TCC Vinícius Scofano - Comunidade Sol Nascente: a habitação como ferramenta de inclusão social

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comunidade sol nascente: A habitação como ferramenta de inclusão social



comunidade sol nascente: A habitação como ferramenta de inclusão social

Universidade Federal de Santa Catarina Departamento de Arquitetura e Urbanismo Trabalho de Conclusão de Curso I Acadêmico: Vinícius Schneider Scofano Orientadora: Marina Toneli Siqueira 2016


sumรกrio

Imagem 1: Comunidade Sol Nascente. Fonte: Acervo pessoal (2016)


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APRESENTAÇÃO DO TEMA

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1.INTRODUÇÃO 1.1. Por que tratar do problema da habitação? 1.2. O direito à habitação e à cidade 1.3. Segregação urbana e informalidade no Brasil 1.4. As raízes históricas da segregação urbana 1.5. A problemática de Florianópolis e o seu processo de ocupação

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2. O CASO DA COMUNIDADE SOL NASCENTE 2.1. Localização da comunidade e o seu entorno 2.2. Primeiras impressões 2.3. Evolução da ocupação e da malha viária 2.4. Topografia e problemática ambiental 2.5. A relação da comunidade com o seu espaço 2.6. Análise populacional

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3. ANÁLISE URBANÍSTICA 3.1. Infraestrutura local 3.2. Mapa de Usos e de Usos Institucionais 3.3. Mapa de gabaritos 3.4. Centralidades existentes 3.5. Mapa de cheios e vazios 3.6. Mapa do sistema viário 3.7. Mapa do transporte

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4. POLÍTICAS HABITACIONAIS E O QUE JÁ É PROPOSTO PARA A SOL NASCENTE 4.1. Políticas Habitacionais no Brasil 4.2. O contexto habitacional de Florianópolis 4.3. Plano Diretor Atual e ZEIS da área

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5. DIRETRIZES PROJETUAIS

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6. REFERÊNCIAS

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7. BIBLIOGRAFIA


apresentação do tema Neste trabalho de conclusão de curso propõe-se um projeto de Habitação de Interesse Social na comunidade Sol Nascente, localizada na cidade de Florianópolis. O objetivo é estudar e entender o que levou à formação de favelas e ocupações informais na cidade e no país, para então poder elaborar uma proposta de intervenção que atenda às necessidades dos habitantes no sentido de dar qualidade e dignidade ao habitar. Entende-se aqui que o tema habitação relaciona-se diretamente com o espaço urbano e sua configuração. Uma cidade mais justa permite igual acesso ao lazer e aos serviços básicos a todos os seus habitantes, e ao integrar as moradias a espaços públicos de qualidade com acesso à infraestrutura e a estes serviços, estamos promovendo qualidade de vida, vitalidade urbana e a redução da desigualdade socioespacial. Portanto, associar o direito à cidade (tema que será aprofundado neste trabalho) ao direito à moradia permite aos habitantes serem antes de tudo cidadãos com dignidade, participantes no processo de construir nossas cidades e que tenham próximos as suas casas educação, saúde, lazer, serviços, comércios, infraestrutura adequada e ofertas de emprego. Neste sentido, foi essencial para o processo de planejamento e gestão urbanos a criação do Estatuto da Cidade em 2001, que fortaleceu os instrumentos que possibilitam o desenvolvimento de cidades com mais igualdade e justiça social. A delimitação das Zonas Especiais de Interesse Social permite que em determinadas áreas da cidade vigorem legislações específicas para seu crescimento e construção de habitações sociais, o que também garante à população de baixa renda maior qualidade do espaço e estabilidade na posse da terra. Localização geográfica do bairro Saco Grande. Fotomontagem do autor com base no mapa do Google Earth.

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Com isso, este trabalho visa inicialmente fazer uma leitura da situação urbana da área em que se encontra a comunidade, entendendo sua história e a relação que seus moradores têm com o espaço no qual eles moram. Assim, com a elaboração de mapas de estu-


do que nos auxiliem a compreender melhor a dinâmica do dia-a-dia comunitário (feitos através de imagens de satélite, visitas ao local e entrevistas com os moradores), nos informando como seu espaço é formado, é possível elaborar uma proposta que responda à realidade cotidiana da comunidade. Este projeto se torna, portanto, um desafio, ao tentar intervir em uma área caracterizada pelo estigma ideológico da indiferença do Estado e do capital imobiliário em investir, e da própria mudança no pensamento da baixa qualidade arquitetônica dos projetos de habitação social e de sua localização (que normalmente acontecem nas periferias das cidades). Finalmente, é uma atividade inspiradora poder propor soluções de melhorias sociais às nossas cidades desenvolvendo uma arquitetura de qualidade.

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Imagem 2: Em primeiro plano o Rio Pau de Barco, e ao fundo a comunidade Sol Nascente. Fonte: Acervo pessoal (2016)


1. Introdução


1.1. Por que tratar do problema da habitação? Quando analisamos as nossas cidades e suas periferias, certamente constatamos que a realidade habitacional e o padrão urbanístico existente são bastante problemáticos. O resultado se vê em tragédias urbanas que se consolidam pelo abandono do Estado nas áreas mais pobres, obrigando a população a construir informalmente suas casas em locais de fragilidade ambiental, devido à falta de políticas públicas e outras alternativas. A situação caótica se reflete no dia-a-dia das pessoas, pela baixa perspectiva de trabalhos próximos às casas, à vulnerabilidade ambiental das ocupações, o transporte público ruim e muitas vezes as longas distâncias percorridas com ele, a ausência de conexões com áreas

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centrais ou com melhor infraestrutura, a falta de equipamentos de saúde, educação e lazer, a violência, os problemas de saúde da população, etc. Com isso, o planejamento urbano, tão necessário em nossas cidades, deve ter como princípio a garantia de que estas sejam mais justas para os habitantes. Num país com enormes diferenças sociais, o acesso igualitário a todos os recursos e à qualidade de vida é essencial para a população conseguir viver com dignidade.

Imagem 3: Ocupação informal em área de risco, em Florianópolis-SC. Fonte: Acervo pessoal (2011).


“Qualquer análise superficial das cidades brasileiras revela uma relação direta entre moradia pobre e degradação ambiental. Isto não quer dizer que a produção imobiliária privada ou que o Estado através da produção do ambiente construído, não causem danos ao meio ambiente. São abundantes os exemplos de aterramento de mangues em todo litoral do país para a construção de condomínios de lazer. (...) O que interessa chamar atenção aqui é que grande parte das áreas urbanas de proteção ambiental estão ameaçadas pela ocupação com uso habitacional pobre, por absoluta falta de alternativas. As consequências de tal processo atinge toda a cidade, mas especialmente as camadas populares.” (MARICATO, 2003, p.160) Assim, os problemas existentes não podem se resumir somente às regiões informais. Um passeio pelas partes ricas das cidades nos basta para percebermos que nem mesmo elas são bem resolvidas em seu planejamento. Mesmo com todos os investimentos e serviços, o que se nota são bairros isolados uns dos outros, que fogem da dinâmica social de dependência e coexistência entre as várias partes da cidade, além de adotarem muitas vezes soluções arquitetônicas de baixa qualidade. O mercado imobiliário em sua compulsão por construir novos edifícios residenciais muitas vezes aniquila outros usos existentes, como pequenos comércios, e modifica os espaços tornando-os menos vivos e mais segregados. Os condomínios privados, padrão de moradia muito difundido no país, tem uma configuração que nega seu entorno, com muros e cercas que impedem uma malha urbana fluida, destruindo as possibilidades da existência de espaços verdes e de lazer de qualidade, até porque estes já são oferecidos nos interiores destes condomínios. Este modelo acaba sendo repetido nas moradias populares, agravando o problema já existente. Assim construímos cidades segmentadas e segregadas, insustentáveis em suas configurações, sem os aspectos necessários à qualidade da vida urbana: diversidade de usos, riquezas tipológicas, comércios, praças e equipamentos públicos, ruas com passeios que priorizem os pedestres e ciclistas, transporte público eficiente e de qualidade. A situação se torna mais incoerente ao vermos que, ao mesmo tempo em que estes condomínios são construídos em novos loteamentos e bairros facilmente acessíveis, e que novas ocupações informais surgem nas periferias, as áreas centrais, bem equipadas, se esvaziam. A especulação imobiliária atingiu de tal modo os centros que muitos prédios são mantidos vazios à espera de uma valorização, e os poucos terrenos livres existentes passam pelo mesmo processo. 9


O difícil acesso à propriedade privada, fruto do capitalismo e da mercadoria em que a terra se transformou, se torna evidente e preocupante quando se sabe que no Brasil existem hoje cerca de 6 milhões de domicílios residenciais vagos, um número que se compara ao déficit habitacional do país, que segundo a Fundação João Pinheiro (FJP), gira em torno de 5,8 milhões de moradias. Isso se deve também ao acelerado processo de urbanização que o país sofreu no século passado, quando as cidades passaram a ser local de vida da maioria dos brasileiros. A taxa de urbanização passou de 30% em 1940 para mais de 80% nos dias atuais, podendo atingir até 90% em 2020 (ONU-Habitat, 2012). Este crescimento se deu com grande exclusão social, e foi quando o problema da habitação ganhou novas dimensões. Segundo o IBGE, neste início de século, as 12 regiões metropolitanas e demais cidades com mais de 350 mil habitantes abrigam cerca de 50% da população urbana e produzem 65% do PIB nacional. Nota-se no país o grande crescimento das cidades médias, que têm entre 100 mil e 2 milhões de habitantes, e cuja população pulou, em dez anos, de 36% para 40% do total de habitantes do país. Os investimentos do Estado nas cidades, que deveriam ser direcionados a todos igualmente, acontecem em função dos interesses das classes dominantes. Como afirma João Sette Whitaker Ferreira (2012), as políticas públicas de moradia não foram feitas para os pobres, atendendo de uma maneira muito mais significativa as classes média e baixa média. Estes, sem ofertas de moradia pelo mercado, acabaram recebendo os financiamentos públicos destinados à moradia social. Deste modo, mesmo no decorrer do século XX, quando houve uma política habitacional um pouco mais efetiva, a população que realmente necessitava nunca foi atendida, a da faixa com renda de até 03 salários mínimos. Por isso hoje, esta faixa concentra o equivalente a 90% do déficit habitacional brasileiro. Com esta descrição tão dramática do cenário urbano brasileiro, podemos compreender que o problema habitacional, segundo o autor, “é resultado da dinâmica histórica e social, coletiva, que envolve grande número de agentes, e tem provavelmente como um de seus pontos cruciais a questão da terra”. (FERREIRA, 2012, p. 27). Fica claro que o resultado, a exclusão social em forma de segregação espacial, atua como um mecanismo de dominação, em benefício de alguns, impedindo ou dificultando o acesso dos segregados a algum serviço, direito ou vantagem, seja público, seja privado.

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1.2. o direito à habitação e à cidade No Brasil, a partir do desenvolvimento da industrialização, houve uma grande transformação na dinâmica urbana e no modo de viver das pessoas, e as atividades cotidianas que antes eram realizadas nas casas foram transferidas para as cidades. Neste processo, “a casa tende cada vez mais e para crescentes parcelas da população, a se reduzir a local de repouso. É o local onde praticamente só se passam as noites. (...) Todo o restante da vida transcorre fora da casa. Onde? Nas cidades.” (VILLAÇA, 1986, p.38).

Imagem 4: Área central de Florianópolis-SC. Fonte: Acervo pessoal (2011).

Sob esta ótica, podemos perceber a importância da localização da habitação para qualquer cidadão em seus deslocamentos diários, já que seus principais referenciais tornam-se sua moradia e seu trabalho. Logo, as questões do transporte e do tempo gasto nele pelas distâncias percorridas são sinônimos de qualidade de vida. A construção do espaço urbano acontece, portanto, pela localização dos empregos, comércios e serviços.

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“Partimos de um pressuposto já consagrado de que é fundamental a manutenção de uso diversificado, e portanto uso residencial nas áreas urbanas centrais. Assumimos outro pressuposto que é o de não expulsão da população originalmente aí moradora, por razões que são éticas e sociais. Condenar a população de baixa renda a viver exclusivamente o exílio da periferia urbana, onde são menores as oportunidades de trabalho, de educação, de saúde, e dificuldade de mobilização de um modo geral, é penalizá-la duplamente. Defende-se aqui, para todos, o DIREITO À CIDADE, à festa que ela representa, com todos os seus estímulos e oportunidades.” (MARICATO, 1994, p. 128) Por isso a importância fundamental da localização, da acessibilidade e disponibilidade de serviços públicos. Estes estão vinculados diretamente ao valor da terra, que por consequência influencia em como se dará a distribuição espacial de cada classe social na cidade, bem como das atividades e comércios. Assim se pode compreender o processo segregador do espaço urbano, que expulsa os mais pobres das áreas mais valorizadas pelas pressões do mercado. Os centros urbanos, como áreas de alta concentração de postos de emprego e infraestrutura, se tornam local de trânsito diário da população, e campo de lutas populares pela questão da moradia em áreas centrais. Porém, sabendo da consolidação das favelas e comunidades informais em zonas periféricas, desprovidas muitas vezes de infraestrutura básica, é necessário por sua vez transformar esses assentamentos para que os moradores, que dependendo do seu histórico já tem uma forte ligação com seu espaço, possam também ter um ambiente urbano de qualidade. Os espaços públicos, além de locais de lazer e descanso, se tornam um instrumento igualmente necessário para a urbanidade da cidade, pois “a vida urbana pressupõe encontros, confrontos das diferenças, conhecimentos e reconhecimento recíprocos (inclusive no confronto ideológico e político) dos modos de viver, dos “padrões” que coexistem na Cidade“ (LEFEBVRE, 2001, p.20). Assim, através de praças, parque e locais de lazer permite-se uma integração e uma troca democrática entre as diferentes classes sociais, inserindo a população segregada no contexto urbano. As habitações, neste aspecto, têm um papel fundamental como ferramenta de inclusão social. Elas permitem a requalificação do espaço em que estão inseridas através das diretrizes de seu projeto, que vão desde o uso misto das edificações à utilização de fontes de energia sustentáveis e com menos impactos ambientais, trazendo diversos 12


Imagem 5: Las Ramblas, em Barcelona, Espanha. Exemplo de espaço público. Fonte: Acervo pessoal (2015).

benefícios à vida comunitária. As políticas habitacionais devem acompanhar essa lógica, possibilitando que os novos projetos de habitações sociais sejam feitos em áreas centrais e/ou providas da infraestrutura e espaços de lazer adequados. Com isso as nossas cidades caminhariam em direção a uma sociedade mais justa, sustentável e igualitária.

O direito à cidade não pode ser concebido como um simples direito de visita ou retorno às cidades tradicionais. Só pode ser formulado como direito à vida urbana, transformada, renovada. (LEFEBVRE, 2001, p. 15)

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1.3. Segregação urbana e informalidade no Brasil Para estabelecer um entendimento mais completo acerca do tema desta intervenção, é necessário compreender como a sociedade se apropriou e se desenvolveu dentro do espaço urbano e as diferenças que esta organização social produziu dentro da própria cidade. Nossas cidades são estruturadas por meio dos interesses e do modo como a sociedade distribui o que ela mesmo produz, ou seja, da maneira como os bens produzidos e a renda acumulada são distribuídos para cada parcela da população, deste modo influenciando o papel e a condição de cada cidadão no espaço urbano. “É impossível esperar que uma sociedade como a nossa, radicalmente desigual e autoritária, baseada em relações de privilégio e arbitrariedade, possa produzir cidades que não tenham essas características.” (MARICATO, 2001, p. 51) Os diferentes tipos de relações sociais estabelecem condições particulares de acesso às melhores parcelas de terras urbanas. Aqueles de maior renda conseguem comprar e habitar em locais mais próximos aos serviços básicos, com melhor infraestrutura urbana e um acesso mais fácil ao trabalho e ao lazer, o que influencia diretamente no bem-estar e na qualidade de vida de qualquer pessoa. “Toda exclusão social (inclusive as não formais ou não oficiais) só é possível a partir de uma dominação e esta é uma dominação política, ideológica e, principalmente econômica. O chamado mercado é o principal instrumento de dominação e exclusão econômica e quase sempre apresenta uma manifestação espacial. (...) A segregação é, portanto, aquela forma de exclusão social que apresenta uma dimensão espacial.” (VILLAÇA, 2003, p.01) O privilégio de acesso às melhores condições de vida e de moradia é evidente então em nossos espaços urbanos, e reflete como as cidades são formadas. No momento em que a terra é transformada em uma mercadoria, esta passa a ser regida por leis do mercado que visam basicamente a obtenção do lucro, e desta forma determina-se quem pode habitar em determinada parte da cidade. 14


Imagem 6: Ao fundo, ocupação informal no Maciço do Morro da Cruz, em Florianópolis-SC. Fonte: Acervo pessoal (2011).

A estrutura interna da cidade se configura de acordo com a localização das camadas de alta renda. Estas normalmente buscam áreas próximas ao centro principal e/ou com boa acessibilidade a este, trazendo consigo os investimentos em serviços, comércios e melhores infraestruturas. Assim, com os investimentos concentrados nestas áreas, existe a melhoria principalmente do sistema viário de acesso a estes locais, o que torna mais fácil e rápido para esta parcela da população se deslocar pela cidade. Neste sentido, a segregação espacial causa uma enorme desigualdade social. As classes de baixa renda que não possuem condições financeiras de habitar nesses locais ditos centrais, onde se concentram os serviços principais e seus trabalhos, e tem que gastar muito tempo nos deslocamentos diários com o transporte público. Também pela falta de infraestrutura de qualidade desses espaços urbanos, esta população sofre por problemas de saúde, de acesso à educação e lazer, entre outros. “Combinando investimento público com ação reguladora, o Estado garante a estruturação de um mercado imobiliário capitalista para uma parcela restrita da população, enquanto que para a maioria resta as opções das favelas, dos cortiços, ou do loteamento ilegal, na periferia sem urbanização, de todas as metrópoles.” (MARICATO, 2010, p.23) 15


Com isso, a segregação enfraquece inclusive as relações sociais dentro da cidade, fazendo com que não haja uma convivência entre as diferentes classes sociais, o que torna mais evidente o problema da violência urbana. Esta falta de conhecimento da realidade das cidades e da sociedade brasileira torna as próprias diferenças mais profundas, dificultando uma mudança deste quadro social.

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1.4. Análise histórica da segregação urbana A história da segregação social no Brasil nos remete aos tempos da própria formação da colônia. Como argumenta Maricato (1994), a sociedade brasileira, em seu processo de formação capitalista, se consolidou em relações estabelecidas através de trocas de favores, privilégio e arbitrariedade, relações estas que são a essência da confusão entre a coisa pública e os negócios privados, a negação dos direitos universais do homem. Em uma análise histórica do processo de industrialização do nosso país, a autora escreve que a base da economia do Brasil nos séculos iniciais da sua formação se deu a partir da exploração do seu meio ambiente e da exportação de seus produtos aos países centrais. Esta base de exploração, com trabalho essencialmente manual, foi fundamentalmente produzido pela mão de obra escrava, e consequentemente pela obtenção do poder e da posse nas mãos de poucos senhores. Com a abolição da escravatura e a vinda dos imigrantes europeus ao país, as relações econômicas e de posse das propriedades de terra foram modificadas. Estabeleceu-se que, quem não pudesse trabalhar ou ser dono desta cadeia de produção, seria um indigente que não poderia fazer parte do organismo econômico, um excluídos dos meios sociais, e esta parcela excluída foi formada principalmente pelos ex-escravos. Desta forma, a partir de 1850, o Estado passa a regularizar o acesso à terra e a regulamentar a estrutura fundiária. Antes da abolição não havia um mercado imobiliário, e a posse da propriedade se dava principalmente pela sua ocupação, pois as noções de mercadoria e produção capitalista se constituíam pela propriedade e quantidade de escravos que um senhor tinha, e não pela quantidade de terra. No momento que os escravos se tornaram livres, entretanto, este controle do acesso à terra se tornou uma jogada política e econômica, ao restringir o domínio da sua posse à quem produzia mercadorias e, assim, garantindo que os trabalhadores livres fossem dependentes dos donos das terras. Surge a necessidade, então, de maiores leis de acesso à terra, a precisão das dimensões dos lotes e alinhamentos, e a divisão do que era público e privado. Esta é a base do mercado imobiliário e da exclusão territorial, fundados sobre estas relações capitalistas. As exigências desta propriedade legal afastam desta maneira a grande massa da população pobre e trabalhadora do mercado formal. As cidades passaram a ter grande importância enquanto local de crescente produção industrial e de acesso à infraestrutura básica. O Estado interventor e protecionista da 17


produção industrial urbana passa a estabelecer legislações trabalhistas e privilégios à força de trabalho urbana em detrimento da rural. Deste modo, com a profunda concentração fundiária nas mãos de poucos, e da modernização da produção rural, grandes movimentos de fluxo migratório dos campos para as cidades surgiram. Com as grandes reformas urbanas nas cidades brasileiras a partir do século XIX, um urbanismo moderno e segregador trouxe à tona a própria ideia da cidade como mercadoria, pois as áreas centrais com melhores condições de infraestrutura e qualidade de vida eram obtidas por quem podia, ou seja, por quem tinha maiores rendas. A grande massa pobre foi então expulsa dos centros ou locais urbanos mais valorizados. A produção habitacional tem, portanto, grande relação com o desenvolvimento industrial na medida em que os trabalhadores devem se estabelecer próximos ao local de trabalho, ou seja, nas fábricas (que muitas vezes já estão afastadas das áreas centrais), e suas condições de salário não permitem a compra de terrenos valorizados e centrais. Não somente o trabalhador industrial se vê forçado a habitar em favelas e assentamentos informais, mas também o trabalhador terciário, resultado do abusivo sistema capitalista de economia, é levado a ocupar essas áreas, fazendo parte do “inchaço” urbano das grandes cidades. O avanço das relações imobiliárias formais torna evidente então o processo de exclusão que transforma a sociedade. A terra urbana, bem cada vez mais escasso nas grandes metrópoles, tem uma relação direta com a explosão do crescimento das favelas. O loteamento informal, junto com a autoconstrução civil foi e ainda é a principal alternativa para a população de baixa renda se instalar nas cidades na tentativa de uma melhora nas suas condições de vida. Esta “cidade ilegal” é muitas vezes inexistente para o planejamento urbano oficial, acentuando o descaso nos investimentos em infraestrutura e moradias destas áreas. Tornam-se territórios sem lei, sem segurança ambiental, sem habitações de qualidade. O desinteresse por estas áreas, propagado ideologicamente, se torna ainda mais evidente pelas barreiras existentes em relação às áreas formais, tanto sociais quanto espaciais.

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1.5. A problemática de Florianópolis e o seu processo de ocupação Ao pensarmos em como aconteceu a ocupação da cidade de Florianópolis para chegar à configuração atual, é imprescindível uma breve análise histórica de quando ainda no século XVII, a cidade estava na condição de uma vila, chamada então de Vila Nossa Senhora do Desterro. O momento mais significativo e marcante do crescimento demográfico de Desterro foi a imigração açoriana que ocorreu no século XVIII, pois não aconteceu, posteriormente, nenhuma vinda tão densa e repentina de qualquer outra nacionalidade. Distribuídos em diversas freguesias, os açorianos inseriram seu legado no patrimônio cultural e ambiental da Ilha e as freguesias aos poucos

puderam se desenvolver voltadas para o mercado interno da colônia (CECCA, 1996). O crescimento deste mercado e da atividade portuária trouxeram famílias isoladas de alemães, italianos, sírios, libaneses e gregos, bem como brasileiros de outras províncias, principalmente para se dedicar ao comércio ilhéu. Desta forma, o centro de Desterro tinha na Baía Sul o seu dinamismo, e novas obras de expansão começaram a ser realizadas, inicialmente para viabilização de locais para o atracamento de embarcações que chegavam ou partiam para diversos pontos da Ilha e do Continente. Nesta época, o centro agrupava diferen-

Imagem 7: Terminal Urbano Cidade de Florianópolis, nas proximidades do antigo Rio da Bulha. Fonte: Acervo pessoal (2011).

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tes regiões onde já se observavam as periferias formadas pelas classes de rendas mais baixa. Nos bairros do entorno do Rio da Bulha, os “bairros tenebrosos do Desterro” notava-se as ocupações de cortiços e habitações precárias pela população composta por soldados, lavadeiras, negros libertos, marinheiros e trabalhadores (VEIGA, 1993). Através dos grandes investimentos feitos na infraestrutura da cidade no começo do século passado, nas décadas de 1910/20, houve o saneamento daquele rio e a futura construção da Avenida Hercílio Luz. Para realizar tal obra, várias casas foram demolidas, e com a consequente valorização do entorno houve uma expulsão da população que ali morava, em um dos primeiros processos de deslocamento de residências informais de Florianópolis. A partir de então, com a valorização do centro e áreas planas, a ocupação dos morros foi se acentuando em função desta exclusão da população de baixa renda, que passou a habitar principalmente, segundo estudos do Centro de Estudos Cultura e Cidadania (CECCA, 1996), a base do maciço central do Morro da Cruz (há notícias de casas no Morro do Mocotó já em 1900), e aos poucos as encostas ao redor deste. Com o crescimento populacional da cidade, as elites locais, que ocuparam inicialmente a orla da Baía Norte a partir do núcleo central de fundação, passaram a expandir-se e a procurar novas regiões para a sua apropriação. Como relata Sugai (1994), a partir da

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Imagem 8: Ponte Hercílio Luz, primeira ligação Ilha-Continente em Florianópolis (SC). Fonte: Acervo pessoal (2011).


década de 20, portanto, intensificou-se a ocupação das terras da porção continental da cidade, processo incentivado pela construção da primeira ligação Ilha-Continente em 1926, a ponte Hercílio Luz. Esta expansão imobiliária para a parte continental, na época pertencente à cidade de São José, redirecionou os investimentos do Estado e a realocação das atividades depreciativas para a valorização fundiária nas áreas norte e nordeste em relação ao centro da Ilha, e foi fundamental para a anexação do território continental para a cidade de Florianópolis (SUGAI, 1994). Com a aquisição de grandes terrenos na parte norte da Ilha pelas oligarquias locais na década de 50, houve a decisão de utilizar estas terras para a localização de suas áreas residenciais e investimentos imobiliários, determinando a ocorrência de uma série de ações do Estado que repercutiram na futura estruturação urbana. Desta forma, “O 1º Plano Diretor da cidade, aprovado em 1955, coadunou-se com as intervenções que vinham sendo efetivadas. Das proposições do Plano Diretor, foram implementadas, em especial, aquelas de caráter rodoviário, que garantiram acessibilidade às áreas ao norte da península. A implantação da Avenida Beira-Mar Norte, na década de 60, ao longo da orla da baía norte e, também, a abertura de vias de conexão entre a orla norte e a área urbana central, garantiram a acessibilidade e a consequente valorização da área norte da península”. (SUGAI, 1994, p. 588) Não se pode deixar de considerar o processo de urbanização que afetou as capitais e cidades brasileiras, principalmente a partir dos anos 50, acompanhado do incontrolável êxodo rural no país. Na Ilha, o centro urbano iniciou sua expansão já na década de 60, contornando o limite natural do Morro da Cruz, orientando-se em direção aos bairros da Agronômica e Trindade, e posteriormente em direção a Santa Mônica e Córrego Grande, região tradicionalmente agrícola, de chácaras, fazendas e sítios (CECCA, 1996). Nesta época, existia a discussão da implantação do campus da Universidade Federal de Santa Catarina, que definiria a área da cidade que receberia grandes investimentos federais e consequentemente a expansão urbana e imobiliária da cidade. Foi estratégica, portanto, a sua localização no bairro da Trindade, já que este constitui uma passagem para os balneários situados a norte e leste da Ilha, em que se pretendiam o crescimento das áreas residenciais. Com a construção da UFSC, da Eletrosul e de várias outras empresas estatais, mul21


tiplicaram-se as áreas loteadas, os prédios de apartamentos, os bairros residências e os comércios destinados à classe média. Paralelo à isto, os processos migratórios do campo, aliados às novas possibilidades de emprego que se abriam na cidade, impulsionaram a vinda de uma população migrante pobre, para a qual não foi criada a infraestrutura urbana necessária. Como nos informa CECCA (1996), estes novos migrantes buscaram se estabelecer em locais o mais próximo possível de seus empregos e dos equipamentos urbanos, e foram ocupando, preferencialmente, três áreas distintas da cidade: as encostas dos morros que circundam o centro da Ilha (com altura média de 150m), as antigas áreas rurais periféricas ao centro, geralmente planas, e as marginais das vias de acesso à ci-

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Imagem 9: Rodovia SC-401. Fonte: Acervo pessoal (2015).

dade, na área continental do município. Esta configuração gera grandes conflitos nos processos de uso e ocupação do solo, não somente no perímetro urbano, que neste ponto já havia sido ampliado de maneira considerável, mas em toda a Ilha. Passa a ocorrer na cidade uma valorização imobiliária crescente aliada à explosão do turismo, que tem a natureza como seu principal objeto de consumo. Assim, o aumento do turismo local fez a capital atender a esta nova demanda através principalmente de grandes obras rodoviárias (aliadas aos interesses das elites da cidade), onde executou o aterro de seis quilômetros quadrados sobre a Baía Sul; construiu a SC-401 em direção às praias do norte; a SC-404 que leva à Lagoa da Conceição e desta, a SC-406 que segue ao Rio Tavares; e, finalmente,


a SC-405 que passa pelo Campeche e segue em direção à Armação e ao Pântano do Sul. As consequências foram imediatas e impactantes ao patrimônio natural e cultural, na medida em que os recantos mais ermos da Ilha começaram a ser cortados por estradas e loteamentos, e as tradicionais comunidades agrícola-pesqueiras transformaram-se em balneários de veraneio. A verticalidade das novas edificações substituíram a maior parte das construções seculares de estilos e épocas diversas, e as encostas e periferias urbanas foram sendo intensamente ocupadas por populações mais pobres. Deste modo, Florianópolis, já totalmente improdutiva em suas tradicionais atividades econômicas de décadas passadas, começou a modificar sua fisionomia, se tornando uma cidade com comércios e serviços ajustados em grande parte aos interesses das elites locais, perdendo em praticamente meio século muitas das suas características originais. Sem um planejamento urbano de todo o seu aglomerado, sua ocupação desequilibrada empurra para as periferias e áreas de risco a sua pobreza, e com a alta especulação imobiliária de suas terras, vem tentando se firmar basicamente na atividade turística.

Rodovia SC-401 Rodovia Virgílio Várzea

Mapa 1: Localização da Rodovia SC-401 e Virgílio Várzea, nas proximidades da área de estudo deste trabalho. Elaboração própria. Fonte: Google Earth.

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Imagem 10: Perspectiva da comunidade Sol Nascente. Fonte: Acervo pessoal (2016)


2. O caso da comunidade sol nascente


2.1. Localização da comunidade e o seu entorno

1. “No bairro João Paulo (anteriormente denominado Saco Grande I), prevalecem casas e condomínios de classe média e alta. O bairro Monte Verde abriga conjuntos habitacionais construídos pela COHAB nos anos 1980.” (ANTUNES, 2007)

Mapa 2: Localização da Comunidade Sol Nascente. Elaboração própria. Fonte: Google Earth.

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A comunidade Sol Nascente está localizada na porção centro-norte da cidade de Florianópolis, no bairro Saco Grande, há aproximadamente 10km do Centro. Por isso, a sua localização é privilegiada, pois fica relativamente próxima ao centro e às praias do Norte da Ilha. Antigamente o bairro Saco Grande compreendia uma área muito maior do que hoje. Hoje em dia essa área está dividida em três partes: bairro João Paulo¹, bairro Monte Verde e bairro Saco Grande. Na sua parte mais baixa, a oeste, tem como limite a Rodovia Virgílio Várzea, e na parte mais alta, a leste, delimita-se por vegetação em regeneração de Área de Preservação Permanente, segundo o atual Plano Diretor da cidade, aprovado em 2014. Encontra-se entre dois conjuntos habitacionais da prefeitura, ao norte o Vila Cachoeira (2000) e ao sul o Parque da Figueira (1986). O acesso ao local é feito principalmente pela Rodovia Virgílio Várzea, da onde saem transversalmente as vias que sobem o morro em direção à comunidade. São essas vias: Servidão Belo Horizonte, Servidão Laura Lima, Servidão Manoel Amaro Laureano, Rua Pedra de Listras, Servidão Manoel Barcelos e Servidão José Cândido Amorim.

Comunidade Sol Nascente


2.2. Primeiras impressões

Imagem 11: Viela da Comunidade Sol Nascente. Fonte: Acervo pessoal (2016).

Numa primeira visita, em uma terça feira chuvosa, subi a comunidade a pé, pela rua Pedra de Listras logo no início da manhã, quando se via aos poucos os moradores saindo de suas casas. Percebi que a própria diferença da altitude do bairro “informal” com o “formal” já era um elemento segregador, pela distância íngreme percorrida e, pelo fato aparente da comunidade ser mais dispersa nesta subida e consolidada no topo do morro. Marquei um encontro com Seu Alfredo, trabalhador da AMSOL², em frente 2. Associação de Moradores do Sol Nascente, fundada no ano de 1991.

à sede da Associação. Pude ver que ali estava acontecendo uma reforma de ampliação, com a construção de mais um pavimento, onde funcionará a creche da comunidade. Questionando um dos trabalhadores sobre quando ficaria pronta a obra, ele disse que a previsão era de ser “mais ou menos em Junho”. Enquanto esperava, dei uma caminhada nas proximidades. Vi um morador na rua que me olhava desconfiado, me apresentei, explicando o propósito da visita, no que ele pergunta: “És P2, não? [policial]” – e eu respondo “Não” - Ele continua: “Tem que tomar cuidado com a gurizada...”. - Implícita nessa fala estava 27




a presença do tráfico de drogas na comunidade e a desconfiança que alguns moradores acabam tendo com quem não é da localidade. Quando Seu Alfredo chegou, o acompanhei pelas ruelas mais internas, íngremes e muitas vezes cansativas, enquanto ele me contava um pouco sobre o dia-a-dia da comunidade. Fiquei imaginando, neste primeiro contato, que deveria ser difícil para idosos ou pessoas com dificuldade de locomoção acessarem muitos pontos da comunidade. Pude entender como se dava a relação dos moradores com seu espaço e de como ele foi sendo construído através dos anos, como será exposto na próxima parte deste trabalho. Também notei uma clara área de centralidade, onde se encontravam os pequenos comércios, a quadra de futebol de areia, o ponto de ônibus e a sede da AMSOL, e que acabava se tornando o ponto de encontro e de fluxos de quem entrava e saia da comunidade. Imagem aérea da comunidade. Fonte: Google Earth.

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No entanto, o que mais me chamou a atenção foi a existência de casas em locais muito íngremes, difíceis de serem construídos e que provavelmente estavam em áreas de alto risco de desabamento,

Imagem 12: Rua da comunidade. Fonte: Acervo pessoal (2016).


Imagem 13: Rua Pedra de Listras, principal rua de acesso à comunidade. Fonte: Acervo pessoal (2016).

fato que pude constatar depois, quando analisei os mapas da área. As impressões do caminhar pelo local, do olhar da realidade, se tornam muito mais vivas na memória do que a simples análise de fotos aéreas ou até mesmo do Google Street View, presente em parte das ruas. As moradias, de modo geral, se apresentaram visivelmente de uma condição superior a muitos assentamentos informais da cidade, por serem de alvenaria, algumas já ampliadas e até bem acabadas. Ao questionar isso, soube que apesar dessa aparência muitas têm problemas de goteira e infiltração. Por fim, pude chegar próximo à caixa d’água que abastece a comunidade, e ver a maneira como o rio se integra e a relação que as casas têm com ele – muitas vezes invadindo seu leito ou dando as costas. Nesta primeira visita, pude também conversar com a secretária da AMSOL, Bruna, e obter alguns dados mais precisos acerca da infraestrutura e da população, como será demonstrado a seguir.

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2.3. Evolução da ocupação e da malha viária A história do início da ocupação da comunidade é imprecisa, e não existem documentos formais que nos contem como ela surgiu. No entanto, a partir da análise de imagens aéreas disponíveis na biblioteca do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF), de relatos de entrevistas concedidas à arquiteta Cecília Lenzi em seu Trabalho de Conclusão de Curso no Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFSC, orientado pela profª Maria Inês Sugai no ano de 2011, e entrevistas originais e recentes realizadas pelo autos deste trabalho com outros moradores, pôde-se obter um entendimento maior acerca da formação da comunidade. É importante entender o crescimento dos bairros do entorno para nos aprofundarmos no surgimento da Sol Nascente. Historicamente, a região que ia do trevo do Itacorubi até a entrada do Cacupé era conhecida apenas como Saco Grande e era habitada principalmente por açorianos que exerciam atividades ligadas à terra, portanto uma área basicamente rural e com baixa densidade de ocupação. O único caminho existente que fazia a ligação do Centro às terras do norte da Ilha, até o início da década de 1970, era a Rodovia Virgílio Várzea, um percurso sinuoso que seguia próximo ao mar passando por freguesias como Cacupé e Santo Antônio. Hoje,

Imagem 14: Rodovia Virgílio Várzea. Fonte: Acervo pessoal (2016).

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Imagem 15: Fotomontagem de imagem de satélite de 1957, elaboração própria. Fonte: Geoprocessamento Prefeitura de Florianópolis. Rodovia Virgílio Várzea

Imagem 16: Fotomontagem de imagem de satélite de 1977, elaboração própria. Fonte: Geoprocessamento Prefeitura de Florianópolis. Rodovia SC-401 Rodovia Virgílio Várzea

Delimitação da ocupação

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com a construção da rodovia SC-401, esta conexão se tornou um caminho secundário e perdeu muito de suas características originais. Esta nova rodovia, por ser fundamentalmente uma obra de trânsito rápido e ligada aos interesses das elites econômicas da cidade, valorizou diversos trechos fundiários de sua extensão, tornando-se alvo de grandes investimentos comerciais e empreendimentos imobiliários, transformando os bairros que ali preexistiam. Ao analisarmos a fotografia aérea do ano de 1957, percebemos este caráter praticamente rural que esta parte da cidade tinha, com delimitações dos terrenos de chácaras das famílias que ali viviam, e, 20 anos depois, no ano de 1977, quando a rodovia SC-401 havia recém sido feita, já se observam as mudanças na configuração e surgimento de algumas concentrações de moradias, bem como da Comunidade Sol Nascente. Neste início da ocupação, podemos interpretar que a comunidade evoluiu a partir de duas glebas, pertencentes a duas pessoas diferentes, Vino e José Cândido Amorim (LENZI, 2011). A gleba ao sul, como se pode ver na fotografia de 1977, era mais extensa e pertencia a Vino, do qual muita gente comprou seus terrenos. A princípio as casas aqui foram construídas mais às margens da Rodovia Virgílio Várzea. Na gleba ao norte, da posse de José Cândido Amorim, notamos que as moradias já eram construídas nas cotas mais altas do morro, também chamado de Morro do Cajú, em uma faixa mais estreita de terra. Assim, a ocupação nos terrenos foi acontecendo de maneira dispersa e não organizada. Como se nota na fotografia de 1994, a partir de algumas servidões iniciais surgiriam diversos caminhos para acessar as casas. Alguns destes caminhos foram sumindo, mas a malha viária evoluiu com base nesta matriz inicial dispersa, que demonstram o próprio caráter de espontaneidade da construção da comunidade. A configuração de seu entorno, segundo Antunes (2007), se desenvolveu de maneira complexa e diversificada socialmente, no que se refere ao nível social e econômico dos moradores, origens e condições de moradia. No bairro existem conjuntos habitacionais construídos ainda na década de 80 e 90. Um deles é o Conjunto Habitacional Monte Verde, construído em 1980 e destinado a famílias de 3 a 5 salários mínimos. O complexo contava com 400 casas, escola, centro comunitário, supermercado e um prédio comercial. Seis anos mais tarde, em 1986, um segundo conjunto habitacional foi inaugurado na região: o Parque da Figueira, construído pela COHAB-SC. Com o aumento do número de moradores do bairro, caracterizados por diferentes rendas, para que ocorresse a 34


Imagem 17: Fotomontagem de imagem de satélite de 1994, elaboração própria. Fonte: Geoprocessamento Prefeitura de Florianópolis. Rodovia SC-401 Delimitação da ocupação Rodovia Virgílio Várzea

Imagem 18: Fotomontagem de imagem de satélite de 2012, elaboração própria. Fonte: Geoprocessamento Prefeitura de Florianópolis. Rodovia SC-401 Rodovia Virgílio Várzea

Delimitação da ocupação

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valorização dos terrenos de onde hoje se encontra o bairro João Paulo - onde já existia essa tendência – o bairro Saco Grande foi dividido em três bairros menores. O menor deles, hoje chamado de Monte Verde, acabou levando o nome do primeiro conjunto habitacional instalado ali. Vale ressaltar que, “embora inicialmente estes antigos conjuntos habitacionais, que ficam hoje no bairro Monte Verde, fossem voltados para populações de baixa renda (3 a 5 salários mínimos), com o tempo aconteceu uma mudança no perfil dos moradores desses conjuntos. O processo já conhecido da venda dos imóveis adquiridos pela política habitacional, e a conseqüente elevação do nível sócio-econômico da população residente nesses conjuntos habitacionais, é uma realidade na região.” (ANTUNES, 2007, p. 15) No final da década de 90, através do Programa Bom Abrigo³ do governo municipal, houve construções pontuais de conjunto habitacionais na cidade, entre eles o Vila Cachoeira. Este, o mais recente nas proximidades da nossa área de trabalho, foi construído nos anos 2000, e possui infraestrutura básica de equipamentos e serviços urbanos como: creche, sede para associação comunitária, centro de formação e treinamento, quadra de esporte, pavimentação, iluminação e saneamento.

3. Programa desenvolvido com recursos do Programa Habitar Brasil do Governo Federal, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do município. Foi voltado principalmente para a remoção de famílias das margens da Via Expressa (BR 282) (ANTUNES, 2007).

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O conjunto foi projetado para abrigar cerca de 200 famílias, sendo que a maior parte foi morar no local de forma compulsória, oriundas de remoção de favelas. Segundo Antunes (2007), além deste impacto de ir morar em um local totalmente distante da realidade conhecida pelos novos moradores – removidos de áreas de favela da Via Expressa (BR 282) - no imaginário dos moradores locais a inserção de um conjunto habitacional para pessoas de baixa renda advindas destas áreas, poderia representar um retrocesso social para o bairro. Por isso, a implantação deste acabou criando novos conflitos sociais, com o aumento dos casos de violência. Com a expansão da cidade e a vinda de novos moradores, e pela valorização imobiliária das áreas do entorno, principalmente dos lotes às margens da rodovia SC-401, diversos empreendimentos foram surgindo nas proximidades da Comunidade Sol Nascente. A


Imagem 19: Conjunto Habitacional Parque da Figueira, nas proximidades da Comunidade. Fonte: Acervo pessoal (2016).

construção de alguns, como o Floripa Shopping, a Tok Stok, a Cassol e diversos condomínios residenciais, torna a área bem equipada de serviços e infraestrutura urbana, que, no entanto, são em sua maioria destinados à população de alta renda. A própria transferência, simbólica, do Centro Administrativo do Governo do Estado para a rodovia indica a tendência das alianças do governo coincidirem com os interesses das elites da cidade, numa proximidade estratégica. Com esse entorno urbano tão diversificado espacial e socialmente, podemos compreender o porquê de no contexto da cidade a Sol Nascente enfrentar uma realidade de segregação socioespacial. A ocupação que foi crescendo e abrigando novos moradores de outras partes do estado e do país, hoje, segundo a AMSOL, abriga cerca de 900 famílias.

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2.4. Topografia e problemática ambiental As ocupações em encostas e áreas de risco ambiental tiveram no Brasil um aumento significativo nos últimos 60 anos, devido ao acelerado crescimento urbano que ocorreu no país. As condições naturais peculiares (climas tropicais e subtropicais com altos índices pluviométricos e presença de elevados e extensos maciços montanhosos) aliados às interferências do homem no ambiente, como desmatamento e ocupação inadequada de encostas tornou o risco de acidentes naturais um grave problema para as nossas cidades.

Mapa 3: Localização da Bacia do Manguezal do Saco Grande. Elaboração própria. Fonte: Google Earth.

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No Estado de Santa Catarina, onde há um clima predominantemente subtropical, as precipitações são bem distribuídas ao longo do ano, mas são mais abundantes na primavera e no verão, quando se nota a ocorrência de eventos extremos de chuvas fortes mais concentradas em um período reduzido. Florianópolis se encaixa nesse quadro, e se percebe ocasionalmente a ocorrência de inundações e escorregamentos associados àqueles fenômenos. A nossa área de estudo, localizada no bairro Saco Grande, encontra-se numa área predominantemente de encosta, na Bacia do Manguezal

Bacia do Manguezal do Saco Grande


3 2 1

Rios que desaguam próximos à área, na Bacia do Saco Grande. 1.Rio Vadik; 2.Rio Pau de Barco; 3. Rio do Mel

do Saco Grande, que engloba as bacias hidrográficas dos rios Vadik, Pau de Barco, Jacatirão e do Mel. Sendo uma ocupação que varia da cota 10 a 180, seu crescimento ocorreu, em sua maior parte, em áreas de risco ambiental. Sua formação acompanha as linhas da topografia, mas se notam em muitos lotes a existências de cortes e modificações abruptas nos terrenos, o que os tornam ainda mais suscetíveis.

Mapa 4: Rios que desaguam na Bacia do Saco Grande. Elaboração própria, com base no mapa de Fernando Peres Dias (2000).

Historicamente, os terrenos de encosta possuem solos mais férteis do que os solos arenosos característicos de áreas de planície, e eram extremamente ocupados por lavouras. Em Florianópolis isso podia ser observado em diversos pontos da cidade, inclusive no Saco Grande, quando com a decadência da agricultura familiar na cidade decorrente da industrialização esses terrenos foram abandonados. Desta forma, a partir do final da década de 70 com o acelerado crescimento urbano da cidade, os terrenos principalmente das encostas que naquele ponto estavam vazios ou abandonados sofreram um novo tipo de ocupação, tomados principalmente por unidades residenciais de baixa renda (DIAS, 2000).

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Área com baixa suscetibilidade a deslizamentos

Área suscetível a enchentes

Área com média suscetibilidade a deslizamentos

Rios que atravessam a comunidade

Área com alta suscetibilidade a deslizamentos


Escala 1:7500


Com isso a vegetação nativa sofreu grandes alterações ao longo do tempo, e a perda de vegetação para a realização dos cortes no terreno torna as suas condicionantes naturais de movimentação de terra mais agravantes, pois o solo fica mais exposto e se desestabiliza ao perder o material de apoio. Segundo o Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR), pesquisa realizada pela UFSC em 2006/2007, nota-se ainda na comunidade um campo de blocos situado em seu topo, o que compromete a segurança de muitas moradias abaixo, já tendo sido inclusive encontrados alguns blocos já rolados.

Mapa 5: Mapa de Riscos Ambientais da área, elaborado pelo autor com base no PMRR.

Este mesmo Plano, em conjunto com a dissertação de mestrado de Fernando Peres Dias, orientado pela profa. Maria Lúcia Herrmann no ano de 2000 na PPGG – Programa de Pós-graduação em Geografia/ UFSC, serviram de base para o estudo de interpretação das áreas onde existem riscos ambientais na ocupação. Assim, no Mapa 9 baseado no PMRR, podemos notar as áreas determinadas por alto, médio e baixo risco de deslizamento, bem como

Grau de Descrição probabilidade R1 (baixo)

1. Os condicionantes geológico-geotécnicos predisponentes (declividade, tipo de terreno, etc.) e o nível de intervenção no setor são de baixa ou nenhuma potencialidade para o desenvolvimento de processos de escorregamentos e solapamentos. 2. Não se observa(m) sinal/feição/evidência(s) de instabilidade. Não há indícios de desenvolvimento de processos de instabilização de encostas e de margens de drenagens. 3. Mantidas as condições existentes, não se espera a ocorrência de eventos destrutivos no período compreendido por uma estação chuvosa normal.

R2 (médio)

1. Os condicionantes geológico-geotécnicos predisponentes (declividade, tipo de terreno, etc.) e o nível de intervenção no setor são de média potencialidade para o desenvolvimento de processos de escorregamentos e solapamentos. 2. Observa-se a presença de algum(s) sinal/feição/evidência(s) de instabilidade (encostas e margens de drenagens), porém incipiente(s). Processo de instabilização em estágio inicial de desenvolvimento. 3. Mantidas as condições existentes, é reduzida a possibilidade de ocorrência de eventos destrutivos durante episódios de chuvas intensas e prolongadas, no período compreendido por uma estão chuvosa.

R3 (alto)

1. Os condicionantes geológico-geotécnicos predisponentes (declividade, tipo de terreno, etc.) e o nível de intervenção no setor são de alta potencialidade para o desenvolvimento de processos de escorregamentos e solapamentos. 2. Observa-se a presença de significativo(s) sinal/feição/ evidência(s) de instabilidade (trincas no solo, degraus de abatimento em taludes, etc.). Processo de instabilização em pleno desenvolvimento, ainda sendo possível monitorar a evolução do processo. 3. Mantidas as condições existentes, é perfeitamente possível a ocorrência de eventos destrutivos durante episódios de chuvas intensas e prolongadas, no período compreendido por uma estão chuvosa.

Tabela 1: Grau de probabilidade de risco e respectivas descrições. Fonte: PMRR

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áreas suscetíveis a enchentes. Estes fatores foram definidos pelas condicionantes geológicas-geotécnicas do terreno e as ações antrópicas realizadas neles. Pelo crescimento populacional da comunidade, houve a necessidade de atualização do mapa. Com a inclinação do relevo atingindo 30° de inclinação em alguns pontos, durante chuvas intensas isto passa a ser responsável pela concentração e aumento da velocidade dos fluxos superficiais de água e detritos, contribuindo para aceleração dos processos erosivos e instabilidade das encostas, além de agravar o problema das enchentes (DIAS, 2000). Finalmente, são pouco expressivas as áreas com probabilidade de enchente na comunidade. Existem duas nascentes que descem por diferentes percursos e se unem em determinado ponto do morro, formando o Rio Pau de Barco, que compõe a Bacia do Manguezal e desagua na Baía Norte. Assim, no mapa demostrado pelo PMRR, dois pontos neste percurso estão propícios a alagamento, o que sobrepondo com o mapa atual da comunidade representam 06 residências com este risco. Em uma análise conjunta do Mapa 5 com o Mapa 6, constatou-se que

Mapa 6: Mapa de declividade da área. Elaboração própria, com base no mapa de Fernando Peres Dias (2000).

Área com declividade de 8 a 15,99% Área com declividade de 16 a 29,99% Área com declividade de 30 a 100%

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Declividade (%) Declividade (graus) Recomendações de uso 8 a 15,99

4º35’ a 9º05’

Locais que apresentam certas restrições, geralmente as construções necessitam de cortes e aterros

16 a 29,99

9º06’ a 16,41º

Locais que devem ser evitados, pois são necessárias obras especiais para sua utilização

16º42’ a 45º

Terrenos inadequados para construções. De acordo com o Plano Diretor, neste intervalo estão incluídas as Áreas de Preservação com Uso Limitado - APL (declividade entre 30 e 46,6%) e as Áreas de Preservação Permanente - APP (declividade acima de 46,6%)

30 a 100

Tabela 2: Classes de declividade e respectivas recomendações de uso. Fonte: Dissertação de Mestrado de Fernando Peres Dias

um total de 121 moradias encontram-se em área de risco ambiental alto, suscetível a enchentes e /ou grau de inclinação maior que 30%, e que as famílias devem, portanto, por medida de segurança dos próprios moradores e do restante da comunidade, serem realocadas para outras áreas mais seguras. Percebemos, portanto, com base nesse estudo, que a maior parte da comunidade encontra-se em área de risco médio de desabamento, e que as que se encontram em risco alto, como já comentao, devem ser realocadas por medida de segurança. A suscetibilidade a deslizamentos é fortemente influenciada pela ocupação inadequada, que contribui para a ocorrência de quedas de blocos e cria situações de perigo iminente durante episódios pluviais intensos. Ressalta-se ainda, as ações imediatas e preventivas de acordo com o PMRR para áreas risco ambiental: De ação imediata: - Serviço de limpeza e recuperação de áreas degradadas (lixo, entulho) - Obras de drenagem superficial - Proteção vegetal (grama e arbustos) - Desmonte de blocos

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Preventivas - Promover a educação preventiva de acidentes a escorregamentos nas escolas e nas comunidades. - Incentivar a formação das NUDECs (Núcleos de Defesa Civil) e que elas sejam ativas permanentemente. - Capacitação dos integrantes das NUDECs. - Elaboração do Plano Preventivo da Defesa Civil - PPDC - Regularização fundiária das áreas de assentamentos precários – coibir as ocupações espontâneas - Promover o plantio de espécies nativas nas encostas - Criar nas escolas de ensino fundamental e médio, programas de monitoramento da pluviosidade de modo a conscientizar as crianças a importância da chuva para a ocorrência de escorregamentos e inundações. - Criar cadastro e manter atualizado o banco de dados das informações das áreas de risco: ocupação, habitantes. - Integrar a ação de diferentes setores da PMF como IPUF, FLORAM, Secretaria de Habitação e Saneamento Ambiental, Saúde. - Monitoramento permanente dos assentamentos precários. - Promover a participação comunitária.

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2.5. A relação da comunidade com o seu espaço A Sol Nascente estabeleceu, ao longo de sua história, uma forte ligação com a construção do seu espaço. Para fortificar as reinvindicações por melhorias na infraestrutura básica, os moradores criaram a Associação de Moradores do Sol Nascente (AMSOL), em 1991. Quando a associação se formou, como relata João, ex-presidente da AMSOL, houve a discussão de qual seria o nome dado à comunidade, que na época era parte chamada de Morro do Cajú e parte Pedra de Listras (hoje nome da principal rua local). O nome Sol Nascente foi sugerido e então eleito pelos moradores - que àquela altura não eram mais que 500 pessoas. Através desta organização comunitária, foi realizado inicialmente todo o sistema de rede de abastecimento de água, que antes era feito com cada família colocando uma mangueira na parte alta da cachoeira. Com a instalação de uma caixa d’água pela prefeitura, os moradores puderam executar a rede que serviria à comunidade, com o auxílio técnico e máquinas emprestadas da CASAN (Companhia Catarinente de Águas e Saneamento), baseando-se no abastecimento da cidade “formal”. Percebemos desta forma que, um direito que deveria ser básico, foi adquirido através do dinheiro e da

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Imagem 20: Sede da AMSOL, em atual reforma. Fonte: Acervo pessoal (2016).


mão-de-obra dos próprios moradores, em horários que deveriam ser de descanso e lazer. Além do fornecimento da água, foi com o trabalho dos moradores que a comunidade adquiriu outros serviços urbanos: as vias foram pavimentadas e as estruturas de escoamento das águas pluviais e do esgoto sanitário foram construídas. Este último, que é feito por fossa, sumidouro ou ligações clandestinas na rede pluvial, tornou o rio um local impróprio para banho e uso, o que criou uma situação controversa, pois, o mesmo rio que em sua nascente fornece água para a comunidade, nas partes mais baixas é poluído por ela. No entanto, isso apenas reflete que não há uma educação de fato efetiva nesse processo, e que a informalidade, pela falta de recursos, acaba fazendo os próprios moradores desvalorizarem seu espaço. Este fato, entretanto, não é exclusividade dos assentamentos informais, haja vista os problemas de saneamento em Florianópolis e os casos de doenças relacionadas à poluição das praias no norte da Ilha. A rede de energia elétrica, que foi instalada pela CELESC (Centrais Elétricas de Santa Catarina), também foi feita com recursos dos próprios moradores. Assim podemos concluir que a construção do próprio espaço foi significante para a sensação de pertencimento que a população criou com o local, em um processo que fortaleceu e valorizou a vida comunitária.

Imagem 21: Vista da comunidade para a Bacia do Saco Grande. Fonte: Acervo pessoal (2016).

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2.6. Análise populacional Os dados sobre a população moradora da comunidade, mostrados neste subcapítulo, foram todos extraídos do artigo da pesquisa Infosolo “Há favelas e pobreza na ‘Ilha da Magia?’”, escrito pela professora Maria Inês Sugai, do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFSC, no ano de 2005. Os estudos contidos nesta publicação contém dados sobre o mercado informal do solo urbano nas cidades brasileiras, e como se dá o acesso da população pobre a este solo. Com base nas entrevistas originais realizadas pelo autor deste trabalho, constatou-se que a realidade apresentada por aquela pesquisa, de uma maneira geral, ainda se faz presente nos dias atuais. A população da comunidade, que desde a época da pesquisa cresceu em 400 famílias, vem visivelmente sofrendo os impactos das mudanças do mercado imobiliário que ocorre na região, por sua localização no eixo de expansão dos bairros residenciais de alta renda da cidade. Segundo a pesquisa, os moradores que vendem seus imóveis nas áreas informais da cidade possuem como característica comum a relativa estabilidade e o longo período de permanência na comunidade em que vivem, e são constituídos em 18% por pessoas que migraram na década de 1980, enquanto que 11,3% nas décadas anteriores. Na Sol Nascente, cerca de 60% habitavam há mais de 10 anos na comunidade. Desses vendedores, observou-se também que 20% eram mulheres chefes de família. Os migrantes que vieram para a região conurbada de Florianópolis e escolheram a Sol Nascente para morar, no momento em que se deu a pesquisa, eram constituídos em 8,9% por indivíduos originários do interior de Santa Catarina. Do Paraná vieram 17,8% destas pessoas, enquanto que os que vieram do Rio Grande do Sul em sua maioria se estabeleceram na Tapera da Base, outra comunidade informal da cidade. Esses migrantes que compraram imóveis na região exerciam, de acordo com a pesquisa, em sua maioria algum trabalho remunerado no papel de empregado (76%), principalmente em atividades desempenhadas no setor de serviços. Este fato, em uma entrevista feita à Bruna, trabalhadora da AMSOL, foi enfatizado como realidade ainda no presente, pois segundo a entrevistada “a maioria dos moradores trabalha como empregado, motorista, essas coisas”. Quanto aos valores pagos nos aluguéis, em moradias com área média de 46m² pagava-se cerca de R$ 250,70. Este elevado preço indica “a existência de um mercado imobiliário informal de aluguel que não apenas reproduz a condição de pobreza, mas que também impõe à população formas de exploração e valores de aluguel que se assemelham aos do mercado imobiliário formal.” (SUGAI, 2005, p. 175). 48


Na Sol Nascente, o artigo expõe que 25,6% do orçamento familiar das famílias que viviam de aluguel correspondiam ao valor pago para esta conta, o que dificulta inclusive uma mudança da condição de pobreza para muitas pessoas. Este fato foi reforçado pelos moradores entrevistados atualmente, que nos informam ainda que é crescente o número de famílias morando de aluguel na comunidade (em 2005, este valor correspondia a 19,51% das habitações). Ressalta-se ainda que, do valor total de moradias da comunidade, 95,12% tinham acabamento construtivo por paredes de alvenaria, maior índice entre as comunidades pesquisadas. COMPRA

VENDA

ALUGUEL

Renda média Renda média Renda média Renda média Renda média Renda média do responsável domiciliar do responsável domiciliar do responsável domiciliar 3,31

4,43

1,75

3,22

2,18

3,27

Tabela 3: Renda domiciliar média e renda média por responsável, em salários mínimos. Fonte: INFOSOLO (2005).

Assim, o preço médio do metro quadrado mais caro em relação a todas as comunidades incluídas na pesquisa correspondia ao da nossa área de estudo, num valor de R$ 5,37/m². Este dado, aliado aos dados da tabela 3, demonstra que o processo de valorização imobiliária pelo qual a área passava (e ainda passa) se constituía em um risco de remoção para a população. Hoje, porém, a demarcação de ZEIS da área, pelo atual Plano Diretor se tornou uma ferramenta que assegura a permanência dos moradores, de acordo com as leis do município.

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Imagem 22: Ocupaçþes na parte alta do morro da comunidade Sol Nascente. Fonte: Acervo pessoal (2016)


3. Análise Urbanística


3.1. Infraestrutura local Água: O abastecimento de água, como já comentado, é feito através de uma rede alternativa, concebida e gerenciada pela própria comunidade. Segundo a moradora Bruna, secretária da associação de moradores, a rede é reconhecida pela prefeitura e devidamente fiscalizada por um bioquímico contratado pela AMSOL. Pelo serviço de distribuição, cobra-se uma taxa de R$17,00 por domicílio (são 900 no total), valor que é dividido pela metade caso a moradia seja alugada. O montante da arrecadação mensal é gerenciado pela diretoria da associação e destinado a melhorias e manutenção do abastecimento, bem como de todas as atividades da AMSOL. Há também, além da secretária, um funcionário responsável pela manutenção da rede de água e outro pela manutenção das ruas da comunidade. Esgoto: Na comunidade, algumas casas utilizam o sistema de fossa séptica e sumidouro, porém a maioria despeja seus resíduos na drenagem pluvial, que acaba no rio que atravessa a área, não existindo um sistema de tratamento de esgoto. A situação se torna problemática pelo risco de se construir fossas sépticas e sumidou-

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Imagem 23: Rio que atravessa a comunidade. Fonte: Acervo pessoal (2016).


em encostas e áreas de risco, sem as devidas precauções. Esses sistemas podem desestabilizar os terrenos das encostas pela infiltração da água, e aliados aos cortes e taludes existentes, se tornam um grande risco para a população. Drenagem urbana A drenagem da água pluvial está presente na maior parte das ruas da comunidade, com tubulações instaladas pelos moradores. Esta drenagem, como comentado, recebe indevidas ligações do esgoto produzido nas casas. Coleta de lixo A Coleta de lixo é feita pela COMCAP – Companhia de Melhoramentos da Capital – três vezes por semana, quando o caminhão recolhe o lixo domiciliar de três lixeiras comunitárias. As lixeiras foram construídas pela AMSOL, com verba do pagamento das taxas de água. Recebem manutenção constante, e são bastante utilizadas pelos moradores, apesar da distância relativa a algumas casas. Energia elétrica Uma das primeiras reinvindicações da comunidade Sol Nascente foi a distribuição de energia elétrica e de água potável. A rede de energia foi instalada pela CELESC ainda na década de 1980. Os moradores entrevistados afirmam porém que algumas ligações são clandestinas.

Imagem 24: Lixeira comunitária. Fonte: Acervo pessoal (2016).

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Iluminação pública: Mesmo as ruas não cadastradas oficialmente possuem iluminação pública. Porém, alguns trechos finais de ruas não são iluminados, assim como a totalidade dos caminhos de pedestres. Estes trechos são iluminados por lâmpadas instaladas pelos próprios moradores. Habitações: As habitações da comunidade possuem o caráter de autoconstrução, e as construções e ampliamentos são feitos sem a devida assistência técnica, o que acaba acarretando no surgimento de problemas de execução. São comuns relatos de problemas de umidade e goteiras nas casas. Num passeio pela área, observa-se que o padrão construtivo das habitações é superior ao encontrado em assentamentos informais e favelas, onde muitas casas são de madeira e construídas precariamente. No caso da comunidade, a maioria é construída em alvenaria, e muitas já receberam projetos de ampliações e reformas. Notam-se, porém, a existência de cortes abruptos em muitos terrenos, o que configura uma situação de risco para a comunidade, como já foi comentado. Equipamento públicos comunitários: Em uma entrevista feita com João, ex-presidente da AMSOL, se soube que o equi-

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Imagem 25: Padrão construtivo das moradias, em sua maioria de alvenaria. Fonte: Acervo pessoal (2016).


Imagem 26: Vista geral da comunidade. A frente, sede da AMSOL, na centralidade existente. Fonte: Acervo pessoal (2016).

pamento comunitário disponível da comunidade é a própria sede da Associação de Moradores. O espaço possui um salão de cerca de 60m², uma secretaria, banheiros feminino e masculino, cozinha e almoxarifado. Nele ocorrem diversas atividades, que vão desde reuniões da associação até a comemoração de aniversários e casamentos. Hoje a sede está em processo de expansão. Uma antiga reivindicação dos moradores, a construção de uma creche comunitária, foi atendida pela prefeitura e ficará pronta ainda este ano, funcionando no segundo pavimento da associação de moradores. Esta se localiza na centralidade identificada da ocupação, em frente ao campo de futebol de areia, na Rua Pedra de Listras. No próximo capítulo nos aprofundaremos mais sobre esta centralidade.

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3.2. Mapa de Usos e de Usos Institucionais Observou-se, através de levantamentos feitos na comunidade e no seu entorno, um uso das edificações predominantemente residencial. A grande concentração de comércios e serviços encontra-se na rodovia Virgílio Várzea e na rodovia SC-401. Há uma divisão clara dos grupos sociais e níveis de renda para os quais são destinados os comércios dessas duas rodovias. Na rodovia SC-401, com grandes investimentos feitos às classes de rendas maiores, instalaram-se lojas de produtos de construção de alto padrão, lojas de carros, um shopping e outros diversos empreendimentos, além de mais recentemente um grande complexo de escritórios, ainda em construção no

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início de 2016. Já a Virgílio Várzea, rodovia mais antiga, apresenta caráter de comércios voltados aos moradores dos bairros, de rendas médias e baixas. São dos mais variados tipos, e se constituem em sua maioria casas de famílias, de dois andares e com térreos comerciais. O Centro de Saúde Saco Grande também está localizado nesta rodovia, bem como uma creche e uma escola básica do bairro. Mapa 7: Mapa de Usos da comunidade. Elaboração própria. Fonte: Geoprocessamento de Florianópolis.

Uso residencial

Uso Institucional

Uso misto

Serviços

Uso comercial

Uso industrial/manufatureiro

Mapa 8: Mapa de Usos Institucionais da comunidade e de seu entorno. Fonte: Geoprocessamento de Florianópolis.

Áreas verdes


Escola estadual Creche

Centro de SaĂşde

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Uso residencial

Uso Institucional

Uso misto

Serviços

Uso comercial

Uso industrial/manufatureiro

Ă reas verdes


Escala 1:7500


Imagem 27: À esquerda, nota-se as grandes lojas estabelecidas na SC-401. Fonte: Acervo pessoal (2016).

Em alguns trechos, devido à valorização das terras, alguns condomínios residenciais para as classes mais altas foram construídos, o que indica uma modificação do perfil dos moradores e o risco de um processo de exclusão social dos atuais. Mapa 9: Mapa de Usos do solo da comunidade e de seu entorno. Elaboração própria. Fonte: Geoprocessamento de Florianópolis

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Na comunidade Sol Nascente encontram-se alguns comércios de pequeno porte, como minimercados que servem localmente, cabeleireiros e padaria. Num raio próximo, existem dois supermercados de porte maior, com produtos mais variados e até mesmo mais baratos, onde a população faz suas compras ocasionalmente.


3.3. Mapa de gabaritos A leitura dos gabaritos das edificações do bairro evidencia o fato de que os investimentos na área estão concentrados na rodovia SC-401. Este processo é, hoje, inclusive estimulado pelo Plano Diretor da Cidade, que delimita grande faixa das margens desta rodovia como Área Mista Central 6.5, onde os prédios podem ter até 06 pavimentos. Da mesma forma, em determinadas áreas das partes internas do bairro se permite a construção de edifícios mais altos, com o mercado imobiliário determinando uma mudança no seu caráter urbano.

Mapa 10: Mapa de Gabaritos da comunidade e de seu entorno, com levantamentos feito pelo autor. Fonte: Google Earth.

Imagem 28: Novos condomínios construídos na rodovia Virgílio Várzea. Fonte: Acervo pessoal (2016).

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1-2 pavimentos

4-6 pavimentos

2-4 pavimentos

6-8 pavimentos


Escala 1:7500


3.4 Centralidades existentes Oficialmente, a comunidade não possui uma área de lazer comunitária. Desta forma, através de visitas em campo e entrevistas pode-se concluir que o local em que a população se apropriou como área de lazer foi o indicado no Mapa 16. Constitui-se um terreno privado que hoje tem função de campo de futebol. Já houve a solicitação por parte dos moradores por tornar esta área pública e de uso comunitário, pedido que ainda não foi aceito pela prefeitura. Em entrevistas, pode-se constatar que os jovens e crianças usam muito este espaço nas suas horas de lazer. Além disso, as próprias ruas se constituem, pelo caráter de bairro com baixa mo-

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Centralidade existente

vimentação de carros, em espaços de encontros, conversas e jogos. Antigamente, havia também um parquinho para as crianças junto à sede da AMSOL, mas devido à sua ampliação este foi desativado. Áreas de lazer ou espaços públicos oficiais são inexistentes. Nos pontos mais altos da ocupação, os moradores estabeleceram uma ligação interessante com a cachoeira, e pode ser considerada uma área onde a comunidade passa seus tempos livres. Em dias mais quentes, é comum ver as crianças brincando e os adultos se refrescando nela. Mapa 11: Mapa da centralidade da comunidade. Elaboração própria. Fonte: Google Earth.


Imagem 29: Campinho de futebol de areia, na centralidade existente. Fonte: Acervo pessoal (2016).

Se a centralidade fosse um local com uma infraestrutura mais adequada, com parquinhos, espaços para jogos e áreas de estar sombreadas, seria muito mais aproveitada pelos moradores. A própria cachoeira e seu rio, se devidamente integrados no espaço, poderiam se tornar um belo elemento paisagístico, com uma força maior como espaço natural de lazer.

3.5. Mapa de cheios e vazios Através deste mapa podemos perceber que o entorno imediato da comunidade já se encontra em um ambiente urbano bem consolidado, de maneira geral apresentando poucos terrenos vazios. Na SC-401, os poucos vazios estão à espera da valorização imobiliária do bairro, e provavelmente receberão algum grande investimento nos próximos anos. Na comunidade, nota-se o caráter espontâneo da ocupação, sem um planejamento definido. As moradias seguem as vias criadas e as próprias linhas topográficas do terreno, se concentrando em maior parte nas áreas mais próximas da rodovia abaixo, da centralidade e numa faixa extensa mais ao norte, que inicialmente pertencia a um único dono, como mencionado no capítulo anterior.

Mapa 12: Mapa de Cheios e Vazios da comunidade e de seu entorno. Elaboração própria. Fonte: Google Earth.

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Escala 1:7500


3.6. Mapa do sistema viário O sistema viário interno da comunidade pode ser hierarquizado de acordo com o uso, sendo que a rua principal, a Pedra de Listras, foi classificada como coletora, e as demais como vias locais. Essa divisão baseia-se principalmente pelo uso observado, onde os maiores fluxos, a largura da via, e a rota do transporte coletivo acontecem na via coletora. Nela, encontra-se na área plana do alto do morro a centralidade da comunidade. As vias foram construídas ao longo da expansão da comunidade, de acordo coma necessidade dos moradores. Desta forma, vemos que parte delas são paralelas às curvas de nível, e outras perpendiculares, em larguras médias de três metros. Esta largura se torna insuficiente para a circulação adequada de pedestres e automóveis, situação que se torna conflituosa e até perigosa em alguns pontos. Grande parte do calçamento das ruas foi feito com mão-de-obra dos próprios moradores, com compra ou doação dos materiais através da AMSOL. Algumas são parcialmente recobertas de asfalto, e em outras há inclusive trechos de terra (não pavimentadas). Para os pedestres, a acessibilidade se torna mais difícil devido a grande inclinação vencida pelas ruas. Nas vielas ou caminhos exclusivamente pedonais, as alturas são vencidas com rampas ou escadaria improvisadas, com subidas íngremes e cansativas. As calçadas, quando existem, são descontínuas e impedem qualquer uso por pessoas com dificuldade de locomoção. Mapa 13: Mapa do Sistema Viário da comunidade e de seu entorno. Elaboração própria. Fonte: Google Earth.

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Via local

Via arterial

Via coletora

Via de trânsito råpido

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3.7. Mapa do transporte O transporte público, com em toda a cidade de Florianópolis, possui grandes defeitos. Além de ter horários escassos e paradas afastadas uma das outras, os próprios veículos são muitas vezes velhos e desconfortáveis, se tornando um desincentivo ao seu próprio uso pelos habitantes. Apesar de o sistema ser caro e mal gerenciado, a comunidade está próxima de várias linhas que passam na rodovia Virgílio Várzea, e levam os habitantes diretamente aos terminais TITRI e TICEN, em trajetos diretos. Para se chegar ao Norte da Ilha, devem andar até a SC-401, onde existem alguns ônibus que trafegam neste sentido. Apenas uma linha passa na comunidade, a Sol Nascente, que faz seu percurso na Rua Pedra de Listras, como já foi dito. O ônibus, devido ao seu porte, não consegue entrar em outras ruas, e seu ponto final acaba sendo distante de algumas casas, já que faz seu retorno na frente da sede da AMSOL. Desta forma se nota a inadequação do transporte, que no caso de rotas que passam em ruas estreitas e muito inclinadas, deveria ser pensada em uma alternativa mais condizente, como o uso de micro-ônibus, por exemplo. Por isso a linha, que, além disso, apresenta escassez de horários (são 08 horários por dia saindo da Sol Nascente e 08 do TITRI) é fruto de reclamações constantes dos moradores, que muitas vezes preferem descer o morro e utilizar outras que passam na rodovia Virgílio Várzea e no bairro Monte Verde. Há um trecho de ciclofaixa no início da Virgílio Várzea, considerado insignificante devido à sua pequena extensão, à falta de conexões com áreas de maior uso ou outros modais e à própria ineficácia do sistema. Por ser mal feita, acaba sendo subutilizada pelos moradores, que relatam não utilizá-la em seu dia-a-dia. Mapa 14: Mapa do transporte público da comunidade e de seu entorno. Elaboração própria. Fonte: Google Earth e site do Consórcio Fênix.

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Cacupé, Canasvieiras Canasvieiras (via (via Gama Gama D’Eça/ D’Eça/ via via Mauro Mauro Ramos/Trindade), Ramos/Trindade),Santo SantoAntônio Antônio(via (viaBeira BeiraMar), Mar),TICAN TICANTICEN TICENvia viaTITRI, TITRI,TICAN TICANTITRI TITRI Cacupé, Saco Grande Grande via via João João Paulo, Paulo, Sc-401 Sc-401 retorno retorno Saco Saco Grande Grande Saco Caminho da da Cruz Cruz Caminho 71 Monte Verde Verde (via (via Mané Mané Vicente), Vicente), Saco Saco Grande Grande via via HU HU Monte Sol Nascente Nascente Sol Pontos de ônibus existentes


Imagem 30: MCMV em Palhoรงa (SC). Fonte: Acervo pessoal (2011)


4. Políticas habitacionais e o que já é proposto para a sol nascente


4.1. Políticas Habitacionais no Brasil O estudo da história dos processos que geraram o atual quadro das cidades brasileiras é importante para compreender o presente e conseguir repensar as políticas habitacionais do país. Antes da criação do BNH – Banco Nacional de Habitação – em 1964, os programas habitacionais existentes no país construíram cerca de 170 mil casas populares (MIRANDA, 2001). As primeiras ações foram tomadas na década de 1930, vinculadas aos Institutos e Caixas de Aposentadoria e Pensões. A produção neste período era desigual, com projetos de grande qualidade ao lado de empreendimentos tradicionais Ao analisarmos qualitativamente alguns dos conjuntos vemos que grande parte dos arquitetos envolvidos com os bons conjuntos habitacionais produzidos criavam soluções inovadoras, alinhadas ao pensamento modernista, buscando compatibilizar economia, prática, técnica e estética (BONDUKI, 2011). Houve no Brasil, uma incorporação apenas parcial dos princípios da arquitetura moderna, perdendo-se os generosos e desafiadores horizontes sociais, onde o resultado econômico não deveria se desligar da busca de qualidade arquitetônica e urbanística, e da renovação do modo de morar, com a valorização do espaço público. (...) Esta incorporação parcial gerou, em consequência, o empobrecimento gradativo dos projetos habitacionais ainda ao final do período dos IAPs, chegando ao seu clímax na mássica produção implementada pelo BNH a partir de 1964, onde se manifesta apenas a busca cega e inútil pela redução de custos, sem levar em conta as outras perspectivas propostas pela arquitetura moderna. (BONDUKI, 2011, p.134-135) O BNH foi criado pelo governo militar meio a uma forte crise habitacional do país, buscando, além de apoio entre as massas populares, criar uma política que estruturasse em moldes capitalistas a produção habitacional da construção civil. Assim, o órgão centralizou a produção e a distribuição de unidades habitacionais, gerindo o FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (poupança compulsória dos trabalhadores) e foi órgão regulador do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo – SBPE. Compunha, dessa forma, o Sistema Financeiro da Habitação - SFH. Assim, os resultados quantitativos das ações desenvolvidas por este sistema foram 74


muito expressivos: nos vinte e dois anos de funcionamento do BNH, o SFH financiou a construção de 4,3 milhões de novas unidades, das quais 2,4 com recursos do FGTS, para o setor popular, e 1,9 milhões com recursos do SBPE, para o mercado de habitação para a classe média (MIRANDA, 2001). Embora a produção habitacional tenha sido significativa, devido ao acelerado processo de urbanização que ocorreu nas cidades brasileiras, ela não foi suficiente para suprir o déficit habitacional que o país enfrentava, financiando cerca de 25% das novas moradias construídas (BONDUKI, 2008). Pode-se dizer que uma das grandes falhas das políticas habitacionais do período do BNH foram os investimentos nos recursos para a construção da casa própria através do sistema formal de construção, ignorando outros métodos e ações alternativas para a produção de moradias que incorporassem os esforços comunitários. Além disso, nota-se uma repetição das tipologias de moradias que não levam em conta o ambiente urbano de inserção do projeto, com soluções arquitetônicas simples, repetitivas, e que desconsideram as características geográficas e os hábitos dos moradores. Em 1986, o BNH foi extinto e suas atribuições remetidas à Caixa Econômica Federal (CEF). No mesmo ano, a ditadura militar também acaba, e as prefeituras municipais retomam a eleição direta dos prefeitos. Neste momento, segundo Ermínia Maricato (1998), muitos setores da sociedade brasileira se mobilizam e suas propostas acabaram por repercutir na futura Constituinte. A Constituição brasileira promulgada em 1988 trouxe dessa forma alguns avanços preconizados por esses movimentos, num processo que leva ao reconhecimento da função social da propriedade e da cidade. Os programas federais que se sucederam passaram a privilegiar os municípios (e alguns governos estaduais) como os principais agentes promotores da habitação de interesse social, pela tendência da centralidade dos próprios municípios reforçada pela Constituição de 88. A crise do sistema de financiamento e a instabilidade institucional das políticas federais pós-BNH também levaram vários deles, bem como alguns estados, a assumirem por conta própria iniciativas no campo habitacional (CARDOSO, 2013). Essas iniciativas locais, segundo Cardoso (2013), se concentraram fortemente em programas de urbanização de assentamentos precários e regularização fundiária, representando melhorias nas condições de vida de uma significativa parcela da população mais pobre. Porém, na medida em que se foi restringido o acesso a moradias novas, construídas no âmbito público ou privado, a urbanização e a regularização fundiária dos assentamentos precários funcionou como um incentivo à formação de novas favelas, 75


única alternativa viável de acesso à moradia para grande parte da população. Desta maneira, estava em curso um processo de municipalização da política habitacional, que viria a ser reconhecido e institucionalizado após 2003, com a criação do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social. Este sistema era baseado na distribuição das atribuições entre os três níveis de governo, estabelecendo-se um papel fundamental para os municípios na implementação da política de habitação (BONDUKI, 2011). Para aderir ao sistema, os estados e municípios deveriam se comprometer com a criação de um fundo de habitação, a ser gerido por um conselho com participação popular, além da elaboração de um Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS) que deveria estabelecer as diretrizes e prioridades da política em nível local. Neste período, com a criação do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS – podemos perceber, como cita Adauto Lucio Cardoso (2013, p.31)), “um claro compromisso do governo federal em subsidiar a produção de moradias para as camadas de mais baixa renda, atendendo assim a uma demanda que se manifestava já claramente a partir das críticas à atuação do BNH”. Nesta fase reestruturante do setor da habitação, o governo federal cria em março de 2009, com o objetivo de favorecer condições de ampliação do mercado habitacional para atendimento das famílias com renda de até 10 salários mínimos (SM), o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV). Estabelecendo um patamar de subsídio direto, proporcional à renda das famílias, o programa se estruturou operacionalmente a partir das modalidades de subprogramas e pelas faixas de renda. Nesse contexto, ressalta-se a falta de articulação do programa com a política urbana. Na perspectiva da construção massiva de novas unidades habitacionais, a qualidade arquitetônica e urbanística dos conjuntos construídos fica em segundo plano. Sem um estoque público de terras centrais e com infraestrutura urbana consolidada – adquirido com mais facilidade pelas novas ferramentas urbanística regulamentadas no Estatuto da Cidade – acaba ocorrendo a implantação destes conjuntos em terras afastadas dos centros. Por isso, para reverter o quadro histórico da atuação pública que atende às lógicas do mercado, privilegiando poucos, é necessário, além de vontade política e pressão popular, controle e fiscalização mais eficaz das ferramentas urbanísticas disponíveis, para que elas possam ser usadas em favor da população e produzir moradias de maneira qualitativa, sendo a sua localização um ponto fundamental.

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4.2. O contexto habitacional de Florianópolis Os municípios da região conurbada de Florianópolis (Florianópolis, São José, Palhoça e Biguaçu), não obstante o grande crescimento populacional ocorrido nas últimas décadas, até pouco tempo atrás tiveram suas políticas habitacionais tratadas como uma questão secundária. É grande o número de imigrantes que chegam à região, e o aumento do número de favelas não pode ser ignorado. O fato é que este é um problema antigo e que se agravou desde os anos 1960 – 1970 (PAIM, 2003). Os programas federais, executados pelo Sistema Financeiro da Habitação e pela Caixa Econômica Federal foram operacionalizados, quando do início de uma política habitacional no país, através de convênios com estados e prefeituras municipais. Como relata Binotto (1994), em Santa Catarina, durante aproximadamente quatro décadas a Companhia Habitacional do Estado de Santa Catarina – COHAB/SC, foi a responsável pelo provimento habitacional na região, através da construção de conjuntos residenciais populares e programas de regularização fundiária. Segundo o autor, a primeira iniciativa de habitação social na cidade, planejada e coordenada pela Prefeitura Municipal, se deu em 1979 com a construção de 55 casas no conjunto Sapé, em regime de mutirão. Das poucas iniciativas da prefeitura neste

Imagem 31: Conjunto Habitacional Vila Cachoeira, nas proximidades da área.. Fonte: Acervo pessoal (2016).

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período, outras foram as do reassentamento da Serrinha e a execução de 16 casas nas comunidades de Mont Serrat, Coloninha e Caixa D’água, em 1987/88. Em 1989, devido às pressões sociais dos movimentos populares, a prefeitura atuou diretamente na produção de habitação popular, com a criação do Fundo Municipal de Integração Social (FMIS), responsável pelo financiamento das ações e empreendimentos nas áreas de habitação e desenvolvimento social (CORDEIRO, 2005). Porém, foi somente em 1991 que se deu inicio a discussão sobre a necessidade de uma política habitacional para o município. Assim, naquele ano, o IPUF, com a constatação da grave situação habitacional em que se encontrava a região, criou o Plano Integrado de Habitação Popular Para a

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Região Conurbada de Florianópolis, que previa a participação direta das prefeituras em ações urbanísticas. Até o final de 1992, este plano não havia sido colocado em prática. Com isso, ao longo do tempo, o problema da moradia foi sendo visto como um problema do governo estadual e da COHAB, com intervenções pontuais do município. A partir de então, os principais projetos executados pela PMF consistiram na construção de conjuntos habitacionais, reassentamentos e regularizações fundiárias (ambos executados tanto na porção insular quanto na porção continental da cidade). A prefeitura, neste período, aumentou consideravelmente a produção habitacional, investindo cerca de 4,2 milhões de reais em recursos

Imagem 32: Habitações sociais do Programa MCMV, em Palhoça (SC). Fonte: Acervo pessoal (2012).


próprios e utilizando recursos dos Governos Federal e Estadual na implantação do Projeto Bom Abrigo (CORDEIRO, 2005). Este projeto, executado pelo governo municipal, removeu famílias de áreas de favelas da capital, e as reinseriu em conjuntos habitacionais construídos nas áreas “formais”, em diversas partes da cidade. Assim, aos poucos foi promovida uma estruturação das políticas e programas voltados à habitação no município. Em 1998, a capital foi inserida no Programa de Habitação Social Nacional Habitar Brasil/BID, parceria entre o Governo Federal e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que englobava dois subprogramas – Urbanização de Assentamentos Subnormais e Desenvolvimento Institucional (CORDEIRO, 2005). Este programa objetivava a implementação de projetos-piloto de investimentos em infraestrutura urbana e habitação em áreas de assentamentos subnormais em várias cidades do Brasil. Para se integrar a este programa, a prefeitura realizou em 1999 o Seminário de Habitação, do qual resultou a criação da Secretaria Municipal da Habitação e do Desenvolvimento Social (PMF, 2011). Esta secretaria gerenciou o setor habitacional até o ano de 2005 na capital. A partir de fevereiro de 2005, pela Lei Complementar 158 foi criada a Secretaria Municipal de Habitação e Saneamento Ambiental. Todo investimento em habitação do município, seja através de recursos municipais ou captados de outras esferas é gerido através do FMIS.

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4.3. Plano Diretor Atual e ZEIS da área A formulação de ferramentas legais para a execução de uma política habitacional mais abrangente no território nacional, com maior eficácia ao prover o direito à cidade e à habitação veio a se concretizar com a criação do Estatuto da Cidade no país, em 2001. Neste contexto, “se consolidou uma nova ordem jurídica no Brasil, baseada no princípio da função social da cidade e da propriedade.” (ROLNIK, 2010, p.8). Assim, o Plano Diretor Municipal foi redefinido como principal instrumento de política urbana, determinando de que maneira o Estatuto da Cidade deve ser aplicado em cada município. Isso se deu a partir das novas relações estabelecidas entre Estado, proprietários e cidadãos, com a nova ordem jurídico-urbanística criada através da Constituição Federal e do Estatuto da Cidade. Dentre os instrumentos formulados para contribuir mais efetivamente na produção de habitação de interesse social, encontram-se aqueles de incentivo à construção, sob os quais se baseiam os mecanismos vigentes nas ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social em áreas providas de infraestrutura), que induzem ao cumprimento da função social da propriedade e de facilitação da aquisição de imóveis pelo poder público. A regulamentação do Plano Diretor do Município de Florianópolis (Lei complementar nº482, de 17 de janeiro de 2014), tornou a área da comunidade Sol Nascente como ZEIS 2, após anos de reinvindicações e lutas da mesma. Nesta categoria, são demarcados “os assentamentos ocupados espontaneamente por população de baixa renda em áreas públicas ou privadas, onde há restrição legal ou técnica a urbanização, destinadas, prioritariamente, a ações de regularização fundiária”. (PMHIS, 2011). Segundo consta no Plano, as áreas demarcadas como ZEIS 2 estarão sujeitas a remanejamento ou relocação dependendo do caso e a critério do órgão responsável pela política habitacional do Município, que no caso é a Secretaria Municipal de Habitação e Saneamento Ambiental. Portanto, como evidenciado no próximo capítulo, neste Trabalho pretende-se realocar as moradias localizadas em áreas de risco com critérios do próprio Plano Municipal de Redução de Riscos, transferindo as famílias para áreas mais seguras da comunidade. A zona em questão, junto com uma grande área que margeia a Rodovia Virgílio Várzea, está demarcada também como Área Especial de Interesse Social, sobreposta à própria ZEIS. Esta delimitação tem a finalidade de “flexibilizar o regime urbanístico para viabilizar e incentivar urbanizações de interesse social, que deverão ocorrer próximas às 80


redes de infraestrutura, zonas de centralidade com uso misto de comércio, serviços, residências e meios de transporte coletivo.” (PMHIS, 2011). Ressalta-se a importância desta delimitação de ZEIS, pois garante que espaços vazios ou subutilizados sejam destinados à população de baixa renda, impedindo o avanço da especulação imobiliária e possibilitando o acesso à infraestrutura urbana e o cumprimento da função social da propriedade. Este tema refletirá nas diretrizes deste projeto, abordadas no próximo capítulo. Mapa 15: Delimitação da ZEIS da área. Fonte: Geoprocessamento da Prefeitura (2014).

Delimitação da ZEIS da área

Mapa 16: Mapa do Plano Diretor da área. Fonte: Geoprocessamento da Prefeitura

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APP - Área de Preservação Permanente APL-E - Área de Preservação Uso Limitado (Encosta) APL-P - Área de Preservação Uso Limitado (Planície) ACI - Área Comunitária Institucional

AMC- Área Mista Central ARM - Área Residencial Mista AVL - Área Verde de Lazer ARP - Área Residencial Permanente

ZEIS- Zonas Especiais de Interesse So AMS- Área Mista de Serviços AEIS- Áreas Especiais de Interesse So AEIS- Áreas Especiais de Interesse So


ocial

ocial ocial

Escala 1:7500


Imagem 33: Comunidade Sol Nascente. Fonte: Acervo pessoal (2016)


5. Diretrizes Projetuais


Ao longo do estudo da Comunidade Sol Nascente, pode-se entender a complexidade que envolve a formação de assentamentos informais nas cidades brasileiras, e de todos os aspectos políticos, sociais, econômicos e ambientais que abrangem o modo como se desenvolveram nossos espaços urbanos, gerando esse tipo de ocupação. Mais que isso, nas leituras dos referenciais teóricos compreendeu-se os processos de segregação e preconceito vividos pela população de baixa renda no Brasil, e de como suas necessidades são relegadas a segundo plano no âmbito de nossas políticas públicas, que deveriam atender a todos os cidadãos igualmente. O direito à cidade e a qualidade de vida, com todas as infraestruturas necessárias e acesso facilitado aos serviços, se faz ausente para grande parte da população, refletindo nos mais diversos aspectos políticos e no abismo social que enfrentamos em nosso país. Por se tratar de uma comunidade inserida em uma área de encosta e, portanto, frágil ambientalmente, como se caracterizam muitas favelas e ocupações informais, foi necessário um estudo da suscetibilidade a deslizamentos e enchentes a que ela esta sujeita, bem como na busca de possíveis soluções para a sua ocupação adequada, em referenciais teóricos e autores especializados. A intervenção deve levar em conta que a comunidade está próxima a áreas de APP urbana, e que muitas casas hoje correm riscos de desabamento pela própria instabilidade do terreno. Pela forte Associação de Moradores presente na comunidade, responsável pela autogestão e pela construção de grande parte da infraestrutura existente – com ênfase à rede de distribuição de água, totalmente construída com mão-de-obra dos moradores percebe-se que a população foi ativa no processo de construção de seu espaço, sendo uma importante realização a delimitação da área como ZEIS no Plano Diretor atual. Pelo que foi exposto, as diretrizes deste anteprojeto de habitação social, que será elaborado na segunda etapa deste trabalho de conclusão de curso, foram pensadas de maneira a promover a justiça social e a igualdade no acesso à cidade, pelos direito à moradia digna que todos têm. Por isso, propõe-se utilizar a própria habitação como instrumento de inclusão social e como parte integrante da comunidade. Como se pode perceber através dos levantamentos feitos na área, esta possui carências por atividades diversificadas, como o acesso a espaços culturais e de lazer, e pretende-se utilizar dessas carências nas estratégias de implantação e de usos do projeto. Assim são pensadas de modo a prover o uso público dos espaços comunitários, enfatizando e valorizando a centralidade existente, através de áreas de lazer ligadas às principais localidades utilizadas pelos moradores. Desta maneira, foram adotadas as seguintes diretrizes projetuais: 86


- Inclusão sócio-espacial e direito à cidade: Elaborar um projeto de uma HIS com uma infraestrutura urbana adequada, possibilitando à população melhorias em sua qualidade de vida. - Integração com o entorno urbano: Conectar a comunidade ao contexto urbano - tendo a habitação papel central neste processo - por facilidades no acesso pedonal e do transporte público, através de espaços públicos qualificados. Assim, intende-se promover uma troca entre as diferentes camadas sociais e a apropriação democrática das áreas públicas comunitárias. - Promoção da diversidade de usos e da vitalidade urbana: Propor serviços e atividades urbanas diversificadas, ligadas às moradias e suas implantações, para que os habitantes tenham uma maior oferta de serviços e comércios. Desta forma, promove-se um maior uso dos espaços urbanos e a consequente valorização destes, por parte da própria população. - Preservação do meio ambiente natural: Inserção da intervenção através de soluções urbanísticas e projetuais que minimizem o impacto no meio natural e nas áreas de proteção ambiental. Utilizar a arquitetura para valorizar as áreas de preservação, fazendo com que a sua implantação permita a apropriação, de maneira sustentável e equilibrada, destas áreas. - Acesso a moradia digna: Reconhecer os direitos de cidadania da população com moradias dignas, fortalecendo a autoestima da comunidade. - Qualidade arquitetônica: Desenvolver um projeto de Habitação de Interesse Social qualificado, considerando soluções de conforto ambiental e de baixo impacto, que valorize a vida comunitária e se integre através dos próprios espaços ao seu entorno, de maneira harmônica na paisagem urbana.

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Imagem 34: Perspectiva do projeto do escritรณrio UNA Arquitetos para o concurso Renova SP. Fonte: UNA Arquitetos.


6. referĂŞncias


boldarini arquitetos associados - residencial diogo pires (2011) O residencial Diogo Pires faz parte de um programa de urbanização da favela Nova Jaguaré, em São Paulo, e tem por objetivo realocar parte das familias moradoras das áreas de risco da favela, ou afetadas pelas obras de infraestrutura. Trás em suas diretrizes a importância da vida coletiva como elemento indispensável para uma cidade mais democrática, segundo os próprios autores. Em seu térreo são estabelecidos diferentes usos, que promovem uma integração do conjunto com seu entorno, através também de uma praça que articula os espaços públicos.

Imagem 35: Tipologias habitacionais do conjunto. Fonte: Boldarini Arquitetos Associados

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Imagem 36: Perspectiva do conjunto. Fonte: Boldarini Arquitetos Associados


mmbb - jardim edite (2011) O conjunto habitacional Jardim Edite, como consta no próprio memorial do projeto, foi projetado para ocupar o lugar da favela de mesmo nome que se situava em um dos pontos mais significativos do recente crescimento do setor financeiro e de serviços de São Paulo: o cruzamento das avenidas Engenheiro Luís Carlos Berrini e Jornalista Roberto Marinho, junto à ponte estaiada, novo cartão postal da cidade. A importância desta obra se dá no simbolismo da permanência de uma população segrega em um local de grande valorização imobiliária da cidade de São Paulo, garantindo o direito básico da habitação de qualidade para os moradores, preservando sua memória e sua ligação com o espaço. Três equipamentos públicos articulam o espaço do conjunto ao seu entorno urbano: um restaurante escola, uma unidade básica de saúde e uma creche. Dessa forma, é promovida uma integração entre os moradores do conjunto e os trabalhadores das empresas próximas, que também podem usar destes equipamentos.

Imagem 37: Perspectiva do conjunto. Fonte: MMBB.

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vigliecca e associados - heliópolis - gleba a (2004) O grupo propõe, através deste projeto, por palavras dos próprios autores, o entendimento de que a habitação de interesse social não é um problema de quantidade, nem de custo, nem de tecnologia. O objetivo essencial é a construção da cidade, e não se baseia na imposição de um modelo pré-estabelecido e sim na geração de modelo próprio criado sobre a observação que o próprio local revela. Assim, o projeto se adapta ao contexto em que está inserido, através do desenhos de sua implantação em relação à trama da cidade, e faz da geografia um elemento legível e visível. “Se alguém tem direito à arquitetura e ao desenho urbano são precisamente as classes menos privilegiadas sediadas sobre as áreas excluídas de toda urbanização.” (Memória dos autores)

Imagem 38: Perspectiva do conjunto. Fonte: Vigliecca e Associados

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una arquitetos associados - concurso renova sp (2011) A proposta do escritório UNA Arquitetos para o Concurso Renova SP teve como diretriz de projeto a revisão da forma como acontecem as ocupações informais em áreas com alta declividade e às margens dos rios, para assim criar um arquitetura que se integre a um espaço público qualificado. Aqui, a população que reside em uma área de risco às margens do Rio Tamanduateí, em São Paulo, é removida para áreas próximas, enquanto que a favela remanescente é urbanizada. As áreas de risco ou de proteção são usadas como elementos do paisagismo e do urbanismo, integrada à comunidade através de um uso público. “O uso de tipologias diversas (torres, blocos e lâminas) e distintos sistemas de circulação permitiram o enfrentamento de todos os lotes de forma equilibrada e eficiente”. “A articulação entre a rua e os espaços públicos do entorno é uma das premissas dos projetos, com desenhos de calçadas amplas e áreas comerciais voltadas ao passeio público”. (Memória dos autores)

Imagem 39: Perspectiva do conjunto. Fonte: UNA Arquitetos

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Conjunto “pedregulho” - affonso eduardo reidy (1947) Ícone da arquitetura moderna brasileira, o Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes, mais conhecido como Pedregulho, faz parte da fase social da arquitetura produzida no país. Projetado por Affonso Eduardo Reidy, sua concepção arquitetônica traz os princípios corbusianos para a estética e para as técnicas construtivas do edifício. O conjunto se compõe de um bloco simples, elevado sobre pilotis, e que se integra ao declive natural do terreno através de passarelas, em uma planta serpenteada e original. Uma avenida posterior no topo do terreno é um recurso utilizado que dispensa o uso de elevadores. Assim, a obra mantém a vista da baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, e se integra, através de sua implantação, a uma escola, um posto de sáude, espaços para prática esportivas e áreas de lazer.

Imagem 40: Perspectiva do conjunto. Fonte: Archdaily.

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Imagem 41: Perspectiva do conjunto. Fonte: Archdaily.


7. bibliografia ANTUNES, Camila Sissa. Homogeneidade versus Heterogeneidade: conflitos, transformações e dilemas habitacionais na Vila Cachoeira, Florianópolis/SC. 44 f. TCC (Graduação) - Curso de Ciências Sociais, UFSC, Florianópolis, 2007. BINOTTO, Gelson Afonso. O Estado e a Política Habitacional: Um estudo da região conurbada de Florianópolis no período 1964/2002. 1994. 141 f. Tese (Doutorado) - Curso de Administração, UFSC, Florianopolis, 1994. BONDUKI, Nabil. Política habitacional e inclusão social no Brasil: revisão histórica e novas perspectivas no governo Lula. In: Revista eletrônica de Arquitetura e Urbanismo. São Paulo, n.1, p. 70–104, 2008. BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil: arquitetura moderna, lei do inquilinato e difusão da casa própria. 5.ed – São Paulo: Estação Liberdade, 2011. CARDOSO, Adauto Lucio. O programa Minha Casa Minha Vida e seus efeitos territoriais. Rio de Janeiro, Letra Capital, 2013. CECCA, Centro de Estudos Cultura e Cidadania. Uma Cidade numa Ilha: relatório sobre os problemas sócio-ambientais da Ilha de Santa Catarina. Florianópolis. Editora Insular. 1996. CORDEIRO, Adriana Sales. Concepção e linguagem projetual de habitações autoconstruídas em Florianópolis/SC: um estudo na Barra do Sambaqui.171 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Arquitetura, UFSC, Florianópolis, 2005. DIAS, Fernando Peres. Análise da susceptibilidade a deslizamentos no bairro Saco Grande, Florianópolis-SC. 97 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Geografia, Ufsc, Florianópolis, 2000. FERREIRA, João Sette Whitaker (org.). Produzir Casas ou construir cidades? Desafios para um novo Brasil urbano. Parâmetros de qualidade para a implementação de projetos habitacionais e urbanos. São Paulo, LABHAB; FUPAM, 2012. LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001. LENZI, Cecília Corrêa. Permanecer na cidade: Urbanização da Comunidade Sol Nascente, Florianópolis. 40 f. TCC (Graduação) - Curso de Arquitetura, UFSC, Florianópolis, 2011. LONARDONI, Fernanda Maria. Aluguel, informalidade e pobreza: o acesso à moradia em Florianópolis. 139 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Arquitetura, UFSC, Florianópolis, 2007. MARICATO, Ermínia. Metrópole na periferia do capitalismo: ilegalidade, desigualdade e violência. Disponível em <http://www.usp.br/fau/depprojeto/labhab/biblioteca/index.html#textos> em 30 de novembro de 2010.

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