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© Copyright by Stanley Ramos Gusman, 2012
TÍTULO: O Difícil Desejo de Amar EDIÇÃO E CAPA: Robert de Andrade REVISÃO: Raquel Rezende PREPARAÇÃO DE ORIGINIAIS: Dener DIAGRAMAÇÃO: Walquíria Kascher IMPRESSÃO: Gráfica O Lutador
Antônio Chaves
EDITORA SÃO JERÔNIMO
Rua Joviano Naves 15/03 – Palmares – CEP 31155-710, Belo Horizonte – MG - Tel.: + 55 31 4103-7969 | www.editorasaojeronimo.com.br contato@editorasaojeronimo.com.br Ficha catalográfica G982d
Gusman, Stanley Ramos, 1971 O Difícil Desejo de Amar / Stanley Ramos Gusman. 1 ed. – Belo Horizonte: Ed. São Jerônimo – 2012. 175p. ISBN: 978-85-64670-05-1
1. Literatura brasileira - Romance 2. Romance brasileiro 3. Ficção brasileira I. Título CDD B869.3
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Minha homenagem a um dos meus mestres: “ Procures me amar quando menos mereço, pois é quando mais preciso.” Mario Quintana
Meu agradecimento: A Edilane Gusman, por saber sempre a hora e a medida certa de me amar!
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Capítulo I F
oi realmente intrigante a forma que conheci Nicole. As poucas horas que passei ao lado dela mudariam para sempre a minha rotineira e patética forma de viver. Fui pego de surpresa e permaneci assim por um longo tempo, vendo a jovem firme e irredutível diante da chuva que quase destruiu nossa esperança de viver outro século. Já nos primeiros gestos assumidos por ela, tive a certeza de que a moça tinha hábitos e convicções muito diferentes dos meus, de tal forma que conclui que ela seguia sua vida totalmente indiferente a todas as dificuldades naturais dos homo sapiens, enquanto eu sempre tomei vacina contra tudo. Meu encontro com ela foi o verdadeiro caso do acaso. Uma força maior produzida por um caso fortuito e coroada pela impossibilidade de conduta diversa, sobretudo da minha parte, a saber: uma chuva apocalíptica inundou num primeiro momento o nosso mundo físico e, depois, o metafísico! Mesmo diante da intempérie inexpugnável, ela se mantinha detentora de uma vitória estelar, como se cada pingo de chuva que a tocava, estivesse se rendendo, como uma homenagem, uma reverência antes do próprio suicídio. A jovem de semblante infinito era sem nenhuma dúvida maior que a chuva. Percebi isso tempos depois, quando concluí que ela foi a única entre os que estávamos sob o jugo do temporal que não se sentiu submissa ante a força da tempestade incomum. Ao contrário, parecia que ela desejava mesmo se expor, como num gesto irrefutável de poder absoluto sobre tudo que estava ao seu redor. A tempestade destruiria boa parte da cidade e mudaria a vida de muita gente. Principalmente a minha!
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Capítulo II M
as a manhã daquele dia veio como outra qualquer. Os funcionários da prefeitura estavam ali com o caminhão-pipa que aguava aquele pequeno pedaço de paraíso fabricado, com suas flores permissíveis e sem vontade de florir, plantadas a fórceps nos canteiros centrais da rua que eu havia escolhido para viver meus melhores dias de homem prestes a amadurecer de vez. O mês de março havia chegado com todos os seus folclores e trouxe com ele a efetiva retomada do período letivo nas escolas, considerando que o Carnaval daquele ano foi bem no final de Fevereiro. O trânsito, que havia arrefecido no período das férias, já retomava seu fluxo normal, enchendo as ruas de carros futuristas e suas buzinas tão inusitadas, quanto inconvenientes. Eu lecionava no curso de Direito da Universidade Federal e sempre mantive uma excelente relação com meus alunos, que ao final dos períodos letivos sempre renovavam minhas gravatas e meias. Aquele ano já começava tenso, pois o retorno das aulas já vinha marcado por rumores e sinais de greve dos professores pelos motivos de sempre. Cumpri, como de costume, meu expediente normal no escritório de advocacia onde eu mantinha uma sociedade com mais dois advogados que também lecionavam na mesma Universidade que eu. Fazíamos advocacia de partido, ou seja, atendíamos a todos os casos. Como éramos professores de Direito, sabíamos quem eram os alunos que realmente queriam fazer um curso sério e seguir a carreira jurídica com o mesmo afinco que nós. Com essa metodologia, sempre escolhíamos excelentes estagiários, que se tornavam ótimos advogados, o que nos dava muita segurança na estrutura de atendimento aos nossos clientes e na manutenção da qualidade do nosso trabalho.
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Dos sócios eu era reconhecidamente o mais metódico e tinha sempre todos os processos sobre minha vigilância. Com paciência, meus amigos me suportavam e faziam isso com muito carinho e zelo, reconhecendo meu compromisso com eles e com o resultado do nosso trabalho, que sempre nos deu uma vida financeira extremamente confortável. Marco Antônio e Marco Thadeu, meus sócios e irmãos por consideração, sempre viajavam juntos e levavam suas esposas em passeios inacreditáveis, mas sem nenhuma organização. Nunca reservavam os hotéis onde ficariam, nem o roteiro que realmente cumpririam durante a viagem. Isso me enlouquecia. Eu tentava a todo custo evitar esses atos de insanidade consciente dos meus amigos, dando sempre desculpas reconhecidamente esdrúxulas, simplesmente porque nunca concordei em passar por momentos assim, lotados de uma magia medieval, que só de pensar, privavam-me das minhas escassas noites de sono tranquilo. Preciso destacar, porém, que a distância da minha família sempre foi o maior motivo para que eu me apegasse aos meus sócios e à Universidade. As viagens de trabalho sempre me mantiveram mais tempo na estrada que dentro de casa. Lecionar para mim era mesmo meu maior descanso. Livros de presença, planos de aula, correções de prova, sempre foram meus momentos mais intensos de lazer. Dizer que eu me sentia mal com essa rotina não era verdade! Afirmar que esse meu estilo de vida era ruim, também era mentira. Desejar mudar essa rotina nunca se apresentou diante de mim como uma opção concreta. Eu me contentava em ler e reler os livros de Manuel Bandeira, principalmente sua biografia. Isso sempre me trazia conforto, quando alguém me criticava, alçando-me à condição de eremita urbano.
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Capítulo III E
u tinha somente um compromisso no Fórum Central da capital naquele dia e pelo grau de dificuldade do processo, entendi que a audiência poderia ser acompanhada por um advogado-júnior, que eu havia escolhido para me dar suporte em momentos em que minha agenda estivesse apertada. Foi o que fiz. Transferi meu compromisso no Fórum para meu assistente. Fiquei com o dia livre e resolvi voltar para casa para estudar um pouco a matéria que seria dada na aula daquela noite, uma vez que o tema era complexo, e estava sob a análise dos Tribunais Superiores que a todo instante apresentavam decisões conflitantes sobre o tema que eu abordaria. Estudar em casa me proporcionava uma alegria enorme. Ficar sozinho sempre me agradou. Privacidade era pra mim um patrimônio inegociável. Detalhe, privacidade era uma palavra que sempre mereceu destaque em minha vida! Sempre fui intransigente quando o assunto era minha vida pessoal e a mantinha protegida das curiosidades alheias a qualquer custo. Passei momentos difíceis em uma ocasião em que meus colegas, tentando me agradar, idealizaram uma festa no meu aniversário de quarenta anos. Fiquei sabendo dessa surpresa por um descuido de um dos seus idealizadores. Como eu não soube o dia exato em que eles iriam até minha casa concretizar a bendita festa, resolvi passar a semana inteira do meu aniversário dormindo nos hotéis da cidade, no mais absoluto anonimato. Sempre vivi para os meus trabalhos e apesar de ter conhecido mu-
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