raciocínio, o paradoxo é mais importante que o discurso linear. Para simplificar, examino a vida que acontece no momento, como um fotógrafo (BAUDRILLARD in GIRON, 2003, p. 1). Nossa revisão contemplará apenas aquela que é considerada sua magnum opus, “O Sistema dos Objetos”. Com a intenção de sistematizar o discurso que os objetos de design manifestam ao serem consumidos – aquilo que escapa de essencial ao designer e que, nos objetos, adquire (simbolicamente) vida própria –, esta obra apresenta um conjunto de reflexões soA ARTICULACAO SIMBÓLICA

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bre o caráter simbólico dos objetos como sendo um nível que transcende ao funcional. Em linhas gerais, parte-se do pressuposto de que os objetos de design estão ligados de forma direta ao homem e são portadores de significados que mediam as relações humanas. “...hoje os objetos tornaram-se mais complexos que o comportamento do homem a eles relativo” (BAUDRILLARD, 2008, p. 62). A partir disso, Baudrillard sugere que os objetos passam continuamente do enfoque funcional para o simbólico dentro de um determinado sistema cultural. Afirma ainda que os objetos possuem significados imanentes e que o próprio adjetivo “funcional” não está ligado apenas à finalidade prática dos objetos, mas também à sua capacidade de fazer parte de um jogo de relações. “Somos continuamente remetidos, por meio do discurso psicológico sobre o objeto, a um nível mais coerente, sem relação com o discurso individual ou coletivo, e que seria aquele de uma língua dos objetos” (BAUDRILLARD, op. cit., p. 11). Por esta razão, o objeto somente é funcional quando consegue interagir dentro de um determinado sistema, adquirindo assim uma capacidade de significar. “É a partir dessa língua, dessa coerência (...), que se pode compreender o que ocorre com os objetos” (idem). Embora o termo “sistema” carregue consigo uma ideia de dimensão fechada, independente, de imanência e de autonomia (com relação ao campo de estudo), neste caso “sistema” se refere às relações entre os objetos marcadas pela dinâmica do consumo, não se resumindo portanto aos objetos ou mesmo ao aspecto objetivo dos objetos. Isso porque, para o filósofo, o significado é obtido através de sistemas de signos trabalhando juntos – na esteira do linguista estruturalista Ferdinand de Saussure, Baudrillard argumenta que o significado (va-

lor) é criado pela diferença (cão significa cão porque não é gato, cabra, árvore, etc.). Deste modo, por mais que o autor adote o estruturalismo como perspectiva teórica no intuito de garantir o rigor de seu pretendido sistema, ele reconhece o risco de cair em uma análise forçada, na qual o foco de estudo passe de motivo a mero pretexto frente ao instrumental adotado. “É esta perturbação, (...) e como tal contradição faz surgir um sistema de significações que se aplica em resolvê-la, que nos interessa aqui, e não os modelos tecnológicos” (BAUDRILLARD, op. cit., p. 14). Isso porque há uma nítida preocupação com o nível conotativo, ou mesmo inconsciente, que sinaliza uma dimensão maior e de organização simbólica: “além de um certo tamanho, qualquer objeto, mesmo o fálico de uso (carro, foguete) torna-se receptáculo, vaso, útero – aquém, faz-se peniano (mesmo se for vaso ou bibelô)” (BAUDRILLARD, op. cit., p. 33). Tangenciando, com isso, as camadas subterrâneas da Psicanálise, Baudrillard critica a obsessão contemporânea pela funcionalidade: O homem é reduzido à incoerência pela coerência de sua projeção estrutural. Em face do objeto funcional o homem torna- se disfuncional, irracional e subjetivo, uma forma vazia e aberta então aos mitos funcionais, às projeções fantasmagóricas ligadas a esta estupefaciente eficiência do mundo (BAUDRILLARD, op. cit., p. 63). Logo na primeira parte do livro O Sistema dos Objetos, o autor propõe uma revisão da noção de objeto funcional amplamente divulgada pela Bauhaus, a saber, da perfeita correspondência entre forma e função. Encarando a própria “função” como um mito emancipado do homem e do objeto – “O objeto funcional é


ausência de ser” (BAUDRILLARD, op. cit., p. 89) –, Baudrillard conclui que o homem contemporâneo, ao invés de manipular objetos, está sendo por eles manipulados: “os objetos não estão mais cercados por um teatro de gestos do qual vinham a ser os papéis, (...) [mas] se tornaram quase os atores de um processo global do qual o homem é simplesmente o papel ou o espectador” (BAUDRILLARD, op. cit., p. 62). Neste ínterim, Tavares nos cutuca em seu posfácio dizendo que uma pitada de Baudrillard não faria mal aos atuais designers: Liquidaria sem dúvida com parte de sua candura ao permitir que fossem reavaliadas as necessidades do usuário e melhor compreendida a sua eventual reação aos modelos por eles propostos, à sua enxuta, cirúrgica e drástica catequese em prol da boa forma (TAVARES in BAUDRILLARD, 2008, p. 221). Prosseguindo em seu ataque contra o puritanismo industrial e o ideal do mais legível, Baudrillard contrapõe a coexistência do espírito art-noveau dos objetos antigos (revestidos de sempre) com o sonho emergente do automatismo (a desumanização do homem). A importância dos objetos antigos se dá justamente na medida em que contradizem o raciocínio funcional para cumprirem um propósito de outra ordem: a sobrevivência do tradicional e do simbólico através do testemunho, da lembrança, da nostalgia e da evasão. E por também dividirem espaço no cenário moderno, revelam um duplo sentido da modernidade: “a funcionalidade dos objetos modernos torna-se historicidade do objeto antigo” (BAUDRILLARD, 2008, p. 82), sendo que “a historicidade é (...) a recusa da história por detrás da exaltação dos signos – a presença negada da história” (idem).

Os signos que os objetos antigos ostentam podem ser entendidos como indícios culturais do tempo, ainda que sejam indícios alegóricos, configurando uma contradição funcional que, de certo modo, acaba se integrando na lógica do sistema. Com um ar de estar sobrando, o objeto antigo também não é meramente decorativo: “não servindo para nada, serve profundamente para qualquer coisa” (BAUDRILLARD, op. cit., p. 83) – é vivido assim de outra maneira, como presença autêntica, isto é, com uma menor dependência para com outros objetos e expressando-se como totalidade. A exigência à qual respondem os objetos antigos é aquela de um ser definitivo, completo. O tempo do objeto mitológico é o perfeito: ocorre no presente como se tivesse ocorrido outrora e por isso mesmo acha-se fundado sobre si (BAUDRILLARD, op. cit., p. 83). Para Baudrillard, o homem não se sente em casa no meio funcional, justificando assim a presença necessária do objeto antigo como um reorganizador do mundo e, simultaneamente, um álibi que preserva o foro íntimo daquele que o possui. Enquanto o objeto funcional refere-se à atualidade e se esgota na cotidianidade, o objeto antigo aparece (tanto ao nível dos objetos quanto dos comportamentos e das estruturas sociais) como uma dimensão regressiva que, embora testemunhe um relativo fracasso do sistema, paradoxalmente o faz funcionar. Essa ambiguidade se deve à densidade inconsciente do objeto antigo, atuando como um talismã que guarda consigo, de modo selado e seguro, a sabedoria dos anciãos. “Assim o passado inteiro como repertório de formas de consumo junta-se ao processo. A ARTICULACAO SIMBÓLICA

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ESTE LIVRO É COMPOSTO EM GEORGIA E LANDMARK, FONTES PROJETADAS POR MATTHEW CARTER E HOEFLER & CO. O PAPEL É OFFSET.



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