De pai para filho

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De pai para filho A

Histรณrias de pescador

Felipe Retes


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Obra dedicada a

Fernando Antonio de Almeida Retes A


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De pai para filho

Um relato minuciosamente escrito ao longo de 20 anos de convivência, repleta de respeito, carinho, atenção e, principalmente, admiração. Um livro rico em detalhes e fotografias que colocam o leitor dentro das histórias. Aventuras emocionantes pelo interior do Brasil, mais especificamente no Mato Grosso, atrás dos melhores locais de pescaria. Uma parceria interrompida precocemente por uma grave e rara doença, pondo fim à uma parceria entre pai e filho. Uma singela homenagem a um grande herói que nunca se entregou à doença. Meu pai lutou por mais de dois anos, sempre acreditando em sua plena recuperação. Assim, ensinou a toda família a sermos pessoas íntegras, honestas, decentes e perseverantes. Felipe Retes

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Sumário

1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14.

Histórias de pescador.................................................. O começo de tudo....................................................... Minhas primeiras viagens............................................ Viagem em família....................................................... Nova aventura em Alta Floresta.................................. Lado a lado.................................................................. Descobertas no Mato Grosso do Sul............................ A melhor aventura....................................................... Atrás das piraíbas........................................................ Quando foi preciso ser forte......................................... O famoso Telles Pires.................................................. Revisitando o São Romão............................................ Outras pescarias........................................................... Parceria até o fim..........................................................

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HistĂłrias de pescador A

CapĂ­tulo I


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Histórias de pescador Se você perguntar quem era Fernando Antonio de Almeida Retes a todos os que o conheceram, a resposta será praticamente a mesma: um cara bravo, sério. Esta também seria parte da minha resposta até hoje, porque meu pai era sim um cara reservado, mas muito comprometido com seus valores, sendo a honestidade o maior deles. Outras descrições perfeitamente apropriadas para ele eram a elegância e a educação. Meu pai estava sempre bem arrumado, barbeado e, apesar de seu jeito mais fechado, sempre tratou a todos de forma cortês. Por isso, ele era uma referência para mim sobre como me vestir e me portar. Não tenho muitas recordações dele quando era pequeno, mas de uma coisa eu me lembro muito bem: a imagem completamente diferente que ele apresentava quando voltava de suas pescarias. Os olhinhos brilhavam quando ele arrumava suas malas para a próxima aventura. E quando ele voltava, parecia outra pessoa: o que mais me chamava atenção era a barba para fazer, negligência que ele nunca cometia quando estava na cidade grande.

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Aquilo despertava em mim uma grande curiosidade sobre o que acontecia nas pescarias que despertavam tanta paixão no meu pai. Minha curiosidade ficava ainda maior enquanto ele contava suas aventuras. Eram várias horas de descrição dos peixes que ele pegava, da montagem e estrutura dos acampamentos que ele e amigos preparavam e a oportunidade de apreciar paisagens tão exuberantes que compõem o nosso País.


Histórias de pescador

Meu pai começou a pescar no início da década de 1980. Depois de receber alguns convites para caçar, ele aceitou um convite de Jorge Patule, um amigo que era descendente de franceses e tinha um jeito meio afrancesado, um “trem” [gíria típica mineira] meio esquisito.

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A paixão dele era tamanha que, naquela época, ele conseguia organizar até duas grandes pescarias por ano. Mas tenho de ressaltar o preparo da turma dele, sempre bem equipada com o que havia de melhor: barcos com motores de 40 cavalos, caminhões tipo exército, caminhonetes 4x4, cozi nha completa, gerador com bomba e um equipamento de pesca invejável. Para acompanhá-los, meu pai também montou sua “tralha” de pesca completa. Tinha de tudo, desde equipamentos leves para pesca artificial, até equipamentos mais pesados, usados em pesca de pirararas, piraíbas e peixes de couro em geral.


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A turma do meu pai a vários lugares do País, mas preferencialmente à Bacia Amazônica. Jorge Patule tinha uma fazenda no Mato Grosso que dava na beira do rio. Então, a euforia causada pela pesca era tamanha que eles faziam a viagem de Belo Horizonte ao Mato Grosso, o que dava cerca de 1.600 quilômetros, em apenas um dia, para que eles tivessem mais tempo hábil para pescar.

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Quando ele voltava, era sempre uma festa. Ele mostrava os peixes que tinha pescado e também nos contava as mais diversas histórias. Na década de 1980, não havia estradas ou cidades bem estruturadas para receber os pescadores. Em compensação, os peixes que ele pegava eram excepcionais, como tucunarés enormes e vários peixes de couro. Tudo aquilo despertava em mim uma grande vontade de adentrar aquele universo de anzóis, barcos e peixes. Mas a minha primeira experiência não foi das melhores. Tinha em torno de 12 anos quando pesquei pela primeira vez, em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, ao lado do meu pai e dos meus irmãos mais velhos, Fernando Júnior e Flavinho, que queriam fisgar peixes-espada.


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Foi uma experiência diferente e assustadora,pois,para atrairmos os peixes, jogávamos carne sangrenta em alto mar. Conseguimos alcançar o nosso objetivo e pegar vários espadas. Entretanto, atraíamos também tubarões, o que me deixou assustado. Dali em diante, decidi que só iria pescar em rios. Apesar de ter nascido e crescido em Belo Horizonte, em Minas Gerais, sempre me identifiquei mais com a vida no campo, especialmente com a cidade de Varginha, localizada no sul do estado. Ainda criança, passava quase todas as minhas férias escolares na fazenda do meu tio Dudu, onde promovia minhas próprias e primeiras pescarias. Pescava todas as tardes, mas em vez dos grandes peixes de couro, como os pescados pelo meu pai, na maioria das vezes eu só pescava lambaris. Com sorte, fisgava algumas tabaranas no pesqueiro da fazenda e também na Represa de Furnas. Mesmo interessadíssimo em pescaria, sempre soube respeitar o meu pai o espaço dele, por isso nunca pedi para pescar com ele. Sabia o quão importante eram estes momentos que ele passava com amigos, por isso achava que eu e meus irmãos, todos tão jovens, iríamos atrapalhá-los de alguma forma. Era puro receio, porque naquela época eu ainda não tinha ideia do grande homem que meu pai era por trás daquela casca grossa que ele mostrava para todo mundo.

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Para manter meus quatro irmãos – Fernando, Flavinho, Marcelo e Thiago -, eu e minha mãe Janice, meu pai assumiu uma loja de fotografia e, conforme fomos crescendo, ele queria que o ajudássemos na loja. Mas trabalhar preso, atrás de um balcão, não era o objetivo ideal para mim, que adorava realmente o campo. Por isso, com 17 anos, tomei uma importante decisão: me mudei para Varginha, onde toda a história da nossa família começou.


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O começo de tudo A

CapĂ­tulo II


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O começo de tudo Meu pai nasceu em 11 de janeiro de 1948, em Belo Ho rizonte. Aos quatro anos, a família dele se mudou para Varginha, onde ele cresceu, brincou, fez amigos. Entre eles, uma menina franzina, de cabelos pretos, co nhecida por sua espontaneidade e paixão pelos esportes. Janice era filha de um amigo do meu avô paterno. Tratada como a filhinha do papai, Janice praticava natação e já mostrava, desde nova, um jeito descontraído, porém de opinião forte, tanto que ela não cedeu aos cortejos do meu pai logo de cara. Eles faziam parte do mesmo grupo de amigos que, em um bailinho, começou a incentivar o namoro dos dois. -Eu, namorar com ele? Nem que a vaca tussa – respondia ela. Havia rumores de que a jovem nadadora tivesse um outro namorado aí, que nunca chegou a ser um namorado de verdade, porque nem na mão eles pegavam. Era um negócio, como brinca a minha mãe, esquisito.

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Então, por mais improvável que parecesse, a vaca tossiu: Fernando e Janice começaram a namorar. Dois anos depois, em março de 1966, veio o casamento - um momento de grande felicidade não só pelo matroimônio, mas também pela chegada do primeiro herdeiro. Após a cerimônia religiosa, o casal celebrou a lua de mel de maneira simples: foi um passeio na Revolução e outro no Zoológico. Mas em vez de consolidar o começo de uma nova família em Varginha, os dois foram levados pelo Tio Álvaro para Belo Horizonte. O começo de uma vida conjugal dos meus pais não foi simples. Eles moraram em um porão da minha avó paterna. Era uma situação que Janice ainda hoje descreve como “o pão que o diabo amassou”. Apesar de a minha mãe não gostar de contar como tudo começou, acho importante narrar estes detalhes, pois foram essas dificuldades que fizeram com que os meus pais fossem tão unidos ao longo da vida. As brigas existiram, claro, mas Janice e Fernando eram tão unidos, tão complementares, apresentavam um respeito mútuo tão grande que o casamento deles pode servir de inspiração para muitos jovens casais. Era um verdadeiro

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O começo de tudo

romance da vida real, com suas imperfeições, mas regado de muito, muito amor. Além de dar emprego ao meu pai, Tio Álvaro foi um personagem bastante importante na história da nossa família, pois foi ele quem ajudou a cuidar da minha mãe. Meu irmão mais velho, Fernando, nasceu com 3,6 quilos, o que provocou uma anemia profunda na minha mãe, que tinha uma cerca de 1,50 metro de altura e uns 50 quilos. A

Mesmo com a ajuda da família, houve momentos em que eles precisaram “assaltar” as reservas da família para comprar leite para o bebê, pois minha mãe não queria mais quebrar a promessa que fizera anos antes, de não mais amolar a família dela. - Depois pegamos o imóvel, mas tudo que tinha lá dentro a gente tinha que pagar. Mas a gente pagava feliz, porque a gente se divertia. Éramos muito atrapalhados - lembra minha mãe. O estabelecimento a que Janice se refere é a Loja Retes, antigo estabelecimento de revelação de fotos em Belo Horizonte, que foi criada pelo meu avô, mas o meu pai fez dela o principal meio de sustento para a nossa família.


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Minhas primeiras viagens

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CapĂ­tulo III


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Minhas primeiras viagens Meu pai fazia parte de duas turmas de pescaria. Em Belo Horizonte, um dos integrantes daquele grupo era o meu primo Oswaldo, mais conhecido como Grilo, aproximadamente 10 anos mais velho que eu. E a outra turma estava em Varginha, para onde me mudei aos 17 anos. Beto e o Grilo iam pescar todo ano e foram para lugares incrĂ­veis, como o Rio Comandante Fontoura, no Mato Grosso. Depois de uns dois anos, a turma de pescaria de Belo Horizonte do meu pai acabou, e ele foi convidado para entrar na turma do meu tio. Nesta ĂŠpoca, eu tinha 20 anos. O primeiro destino escolhido pelo grupo, agora com o meu pai como integrante, foi o Rio do Sangue, localizado no norte do Mato Grosso. Acompanhei todos os preparativos para a viagem e logo pude perceber que eles tinham toda a estrutura para montar o equipamento no meio do mato. Durante dois anos, eles fizeram este esquema de acampamento, atĂŠ que desanimaram de montar barracas e procurar lugares na beira do rio, sem contar o trabalho de abrir

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Minhas primeiras viagens

clareiras. Eles então decidiram se hospedar em pousadas e, durante três anos, foram para Porto Murtinho, no Mato Grosso do Sul, onde o grupo pescava em chalanas. Sempre que os via partir, sonhava em acompanhá-los. Até fui convidado algumas vezes, mas em respeito ao meu pai, nunca aceitei pescar com a turma dele.

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Minha primeira oportunidade de viver uma aventura em busca dos grandes peixes surgiu quando eu tinha 24 anos. Tio Beto foi convidado para pescar com uma turma diferente, que tinha um rancho na beirada do Rio Taquari, que nasce no extremo sul do Mato Grosso e banha o Mato Grosso do Sul. Além do meu tio, compunham a turma de amigos dois sócios e vários amigos dele. Apesar de acompanhar todos os preparativos, não fui convidado para esta primeira pescaria, porque a turma já estava completa. Além do Jerônimo e do meu tio, iam também o Messias, Acácio, Dão, Vanzo, Juarez, Loredo, Zé Surdo e o cozinheiro Jorjão. Toda semana essa turma se reunia na casa do Jerônimo, um dos sócios do Beto e dono do rancho. As reuniões eram muito animadas, pois a turma jogava baralho, con-


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Minhas primeiras viagens

tava casos e bebia cerveja. A viagem estava marcada para a última sexta-feira de maio de 1995. Mas dois dias antes, um dos pescadores teve problema e avisou na reunião que não poderia mais ir. Logo, Claudionor, também sócio do tio Beto, me convidou para ir. Aceitei imediatamente, só que meu tempo era bem curto. Eu tinha de arrumar a minha tralha, mas não tinha equipamentos na casa do Jerônimo. Então, liguei para o meu pai a fim de pedir a tralha dele emprestada. A

Na quinta de manhã, o Jerônimo iria à Belo Horizonte para buscar iscas, principalmente minhocuçus em Paraopeba, cidade próxima de Belo Horizonte. Então pedi a ele que pegasse com meu pai o equipamento emprestado. Já de tarde, Jerônimo estava de volta à Varginha e assim que ele chegou, ligou para toda a turma avisando que a partida seria às 22h daquele mesmo dia. Quase enlouqueci para arrumar roupas e organizar as minhas tarefas em Varginha para que pudesse viajar com a cabeça tranquila. Depois de muita confusão para arrumar as tralhas, nos encontramos em frente à casa do Jerônimo às 23h. Partimos em um caminhão ¾, que tinha um toldo na caçamba. Neste espaço, colocamos colchões para dormir e aproveitamos o


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tempo de viagem para jogar baralho e tomar cerveja. Como tínhamos estas distrações, a viagem passou depressa, ainda que o caminhão sacudisse um pouco. Depois de quase 36 horas de estrada, finalmente chegamos ao nosso destino. O acampamento era bem limpo, mesmo com várias árvores que davam sombra ao local. Havia um ribeirão passando do lado e desaguando no Taguari. Havia ainda vários quiosques separados. Um deles era a cozinha. O outro, a copa. E os demais serviam de quarto para quem tivesse medo de colocar a barraca no meio do mato. O local contava com um gerador para iluminá-lo e uma bomba que puxava a água do rio para banho. A água era límpida, mas tomar banho à noite era perigoso por causa das sucuris. Depois de descarregarmos a tralha, armarmos as barracas e colocamos os barcos na água. Fiquei pescando em frente ao rancho mesmo e peguei apenas alguns peixinhos. Só voltei ao acampamento à noite quando escutei a turma cantando e bebendo. Mesmo cansados, estavam todos animados. Ficamos neste acampamento durante 12 dias. Acordávamos às 5h e já saíamos para pescar. Em geral, voltávamos ao acampamento para almoçar, mas às vezes a empolgação na pescaria era tanta que só retornávamos de tardezinha.

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Eu dividia o barco com Loredo e Vanzo. Loredo e eu não pegamos quase nada, só uns palmitos de uns 20 quilos. Mas nos outros barcos, os demais pescadores sempre chegavam com bons peixes, como pacus e jaús. Então voltei para casa decepcionado por não pegar bons peixes. Mas já no caminho de volta, Jerônimo começou a organizar a nossa próxima pescaria, que seria feita no mesmo lugar, mas numa época diferente. E assim começou a minha segunda pescaria. A

Novamente fizemos as reuniões para preparar a próxima pescaria, só que desta vez eu participava mais ativamente do planejamento, pois agora já estava na turma. Marcamos a viagem para setembro de 1996, mas como já era um costume do Jerônimo, partimos uma semana antes do prazo. A viagem foi intensa. Rodamos até a última cidade asfaltada, chamada Alto Taquari, no Mato Grosso, e lá mesmo dormimos, porque a turma toda já estava esgotada e era perigoso pegar estrada de terra durante a noite. Por isso, chegamos no dia seguinte ao rancho, já na hora do almoço. Apesar dos poucos peixes, desta vez nós nos divertíamos ainda mais. Como a pescaria não rendia aquilo que a gente


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esperava - grandes pescas regadas a boas brigas-, voltávamos mais cedo para o rancho para aproveitar o tempo bebendo, cantando, jogando cartas e conversando até altas horas da madrugada. Algumas vezes fazíamos até churrasco. Toda esta bagunça, claro, interferia na pescaria do dia seguinte, porque era muito difícil levantar cedo.

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Um dia, Loredo, Vanzo e eu pegamos um barco e subimos uma hora rio acima tentando encontrar um bom lugar para pescar. Quando apoitamos, lançamos os anzóis na água e esperamos várias horas em vão, já que não houve uma fisgada sequer. Como aquele lugar estava sem emoção nenhuma, resolvemos procurar outro ponto. Mas para a nossa surpresa, quando Vanzo tentou dar a partida, o barco não funcionou. O motor pifou. Ficamos parados durante 15 minutos, pensando em que atitude tomar, pois estávamos longe do rancho e, pior ainda, isolados. Não havia nenhum barco da nossa turma ou mesmo um porto por perto. Para agravar ainda mais a situação, o barco não tinha remos. A saída foi soltar o barco e deixá-lo descer livremente o rio até chegarmos ao acampamento. O bom, se é que posso chamar assim, é que o Rio Taquari estava assoreado em vários trechos. Logo, quando o barco pegava muita velocidade, ele acabava se prendendo em um banco de areia ou


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em uma curva do rio. Por sorte, quando chegamos à última curva antes da pousada, o barco parou na barranca do rio e, por isso, conseguimos puxá-lo até a pousada.

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Outro momento memorável desta pescaria foi quando um dos pescadores me convidou para armarmos um anzol de galho, um tipo de pesca em que amarramos anzol e linha em bambus ou mesmo em galhos flexíveis da vegetação ciliar. Ainda que eu não concorde com esta modalidade, aceitei acompanhá-lo para passar o tempo. Depois de preparar todos os anzóis, partimos para uma ilha que fica um pouco abaixo do acampamento. Mesmo rodeada de areia e mato, no meio dela a água passava forte. A ilha ficava numa curva, e como o lugar era bonito! Fizemos uma fogueira, iscamos as varas e as pusemos no secretário do barco. Passamos a noite em claro, impressionados com a beleza do lugar e contemplando as estrelas, já que os peixes não deram as caras. Mas em alguns momentos não resistíamos e cochilávamos um pouco. Voltamos para o acampamento de manhãzinha e logo fomos conferir os anzóis de galho que deixamos no caminho. Dos sete anzóis, três ainda tinham isca. Outros três estavam sem isca, mas conseguimos pegar um belo exemplar


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de pintado, que pesava mais de 30 quilos. Quando chegamos ao acampamento com aquele um peixe daquele tamanho foi uma festa tremenda. Ainda estávamos comemorando a conquista do pintado quando o Jerônimo, que tinha saído para pescar com o Zé Surdo e com o Messias, trouxe um jaú muito bonito. Nesse dia fizemos o maior churrasco de toda a viagem. Na manhã seguinte, saímos bem cedo. Pescamos algumas horas até que cruzamos com o barco do Juarez, Claudionor e Beto, que estavam rindo e comemorando muito. A princípio, não entendemos o porquê, mas quando retornamos ao acampamento, vimos um pacu de aproximadamente nove quilos. Eu pensei que não existia pacu daquele tamanho. Achei-o tão sensacional que é difícil até de descrevê-lo. Depois de muita conversa, eles confessaram que haviam roubado o peixe dos anzóis de galho de pescadores que estavam em outro rancho. Quando eles estavam passando de barco pelo local, notam que a isca tinha sido fisgada por um peixe grande. Aí decidiram passar a mão no peixe e não resistiram.

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Minhas primeiras viagens

A dois dias do término da viagem eu estava bem desanimado e sem perspectiva nenhuma, pois até aquele momento eu não tinha pegado peixe algum.

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Dividia a barraca com meu primo Renato e Tio Beto, dono da barraca. Como o Beto estava inquieto, Renato e eu decidimos, às 4h30, dormir com o barco apoitado no meio do rio. Eu já não queria mais pescar, mas o Renato lançou o meu molinete na água e começou a cantar. Minutos depois, vivi a minha primeira experiência de grande pescaria. Depois de uma boa fisgada e também uma pequena briguinha, tirei um belo pacu de três quilos. Não era um peixe grande, mas o pacu era um bom peixe. Retornamos ao acampamento com uma quantidade pequena de peixes, mas a pescaria e esta viagem renderam ótimas experiências. Como eu queria ter mais sucesso nas próximas aventuras, resolvi que a terceira pescaria teria de acontecer em um lugar onde não tivesse erro, em um lugar farto de bons e grandes peixes. Por isso, pesquisei e escolhi o próximo destino com muito carinho. Decidi também investir em equipamentos de pesca e, todos os meses, comprava revistas especializadas, que traziam dicas e mais dicas de como e onde fisgar grandes peixes.


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Viagem em famĂ­lia A

CapĂ­tulo IV


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Viagem em família Pouco depois de chegar de Taquari, comprei uma revista de pesca que falava sobre o Rio São Benedito, no sul do Pará. Logo tive a certeza de que aquele era o lugar ideal para uma boa pescaria. O difícil seria arrumar amigos dispostos a encarar esta aventura comigo, afinal tratava-se de uma viagem de 3.150 quilômetros, e eu queria fazer o trajeto de Varginha até a pousada de carro. Em fevereiro de 1996, liguei para os donos da pousada Salto do Thaímaçu a fim de reservar dois lugares. Eu precisava de um companheiro, pois enfrentaria 6.300 quilômetros de viagem e seria difícil dirigir sozinho em um lugar desconhecido e no meio do mato. Depois de muito tempo, consegui convencer meu amigo Rodrigo Beltrão. Marcamos a viagem para outubro e todos os meses mandávamos uma quantia para a pousada, a fim de quitar nossa estadia o quanto antes. Tanto é que em agosto, a reserva já estava completamente paga. Esta pescaria tem ainda uma lembrança bastante especial. Isso porque foi nesta pescaria que eu percebi o quanto a

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Viagem em família

atividade nos faz bem e aproxima as pessoas. Foi a minha primeira viagem em família, mas não ainda com o meu pai. Meu irmão Flávio passava por um momento bastante delicado, pois sofria depressão provocada pela separação de sua então esposa. Por isso, convidei-o para se juntar a mim e ao Beltrão na aventura rumo ao norte do Pará.

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Como planejado, no começo de outubro Beltrão e eu deixamos Varginha rumo a Belo Horizonte para pegar o Flavinho. Quando o vi, fiquei assustado, porque fazia tempo que não nos encontrávamos. Ele estava pesando menos de 50 quilos, o que é muito preocupante para um homem de 1,70m. Achei que ele poderia passar mal no caminho, já que a viagem era muito longa, mas graças a Deus seguimos pela estrada sem problemas. A ideia de levá-lo foi ótima, já que o Beltrão é muito engraçado e foi um dos melhores companheiros que eu poderia arrumar para uma pescaria. Assim como meu pai, eu e meus irmãos somos sérios, diria que até um pouco arredios. Nesta época, já morava em Varginha há algum tempo, então não era mais tão próximo do Flavinho. Mas mesmo sem conhecer o meu irmão, Beltrão fez várias brincadeiras, conseguiu deixá-lo bem à vontade e ainda fez com que Flavinho e eu nos aproximássemos.


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Viagem em família

Viajamos em uma caminhonete média, com lugar para três pessoas. Mas como o Beltrão estava muito gordo, tinha certeza de que a viagem seria cansativa. Mas não estávamos preocupados com isso, pois tudo o que queríamos era nos divertir.

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Fizemos uma parada em Uberlândia,ainda em Minas Gerais, para descansar e dormir. De lá, seguimos para Cuiabá, capital do Mato Grosso. No meio do caminho, já na divisa de Minas Gerais e Goiás, paramos em uma barreira, que nos obrigou a tirar toda a tralha. Perdemos muito tempo e ainda tivemos que comprar uma carteira de pesca de Goiás, que valia também para o Mato Grosso. Mas estes pequenos obstáculos não nos desanimaram, afinal, tudo era festa! Chegamos a Cuiabá já no fim de tarde, então resolvemos parar por lá mesmo para descansar. Porém, não conseguimos dormir direito, já que em Cuiabá é sempre muito quente e aquela noite estava especialmente abafada. Assim, decidimos pegar estrada às 4h. O cansaço tornou a viagem ainda mais difícil. Mesmo assim, conseguimos atravessar a cidade para pegar a Rodovia Cuiabá-Santarém, que é conhecida por ser


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perigosa, já que os motoristas de caminhões carregados de toras não respeitam ninguém e dirigem sempre em alta velocidade. Com todo aquele peso na carroceria, quem consegue parar a tempo de evitar acidentes? A salvação é que não há muitas curvas na estrada. Então é possível ver quando os caminhões fazem ultrapassagens arriscadas e se há perigos pela frente. De Cuiabá fomos para Alta Floresta, a última cidade asfaltada do trajeto. Dali, seguimos para Paranaíta, município que fica na divisa do Mato Grosso e Pará, e última cidade antes de chegarmos à pousada. Já estava escurecendo e chovendo muito. Mesmo assim, a ansiedade de chegar era tanta que decidi seguir viagem. Os moradores advertiram que prosseguir era perigoso e que teríamos de atravessar uma balsa, mas ignorei-os. Deixamos Paranaíta e rodamos pouco mais de 26 quilômetros no escuro. A estrada também não estava colaborando, pois graças à chuva, estava bem escorregadia. Quase atolamos em alguns pontos. Depois de muito sufoco, avistamos uma casinha com a luz acesa. Era uma venda. Fomos até lá para perguntar onde estava o responsável pela balsa, para que ele pudesse nos

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ajudar a atravessar o rio. Dois homens estavam na venda: o dono, que estava do lado de dentro do balcão, aparentava ter mais de 50 anos, era bem baixo e magro e muito mal educado; e do lado de fora, bebendo pinga, era um índio. Ele devia ter aproximadamente 20 anos, tinha 1,90m e era tão largo que parecia uma porta. Mas tenho de ressaltar que ele não era gordo, era forte mesmo. Fiquei impressionado, pois parecia que ele carregava uma tora nas costas. A

Confesso que vi poucos índios na minha vida, e até mesmo entre os brancos, nunca vi uma pessoa daquele tamanho. Perguntei ao dono se aquele era o caminho da pousada. Ele confirmou, mas já adiantou que não sabia como chegar até ela, uma vez que o serviço da balsa já tinha sido suspenso por conta da chuva. Eram 19h e o horário de funcionamento também já tinha expirado. Eu estava tão ansioso para chegar que perguntei pelo responsável pela balsa. Foi quando o índio colocou o copo no balcão e disse que com aquele tempo não chegaríamos a lugar algum. Ele não precisou dizer mais nada. Assustado com o tamanho do índio, Beltrão, mais do que depressa, concordou com o índio e me puxou pelo braço de volta ao carro.


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Sozinhos e sem conhecer ninguém naquela vilazinha, decidimos que o melhor a fazer era retornar à Paranaíta. Apesar de ser a única alternativa, a viagem foi uma confusão. Erramos o caminho diversas vezes e demoramos o dobro do tempo que gastamos na ida. Até achar um hotel foi complicado, pois a cidade estava toda apagada e as casas eram iluminadas apenas por velas. Quando finalmente encontramos o hotel, disseram-nos que a luz da cidade vinha de um gerador apenas para iluminar o baile, que começava às 20h e terminava três horas depois. Como ainda eram 22h e não podíamos entrar no hotel antes das 23h, resolvemos andar pela cidade para achar algo para comer. Encontramos um bar, jantamos e pouco tempo depois a luz voltou. Conseguimos então nos hospedar, tomamos um bom banho e caímos na cama. Levantamos ainda de madrugada e rumamos para a pousada. Como não estava mais chovendo, chegamos rapidamente na balsa, onde me senti lesado. Aconteceu que o administrador cobrou um valor absurdo para nos atravessar. Mas a travessia, que só posso descrever como sensacional, valeu cada centavo. O Rio Telles Pires, um dos mais famosos da região, naquele

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ponto é bem largo, tanto que levamos 20 minutos para concluir o trajeto. O único problema do Telles Pires é que por ali existe garimpo e, por isso, a malária era muito comum. Ainda na balsa, o barqueiro nos ofereceu uma pepita de ouro por um preço baixo, mas recusamos a oferta. Depois da balsa, ainda rodamos cerca de 60 quilômetros entre pontes de madeira estreitas até que chegamos a um posto de gasolina – o único sinal de vida que vimos até ali. A

O combustível era caríssimo, mas mesmo assim optamos por encher o tanque, para evitar perigos em caso de algum imprevisto, como errarmos mais uma vez o caminho. Além disso, no posto nos informaram que a pousada ainda estava a 100 quilômetros dali. Eles alertaram também que deveríamos tomar cuidado com uma encruzilhada que encontraríamos em frente, pois se errássemos o caminho, iríamos chegar a uma aldeia indígena em que outros pescadores tiveram problemas. Então prestamos bastante atenção no caminho e conseguimos acertá-lo. Porém rodamos por quase uma hora sem ver uma alma viva sequer. Quando finalmente encontramos uma pessoa para pedir informação, ele disse que não conhecia a pousada, mas que sabia que o Rio São Benedito ficava no fim daquela estra-


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da. Naquele meio tempo, passamos aperto, pois rodávamos, rodávamos e rodávamos, mas não conseguíamos encontrar o caminho. De repente, chegamos a uma clareira, mas uma porteira nos impedia de prosseguir. Avistamos uma casinha no meio do mato, bem distante de onde estávamos, e decidimos buzinar até que um senhor nos atendeu.

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Ele perguntou o nosso nome para confirmá-los na lista, pois naquela fazenda só entravam hóspedes. E então nos indicou o caminho. A pousada tinha capacidade para hospedar 26 pessoas, mas éramos os únicos pescadores dali. Se eu não fosse àquele lugar, jamais acreditaria que pudesse existir um lugar como aquele no mundo. Ela ficava bem em frente a uma corredeira. Como chegamos um pouco antes do almoço, decidimos esperá-lo para só então sair para a primeira pescaria. Carlos, o dono da pousada, nos apresentou o pessoal e as curiosidades daquele lugar, como um ponto acima da corredeira, em frente à pousada, em que a pesca é proibida pelo próprio Carlos. Isso porque ele tem uma ceva e cuida dela sistematicamente desde a abertura da pousada. Ele cria pacus e outros peixes pequenos, mas principalmente matrinxãs bem grandes que até já se acostumaram


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com a equipe da pousada. Quando eles tratam dela, algumas chegam até a pegar pedaços de pão na mão deles. Carlos também nos apresentou os dois mascotes da pousada. Um deles era passarinho, que em Minas chamamos de pássaro preto do brejo - o que é curioso, pois o pássaro é, apesar do nome, preto e amarelo. Tranquilo, o passarinho ia com qualquer pessoa. Carlos nos contou que ele foi deixado sozinho no ninho e que não voava. A outra mascote era uma anta, também abandonada pela mãe nas proximidades da pousada. Mesmo que todas as pessoas da fossem muito prestativas e atenciosas, deixamos a conversa de lado, pois estávamos loucos para pescar, coisa que fizemos depois do almoço. Flavinho e eu dividimos um barco, enquanto o Beltrão foi sozinho no outro, já que só ele já atingia praticamente o limite do peso do barco (se ele ler este livro, ele me mata). Naquela época, ainda não conhecia muito bem os equipamentos de pesca, assim a minha tralha inicialmente não era tão grande. Mas com a ajuda do Beto, que emprestou sua caixa de pesca, e do meu pai, que emprestou varas, e

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mais algumas coisas que comprei, acabei montando uma tralha muito boa. Tanto que levamos equipamento para peixes de todos os tamanhos.

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A corredeira em frente da pousada faz uma divisão natural do rio. Então, o barco que está do lado de cima só chega ao lado de baixo por terra. Mesmo assim, decidimos subir a corredeira. Entramos em várias lagoas que, com o rio vazio, tornavam o acesso ao rio ainda mais difícil. Mas como o rio estava cheio, o acesso foi mais simples. No meio da lagoa usávamos remos para não espantar os peixes. Começamos a pesca visando tucunarés. O pirangueiro explicou que, entre o fim de maio e agosto, era mais fácil pescar tucunarés usando filés de peixe como isca. Estávamos em outubro, mas a estratégia seria eficaz e pegaríamos os maiores peixes que se escondiam no fundo do rio. Quando entramos nas lagoas, tudo parecia calmo. Mas, no meio do mato, conseguimos escutar os peixes caçando. Assim, quando lançamos as iscas, pegamos um tucunaré atrás do outro. Era tanto peixe que, quando um chegava perto do barco, dava para avistar os outros que também nadavam em direção às iscas. A maioria tinha mais de quatro quilos e brigavam muito para se livrar do anzol.


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O primeiro peixe do Flavinho foi um poraquê, uma espécie que parece pré-histórica. Meu irmão estava prestes a pegá-lo quando o pirangueiro gritou, advertindo-o que o peixe, também conhecido como peixe-elétrico, daria choque. O pirangueiro então pegou uma faca e cortou a linha para evitar acidentes.

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Decidimos então pescar com isca artificial, mas sem muita sorte. Fui o único que conseguiu pegar um peixe, que devia ter uns três quilos. Ainda no rio, Rodrigo Beltrão achou um ponto com muitos cacharas. Em duas horas, ele pegou uns quatro. Mas eu e o meu irmão não pegamos nada e, quando começou a escurecer, retornamos à pousada. De noite, os funcionários da pousada serviram um delicioso caldo de piranha, capaz de revigorar qualquer pessoa. No segundo dia, não acordamos cedo. O Flavinho estava muito cansado e decidiu ficar na pousada durante a manhã. Rodrigo e eu descemos a corredeira desta vez. Depois de 50 minutos de viagem, tivemos que caminhar e carregar as tralhas por mais de 20 minutos, até que alcançamos o Poço dos Jaús. A pescaria foi muito boa, mas fiquei decepcionado, pois eu esperava pegar um jaú. Nunca tinha tido o prazer de pegar um peixe de couro até então.


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Um pouco antes do almoço, agora com o Flavinho no meu barco, resolvemos voltar ao ponto dos tucunarés. Eles estavam em maior quantidade e a pescaria foi ainda melhor do que o dia anterior. Conseguíamos pegar um peixe em toda isca lançada. E assim passamos a tarde inteira. No entanto, não consegui pegar um peixe de couro, o que mais uma vez me deixou um pouco frustrado durante o jantar. Conversei com o Carlos que, ao notar a minha vontade de pegar um peixe de couro, preparou a pescaria do dia seguinte sem que soubéssemos. No terceiro dia, os pirangueiros nos acordaram ainda de madrugada e pediram que levássemos blusas de frio. Subimos o rio de barco por quase duas horas, até entrarmos em um afluente do Rio São Benedito, chamado Rio Azul. Pelo nome é possível imaginar que se tratava de um rio pequeno, mas com água límpida e cristalina. Era possível ver cardumes de piaus, algumas traíras e outros peixes que nadavam tão rápido que era quase impossível distingui-los. Quando passamos por uma galhada, o pirangueiro viu um trairão. Ele me indicou o local, peguei uma isca artificial e a lancei na frente do peixe. Assim que a isca bateu na água, o trairão começou a avançar. A vara era pequena e a linha, fina. A briga foi intensa, pois a todo o momento o trairão

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tentava escapar. Com muita habilidade, o pirangueiro conduziu o barco para perto de uma praia, onde consegui vencer o peixe. Ele tinha mais de oito quilos. Depois de soltá-lo, já que os trairões da Bacia Amazônica não servem para comer, pois eles têm muitos vermes na pele, seguimos para uma lagoa. Nela pegamos tucunarés menores, que tinham dois ou três quilos em média. A

O pirangueiro resolveu parar na boca daquela lagoa para, de lá, lançarmos iscas para dentro do rio. No momento em que o pirangueiro lançou o anzol, fisgou um peixe grande. Ele me passou o equipamento para que eu tivesse a sensação de pegar o meu primeiro peixe de couro, ainda que não tivesse jogado a isca. Mas valeu a pena. Era um belo pintado, com 13 quilos, pesado depois de limpo. Continuamos pescando no Rio Azul, que além dos peixes, tinha ainda uma paisagem maravilhosa. Não havia qualquer sinal de degradação, tudo era conservado e não tinha indícios de desarmonia com a natureza. Vimos vários bichos em todos os lugares por onde passávamos, inclusive na própria pousada.


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No dia seguinte estávamos um pouco cansados. Flavinho não queria sair para muito longe, então decidimos pescar em frente à pousada mesmo, nas corredeiras. Atravessamos o rio de barco, apoitamos em frente a uma subida de peixes (no meio da corredeira é muito difícil a subida para os peixes por isso eles pegam alguns canais mais para a beirada). Ali, peguei algumas cachorras e matrinxãs. Meu irmão pegou um peixe, mas o perdeu sem que pudéssemos ao menos ver a cara dele, e uma cachara pequena. Já o Beltrão fisgou uma cachara e um jundiá, que é muito bonito, mas sem graça de pescar, pois ele quase não briga. Depois do almoço, fomos para a corredeira e, como estava fazendo muito calor e a água estava uma delícia, ficamos um tempo nos refrescando dentro dela. Como retornaríamos para Varginha já no dia seguinte, voltamos para as lagoas a fim de pegar mais tucunarés. Ainda de noite estávamos pescando em frente à pousada, tanto que os pirangueiros até nos trouxeram cadeiras, tira gosto e cervejas. Era o cenário perfeito, o verdadeiro paraíso. O que mais eu poderia querer da vida? Peguei algumas cachorras, uma delas bem grande - o pirangueiro falou que ela pesava mais de nove quilos – e uma

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matrinxã de quatro quilos. Então aconteceu um fato interessante: Beltrão pegou um peixe tão grande que, quando eles estavam brigando, a vara quebrou. E antes que perdesse o peixe, ele enrolou a linha em volta da cintura e começou a caminhar para a pousada. Foi uma cena cômica, e mesmo desta forma improvisada, ele conseguiu tirar o peixe da água. Era um jaú de dez quilos. Só depois do ocorrido, Carlos advertiu que a atitude era perigosa e podia ter sérias consequências. Mas como era o nosso último dia, Beltrão não estava “nem aí”. A

Como programado, arrumamos nossas tralhas e partimos no dia seguinte. Tivemos sorte, pois quando chegamos à balsa, ela estava do nosso lado e já de partida. O céu estava muito escuro e estávamos com medo de pegar chuva antes de chegarmos ao asfalto. De fato, depois de Paranaíta, começou a chover, mas neste ponto a estrada é melhor e conseguimos prosseguir viagem sem interrupções até Alta Floresta. Lá, abastecemos e seguimos viagem. Paramos também para comer alguma coisa perto de Sinop, já na Rodovia Cuiabá-Santarém. Dali só paramos em Rondonópolis, 200 quilômetros depois de Cuiabá, o que já representava metade do caminho.


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No outro dia dirigimos quase sem parar para chegarmos a Belo Horizonte. Lá deixamos o meu irmão e aproveitamos para dormir e descansar. E no terceiro dia de viagem, finalmente chegamos a Varginha. Já em casa, estávamos muito felizes pela grande aventura, sabendo que deixamos para trás uma das melhores e mais bem estruturada pescaria até então. Aquele era um dos lugares mais bem preservados de pesca do País e eu tinha certeza de que voltaria algum dia. Só não imaginava que esse dia estava tão perto.

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Nova aventura em Alta Floresta Assim que cheguei em casa, mal pude me esperar para contar ao Beto todas as aventuras vividas no Salto do Thaimaçu. Mostrei-lhe as fotos e a minha empolgação era tão grande que acabei contagiando-o. Entusiasmado, Tio Beto me pediu para organizar uma nova pescaria lá o mais depressa possível. Então, na semana seguinte da minha chegada eu já estava ligando para a pousada novamente a fim de reservar datas. Estávamos em outubro, mas só havia vagas para abril. Inicialmente eu queria reservar seis lugares, mas como era necessário adiantar 20% do valor total da hospedagem e até aquele momento eu só tinha quatro confirmações (Beto, Claudionor, um amigo deles que eu ainda não conhecia e eu). Para não complicar muito, confirmei apenas as quatro reservas e fiz o pagamento. Em seguida, comecei a organizar o transporte. Sabia que os pescadores não aceitariam encarar aquela aventura de carro em hipótese alguma. Então fui a uma agência de turismo e, por sorte, consegui fretar um avião até Alta Flor-

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esta por um valor com desconto e em 10 vezes. Ainda era mais barato viajar de carro, mas o tempo ganho compensava essa diferença, pois de avião levaríamos apenas um dia em vez três para chegar à pousada. Outro custo que tivemos foi o táxi aéreo. Contratei-o a pedido do Beto e posso garantir que este foi o custo alto. Mas também valeu a pena.

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Assim, no começo de abril, fomos de carro até São Paulo, onde deixamos o carro no estacionamento do aeroporto, e de lá pegamos um avião de grande porte até Cuiabá. Finalmente seguimos da capital mato-grossense até Alta Floresta em um avião de porte médio. Mas chegando lá, o tempo estava tão ruim que era impossível chegar à pousada. Dormimos em Alta Floresta e na manhã seguinte, bem cedo, fomos para o aeroporto, mas não pudemos partir imediatamente por conta da neblina. Assim que o sol apareceu, decolamos. Voamos durante 50 minutos pela Floresta Amazônica, experiência incrível, já que a vista do Rio São Benedito é maravilhosa. Observamos ainda uma mata bem fechada, apesar de algumas clareiras. Eram 9h da manhã quando chegamos à pousada e logo reparei que os proprietários tinham feito algumas mudanças


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para melhorar o atendimento, mas sem alterar muito o ambiente. Outra novidade foi a presença de dois repórteres, que estavam fazendo uma reportagem sobre a pousada. Mas a matéria teve de ser interrompida, porque um dos jornalistas teve a mão mordida por uma piranha e o ferimento foi tão profundo que afetou até os tendões. Ele pegou o mesmo avião em que nós chegamos de volta à Alta Floresta. A primeira coisa que fiz quando cheguei à pousada foi procurar as mascotes, mas o pássaro tinha morrido e anta foi solta na floresta. Entretanto, todas as noites ela voltava para comer. Então fui logo pescar. Já na primeira fisgada peguei um dos grandes, mas não sei qual era, porque não consegui tirá-lo da água. Briguei com ele por mais de meia hora e no fim ele escapou. Já estava na hora do almoço quando eu peguei uma cachorra grande, soltei-a e fui almoçar. Depois do almoço, saímos para pescar tucunarés não muito longe. A pescaria de tucunarés não estava muito boa, já que naquela era época o rio estava muito cheio. Abundantes, as cachorras e as matrinxãs devoravam vorazmente nossas iscas artificiais. No segundo dia subimos o rio por mais de duas horas.

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Passamos pela boca do Rio Azul e continuamos a subi-lo por mais uns trinta minutos. Pela manhã pescamos no São Benedito, próximo a uma corredeira. A pescaria dessa vez pra mim foi muito boa. Comecei pegando um cachara de oito quilos, depois uma pirarara um pouco maior que isso, com uns 12. Pesquei ainda uma pirarara de 25 quilos, que deu trabalho para trazer para o barco. Mesmo que eu estivesse com equipamento para peixes grandes, achei que a linha não ia aguentar. Foi uma briga muito boa. Geralmente a pirarara corre para a galhada, mas como naquele ponto não havia galhada, deu para nos divertimos bastante. Como a vida de pescador é difícil, já que ninguém acredita nas nossas histórias, levei alguns dos peixes que pesquei na viagem anterior para casa, pois queria provar para todos que estive lá e realmente pegamos peixes grandes. Mas desta vez decidimos não levar peixes – o que ainda era permitido uma cota pequena. Só tirávamos do rio o suficiente para comer na pousada ou em algum acompanhamento improvisado. Todos os outros foram devolvidos ao rio. Beto, que dividia o barco comigo, pegou um jaú pequeno, de 11 quilos, e perdeu outro que devia ser dos grandes, porque depois de muito tempo brigando, com o peixe tomando linha e o Beto fazendo força, o peixe entrou num


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buraco ou numa loca (como dizem os pescadores). Claudionor e o Dominguinhos, que estavam no outro barco, também pegaram alguns peixes, mas nada do tamanho daquela pirarara. Eles não a viram, por isso no começo não quiseram acreditar em mim. Como nós programamos para passar o dia inteiro pescando, os pirangueiros levaram uma grelha, um pouco de sal, tomates e arroz pronto para o almoço. Mas eles não avisaram que era para reservar a cachorra, que apesar de ser o menor peixe que pescamos, era o único que dava pra comer, já que a pirarara é ruim. Desavisado, soltei a cachorra. Quando estávamos procurando um local mais aberto no mato para almoçar, o pirangueiro que acompanhava o Claudionor viu um pintado na praia onde íamos almoçar. Ele então mandou parar o barco e nos aproximamos da praia remando. Claudionor lançou a isca e a cena da pescaria anterior, em que ele pegou uma traíra, se repetiu: o pintado logo avançou na isca e nos proporcionou uma boa briga. Pude contemplar a briga de cima do barco, o que foi muito bonito. Por fim, já tínhamos o que comer, mas devo confessar que não gosto muito de comer peixe de couro, pois para mim o gosto deles é muito forte.

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Enquanto os demais estavam abrindo espaço dentro do mato para fazer fogo, fiquei perto da corredeira tentando pegar alguma matrinxã, mas o sol estava forte, o que dificultava a pescaria. Voltei para a praia e vi o Claudionor na beira dela, com o molinete na mão, lançando-o toda hora e logo em seguida recolhendo-o. Curioso, fui ver o que ele estava fazendo e logo percebi que ele estava tentando fisgar uma traíra enorme que devia estar cuidando de ovos, já que ela só saía do lugar quando a isca passava perto dela. A

Fiquei impressionado com o tamanho daquele peixe: era um exemplar de 20 quilos. Depois de algum tempo, ela abocanhou a isca, brigou um pouco, mas era tão forte que logo conseguiu arrebentar a linha e por pouco não quebrou a varinha também. Então ela parou debaixo de uns galhos de árvore e Claudionor resolveu deixá-la em paz. Em seguida, o almoço estava pronto. Mas como o prato era o pintado assado, temperado apenas com sal e limão – o que deixou o gosto do peixe ainda mais forte-, comi apenas arroz com tomate. Depois do almoço, resolvemos pescar no Rio Azul, em uma concentração de tucunarés. Se eu soubesse que eles estavam lá, teria ido um pouco antes para fisgar um para


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o almoço, pois este é um peixe que, para mim, é delicioso. Pegamos muitos tucunarés, alguns com até cinco quilos, e cacharas. Nunca tinha acertado tanto numa só pescaria, tanto que meu braço estava doendo no fim do dia. De noite, tomamos muito caldo de piranha para recuperar as forças. Não sei se o caldo é, de fato, eficaz, mas no dia seguinte me sentia muito bem. No terceiro dia de viagem, levantamos bem cedinho para descer o rio em direção ao Poço dos Jaús. Mas desta vez não precisamos caminhar tanto, pois descobrimos um caminho pelas corredeiras e pudemos fazer o caminho de barco até perto do poço. Aquele lugar é fantástico, pois tem corredeiras por todos os lados. Em um canto, tem também uma queda d’água, que parece um paredão. O rio ainda se divide em dois e forma, do outro lado, uma grande ilha. Tentamos pegar alguns peixes, mas, sem sucesso, fomos para o outro lado da ilha. Para atravessá-la, usamos um barco de madeira bem velho e tínhamos que remar contra a correnteza, o que só foi possível pois estávamos em grande número. Do outro lado da ilha, a pescaria também não era fácil. Os jaús ficavam debaixo do espelho d’água, então quem se aventurasse a arregaçar as calças e entrar no rio o máximo possível para o lado do espelho de água

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conseguiria chegar um pouco mais perto dos peixes, que se concentravam a uma longa distância. Tentei pegá-los várias vezes da beirada do rio, mas sem sucesso. Então avistei uma pedra dentro do rio e caminhei até ela. A água batia na minha cintura quando cheguei à pedra, o que preocupou os pirangueiros, pois se eu pegasse um peixe grande, ele poderia me jogar na correnteza e eu poderia sofrer algum acidente. A

O que estava comigo no barco resolveu me segurar pela camisa. Foi dito e feito. Lancei a isca e ela caiu bem dentro do espelho d’água. De repente a linha afrouxou e começou a descer devagar. Não entendi como a linha poderia descer sendo a chumbada tão pesada que deveria ter quase meio quilo. Mas o pirangueiro estava segurando a minha blusa com força e, depois de algum tempo, a linha começou a esticar. Foi aí que senti o primeiro tranco. O peixe começou a tomar linha e subia e descia numa velocidade incrível. Logo o pirangueiro gritou que era dos grandes e com a ajuda das corredeiras se tornava ainda mais forte. Tentando puxá-lo, quase caí dentro da água – o que foi uma sorte, pois se caísse dentro d’água, em hipótese alguma eu soltaria o equipamento e, com aquela força, o peixe ia me levar


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ainda mais para dentro do rio -, mas consegui me manter na pedra com a ajuda do pirangueiro, é claro. Quando o peixe pegava a corredeira, tinha que segurar com o máximo de força para ele não tomar toda a linha. Quando ele subia muito e chegava perto do paredão, ele até aliviava, mas eu tinha que tomar cuidado para ele não enlocar. Aí eu começava a puxar com força, logo em seguida ele acelerava para baixo de novo. Foi uma briga intensa de uns 45 minutos. Meu braço não aguentava mais eu já estava sem forças. O peixe começou a cansar também, mas vi que a linha estava ficando mais frouxa. Voltei para a margem do rio e de lá deu pra trazer o peixão. Pude vê-lo ainda quando estava dentro da água: era um jaú bem preto, pesava uns 60 quilos. Nunca tinha visto um peixe daquele tamanho ao vivo. Quando ele parou do meu lado, ainda dentro da água, nem se mexia mais de tão cansado. Então o tiramos da água para filmá-lo e tirar fotos, pois os outros não acreditariam no tamanho daquele exemplar. Depois das fotos, eu o devolvi ao rio, para que ele pudesse proporcionar a outros pescadores a mesma satisfação que me proporcionou. Depois desta grande conquista, dei um descanso para o meu

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braço, que estava doendo muito. Meu molinete quebrou ao longo da briga. Na verdade, ele roçou e não sei como consegui trazer o peixe. Foi ai que resolvi passar a pescar com carretilha. Assim que voltássemos para Varginha, iria trocar o pouco equipamento que tinha e passaria a pescar só com a carretilha. Enquanto eu descansava, a turma pegou alguns jaús, mas bem menores.

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Decidi conhecer os arredores. Andei um pouco pela ilha, mas sempre preocupado, pois não sabia o que poderia encontrar em um lugar virgem como aquele. Mais para baixo da ilha, num remanso, coloquei uma isca no anzol e fiquei pescando apenas para passar o tempo e dar a hora de voltarmos para a pousada. Mesmo assim, fisguei uma cachorra de nove quilos e uma linda matrinxã de mais de quatro. Os outros pescadores ainda estavam tentando pegar um dos grandes, mas sem êxito. Só o Claudionor conseguiu pegar um de 30 quilos. Voltamos para a pousada mais cedo do que de costume, todos cansados, principalmente eu. Tomei o dobro do caldo de piranha pra ver se acordava bem no outro dia. Deu certo. Acordei bem disposto. A turma resolveu voltar ao Rio Azul, porque o cenário é


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maravilhoso. Sentia-me muito bem ao ver aquele rio cristalino, além de observar os peixes e vários outros bichos. Nosso foco eram os tucunarés, que não estavam entrando com tanta facilidade como nos dias anteriores. Peguei um trairão de oito quilos. Dominguinhos, que só conseguiu matrinxãs, tucunarés, cachorras e piranhas durante a pescaria inteira,convidou-me para ir atrás dos peixes de couro. Deixei o Beto pescando com o Claudionor e acompanhei-o. Primeiro tentamos no próprio Rio Azul, depois entramos no São Benedito e subimos por meia hora. Neste caminho, aproveitamos o tempo para almoçar e comemos um sanduíche que a turma da pousada preparou. Paramos um pouco acima do local onde eu peguei as pirararas no começo da pescaria. Ficamos por algum tempo sem sentir nenhum puxão. Então descemos o rio novamente e parávamos em todos os pontos que o pirangueiro indicava. Porém não tivemos sorte: pegamos muitas piranhas, algumas bicudas, cachorras, tucunarés, matrinxãs, mas peixe de couro que era bom, nada. No quinto dia saí com Dominguinhos de novo. Resolvemos ficar próximos da pousada. Subíamos o rio e parávamos nos melhores pontos, mas só eu peguei um cachara pequeno. Quando o sol apertou, retornamos à pousada.

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É engraçado que nos primeiros dias de uma pescaria todos pescam feito um doido. Depois o cansaço vai batendo, sentimos saudades de casa e no quarto dia de pesca, como dizem os pescadores, já dá “banzo” (o que é banzo? Precisamos explicar). Não sei se era viciado ou muito jovem, mas tentava aproveitar ao máximo esse tempo que tinha para pescar. Então continuei pescando em frente à pousada. Fisguei uma cachorra grande de oito quilos, duas matrinxãs entre três e quatro quilos, e um jaú de seis. A

Dominguinhos sentou na frente do alojamento e ficou me vendo pescar. Assim eu acho que ele se animou um pouco. Combinamos de aproveitar aquela nossa última tarde. Após a sesta, pegamos o barco e paramos do outro lado da corredeira. A pescaria não foi muito boa, mas peguei dois jundiás pequenos de seis quilos e um belo tucunaré de quase cinco. O tucunaré tinha a guelra bem avermelhada, própria dos tucunarés do Rio São Benedito. Era quase 17h quando Dominguinhos para voltou à pousada. Aí aconteceu um fato bem engraçado pra mim, que fiquei observando o Dominguinhos pescar e explicando onde ele deveria jogar a isca nas duas primeiras vezes. Ele pegou cachorra, então resolvi pescar. Foi a isca bater na água para entrar um jaú de dez quilos. Parei de pescar de


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novo pra ver se ele pegava um dos grandes. Nas três tentativas seguintes, vieram uma cachorra, uma piranha e uma matrinxã. Desanimado, joguei a isca na água para a despedida e de novo peguei um jaú de sete quilos. Aí Dominguinhos ficou doido. Quando ainda estávamos pescando, Carlos, o dono da pousada, nos avisou que o bimotor que havíamos contratado para nos levar até a pousada estava na revisão e que, por isso, teríamos que voltar em um monomotor. Logo de cara descartei esta hipótese, pois não confio num avião com só um motor. Assim, tivemos que voltar para Alta Floresta na traseira de um caminhão. Meus companheiros ficaram loucos comigo, pois uma viagem de 45 minutos se transformou em quatro longas horas. Mas fazer o quê? Chegando a Alta Floresta, Carlos já tinha combinado com o dono de um hotel para que pudéssemos tomar um banho, pois a estrada tinha muita poeira. Em seguida fomos para o aeroporto e a volta para Varginha foi mais rápida, já que não tivemos que dormir no caminho. Já em Varginha, nos reunimos novamente já para organizar a minha quinta pescaria e, desta vez, levar os que não tiveram coragem de nos acompanhar até Alta Floresta.

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Lado a lado Depois de pouco mais de três meses da nossa chegada, fui intimado pelo Beto e Claudionor para organizar uma nova pescaria. Eles já tinham reunido a turma e contavam comigo para confirmar a pousada e o transporte. Dessa vez a organização foi mais rápida, pois a turma já estava montada. E tinha mais uma novidade: seria a primeira vez que pescaria ao lado do meu pai. Quando liguei para ele, ele topou na hora. Fiquei muito feliz com a resposta positiva do meu pai ao meu convite, pois o fato de pescarmos juntos foi um verdadeiro divisor de águas no nosso relacionamento. Como já disse, meu pai sempre foi muito bravo, adotando uma postura bastante rígida, tanto que quando meus irmãos e eu jogávamos bola, por exemplo, pedíamos para nossa mãe que não o levasse, já que o Fernando, com seu jeitão incorrigível, ficava xingando na beira do campo, o que só nos deixava mais e mais ansiosos ao longo das partidas. Com o passar do tempo e nascimento dos meus irmãos mais novos, Marcelo e Thiago, ele começou a apresentar uma postura mais maleável com os filhos. Marcelo me conta sempre uma cena que guarda com mui-

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to carinho, em que o pai o ensinou a se barbear. - Tinha uns 12 anos quando fui brincar com ele. Perguntei como é que se fazia aquilo. O pai então sentou na cama, passou espuma no rosto e me orientou a conduzir a lâmina pelo rosto dele de cima para baixo. Outro fato que influenciou bastante essa maior abertura dele no relacionamento com os filhos foi a chegada da Leninha. Desconfio que meu pai sempre sonhou em ter uma filha, sonho que resultou em cinco moicanos, como bem diz a minha mãe. Porém, minha tia foi mãe solteira e pediu ajuda a nossa família para ajudar a cuidar da Leninha. Meu pai ficou tão louco com a chegada dessa menina que acordava no meio da madrugada para ajudar a dar mamadeira. Mas eu, que saí de casa ainda garoto, para seguir meu sonho de morar no interior, não conheci esta faceta dele, ainda mais porque eu só o visitava a cada dois ou três meses. Mas a partir das pescarias, nosso relacionamento mudou completamente. Ele passou a ser uma pessoa mais convidativa, mas aceitável, mais compreensiva. Era uma mudança radical mesmo. Foi aí que me senti confortável para convidá-lo para todas as pescarias que planejava, pois quanto mais eu o conhecia nas pescarias, mais conseguia en-

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tendê-lo e aceitá-lo. E ele também passou a me aceitar mais.

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Voltando ao planejamento desta que seria uma pescaria tão marcante, entrei em contato com a pousada e só consegui vagas para maio do ano seguinte. Era muito tempo de espera, mas isso foi bom, porque pude sentir saudades das aventuras da pescaria. Outra coisa que me animou era a construção de uma balsa grande. Na última pescaria, perguntei a um dos pirangueiros qual era a finalidade daquela obra e ele respondeu que eles estavam abrindo outra pousada, mas em um rio até então só pescado por índios – sim, aqueles mesmos da tribo que encontraríamos se errássemos o caminho da pousada na primeira viagem a Alta Floresta. O pirangueiro contou também que Carlos tinha feito um acordo com os índios, que determinava que a pousada seria construída com madeira bem rústica e, ao lado dela, dois índios fiscalizariam as atividades de uma casinha. Além da construção da pousada, eles determinaram que os pescadores só poderiam tirar o peixe do rio para comê-lo. Carlos ainda teria de pagar um aluguei pelo rio, quantia que era alta, mas que valia a pena, pois o rio tinha muitos peixes e era mais fácil de pegálos, já que se tratava de um rio praticamente virgem. Quando confirmei a reserva na pousada,inclui dois dias neste


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rio, que se chama Cururu-açu. O valor cobrado era bem diferente, mas sabia que o investimento valeria a cada centavo. Depois liguei para a agência de viagens do meu primo e marquei o voo. O custo da viagem foi bem mais alto que a anterior, mas em compensação também teríamos mais tempo para pagá-lo. A lista de passageiros desta viagem era a seguinte: meu pai; Beto; Claudionor; o meu primo Renato; Adilson, mais conhecido comoTixa,que era sócio do Beto e do Claudionor; e eu. A

Os meses passaram depressa e terminamos de pagar a hospedagem antes mesmo da viagem. No tão esperado dia, fomos para São Paulo em uma van. Pegamos um avião até Alta Floresta e, de lá, seguiríamos em um bimotor. Não tivemos problemas desta vez com o avião desta vez e ainda conferimos um cenário espetacular sobre a mata fechada e quase nenhum morro. Depois ainda sobrevoamos o leito do rio. Ao chegarmos à pousada, notei que tudo estava bem diferente. A única coisa que continuava inalterada era a anta, que toda noite passava lá para comer. Os quartos agora tinham ar condicionado, além de outras mudanças pensadas para oferecer mais conforto aos pescadores. Como de costume, já peguei meu equipamento e saí para pescar. Os outros me acompanharam e, aqueles


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que ainda não tinham ido à pousada estavam maravilhados com o lugar. Resolvemos pescar em cima da balsa, que no dia seguinte nos levaria para o outro lado do rio. A balsa era grande, afinal servia para transportar carros e caminhões, então tinha lugar de sobra para que todos pescassem confortavelmente. Tentei arremessar o anzol o mais longe possível, bem próximo ao final da corredeira, e em pouco tempo peguei um jaú médio de 17 quilos. A turma ficou louca vendo um peixe daquele tamanho pego com tanta facilidade, tanto que logo depois de soltar o jaú, Claudionor ferrou uma enorme briga. Ele demorou mais de meia hora, no fim ele não aguentou e passou o molinete para o pirangueiro tirar o peixe da água, mas mesmo em dois, era impossível tirar o peixe da água porque, além de grande, ele era muito viscoso. Tratava-se de um belo jaú de mais de 65 quilos, segundo a estimativa do pirangueiro. Era enorme e muito bonito, mas não pudemos apreciá-lo mais de perto. Todos pegaram alguma coisa até o anoitecer e então voltamos para a pousada. Na manhã seguinte, fomos direto para o Cururu-açu, onde enfrentamos um nevoeiro que estava atrapalhando muito a nossa visão. Atravessamos o Rio São Benedito pela balsa e depois seguimos mais 20 quilômetros por uma es-

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trada muito ruim de areia e mato bem fechado. Em alguns lugares de brejo, havia armações de galhos para atravessar com a caminhonete sem maiores problemas.

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Quando chegamos à nova pousada, reparamos na madeira bem rústica da composição e também nas telas de filó, colocadas lá para nos proteger dos mosquitos, que infestavam o lugar. Também vimos os dois índios fiscais do acampamento, que logo nos desanimaram ao contar que estava difícil pegar os peixes ali. Aos pirangueiros, contaram que a água estava mudando – não sei bem o que quiseram dizer com isso -. Os pirangueiros então nos indicaram um acampamento localizado a três horas rio abaixo e, em vez de descarregar as tralhas na pousada, jogamos tudo dentro dos barcos. Levamos também gasolina reserva em todos os barcos e pegamos tudo o que era necessário para um bom acampamento. Meu pai estava no barco comigo e juntos descemos pescando em todos os pontos bons em que parávamos, mas sem sucesso (ele ficou frustrado com esta falta de sorte? Costumava reclamar? Ou então te acalmar e estimular para não desistir da pescaria? Descreva melhor o comportamento dele). Apenas um pescador que conhecemos lá conseguiu pegar algumas piranhas. Médico que morava em São Paulo, ele nos orientou a usar isca artificial. Então fomos de-


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scendo o rio com o barco desligado, controlando-o apenas com o remo, e lançando a isca sempre nas galhadas. Foi aí que consegui pegar uma bela bicuda enorme. Nem mesmo o pirangueiro tinha visto um exemplar daquele tamanho, que devia pesar entre seis e sete quilos. Foi uma boa briga e trazê-la para o barco parecia uma missão impossível. Mas como eu passei a pescar com carretilha, não tinha deixar aquele peixe escapar - com carretilha podemos controlar a intensidade e o peso da linha só com o próprio dedo, não é preciso usar nem a embreagem. Depois que pesquei com uma carretilha pela primeira vez, nunca mais quis saber de molinete, pois pra mim a diferença é muito grande. Continuamos a descer o rio e meu pai ainda pegou uma piranha das grandes. Nós a levamos como garantia, pois se ninguém tivesse pescado nada, teríamos pelo menos uma piranha pra fazer de tira gosto. Quando estava começando a escurecer, chegamos onde os outros estavam. O lugar era uma picada na beirada do mato com uma praia pequena na frente - um lugar maravilhoso para quem gosta do mato como eu. Os outros pirangueiros tinham já tinham armado todo o acampamento, fizeram fogo e já estavam assando um pintado pequeno que o Claudionor pegou na descida. A nossa


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piranha serviu como complemento. A turma estava doida para tomar um banho, então um de cada vez entrava no rio de cueca, que servia para evitar o candiru - peixinho da Bacia Amazônica que quando entra no canal ou do pênis ou do ânus, arma umas ventosas e gruda naquele canal. Não se tratando a tempo, a doença pode até matar por hemorragia. Ribeirinhos, pirangueiros e moradores em geral daquele lugar têm muito medo deste peixinho. No terceiro dia, bem cedo, descemos mais um pouco o rio. Aproximamo-nos ainda mais da aldeia dos índios, mas sem avistá-la, é claro, pois ninguém queria se arriscar. Mas tenho certeza de que eles sabiam que estávamos lá. Nem mesmo os pirangueiros se atreviam a chegar mais perto sem que um índio estivesse com eles. Por isso, paramos umas duas curvas antes da aldeia e apoitamos no meio do rio. Naquela manhã, peguei um jundiá de nove quilos e duas matrinxãs pequenas. Meu pai pegou também duas matrinxãs e uma cachorra pequena. Esse acampamento também não estava muito bom de peixes grandes. Os demais pescadores pegaram menos peixes do que nós. Ninguém acreditava como um lugar daqueles podia estar tão ruim de peixes. Pelo jeito os índios tinham razão. Então decidimos que depois do almoço - que nova-

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mente foi peixe, só que dessa vez matrinxãs que são mais saborosas - voltaríamos para a pousada no São Benedito.

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Na subida, paramos num ponto onde morava o Chico. Começamos a pescar, mas o único peixe que entrava era a piranha. Quando elas não cortavam a linha e conseguíamos trazê-las, o pirangueiro deixava-as dentro do barco e confesso que não entendi o porquê daquilo. Continuávamos a pescar naquele lugar que era um bom ponto, mas sem nenhum peixe diferente, até que o pirangueiro começou a bater no barco e fazer um barulho bem alto com a boca, como se fosse uma foca. Depois de uns dois minutos, apareceu um enorme jacaré-açu muito manso, mas que dava medo. O pirangueiro jogou uma piranha na frente dele foi bater na água para ele abocanhá-la. Tínhamos umas seis piranhas no barco e todas as seis ele comeu. Quando acabaram as piranhas, ele ficou esperando por um bom tempo depois começou a se aproximar do barco de uma maneira calma, porém perigosa. Ele tinha mais de três metros e se resolvesse fazer graça poderia complicar as coisas. O pirangueiro então bateu na cabeça dele com o remo e resolvemos sair dali. Depois disso, subimos direto por mais uma hora até que o pirangueiro avistou um reboliço numa praia que formava


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uma espécie de ilha. Mais do que depressa, ele parou o barco numa posição boa para pescarmos e nos disse que aquilo era cardume enorme que estavam atrás de peixes menores. Rapidamente eu e meu pai começamos lançar as iscas artificiais e foi impressionante a reação dos peixes.

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Antes de a isca bater na água, algumas matrinxãs, tucunarés, cachorras ou até mesmo bicudas entravam na isca. Foi assim por mais de uma hora. Nunca tinha visto tanto peixe junto assim na minha vida. Eles tinham na faixa entre 1,5 e 3 quilos no máximo, mas foi uma experiência única passar por aquela situação: eu e meu pai fazendo dublê por mais de uma hora. No final o meu braço já estava doendo muito e mesmo o meu pai, que gosta de pescaria esportiva, já não aguentava mais. Mas foi tão divertido que o tempo passou sem que percebêssemos. Quando chegamos ao acampamento, toda a turma já estava dentro da caminhonete nos esperando para seguirmos para o São Benedito. Contamos esta aventura para eles no caminho e inicialmente a desconfiança foi grande, mas logo o pirangueiro confirmou a história. Os outros também tiveram sorte, como o Renato e Tixa, que pegaram uma pirarara de quase 40 quilos - essa nós só vimos em fotos depois que a pescaria terminou. Ao vol-


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tarmos ao São Benedito, os outros foram para o restaurante. Já eu fiquei pescando em cima de uma pedra até que aconteceu um fato interessante: comecei a pescar por volta das 15h. Como eu só tinha fisgado uma matrinxã até o anoitecer, no jantar decidimos que no dia seguinte bem cedo desceríamos para um lugar novo que os pirangueiros tinham descoberto naquele ano. Ali eles descobriram que havia pacus borracha, um peixe muito bom de briga e que pula várias vezes para fora da água. Pegálos é fácil: basta pegarmos um lodo que tem nas pedras do fundo do rio, enrolá-los no anzol e jogá-los sem peso na corredeira. Logo o pacu borracha avança. Meu pai e eu ficamos brincando naquele lugar quase a manhã inteira. Fizemos a festa, pois os pacus, embora pequenos, desciam a correnteza, o que tornava a briga boa. Também fiquei surpreso com a forma como eles pulavam. Já os outros tentavam fisgar os jaús no poço, mas sem muito sucesso. Quase na hora do almoço, nos juntamos aos outros. Um dos pirangueiros haviam pegado um pacu manteiga para almoçarmos e, como não tinha outro peixe, peguei uma borracha. Só depois de assado percebemos o porquê do nome daquele pacu: é impossível comer aquela carne, parece realmente uma borracha muito dura e não dissolve na boca como qualquer

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carne de peixe. Assim, cada um comeu um pedacinho do manteiga e o borracha sobrou praticamente todo. Depois do almoço continuamos pescando no mesmo lugar, só que fui atrás dos jaús e dei sorte. Logo na primeira lançada já fisguei um de 30 quilos muito bonito e bem escuro. Tirarmos uma foto com ele e soltei-o em seguida. Como os outros não estavam pegando nada, o pirangueiro nos conduziu para a ilha e descemos por uns dez minutos no meio do mato. Paramos na ponta dela, onde o rio se encontra de novo. Naquele lugar, a corredeira era violenta e em um ponto ela fazia um rebojo enorme. Fora um jaú que o Claudionor pegou, pegamos só cachorras, mas todas muito grandes. Inclusive meu pai pegou uma de mais de 10 quilos. Com toda aquela correnteza tínhamos de colocar o dobro de força para tirar o peixe da água. Como o lugar era de difícil acesso, ficamos lá por pouco tempo e nesse dia voltamos mais cedo para a pousada. Só para não perder o costume, continuei pescando em frente a pousada até o jantar, mas sem sucesso. Então percebi o quão esquisito aquele dia tinha sido, pois pensei que com a mudança de água do dia anterior a pesca ia melhorar. Mas não foi bem assim. Último dia de pescaria, resolvemos voltar ao Rio Azul,

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pois lá não tinha erro. Peixes como tucunarés, matrinxãs e trairões são muito fáceis de pegar. Inclusive Beto e meu pai, que nesse dia estava no barco com ele até a hora do almoço, pegaram um trairão enorme. Nunca tinha visto um daquele tamanho, que conseguia ser ao mesmo tempo bonito pelo tamanho e feio pelo aspecto pré-histórico.

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Depois do almoço no mato, pesquei com o meu pai, Beto e o Claudionor. Quando estávamos pescando com iscas artificiais entrou um pequeno peixe diferente, que até hoje não sei seu nome. Era muito parecido com o tucunaré, porém avermelhado e transparente. Era um peixe muito bonito, mesmo que pequeno. Ao tentar tirar a garateia da boca dele, ele se mexeu e o anzol enterrou no meu polegar. Senti uma dor tremenda, tão intensa que eu não estava aguentando. Como não tínhamos equipamento para fazermos aquela pequena operação, tomei umas duas latas de cerveja, meu pai pegou um alicate sem que eu visse e terminou de enterrar o anzol até a fisga sair pelo outro lado do dedo beirando a unha. Por sorte, não saiu debaixo da unha, mas quando a fisga do anzol apareceu do outro lado também com o alicate, ele cortou a outra ponta e terminou de empurrar o anzol. Então joguei uísque no machucado e continuamos a pescar. Sentia um pouco de dor, mas depois de mais umas duas latas de cerveja eu


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já não me lembrava de mais dela. Não sou muito adepto de beber dentro do barco numa pescaria, mas nesse dia, como era o último e estávamos longe, não teve jeito. Depois de vários peixes e muita diversão, voltamos pra pousada e, com muita tristeza, nos despedimos da pousada Salto do Thaímaçu. No dia seguinte bem cedo pegamos o avião de volta e chegamos neste mesmo dia em Varginha.

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Descobertas no Mato Grosso do Sul A

CapĂ­tulo VII


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Descobertas no Mato Grosso do Sul Rio Miranda, em Passo do Lontra, cidade próxima a Corumbá, no Mato Grosso do Sul, foi o cenário da minha sexta pescaria, que começou de uma maneira curiosa. Inicialmente iríamos pescar em um hotel em Aquidauana. Beto e Claudionor já pagavam uma taxa mensal para pescar lá uma vez por ano. Até a semana anterior à viagem, éramos quatro pescadores: Claudionor, Dominguinhos, Loredo e eu. Faltavam cinco dias para a partida quando o Claudionor desistiu. Em seguida, o Dominguinhos também deu para trás, e como íamos no carro dele, a viagem se tornava cada vez mais distante. Na data combinada para a saída, levantei cedo e peguei a caminhonete da minha família. Fui buscar o Loredo, que estava animado, e por volta das 10h partimos rumo ao Mato Grosso. Chegamos a Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul já no final da tarde e de lá seguimos para Aquidauana, aonde finalmente chegamos de madrugada. Sem muito sucesso na procura do hotel e bastante cansados, rumamos direto para outro hotel. Na manhã seguinte, fomos atrás do lugar, mas as informações estavam desencon-

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tradas. Não conseguimos achar o hotel e como o rio estava muito sujo, resolvemos seguir pra um lugar melhor. Fomos até Miranda, para de lá irmos para Corumbá, já na fronteira com a Bolívia. Paramos em um posto policial e resolvemos indagar qual seria o melhor lugar para se pescar ali. Os policiais nos disseram que um pouco para frente ainda naquela estrada haveria uma estrada para um lugar chamado Passo do Lontra e que lá eles estavam pegando mais peixe do que nas outras regiões. Sem titubear, seguimos para lá. A

Chegamos numa bela pousada chamada Tadashi. Logo descarregamos as tralhas e arrumamos um quarto. Enquanto estávamos esperando o almoço, o dono da pousada foi atrás de um pirangueiro para sair conosco. A pousada ficava bem próxima do rio, em torno de dez metros, e bem em frente tinha uma ceva de purapitanga impressionante. Quando jogávamos milho, pareciam piranhas, de tanta agressividade. Peguei uma varinha e fiquei brincando até sair o almoço, tempo em que peguei várias, todas pequenas, mas deu para entreter bem. Enquanto estávamos almoçando, o pirangueiro chegou à pousada, arrumou o barco e organizou as iscas. Saímos às 14h em direção a um ponto onde o pirangueiro descobriu um cardume de dourados.


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Quando paramos no ponto indicado, estávamos sozinhos, sem qualquer barco ao nosso redor. Já no primeiro lançamento, Loredo fisgou um dourado e logo depois foi a minha vez. O pirangueiro também pegou o seu e, sem que percebêssemos, já estava anoitecendo. Como os pirangueiros de lá não pescam à noite, tivemos de retornar, mas ambos felizes, pois atingimos a impressionante marca de 26 dourados, todos pesando entre três e quatro quilos. No outro dia saímos bem cedo rumo ao mesmo ponto, mas desta vez já havia uns dez barcos no local. Alguns até pescavam na rodada, que é um tipo de pescaria em que se solta a linha e deixa o barco descer. Com isso, a isca era arrastada pelo fundo do rio e embolava as linhas dos que estavam pescando ali. Virou uma bagunça. Irritados com aquela prática, decidimos procurar outros pontos. Entramos em um afluente do Miranda, chamado Rio Vermelho. Subimos bastante por ele e passamos por troncos caídos. É muito ruim ver um rio bonito como aquele e quase sem matas ciliares por quase toda a sua extensão. Vi pastos no lugar das matas até que chegamos a um ponto onde era impossível subirmos mais, pois tinha um tronco caído que ia de uma margem a outra. Re-

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solvemos descer na rodada, porém sem atrapalhamos ninguém porque estávamos sozinhos. Pegamos vários pintados, mas todos fora de medida. Também perdi um dourado grande, como sempre o maior escapa. Na hora do almoço descemos para pousada e, ao passarmos pelo ponto dos dourados, não acreditei na quantidade de barcos que estavam no local. Devia ter mais de 30 encostados uns nos outros e alguns pescando na rodada, brigando com os demais.É um absurdo a falta de respeito de alguns pescadores. A

Como a situação ficou difícil, estava muito desanimado com aquela pescaria. O pirangueiro nos chamou para pescarmos na batida atrás dos pacus, que é uma pescaria feita com uma vara grande de bambu com linha grossa e anzol redondo. O pirangueiro fez uma massinha de trigo com groselha bem dura pra não sair do anzol. Começamos um pouco pra baixo da pousada, mas no fim da tarde o meu braço estava doendo muito, uma vez que peguei quatro pacus na faixa de quatro quilos e o Loredo, dois com o mesmo tamanho. Não satisfeitos com todo aquele movimento, resolvemos voltar para Varginha mesmo com pouco tempo de pescaria, pois pescar com aquela confusão de bar-


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cos trançando linhas com outros pescadores num lugar que, apesar de bonito, mais parecia um pesqueiro, não era o que eu estava procurando. Por este motivo, no dia seguinte voltamos para Varginha, mas ainda no trajeto eu já estava esquematizando a próxima pescaria. Rio Miranda, em Passo do Lontra, cidade próxima a Corumbá, no Mato Grosso do Sul, foi o cenário da minha sexta pescaria, que começou de uma maneira curiosa.

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A melhor aventura A

CapĂ­tulo VIII


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A melhor aventura 1999 foi um ano de muitas emoções. Fui para Passo da Lontra com o Loredo e, em setembro, me casei. Por isso, tive de postergar a grande pescaria seguinte. Em compensação, pude planejar e organizar a pescaria do jeito que eu gosto: distante e cheia de aventura. Quase por acaso encontrei um lugar onde era possível pegar piraíbas. Era um lugar no meio do nada, distante de tudo e de todos, em um rio desconhecido chamado Juruena. Depois de muita procura, insistência e perseverança, encontrei o telefone de uma pousada que acabara de ser inaugurada. Assim começaram os preparativos para aquela que seria a minha maior aventura atrás dos grandes peixes. Comecei meu contato com a pousada em janeiro. O segundo passo era encontrar alguém que me acompanhasse, o que não foi difícil, já que meu pai gostava de aventuras tanto quanto eu. Esta viagem também foi muito especial porque, como percorremos mais de seis mil quilômetros no total, tivemos bastante tempo para conversar. Vale ressaltar, aliás, que meu pai era um poço de sabedoria. Real-

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mente era uma pessoa muito culta, que lia jornal de cabo a rabo todos os dias. Teve um episódio, por exemplo, em que o caçula da nossa trupe quis apresentar a ele a banda U2, que era sua banda favorita. -Ah, é aquela do Bono Vox – adiantou meu pai ao Thiago. Creio eu que, naquele momento, nem o meu irmão sabia exatamente quem era o vocalista. Meu pai lia tanto que os vizinhos brincavam bastante com a minha mãe por conta disso. -Você viu tal notícia, Janice? -Não, o meu jornal está viajando – respondia ela nos dias em que meu pai estava pescando. Então, como era de se esperar, nossos assuntos eram bastante diversificados e ao longo da viagem conversávamos sobre tudo. Mas a principal preocupação do meu pai era fazer negócios que gerassem renda para a família e garantisse as futuras gerações dos Retes e também arranjar “trabalho para os meninos”, como ele sempre se referia aos meus irmãos, ainda que já não fôssemos tão meninos assim. Como todas as boas pescarias do Mato Grosso, o pon-

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to de partida mato adentro é de Alta Floresta, mas antes disso gostaria de contar um fato ocorrido no caminho. De Varginha fui para Belo Horizonte, peguei meu pai e fomos para Goiás. A próxima cidade por onde passamos foi Ituiutaba, perto de Itumbiara, já na divisa de Minas Gerais com Goiás. Lá, fui trocar a marcha do carro e ela travou na quarta marcha. Com muito custo, conseguimos chegar a uma concessionária em Itumbiara, onde pedimos que o carro fosse consertado. A

Como estava tarde, tivemos de esperar até o dia seguinte para que arrumassem o carro. Por volta das 10h conseguimos seguir viagem, sem saber que pra frente teríamos ainda mais problemas com o veículo. De Itumbiara dormimos em Rondonópolis, e finalmente chegamos a Alta Floresta. Porém, estava chovendo muito e paramos na cidade para dormir antes do nosso destino final. Tomamos um bom banho e logo saímos para jantar. Todos com quem conversávamos nos alertavam para as condições da estrada, mas como eu, meu pai também é aventureiro não deu atenção às advertências. Alguns nos disseram que era impossível nossa aventura, mas como acredito que o impossível só é impossível até que alguém realize a proeza, no dia seguinte meu pai e eu saímos antes das 5h.


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Quando amanheceu, nós já estávamos no nosso primeiro obstáculo: atoleiro de uns 50 metros de comprimento. Achei que conseguiria atravessar o obstáculo e joguei o carro no meio dele, mas como a nossa caminhonete Chevy pequena tinha tração apenas nas rodas traseiras, não deu outra: atolamos. Não havia ninguém ou qualquer coisa por perto, apenas mata fechada. Então, com muito custo, empurramos o carro e conseguimos andar mais uns dez metros. Ainda faltava o triplo e com o macaco do carro conseguimos andar mais uns dez metros. Assim, já estávamos na metade do caminho, mas faltava a outra. De repente, não sei de onde, alguns lavradores que saíram para colher arroz começaram a aparecer e nos ajudaram com presteza e sem muita dificuldade, já que havia ali mais de cinco pessoas para ajudar. Por volta das 7h vencemos o desafio. Depois de uns 20 quilômetros, alcançamos nosso segundo obstáculo: o Rio Apiacás tinha transbordado. Vários caminhões atolados até a cabine e até um trator não conseguia sair do lugar. Já era a hora do almoço, o trator que estava transportando os caminhões cobrava até o outro lado da ponte que não conseguíamos ver, pois estava debaixo completamente da água. Sem enrolar, contratei o trator. Meu pai foi dirigindo e eu fui junto com o trator. Quan-

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do chegamos perto do começo da ponte, o carro parecia que estava boiando, pois a água batia nos vidros. O trator foi puxando ainda mais rápido para não entrar água no motor. Conseguimos alcançar o outro lado, porém o carro ficou uma bagunça por dentro, cheio de água e de barro, mas como estávamos muito atrasados, seguimos caminho atolando em mais alguns lugares mais fáceis até pararmos no único posto de gasolina do caminho. A parada valeu a pena, pois nele tinha um restaurante bem simples. Como já era por volta de 3h da tarde e o estabelecimento estava sem clientes, meu pai pediu uma feijoada e eu pedi um churrasco. Foi a melhor carne que eu comi na minha vida, chamava-se fraldinha. Nunca tinha comido, mas estava uma delícia. Meu pai também provou e gostou da carne, mas disse que a feijoada estava melhor. Ele não gosta muito de carne de boi, mas comer feijoada num sufoco daquele e depois ter que pegar estrada de novo eu não ia encarar. Depois do almoço seguimos para Nova Bandeirantes e por volta das 18h chegamos à cidade. Até ali, já tínhamos vencido 200 quilômetros de estrada das 5h às 19h, então pensamos, erroneamente, que o pior já tinha passado. No dia seguinte, levantamos cedo também e, às 5h, já estávamos na estrada para percorrer os últimos 60 quilôme-


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tros de viagem. Superamos alguns atoleiros pequenos, mas demos de cara com um enorme, bem complicado e difícil acesso onde, como erramos a estrada principal, tivemos que atravessá-lo para não perdermos mais tempo. Porém a decisão não foi a melhor que podíamos tomar. Joguei o carro dentro dele, mas por causa dos facões, ele assentou e nem com o macaco conseguimos ir ou pra frente ou pra trás. Por sorte, depois de algum tempo apareceu uma comitiva com vários peões tocando uma boiada. Eles se dispuseram a nos ajudar, mas estava difícil, pois o atoleiro era imenso. Eles tinham quatro mulas, que entraram na dança. Um deles precisou ficar de olho no gado, mesmo assim com muita presteza eles amarraram seus laços, uma ponta por baixo do carro no eixo e a outra na sela. Começaram a nos puxar para o meio do pasto para sairmos do atoleiro. Fiquei impressionado com a força das mulas, que conseguiram nos tirar do atoleiro. Já estávamos atrasados, mas estávamos tão alegres que paramos para conversar com os boiadeiros. Para eles, não tem feriado, tempo ruim ou mesmo lugar para dormir. Depois de ainda filarmos um café e muito gratos pela ajuda, seguimos nosso caminho e a uns 20 quilômetros para chegarmos à balsa, avistamos o nosso pior pesadelo. Quando


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achamos que tínhamos visto de tudo, identificamos a pior parte: um atoleiro de uns 300 metros, sem alternativa, pois os lados estavam cercados por um barro que mais parecia um óleo de tão liso e melequento. Tivemos que parar numa fila que tinha um caminhão pequeno, um ônibus e do outro lado três caminhões madeireiros, outro ônibus e carros esperando que um único trator os atravessasse. Como os caminhões impediam qualquer tipo de passagem, durante o tempo que ficamos esperando descemos numa fazenda pequena, que um agricultor mineiro ganhou do governo para povoar aquela região. Ele percebeu que éramos de Minas e logo nos convidou para tomar uma água e um café na sua casa, nos mostrou o que a plantava ali. Tinha de tudo, desde café para vender, arroz, feijão e verduras. Ele também criava gado e galinhas para o próprio sustento. Depois de umas três horas, o trator atravessou um caminhão de gado, fato que aumentou ainda mais o facão, graças ao peso do caminhão. Com muito custo o ônibus conseguiu atravessar o atoleiro. O trator voltou de novo com mais um caminhão madeireiro que estourou o rodo ar de todas as rodas. O caminhão pequeno que estava a nossa frente se preparou para ser transportado, do outro lado ainda havia um caminhão de gado que, por estar ali há muito tempo, estava morrendo - o trator vem da cidade e tenta atravessar

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o máximo de pessoas possíveis num dia, dando prioridade aos caminhões de gado. Mas quando chega uma determinada hora, esses trabalhadores vão embora e deixam todos na mão, sem sequer dar certeza de que voltariam no dia seguinte.

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Do lado da estrada havia alguns sem terra. Os motoristas dos caminhões davam a eles apenas carne dos bois que morriam, pois precisavam levar a pele do animal ao frigorífico a fim de provar que os bois não resistiram à viagem. Quando retiraram o caminhão madeireiro na nossa frente, joguei o carro dentro do atoleiro, mas como ele não passava, o caminhão teve que voltar pra nos tirar dali, senão ficaríamos presos por mais um tempo. Bem contrariado, o tratorista nos tirou depois dessa. Já estava cansado, mas mais uma vez caímos em um atoleiro, porém desta vez o caminhão pequeno nos ajudou a atravessar, pois amarramos uma corda na sua traseira. Mais vinte quilômetros e chegamos, finalmente, na beirada do Rio Juruena já às 18h. Em resumo, ficamos das 5h às 18h para percorrer apenas 60 quilômetros. Deixamos o carro numa casa na beirada do rio, pegamos as tralhas e entramos numa balsa onde íamos dormir para, no outro dia cedo, seguirmos para a pousada. Os funcionários da pou-


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sada que estavam na balsa eram o Marcha Lenta e o Seu Manoel, que nos atravessaram por quase um quilômetro de rio. Quando chegamos do outro lado do rio já tinha anoitecido. Encontramos um bar e um posto fiscal, mas completamente no meio do nada. Ainda na balsa, tomamos um banho de água do rio, que ainda estava quente e nos trouxe um grande bem estar. Depois seguimos para o bar com a intenção de jantar, mas como o acesso até lá estava difícil, o dono nos ofereceu uma última lata de cerveja. Por sorte, meu pai levou um litro de uísque. Para acompanhar, pedimos uma batata de saquinho e conseguimos matar a fome. O dono do bar tinha uma namorada índia muito esquisita. A mulher ficou deitada em cima de uma mesa de bilhar com as pernas abertas assistindo televisão. Era uma cena um pouco curiosa. Duas doses de uísque depois, voltamos para a balsa, onde os pirangueiros nos cederam uma cabine para descansar. Fomos dormir por volta das 21h e quando era meia noite eu já não aguentava ficar na cama por causa dos pernilongos. Eram tantos mosquitos que eles não nos deixavam em paz mesmo que estivéssemos cobertos até a cabeça por

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lençóis. Decidi então aproveitar a brisa boa do lado de fora da balsa. Sentei-me e fiquei olhando o rio, já imaginando como seria a nossa pescaria. Pouco tempo depois o meu pai também se levantou e foi ao meu encontro. Em seguida foi a vez do garimpeiro, que mesmo acostumado com aquele tempo e com os mosquitos, admitiu que dormir aquele dia estava muito difícil. Marcha Lenta também se uniu ao grupo, e só faltava o Manoel, que levantou por volta das 3h. Quando nos viu, perguntou o que estava acontecendo e riu da nossa resposta, dizendo que ele não foi incomodado pelos pernilongos nenhuma vez porque a pele dele era dura como couro de tão grossa. Ele perguntou ainda se queríamos descer da balsa e, sem pestanejar, respondemos que sim. Rapidamente eles nos arranjaram dentro de uma voadeira, que era o nosso barco de pescaria e tinha um motor de 50 cavalos. A descida foi impressionante. O rio, como já disse, é muito largo e cheio de ilhas. Quem não o conhece pode errar o caminho e entrar em alguns braços, mas o Seu Manoel era um dos melhores pirangueiros da região. Mesmo no escuro, só com uma lanterna, ele foi nos guiando. Meu pai e eu ficamos deitados no meio do barco, cobrindo-nos com uma capa, pois estava muito frio. Aproveitamos a viagem, que devia durar umas quatro horas, para cochilar.

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Chegamos à pousada quando o dia já estava clareando. Quem a vê pela primeira vez não acredita na beleza do lugar, que é único. A pousada fica mesmo no Rio São João, quase encontrando o Rio Juruena, que por sua vez forma uma grande bacia para desaguar por duas bocas pequenas que se formam no chamado Salto Augusto. É inacreditável como um dos maiores rios brasileiros desagua em duas pequenas bocas. A pressão do lado de baixo é tão grande que se forma uma nuvem de água borrifada, que em poucos segundos observando fica-se completamente molhado. Já na pousada fomos prontamente atendidos por todos os funcionários. Tudo na pousada era bem novo. Feita de madeira, a estrutura era excelente e eles tinham até uma caminhonete Land Rover. O administrador da pousada foi nos mostrar as curiosidades do lugar. Como não é possível descer de barco pelo Salto, eles abriram uma estrada de uns cinco quilômetros por dentro da mata até chegar do lado de baixo dele. No meio do caminho, construíram um campo de aviação e algumas outras estruturas para dar apoio à pousada, como serralheria, casas para os funcionários e etc. Descobrimos então outra curiosidade. Do lado cima do Salto Augusto. conseguiríamos fisgar peixes pequenos, como pacus, cacharas, matrinxãs, tucunarés e piranhas em pequenas


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proporções. Em contrapartida, lado debaixo do Salto, podemos encontrar em poucas proporções tucunarés e cacharas e em maiores proporções os grandes peixes de couro, como a famosa piraíba, pirarara, jaús. Só não encontraríamos piranhas, nem para remédio. Isso era o que me espantava: em qualquer bacia do Prata ou do Amazonas, encontramos piranhas. Esse era o primeiro lugar em que elas não amolam. Confesso que gosto de pegá-las para fazer o famoso caldo de piranha, mas pelo menos desta vez poderíamos pescar sem perder a isca, o anzol e até o peixe fisgado quando elas avançam na linha. Voltamos à pousada para almoçar. Em seguida, subirmos o Rio São João. Depois de umas três curvas do rio, começamos a pescaria, usando como isca peixes pequenos. Começamos a pegar alguns pacus manteiga, pois demos a sorte de parar bem no meio do cardume. Aí foi covardia, pegávamos um atrás do outro. Como os funcionários da pousada queriam fazer um pacu para o jantar, pegamos dois dos maiores e soltamos os outros. Depois de algum tempo, a minha carretilha embolou feio a linha. Como estávamos pegando muito peixe, deixei a que estava usando de lado e comecei a pescar com uma para peixe grande, só que não tinha muita graça, já que eram

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pacus na faixa de três a quatro quilos e a carretilha era pra peixes acima de cinquenta quilos.

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Meu pai, muito paciente, me mostrou a carretilha dele e passou umas duas horas tentando desembaçar a linha. Ele perdeu praticamente toda a pescaria até cortar toda a linha e encher o carretel com uma nova. Já no fim da tarde descemos até a saída de um córrego que vimos e começamos a bater com iscas artificiais, que é a preferência do meu pai. Como no Rio Cururu, o São João é um rio de pequeno porte, mas muito piscoso e sem nos decepcionar nos ofereceu bons momentos com algumas matrinxãs e alguns tucunarés, a maioria na faixa de dois quilos. Às vezes entravam também algumas cachorras e bicudas. Foi muito boa aquela tarde e mais uma vez eu estava satisfeito por ter feito uma boa escolha para essa pescaria. E aquele lugar prometia ainda mais diversão. Voltando à pousada, pensei que deveria aproveitar o lugar e a distância e então decidi pescar durante a noite. Já que me falaram que era mais fácil pegar a famosa piraíba à noite quando ela sai para caçar suas presas. Só me faltava encontrar um pirangueiro que quisesse me acompanhar, uma vez que eles não são obrigados a sair com os pescadores a noite, mas pra minha sorte o Seu Manuel se dispôs a


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me acompanhar. Jantei às 19h, descansei um pouco e, por volta das 22h, Seu Manuel me chamou. A caminhonete já estava com toda a tralha dentro, mas ele teve o cuidado também de colocar mais alguns refrigerantes e um sanduíche. Meu pai, que estava um pouco gripado, resolveu ficar na pousada.

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A caminhonete nos deixou do lado de baixo do Salto. Já eram 23h quando pegamos o barco e fomos para o meio de um grande poço. Amarramos o barco numa boia, que ficou presa nem no meio do poção - como eles fizeram para prendê-la eu não sei. Acho que amarraram a boia numa corda que, do outro lado, devia ter uma âncora. O lugar era meio em meio aquele mundo da água, sem nada ao nosso redor, apenas estrelas e uma lua nos iluminando. Esse poção fica a uns 200 metros das bocas do Salto. Cada margem está a uns 80 ou 100 metros e bem abaixo, mais ou menos um quilômetro e meio, há outra corredeira onde dois anos antes morreram três pescadores e um pirangueiro que estavam pescando por lá. Quem me contou essa tragédia foi Seu Manuel, que disse também que eles beberam e tentaram descer essa corredeira e no meio dela o barco virou. Três corpos foram achados e um, o do pirangueiro, nunca foi encontrado.


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Voltando à pescaria, logo quando apoitamos, entrou uma pirarara de mais ou menos 15 quilos, que soltei em seguida. Estava pescando com filé de peixe e anzol 16/0 chumbado, de quase meio quilo. Quem me viu saindo com aquilo de Varginha me chamou de louco, perguntando se ia pescar no mar, mas como um pescador tem que estar preparado para todo tipo de situação, conclui que foi bom levar aquela tralha. Depois da pirarara, os peixes sumiram. Por volta de 1h, Seu Manuel deitou para tirar um cochilo eu fiquei deitado no fundo do barco vendo as estrelas e os aviões que passavam, já que ali é rota para, acredito eu, vários lugares do mundo. O céu estava perfeito e, sem perceber, cochilei. De repente escutei um barulho diferente uma espécie de zumbido, sonhando que eu era um avião. Acordei e quando olhei para a vara no secretário, vi que ela estava com linha esticada para baixo. A força das luta do peixe fazia atrito com a linha, que roçava no barco e produzia um som abafado, que mais parecia um ronco de motor. Ainda meio passado, percebi que a embreagem estava soltando a linha bem devagar, então dei um pulo e chamei Seu Manuel. A reação dele foi me falar eu aquilo era uma piraíba, já que só ela puxa a linha pra baixo daquele jeito. Os outros peixes geralmente puxam pra frente, mas sempre com as linhas como se estivesse na flor da água. Com a piraíba a conversa

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A melhor aventura

é outra, a vara era torcida e formava um u invertido. Tirei-a com muito custo do secretário, e apesar de estar com uma carretilha Abu Garcia 10.000, com quase duzentos metros de linha no carretel, a essa altura ela estava com menos da metade de linha.

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Quando dei a primeira chascada, segurando o carretel com o dedão para soltar a linha mais devagar, o peixe não deu nem satisfação e ainda queimou o meu dedo. Enquanto eu estava nessa briga, Seu Manuel soltou as amarras e, sem pestanejar, ligou o motor em disparada rio abaixo - a piraíba corre sempre no meio do rio, pegando as correntezas, assim ela ganha muito mais força. Com a linha no final, ele deu motor e enrolando rápido. Consegui um pouco mais de linha, mas sem perceber já estávamos perto da corredeira de baixo, que se chamam Garganta do Diabo. Fiquei assustado, mas voltei a prestar atenção no que estava fazendo, já que a briga só estava começando. Sem entender, vi que a linha fez uma barriga, continuei recolhendo-a rápido. De repente, Seu Manuel virou o barco começo. Não entendi o porquê daquele movimento, mas depois foi que eu percebi que ele estava dando a volta para retornar ao poção. Então apertei um pouco mais a embreagem da carretilha e rezei para que o equipamento


De pai para filho

aguentasse todo aquele esforço. Ele não me decepcionou, por incrível que pareça. Só quem estava lá para ver o que a piraíba fez. Nós a seguimos rio acima, sempre no canal, depois de voltarmos ao poção. Ela pegou rio abaixo de novo, agora com o motor desligado e, levantado, tentei controlar a situação, mas aquele grande peixe não dava chance. Depois de idas e vindas, ela começou a se cansar. A essa altura, meus braços já davam câimbras, pois estávamos naquela briga há mais de uma hora. De volta ao poção, ela começou a dar sinais de cansaço, tomava um pouco de linha e parava, mas sempre dentro do poção. Após alguns minutos, vimos uma mancha preta aparecendo do fundo, que voltou a afundar e mais alguns minutos e ela pranchou. Quando ela finalmente boiou, já nem mexia mais, devia estar exausta também. A confusão para trazê-la ao barco foi grande, quase o viramos, mas conseguimos tirá-la da água. Era mesmo a maravilhosa piraíba. Só a conhecia por fotos, mas pessoalmente ela se parece muito com certos tipos de tubarões, por causa do seu formato, que a ajuda pela aerodinâmica. O jaú e a pirarara, peixes de grande porte, são os mais grosseiros literalmente. O formato deles não ajuda na tentativa de escapar. Já a maior briga na água doce

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(dizem que o tarpon é muito bom também, mas apesar de pegá-lo na água doce, ele vem do mar). Quando estávamos brigando, ainda pensei que fosse uma piraíba de mais de cem quilos, mas essa tinha 60. A seguir, com meus braços doendo muito, fomos para a margem e quando já estava amanhecendo, uma caminhonete nos buscou. Assim que chegamos à pousada, todos ficaram impressionados com aquele peixe. Meu pai saiu do quarto e ao ver uma piraíba daquele tamanho, ficou de boa aberta. Eu não queria levá-la para o acampamento, pois não sou adepto de tirar do rio um peixe desses, mas cedi à insistência do Seu Manuel. Claro que a culpa foi minha, pois para esta pescaria não levei a câmera fotográfica. Mas o sentimento de culpa fez com que eu prometesse para mim mesmo que eu nunca mais tiraria um peixe desses do rio. Posso pegar vários, mas sempre vou devolvê-los. Naquela manhã, cansado e com o braço dolorido, não saí com meu pai. Fui dormir e quando acordei ele estava chegando com o Marcha Lenta, o outro pirangueiro que o tinha levado num ponto do Rio Juruena, para cima do Salto, onde pegaram várias matrinxãs de escama larga. Para quem não conhece, essas são as maiores, podendo chegar a seis quilos ou até mais talvez. As que ele pegou estavam na

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faixa de quatro e cinco quilos. Mais tarde resolvemos que logo depois do almoço voltaríamos àquele ponto e assim foi. Mesmo que eu ainda sentisse dor no braço, subimos por cerca de 30 minutos e entramos um braço do rio. O lugar é bem diferente e vai bem pra dentro do mato. Pescamos onde o braço encontra com o rio, mas para conhecer, pedi ao Marcha Lenta para entrarmos e vermos o fim dele. Foi a melhor coisa que poderíamos ter feito, já que aquele é um dos lugares mais bonitos que vi na vida. Era uma espécie de piscina natural com água bem límpida. Para chegarmos até ela, tivemos que ir nadando, porque pedras não deixavam o barco se aproximar. Aquele lugar parecia um sonho e como havia vários peixes, começamos a pescar dentro dele. No fim de tarde ainda fomos atrás das matrinxãs de escama larga. Pouco tempo depois, meu pai pegou a primeira e uma seguida da outra. A peculiaridade é que elas não pulam para fora da água como as de escama pequena. Depois de umas três matrinxãs, retornamos à pousada. No dia seguinte, ainda bem cedo, fomos até o ponto onde eu peguei a piraíba para ver se meu pai teria a mesma sorte, porém dessa vez de dia. Tivemos até que muita sorte, pois

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não pegamos nenhuma piraíba, mas em compensação cansamos de pegar pirararas e jaús. Foi uma festa! O rio estava muito cheio, a nuvem de borrifo nos refrescava e espantava os piuns. Em resumo, passamos uma manhã sensacional. Depois do almoço voltamos às matrinxãs, pois antes de ir embora, eu queria rever aquele lugar. Quando caía a noite, voltamos à pousada e depois de um belo banho fomos jantar. Sentados à mesa, tivemos uma péssima notícia: desde que chegamos à pousada não choveu nem um minuto. Consequentemente a estrada estaria melhor, mas o tempo estava virando e provavelmente começaria a chover em breve. Fiquei um pouco apreensivo, pois como relatei, para chegar à pousada foi extremamente difícil. Então conversando com meu pai, já satisfeito com a pescaria e também um pouco cansado, resolvemos partir no dia seguinte bem cedo, a fim de evitar as chuvas torrenciais e consequentes buracos gigantescos na estrada. É até engraçado lembrar que a viagem durou quase cinco dias e nossa aventura na pousada, suas corredeiras e rios, durou apenas três. Mas adiantar nosso retorno era a melhor decisão que poderíamos tomar. Então de madrugada subimos o Juruena até o posto fiscal. Chegando lá, encon-

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A melhor aventura

tramos nosso carro com um dos pneus vazio e milhões de piuns – aquele mosquitinho que parece com borrachudos - avançaram em nós. A sorte é que meu pai levou uma bombinha que é ligada no acendedor de cigarros e rapidamente conseguimos encher o pneu.

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Carregamos a caminhonete para sairmos logo de lá rumo ao primeiro borracheiro que encontrássemos no caminho. O tempo estava feio, mas a estrada tinha melhorado consideravelmente. No caminho vimos muitas coisas, como carros quebrados, caminhões atolados até a cabine esperando ajuda. Em um desses pontos críticos, encontramos um caminhão de gado com a ponta de eixo quebrada. O caminhoneiro contou que estava lá há uns três dias. Pelas minhas contas, o dia em que o caminhão quebrou foi o mesmo em que passamos por lá. Enquanto ele esperava a ajuda de um mecânico, o gado estava morrendo dentro da carroceria. O caminhoneiro era um mineiro boa pessoa. Logo lhe oferecemos comida, mas ele contou que permitia que alguns sitiantes tirassem a carne do gado e deixassem apenas o couro, para provar ao frigorífico a morte dos animais. Era dessa carne que ele estava se alimentando. Depois de um tempo conseguimos passar por fora da es-


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trada, por dentro do mato, e assim conseguimos chegar a Alta Floresta por volta de 22h, mas muito contentes – e até aliviados - por sair da estrada de terra. No total, a viagem de volta demorou quase três dias, dois a menos do que a ida, já que saímos de madrugada e chegamos no mesmo dia em Alta Floresta. De lá seguimos para Belo Horizonte, com uma parada apenas para dormir em Rondonópolis. Meu pai tinha levado um iglu (ou caixa térmica) para trazermos algum peixe, mas nela só coube a piraíba. Deixei meu pai em Belo Horizonte e, quando cheguei em Varginha foi uma festa. Todos queriam ver a famosa piraíba, se eu realmente peguei-a. Tive que contar essa mesma história várias vezes, mas valeu a pena.

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Atrás das pitaíbas A

Capítulo IX


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Atrás das piraíbas A oitava pescaria começou logo quando chegamos da anterior, ainda em 2000, quando uma turma de pescadores, inclusive eu, começou a organizar em reuniões a nossa próxima aventura. E por muito tempo mantivemos a tradição de nos reunir todas as sextas-feiras, a fim de combinar as próximas viagens em busca de grandes peixes. Para os meus pais, no entanto, o ano 2000 estava um pouco complicado. Com a revolução tecnológica e popularização das câmeras digitais, o movimento da loja de foto revelação Retes caiu consideravelmente, tanto que meu pai foi praticamente obrigado a vendê-la para uma rede maior do segmento. Admirei bastante a disposição dele e da minha mãe, que já ia para Varginha toda quinta-feira para cuidar de um restaurante que montei junto a um pesqueiro instalado no terreno da família, de recomeçar tudo praticamente do zero em uma nova cidade. Para mim foi muito importante reunir novamente meus pais na cidade que escolhi para viver, pois não só pude conviver mais com eles, mas também ajuda-los nesta nova fase da vida.

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Em nossas reuniões semanais, o grupo decidiu que iríamos para Salto Augusto de qualquer jeito. Tanto que meu primo Oswaldo, mais conhecido como Grilo, conseguiu a façanha de reservar a pousada para setembro daquele mesmo ano. A pousada estava ficando famosa, e por comportar apenas oito pescadores, era cada vez mais difícil conseguir hospedagem.

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Em seguida fomos atrás do transporte. Meu pai e eu não nos importávamos em ir de carro, mas para os outros pescadores a distância seria sim um grande obstáculo. Assim, como a turma já estava definida. A lista de aventureiros desta vez era composta pelo Oswaldo; o filho dele, Bruno; Dominguinhos; meu pai; Hamada, que era um conhecido nosso muito especial e que sofria de mal de Parkinson avançado; outro amigo chamado Luís Carlos; e eu. Depois de muitas reuniões, Oswaldo conversou com um piloto de avião, que prometeu fazer um preço diferenciado para nos levar e até a pousada se adiantássemos o dinheiro para que ele pudesse retirar o avião da revisão. Então, em meados de agosto, pagamos o avião e essa viagem foi a mais fácil que fiz até hoje. O avião nos pegou no aeroporto de Varginha em torno de 8h e por volta das 11h fizemos uma escala para abastecer o avião no Aeroporto de Sinop,


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no Mato Grosso. Levantamos voo novamente e por volta de 12h30 já estávamos desembarcando na pousada. Nunca cheguei tão rápido em um ponto de pesca tão bom. A turma da pousada já estava nos esperando com o almoço pronto. Logo depois do almoço, subimos o rio São João, mas dessa vez ele estava muito baixo. Ficamos presos em uma corredeira pequena, que tem depois da terceira curva acima da pousada, mas mesmo assim pudemos pegar vários tucunarés e matrinxãs. Como ficaríamos cinco dias na pousada, resolvemos passar um dia completo, inclusive a noite numa ilha que estava a mais ou menos uma hora rio abaixo do Salto. A ilha era um lugar muito bonito, bem no meio do Rio Juruena. No outro dia, descemos o rio pescando e quando passamos pela Garganta do Diabo senti um calafrio ao pensar nos pescadores que perderam a vida ali. Mas Seu Manoel, o nosso pirangueiro, acelerou bem e pulamos de uma vez para o lado de baixo. Assim passamos por outras corredeiras menores até chegarmos a ilha. Além das nossas embarcações, levamos um barco a mais, que continha itens de cozinha e combustível para os bar-

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cos. Preparamos o acampamento armando as barracas. A seguir, instalamos a cozinha debaixo de algumas árvores. Como estava cedo, meu pai e eu descemos ainda mais o rio até acharmos um ponto interessante. Ali paramos para pescar de barranco mesmo e foi engraçado, porque o lugar onde nós estávamos era praticamente virgem e os peixes nem se incomodavam muito conosco. A prova disso é que pesquei de dentro do rio para meu refrescar e pegava os piaus praticamente com as mãos. A

Assim passei a manhã brincando, tanto que fiquei até com o braço dolorido: era colocar o anzol na água com um pedacinho de pão na ponta para fisgar um. Já que estávamos precisando de isca de peixe, peguei mais de vinte enquanto meu pai tentava os tucunarés. Subimos para almoçar e, como meu pai pegou dois tucunarés, o Hamada preparou sashimis. Apesar da dificuldade, ele ainda conseguiu cortálos bem fino, temperou-os e o almoço ficou uma delícia. Quando paramos para almoçar, os locais nos contaram histórias muito interessantes. Em uma delas, a pousada recebeu uma turma do Discovery Channel, que havia contratado os serviços de um pirangueiro que estava conosco chamado Amazoninho. Eles saíram do Salto Augusto em um barco. Eram dois pirangueiros e dois repórteres em


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direção à nascente do Rio Tapajós, formada pelo encontro entre os rios Juruena e Telles Pires. Em algum ponto bem mais pra baixo de onde estávamos, o barco deles virou sozinho. Perderam o barco, o motor e conseguiram recuperar pouca coisa de tralhas, comidas e roupas. Sem alternativa, Amazoninho foi subindo o rio, às vezes entrando no mato para cortar alguns palmitos para matar a fome e demorou três dias para chegar de volta na pousada. Logo mandaram apoio para os repórteres, que estavam aflitos, mas todos ficaram bem. Voltando à pescaria, depois do almoço não precisamos ir muito longe para pegarmos os grandes peixes. Em frente à ilha tinham grandes poços que nos propiciaram boas brigas com jaús. O problema dos jaús do Rio Juruena é que eles se cansam rápido e, consequentemente, a briga é rápida. Quase escurecendo peguei um peixe que nunca havia visto na minha vida. É o chamado caparari, um peixe de couro muito parecido com o pintado, mas seu corpo é bem mais grosso, mais encorpado do que o pintado ou o cachara. Antes de escurecer voltamos à ilha com o caparari, que viraria uma bela peixada no jantar. Fomos para a parte de trás da ilha, em um ponto com água parada para tomar banho.

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Depois do jantar, sob a luz do luar, que estava belíssimo, ficamos contando histórias até tarde. Na manhã seguinte, bem cedo, resolvemos voltar para a pousada, já que o tempo estava ficando muito feio. Desmontamos as barracas rapidamente e subimos sem parar. Quando chegarmos perto do Salto, todos queriam brincar ali, então continuamos a pescaria, mas agora tentando pegar uma piraíba. De cima das pedras, ao lado do Salto, começamos a bater, visando sempre a proximidade com as bocas de desague onde elas ficam. Estávamos de um lado, Oswaldo, Amazoninho e Bruno de outro. De repente, entrou uma das grandes. Amazoninho pescava com uma vara que a ponta tinha quase a largura de um dedo, linha 140 que eu achava um exagero. A carretilha era uma Abu Garcia 10.000. Ele passou a vara para o Oswaldo, que sem aguentar a briga, devolveu-a. Como a linha estava acabando, ele saiu correndo por cima das pedras até a beira do rio, deitou nas pedras e segurou com toda força. Aí só o vimos guinar o corpo pra trás. Por sorte a linha estourou ou piraíba levaria tudo, inclusive a carretilha que ele não ia aguentar segurar por muito tempo. Foi uma cena incrível. Meu pai pegou um jaú pequeno e o Hamada, uma corvina . Os demais, inclusive eu, não pegaram mais nada.

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Eram 15h e, como o céu estava preto, resolvemos voltar para a pousada. A caminhonete já estava nos esperando. Nesse dia resolvemos não sair mais para pescar e fizemos um grande churrasco na pousada. Hamada levou um vinho importado e Oswaldo, uísque. Sentamos numa mesa dentro da pousada, de onde dava pra ver a conjunção dos rios São João e Juruena. Como já disse, o cenário é indescritível de tão maravilhoso.

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Naquele dia bebemos muito e fomos dormir bem tarde. Logo, no outro dia não conseguimos acordar muito cedo. Tomamos café por volta das 9h e como já estava tarde, decidirmos ir à piscina de novo. Ela estava mais evidente do que a outra vez, pois o rio estava mais baixo. Fomos nadando até o lugar, que estava mais vazio e os peixes estavam muito agitados, já que não tinham como sair. Era possível ver por onde a água entrava – dentro da mata tinha um córrego pequeno e a água saia por um vão pequeno no meio das rochas. Quando jogávamos a isca, era até covardia, mas que acabou virando um favor para os peixes, pois assim que fisgávamos um, em seguida os soltávamos no rio. Depois do almoço estávamos um pouco cansados, então revolvemos pescar bem próximo da pousada. Subimos o rio em direção ao Salto, para o ponto em que era possível


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pegar pacus manteiga. Mais uma vez fiquei frustrado com aquele lugar, pois até parece fácil pescar naquele ponto. É só jogar o anzol que já tiramos o peixe. Porém, é a qualidade do lugar e dos pirangueiros em achá-lo que torna a pescaria tão simples. Os outros amigos de pescaria, no entanto, tentaram pegar um peixe de couro, mas sem muita sorte. Voltamos à pousada e eu resolvi que naquela noite voltaria ao poção do lado de baixo do Salto, para tentar pegar outra piraíba. Porém não passaria a noite toda ali. Iria embora por volta das 2h, pois amanhecer naquele lugar é muito desgastante. Não tive, todavia, sorte, pois naquela noite não entrou nenhum peixe e voltei à pousada frustrado. De manhã voltamos todos para o lado de baixo do Salto e, de cara, Bruno fisgou um peixe grande, provavelmente uma piraíba. A linha estava bem para baixo do barco, eles brigaram com ela por mais ou menos uma hora, mas infelizmente nem chegaram a ver a cara dela, pois a linha estourou. Faz parte. O bom é a briga, é claro. Ver o peixe é importante, mas se a pescaria tiver emoção já valeu a pena. Retornamos à pousada às 14h e já naquele momento eu tinha decidido tentar pegar uma piraíba, visto que aquele era o nosso último dia de aventura. Coloquei uma espécie

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de anzol de galho, só que preso na boia. Não sou adepto deste tipo de pescaria, mas a estratégia deu certo. Quando voltamos, vi uma boia se mexendo de um lado para o outro e às vezes afundando. Como prendemos o anzol em um cordonete e não em linha de nylon, fiquei tranquilo, pois sabia que o peixe não ia escapar. Com muita calma me aproximei da boia, agarrei o cordonete, mas quando segurei a linha o peixe a puxou de uma vez, queimando a minha mão. Mantive a calma e fui trabalhando com ele. Também já estava bem cansado, mas consegui puxá-lo para o barco. Era uma linda piraíba de cerca de 60 quilos, ainda maior que a outra que eu tinha pescado. Dessa vez fiz uma besteira enorme: soltei o anzol da boca dela e deitei do seu lado para registrar a conquista, mas eu mesmo deveria ter tirado a foto, pois Seu Manuel só registrou a ponta do barco. Quando contei aos demais o tamanho da piraíba, todos duvidaram. Prometi que ia provar minha palavra com as fotos, promessa que não pude cumprir infelizmente. Ainda no caminho de volta para a pousada, vimos uma onça preta, que só posso descrever como um animal realmente maravilhoso. Tranquila, mas ainda de forma imponente, que é sua característica mais intrínseca, ela saiu do nosso caminho.


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No outro dia bem cedo arrumamos a tralha, mas tivemos esperar um pouco para decolar, pois a pista da pousada é curta. Também ventava muito, o que dificultava a nossa partida, já que o avião estava mais pesado por conta dos peixes que estávamos levando.

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Quando foi preciso ser forte A

CapĂ­tulo X


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Quando foi preciso ser forte O planejamento da próxima pescaria sempre começa durante a viagem de retorno para casa e semanalmente discutimos detalhes para torná-la viável, como forma de locomoção, hospedagem e formas de pagamento. Mas o ano de 2001 ficou muito marcado na nossa família porque meu pai e eu tivemos de dar um tempo nessas reuniões. Meu pai sempre ficava preocupado com meu irmão Marcelo, que por ser representante comercial de um laboratório, viajava bastante. Ele sempre quis que meu irmão fizesse outra coisa, para não ter mais de correr riscos na estrada e ficar mais perto da família. Nesta época, apenas Marcelo e Thiago moravam em Belo Horizonte, pois o Fernando também tinha se mudado com os meus pais para Varginha. Enquanto Marcelo dormia na noite de 21 de maio, alguns amigos do Thiago passaram no nosso apartamento para leva-lo a uma festinha de uma faculdade. -Não vai, não – pediu Marcelo.

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-Não, eu vou – respondeu Thiago. De fato, Thiago acompanhou os amigos. O que ele não sabia, porém, era que a irresponsabilidade do motorista, que participou de um pega ao longo do caminho, teria sérias consequências.

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Por ser alto e forte, raramente Thiago andava no banco de trás dos carros. Neste fatídico dia, ele não só estava no banco traseiro, como sem cinto. Por isso, quando o motorista perdeu o controle do carro e bateu em um muro, Thiago foi o único ferido grave do acidente, pois o choque foi tão grande que ele saiu pelo banco de trás. A notícia foi um choque para a família. A princípio, ninguém dava qualquer notícia certa. A mãe de um dos rapazes que estava no carro falou por telefone apenas que ele tinha tido um problema na clavícula, para que meus pais pudessem viajar de Varginha até BH menos preocupados. Mas ao chegar no pronto-socorro João 23, no entanto, ninguém queria contar o que realmente estava acontecendo. Janice apenas viu meu irmão passar pelo corredor do hospital, que estava sendo levado para a sala de cirurgia por conta de uma fratura exposta no braço.


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Desesperados, eles então ligaram para um amigo da família, o médico Laércio de Souza, para que Thiago fosse transferido para um hospital de nossa confiança, o Mater Dei. Mesmo sob um tratamento diferenciado, o quadro era realmente grave. Thiago ficou dois meses em coma, e a situação era tão desoladora que, no dia 2 de junho, ele foi dado como morto. A sorte é que ele estava em um hospital privado, pois se fosse o pronto-socorro, realmente teriam desistido dele. Thiago sofreu um traumatismo difuso no cérebro, que se trata de um trauma grave em decorrência do impacto do cérebro com as paredes do crânio de forma violenta devido a fortes acelerações e desacelerações. Estes microtraumatismos lesam os neurônios, que deixam de funcionar ainda que a pessoa esteja viva. Por isso, é comum que os pacientes tenham sequelas, como não falar ou andar. Meu pai mal conseguia ouvir as notícias sobre o estado do meu irmão. Ficamos sabendo que, diante da fragilidade do estado de saúde do Thiago, meu pai chorou – algo que para nós, filhos, que sempre o tivemos não só como um cara bastante sério, mas também durão, é uma cena difícil de acreditar. Ainda que Thiago saísse do coma, os médicos não sabiam

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dizer se ele conseguiria recuperar os movimentos do braço. Mas meu pai não, sempre acreditou que meu irmão se recuperaria plenamente e assumiu grande parte dos cuidados com o meu irmão. Tanto que o acompanhou no hospital os 22 dias em que ele esteve em coma.

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A primeira providência que ele tomou quando meu irmão finalmente teve alta foi leva-lo também para morar em Varginha. Ele fazia de tudo: dava banho, fazia a barba, cortava a carne que ele ia comer. Nos primeiros meses, meu irmão parecia um zumbi. Ele não conseguia falar e tinha movimentos repetitivos e aleatórios. Com os cuidados dos meus pais, ele foi melhorando, mas mesmo assim a recuperação demorou dois longos anos, visto que além dos movimentos, o raciocínio dele também ficou prejudicado. Ele tinha mania de perseguição e achava que tudo que via na TV era real. -Você não manda em mim porque você não é minha mãe – dizia ele para Janice, enquanto ela cuidava dele. Além disso, levava-o para o clube todos os dias para nadar, a fim de que meu irmão recuperasse os nervos do braço.


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-Vamos embora, vamos embora, vamos embora – encorajava ele. – Meu filho, você é muito forte, vai conseguir. Foram dois longos anos de bastante trabalho com o meu irmão, mas principalmente de muito carinho e amor com ele, sem dizer a felicidade de tê-lo conosco, hoje completamente recuperado. Os médicos quase não acreditam que meu irmão recuperou todos os movimentos do braço em tão pouco tempo. A

Mas toda esta superação também tinha um outro motivo. Nossa família sempre prezou pela saúde. Meus pais participaram de várias competições de natação profissional. Assim, quando éramos pequenos, geralmente nós os recepcionávamos com cartazes de boas vindas ainda no elevador do nosso prédio. Já meu pai sempre jogou futebol, fazia musculação todo dia, cuidava sempre da alimentação e da boa forma física. Thiago não ficou para trás, pois praticava artes marciais e antes do acidente já tinha um condicionamento físico, que colaborou sensivelmente para a sua recuperação – que foi um grande motivo de orgulho para o nosso pai.


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O famoso Teles Pires Conversando com moradores da cidade, descobri que o Rio Telles Pires estava a uns 120 quilômetros dali e que lá havia um lugar muito bom de pesca, chamado Santa Rita de Trivelatto. Depois de alguns meses morando em Lucas do Rio Verde, liguei para o Grilo, meu primo, e falei sobre esse lugar. Ele me pediu para marcar uma data. Escolhi uma data próxima à minha volta para Varginha, liguei para um hotel em Santa Rita de Trivelatto e o próprio dono do hotel nos arranjou um lugar para ficar. Grilo organizou a turma, composta por ele, nosso primo Ramirinho, Loredo e Pimenta. Em Lucas do Rio Verde, organizei algumas coisas, comprei tuviras e alguns minhocuçus, e segui para Trivelatto. Os que vieram de Varginha pegaram muita chuva e por isso se atrasaram. Chegaram bem tarde da noite e no outro dia bem cedo por volta das 6h, seguimos com a caminhonete do Grilo até um rancho que o dono do hotel nos arrumou a uns 25 quilômetros da cidade. No caminho para o rancho, fundiu o motor do carro do Loredo e ele o deixou na beirada da estrada, já que ninguém sairia com ele dali. Quando chegamos ao rancho, o pirangueiro já estava nos esperando com um amigo tam-

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bém pirangueiro. Assim, fomos logo pescar. Subimos para uma cachoeira para cima do rancho. Era um lugar muito bonito, mas logo vimos que o era bastante pescado não só ali como em todo o rio. Bem nessa cachoeira tinha uma estrada e a turma da cidade só conseguia chegar lá de carro. Havia alguns pescadores acampados, mas que não pegaram nada. Batemos a manhã inteira sem sucesso.

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Na hora do almoço voltamos ao rancho e a mulher do pirangueiro havia feito um almoço para nós. De tarde, cada barco foi para um lado e ao final da tarde eu tinha sido o único a pegar um peixe: uma linda bicuda de mais ou menos uns três quilos. A bicuda é um dos melhores peixes para a pesca esportiva, briga muito pulando para fora da água e é muito valente. Com equipamento pequeno, a briga foi muito boa. Já prevendo a péssima pescaria, o pirangueiro que cuidava do rancho propôs ao Grilo que colocássemos anzóis de galho e pindas. Daí a péssima condição de pesca ali. Em todos os galhos bons tinham anzóis e assim pescaria tradicional seria muito difícil. Não concordei com a sugestão e fiquei no rancho esperando por eles. No fim de tarde, voltamos para a cidade já que o rancho tinha péssimas acomodações estava um pouco mal cuidado. Não tinha colchões e parecia bem abandonado. Na


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manhã seguinte voltamos ao rancho, mas Loredo preferiu ficar na cidade a fim de arranjar um guincho para puxar o carro dele. Logo Grilo foi rodar os anzóis para ver se pegava algum peixe, mas nada. Então saímos para pescar, pescamos o dia inteiro, rodando para cima e para baixo, mas sem sorte. Não pegaríamos nada, assim o Grilo armou os anzóis de galho e eu e Ramirinho ajudamos um pirangueiro a armar uma pinda. Depois voltamos para a cidade e lá vimos que a situação do Loredo estava realmente complicada. Eles não tinham peças para o carro e se pedisse iria demorar muito para chegar. Sem saber se o conserto ficaria bom, ele preferiu vender o carro por um preço baixo. Ele aceitou a primeira proposta e no outro dia nos acompanhou ao rancho. Conferimos os anzóis e havia uma matrinxã de uns três quilos e um pintado de uns seis. Nosso almoço estava garantido. Ramirinho ainda pegou mais uma matrinxã menor que a outra na descida de volta ao rancho. Também paramos na cachoeira tentamos pescar, mas nada. Fui preparar o almoço enquanto os outros continuavam pescando. O pirangueiro e eu fizemos uma fogueira para assar os peixes e fazer arroz. Enquanto os peixes não ficavam prontos, ele arremessou uma linha que mal caiu na água entrou um jaú muito bonito de uns 13 quilos. Muito desanimado com

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aquilo, fiquei tomando cerveja e de vez em quando ia me refrescar na água. Quando os outros chegaram, almoçamos e subimos o rio de volta.

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Na subida, resolvemos parar numa praia de areia bem branca que tinha mais ou menos no meio do caminho. Ramirinho foi nadar, lançou o molinete e depois deitou na areia. Quando vi o peixe estava levando o equipamento dele. Dei um grito, já que estava longe, e quando ele pegou o equipamento o peixe já tinha ido embora. Foi uma pena, porque era uma matrinxã. Soube disso, pois ela pulou no meio do rio antes de escapar. Já estava difícil para pegarmos algum peixe e ele ainda deixou esse escapar, mas paciência. Como não pegamos mais nada, meu ânimo acabou junto com minha paciência. Assim resolvemos parar de pescar e ir embora. Perdi minha carona, já que o Loredo vendeu o carro, então tive que arrumar outra carona para poder sair daquela cidade, já que o ônibus que fazia linha na cidade passava somente a cada dois dias. Por sorte, uma carona. Grilo, Ramirinho e Pimenta iam sair conosco. Eles de caminhonete e nós de carona. Saímos de madrugada num carro que voltaria para Lucas do Rio Verde, mas como passavam muitos ônibus lá sentido Cuiabá não teríamos problemas. De Lucas pegamos outro ônibus e depois de


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oito horas estávamos em Cuiabá. De madrugada pegamos um avião e depois de três horas estávamos em São Paulo, seguindo mais cinco horas de ônibus até Varginha. Ufa. Notas do autor: O Telles Pires com toda a certeza é um dos rios mais piscosos do Brasil só que para mim ele tem uma divisa natural, que é a rodovia que corta o Mato Grosso, saindo de Cuiabá em direção a Santarém. Falam que o Telles Pires, próximo a Alta Floresta, é extremamente piscoso, por isso sonho em pescar nele num lugar onde eu só tenho boas referências, que é a famosa Cachoeira da Rasteira. Ou também em um lugar chamado Sete Quedas. Com certeza vou conhecer estes famosos lugares.

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Revisitando o São Romão A

Capítulo XII


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Revisitando o São Romão Meu pai há muitos anos atrás tinha sua própria turma, mas fora essa turma, ele costumava pescar também com o tio dele ou meu tio avô. Eles eram donos de uma casa na beirada do Rio São Francisco, no norte de Minas Gerais, mais precisamente na cidade de São Romão. Sempre escutava meu pai comentar sobre essa turma do meu tio avó. Eram pessoas mais velhas e de fácil convivência, mas nunca os tinha conhecido. A última pescaria foi justamente para lá. De mais ou menos seis sócios da casa, somente dois e mais um filho de um dos sócios ainda frequentavam a casa dos outros. Dois já não estavam mais conosco e um não podia mais ir por causa da idade ou problemas de saúde. Mas os dois sócios que ainda iam lá, apesar da muita idade, e mantinham a casa funcionando perfeitamente. A diferença de idade entre eles e meu pai é de 20 anos, mas tinham boa saúde e nos receberam com o maior carinho. Bem, voltando um pouco, meu pai um dia esteve em Belo Horizonte e dois sócios o convidaram para rever o São

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Romão. Na primeira vez que ele recebeu o convite, infelizmente não pôde ir, mas da segunda vez que nos convidaram aceitamos e logo começamos os preparativos, já que faltava somente uma semana para a viagem. Conversando com Loredo e Domingos, eles se prontificaram de imediato a nos acompanhar. Com extrema dificuldade, convenci ao meu pai a perguntar aos dois sócios se poderíamos levar dois amigos. Como eles são extremamente gentis, não ligaram para o fato. Assim seguimos para Belo Horizonte atravessando a cidade rumo à Paraopeba. Lá compramos sarapó e minhocuçu para pescarmos. De lá seguimos para São Romão. Eu que estava acostumado a andar muito, pois sempre gastava mais de dois dias para chegar ao local de pesca, estranhei chegarmos na tarde do mesmo dia ao nosso destino. Fomos recebidos com muito carinho e ficamos muito à vontade. Na casa estavam os dois sócios, Nilton e Davi, duas extraordinárias pessoas, o motorista deles chamado José Pedro, o filho dele, mais um rapaz chamado Felipe, que apesar de ter uma casa do lado, ficava na nossa casa para não se sentir sozinho. Todos muito gente boa. São Romão, naquela época, era uma cidade com pouco

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mais de sete mil habitantes, mas apesar de ser uma cidade antiga. Tinha duas ruas principais asfaltadas e uma grande beirando o Rio São Francisco. Um lugar muito bonito.

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No dia seguinte, por volta das 8h, saímos para pescar. Meu pai e eu subimos o rio procurando algum ponto para batermos dourados. Meia hora de barco rio acima, demos de cara com mais ou menos uns 15 barcos pescando no mesmo lugar. Abaixo de uma corredeira, paramos um pouco mais para baixo, na esperança que sobrasse algum, mas naquela manhã não pegamos nada. À tarde resolvemos descer em um lugar onde o Loredo, Domingos e José Pedro pescaram de manhã e pegaram alguns piaus na faixa de um quilo. Em toda aquela tarde perdi uma piranha na beirada do barco, mas peguei uma matrinxã do rabo vermelho - ali eles a chamam de matrinxã, mas eu conheço aquele peixe como pirapitanga-, que pegamos no Pantanal, na bacia do Rio Prata ou a Piracanjuba. Lá, há muito tempo, pegava-se no Rio Verde, mas especificamente na bacia do Rio Grande, a matrinxã que tem a calda preta. Por isso é um pouco estranho como a chamam, mas é preciso respeitá-los. A matrinxã que peguei tinha por volta de 800 gramas. Meu pai não pegou nada. A outra turma pegou mais três piaus, um deles muito


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bonito, de uns dois quilos. No outro dia voltamos de novo para o rio, desta vez acompanhado pelo Domingos. Pescamos a manhã inteira, mas não tivemos sorte. De tarde, como estava um pouco doente, fiquei na casa. Esse dia foi incrível, melhor do que os outros, pois ficamos escutando as histórias que o Davi e o Nilton tinham para nos contar. Eram muitas as histórias sobre suas pescarias naquele lugar. Eles pescaram ali há pelo menos 30 anos e assim chegaram a pegar peixes maravilhosos, como dourados com mais de 20 quilos, pintados enormes e por aí vai. Foi uma festa. No dia seguinte, saímos cedo, subimos bastante o rio, procurando um bom lugar para pescar bons e grandes peixes. Na corredeira havia dessa vez mais de 20 barcos. Sem desanimar, subimos por mais de meia hora até acharmos um bom ponto. Tinham vários barcos por perto, mas o que eu acho que acabava com os peixes do rio era a quantidade de redes e tarrafas que vemos por todo o rio. Assim não tem para onde o peixe ir, o que é uma pena, pois o Rio São Francisco é maravilhoso. Falta, porém, educar esses pescadores de forma correta. Ainda em São Romão, fomos um dia conhecer e pegar

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algumas iscas num lugar chamado Riacho, que era muito bonito, já que o riacho forma um açude. Seu desague provavelmente é no Rio São Francisco. Em pouco tempo pescando ali, peguei um tucunaré e um dourado, ambos pequenos, mas pude brincar bastante. Sem contar algumas piabas também pequenas. Não ligo para pegar peixe, mas se acho um lugar como aquele, onde é fácil pegar peixes, por mais que sejam pequenos, com uma varinha de bambu bem fina, é preferível a ficar pelejando com o Rio São Francisco. De tarde voltamos ao Rio São Francisco com isca artificial. Deu pra pegar mais umas três matrinxãs. No dia seguinte fomos embora bem cedo, deixando pra trás um lugar especial pelos amigos que fizemos, pelos casos e pela pescaria, como não?


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Outras pescarias

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CapĂ­tulo XIII


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Outras pescarias Quando estamos pescando, escutamos muitas histórias, entre elas duas que quero destacar. Uma delas é uma pescaria do Claudionor no Rio Crixas, em Goiás, e a outra do meu pai, no Araguaia. A primeira delas aconteceu com meu pai. Ele, como já mencionei, tinha uma turma que gostava de aventuras e uma vez eles foram ao Rio Araguaia, no norte do Mato Grosso, perto de uma cidade chamada São Miguel do Araguaia. Naquela época era um lugar bastante ermo. Meu pai saiu com um amigo para pescar e quando estavam passando perto do barco de outro amigo - eu estava com eles na pescaria-, ele tinha acabado de pegar um peixe bem grande. Então eles pararam para ficar olhando. Dizia o meu pai que esse amigo chegou a deitar no fundo do barco, brigou por bem mais que uma hora com uma carretilha Abu Garcia 10.000, vara com ponta do tamanho do dedo mindinho e linha 120 importada. Bem, reza a lenda que ele chegou a deitar no fundo do barco, apoiar os pés na borda e fazer força para segurar o peixe. Depois de toda

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a briga, que durou vários minutos, ainda não conseguiu ver a cara do peixe, só uma sombra preta no fundo do rio. Com certeza era piraíba, já que a pirarara é colorida, tem a barriga branca e o rabo laranja forte. Pelas proporções, a piraíba tinha mais de 150 quilos. Fiquei feliz pelo bichão, que ganhou a briga, pois para mim é gratificante também quando o peixe nos dá um baile e vai embora.

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A segunda quem me contou foi o Claudionor e o Juarez. Na primeira pescaria que eu fiz, contaram-me a respeito de uma pescaria no Rio Crixas, em Goiás, bem antes da divisão do estado que deu origem a Tocantins. Esse rio é estreito, mas Claudionor e Juarez disseram que pegavam o que quisessem naquela época. Depois de pegarem alguns tucunarés, eles resolveram soltar galões para fazer a pesca de João Bobo. Soltaram dez galões, deram um bom tempo, em torno de uma hora e meia, e depois foram atrás dos galões. O primeiro galão estava sem peixe. Já o segundo tinha uma piraíba de uns 25 quilos. A terceira, outra piraíba de mais de 100 quilos, que deu trabalho para tirar. Outros dois galões com o famoso pirarucu, um pequeno e outro com mais de 80 quilos. Desceram mais um pouco e viram mais dois, porém o an-


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zol estava reto. O peixe, que com certeza era uma piraíba, conseguiu desvirar o anzol, conseguindo escapar. Deviam ser enormes. Conseguiram tirar mais uma piraíba de 140 quilos e outros dois galões eles correram para cima e para baixo sem encontrá-los. A piraíba de 140 quilos, dizem eles, afundava e reaparecia em quase um quilômetro de rio depois. Quando eles chegavam perto, ela afundava de novo e assim continuou por quase meia hora até ela cansar. Eles a levaram para uma praia e deram um tiro na cabeça dela para poderem embarcá-la. Com certeza aquele era um lugar muito especial. O que eu não gostei foi terem trazido esses peixes que estão em extinção, mas hoje em dia acho que não os trariam até porque eles mesmos estão sofrendo com essa falta de bons lugares para pescar.

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Parceria atĂŠ o fim A

CapĂ­tulo XIV


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Parceria até o fim Já que a vida não foi generosa com meu pai ao lhe dar uma filha, visto que somos cinco moicanos, a recompensa veio em forma de netas: Priscila e Pamela, ambas filhas do Flavinho, Bianca e a caçulinha Fernanda, que são minhas herdeiras. A história do registro da Fernanda, aliás, é bem divertida, já que a menina deveria se chamar Nicole. Mas assim que ela nasceu, convidei meu pai para ir ao cartório comigo para registrar a homenagem. Ele ficou se achando de tão feliz. Até minha mãe, apesar de feliz, ficou um pouco enciumada. -Mas não se preocupe, mãe, que quando eu tiver um menino, ele se chamará Janiço – brinquei. Graças às netas, meu pai ficou ainda mais carinhoso. Era meu amorzinho para cá, minha belezura para lá, entre outros apelidos tão peculiares que davam a deixa para que nós tirássemos o sarro dele. Além de curtir as netas, meu pai tinha vários outros sonhos. Um deles era comemorar, de forma grandiosa, as bodas de ouro com a minha mãe. Quando eles completaram 25 anos

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Parceria até o fim

de casados, não tinham tanta estabilidade financeira como temos hoje. A comemoração envolveu uma competição de natação em Curitiba, uma festa no nosso prédio em Belo Horizonte, e uma viagem para a Argentina. - A gente ria muito, porque era tudo comedido, não tínhamos tanto dinheiro. Aí, o café da manhã do hotel era essencialmente doce. Eu olhava para e dizia que ia ligar para a minha mãe para dizer que ia morrer de fome – lembra com carinho a dona Janice. A

Mas mesmo com tanta comemoração, para os meus pais faltou algo importante: a presença da família. Por isso, já naquela época, eles combinaram que as bodas de ouro seriam comemoradas com toda a trupe, em uma viagem, se possível, internacional. Comemorado em março de 2016, já estávamos planejando toda a festa da nossa família, que seria realizada no Chile. - Mas seu pai deu um furo comigo – reclama a minha mãe. Seu Fernando ainda tinha muitas realizações pela frente. Além de curtir mais as netas, ele tinha viagens internacionais organizadas por mim para aproveitar a vida, pescarias em locais diferentes, como uma que sonhávamos em faz-


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er na Argentina, construir uma casinha ao lado do nosso terreno para o meu irmão Nando, comprar um carro novo para o Thiago, entre outros planos, simples ou não. Mas todos os sonhos dele e os nossos também foram interrompidos a partir de julho de 2012, assim que voltamos de uma pescaria no Mato Grosso, quando ele apresentou alguns nódulos na cabeça. De imediato ele passou em um dermatologista, que sem saber o que poderia ser, pediu a retirada de um nódulo para biópsia e um exame de sangue. Toda a família achava que se tratava de algo provocada por uma bactéria ao longo da última viagem. Mas assim que ele voltou ao médico com o resultado dos exames, tivemos de lidar com uma triste notícia: o número de plaquetas, que em uma pessoa saudável varia entre 150 mil e 300 mil plaquetas por microlitro, já tinha caído para 30 mil. No mesmo dia, ele procurou um hematologista e depois de muita investigação, saiu o diagnóstico: era linfoma. Mas de um tipo raríssimo, que nos principais centros de referência em oncologia, raramente tinha sido visto. No Hospital de Câncer de Barretos, o caso era inédito. Já no Albert Einstein, em São Paulo, apenas três outros pacientes tinham apresentado a mesma doença. No entan-

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to, os médicos diziam que a doença não tinha cura e que meu pai teria, no máximo, três meses de sobrevida.

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Como é característico da nossa família, nós não desistimos dele em nenhum minuto. Pelo contrário, tenho convicção de que se não fosse um tipo raríssimo de câncer, ele ainda estaria aqui curtindo as netas e viajando atrás dos grandes peixes. Fernando era um homem muito forte e com uma vontade incrível de viver, por isso resistiu à doença bravamente por mais de dois anos. A persistência dele era tão notável que até enfermeiros fizeram festa para ele, a fim de celebrar a superação dele, já que lutar contra aquela doença era algo que ninguém tinha conseguido. A doença dele aproximou ainda mais a nossa família. Ele nunca ficou um minuto sozinho no hospital, mesmo que tivesse internado em Belo Horizonte ou São Paulo, ambas capitais localizadas a mais de 300 quilômetros da nossa Varginha. A vontade dele de viver ficou ainda maior quando descobrimos que uma de suas irmãs era compatível com ele e poderia lhe doar a medula óssea, o que ajudaria bastante no tratamento.


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- Acho que tem o dedo da minha mãe nisso – comemorou. No entanto, não tivemos tempo de realizar a conclusão. Em julho de 2015 ele partiu. Mas mesmo em outro plano, ele continua e sempre continuará com a gente. Todos os sonhos interrompidos pelo linfoma serão realizados por nós, inclusive a viagem de comemoração das bodas de ouro do casamento deles. Todos os filhos, netos, noras e, claro, minha mãe, irão homenagear esta união tão sólida e que hoje é referência para muitos jovens casais. A casa do Nando também será construída em breve e o Marcelo não terá mais que viajar por todo o País, pois ele será meu sócio na abertura de um novo restaurante na nossa cidade. Para as netas que tiveram o prazer de conviver com ele – a Fernandinha, com apenas 4 anos, infelizmente terá poucas lembranças do avô-, fica a saudade. - Era um avô muito carinhoso, tanto que sinto muita falta dele. Peço para Deus pra devolver ele pra mim. Ele foi uma das pessoas mais importantes da minha vida, mas da parte em que consigo me lembrar dele, ele já tinha a doença. Mas sei que eu ficava muito com ele quando eu era bebê.

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Amava tanto ele que sempre procurei fazer tudo para que ele ficasse feliz, pois se ele estivesse feliz, isso ia ajudå-lo cada dia. Sinto muito a falta dele porque ele sempre foi um exemplo para mim. Sou muito parecida com ele – reclama minha filha Bianca.

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