Universitario completo

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Fogo Morto utilizada no Nordeste para denunciar a inatividade de um engenho. A forma como José Lins conta esse processo ultrapassa a mera classificação geralmente dada ao livro de romance regionalista e o insere na tradição brasileira. Estilo do autor

Publicado em 1943, “Fogo Morto”, é uma contundente visão do processo de mudanças sociais e econômicas do Nordeste brasileiro. O título refere-se à transformação do Engenho Santa Fé, localizado na zona da mata da Paraíba, de núcleo de poder econômico a pólo de miséria, com o apagar definitivo de suas fornalhas. “Fogo morto” é a expressão

Marcado por frases curtas, pela espontaneidade e oralidade, próprias do cotidiano, o estilo do autor já se faz presente em “Menino de Engenho”, seu primeiro romance, de 1932, que lhe rendeu o Prêmio da Fundação Graça Aranha. Esse livro já integra o seu ciclo da cana-de-açúcar, completado ainda por “Doidinho” (1933), “Banguê” (1934), “O Moleque Ricardo” (1935), “Usina” (1936) e o próprio “Fogo Morto” (1943). O último romance dessa saga nordestina é dividido em três partes: “Mestre José Amaro”, “O Engenho de Seu Lula” e “Capitão

A Desejada das Gentes

A primeira conseqüência é o final da amizade tão forte e o auto-exílio do companheiro em um grotão do país, onde acabara morrendo cedo. A outra conseqüência é o narrador perder o controle de seus sentimentos. No entanto, apesar da maneira diferente com que o tratava, destacando-o dos demais pretendentes, deseja deste apenas amizade. Houve um momento em que o quadro parecia ter mudado. Primeiro, o narrador havia ficado abatido com a morte de seu pai. Otília conforta-o, o que os aproxima. Pouco depois, era o tio dela, praticamente um tutor, quem falece. Com a equivalência garantida pela dor, o apai-

xonado imagina ter caminho aberto para o casamento. Mas seu pedido é recusado. Some por alguns dias, um pouco por despeito, um pouco porque mergulhado em compromissos burocráticos referentes à morte do seu parente. Quando volta, encontra uma carta de Otília, instando que a amizade se reatasse. Promete, em troca, não se casar com ninguém. E tudo fica nesse pé, até que a dama adoece, definhando aos poucos. Dois dias antes de morrer, casa-se com o narrador. O único abraço que se dão foi durante o último suspiro dela, como se quisesse não o aspecto corporal da união, mas algo próximo do espiritual.

Vitorino Carneiro da Cunha”. A primeira trata especificamente do seleiro homônimo. Cada vez mais ensimesmado e agressivo, é abandonado pela esposa, vê a filha enlouquecer e perde o emprego com a progressiva crise econômica. Solitário, suicida-se. Engenho em declínio A segunda focaliza o próprio Engenho Santa Fé. Inicialmente, há a prosperidade levada adiante pelo fundador, o capitão Tomás Cabral de Melo. Já o seu genro,Luís César de Holanda Chacon, o Seu Lula, mais aristocrático, religioso e extremamente preconceituoso em relação aos negros, conduz o empreendimento ao declínio. O Capitão Vitorino é o centro das atenções na parte final. Compadre de mestre Amaro e ironizado até a segunda parte do livro, torna-se, no último terço, um

Dom Quixote (alusão ao personagem de Miguel de Cervantes) do sertão nordestino, com todo um discurso em prol da justiça e da igualdade social, que desafia o poder dos latifundiários. Sonhava então em atingir o poder político e, mesmo sem possibilidades concretas de tornar esse desejo realidade, imagina-se em postos de comando, escolhendo assessores e recebendo aclamações da população. Temos assim, a narrativa de três fracassos: o seleiro que dá fim à sua existência isolado, o engenho cujo fogo não é mais aceso e o sonhador que vive mergulhado em suas fantasias de atingir uma posição social que está, na prática, bem distante dele. Essas derrotas são narradas com vigor por um escritor que, como mostrou seu discurso de posse na ABL, nunca se preocupou em agradar ao poder, seja na esfera literária, econômica ou política.

A Causa Secreta

Faz uma crítica mordaz à caridade hipócrita e uma observação profunda sobre o lado obscuro dos sentimentos humanos. Um jovem médico é ajudado durante anos por um amigo rico, a quem considerava extremamente gentil e caridoso. O homem lhe ajudou economicamente a montar um hospital e além de oferecer apoio econômico também dedicava tempo e energia no cuidado direto dos doentes. Estava sempre presente no tratamento de feridas, traumas ósseas, infecções e uma série de dramas físicos. Com tal atitude ganhava cada vez mais a confiança do jovem médico, Mas pouco a pouco ele vai demonstrando tendências sádicas, torturan-

do animais, fato que atordoa a esposa. Passados os anos, a esposa do médico contrai tuberculose, doença incurável no início do século XX. Em poucos meses, a mulher morre e o amigo que estava presente no momento do falecimento assiste o médico chorando em silêncio à beira do leito da esposa. Nesse momento um pequeno sorriso lhe escapa, um regozijo íntimo como nenhum outro. De todas as dores que havia assistido em todos os anos no hospital, nenhuma era mais prazerosa do que a dor da alma. A causa, portanto, de tanta caridade não era a possibilidade de ajuda, mas o atendimento de um prazer perverso de assistir a outros sofrerem.


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