ENSAIO
VOCACIONAL ARTES VISUAIS CEU PERUS 2016 WALDIAEL BRAZ
Em meu segundo ano no programa vocacional, no mesmo equipamento, agora como artista orientador de Artes Visuais, experimentei a satisfação de vivenciar a autonomia de uma ideia e a emancipação de um orientando, através de um projeto que ganhou uma proporção para além das expectativas, e me mostrou um caminho maduro para trilhar na complexa tarefa de orientar potenciais artistas, ou pelo menos, a partir da ideia que nos impele entender um potencial artístico. Dentro de um ano de intensas transformações no programa, para não dizer na conjuntura sócio política como um todo, com o dilema de atender as novas demandas que urgiam e ainda responder as primeiras propostas as quais me comprometi, vivi um ano difícil, porém gratificante. A começar pela adaptação a mudança da extinta linguagem artes integradas, a qual me identico como pesquisa poética mesma, para artes visuais, a qual me formei. E com todas as implicações que resultam do entendimento de artes visuais fora do contexto onde ela se justifica hegemônicamente com todos os seus pressupostos. Entendidos estes pressupostos hegemônicos como os que estão postos nos contextos acadêmicos e de produção e circulação encimesmados no circuito. Fora dessa esfera a aplicação do termo arte se justifica apenas em uma articulação movida por ideais políticos. Articulação que provoque o conceito mesmo de arte, da sua produção e da sua circulação. E entender estes fenômenos não é uma tarefa fácil, sobretudo sem uma experiência empírica, que abale as suas certezas e apresente a manifestação da produção estética a partir da sua realidade material e das suas relações contextuais. O que me foi gratificante dentro de toda dificuldade foi ter abaladas minhas certezas através de experiências empíricas transformadoras do meu entendimento mesmo de arte. Pontuo mais especificamente como três estas experiências, as quais elenquei na forma de um álbum fotográfico, como aqueles de recordar as nossas mais cativas lembranças, como aqueles que materializam em imagem momentos que marcam nossas histórias pessoais, e na melhor das hipóteses, as histórias de quem tocados por elas. Artista Orientador: Waldiael Braz Artista Articulador: Rodrigo Munhoz Equipamento: CEU Perus Programa Vocacional da Secretaria de Cultura da Cidade de São Paulo
A primeira experiência, neste caso desafio, tem nome e sobrenome, é Neusa Ferreira, ou Dneusa, como prefere assinar seus trabalhos. Neusa vem de uma relação de longa data com o Vocacional, encabeçando o grupo de dança Mulheres do Pêra, no CEU Pera Marmelo. A conheci quando fui substituir outro artista em uma das suas orientações neste CEU. Impelida a investir no seu trabalho plástico, Neusa é uma artista de multiplas habilidades, ela resolveu se afastar por um tempo do grupo e me procurou no CEU Perus para acompanhar minhas orientações em artes visuais. Ainda procurando me encontrar na transição de pesquisa que eu trazia do ano passado, com multimídia e performance, Neusa era a resposta que veio bater na minha porta. Mas as incertezas no cumprimento do meu papel me fizeram demorar para entender. Fiquei surpreendido desde o primeiro dia com a compreensão nata do que muitos artistas levam anos de estudos e provações no metiê, e a sensibilidade com a qual Neusa reconfigura materiais apropriados em soluções plásticas de uma carga poética exemplar. Talvez Neusa tenha sido um desafio maior do que eu pudesse dar conta na conjuntura que me forçava congregar perfis muito diferentes que me procuravam, além de novos espaços que o programa abria e pedia que eu dividisse minha atenção. Neusa é uma mulher de 54 anos, sensível não só a poesia e a estética, mas as questões do seu contexto, e empática ao que cerne a mulher. Para procurar dar conta de mediar a forte presença dos grupos locais de artesanato e a diversidade dos então vocacionados inscritos, poucos porém diversos, trouxe para minhas orientações uma parceria com o projeto Contraponto, através do Coletivo Filomena. Dessa parceria resultam as oficinas de bordados e a exposição dos trabalhos dos vocacionados apresentados nesta primeira parte
A segunda experiência, que foi um prazer muito grande ter participado, foi a instaraução dos GTs temáticos, onde colaborei especificamente com o aquele dedicado as poéticas relacionadas a diversidade de expressão sexual e de gênero nomeado maravilhosamente “LACRAÇÃO”. Ideia que surge nos primeiros encontros de formação com a proposta dos open space. Alguns orientadores propuseram o formato de grupo de estudos como resposta a um acontecimento simbólico no congresso nacional relacionado a questão da homofobia, além da percepção de que um grande número de vocaionados demonstravam a necessidade de expressar através das pesquisas suas inquietudes com a questão. Entrei no terceiro encontro, por causa do meu interesse na pesquisa em arte queer e logo os encontros passaram de grupo de estudos para grupos de trabalho, com propostas de formatos inovadores, onde encontros se tornavam espaços abertos para atividades sem regras pré estabelecidas e de livre criação. os encontros foram incríveis e influenciaram até mesmo os conceitos que já estavam postos no programa, visto que, por exemplo, o princípio de territorialidade se reconfigurava, onde, uma proposta que atravessava a cidade, congregando as ações de diferentes pontos no mapa, definia um processo atópico, e rompia fronteiras não só simbólicas, mas geográficas.
LG BTTT Q I A E PO R A Í V A I
E completando uma tríade de expressões artísticas manifestadas por reclames de identidades alijadas dos processos sociais, do feminino, passando pela pluralidade sexual, tive o privilégio de acompanhar o nascimento de um projeto que promete se estabeler como representante da cena negra nas periferias. Partindo dos desejos de um vocacionado, dedicado, articulado e com muito potencial, William Carvalho, o Will, Afronte surge como um evento dentro da programação da semana de consciência negra no CEU Perus. Maturado pelas pesquisas incitadas nos projetos do Will, como o estudo da cena Afrofuturista no Brasil, a ideia era trazer um desfile de beleza negra acompanhado de intervenções artísticas da cultura afro, urbana e tradicional. Em parceria a orientadora de dança do CEU Perus, Carla Tiemi, apoiamos o impeto do Will que conseguiu uma rede de parcerias que fez desse evento um verdadeiro movimento. Grupos locais, como o pessoal do break Filhos da Rua e a banda percursiva dos meninos do CJ Azarias marcaram presença, além de uma dupla de irmãos capoeiristas e o sólo da vocacionada Jaqueline Santana, marcaram o primeiro desfile, contando com mais de 30 maravilhosos modelos negros da região, desfilando com as marcas convidadas Stylo Black e Simplesmente. O evento deu tão certo que na próxima semana já se repetiu a convite da Biblioteca José de Anchienta, também em Perus, com a parceria do coletivo de grafiteiros Perusferia, agora com uma proposta de desfile de rua, que se apresentou como uma ideia tão acertada que o Afronte ganhou pernas e vem caminhando para fora do bairro de Perus. Graças a paixão e dedicação de uma verdadeira comunidade. O orgulho e entusiasmo em acompanhar esse processo fecha o meu ano com uma vontade renovada e uma esperança numa geração que se apropria cada vez mais de palavras como resistência, empoderamento, luta e orgulho a despeito dos retrocessos do país. Com todos os percalços, me sinto satisfeito e com a sensação de dever cumprido, porque no fim todo o processo faz sentido.
Agradecimentos Primeiramente ao, mais que coordenador, parceiro, Rodrigo Munhoz; A maravilhosa equipe que tive o prazer de fazer parte dentro do programa Vocacional; A parceira equipe do CEU Perus; Ao Grupo mais bafônico que esse programa já viu L A C R A Ç Ã O <3<3<3; A equipe da divisão de formação que merece todo o reconhecimento pelo trabalho hercúlio que dão conta; A todos os artistas orientadores que fazem desse programa uma verdadeira fonte de resistência da cultura na cidade; Aos grupos locais, Arteferia, Fios da Trama, Street Son, Quilombaque, Perusferia, Pandora, CJ Azarias, Biblioteca Padre José de Anchieta, e moradores dessa região que tem tanto a ensinar para o restante de SP, Perus; A Parceria linda com o Coletivo Filomena dentro do projeto Contraponto, especialamente a Carol Flores, responsável pelas maravilhosas fotografias da exposição dos vocacionados e da oficina Contraponto; E sobretudo aos meus queridíssimos vocacionados, dos que me acompanharam todos os dias aos que vieram em eventos pontuais, todos foram responsáveis por um ano que só consigo definir como transformador; Os fiéis Neusa Ferreira, Adriana Santos e Will, aos de ontem e hoje Amanda Simioni e Jaqueline Santana, aos encantadores meninos do CEU Anhaguera, ao Victor Brito, que mesmo acompanhando de longe vejo que está deslanchando o seu trabalho, as meninas da cena de artesanato local, Arteferia e Fios da Trama, ao vocacionado onipresente e onipotente Bruno César, a todos os afrontosos que sei que vão continuar abalando as estruturas na luta negra paulistana, e a todos os lacradores que encorajam nossa geração a acreditar num futuro mais tolerante e diverso. Independente dos rumos que esse programa tome, um paradigma foi posto, e não tem como voltar atrás, são artistas e agentes culturais que vão redesenhar as estruturas na cidade e pintar com outras outras cores os espaços de poder. PS: Optei por não colocar os créditos nas imagens por que ainda não tenho de todas, mas asseguro que este material não tem nenhum fim comercial e deixo aqui meu agradecimento em nome de todos os beneficiados com estes ótimos registros desses momentos que serão inesquecíveis, muito grato. Qualquer questão me escrevam no e-mail waldiaelbraz@gmail.com