O Globo

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WORLD’S CHILDREN’S PRIZE MAGAZINE #66/67 2019 WORLD’S CHILDREN’S PRIZE FOR THE RIGHTS OF THE CHILD

PREMIO DE LOS NIÑOS DEL MUNDO POR LOS DERECHOS DEL NIÑO

PRIX DES ENFANTS DU MONDE POUR LES DROITS DE L’ENFANT

PRÊMIO DAS CRIANÇAS DO MUNDO PELOS DIREITOS DA CRIANÇA

DER PREIS DER KINDER DER WELT FÜR DIE RECHTE DES KINDES!


World’s Children’s Prize

for the Rights of the Child PRÊMIO DAS CRIANÇAS DO MUNDO pelos Direitos da Criança

SUÉCIA MARIEFRED ROMÊNIA EUA PALESTINA

SÍRIA ISRAEL

HAITI SENEGAL GUINÉ-BISSAU GUINÉ SERRA LEOA

COLÔMBIA

BRASIL

BURKINA FASO BENIN REPÚBLICA NIGÉRIA DEMOCRÁTICA DO CONGO CAMARÕES UGANDA TOGO BURUNDI TANZÂNIA

COSTA DO MARFIM GANA REPÚBLICA DO CONGO

Guylande Mésadieu

MOÇAMBIQUE ZIMBÁBUE ÁFRICA DO SUL

Spès Nihangaza

Os jovens na capa, Glory e Talkmore, de Chihota no Zimbábue, seguram a urna eleitoral da aldeia para a Votação Mundial. Ambos são Embaixadores dos Direitos da Criança do WCP.

Rainha Silvia, da Suécia • Loteria Sueca do Código Postal Forum Syd • Sida • Julia & Hans Rausing Trust • Fundação Care About the Children da Rainha Silvia • Survé Family Foundation • Kronprinsessan Margaretas Minnesfond Fundação do Sparbank Rekarne • Mantenha a Suécia Limpa Comitê Olímpico Sueco • Distrito Rotary 2370 & 9350 The lottery for a better world

Todos os patrocinadores dos direitos da criança e doadores Microsoft • Google • ForeSight Group • Twitch Health Capital • Helge Ax:son Johnsons Stiftelse • PunaMusta Gripsholms Slottsförvaltning • Svenska Kulturpärlor ICA Torghallen • Skomakargården • Röda Magasinet Lilla Akademien


O que é o Prêmio das Crianças do Mundo?.........................................................4

Olá!

A revista O Globo é para você e todos os outros jovens que participam do programa do Prêmio das Crianças do Mundo. Aqui, você vai conhecer amigos de todo o mundo, aprender sobre seus direitos e receber dicas de como o mundo pode ser um pouco melhor!

Conheça as crianças do júri!...................6 O que são os direitos da criança?........12 Como estão as crianças do mundo?.................................................14

As pessoas que estão nesta edição de O Globo vivem nesses países:

O caminho para a democracia............ 16 Votação Mundial ao redor do planeta................................................. 19 Junte-se a Zimbábue, Burkina Faso, República Democrática do Congo, Paquistão, Birmânia e outros países. Conheça embaixadores dos direitos da criança e crianças que votam por seus heróis e direitos!

PAQUISTÃO

ÍNDIA

Heróis dos direitos da criança deste ano Spès Nihangaza....................................... 34 Ashok Dyalchand.................................... 52 Guylande Mésadieu............................... 70

NEPAL

Ashok Dyalchand BIRMÂNIA/MIANMAR

Metas globais........................................... 88

FILIPINAS

Corrida em Volta do Globo por um Mundo Melhor.......................... 90 Embaixadores do You Me Equal Rights (Eu Você Direitos Iguais).........................91 Embaixadores dos direitos da criança e direitos das meninas no Zimbábue.... 94 Geração Sem Sujeira............................108 Conferência de Imprensa das Crianças do Mundo....................... 128 Nós apoiamos o Prêmio das Crianças do Mundo....................... 129 Celebramos os direitos da criança....130

CHARLES DR AWIN

Diretor de redação e editor responsável: Magnus Bergmar Colaboradores no nº 66-67: Carmilla Floyd, Andreas Lönn, Erik Halkjaer, Johan Bjerke, Jesper Klemedsson, Sofia Marcetic, Charles Drawin, Kim Naylor, Ali Haider, Marlene Winberg, Jan-Åke Winqvist, Mantenha a Suécia Limpa Tradução: Semantix (inglês, espanhol), Cinzia Gueniat (francês), Glenda Kölbrant (português), Preeti Shankar (hindu) Editoração & reprodução: Fidelity Foto da capa: Johan Bjerke Contra-capa: Charles Drawin Impressão: PunaMusta Oy

A revista O Globo é financiada parcialmente por Sida, Conselho de Desenvolvimento Internacional, por meio do Forum Syd, na Suécia. O Sida não compartilha necessariamente as opiniões expressas aqui. A responsabilidade é exclusiva­ mente dos redatores e editores responsáveis.

A revista O Globo não pode ser vendida!

World’s Children’s Prize Foundation Box 150, 647 24 Mariefred, Suécia Tel. +46-159-12900 info@worldschildrensprize.org www.worldschildrensprize.org facebook.com/worldschildrensprize Insta @worldschildrensprize youtube.com/worldschildrensprize twitter @wcpfoundation ISSN 1102-8343


O que é o Prêmio das Cria Quer tornar-se agente de mudança para um mundo melhor? Neste caso, você recebe ajuda do programa do Prêmio das Crianças do Mundo (WCP). Ao conhecer os embaixadores dos direitos da criança, heróis dos direitos da criança e outras crianças de todo o mundo, você aprende mais sobre:

O programa do Prêmio das Crianças do Mundo ocorre entre novembro de 2018 e 16 de maio de 2019. O dia 16 de abril de 2019 é a data limite para reportar os resultados de sua votação.

• Humanidade • A igualdade de todas as pessoas • Os direitos da criança • Os direitos humanos • Como a democracia funciona • Como lutar contra as injustiças, a pobreza, o racismo e a opressão • As Metas Globais da ONU, com as quais os países do mundo concordaram, para proteger o meio ambiente e tornar o mundo mais justo até 2030.

DIREITOS DA CRIANÇA EM SUA VIDA Comece descobrindo se a Convenção sobre os Direitos da Criança é aplicada rigorosamente onde você vive, por ex., na escola. Fale sobre: Como as coisas podem melhorar para as crianças na sua cidade e em seu país? Você pode fazer ouvir sua voz sobre questões que afetam você e seus amigos? Estude a história da democracia, e, se quiser, funde um clube dos direitos da criança do WCP na escola! PÁGINAS 12–13

Seja agente de mudança! Aproveite a oportunidade para se tornar agente de mudança e defender os direitos e a igualdade de todos! Você pode fazer ouvir sua voz e influenciar a vida que leva em seu país e no mundo, agora e no futuro. Junto com milhões de outras crianças, você participa e ajuda a construir um mundo mais compassivo, onde todos sejam tratados de forma igual, os direitos da criança sejam respeitados e as pessoas e o ambiente estejam bem.

GERAÇÃO SEM SUJEIRA

Em 16 de maio*, crianças em Escolas Amigas Mundiais de todo o mundo celebram o Dia Sem Sujeira. Mostre que você pertence à Geração Sem Sujeira recolhendo lixo em sua cidade, no pátio da escola e nas ruas. Converse com outras pessoas sobre o direito a um ambiente limpo e saudável para você e todas as crianças do mundo. PÁGINAS 108–127

CORRIDA AO REDOR DA TERRA POR UM MUNDO MELHOR Antes da Corrida ao redor da Terra por um mundo melhor, em 1º de abril, você e seus amigos aprenderão sobre as metas globais, principalmente aquelas que tratam de igualdade de gênero e igualdade de direitos das meninas (Meta 5), Igualdade (Meta 10) e Paz e Justiça (Meta 16). Criem cartazes e outros materiais e espalhem a notícia nas redes sociais sobre as mudanças que vocês desejam ver em seu bairro, cidade e país. O dia 1º de abril começa com vocês dizendo à mídia, porta-vozes e pais o que desejam mudar. Todos vocês, alunos, formam uma longa corrente, tocando as pontas dos dedos uns dos outros. A corrente então caminha ou corre 3 km. Vocês relatam quantas pessoas participaram da corrente e da corrida ao redor da Terra, de modo que seja possível descobrir quantas voltas ao redor do mundo milhões de crianças juntas deram por um mundo melhor naquele dia. PÁGINAS 22–23, 34–87 E 88–107

Datas importantes 1º de abril – Corrida em Volta do Globo por um Mundo Melhor. 16 de abril – prazo final para informaro resultado da sua votação *O Dia Sem Sujeira é 16 de maio, mas sua escola pode optar por celebrá-lo a qualquer momento durante aquela semana ou, se necessário, quando melhor lhes convier durante o semestre.

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16 de maio – Dia Sem Sujeira *


nças do Mundo? CONHEÇA OS HERÓIS DOS DIREITOS DA CRIANÇA

OS DIREITOS DA CRIANÇA NO MUNDO A convenção dos direitos da criança aplica-se a todas as crianças, no mundo todo. Aprenda mais lendo sobre os embaixadores dos direitos da criança do WCP, as crianças do júri, os heróis dos direitos da criança e as crianças por quem eles lutam. Descubra também como as crianças do mundo realmente estão hoje. PÁGINAS 6–11, 14–15, 91–107 E 120–127

Até o momento, 42 milhões de crianças em todo o mundo aprenderam sobre direitos da criança e democracia através do programa do WCP. Mais de 70.000 escolas em 116 países registraram-se como Escolas Amigas Mundiais e apoiam o Prêmio das Crianças do Mundo.

Todos os anos, três fantásticos heróis dos direitos da criança, agentes de mudança por um mundo melhor, são nomeados como candidatos ao Prêmio das Crianças do Mundo. Conheça-os e às crianças por quem lutam. PÁGINAS 34–87

Você sabia? O programa do WCP é a maior formação anual do mundo sobre a igualdade, os direitos da criança, a democracia e o desenvolvimento sustentável.

VOTAÇÃO MUNDIAL

A GRANDE REVELAÇÃO!

Quando os votos de milhões de crianças tiverem sido contados, revela-se qual dos heróis dos direitos da criança nomeados recebeu a maioria dos votos e será laureado com o Prêmio das Crianças do Mundo pelos Direitos da Criança, bem como os dois que receberão o Prêmio Honorário das Crianças do Mundo. Reúnam sua escola e revelem o resultado! Ou convidem a mídia local para a Conferência de Imprensa das Crianças do Mundo (coletiva de imprensa das crianças), realizada simultaneamente em vários países. Depois, os heróis dos direitos da criança são homenageados na grande cerimônia do WCP no Castelo de Gripsholm, em Mariefred, Suécia, conduzida pelas crianças do júri.

Uma vez que tenha aprendido tudo sobre os direitos da criança e os heróis dos direitos da criança nomeados, você pode participar da Votação Mundial. Marquem a data da votação de sua escola com antecedência e organizem todos os detalhes para a realização de uma eleição democrática, do uso de fiscais eleitorais à confecção de urnas eleitorais. Convidem a mídia, pais e políticos para vivenciar seu Dia da Votação Mundial. Informem o resultado da votação de sua escola através da urna disponível em worldschildrensprize.org. PÁGINAS 19–33

PÁGINA 128

Limite de idade para o Prêmio das Crianças do Mundo

Siga-nos nas mídias sociais! @worldschildrensprize @worldschildrensprize worldschildrensprize @wcpfoundation worldschildrensprize.org

O WCP é para crianças de dez anos até o ano em que completam 18. A Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU diz que você é criança até o ano de seu 18º aniversário. O limite mínimo de idade tem várias razões. Para poder votar na Votação Mundial, você deve aprender tudo sobre o trabalho dos candidatos ao prêmio. As crianças por quem eles lutam muitas vezes experimentaram coisas muito difíceis, e suas histórias podem ser assustadoras para crianças pequenas. Mesmo para crianças mais velhas, pode ser desagradável e, portanto, é importante que você tenha adultos para conversar ao trabalhar com o programa do WCP.

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Eunilda

Kim

Ann

Milad

Shamoon

Taree

Neeta

Sesethu

Na foto do dia da cerimônia do WCP em 2018, há dois membros do júri que já “se aposentaram”: Dieu-Merci, da República Democrática do Congo, e Netta, de Israel.

Conheça as crianças do júri! Os membros do Júri Infantil do Prêmio das Crianças do Mundo são especialistas em direitos da criança através de suas próprias experiências. Cada membro do júri representa, em primeiro lugar, todas as crianças do mundo com experiências semelhantes às suas. Eles também representam as crianças de seu país e continente. Sempre que possível, o júri inclui crianças de todos os continentes e das principais religiões. As crianças do júri compartilham suas histórias de vida e quais de seus direitos como crianças foram violados e/ou por quais desses direitos lutam. Desta forma, ensinam a milhões de crianças de todo o mundo sobre os direitos da criança. Elas podem participar do júri até o fim do ano em que completam 18 anos. Todos os anos, o júri infantil seleciona os três nomeados ao Prêmio das Crianças do Mundo pelos Direitos da Criança, entre todos os indicados durante o ano.

Os membros do júri são embaixadores do Prêmio das Crianças do Mundo em seus países e pelo mundo. O júri infantil conduz a cerimônia anual do Prêmio das Crianças do Mundo na Suécia. Durante essa semana, os membros do júri visitam escolas, contam suas experiências de vida e falam sobre os direitos da criança.

Em worldschildrensprize.org você encontra mais histórias de membros do júri, além de poder conhecer membros anteriores. Várias novas crianças do júri serão nomeadas em 2018.

❤ Não imprimimos o sobrenome das crianças do júri para proteger sua integridade.

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Jhonn Nara

Noor

dos direitos da criança do WCP é uma glória. Isso significa tudo para mim. E sei que minha geração fará uma mudança para melhorar na vida das crianças do mundo”.

SHAMOON, 16 JHONN NARA, 17 BRASIL Representa crianças que pertencem a povos autóctones e lutam por seus direitos, crianças que têm seus direitos violados por causa de abuso, discriminação e degradação ambiental. Jhonn Nara vive na Amazônia brasileira e é uma das líderes mais jovens do povo autóctone Guarani. Antes, eles viviam no meio da selva, mas este povo foi expulso de suas aldeias. A floresta foi devastada e substituída por fazendas de gado e indústrias que destroem a natureza, com substâncias químicas tóxicas e água poluída. Agora, o povo Guarani se amontoa à beira de uma estrada, onde não pode pescar ou caçar. A miséria faz com que os adultos se sintam mal, bebam, usem drogas e briguem. Jhonn Nara já foi espancada por um padrasto violento. O povo Guarani sofre ameaças e violência de pessoas que querem ganhar dinheiro com a derrubada das florestas e explorar o solo. Quando Jhonn Nara tinha dez anos, homens mascarados foram à aldeia e mataram a tiros seu avô, um dos líderes do povo. – Quando protestamos contra as injustiças, somos ameaçados, abusados e mortos. Querem nos exterminar, mas nós nunca desistimos, diz Jhonn Nara, que fica triste quando ela e outras crianças de povos autóctones são tratadas pior que outros alunos na escola. Isso machuca seu coração.

NOOR, 17 PALESTINA Representa crianças em áreas de conflito, crianças que vivem sob ocupação e apoiam o diálogo para a paz.

KIM, 15 ZIMBÁBUE Representa crianças que são empoderadas para defender os direitos da criança, especialmente a igualdade de direitos das meninas. Quando Kim se tornou embaixadora dos direitos das crianças do WCP, ela imediatamente quis começar um clube dos direitos da criança do WCP na escola. Porém, o diretor recusou. Kim não desistiu e, no fim das contas, teve permissão para a fundar seu clube. Agora, ela já forneceu a milhares de crianças conhecimento sobre seus direitos, engajando-as na luta por um mundo melhor para as crianças. “Quando era pequena, eu não sabia que as crianças têm direitos. Eu ficava triste quando via crianças que não frequentavam a escola, crianças que eram espancadas e jovens expostas a abuso sexual e casamento infantil. Agora, parte de minha função como embaixadora é falar por outras crianças que sofrem em silêncio, sem coragem de contar, ou porque não sabem que têm direitos. Luto especialmente por meninas, por exemplo, para que o casamento infantil seja impedido e para que as garotas tenham seus próprios toaletes na escola. Poder ser embaixadora

Shamoon nasceu em uma família que era escrava por dívida de um proprietário de olaria desde que seu pai era criança. O pai de Shamoon lutou pelos direitos dos trabalhadores de olarias e abriu uma escola noturna para as crianças. O proprietário da olaria não gostou e o pai de Shamoon teve que fugir. – Mamãe tinha me dito que o proprietário mataria meu pai se contássemos onde estava. O proprietário me bateu com um pau. Foi então que eu percebi que éramos escravos. Demorou dois anos até que o proprietário da olaria concordasse em não ferir meu pai, para que ele pudesse voltar para casa. Hoje, a família de Shamoon não é mais escrava por dívida, mas ainda trabalha em uma olaria. Shamoon vai à escola e ajuda com o trabalho quando pode. – À noite, tenho a escola noturna para crianças e jovens das olarias. A educação lhes dá coragem, e eles podem ajudar suas famílias. A educação é o caminho para a liberdade.

As crianças do júri Milad e Taree a caminho da cerimônia do WCP.

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 FOTO: SOFIA MARCETIC

– Minha primeira lembrança de ruído de tiros é do meio de uma noite, aos 4 anos de idade. Fugimos para o porão. Quando ousamos voltar, o quarto da minha avó estava em chamas, havia buracos de bala e estilhaços de granadas por toda parte. Algum tempo depois, estávamos na esco-

la, quando, de repente, uma bomba de gás lacrimogêneo foi lançada na sala de aula. Meus olhos queimavam e era difícil respirar. Corremos todos para casa, mas soldados israelenses nos pararam e obrigaram a voltar para trás. Senti-me muito triste e amedrontada, fraca e impotente. Dissemos que éramos apenas crianças inocentes. Quando finalmente cheguei a casa, comecei a chorar. Para consolar-me, minha avó leu uma passagem do Corão e deu-me azeite para beber. Ela me aconselhou a continuar estudando, e eu amo a escola. Noor não gosta de soldados, mas quer que seu povo possa viver como vizinhos e amigos dos israelenses. – Devemos respeitar a sua fé e eles, a nossa. Precisamos respeitar uns aos outros!

PAQUISTÃO Representa crianças trabalhadoras, crianças escravas e crianças que “não existem” porque ninguém registrou seu nascimento.


MILAD, 16 SÍRIA Representa crianças forçadas a fugir e crianças que crescem na guerra. Milad foi forçado a fugir da guerra na Síria, aos nove anos de idade. A fuga começou em sua cidade natal, Aleppo, na Síria, para Kobanî e depois para a Turquia. – Foi difícil sobreviver lá. Milhares de refugiados chegavam todos os dias, e muitas crianças mendigavam nas ruas. Trabalhei em uma fábrica, pois não havia escola. Após dois anos, a mãe disse que Milad precisava chegar à Europa para poder ir à escola. Muitos refugiados cruzavam o Mediterrâneo, mas milhares de pessoas morriam quando os barcos superlotados afundavam. Portanto, toda a família juntou dinheiro para pagar um atravessador de pessoas. No caminho, eles sumiram por alguns dias. A família ficou muito preocupada. Quando o atravessador finalmente voltou, ele exigiu mais dinheiro para libertar Milad. Hoje, Milad vive na Suécia com a família. – Minha cidade natal está destruída pelos bombardeios, é triste, diz Milad. Agora me preocupo pelos outros. Não podemos pensar apenas em nós mesmos.

TAREE, 15 EUA Representa crianças que estão Aos nove anos de idade, Taree se tornou um dos 2,5 milhões de crianças desabrigadas nos EUA. A família de Taree vivia em um abrigo onde os sem-teto podem obter uma cama temporária, com sua mãe e cinco irmãos. – Minha família tinha seu quarto e compartilhava o banheiro e chuveiro com os outros. A coisa mais difícil de ser sem-teto é mudar muito e trocar sempre de escola. Eu me preocupava muito com o futuro e como poderia ajudar a minha família a sobreviver. Às vezes era difícil manter a motivação. Mas minha mãe sempre nos ajudou a acreditar em nós mesmos e, felizmente, gosto da escola. Fico feliz com a matemática! Agora, a família de Taree finalmente tem sua casa. Às vezes ele ajuda crianças ainda desabrigadas com o trabalho escolar. No futuro, ele quer ser escritor. – Gosto de escrever minhas próprias histórias. Se tiver sucesso como escritor,

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primeiro vou ajudar a minha família e, depois, outros sem-teto.

Dario

NEETA, 15 NEPAL Representa crianças exploradas no comércio sexual infantil. Aos onze anos de idade, Neeta foi convencida por um amigo a matar aula e ir para a capital, Kathmandu. Eles iriam se divertir e conhecer os arredores. Porém, Neeta foi deixada em um bar com estranhos. Ela foi drogada e submetida a abusos horríveis. Quando gritava e pedia para ir para casa, era espancada pelo proprietário do bar e trancada. No final, um jovem prometeu que ajudaria Neeta e três outras meninas de lá. Na verdade, ele planejava revendê-las, mas quando chegaram ao grande terminal de ônibus, os guardas suspeitaram. Eles chamaram a polícia. Ela também ajudou a denunciar o homem que iria vendê-la à polícia. Agora ele está na prisão. – Sou grata porque tive uma segunda chance na vida. Agora participo de um clube dos direitos da criança e luto pelos direitos da criança, diz Neeta.

ANNANTHI, 15 ÍNDIA Representa crianças em risco de serem forçadas a casar cedo e meninas ameaçadas de serem mortas ao nascer. Na aldeia de Annanthih, muitas meninas eram mortas ao nascer desde tempos imemoriais, por causa da pobreza e de uma visão das filhas como menos valiosas que filhos. Mas agora centenas de aldeias na área foram quase inteiramente libertadas do infanticídio feminino. As meninas receberam ajuda para ir à escola e seus pais receberam treinamento e suporte. – Agora eles sabem que as meninas são um dom, não uma punição, diz Annanthi. Por que as pessoas não entendem que uma menina tem valor – que ela pode cuidar de sua família tão bem quanto, se não melhor do que, um menino? Pretendo ir longe e mostrar a todos que as

Annanthi

meninas têm o direito de viver. O casamento infantil é comum na aldeia de Annanthi, mas ela não pensa em casar antes de ter pelo menos 25 anos. Primeiro, quer ter educação e um bom trabalho. – Eles podem tentar me casar antes, mas vou lutar contra.

DARIO, 13 ROMÊNIA Representa crianças que crescem em orfanatos e crianças que são discriminadas por causa da pobreza e/ou porque são rom ou pertencem a outra minoria em seu país. Dario cresceu em Ferentari, um dos bairros mais perigosos e mais pobres da Europa, em um galpão de madeira que seu pai construiu diretamente na calçada, sem aquecimento, toalete ou água corrente. A mãe de Dario fazia tudo para que as crianças tivessem uma boa situação, mas o pai começou a beber e gastava todo o dinheiro da família com bebidas alcoólicas. – Quando eu tinha nove anos, minha mãe mandava minha irmãzinha e eu às ruas conseguir dinheiro para comprar comida. Um dia, a polícia nos prendeu e tivemos que ir para um orfanato. No começo, não foi muito divertido porque tudo era muito diferente. Sentíamos falta de nossa mãe e chorávamos todos os dias. Contudo, após algum tempo, quando fizemos amigos, as coisas melhoraram. No orfanato, muitas das crianças, incluindo Dario, são de famílias rom. Os rom são a população mais discriminada e pobre da Europa há centenas de anos. – Quero aprender mais sobre os direitos da criança e como posso ajudar outras crianças que tiveram dificuldades, como eu. Se eu pudesse decidir, limparia todo o lixo e tiraria todas as drogas de meu bairro, para que as pessoas fossem mais gentis umas com as outras. E ninguém precisaria viver em orfanatos, mas poderia ficar com a família.


EUNILDA, 15 MOÇAMBIQUE Representa crianças sujeitas a abusos sexuais e que são ameaçadas para ficar em silêncio. O problema de Eunilda começou quando seus pais se divorciaram e a mãe teve que ir para o exterior para conseguir trabalho. – Eu, meu irmão e minha irmã fomos morar com nossos avós maternos, e minha mãe enviava dinheiro e roupas para casa. Mas nada disso chegava a nós. Minha avó dava tudo para nossos primos. No final, Eunilda e seus dois irmãos se mudaram para a casa dos avós paternos, esperando que as coisas fossem melhores ali. Inicialmente, tudo estava bem. Eunilda recebia comida, roupas e começou a frequentar a escola. Porém, quando ela tinha nove anos, aconteceu algo que mudou tudo. Toda vez que Eunilda ficava sozinha em casa, um parente idoso ia até lá e abusava dela. Ela não contou a ninguém, porque o homem ameaçava matá-la se não se calasse. Demorou muito tempo até ela ousar pedir ajuda para que o abuso pudesse ser interrompido. Hoje, Eunilda é uma orgulhosa embaixadora dos direitos da criança do WCP, que luta para que outras crianças nunca tenham que experimentar o que lhe aconteceu. Ela também protestou contra professores que espancam crianças e contra o casamento infantil. – Muitas meninas acham que sua vida vai melhorar se casarem cedo. Mas, em vez disso, as coisas pioram, pois o casamento infantil mata seus sonhos. Todas as garotas precisam saber disso. Falo sobre minhas experiências boas e ruins para encorajar outras pessoas a também lutarem por seus direitos e os de outras crianças.

Shai

ANN, 15 FILIPINAS Representa crianças que foram exploradas no comércio sexual infantil. Ann, a mais jovem de sete irmãos, cresceu em uma família pobre na capital das Filipinas, Manila. Ela amava a escola, mas sabia que, assim como seus irmãos mais velhos, logo seria forçada a sair por causa das taxas escolares. Quando tinha onze anos, Ann foi convidada à casa de uma vizinha, uma jovem amiga de sua irmã mais velha. A mulher mandou Ann tirar a blusa e depois a fotografou. Ann não entendeu por quê. Ela deu o dinheiro para sua mãe, que não perguntou onde o havia conseguido. Depois de alguns dias, Ann contou mesmo assim. A mãe ficou furiosa, mas os outros membros da família a convenceram a não começar uma confusão. Talvez estivessem preocupados que a mulher exigisse o dinheiro de volta, e este já havia sido usado para comprar comida. Algum tempo depois, a mesma coisa aconteceu novamente. Agora havia dois homens quando as fotos foram tiradas. Um deles era um turista de outro país. Ann era pequena demais para ousar dizer não a um adulto. Ela era muito jovem para entender que a vizinha a usava para ganhar dinheiro no comércio sexual infantil. Um dia, a mulher levou Ann e outras crianças para um hotel. Ali, elas seriam vendidas para homens mais velhos. Porém, antes que qualquer coisa acontecesse, a polícia invadiu. Eles vinham vigiando a mulher secretamente. Ela e os homens que queriam comprar as crianças foram presos. Hoje, Ann mora em um lar casa seguro para meninas vulneráveis. Ainda é perigoso para ela voltar para casa. – Costumo escrever cartas para minha família e falar sobre minha nova vida. Tenho muitos amigos e gosto de minha escola. Agora sei que o que aconteceu comigo foi uma violação dos meus direitos, que não foi culpa minha. E quero ajudar a proteger e empoderar outras meninas.

As crianças do júri Sesethu, Ann, Neeta e Kim em frente ao Castelo de Gripsholm, em Mariefred, Suécia.

SHAI, 15 ISRAEL Representa crianças que crescem em áreas de conflito e buscam o diálogo pela paz. “Quando eu tinha oito anos, minha família se envolveu em protestos por uma sociedade mais justa. Essa experiência me mudou e tornei-me mais parecido com o que sou hoje. Vi uma criança de doze anos fazer um discurso dizendo que nós, crianças, podemos fazer a diferença. No primeiro e segundo anos da escola, fui intimidado e tinha baixa autoestima. Nos últimos quatro anos, fui intimidado novamente, mas agora podia me defender porque aprendi caratê. Isso me ensinou a controlar a mim mesmo e ao meu humor. Eu jamais queria que alguém fosse ferido da forma como eu fui. Até chegar ao terceiro ano, eu pensava assim sobre a situação em Israel: Os árabes são maus e os judeus são bons. Mas quando disse isso à minha mãe, ela pegou um mapa e me ensinou mais sobre o conflito. Ela me fez entender que não é sobre o bem ou o mal, mas sobre diferentes maneiras de enxergar a história. Tento mostrar a meus amigos e aos jovens ao meu redor que não há lados bons ou ruins, que todos nós precisamos ajudar para que o conflito chegue ao fim. Mas nunca posso esquecer que moro em uma área de conflito, onde as pessoas estão sofrendo o tempo todo, de ambos os lados. Há muita morte e dor, e sinto que preciso estar alerta o tempo todo. Porém, sei que se as pessoas pudessem entender o que entendi no terceiro ano, conseguiríamos achar uma solução juntos, em vez de travar guerras inúteis. Como criança em Israel, sinto que no mundo adulto minhas mãos estão um pouco atadas, então fico com outras crianças e tento convencê-las a procurar paz em vez de guerra. Minhas visões são muito simples: Não estamos fazendo o suficiente. Ambos os lados precisam perceber que o objetivo deve ser a paz”.

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Sesethu conhece a rainha Sesethu, 14, cresceu no subúrbio de Khayelisha, na periferia da Cidade do Cabo, na África do Sul. Há muita pobreza, violência e crime, e Sesuthu, que é surda, precisa sempre ser cuidadosa. Quando foi intimidada por crianças ouvintes, ela não suspeitou que um dia faria parte do júri infantil do WCP e conheceria a rainha da Suécia... No júri, Sesethu representa crianças surdas e outras crianças com deficiências.

N

asci surda em uma aldeia rural, mas quando eu tinha seis anos de idade, nos mudamos para Khayelitsha porque meus pais precisavam procurar emprego. Um dia, enquanto víamos um jogo de futebol na TV em nossa casinha, um grupo de homens bêbados começou a brigar na rua. Meu pai acabou sendo baleado e morreu. Quando eu tinha nove anos, minha mãe ficou doente e morreu. Desde então, moro com minha avó paterna. Nossa casinha é simples. Não tem banheiro, mas é melhor que muitas casas aqui em Khayelitsha.

Perigoso andar de táxi Passo quase todo meu tempo na escola ou em casa. Não é seguro na minha área, e especialmente para nós, meninas surdas que não podem gritar por socorro. O ônibus escolar nos busca todas as manhãs. É muito perigoso, para nós, andar de táxi. Motoristas de táxi podem ser perigosos. No ano passado, minha amiga foi levada por um motorista de táxi. Quando voltou para a escola, ela contou que o motorista havia abusado dela. Muitas meninas surdas estão expostas a abusos aqui. Também há muitas brigas entre taxistas, e eles têm armas e atiram uns contra os outros.

Mesmos direitos Em minha escola, aprendemos sobre os direitos da criança por meio da revista O Globo e ensino outras crianças sobre seus direitos. Quero mostrar a elas e ao mundo

Foi intimidada Durante toda minha vida, crianças ouvintes me intimidaram. Elas não respeitam que eu falo por sinais, e fazem caretas e gestos feios. Sou surda, mas não idiota nem tenho vergonha de ser surda! Tenho orgulho de sê-lo! Espero que as coisas melhorem para nós, crianças surdas, no futuro, para que possamos sair e nos comunicar com as crianças ouvintes. Então, elas também poderão nos entender.

06h30 O ônibus escolar me pega. É extremamente perigoso para nós, crianças surdas, caminhar ou ir à escola de táxi.

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05h30 Levanto cedo e me lavo enquanto minha avó faz mingau para nós.


que somos iguais a crianças ouvintes e temos os mesmos direitos que elas. Se não recebemos oportunidades iguais, nos sentimos impotentes. Agora tenho orgulho em ser membro do Júri Infantil Internacional do Prêmio das Crianças do Mundo. Fui de avião à Suécia para encontrar meus parceiros de júri e os heróis dos direitos da criança que foram lá para receber seus prêmios. Nós, crianças do júri, conduzimos a cerimônia do WCP no Castelo de Gripsholm, em Mariefred. Durante a cerimônia, um vídeo* sobre mim foi exibido, e isso me deixou muito orgulhosa”.

17h00 Quando volto da escola, como mingau e ajudo a avó a lavar roupa.

08h00 Meu momento favorito é quando chego à escola. Todos os meus amigos falam a linguagem de sinais. Eu amo a escola! Aqui, estamos todos fazendo os sinais para “Eu te amo”.

21h00 Minha avó e eu vamos nos deitar. Nós compartilhamos a cama. Amo minha avó e acho aconchegante deitar com ela. Para mim, ela é meu nome que, em xhosa, significa: Meu presente!

 FOTOS: OLIVIA WINBERG & SOFIA MARCETIC

12h00 Gosto de esportes e de me mexer. Frequentemente praticamos futebol na quadra.

Obrigada, Sua Majestade! Fui escolhida para entregar nosso buquê de agradecimento à rainha Silvia da Suécia.

*Veja o vídeo sobre Sesethu em worldschildrensprize.org/sesethu

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Celebre os Direitos da Criança A convenção dos direitos da criança da ONU se destina a você e a todas as crianças menores de 18 anos. Todos os países, com exceção dos EUA, ratificaram (se comprometeram a seguir) a convenção. Portanto, eles devem sempre priorizar o que é melhor para as crianças e ouvir o que as crianças têm a dizer.

Fira barnets rättigheter Celebrate the rights of the child

Célèbre les droits de l’enfant

Princípios básicos da convenção: • Todas as crianças são iguais e têm os mesmos direitos. • Toda criança tem direito a ter suas necessidades básicas atendidas. • Toda criança tem direito à proteção contra abusos e exploração. • Toda criança tem direito de expressar suas ideias e ser respeitada. O que é uma convenção? Uma convenção é um acordo internacional, um contrato entre países. A convenção dos direitos da criança é uma das seis convenções sobre direitos humanos da ONU.

CHARLES DR AWIN

*Os EUA ratificaram a Convenção, mas ela não é juridicamente vinculativa.


A Convenção dos Direitos da Criança da ONU reúne uma ampla gama de direitos que se aplicam a todas as crianças do mundo. Aqui, apresentamos uma versão resumida. Artigo 1

Artigo 18

Artigos 28–29

Artigo 37

Estes direitos se aplicam a todas as crianças menores de 18 anos, no mundo inteiro.

Seus pais têm responsabilidade conjunta pela sua educação e desenvolvimento. Eles devem sempre pensar primeiro no que é melhor para você.

Você tem direito de ir à escola e adquirir conhecimentos importantes, como, por exemplo, o respeito pelos direitos humanos e por outras culturas.

Ninguém deve punir você de forma cruel e humilhante.

Artigo 19

Artigo 30

Você tem direito à proteção contra toda forma de violência, contra negligência, maus-tratos e abusos. Você não pode ser explorado(a) por seus pais ou outros responsáveis pela sua tutela.

As ideias e crenças de todas as crianças devem ser respeitadas. Você, que faz parte de algum grupo minoritário, tem direito à sua língua, cultura e crença.

Artigo 2 Todas as crianças são iguais. Todas as crianças têm os mesmos direitos e não devem ser discriminadas. Ninguém deve te maltratar por sua aparência, cor de pele, gênero, idioma, crença e opinião.

Artigo 3 Aqueles que tomam decisões que afetam as crianças devem, antes de tudo, pensar no que é melhor para elas.

Artigo 31 Artigos 20–21 Você, que foi privado(a) do convívio familiar, tem direito a receber proteção especial.

Artigo 7 Você tem direito a um nome e a uma nacionalidade.

Artigo 22 Se você for obrigado(a) a fugir do seu país natal, terá os mesmos direitos que as crianças do país que te receber. Se tiver fugido sozinho(a), terá direito a ajuda especial. Se possível, será reunido(a) à sua família.

Artigo 9 Você tem direito a viver com seus pais e crescer na companhia deles, desde que isso não seja prejudicial a você.

Artigo 23 Toda criança tem direito a uma vida digna. Se você é portador de deficiência, tem direito a apoio e auxílio extras.

Artigos 12–15 Toda criança tem direito de dizer o que pensa. Suas opiniões devem ser respeitadas em todas as decisões que lhe dizem respeito: no lar, na escola, junto às autoridades e nos tribunais.

Você nunca deve ser recrutado(a) como soldado e/ou participar de conflito armado.

Artigo 42 Toda criança e adulto deve conhecer a Convenção dos Direitos da Criança. Você tem direito a receber informações e a conhecer os seus direitos.

Artigo 32

Artigo 6 Você tem o direito à vida e a um desenvolvimento saudável.

Você tem direito a brincar, a descansar, ao tempo livre e a um ambiente saudável.

Artigo 38

Artigo 24 Caso fique doente, você tem direito a receber a ajuda e o tratamento médico necessários.

Você não pode ser forçado(a) a realizar trabalhos perigosos e prejudiciais à saúde, ou que prejudiquem seu desempenho escolar.

Artigo 34 Ninguém deve sujeitar você ao abuso ou obrigá-lo(a) a se prostituir. Se você for maltratado(a), tem direito a ajuda e proteção.

Saiba mais sobre os direitos da criança, sobre o direito de cada criança a reclamar e sobre as metas globais em worldschildrensprize.org

Artigo 35 Ninguém tem direito a raptá-lo(a) ou vendê-lo(a).

Celebre os 30 anos dos direitos da criança!

O direito de reclamar! Crianças cujos direitos tenham sido violados podem enviar queixas diretamente ao Comitê da ONU sobre os Direitos da Criança, se não tiverem recebido auxílio de seu próprio país. Isso foi possibilitado graças a um adendo relativamente novo à Convenção dos Direitos da Criança. Deste modo, crianças de países que aprovaram o adendo receberam melhores oportunidades de fazer ouvir suas vozes sobre seus próprios direitos. A Suécia ainda não o fez. Você e seus amigos podem entrar em contato com políticos e exigir que eles aprovem este adendo.

No dia 20 de novembro de 2019, a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança completa 30 anos. Neste dia, em 1989, a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança foi adotada.

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Como estão as crianças do Todas as nações que ratificaram a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança se comprometeram a respeitar os direitos da criança. Entretanto, violações são comuns em todos os países.

SOBREVIVÊNCIA E DESENVOLVIMENTO Você tem o direito à vida e a um desenvolvimento saudável. Também tem o direito de se sentir bem e de obter ajuda se estiver doente. A falta de comida, água limpa e boa higiene afetam a saúde de muitas crianças. Um milhão de crianças morrem já em seu primeiro dia de vida por causa de condições ruins quando a mãe vai alimentá-las. 1 em cada 7 crianças com menos de cinco anos no mundo está subnutrida. Isso afeta seu desenvolvimento por toda a vida. Muitas crianças, 15.000 por dia, morrem antes de completar cinco anos. Nos países pobres, mais da metade das crianças pequenas morrem de doenças

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que podem ser prevenidas, como pneumonia, diarreia, tétano e AIDS. A malária mata meio milhão de crianças com menos de cinco anos todos os anos. Apenas 5 em cada 10 crianças infectadas com malária recebem cuidados, e somente 5 em cada 10 crianças nos países mais pobres em que há malária dormem sob redes mosquiteiros. Porém, muitas coisas melhoraram: Desde 1990, a mortalidade infantil no mundo caiu para menos da metade!

NOME E NACIONALIDADE Ao nascer, você tem o direito de receber um nome e ser registrada(o) como cidadã(o) de seu país natal. A cada ano, cerca de 140 milhões de crianças nascem no mundo. Destas, 1 em cada 3 crianças nunca são registradas. Ou seja, não há nenhum documento que prove sua existência. Isso pode dificultar o acesso à escola ou ao atendimento médico, por exemplo!

CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIAS Você que tem uma deficiência tem os mesmos direitos que qualquer outra criança. Você que é deficiente auditivo, surdo ou tem alguma outra deficiência tem direito de receber apoio e desfrutar de uma vida plena, que possibilite sua participação ativa na comunidade. Crianças com deficiências estão entre as mais vulneráveis na sociedade. Em muitos países, elas não podem frequentar a escola. Muitas são tratadas como se tivessem menos valor e são escondidas. Cerca de 200 milhões de crianças no mundo têm alguma deficiência.

TRABALHO INFANTIL NOCIVO Você tem direito de receber proteção contra a exploração econômica e contra o trabalho prejudicial à sua saúde e/ou que te impeça de frequentar a escola. O trabalho é proibido para todas as crianças menores de doze anos. Nos países mais pobres do mundo, cerca de 1 em cada 4 crianças são forçadas a trabalhar. Para a maioria delas, o trabalho prejudica a segurança, saúde, desenvolvimento e escolaridade. 5,5 milhões de crianças são forçadas a entrar nas piores formas de trabalho infantil, como a escravidão por dívida, serem forçadas a tornarem-se soldados ou expostas ao comércio sexual infantil. Todos os anos, pelo menos 1,2 milhão de crianças são traficadas, algumas dentro de seu próprio país, enquanto outras são transportadas para países diferentes.

EDUCAÇÃO Você tem o direito de frequentar a escola. O ensino básico deve ser gratuito para todos. Cerca de 9 em cada 10 crianças no mundo frequentam a escola, mas 263 milhões de crianças ainda não recebem nenhuma educação. Destas, 63 milhões têm 6-11 anos. Atualmente, mais crianças do que nunca começam a frequentar a escola, mas muitas são obrigadas a parar antes de concluírem seus estudos. Entre aquelas que não vão à escola, mais de metade são meninas.


mundo? ERA DIGITAL O acesso à tecnologia e à Internet está aumentando, e é uma parte importante de poder se fazer ouvir e obter informações. Contudo, o acesso à internet e, por exemplo, a telefones celulares não é igualitário. Três em cada 10 crianças não têm acesso à Internet. O pior acesso está entre as crianças da África, onde 6 entre 10 crianças não têm acesso à internet.

PUNIÇÃO A prisão de crianças deve ser sempre o último recurso, e pelo menor tempo possível. Nenhuma criança deve ser submetida à tortura ou qualquer outra forma de tratamento cruel. Crianças que cometem crimes devem receber assistência e tratamento. Crianças não devem ser punidas com prisão perpétua ou pena capital. Pelo menos 1 milhão de crianças estão em prisões. Crianças presas frequentemente são maltratadas.

PROTEÇÃO NA GUERRA E NA FUGA Você tem direito a proteção e assistência humanitária em casos de guerra ou se precisar fugir. Crianças vítimas de conflitos e refugiadas têm os mesmos direitos que qualquer outra criança. Aproximadamente 28 milhões de crianças no mundo estão em fuga ou são refugiadas atualmente, esse número é muito maior que há poucos anos. A maioria das pessoas que são forçadas a fugir

de seu país se instalam em um país vizinho. Nos últimos 10 anos, pelo menos 2 milhões de crianças morreram em guerras. Seis milhões feriram-se gravemente, enquanto 10 milhões de crianças sofreram danos psicológicos graves. Um milhão perderam os pais ou foram separadas deles. Cerca de 300.000 crianças são exploradas como soldados, carregadores ou cavadores de minas. Mais de 1.500 crianças morrem ou são feridas por minas todos os anos.

MINORIAS E POVOS AUTÓCTONES Crianças de grupos minoritários ou de povos autóctones têm direito a ter seu próprio idioma, cultura e crenças. Exemplos de povos autóctones são os primeiros habitantes de seus respectivos países, como os aborígenes da Austrália e os inuítes da Groenlândia. Os direitos das crianças pertencentes aos povos autóctones e às minorias frequentemente são violados. Parte delas não podem falar seus idiomas. Outras não podem praticar sua fé ou amar quem quiserem. Muitas são discriminadas e não têm as mesmas possibilidades que as demais crianças, por exemplo, em relação à assistência médica.

MEIO AMBIENTE As mudanças climáticas causam mais seca, mais inundações, ondas de calor e outras condições climáticas difíceis. Crianças morrem e são feridas, mas as catástrofes naturais também podem aumentar a escassez de alimentos e água potável, e aumentar a propagação da diarreia e da malária, que afetam gravemente as crianças.

Mais de meio bilhão de crianças vivem em áreas que são afetadas por inundações frequentemente. 160 milhões vivem em áreas que correm o risco de uma seca severa.

VIOLÊNCIA E ABUSO Você tem direito à proteção contra qualquer forma de violência, negligência, maus-tratos e abusos. Uma em cada 3 crianças são submetidas a assédio moral (bullying) e/ou tratamento abusivo. 3 em cada 4 crianças no mundo com idade de 2–14 anos são submetidas a alguma forma de violência em casa. Muitos países permitem punição corporal nas escolas. Apenas 55 países no mundo proibiram todas as formas de castigo físico contra as crianças.

UMA VIDA DIGNA Você tem direito a moradia, alimentação, roupas, educação, atendimento médico e segurança. Mais de 1,3 milhão de pessoas, ou 1 em cada 7, vivem em pobreza extrema. Quase metade delas são crianças. Cerca de 100 milhões de crianças vivem na rua. Muitas delas têm a rua como seu único lar, outras trabalham e passam os dias na rua, mas têm famílias para as quais retornar à noite.

SUA VOZ DEVE SER OUVIDA! Você tem direito de dizer o que pensa sobre todas as questões que te dizem respeito. Os adultos devem ouvir as opiniões das crianças antes de tomar decisões, e a decisão deve sempre ser a melhor para as crianças. É esta a situação em seu país e no mundo hoje? Quem pode responder são você e as demais crianças do mundo!

CHARLES DR AWIN

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O caminho para a democracia Todos os anos, o programa do Prêmio das Crianças do Mundo é encerrado com vocês realizando sua própria Votação Mundial democrática. Acompanhe-nos em uma viagem no tempo, pelo crescimento da democracia no mundo. O que é democracia? Em algumas questões, talvez você e seus amigos pensem parecido. Sobre outras coisas, vocês pensam de maneiras totalmente diferentes. Talvez possam ouvir uns aos outros e discutir até chegar a uma solução que todos consigam aceitar. Então, vocês concordam e atingem um consenso. Às vezes, simplesmente têm que concordar sobre o fato de que discordam. Neste caso, a maioria, aqueles que estão em maior número, decide. Isso é democracia. Em uma democracia, todas as pessoas são iguais e têm os mesmos direitos. Todos devem ter uma chance de opinar e poder de influenciar a decisão. O oposto de democracia é ditadura. Neste caso, apenas uma ou algumas pessoas decidem tudo, e ninguém pode protestar. Em uma democracia, todos devem conseguir opinar e ter suas vozes ouvidas, mas também precisam fazer concessões e votar a fim de chegar a uma decisão. Democracia Direta é quando todos podem votar sobre determinado assunto, como a sua Votação Mundial sobre quem deve receber o Prêmio das Crianças do Mundo. Ou quando um país realiza um referendo sobre certa questão. A maioria dos países democráticos é governada por democracia representativa. Neste caso, os cidadãos escolhem seus representantes, políticos que dirigirão o país de acordo com a vontade do povo.

Decisões conjuntas Em todas as épocas, as pessoas sempre se reuniram para tomar decisões, seja no grupo, tribo ou aldeia. Poderia ser sobre a caça ou a agricultura. Alguns usam rituais para saber como o grupo deve discutir e tomar decisões conjuntas, como passar um objeto, por exemplo, uma pena, de mão em mão. A pessoa que segura a pena tem a palavra.

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Nasce a palavra democracia Em 508 a.C., a palavra democracia nasce, a partir das palavras gregas demos (povo) e kratein (governo). Todos os cidadãos da Grécia podem subir uma escada e dar sua opinião em coisas importantes. Se não conseguirem chegar a um acordo, as pessoas podem votar sobre o assunto pela contagem das mãos levantadas. Só os homens podem votar. Mulheres, pessoas escravizadas e estrangeiros não são considerados cidadãos e, portanto, não podem participar das decisões.

508 a.C.

Mulheres e pessoas escravizadas não votam Em 1789, a primeira constituição (lei fundamental) dos EUA é redigida. Ela afirma que o povo deve ter o controle sobre as decisões, e que as pessoas devem ter o direito de dizer e pensar o que desejarem. Contudo, a Constituição não se aplica a mulheres nem a pessoas escravizadas.

SÉCULO XVIII

1789

Governantes autocráticos

O voto dos ricos

No século XVIII, a maioria dos países é governada por um líder soberano. Na Europa, governam reis e imperadores autocráticos que ignoram a vontade do povo. Porém, pensadores começam a se interessar por ideias reinventadas de que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Eles perguntam: Por que alguns grupos devem ter mais poder e riqueza que outros? Alguns criticam a opressão dos líderes e argumentam que, se todos receberem mais conhecimento, eles descobrirão a injustiça da sociedade e protestarão contra ela.

Em 1789, acontece uma revolução na França. O povo exige liberdade e igualdade. As ideias da revolução se difundem amplamente pela Europa e influenciam o desenvolvimento da sociedade. Mas, ainda assim, apenas os homens são considerados como cidadãos. Além disso, os homens muitas vezes só podem votar e participar na política se forem ricos e proprietários de casas e terras.


A primeira democracia da África

Mulheres exigem direito de voto No final do século XIX, mais e mais mulheres exigem o direito de votar em eleições políticas. A Finlândia, em 1906, é o primeiro país europeu onde as mulheres conquistam o direito de votar. No Reino Unido e Suécia, isso demora até 1921. E, na maioria dos países da Europa, África e Ásia, demora até depois da Segunda Guerra Mundial, em 1945, ou mais, até que as mulheres obtenham o direito de voto.

Em 1957, Gana, na África Ocidental, torna-se livre e independente de seu colonizador, o Reino Unido. Kwame Nkrumah é o primeiro líder do país. A colonização da África, Ásia e América Latina havia começado centenas de anos antes. As grandes potências europeias enviaram militares e exploradores, que ocupavam as terras, roubavam os recursos naturais e escravizavam as pessoas.

A igualdade de todas as pessoas MUSEUM OF LONDON

A Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU é adotada. Ela afirma que todas as pessoas são iguais e têm os mesmos direitos e liberdades.

1856

1921

1947

1948

1955

1957

A primeira votação secreta

A maior democracia do mundo

Igualdade de direitos nos EUA

Em 1856, a primeira votação secreta com cédulas com os nomes dos candidatos impressos é realizada na Tasmânia, Austrália.

Em 1947, a Índia liberta-se do Império Britânico e se torna a maior democracia do mundo. A luta pela liberdade é liderada por Mahatma Gandhi, que acredita na resistência sem violência, a não-violência.

Em 1955, Rosa Parks, que é negra, se recusa a ceder seu assento no ônibus a um homem branco. Rosa é multada, porque no Sul dos EUA os negros não têm direitos iguais aos dos brancos. Eles também não podem frequentar as mesmas escolas que as crianças brancas e, às vezes, não podem votar. O líder da luta pelos direitos civis, Martin Luther King, inicia um boicote à empresa de ônibus. Este é o início de um grande movimento de protestos nos EUA contra o racismo e por igualdade de direitos e de liberdades.

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A Votação Mundial Democrática das Crianças

A Primavera Árabe

A Convenção dos Direitos da Criança é adotada A Assembleia Geral da ONU adota a Convenção sobre os Direitos da Criança, a Convenção da Criança. Ela declara, entre outras coisas, que toda criança tem o direito de expressar sua opinião e ser respeitada.

1989

Em 2010, um jovem pobre na Tunísia tem seu carrinho de hortaliças confiscado pela polícia e autoimola-se em protesto. Quando a notícia de sua morte se espalha, centenas de milhares de pessoas insatisfeitas vão às ruas protestar contra o ditador do país. Pessoas em países vizinhos se inspiram e derrubam os ditadores do Egito e da Líbia. Hoje, as novas democracias ainda são muito frágeis e vários dos países onde a primavera árabe aconteceu enfrentam grandes problemas.

1994

2010

Em 2018 e 2019 o programa do Prêmio das Crianças do Mundo é implementado pela décima oitava vez. Até aqui, mais de 42 milhões de crianças participaram e aprenderam sobre seus direitos e a democracia, conhecimentos necessários para cada nova geração. O programa auxilia você e seus amigos, por toda a vida, a ajudar na construção de uma sociedade onde a democracia se fortaleça e os direitos humanos e da criança sejam respeitados. Quando tiverem aprendido tudo sobre os direitos da criança e as contribuições dos heróis dos direitos da criança, é hora de preparar sua eleição democrática, a Votação Mundial. Seu voto é sua própria decisão. Nenhum amigo ou professor pode dizer em quem você deve votar. O escolhido pelos votos da maioria recebe o Prêmio das Crianças do Mundo pelos Direitos da Criança 2019!

2015

Novas metas globais Embora a democracia tenha sido implantada em um número de países maior que nunca, as pessoas sofrem com injustiça e opressão. Portanto, os líderes mundiais fizeram um acordo na ONU, em 2015, de lutar por 17 novas metas globais por um mundo melhor e mais justo.

Direito de voto para todos na África do Sul Em 1994, Nelson Mandela torna-se o primeiro presidente eleito democraticamente na África do Sul. Ele ficou preso durante 27 anos por sua luta contra o sistema racista de apartheid na África do Sul, que separava as pessoas com base na cor de sua pele. Na eleição de Mandela, pela primeira vez, todos os sul-africanos participam em igualdade de condições.

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2018–2019


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Hora da Votação Mundial Na Votação Mundial, vocês participam da decisão sobre quem receberá o Prêmio das Crianças do Mundo pelos Direitos da Criança. Vocês têm direito de voto até o ano em que completam 18 anos. Marquem a data do seu Dia da Votação Mundial logo que começarem a trabalhar com o programa do WCP, assim vocês têm tempo de sobra, de preferência semanas ou meses, para aprender sobre os candidatos e discutir os direitos da criança onde vivem e no mundo. Ninguém pode influenciar sua escolha, nem mesmo seus amigos, professores ou pais. A menos que você conte, ninguém deve conseguir descobrir em quem você votou. Todos que têm direito de voto devem ser incluídos no registro de eleitores, uma lista onde os nomes devem ser verificados e riscados quando a pessoa recebe a cédula de votação ou ao depositar seu voto na urna.

1 Convidem pessoas para seu dia! Convidem a mídia local, políticos e pais para compartilharem a experiência de seu Dia da Votação Mundial! 2 Façam urnas eleitorais imaginativas 3 Escolham pessoas para funções importantes • Os mesários marcam os nomes no registro de eleitores e distribuem as cédulas de votação • Os fiscais monitoram se tudo ocorre como deveria • Os apuradores fazem a contagem dos votos 4 Cabines eleitorais são essenciais Façam sua própria cabine de votação, ou peçam uma emprestada das eleições dos adultos. Entrem na cabine eleitoral um por vez, para que ninguém veja o voto alheio. 5 Tinta contra fraude Certifiquem-se de que ninguém possa votar duas vezes; por exemplo, marquem quem votou com tinta no polegar, uma unha pintada, uma marca na mão ou no rosto. Usem uma tinta que seja difícil de remover!

Nas páginas 20 –33, vocês podem se inspirar, visitando os Dias da Votação Mundial em diferen tes países.

6 Contem os votos Celebrem e enviem os resultados de todos os três candidatos ao WCP!

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Defendemos os direitos da – Durante a preparação para a Votação Mundial, aprendemos muito sobre os direitos da criança e a igualdade de gênero. Aprendemos que nós, crianças, podemos elevar nossas vozes e lutar por nossos direitos, tudo por conta própria! diz a embaixadora dos direitos da criança do WCP Glory, 13. Ela é encarregada da Votação Mundial na Escola Secundária Manyaira, em Chihota, Zimbábue, junto com suas amigas embaixadoras. Antes do início da votação, Glory apresenta seu poema sobre abuso infantil. Em Chihota, a Votação Mundial é um dia sério e solene, mas também uma grande festa pelos direitos da criança!

Glory

Urna eleitoral Os eleitores depositam suas cédulas no vaso de cerâmica, que se transformou em urna de votação. No tecido sob ela, muitos escreveram suas demandas de respeito pela igualdade de direitos das meninas.

(Você pode ler mais sobre Glory e os direitos das meninas no Zimbábue nas páginas 94–107)

Lutam por nossa liberdade “Hoje é um dia importante, porque votamos em pessoas que lutam por nossos direitos, nossa liberdade! O Prêmio das Crianças do Mundo me ensinou que o trabalho infantil é errado. Antes, eu não sabia disso. O trabalho infantil é tão comum aqui que parece completamente normal. É por isso que acho muito importante aprendermos sobre nossos direitos, para podermos nos proteger contra sermos exploradas.” Tapikanashe, 14

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Carimbo contra fraude Quando a cédula de votação é depositada na urna, sob a super­ visão de um fiscal eleitoral, a pessoa é marcada com tinta de carimbo no dedo mínimo. Assim ninguém pode votar duas vezes.

Todos devem frequentar a escola! “Hoje votamos em alguém que defende nossos direitos, e isso é muito bom. Aprendi muito sobre os direitos da criança ao participar do Prêmio das Crianças do Mundo, por exemplo, que todas as crianças têm o direito de ir à escola. Aqui, muitas crianças

órfãs não frequentam a escola por não poderem pagar após a morte de seus pais. É injusto. Muitas meninas não podem frequentar a escola porque são casadas. Onde eu moro, as meninas são forçadas a casar aos quinze anos de idade. O

WCP me ensinou que meninas e meninos têm o mesmo direito de ir à escola.” Tapara, 13


Aqui você recebe a cédula de votação

Fila para votar

Última leitura em O Globo

Segredo do voto

É importante saber tudo sobre os heróis dos direitos da criança antes da votação.

Na cabine de votação, ninguém deve te perturbar ou ver como você vota. Você tem direito à confidencialidade.

Oficial eleitoral Ele chama uma pessoa de cada vez à cabine de votação.

Hora de contar os votos! Os apuradores começam seu trabalho.

Espancados por coisas mínimas “No Zimbábue, meninas não têm o mesmo valor que rapazes. Muitas de nós são vítimas de abusos e maus-tratos. Frequentemente, somos impedidas de ir à escola. Hoje votamos nos candidatos ao WCP, que honram os direitos da criança. Talvez os candidatos possam vir aqui e nos ajudar também. Precisamos disso! O Prêmio das Crianças do Mundo nos ensina muito sobre nossos direitos. Eu

Nos ensina sobre democracia não sabia que era errado os pais espancarem seus filhos. Isso acontece o tempo todo aqui, por coisas mínimas. Agora sei que é contra nossos direitos. Portanto, o WCP é importante para nós. Quero ser piloto. Porém, se conseguir, eu vou cuidar dos meus pais e de outros parentes que são muito pobres. E comprarei roupas bonitas!” Rejoyce, 14

“Muitas crianças estão sujeitas a abusos. Muitas não recebem alimento suficiente, não têm o direito ir para uma casa dormir, e algumas quase não têm roupas. Trabalhamos com o programa do WCP e aprendemos muito sobre nossos direitos. Agora sei que temos direito a todas essas coisas, e que elas se chamam necessidades básicas. O WCP também nos ensinou como uma

eleição democrática funciona. Isso é muito importante!” Vimbainashe, 12

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 TEXTO: ANDREAS LÖNN PHOTOS: JOHAN BJERKE

das meninas!


Aguardavam O Globo quando Os alunos da nova escola de Upende vivenciaram muitos horrores, mas estão ansiosos para aprender sobre os direitos da criança e participar do programa do WCP.

 PHOTOS: TUZZA ALONDA/WCPF

Ensina crianças e adultos “Esperamos ansiosamente pela volta da revista O Globo à nossa escola. Sou embaixador dos direitos da criança e queria ensinar a outras crianças sobre o programa do WCP. Porém, um dia na escola ouvimos tiros. Logo entendemos que nossa aldeia havia sido atacada e corremos o mais rápido que pudemos para a floresta, onde nos escondemos para salvar nossas vidas. Tivemos que sobreviver nos alimentando das coisas havia lá. Os rebeldes invadiram nossa escola e se esconderam ali para matar pessoas. Eles destruíram a escola e incendiaram muitas casas. Fiquei sabendo que meu pai havia sido morto. Isso me deixou muito triste. Também pensei que agora eu não poderia continuar frequentando a escola. No rádio, ouvi que devíamos nos reunir em uma nova escola. Quando chegamos, ainda não havia paredes. Depois de um mês, a revista O Globo foi entregue em nossa nova escola. Como embaixadora dos direitos da criança do WCP, devo ensinar outras crianças da minha escola, mas também adultos, sobre os direitos da criança. Quando crescer, quero fazer o melhor para que os responsáveis pelo massacre aqui sejam processados”. Aselme, 13

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Aselme, 13, e seus amigos da aldeia de Upende, em Beni, na República Democrática do Congo, aguardavam a chegada da revista O Globo à sua escola para poderem participar do programa do WCP novamente. Porém, um dia quando estavam na sala de aula, ouviram o barulho de tiros vindo de casas na aldeia. Eles entenderam que deviam fugir e correram para a floresta. O grupo rebelde que veio à aldeia destruiu a escola e matou muitas pessoas. Quando a revista O Globo chegou, a nova escola das crianças ainda não tinha paredes.

Direito à escola e de brincar

A madeira não foi suficiente para esta parede inteira da nova escola. Quando chove, o interior da sala de aula fica molhado.

Todos são iguais

“Quando o tiroteio começou, corri para a floresta, onde me alimentei de frutos silvestres. Minhas irmãs e outras amigas foram abusadas pelos rebeldes e infectadas com doenças sexualmente transmissíveis. Mataram meu pai, e penso nele o tempo todo. Quando vieram aqui, os embaixadores dos direitos da criança nos ensinaram que temos o direito de ir à escola e brincar. Agora também sou embaixador dos direitos da criança do WCP e quero ensinar outras crianças sobre seus direitos e lutar para que outros não tenham que experimentar o que minha família sofreu”.

“Fugi junto com meus irmãos mais novos. Um homem armado maltratou minha irmãzinha. Quando meus pais chegaram, começamos Mathe, 14 em uma nova escola. Um dia, vi garotas e rapazes de outra escola chegando com a revista O Globo. Eles se chamavam embaixadores dos direitos da criança e nos ensinaram, e aos nossos professores, sobre o programa do WCP. Foi quando percebi que todas as crianças são iguais. Quero lutar para que o governo do nosso país assuma a responsaO grupo rebelde que matou bilidade pelas crianças e pessoas e incendiou casas respeite nossos direitos”. na aldeia também destruiu George, 13

a escola infantil de Upende.


a escola foi destruída

Aselme, no grupo da frente, Prince, no grupo da esquerda, Wivine, no grupo dos fundos, e Eugénie e Mathe, no grupo da direita, leem a revista O Globo sobre os direitos da criança em voz alta para seus colegas de escola.

Ensino crianças e pais “Todos os anos, lemos a revista O Globo na sala de aula e em casa. Eu estava ansioso para aprender mais sobre os direitos da criança, mas depois tive que

fugir da escola para salvar minha vida. Os embaixadores dos direitos da criança nos ensinaram que todas as crianças do mundo têm os mesmos direitos, como ir à escola, ter alimentos, roupas e água limpa. Continuarei defendendo os direitos da criança até o fim de minha vida. Educarei crianças sobre seus direitos e pais sobre o dever de respeitar os direitos da criança”! Prince, 15

Educa sobre direitos das meninas “Nós, alunos, temos um desempenho pior porque a situação na escola é muito difícil. Sou embaixadora dos direitos da criança em minha escola e minha aldeia. Educo crianças sobre seus direitos e especialmente sobre os direitos das meninas”. Wivine, 17

Aprendam a paz!

Uma das piores guerras do mundo A guerra na República Democrática do Congo dura mais de 20 anos e é uma das maiores e mais brutais guerras da história mundial. Mais de cinco milhões de pessoas morreram em ataques como em Upende, ou de fome e doenças que são consequência direta da guerra. Centenas de milhares de crianças foram forçadas a tornarem-se crianças-soldado, escravas sexuais dos guerreiros ou foram vítimas de estupro. Milhões de pessoas tornaram-se refugiadas em seu próprio país, e muitos milhões de crianças não frequentam a escola. O conflito de hoje começou após o genocídio no país vizinho, Ruanda, em 1994. Milhares de responsáveis pelo genocídio fugiram para as florestas do Congo, onde permaneceram. No Congo há riquezas enormes, como ouro e diamantes, mas também tungstênio e coltan, minerais usados em telefones celulares, computadores e jogos de computador. Grande parte da guerra é sobre quem controlará as minas e riquezas do Congo. Empresas da Bélgica, Reino Unido, Rússia, Malásia, China e Índia foram apontadas por comprarem minerais, comumente chamados de minerais de conflito, de vários grupos armados que violam os direitos da criança brutalmente, mantendo a guerra.

A casa de Eugénie foi bombardeada com granadas e incendiada. Sua família sobreviveu e agora mora em uma nova casa.

“Estávamos ansiosos para que a revista O Globo chegasse à escola, mas entramos na floresta onde eu e meus irmãos vivemos sem nada para comer ou beber por três dias. Ficamos muito felizes quando vimos que nossos pais sobreviveram. Os embaixadores dos direitos da criança vieram à nova escola com a revista O Globo. Graças ao programa do WCP, sabemos o quanto os direitos da criança são importantes. Continuarei educando meus colegas e professores sobre os direitos da criança e também ensinarei aos adultos de onde moro e nossos líderes. Quero espalhar a paz entre as crianças e dizer ‘Aprendam a paz!’ para os adultos”. Eugénie, 13 23


PAQUISTÃO

Votação Mundial em escolas para

Votação Mundial na escola de Irfan e Saima, onde os alunos vêm de famílias que se sustentam da coleta de papel e outros tipos de lixo. Todos os dias depois da escola, as crianças devem ajudar no trabalho.

O Globo me ensina sobre nossos direitos “Há dois anos, eu recolhia papel e outros tipos de lixo o dia todo. Então, abriram uma escola para nós. Inicialmente, meu pai não queria deixar-me começar lá, mas minha mãe o convenceu. A condição era que eu trabalhasse depois da escola todos os dias. Gosto muito de ir à escola e parece que minha vida melhorou agora. A escola termina ao meio-dia e vou para casa e comer, se minha mãe tiver algo para nós. Em seguida, saio para trabalhar. Eu vendo o que coleto a um fornecedor e entrego o dinheiro à mãe quando volto para casa. Costumo adormecer após fazer o dever de casa. Quero ser professor e abrir escolas para todas as crianças que vivem como eu. A primeira vez que recebemos a revista O Globo, ficamos muito felizes. Nosso professor lê para nós, e ouvimos com muita atenção. Aprendi muito sobre os direitos da criança e sobre os direitos das meninas. Acho tudo isso muito

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A fila para votar é longa. Antes de receberem suas cédulas de votação, as crianças precisam deixar suas impressões digitais.

Todos devem respeitar os direitos das meninas

importante para nós, crianças, que geralmente contamos sobre as histórias da revista O Globo para nossos pais. Minha mãe gosta muito delas. Crianças não devem trabalhar, mas sim ir à escola e, ao voltar para casa, devem poder brincar sem que ninguém lhes mande trabalhar. Todos deveriam ter sua própria casa e ninguém deveria mandá-los deixar suas casas como fazem conosco”. Irfan, 13, escola BRICK, Barkat Colony

“Nós coletamos lixo há muitas gerações. É um trabalho sujo, mas se não o fizermos, não temos dinheiro. Vou à escola de manhã, depois ajudo minha mãe a lavar pratos e saio para coletar lixo. Quando vendo o que recolhi a um fornecedor, ele geralmente lida comigo de um jeito ruim. Quando peço que pare, ele apenas ri. Aprendi com a revista O Globo que nós, meninas, temos direitos e que todos devem respeitar nossos direitos. Os homens muitas vezes insultam meninas e mulheres. Eles acham que nós, meninas, não

valemos nada. Muitas vezes eles espancam suas filhas e esposas. Se os meninos fazem algo estúpido, ninguém que os impede. Todo mundo diz às garotas que, se fizerem algo estúpido, serão espancadas ou mortas. Meu professor lê a revista O Globo para nós. Escutamos atentamente e gostamos do que ouvimos. É muito bom que as pessoas saibam mais e mais sobre os direitos da criança e os direitos das meninas. Gosto da revista O Globo, do programa do WCP e de participar da Votação Mundial. Conversamos sobre as histórias da revista O Globo com nossos pais”. Saima, 13, escola BRICK, Barkat Colony


escravos por dívida

Cabine eleitoral na olaria.

Votação Mundial na escola de Amir, onde muitos dos alunos votantes pertencem a famílias escravas por dívida na aldeia da olaria. Muitos alunos precisam, antes ou depois da escola, produzir centenas de tijolos por dia.

As crianças na olaria leem O Globo em urdu, impressa em preto e branco.

Nós, crianças, falamos do WCP o tempo todo “A dívida de meu pai com o proprietário da olaria nos impede de sair daqui. Somos muito pobres, e muitas vezes não temos comida. Nossa única possibilidade de conseguir dinheiro é fazer mais tijolos. Se tentássemos fugir, o pessoal do proprietário nos espancaria e contaria ao patrão, que poderia torturar e matar meu pai. Fazer tijolos desde é pequeno é uma vida sem alegria, mas agora minha vida é muito boa porque posso ir à escola. Mas tenho que fazer mais de 200 tijolos toda tarde, seis dias por semana, para ajudar minha família. As pessoas acham que meninas são menos dignas e que não precisam nos respeitar. Muitos aqui espancam meninas. Eles não querem que falemos e não mandam as filhas à escola.

Porém, em nossa olaria, as pessoas começam a mudar e não impedem mais as meninas de irem à escola. Gosto muito disso. Aprendemos com o programa do WCP sobre os direitos da criança e que eles devem ser respeitados. É um programa muito bom, que também ensinou todos a respeitar os direitos das meninas. Quando pego a revista O Globo, eu reúno meus amigos. Leio em voz alta, e eles ouvem as histórias. Minha avó senta perto de mim e me pede várias vezes para ler mais de O Globo. Aqui na olaria, quase todo mundo conhece o WCP porque nós, crianças, falamos disso o tempo todo. E eles veem quando participamos da Votação Mundial”. Nyha, 12, escola BRICK, Khokhar Brick Kiln

Agora entendo meus direitos “Nossa dívida com o proprietário é de 700.000 rúpias (6.000 dólares americanos). Ninguém consegue pagar essa quantia. Espero que eu possa ter uma educação e um emprego para poder pagar a dívida, e meus pais serem livres um dia. Quero ser médico. Vou com meu pai para a olaria às cinco da manhã para misturar o barro. Depois, faço 200 tijolos, corro para casa para comer e me apresso para a escola. Saio da escola à uma da tarde, como um pouco e, em seguida, faço mais 300 tijolos. Depois, meu pai e eu misturamos o barro para o trabalho do dia seguinte. Chego a

casa às seis horas e faço o dever de casa por duas a três horas. As pessoas não tratam bem meninas e mulheres. Estudamos em O Globo que meninas têm direitos, e acho que todas as pessoas deveriam respeitá-las. Gosto de participar do programa do WCP. Eu aprendo sobre os direitos da criança e sobre as histórias das crianças e ações por seus direitos. Agora compreendo meus direitos e contei tudo sobre isso a meu pai e ao resto da minha família. Eles também acham que é bom, e meu pai me dá mais apoio que antes. Gosto de ler sobre os heróis dos direitos da criança e decidi me tornar uma pessoa boa, como eles”. Amir, 14, escola BRICK, Majid Brick Kiln

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Hawuka

Caroline

Dulce

Aline

Catarina

Me chamam de advogada “Onde eu moro há muito abuso e as crianças não podem falar livremente. O WCP é muito importante, pois o abuso infantil e o tráfico estão aumentando aqui. Ser embaixadora dos direitos da criança significa espalhar a luz onde não há. Converso com famílias e vizinhos sobre os direitos que as crianças têm. Na minha classe, me chamam de advogada, porque sou pela igualdade. Vou continuar a ser agente de mudança, pois o que mais me interessa é mudar a mentalidade das pessoas”. Hawuka, 15, escola Comunhão na Colheita

WCP faz parte de mim “Os pais aqui não respeitam o direito das crianças de falar. Quando uma vizinha, que tem dez anos, tenta dizer alguma coisa, seu avô a espanca com força. O WCP faz parte de mim, é uma honra aprender mais e transmitir isso aos outros. Ensino a meninas e meninos como podem defender seus direitos. Eu falo especialmente com meninas e suas famílias. Aprendi que não devemos guardar informações sobre a violação de nossos direitos, mas contar o que houve”. Caroline, 15

Sinto-me como uma heroína “Aqui, meninos e meninas não têm direitos iguais. As meninas precisam acordar cedo e fazer todo o trabalho doméstico. Como embaixadora dos direitos da criança, conversei muito com os pais sobre como eles devem respeitar os direitos da criança.

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Todas essas meninas de Moçambique são embaixadoras dos direitos da criança do WCP e participaram do programa do WCP e do projeto Moçambique pelos direitos das raparigas.

Sinto-me como uma heroína quando ajudo outras crianças a não aceitar que seus direitos sejam violados. Foi o programa do WCP que me ensinou que todas as crianças têm direitos e que todos devem respeitá-los. Quando vejo uma criança sendo maltratada, eu denuncio e digo que não deveria ser assim. Realmente gosto da revista O Globo. Minha avó costumava forçar minha prima, que é órfã, a carregar baldes pesados de água, mas entendeu que isso era errado quando leu a revista O Globo!” Dulce, 12, escola 1 de Junho

Ajudo os outros “Uma menina aqui tem que fazer todo o trabalho doméstico e sempre chega atrasada à escola. Como embaixadora dos direitos da criança, sempre tento resolver esses problemas. Quando os ouvi dizerem à menina: “Se não trabalhar, você não receberá comida hoje”, eu disse a ela para trazer sua mochila e seu uniforme escolar e voltar para casa comigo. Pedi à minha mãe que lhe desse o desjejum antes de irmos à escola. Para

mim, ser embaixadora significa ajudar os outros, sejam meninas ou meninos. A revista O Globo nos ensina a não aceitar os problemas que nos rodeiam. Sinto que mudo as coisas em várias famílias. Uma menina veio morar com o pai e a avó e tinha que fazer todo o trabalho. ‘Com licença, nós, crianças, viemos pedir ao tio para ajudá-la a ir à escola’. No dia seguinte, estava tudo bem naquela família, e o pai começou a ajudar a filha com o trabalho”. Aline, 12

Nós, crianças, somos fortes juntas “O WCP me ensinou como fazer com que minha voz seja ouvida e quão fortes nós, crianças ficamos se elevarmos nossas vozes juntas! Sou embaixadora dos direitos da criança e ensino meus colegas sobre seus direitos. Desde quando eu era pequena, meus pais sempre me espancaram em vez de argumentar comigo. Porém, com o programa do WCP, isso mudou e meus pais começaram a conver-

Simeao

Nayla

sar em vez de me espancar. Antes do programa do WCP, eu tinha que fazer todo o trabalho doméstico para ajudar minha mãe. Mas agora meu irmão também tem tarefas domésticas”. Catarina, 16, escola Malangatana Valente Ngwenya

O Globo ajuda os pais a entenderem “Ensinei aos pais do lugar onde moro a respeitar os direitos da criança. Sinto-me bem quando posso ajudar meninas e meninos a conhecer seus direitos. Todos compartilhamos os mesmos direitos, e o programa do WCP é muito importante para proteger nossas meninas e reduzir violações de nossos direitos. Amo a revista O Globo porque ele ensina a muitas crianças que elas têm direitos. Minha mãe diz que, quando leem a revista O Globo, os pais entendem que não devem violar os direitos da criança”. Simeao, 12, escola 1 de Junho

Aqui para mudar “Meninas concordam em se casar porque não se atrevem recusar. Nós as ensinamos a se livrar do medo. Também fazemos com que os pais entendam que precisam mudar. É uma sensação boa quando ajudo outras meninas ou meninos a conhecer seus direitos. Como embaixadora dos direitos da criança, sinto-me como uma nova pessoa, que veio a um novo mundo para fazer mudanças. Nós, embaixadores, podemos lutar pela igualdade de direitos. Eu leio a revista O Globo em voz alta para meus irmãos mais novos e eles me fazem perguntas”. Nayla, 12, escola 1 de Junho


CAMARÕES BIRMÂNIA/MIANMAR

WCP contribui para igualdade na família “As regras da nossa família são que nós, meninos, devemos ajudar nossos pais no mercado, enquanto as meninas fazem o trabalho doméstico. Eu sou embaixador do WCP e decidi mudar as regras em nossa casa. Discuti isso com minha mãe e disse-lhe que é errado as meninas fazerem todo o trabalho doméstico. Portanto, decidi ir para casa depois da aula e ajudar minhas irmãs a fazer algumas das tarefas. Meu pai não gostou do que eu fiz, e isso causou várias discussões entre meus pais. Mas não desisti, e a questão foi levada à autoridade escolar. A pessoa responsável riu de meus pais e eles fizeram piada todos juntos sobre isso. Ela explicou a meus pais que o programa do WCP é sobre os direitos da criança e deu-lhes a revista O Globo. Isso trouxe calma à nossa casa e todos da família ficaram felizes. Meu pai começou a me pedir para preparar seu desjejum e lavar suas roupas. Meus irmãos também começaram a ajudar nas tarefas domésticas. Agradeço ao programa do WCP por mudar as atitudes de minha família e por tornar nossa casa calma e feliz!” Iwu, 11

Ensina aos adultos

Mais escola, menos cordas “A vida das crianças mudou muito aqui. Antes do programa do WCP, não tínhamos direitos. Agora, os adultos espancam menos as crianças e meus pais não me batem como costumavam fazer. As crianças eram obrigadas a trabalhar nos campos, mas quando ouviram falar sobre os direitos da criança e as atividades do WCP, pediram permissão a seus pais para irem à escola, pois é um direito que deveriam ter. Agora as meninas sabem mais sobre seus direitos e os pais entendem que meninas precisam ser apreciadas. Agora, meu irmão e irmã mais velhos trabalham juntos em casa, então as coisas melhoraram. Tornei-me agente de mudança através do programa do WCP e agora conheço e me preocupo mais com a vida de outras crianças”.

“Quero que minha aldeia respeite os direitos da criança. Nós, crianças, devemos lutar pela igualdade de gênero. Meninas e mulheres são oprimidas, então devemos tentar educar os homens. Agradeço ao WCP por conhecer meus direitos e ensinar outras crianças da aldeia sobre seus direitos. Às vezes, tenho que trabalhar no campo durante o horário escolar, mas vejo muitas crianças que não vão à escola porque têm que trabalhar nos campos, cuidar de seus irmãos mais novos e fazer todo o trabalho doméstico. Agora que esses adultos sabem mais sobre os direitos da criança, espero que a vida das crianças melhore. Quero ensinar aos adultos que meninas e meninos têm os mesmos direitos e o mesmo valor. Também quero ensiná-los a não desprezar pessoas pobres, não obrigar as crianças a se tornarem soldados e não prejudicar as crianças”. Embaixadora dos direitos da criança, Karen Crianças de várias escolas se reuniram para a Votação Mundial na escola Lay Nar Dern.

Embaixadora dos direitos da criança, Karen

SERRA LEOA

Afetou nossas vidas “Sou membro do Clube dos Direitos da Criança do WCP em minha escola, e a revista O Globo influenciou muito minha vida e as de meus amigos. Ela nos ensinou sobre todos nossos direitos, que não conhecíamos. Também mostra como podemos exigir respeito por nossos direitos. Por exemplo, sabemos através da revista O Globo que não são apenas os homens que podem falar e ter posições de poder na sociedade. Agora sei que também tenho o direito de expressar minha opinião e o direito de tomar decisões”. Nafisatu, escola Municipal Sylvanus

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Fila para votar na escola Bakarydougou, na Costa do Marfim.

O rapaz da direita tem seu nome riscado da lista de eleitores e recebe sua cédula de votação. O rapaz da esquerda recebe sua marca com tinta no dedo, para que não possa fraudar a eleição e votar duas vezes.

Votação Mundial na terra do cacau A Costa do Marfim é um país com muitas plantações de cacau. Muitas vezes, as crianças trabalham na colheita de cacau. Algumas delas vêm de países vizinhos e, às vezes, são muito maltratadas. Outras, como as crianças da aldeia de Bakarydougou, trabalham com seus pais e participam do programa do WCP e da Votação Mundial.

A caminho da urna eleitoral da Votação Mundial, que é construída na forma de carro.

Hora dos apuradores da escola Bakarydougou, sob supervisão dos fiscais eleitorais fazerem sua contribuição.

Certidão de nascimento para todos! “Conheço crianças aqui na aldeia que têm seus direitos violados, a maioria não tem certidão de nascimento. Algumas sequer têm uniforme escolar. De manhã, após escovar os dentes, varro o quintal, busco água e lavo pratos antes de tomar banho. Depois de comer, vou para o campo com minha mãe, exceto às sextas e domingos, pois nesses dias, lavo as roupas. Eu limpo a produção de geleias e colho os frutos de cacau com a ajuda de um facão. Quero ver as crianças da aldeia usando uniformes escolares e podendo comer até estarem 28

satisfeitas antes de irem para o campo trabalhar. Acima de tudo, quero que elas obtenham certidões de nascimento. O programa do WCP nos ensina sobre nossos direitos e a Votação Mundial ensina sobre tudo que pertence a uma eleição. Costumo falar sobre os direitos da criança com meus amigos, tanto os que frequentam a escola quanto os que não estudam. A revista O Globo ensina muito às crianças e ensinou muito sobre as vidas de outras crianças”. Larissa, 10, embaixadora dos direitos da criança, escola EPP Bakarydougou


GUINÉ BISSAU

Professores nos espancam

Na cabine eleitoral, os alunos de Bakarydougou preservam o segredo do voto. Ninguém sabe em quem outra pessoa vota.

“Eu realmente gosto de ler a revista O Globo, que me ensinou muitas coisas importantes. Na escola onde tenho aulas extras, os professores espancam os alunos. Às vezes, tenho medo quando vou lá. Uma vez, contei a meu professor daqui como os professores de lá expõem os alunos à violência física e psicológica. Ele disse que quem permite que isso aconteça deve ser punido. Li na revista O Globo que devemos proteger as crianças da violência e do abuso, mas os professores daquela escola, huumm! fazem o oposto”. Fernando, 10, escola Professor José de Sous

O Globo é como uma descoberta “Trabalho na plantação de cacau com meus pais, limpando com um facão, colhendo frutos do cacau e carregando-os. Às vezes, trabalho garimpando ouro com meu pai e minha tia. Eu cavo um buraco com uma ferramenta e, quando a terra sobe, a lavamos em água para procurar ouro. Precisamos educar os pais para que eles deixem seus filhos irem à escola e ajudem a construir edifícios escolares, como um refeitório. Meu desejo é ver todas as crianças na escola para obter conhecimento. Em minha cidade não é assim. Algumas meninas se casam cedo porque seus pais não têm conhecimento da importância da escola ou de todos os perigos do casamento precoce.

Anteriormente, eu não conhecia meus direitos, mas graças ao WCP, agora os conheço e aprendi a falar sobre eles a meus amigos. Gosto do programa do WCP, ele me ensina como as crianças vivem no mundo. Para mim, a revista O Globo é uma descoberta importante que me ensina sobre os direitos da criança. Mostrei a revista O Globo a meus pais e irmãos. Eles gostam que eu a leia, mas meus pais acham que é mentira que crianças possam fazer tudo que está lá”. Paul, 14, escola EPP Bakarydougou

Quer salvar as meninas do casamento infantil “Moro perto de um centro para garotas forçadas a casar com homens mais velhos, e foi através delas que conheci a revista O Globo e pude participar da Votação Mundial. Algumas delas conseguiram fugir para a polícia e pedir ajuda, e depois vieram para o Centro AMIC. Eu costumo visitá-las e fiz amigas que contam como foram torturadas até aceitarem o casamento a que seus parentes as forçaram. Quando conheci uma menina de 12 anos que foi obrigada a casar com um homem de 60 anos, fiquei muito triste. Isso me fez sonhar estudar direito para me tornar juíza no futuro, a fim de poder julgar aqueles que o fazem, violando os direitos das meninas”. N’Dei, 13, escola Domingos Ramos

Hora do resultado da eleição.

GUINÉ

Todas as crianças são iguais “Minha mãe me ajudou a deixar a pobreza na aldeia para morar com minha tia na capital e poder continuar estudando. Aqui, tenho que fazer tarefas domésticas o tempo todo e isso afeta meus estudos, especialmente durante o período de testes. Não entendo porque os direitos das meninas são violados, uma vez que todas as crianças têm os mesmos direitos, independentemente de serem pobres. O WCP nos mostra que todas as crianças são igualmente dignas e que podemos defender nossos direitos e permitir que outros nos protejam”. Aminata 29


Sou agente de mudança “Os adultos não escutam quando tento dizer minha opinião. Não posso brincar ou descansar se não tiver terminado todas as tarefas domésticas. A violação mais comum dos direitos da criança aqui é que as crianças não podem ir à escola. As meninas não são consideradas iguais aos meninos. Temos que cozinhar, lavar pratos e limpar a casa. Portanto, não temos tempo para brincar. Precisamos que os pais respeitem igualmente os direitos de todas as crianças. Através do trabalho com o WCP, eu e meus amigos compartilhamos nosso conhecimento e experiência. Aprendi sobre os direitos da criança, que eu não conhecia antes, heróis que lutam por crianças, a história da democracia, e que tenho o direito de expressar minha opinião democrática livremente. Levo a revista O Globo para casa e deixo meus pais lerem, porque eles são curiosos! Vejo-me como agente de mudança. Como embaixadora dos direitos da criança, pretendo lutar pelo melhor para as crianças”. Jacqueline, 15, Ecole Kamboincé

Mostrar O Globo ao presidente “Todos os meus direitos são respeitados, exceto o direito de expressar minha opinião. Aqui, quando adultos falam, as crianças não podem dizer nada. Mas sou embaixadora dos direitos da criança com orgulho, e digo a todos que eles devem respeitar os direitos da criança e a democracia! Mostro a revista O Globo para pais e para meus amigos. Eles gostam, porque adquirem novos conhecimentos sobre seus direitos. Muitos acham que devemos mostrar O Globo a nossos políticos locais, então por que não ao presidente de Burkina? Quando crescer, serei agente de mudança, assim como os heróis dos direitos da criança”. Aida, 10, Ecole Privée Chayaf

Não ao casamento infantil “Onde eu moro, não podemos brincar como queremos. Não somos protegidas contra a violência nem podemos nos expressar. Quando quero falar, os adultos me mandam calar. Meninas e meninos são tratados de forma diferente. Sou líder do clube dos direitos da criança em minha escola e falo sobre os direitos da criança lá. Explico que democracia significa ouvir os outros e decidir as coisas juntos. Nosso clube organizou o Dia da Votação Mundial. Foi bom votar em uma eleição onde somente crianças podem participar. Nos revezamos em levar a revista O Globo para casa. Fico aborrecida quando não é minha vez! Meus irmãos e irmãs leem a revista e conversamos sobre o que lemos também com nossa mãe! No futuro, quero construir um lar para meninas que não querem seguir a tradição e recusam o casamento infantil”. Djamilla 10, Ecole Privée le Messager

A família toda As crianças em Burkina Faso gostam da revista O Globo e do Prêmio das Crianças do Mundo, e quatro coisas estão claras: os direitos das meninas precisam ser mais respeitados, as famílias leem O Globo juntas, as crianças ensinam aos pais sobre os direitos da criança e sobre a igualdade de direitos das meninas.

Vizinho emprestou O Globo “Algumas garotas são forçadas a trabalhar como empregadas domésticas. Elas trabalham sem descanso por um longo período e sequer recebem pagamento. Isso é errado! Muitas meninas são obrigadas a se casar cedo e abandonar a escola. Fiz muitas coisas com o programa do WCP, desde ler histórias até participar de uma conferência de imprensa. Temos um clube dos direitos da criança na escola, e fui treinada como embaixadora dos direitos da criança. Todos na minha família leem a revista O Globo, e até nosso vizinho a pegou emprestada. Depois, nós debatemos! É a primeira vez que eles ouvem falar sobre os direitos da criança, e isso é importante! Como embaixadora dos direitos da criança, pretendo lutar sempre pelos direitos da criança. Quando crescer, quero ajudar crianças com deficiência, pois elas frequentemente são maltratadas. Quero lutar por sua igualdade de direitos”. Nancy Ariane, 10, Ecole Privée le Messager

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Bibata conduz a reunião do Clube de Direitos da Criança do WCP no CEG Tanghin Barrage.

O WCP ensina minha família “Nunca tenho tempo para brincar porque sou menina. Mandam-me lavar roupas. Quando termino isso, tenho que cozinhar. E, depois de lavar os pratos, tenho que varrer. Algumas crianças não podem sequer ir à escola nem estar com outras crianças. É como se estivessem na prisão. Muitas meninas não recebem educação e são enviadas para se casar. Fico feliz em participar do programa do WCP. Aprendi muitas coisas novas, como que democracia é o direito de escolher por si mesmo, sem ser enganado. Sou embaixadora dos direitos da criança e defendo os direitos da criança. Em casa, leio O Globo para minha família. Eles aprendem sobre os direitos da criança, e nós conversamos muito sobre isso”. Anabelle, 11, Ecole Kamboincé

O Globo é baú do tesouro

lê O Globo! WCP é vacina para uma vida melhor “No programa do WCP em minha escola, pude encenar partes da vida de um dos heróis dos direitos da criança e ajudei minha amiga, que é embaixadora dos direitos da criança, a falar sobre os direitos da criança para outras crianças e pais. No Dia da Votação Mundial, aprendi que a maioria pode decidir! Eu levo a revista O Globo para casa e leio junto com meus pais e irmãos. Aprendemos que existem pessoas que ferem as crianças, mas que também há pessoas que ajudam crianças. A revista O Globo é como um antídoto, uma vacina, que melhora a vida das crianças”. Yves, 13, Ecole Kamboincé

“Onde moro, muitas meninas precisam trabalhar muito duro. Alguns adultos se deitam com garotinhas. Algumas meninas que trabalham devem dar todo seu salário aos pais, mas mesmo assim mal têm o que comer. Deixo amigos e familiares lerem a revista O Globo. Um amigo não quis devolver, pois queria mostrá-la em sua escola. A revista O Globo é um baú do tesouro! O WCP é bom porque fornece conhecimento sobre direitos e obrigações. Vejo-me como uma agente de mudança, pois defendo os direitos da criança. Explico à minha mãe que meninas e meninos têm os mesmos direitos. Quando votei no Dia da Votação Mundial, senti-me alguém que luta pelos direitos da criança!” Estelle, 12, Ecole wa Malgba de Palgré

Durante as reuniões dos Clubes dos Direitos da Criança do WCP, as crianças leem a revista O Globo e discutem questões sobre direitos da criança, igualdade de direitos das meninas e democracia.

É educado para o futuro “Meu direito de dar minha opinião não é respeitado. Onde eu moro, algumas crianças são espancadas e não têm o suficiente para comer. As meninas têm que trabalhar mais que os meninos e nunca podem descansar. Como embaixadora dos direitos da criança, ensino meus pais, líderes locais, professores e crianças de onde moro sobre os direitos da criança e o direito de escolher livremente. O WCP nos educa para o futuro e para um mundo onde os direitos das crianças sejam respeitados”. Germaine, 11, Ecole Privée primaire Txingudi vida 31


NEPAL

SENEGAL

Me ensinou a ajudar os outros

Com o WCP, o casamento infantil desaparece

“Em minha cidade, os direitos da criança são respeitados, mas isso não significa que as crianças que vão à escola recebam alimentos nutritivos. Para acabar com o trabalho infantil, posso denunciar quem deixa uma criança trabalhar. O programa do Prêmio das Crianças do Mundo me influenciou muito e ensinou a ajudar quem precisa de ajuda. Eu trouxe o livro O Globo para casa. Minha mãe também leu e disse que podemos aprender muito com este livro. Vou começar a defender os direitos da criança e continuar por toda a vida”.

“O programa do WCP me deu muito conhecimento sobre os direitos da criança, e abre caminho para meus estudos continuados. Depois de três anos com o WCP, o casamento infantil na aldeia começou a desaparecer, embora alguns pais ainda casem suas filhas”. Koursouma, escola Toufndé Gandé

Kamana, 15, escola Shree Tapeshwor

BENIN

Posso mudar “Quando for adulta, pretendo continuar lutando para proteger as crianças do abuso, da escravidão e da violência sexual, especialmente as meninas, que são mais vulneráveis. Através do WCP, aprendi mais sobre meus direitos e o que posso fazer para criar mudanças”. Hermione, 15, embaixadora dos direitos da criança, escola Alfred Wesphal

Quer ser voz de meninas vulneráveis

“Após o treinamento de embaixadora dos direitos da criança, sintome pronta para defender os direitos da criança e me tornar uma voz para as crianças que não são ouvidas. Isso é especialmente verdadeiro para meninas, que são frequentemente discriminadas, e até vítimas de abuso. Participarei da implementação do programa do WCP em minha escola. Nós aprendemos como a democracia funciona, então estou ansiosa pelo Dia da Votação Mundial!” Ramdiniath, embaixadora dos direitos da criança, escola La Gaité TANZÂNIA

Obteve coragem para lutar “Minhas irmãs menores têm que ir à escola de manhã cedo e só chegam em casa depois das seis. A distância até a escola obriga muitos a saírem cedo. Outro problema é o casamento infantil. Muitas meninas da minha idade já são casadas. Obrigam-nos a isso ou temos que fazê-lo quando engravidamos. O programa do WCP me dá força para continuar. Porque se eu desistir, todas as minhas irmãs também desistirão. Sou eu quem certifico que elas tenham livros escolares e saiam todas as manhãs. Meus pais são idosos demais. Por meio do WCP, também educamos os adultos para que não mandem suas filhas casar. Explicamos a todos na aldeia que as crianças têm o direito de ir à escola e que o casamento infantil pode ter sérias conse- quências para a vida e a saúde de suas filhas. Estou feliz porque o WCP deu a mim e a outras meninas a coragem de lutar por nossos direitos”. Thillo, 17, Lycée de Galoya

Fez meu pai mudar “Meu pai permite que eu e todos os meus irmãos estudemos. Sem o WCP, ele nunca concordaria com isso”. Coursoum, 13, escola Toufndé Gandé

WCP muda todos na aldeia

Votação Mundial na escola Engilang’et para crianças masai na Tanzânia.

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“Meu pai queria que eu seguisse a tradição da família: Abandonar a escola e começar na escola do Corão de nossa cidade. O WCP me fez querer ir à escola e, para minha grande surpresa, meu pai me acompanhou até o outro lado do rio no dia dos testes e me desejou boa sorte nas provas! O WCP realmente muda todos em toda a aldeia!” Abou, 14, escola Toufndé Gandé


REPÚBLICA DO CONGO

Somos todos iguais “Eu e meus irmãos lemos a revista O Globo desde o sexto ano. Ela nos ajudou a crescer com dignidade, porque sabemos que, embora sejamos crianças, todos temos os mesmos direitos e somos iguais. Nossos pais entenderam nosso compromisso com o WCP e nos incentivaram a participar da Votação Mundial”. Bénie, 15, escola La Fraternité, República do Congo Votação Mundial na escola JPE Mikalou, na República do Congo. GANA

FILIPINAS

O WCP une crianças Fila para votar e contagem de votos na escola Gemstar, em Gana.

“O programa do WCP desempenha um papel importante na vida das crianças, para que elas sejam ouvidas. Ele uniu crianças de todo o mundo para elevar suas vozes contra o abuso e a exploração de crianças e contra todas as formas de violência. Como agente de mudança, quero usar o conhecimento que recebi desse programa para inspirar outras crianças a lutar por nossos direitos”. Marsida, 16, escola Mangelen

Ensina-nos a fazer o bem “O programa do WCP ajuda crianças como eu a ouvir as vozes de crianças que precisam de ajuda. Fazer parte do WCP é o melhor para nós, crianças, porque nos ajuda a conhecer nossos direitos e nos ensina a fazer boas contribuições aos outros. Espero que um dia eu possa ajudar crianças vítimas de abuso”. Trisha, 11, escola Alabel Central

TOGO

Quer mudar velhos hábitos

Voz de meninas vulneráveis

“Todo santo dia discutimos violações dos direitos humanos, falta de respeito pela democracia e questões ambientais com nossos amigos no Clube do WCP e nossos professores. Fizemos campanhas em muitas aldeias. O WCP nos tornou agentes de mudança e vamos trabalhar para mudar velhos hábitos e por um mundo melhor”.

“Lutamos para que não haja mais crianças que não podem fazer ouvir suas vozes. Quando falamos sobre crianças sem voz, queremos dizer nossas amigas que estão sujeitas à violência e ao abuso sexual. Quando a revista O Globo chegou aqui, recebemos inspiração dos textos sobre os direitos da criança e as histórias das crianças. Lutamos ainda mais pelo fim dos horrores que forçam meninas a abandonar a escola e destroem seu futuro. E a revista O Globo realmente é uma arma que nos ajuda a conseguir isso em nossas escolas”.

Justine, 11, escola ELP Sinou

Elate, 12, escola CEF Lankouvi

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POR QUE SPÈS É NOMEADA?

Heroína dos direitos da criança nomeada

Spès Nihangaza

PÁGINAS 34–51

Spès Nihangaza é nomeada ao Prêmio das Crianças do Mundo porque luta há mais de 25 anos para ajudar os órfãos e as crianças mais vulneráveis do Burundi. No terceiro país mais pobre do mundo, o Burundi, uma em cada cinco crianças é órfã, ou seja, cerca de 700.000 crianças. Quatro em cada 10 crianças nunca foram registradas no nascimento, o que dificulta seu acesso a cuidados de saúde, à escola ou a herdar propriedades. Spès e sua irmã Caritas cresceram acreditando que devem-se ajudar os doentes e os fracos. Em 1992, quando começaram a cuidar de crianças que ficaram órfãs em decorrência da AIDS, elas fundaram a organização FVS, hoje chamada FVS Amade. O massacre durante a longa guerra civil, iniciada em 1993, deixou muitas crianças órfãs. Spès e a FVS trabalharam para proporcionar novos lares a essas crianças. A FVS administra um internato, um centro, e clínicas para crianças de rua; ajuda as crianças a frequentarem a escola e obter cuidados de saúde e administra um fundo de seguro social para famílias pobres. A FVS criou um sistema de 1.700 grupos de solidariedade onde aldeões se unem e pagam quantias em dinheiro, que depois são usadas para empréstimos quando eles desejam iniciar pequenos empreendimentos, para cuidados médicos,, uniformes escolares e material escolar para as crianças. Famílias pobres recebem apoio, crianças órfãs são unidas a pais adotivos e recebem auxílio para ir à escola. Spès também criou um sistema de grupos de direitos da criança, que ajudam crianças que tiveram seus direitos violados e fornecem assistência legal e psiquiátrica. Spès às vezes é chamada de “Mãe de 50.000 filhos” porque ela e a FVS Amade ajudam tantas crianças a terem uma vida melhor.

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Spès Nihangaza e sua irmã mais velha, Caritas, foram criadas com a ajuda de outras pessoas. Quando ajudavam doentes em um hospital na capital Bujumbura, no Burundi, elas logo entenderam que os filhos dos pacientes também precisavam de ajuda. Por isso, criaram a FVS, que hoje trabalha para proteger os direitos da criança em todo o país.

T

udo começou quando dois tios de Spès adoeceram no final de 1989. Spès havia se formado farmacêutica recentemente e trabalhava em uma farmácia. Sua irmã mais velha, Caritas, trabalhava como enfermeira. As duas, junto com seus sete irmãos, estavam acostumadas a cuidar dos outros. Na casa de seus pais, a porta estava sempre aberta para quem precisava. O avô de Spès frequentemente contava a ela como seu tetravô materno cuidara de crianças órfãs depois que sua aldeia sofreu uma epidemia fatal.

Vários primos de Spès também moravam na casa dos pais de Spès, pois tinham ficado órfãos ao perder os pais em um acidente de carro. O pai e a mãe de Spès diziam que os filhos tinham que dividir comida e abrigo com parentes ou vizinhos que precisavam de ajuda. Portanto, não era de admirar que toda a família ajudasse os dois tios quando estes adoeceram. Os irmãos e primos organizaram um cronograma para os tios terem visita todos os dias. Eles traziam comida e ajudavam a lavar, barbear e aparar o cabelo e unhas dos

tios. Também traziam roupas limpas e sentavam-se para conversar com eles. Ninguém sabia que tipo de doença os tios tinham. Um dia, quando Spès foi ao hospital, ela viu que os outros pacientes a seguiam com os olhos. – Querido tio, por que todos me olham assim? perguntou. – Bem, toda vez que vocês vêm aqui, eles só esperam sua saída para obter alguns dos alimentos que vocês trazem. Quase ninguém mais aqui recebe visitas.

Muitas crianças Quando chegou a casa,


O D O ELH A LT O M VO ND EM U A M ID M RR R U CO P O BO O

GL

R

 TEXTO: ERIK HALKJAER FOTOS: JESPER KLEMEDSSON

Spès contou o que havia descoberto aos outros membros da família. Eles decidiram levar um pouco mais de comida, mas não importava quanta comida levassem, nunca era suficiente. A irmã mais velha, Caritas, começou a visitar a ala feminina do hospital. Ela viu que várias mulheres tinham os filhos consigo, pois ninguém mais podia cuidar deles.

Para ajudar o maior número de pacientes possível, Spès, Caritas e os outros irmãos e primos perguntaram a seus amigos, vizinhos e colegas se podiam ajudar. Logo, havia um grupo muito maior do que apenas a família voluntariando-se no hospital. A irmã mais nova de Spès, que estudava medicina, conseguiu um bom contato com os médicos do hospital. Um dia, eles contaram que os tios doentes e muitos outros pacientes tinham AIDS.

Ajudem nossas crianças

Então chegou o dia em que uma mulher morreu e deixou uma garotinha solitária.

Crianças que ficaram órfãs em consequência da AIDS, do massacre durante a guerra civil ou por outras razões sempre tiveram uma amiga em Spès.

– O que faremos agora? perguntou Caritas. – Precisamos juntar todos para uma reunião, disse Spès. Eles anunciaram em jornais, no rádio e em diferentes igrejas procurando alguém que desejasse cuidar da menina. Durante seis meses, ela ficou com a família de Caritas. Depois, a tia da menina telefonou e ela se mudou para lá. Cada vez mais pacientes queriam que Spès, Caritas e os outros os ajudassem a cuidar de seus filhos quando morressem. Alguns pacientes também queriam pagar por toda a ajuda que recebiam. – Temos que fundar uma organização, Spès disse a Caritas. No final de 1992, Spès e Caritas fundaram a FVS (Famille pour vaincre le Sida, Família pelo combate à AIDS). Com o dinheiro que recebiam, elas compravam comida e

Spès e sua irmã mais velha Caritas (à esquerda de Spès) cresceram em uma casa onde sempre ajudavam os doentes, os pobres e os fracos. Elas continuam a fazê-lo por toda a vida. Aqui, visitam um grupo de solidariedade cujos membros cuidam de órfãos e os ajudam a ir à escola em um sistema criado por Spès.

pagavam a escola para os filhos dos pacientes.

Recebe mais ajuda

Quando o governo do Burundi começou a fornecer assistência médica barata aos pobres, a FVS ajudou a distribuir cartões de saúde. O contato com o governo levou Spès a ser convidada para reuniões com outras organizações. – Gostei de como você me contou sobre sua maneira de trabalhar, disse uma mulher da Suíça. Spès agradeceu, mas a mulher começou a falar sobre algo chamado projeto. 35


– Desculpe, eu não entendo o que você quer dizer quando fala sobre projeto, disse Spès. – Vocês não trabalham com projetos? Mas como buscam dinheiro para fazer seu trabalho? pensou a mulher. Se eu perguntasse o que vocês fariam se tivessem dinheiro, o que responderia? – Daríamos comida aos filhos dos doentes para que possam ir à escola, disse Spès. A mulher ensinou Spès a escrever uma proposta de projeto e prometeu conseguir dinheiro. Não havia como parar o HIV e a AIDS, mas em 2001 a Organização Mundial da Saúde (OMS) decidiu que todas as pessoas infectadas pelo HIV no Burundi receberiam remédios gratuitos que impediriam que o vírus se transformasse em AIDS. A FVS tornou-se uma das organizações que distribuía os medicamentos. Spès e Caritas abriram a primeira clínica da FVS, onde pessoas infectadas

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pelo HIV recebiam assistência médica, medicamentos e apoio psicológico.

Mais órfãos A organização que Spès e Caritas fundaram em 1992 agora fazia muito mais do que cuidar dos doentes. No final de 1993, o Burundi sofreu uma

longa guerra civil. Muitas crianças ficaram órfãs. A FVS buscou novos lares para elas, assim como para os filhos dos pacientes que morreram. Os pais adotivos das crianças precisavam de dinheiro para comprar comida, roupas e pagar a escola para as crianças. Foi assim que Spès teve a ideia

– Se uma criança recebe educação, ela pode conseguir emprego e sair da pobreza e, então, mais crianças podem frequentar a escola, diz Spès.

dos grupos de solidariedade da FVS, Nawe N’uze. Os membros dos grupos de solidariedade compram ações ou suas afiliações como membros. Com ajuda do dinheiro, as crianças podem obter uniformes escolares e material escolar, os adultos podem pegar emprestado para projetos de pequenos empreendimentos e também há dinheiro para cuidados médicos, se algum dos membros ou crianças ficarem doentes. O mais importante para Spès é que os adultos ganhem dinheiro para poderem investir mais em seu grupo de solidariedade e ajudar mais crianças.

Mãe de 50.000 crianças Spès às vezes é chamada assim porque ela e a FVS Amade ajudam tantas crianças a obterem uma vida melhor.


– Quando frequentam a escola, as crianças podem aprender coisas para reduzir o risco de adoecer ou contrair HIV. Elas recebem educação, podem ir à universidade e conseguir empregos para ajudar suas famílias. Se um membro do grupo de solidariedade ou uma criança consegue sair da pobreza, mais crianças podem frequentar a escola. Por meio do Nawe N’uze, plantamos as sementes para o futuro, diz Spès.

Boa ideia nasce Certa vez, Spès conheceu uma mulher idosa cuja filha havia sido abusada e teve um bebê que não queria. A filha deu a criança para sua mãe e desapareceu. Quando Spès conheceu a mulher, a criança estava muito doente. A mulher contou que o médico disse que a menina precisava tomar antibióticos. Eram necessárias duas caixas de pílulas, mas a mulher só tinha condições de comprar uma caixa. Ela poderia comprar a segunda caixa

quando vendesse hortaliças, mas estas seriam colhidas somente em alguns meses. Spès viajou para casa, reuniu a direção da FVS e apresentou sua ideia. Eles decidiram criar um seguro de saúde para as pessoas que ajudavam. Assim, a mulher não precisaria esperar pela colheita para comprar remédios para a neta que precisava de ajuda agora. – Quando vejo alguém que precisa de ajuda, não hesito. Tenho isso desde que era

A ideia de Spès de como os mais pobres podem se ajudar mutuamente e aos muitos órfãos cresceu para 1.700 grupos de solidariedade. Aqui, ela visita um deles. Juntos, os aldeões do grupo de solidariedade constroem uma vida melhor para si e para seus filhos, além tornarem-se pais adotivos de órfãos e ajudarem as crianças e famílias mais pobres da aldeia.

pequena. Quando vejo uma criança de rua que ajudamos indo à escola com os livros escolares debaixo do braço, sinto-me feliz, afirma Spès. c

Spès e a FVS Amade trabalham pelas crianças assim • Organizam a formação de grupos de solidariedade e, através deles, encontram pais adotivos para crianças órfãs, que também recebem ajuda com a escola, uniforme e materiais escolares. Crianças de famílias pobres também são apoiadas pelos grupos de solidariedade. • Oferecem microcrédito aos pais adotivos, para que possam fortalecer suas finanças

e cuidar bem da criança adotada. • Organizam grupos de direitos da criança, educam seus líderes e oferecem assistência jurídica e psiquiátrica a crianças que tiveram seus direitos violados. • Ajudam crianças a obter certidões de nascimento. • Auxiliam crianças a conseguirem ir à escola e administram um internato.

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Apoio da princesa No Burundi, todas as crianças com idade entre 7 e 13 anos devem frequentar a escola. A escola é gratuita, mas muitos não podem pagar os uniformes escolares, livros etc. Para continuar na escola após o sexto ano, os alunos devem passar por um teste. Quem não passa no teste, não pode continuar, ou tem que pagar para frequentar uma escola particular. Poucos podem pagar. Antes de 2005, também era necessário pagar para frequentar os anos 1-6. Várias organizações, incluindo a FVS, conseguiram que o governo introduzisse a educação gratuita. A FVS construiu seu próprio internato na cidade natal de Spès, Bururi, para 268 estudantes do fundamental 2 e do ensino médio. 40 dos alunos receberam uma bolsa da FVS para frequentar a escola. Spès quer dar aos estudantes talentosos, que receberam ajuda da FVS antes, uma chance de estudar, mesmo que não tenham passado no teste para o ensino médio. A escola da FVS foi construída com ajuda do dinheiro da Princesa Caroline de Mônaco, que é presidente da organização Amade Mondiale. Em 2013, a FVS se uniu com a Amade Burundi. Por isso, a FVS hoje se chama FVS Amade. Spès faz parte do conselho da Amade Mondiale.

Evelyne é padeira pela família Quando Evelyne perdia as aulas e não fazia o dever de casa, tinha que recomeçar. Ela abandonou a escola depois do terceiro ano, conseguiu trabalho nos campos e vendia verduras e frutas ou ajudava suas três irmãzinhas. Quando Evelyne tinha 18 anos, um amigo lhe contou que a FVS Amade oferecia cursos para jovens que não haviam concluído os estudos. Evelyne foi ao escritório da FVS Amade e pode escolher entre os cursos de panificação, conserto de carros e costura. Ela escolheu ser padeira. Com o dinheiro que ganha, pode ajudar a mãe e pagar a escola da irmã. 38

Quando o pai de Ninette morreu, seus irmãos postiços pegaram todos os campos aráveis. Eles também tentaram levar as vacas deixadas pelo pai para Ninette, sua irmã e sua mãe. Então, a mãe procurou o grupo de direitos da criança da aldeia, que lutou para que Ninette e sua irmã pudessem receber parte da herança do pai. A madrasta de Ninette e seus filhos queriam deixar Ninette sem herança e pegar as vacas. Mas a FVS Amade a ajudou a recuperá-las.

Ninette recuperou suas vacas

N

inette e sua mãe estavam prestes a ir para a cama quando ouviram algumas pessoas se movendo do lado de fora da casa. Elas pegaram uma lanterna e saíram. Lá estavam os três irmãos postiços de Ninette. Eles estavam levando três vacas consigo. – O que estão fazendo, não peguem nossas vacas, gritou a mãe de Ninette. – As vacas são nossas. Nosso pai as comprou e elas pertencem a nós, gritaram os irmãos. Um dos irmãos puxou a lanterna que Ninette segurava e bateu nela, quebrando-a. Em

seguida, eles desapareceram no escuro com as vacas. Alguns dias depois, a mãe de Ninette foi à aldeia. Ela contou o que aconteceu a Marc, do grupo de direitos da criança da FVS Amade na aldeia. – Você deve contar isso ao conselho da aldeia, disse ele. A mãe de Ninette acompanhou Marc ao escritório do conselho da aldeia para contar tudo de novo. Depois de alguns dias, a mãe e a irmã mais velha de Ninette foram à cidade para contar tudo a um juiz. Marc telefonou para um dos advogados da FVS Amade, que prometeu ajudar.

Somente os rapazes herdam Quando Ninette tinha nove anos, ela percebeu que sua mãe tomava muito cuidado para não entrar no campo vizinho. Ninette perguntou por quê. – Essa terra não é nossa. Pertence aos seus irmãos postiços, que disseram que não deveríamos absolutamente plantar lá, explicou a mãe. No Burundi, mulheres e meninas não podem herdar quando um homem morre. Somente os rapazes podem. Portanto, quando o pai de Ninette conheceu outra mulher, sua mãe obteve apenas terreno para uma casa. A


nova esposa do pai tinha três filhos, e achava que toda a terra e todos os animais pertenceriam a seus filhos quando o pai morresse. Quando Ninette tinha seis anos, seu pai morreu. Os irmãos postiços não permitiram que ela ou sua mãe ficassem com nenhuma parte dos campos do pai. Eles também queriam as vacas compradas pelo pai e que haviam ficado com a mãe de Ninette.

Ninette e sua mãe lutaram para Ninette herdar terra arável e gado de seu pai, porque só os filhos homens têm direito a herança no Burundi.

Marc, do grupo de direitos das crianças da aldeia, contatou o advogado da FVS Amade, que fez os irmãos postiços de Ninette dividirem as terras de seu pai morto e um tribunal decidir que ela também deveria manter as vacas.

Fim da disputa

Ninette, 12

verem as vacas, eles recusaram. Porém, um dia, quando Ninette voltou da escola, as vacas estavam pastando ali novamente. – Nós vencemos no tribunal, disse a mãe. Os irmãos postiços de Ninette ficaram furiosos, mas quando Ninette encontrou um deles na escada externa da casa, ele disse olá. Isso nunca acontecera antes. Ninette entendeu que a decisão do tribunal acabou com todas as disputas. c

Quer ser: Criadora de gado. Faz frequentemente: Desenha figuras na areia e decora com pedras. Faz às vezes: Joga bola. Esporte favorito: Corrida. Disciplina favorita na escola: Francês. Sonha com: Estudar na universidade.

Grupos de direitos da criança da FVS Amade A FVS Amade criou grupos de direitos da criança nos subúrbios e aldeias onde trabalha, para evitar que crianças órfãs sejam exploradas ou prejudicadas. Alguns adultos em cada local recebem educação sobre os direitos da criança e a legislação única. Eles frequentemente cooperam com os grupos de solidariedade na mesma aldeia ou subúrbio. Quando sabem que os direitos de uma criança são violados, eles soam o alarme. A FVS Amade tem seus próprios advogados, que podem ajudar nesses casos. A FVS Amade ajuda o governo e o Unicef a criar grupos de direitos da criança em todas as aldeias, cidades e subúrbios pelo país.

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 TEXTO: ERIK HALKJAER FOTOS: JESPER KLEMEDSSON

A mãe de Ninette conversou com Marc sobre os problemas. Ele achava que Ninette e sua irmã deviam ter direito a parte da herança. Embora a lei diga uma coisa, a tradição no Burundi afirma que todos os filhos e filhas devem receber algo quando o pai morre. Marc conversou com o advogado da FVS Amade, que entrou em contato com o conselho da aldeia. Juntos, eles conseguiram convencer os irmãos postiços de Ninette a dividir o terreno. Ninette se lembra de como Marc, o advogado e o líder o gerente da aldeia andaram pelo campo medindo-o durante um dia inteiro. A mãe e os irmãos postiços de Ninette observaram. No final, Ninette e sua irmã receberam uma parte do antigo campo do pai. Foi mais difícil com as vacas, que são muito valiosas no Burundi. Quando o advogado da FVS Amade tentou convencer os irmãos a devol-


A mãe de Floriane sempre foi doente e seu pai trabalha muito. Floriane e seus irmãos tinham que ajudar tanto em casa que mal iam à escola. Mas um dia Floriane teve sua grande chance. O grupo de solidariedade de sua aldeia natal a ajudou a conseguir uma vaga no internato da FVS Amade para crianças pobres.

Aldeões investem

P

ara Floriane, é sempre difícil voltar para casa. A vida que ela tem na escola é muito diferente daquela de casa. Ela acha divertido encontrar seu pai e irmãos, mas fica triste quando a mãe não está em casa. Ela é doente desde que Floriane consegue lembrar. Quando Floriane ainda morava em casa e frequentava a escola na aldeia, às vezes acontecia de sua mãe estar em casa pela manhã, mas depois ficava fora por vários dias. Então, de repente, ela estava em casa novamente. Quando Floriane perguntava onde estivera, ela apenas dizia que

havia visitado amigos. Minha mãe era gentil e ria muito, mas não trabalhava e não era boa em cuidar dos filhos. Hoje ela está internada em uma clínica psiquiátrica, com auxílio de Spès e da FVS Amade. Floriane espera que a mãe fique tão saudável que possa voltar para casa algum dia.

Auxiliada pelos aldeões O pai de Floriane é idoso. Ele

não tem muita terra própria e trabalha nos campos de outros pessoas. A casa onde moram é feita de barro marrom. Antes, havia uma casa antiga que desabou. O pai de Floriane recebeu dinheiro do grupo de solidariedade da aldeia para construir uma nova casa. Os pais de Floriane não fazem parte do grupo, mas como a mãe de Floriane está doente e o pai é pobre, eles obtêm auxílio.

O grupo de solidariedade da aldeia surpreendeu Floriane ao arranjar para que ela começasse no internato da FVS Amade para crianças pobres.

Meu pai vendeu um bezerro para comprar placas para o telhado da casa nova. Eles também construíram um pequeno celeiro, onde a vaca da família e um novo bezerro ficam à noite. Ao lado da casa, Floriane e seus irmãos plantaram batata doce.

Floriane, 15 Quer ser: Empresária ou banqueira.

Sonha com: Uma vida melhor que aquela que tive.

Gosta: De rezar para Deus. Não gosta: De brigar. O que faz no tempo livre: Canta e passa tempo com amigos.

Admira: Spés! 40

A mãe de Floriane está doente e seu pai é pobre. Portanto, o grupo de solidariedade da aldeia auxiliou a família.

A irmã mais velha de Floriane sempre precisou ajudar em casa e não concluiu a escola. Seu irmão mais velho estuda em outro internato, mas também tem que ajudar em casa.


em Floriane

Quando Floriane está em casa, ela ajuda nos pequenos campos da família e busca água.  TEXTO: ERIK HALKJAER FOTOS: JESPER KLEMEDSSON

Como agradecimento pelo auxílio, Floriane costuma ajudar nas reuniões do grupo de solidariedade. Ela ama matemática e economia, e escreve no livro de caixa do grupo.

Uma ótima notícia Um dia, quando Floriane trabalhava no campo, seu irmão mais velho veio contar uma ótima notícia. – O grupo de solidariedade decidiu que você deve começar a estudar em um internato onde há crianças de outras casas pobres, disse ele. Do primeiro ao sexto ano, Floriane frequentou uma escola na aldeia. O trajeto até lá levava uma hora. Muitas vezes, ela saía de casa sem fazer o desjejum, porque não havia comida em casa. E também não recebia comida na escola. Eram longos dias sem comer, mas Floriane gostava de aprender coisas. O que ela mais gostava era matemática. O grupo de solidariedade da aldeia compreendeu que Floriane tinha um talento especial para números. Por

isso, eles perguntaram à FVS Amade se havia vaga para ela na escola da organização em Matana, que fica a algumas horas de distância de carro. O grupo de solidariedade já havia ajudado o pai de Floriane a pagar parte da educação de seu irmão mais velho. Na escola da FVS, Floriane poderia estudar gratuitamente.

Escola com sala de informática Quando o semestre começou, Floriane arrumou uma mala com suas coisas. A FVS Amade foi buscá-la no sábado antes do início das aulas. A escola era grande. Havia uma quadra de basquete, uma capela e um refeitório. Freiras cuidavam dos estudantes. Elas mostraram dormitórios com muitas camas a Floriane e outras meninas. Tudo era diferente da aldeia e de sua antiga escola. As freiras contaram que todos faziam o desjejum pela manhã. No meio do dia, o almoço era servido. E, à noite,

havia jantar. A escola também tinha uma sala de informática. Todos os outros alunos chegaram no dia seguinte. Eram muitos. Ela ficou nervosa, mas foi divertido conhecer jovens de outras partes do país.

Spès é mãe extra Quando as aulas começaram, na segunda-feira, Floriane percebeu que era sério. Ela também entendeu que era muito boa aluna, especialmente em matemática e francês. Mas sentia falta da famí-

lia e pensava muito em sua mãe. – Você sempre pode vir até mim se precisar de ajuda. Posso ser como sua mãe extra, disse Spès. Hoje, Floriane tem muitos novos amigos na escola e sente-se bem. As freiras cuidam bem dela e de seus colegas de escola. Há bastante tempo para estudar com paz e sossego. Sempre há comida, mas às vezes ela fica triste e tem saudades de casa. Nos piores momentos,

Na escola!

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05h30 Bom dia!

Floriane geralmente pensa em como está bem, mas o quanto a situação de sua família e amigos na aldeia é ruim. É por isso que é tão difícil ir para casa nas férias.

14h00 Floriane, que é boa em matemática e quer ser empresária ou banqueira, tem aulas de economia e contabilidade e, aqui, de informática.

Dever de casa ao amanhecer O pai de Floriane nem sempre tem dinheiro. Às vezes, ele fica doente e não consegue trabalhar. Neste caso, o irmão de Floriane tem que trabalhar em seu lugar. Quando o faz, ele sente falta da escola e não tem certeza se poderá concluir os estudos. Dos seis irmãos de Floriane, só ela está na escola há mais de nove anos. Uma das irmãs de Floriane chegou ao nono ano, mas pode fazer vários anos acadêmicos

de uma vez como resultado de ter que ajudar em casa. Toda vez que Floriane chega a casa, ela tenta ajudar da melhor maneira possível. Ela se lembra de como era quando morava em casa e voltava da escola. Sempre havia tarefas a cumprir. Era preciso recolher a vaca do pasto. Alguém precisava buscar água. O pai precisava de ajuda no campo. Ela ou sua irmã cozinhavam.

Dez colegas de escola de Floriane

“Sou de uma família pobre de Bujumbura. Aqui na escola, posso estudar em paz, comer boa comida e dormir confortavelmente. Quando crescer, serei médico e ajudarei minha família”. Gerard, 13

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“Quando eu era pequeno, meu pai desapareceu. Há bons professores aqui e recebemos comida adequadamente. Eu serei embaixador e morarei no exterior com minha família, quando crescer”. Prosper, 14

11h00 Como é domingo, há serviço religioso. Floriane canta na sala de aula com os outros alunos que também são protestantes. Em outras salas de aula, estudantes muçulmanos e anglicanos se reuniram. Os católicos estão na capela da escola. Em seu tempo livre, Floriane costuma cantar canções pop e rap com amigas do dormitório.

“Meu pai morreu. Minha mãe e meus irmãos têm HIV. Sou o único que não está infectado. Em casa não havia luz para fazer o dever de casa e tínhamos pouco para comer. Aqui, posso aprender como provavelmente nunca aprenderia na escola da minha aldeia. Quando crescer, serei jornalista”. Yves, 13

“Meus pais morreram e fui criado por minha avó. Em casa havia muito trabalho a ser feito. Agora estou muito mais adiantado na escola que meus antigos colegas de classe. No futuro, serei presidente!”. Fistien, 14

“Minha mãe e meu pai não têm muito dinheiro, mas tive a chance de estudar aqui. Em casa era muito escuro para fazer o dever de casa, e quase não havia comida. Quando concluir a escola, serei médico”. Alian, 12


16h00 Depois do final da aula, Floriane joga basquete e passa tempo com seus amigos.

19h00 Ter sempre desjejum, almoço e jantar servidos todos os dias, é muito mais do que Floriane tinha em casa.

Quase nunca havia tempo para fazer o dever de casa. O melhor era levantar cedo e fazer o dever de casa assim que o sol nascia. Não há lâmpadas na casa, então não é possível ler depois que escurece.

vez disso. O que vai fazer depois? perguntou Floriane. A irmã não soube responder. Ela estava envergonhada. Mas agora Floriane a ajuda com a criança quando está em casa. Ela e sua irmã compartilham a cama e colocam a menininha entre elas sob o mosquiteiro. Às vezes, Floriane pode ficar furiosa com a mãe. Imagine se ela não estivesse doente. Neste caso, a irmã mais velha de Floriane poderia ter concluído os estudos e não teria que trabalhar tanto em casa. Floriane quer fazer o exame de conclusão e ser como Spès. Começar um negócio ou talvez um banco. Ela gosta de cuidar da vaca e do bezerro em casa, então uma de suas ideias é administrar uma grande propriedade com criação de gado. 

20h00 Boa noite!

Quer ser como Spès Certa vez, quando Floriane chegou a casa, sua irmã mais velha contou que estava grávida. – Como pode? Você sabe que tem que ir à escola. Agora terá que cuidar da criança em

“O bom aqui é que eu posso estudar e jogar basquete sempre que quiser. Na universidade, vou estudar para ser médica”. Jovith, 12

“Meu pai morreu. Minha mãe está desempregada, mas tenta trabalhar um pouco com agricultura. Aqui é fácil estudar, e cuidam bem de nós. Quero ser advogada, como meu pai”. Bella, 14

“Minha mãe morreu quando eu era um bebezinho e meu pai ficou muito doente. Eu morava com minha tia, mas ela não tem muito dinheiro. Aqui é fácil estudar e, depois, basta querer para chegar tão longe quanto desejar na vida”. Lauraine, 12

“Quando eu tinha dez anos, minha mãe e meu pai não conseguiam cuidar de mim. Eu morava na rua, mas um homem me encontrou e cuidou de mim. Ele me ajudou a começar a estudar aqui. Isso é bom, porque não tenho que trabalhar em casa”. Nella, 12

“Somos muitas crianças em casa. Nosso pai morreu e a mãe tem apenas um pequeno campo para cultivar. Nem todos os irmãos podem ir à escola, então estou feliz por estar aqui. Fiz muitos novos amigos e é muito mais fácil aprender coisas aqui. Quando crescer, serei médica e ajudarei os outros”. Ghyslaine, 13 43


A menina com o tambor Quando fica triste e sente falta da família, Arlette costuma tocar tambor. Ela o faz desde pequena, e agora que estuda no internato da FVS Amade longe de casa, ela toca com frequência. “Todo sábado eu vou à capela e toco. Isso ajuda quando sinto-me sozinha. As coisas não eram tão fáceis em casa. Meu pai desapareceu há cinco anos, e somos quatro filhos. Por isso, minha mãe entrou para o grupo de solidariedade, que me ajudou a começar a estudar aqui. Nas férias, lembro-me de como a situação é difícil em casa. Porém, também acho que nessa escola tenho uma grande oportunidade. Posso conseguir bolsas de estudo e continuar estudando na universidade. Depois, posso conseguir um emprego e ajudar minha família. Quando estávamos no oitavo ano, fizemos uma excursão escolar a Uganda. Todas as crianças de lá falavam inglês, mas eu sou muito boa nisso. Ficamos três semanas, aprendemos a cozinhar e fazer projetos de negócios, como fabricar sabão ou marmelada para vender. Telefonei para minha mãe quando chegamos a casa. Contei que a viagem significou muito para mim e que aquilo que aprendi me ajudará no futuro. ‘Mamãe, tudo ficará bem, não se preocupe’, eu disse”.

Três cestos fornecem ajuda Os três cestos ficam cheios de dinheiro quando o grupo de solidariedade da aldeia natal de Floriane se reúne. O dinheiro é colocado nos três compartimentos da caixa de madeira, cada um com um cadeado. O dinheiro dos compartimentos trancados ajudou a família de Floriane e possibilitou sua ida à escola da FVS Amade ...

N

o meio do gramado há três cestas trançadas e um baú de madeira. Sentados em um semicírculo ao seu redor há 21 homens e mulheres com belas roupas. Todos são membros do grupo de solidariedade na aldeia natal de Floriane. Às vezes, Floriane participa das reuniões do grupo, porque é boa em cálculo.

Floriane senta-se junto ao caixa. Primeiro, chamam os nomes de todos aqueles que pegaram emprestado do caixa do grupo. Eles têm que pagar juros sobre seus empréstimos e colocam dinheiro em um dos cestos. O grupo aplaude todas as vezes. Às vezes, alguém não pode colocar dinheiro. Essa pessoa pode pagar o dobro

Floriane registra todos os pagamentos no livro caixa do grupo de solidariedade.

Um dos compartimentos é preenchido com pagamentos de juros dos residentes da aldeia sobre seus empréstimos do grupo de solidariedade.

na próxima vez. Aqueles que desejam, também podem colocar dinheiro em outro cesto. É o cesto de participações. Todos os membros do grupo de solidariedade pagam uma taxa de adesão anual. Isso também é chamado de participação ou ação. Quando alguém coloca dinheiro no segundo cesto, essa pessoa compra uma porção maior da participação total do grupo. Isso faz com que todo o grupo receba mais dinheiro ou capital. O dinheiro dos três cestos é colocado nos três compartimentos do cofre. Um para pagamentos de juros e contribuições, um para cuidados de saúde e outras ajudas a moradores e um para uniformes escolares e materiais para as crianças.


Quando vem da escola para casa, Floriane costuma frequentar as reuniões do grupo solidariedade. O grupo de solidariedade de sua aldeia também decidiu ajudar as famílias pobres que não são membros do grupo.

Três chaves

Enquanto Floriane anotava no livro caixa do grupo, outros anotaram no livro caixa de cada membro. Lá, os membros podem acompanhar seus investimentos durante o ano. Um membro pode candidatar-se a projetos para pequenas empresas a qualquer momento durante o ano. No final do ano, todos os que pagaram seus juros recebem seus investimentos com um pequeno lucro.

Ajudará a aldeia O dinheiro para o material escolar é usado todos os anos

no início das aulas. Em seguida, o grupo de solidariedade compra uniformes escolares, canetas e cadernos para todas as crianças da aldeia. O grupo de solidariedade da aldeia de Floriane escolheu ajudar mais que apenas membros do grupo. A família de Floriane é pobre, então eles foram auxiliados com uma casa. O grupo também ajudou Floriane a conseguir estudar na escola da FVS Amade. – Sou muito grata por sua ajuda. Eu não sei como agradecer-lhes. Vocês são como meus pais, e espero que pos-

sam ajudar outras pessoas como eu no futuro, diz Floriane quando a reunião termina. – Estamos felizes por você e porque tem a chance de estudar mais. Você sabe que é sempre bem-vinda conosco diz a presidente do grupo, Christine. Floriane decidiu que, quando concluir a universidade e começar um negócio ou conseguir emprego em um banco, ajudará as pessoas de sua aldeia, porque a ajudaram. 

Não sei como agradecer-lhes. Vocês são como meus pais, e espero que possam ajudar outras pessoas como eu no futuro, diz Floriane ao grupo de solidariedade da aldeia.

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 TEXTO: ERIK HALKJAER FOTOS: JESPER KLEMEDSSON

Em um terceiro cesto, aqueles que podem depositam algum dinheiro em um fundo para pagar uniformes escolares e material escolar. Floriane registra tudo. Quem pagou seus juros e quanto pagou. Quem comprou uma participação maior e por quanto dinheiro. Quem depositou dinheiro para o fundo de material escolar e quanto. Todo o dinheiro é então colocado em compartimentos diferentes do baú de madeira, que fica no chão ao lado dos cestos. Três chaves são necessárias para abrir os três compartimentos do baú. No primeiro compartimento, deposita-se o dinheiro pago em juros e participações. No segundo compartimento, uma pequena proporção das contribuições é adicionada a um fundo de assistência médica ou outro tipo de assistência que os membros possam precisar. No terceiro compartimento, dinheiro é depositado para uniformes escolares e material escolar.


É bom morar sob um teto, com nossa avó. Há um colchão e um cobertor. Quando chove, Evariste não se molha. Antes, vivia em um lixão que cheirava mal e era sujo. Quando chovia, ele ficava ensopado.

Da rua para a casa da avó N  TEXTO: ERIK HALKJAER FOTOS: JESPER KLEMEDSSON

A mãe e o pai espancavam Evariste e seus irmãos mais novos, Selmani e Eric. Por isso, eles fugiram de casa e moraram na rua. Com auxílio da FVS Amade, Evariste e Selmani conseguiram voltar para casa e agora moram com a avó materna. Eles frequentam a escola e jogam futebol sempre que querem. Entretanto, o irmãozinho Eric ainda vive na rua ...

ós tínhamos dormido no lixão do mercado da cidade. Levantamo-nos cedo para procurar madeira que pudéssemos vender a produtores de carvão. Mas meu irmão Selmani não quis fazê-lo. Em vez disso, ele desapareceu na cidade. Fui sozinho ao mercado e procurei. Nosso irmão caçula, Eric, que também não estava comigo. Ele havia dormido em outro lugar. Quando voltei ao lixão, Selmani não estava lá. Disseram-me que a polícia havia estado lá procurando

É difícil ler e escrever. Evariste se sai um pouco melhor que Selmani. A avó Rachel os repreende porque seus cadernos estão muito enrugados e sujos.

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crianças de rua. Naquela noite, rezei muito a Deus para Selmani voltar. Sempre dormimos juntos, mesmo quando fazemos coisas diferentes durante o dia. Ele ficou sumido por quatro dias. Procurei por toda parte e perguntei, mas ninguém o tinha visto. À noite, eu rezava pedindo que nada ruim acontecesse com ele. Encontrei Eric, mas ele não quis me ajudar a procurar.

Teve auxílio Então, um dia, ao passar pela prisão, ouvi alguém chamando meu nome: – Eva, Eva! Era Selmani. Ele estava sentado em um carro com alguns adultos. Fiquei muito feliz em vê-lo. – Somos de uma organiza-


ção chamada FVS Amade. Ajudamos seu irmão a sair da prisão e o levaremos ao nosso centro para crianças de rua, explicou um dos adultos. Você também quer vir junto? Aceitei, e pude ficar na FVS por dez dias. Deram-nos comida, sandálias e roupas novas. Um dia, disseram que teríamos que voltar para casa de nossa avó materna e morar com ela. Achei bom. Minha vida sempre foi boa na casa dela. Temos que ajudar com algumas coisas em casa, mas podemos jogar futebol e ir à escola.

Vida difícil na rua Viver na rua era difícil. Estive na prisão quatro vezes. Costumávamos roubar relógios e telefones. Com o dinheiro, comprávamos um pouco de comida e cola, para cheirar. A polícia nos prendia porque eles não querem crianças vivendo nas ruas. Eles costumavam manter-me na prisão

Evariste, 10 Quer ser: Padre. Deseja: Frequentar a escola. Não quer: Voltar a viver na rua. Gosta: De jogar futebol. Sente saudades: Da casa onde morei com meus pais.

Brinquedo preferido: Um bicho de pelúcia.

por três a quatro dias antes de me deixar sair. Às vezes, jovens das milícias do governo nos pegavam. Eles estavam sob efeito de drogas e nos atacavam e queriam roubar nossas coisas. Eles também podiam nos prender por alguns dias. Da primeira vez que eu morei na rua, meus pais ficaram muito furiosos quando voltei para casa. Eu havia seguido algumas outras crianças e ficado com elas. Meu pai me colocou em uma bolsa e me espancou e chutou. Minha mãe nos obrigava a trabalhar muito em casa.

Quando não o fazíamos, ela nos espancava. Uma vez ela me amarrou, mas Selmani soltou, cortando as amarras com uma faca. Por isso, fugimos de casa e não voltamos mais. Eric fugiu já aos dois anos de idade. Agora é melhor, pois moramos com nossa avó. Ela não nos espanca”. 

Todos na bola Evariste, o irmãozinho Selmani e seus amigos jogam futebol sempre que podem. A bola é feita de tecidos enrolados. Não há regras ou equipes. Todos perseguem a bola, chutam e fazem tantos passes quanto podem. Se a bola sair pelo canto, é preciso correr para pegá-la. Caso contrário, ela se perde para sempre, descendo a ravina.

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Evariste e Selmani procuram por seu irmão caçula, Eric.

Procura pelo irmãozinho Evariste deseja que seu irmão mais novo, Eric, venha morar com ele na casa da avó. Eric costuma ficar em algum lugar no mercado. Uma vez o encontraram, mas ele sumiu de novo.

À

s vezes, depois da escola, Evariste e Selmani vão ao centro da capital, Bujumbura, e procuram por seu irmão mais novo, Eric. Eles recebem ajuda da FVS Amade. Evariste e Selmani têm uma ideia de onde Eric dorme e fica durante o dia. Eles também

sabem que outros meninos de rua o conhecem. Eles não têm fotos do irmão, mas Selmani é muito parecido com Eric, então muitos no mercado entendem quem eles procuram. Muitos dizem que sabem onde viram Eric. – Ele esteve aqui mais cedo. Procure no mercado asiático, diz uma mulher.

O uniforme escolar de Evariste consiste em uma camisa marrom clara e um par de shorts. São muito grandes, mas ele poderá usá-los por muitos anos. Ele também ganhou um par de sapatos e uma mochila da FVS Amade.

Quando Evariste e Selmani foram encontrados, eles ficaram 1,5 mês no centro de recepção da FVS Amade para crianças de rua antes de irem morar com a avó. Agora, outras quatro crianças moram lá.

Saímos da rua

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“Sou grata por terem sido muito acolhedores aqui depois que estive na prisão. Agora posso voltar à escola, depois de dois anos na rua”. Francine, 12

“Morei na rua por dois meses, mas agora quero voltar à escola e ser como outras crianças comuns”. Aimable, 12


Evariste e Selmani nunca haviam frequentado a escola antes. Embora Selmani seja dois anos mais novo que Evariste, eles estão na mesma classe, o primeiro ano. Eles vão à escola pela manhã. À tarde, a escola é frequentada por crianças mais velhas.

Uma menina que conhece Evariste afirma que não vê Eric há vários dias. Dois rapazes reconhecem Evariste e Selmani e perguntam o que eles fazem ali de uniforme escolar. – Moramos com nossa avó e começamos a frequentar a escola. É bom, diz Evariste.

Foi encontrado e desapareceu

FVS Amade encontrou Eric. Ela o reconheceu por sua semelhança com Selmani. Eric a acompanhou à FVS Amade, mas ficou apenas cinco dias. Ele encontrou Evariste e Selmani, mas depois desapareceu. – Ele é fortemente dependente de drogas. Se o encon-

trarmos novamente, precisamos tirá-lo das drogas, diz um assistente social da FVS Amade.  A avó, Rachel, mora no alto de uma colina nos arredores da capital, Bujumbura. A escola dos irmãos fica no pé da colina. Ela é íngreme, e quando chove, é lamacenta e escorregadia.

 TEXTO: ERIK HALKJAER FOTOS: JESPER KLEMEDSSON

Às vezes, eles andam pelo mercado durante várias

horas. Em outras ocasiões, vão para casa em pouco tempo. A FVS Amade não quer que Evariste e Selmani sintam vontade de voltar às antigas amizades. Embora algumas das crianças de rua que eles conhecem também possam vir para a FVS Amade mais tarde. Eles entendem que podem obter ajuda. Talvez começar a frequentar a escola. Um dia, Evariste e Selmani ouvem que uma pessoa da

“Prefiro não encontrar minha mãe novamente. Ela só quer que eu mendigue e lhe dê o dinheiro. Se pudesse, eu gostaria de estudar e morar na escola também”. Selenia, 12 “Aqui temos comida sem ter que mendigar ou trabalhar. Isso é bom. Morei na rua por um ano e meio, mas agora quero voltar à escola para poder ser médico”. Levien, 11

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Celestin cuida de seus animais quando volta da escola. Aqui, ele faz o dever de casa ao lado de sua cabra e do bezerro de sua mãe.

O galo de Celestin.

Animais de Celestin proporcionam um futuro melhor O pai de Celestin não queria saber dele, e na escola ele foi intimidado. Porém, hoje ninguém o provoca. Em vez disso, ele é respeitado por sua confiança no futuro e capacidade de ganhar dinheiro com seus animais.

 TEXTO: ERIK HALKJAER FOTOS: JESPER KLEMEDSSON

U

m dia, quando tinha oito anos, Celestin perguntou à mãe o que eram as pílulas que ele tomava todos os dias. – Você tem um vírus em seu corpo chamado HIV. Se não tomar as pílulas, pode adoecer com AIDS e morrer, explicou a mãe, Marie, e contou que ela também tinha o vírus e o pai dele também. O pai de Celestin acusou sua mãe de contagiá-lo. Na verdade, foi o contrário, mas o pai obrigou Celestin e a mãe a se mudarem. Por alguns anos, Celestin e sua mãe foram obrigados a se mudar de aldeia em aldeia. A família do pai não queria que Celestin e a 50

mãe morassem com eles, mas, como filho, ele tem direito a herdar parte da terra de seu pai.

va na escola e disse a todos que eu estava infectado, afirma Celestin.

É igual a todos No hospital, Celestin e sua mãe conheceram uma pessoa da FVS Amade que explicou que eles podiam obter auxílio. Com ajuda dos advogados da FVS Amade, Celestin recebeu uma casa dos parentes de seu pai. A casa fica ao lado da casa onde sua avó materna, Rachel, mora. A FVS Amade também ajudou Celestin a começar a estudar. – Não contei a ninguém sobre o vírus, mas um dos parentes do meu pai trabalha-

Celestin é cuidadoso com seus livros escolares e os encapa com papel protetor.

De repente, ninguém queria brincar com ele, que tinha que sentar sozinho na sala de aula. Após uma briga, Celestin e outro menino foram chamados à sala o diretor. Os professores disseram que Celestin tinha que parar de estudar. O pior era seu parente. No entanto, a FVS Amade havia explicado ao diretor que Celestin estava medicado e que o HIV não é transmitido simplesmente ao se brincar junto. Portanto, o diretor disse que ele ficaria na escola. – Depois daquele dia, ninguém me incomoda mais. Eles também explicaram a todas as crianças na escola o que é o HIV e que eu sou como qualquer outra criança, diz Celestin.

Uma galinha torna-se cinco Nem todos os parentes do pai de Celestin eram maus. Um dia, uma tia lhe deu uma galinha. Quando a galinha botou


dez ovos, Celestin vendeu apenas cinco deles. Os cinco ovos remanescentes tornaram-se cinco frangos. Com o pagamento recebido pelos cinco ovos vendidos, ele comprou comida para os cinco frangos. Por sua vez, eles poderiam crescer e por novos ovos. Celestin gosta de matemática na escola. Com suas galinhas, ele teve uma ideia de como poderia investir o dinheiro que ganhava para comprar mais animais. Mais tarde, uma galinha ficou doente e morreu. Ela infectou as outras, que também morreram. Celestin não desistiu. Ele economizou dinheiro e comprou novas galinhas. E um galo. Com o dinheiro que ganhava, ele comprava comida para suas galinhas e ajudava a mãe.

Toupeiras convertidas em ovelha Muitos agricultores da aldeia têm problemas com toupeiras que comem as plantações. Quem consegue pegar as toupeiras ganha muito dinheiro, e Celestin fabricou suas próprias armadilhas.

– Um dia, peguei 25 toupeiras. Levantei logo cedo e coloquei as armadilhas. Depois fui para a escola e, quando voltei, havia toupeiras em várias das armadilhas. Com o dinheiro que ganhou com as toupeiras, Celestin comprou uma ovelha. Ele criou a ovelha, vendeu-a e comprou uma cabra com o dinheiro. Depois, comprou mais uma cabra e uma nova ovelha. O estrume produzido pelas cabras e pela ovelha é adubo, que Celestin vende no mercado. Às vezes os agricultores vão diretamente à sua casa comprar.

Cada vez mais animais Celestin quer comprar mais animais e ração para eles com esse dinheiro. Ele também

ajuda sua mãe e compra as próprias roupas e as coisas de que precisa para a escola. A mãe de Celestin participa do grupo de solidariedade da aldeia, e obteve um empréstimo para poder cultivar frutas e legumes, que vende no mercado. Ela também conseguiu comprar uma vaca e um bezerro. – Eu alimento todos os animais antes de ir para a escola. Quando chego a casa, cuido deles novamente. Em seguida, faço meu dever de casa antes de escurecer. Celestin gosta de andar de bicicleta e costuma ajudar um reparador de bicicletas. Um dia, ele espera ter sua própria loja de bicicletas e talvez também comprar uma moto­ cicleta. 

Medicamento vital O medicamento antirretroviral, que Celestin toma diariamente, permite que ele tenha uma vida longa sem desenvolver AIDS.

FVS Amade ajuda quem vive com HIV Mulheres grávidas podem transmitir o vírus HIV ao filho no momento do nascimento. O HIV também pode ser transmitido quando uma pessoa portadora do vírus faz sexo desprotegido com outra. O sangue de uma pessoa portadora do vírus HIV também pode infectar outra. Hoje, não é possível curar o HIV; porém, com medicamentos antirretrovirais, é possível evitar que o vírus se desenvolva na doença, que é fatal. É possível viver a vida inteira com HIV quando se tomam medicamentos antirretrovirais. Cerca de 84.000 pessoas no Burundi têm HIV. Duas em cada três delas recebem medicamentos antirretrovirais. O número de pessoas vivendo com HIV caiu drasticamente no Burundi nos últimos anos. A FVS Amade administra duas clínicas que fornecem tratamento para pessoas com HIV.

Celestin em frente à casa que o advogado da FVS Amade o ajudou a obter da família de seu pai.

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POR QUE ASHOK É NOMEADO?

Herói dos direitos da criança nomeado

Ashok Dyalchand

PÁGINAS 52–69

Ashok Dyalchand é nomeado ao Prêmio das Crianças do Mundo por seus mais de 40 anos de luta contra o casamento infantil e em prol dos direitos das meninas na Índia. Todos os dias, 15.600 meninas são expostas ao casamento infantil na Índia. A menina é forçada a abandonar a escola, torna-se uma escrava na casa do marido e arrisca-se a morrer se engravidar, pois seu corpo não está pronto para dar à luz. Para salvar a vida das meninas, elevar seu status e acabar com o casamento infantil, Ashok e sua organização, o IHMP, fundaram clubes de meninas. Desde o início de seu trabalho, em 1975, mais de 50.000 meninas de 500 aldeias aprenderam sobre seus direitos e foram educadas em habilidades para a vida. Com conhecimento, autoconfiança e apoio mútuo, as meninas conseguem convencer seus pais a não obrigá-las a casar na infância, mas sim permitir que concluam os estudos. Ashok também fundou clubes de rapazes onde, até o momento, 5.000 meninos e jovens aprenderam sobre o casamento infantil, os direitos das meninas e a igualdade de gênero. Quando Ashok começou seu trabalho, uma menina nas aldeias onde o IHMP trabalha, tinha, em média, 14 anos ao se casar. Hoje, a média de idade é de 17 anos. A idade de uma menina em seu primeiro parto aumentou para uma média de 18 anos. Isso faz com que menos mães e crianças morram no parto. Nas aldeias onde Ashok trabalha, até o status das meninas foi elevado. O IHMP também educa pais, policiais, membros dos conselhos das aldeias e assistentes sociais de muitos países. Ashok lutou pela lei que proíbe o aborto por causa do sexo da criança, que entrou em vigor na Índia em 1994.

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– Desde quando está na barriga da mãe, uma menina já é discriminada e oprimida, porque muitos pais na Índia querem abortar se a criança for menina, embora isso seja ilegal. Se a menina nascer, muitos de seus direitos básicos lhe serão Todas as meninas da Índia – Como trabalhamos com um sistirados. A pior violação é ser forçada a casar tema de profissionais de saúde quando criança. Todos os dias, 15.600 meninas estatais já existentes, realmente são expostas ao casamento infantil na Índia. conseguimos alcançar todas as meninas na Índia com nosso proMeu trabalho é acabar com isso, diz Ashok grama contra o casamento infantil Dyalchand, que luta pelos direitos das meninas e pelos direitos das meninas! afirma Ashok. há mais de 40 anos.

C

resci em uma bela vivenda cercada por um grande jardim. Minha mãe era médica e meu pai liderava uma grande organização. Eu frequentei a melhor escola da cidade de Simla e, no tempo livre, jogava bilhar, hóquei em campo e pingue-pongue, conta Ashok. – Decidi seguir os passos de minha mãe, e entrei para a melhor escola de medicina

da Índia. Eu queria ser um oftalmologista de sucesso, trabalhar em um bom hospital de uma cidade grande, ganhar dinheiro e ter uma vida confortável.

Hospital rural móvel Quando chegou a hora de fazer sua residência médica, Ashok acompanhou uma equipe de saúde que viajava por aldeias nas montanhas. Eles eram uma espécie de

“hospital rural móvel” que realizava cirurgias de olhos em pessoas pobres que, de outra forma, nunca receberiam ajuda. – Eu não o fazia por ser uma boa pessoa, pois só pensava em voltar para a cidade e ter uma boa vida o mais rápido possível. No entanto, eu sabia que hospital rural móvel me proporcionaria muita experiência prática em um tempo curto, pois


O D O ELH A LT O M VO ND EM U A M ID M RR R U CO P O BO O

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R

Meninas no lixo – Entendemos que a situação das meninas na Índia era muito mais séria do que pensamos inicialmente, e que a discriminação das meninas começava já quando suas mães estavam grávidas. Muitos pais optavam por abortar se descobrissem, por um exame de ultrassonografia, que a criança era menina. E, por toda a Índia, bebês do sexo feminino eram encontrados no lixo; elas haviam sido mortas ao nascer, conta Ashok, com tristeza. Ele se tornou uma parte importante do movimento que garantiu uma lei proibindo o aborto devido ao sexo, que passou a valer na Índia em 1994.

examinávamos 400 pacientes todos os dias e fazíamos 200 cirurgias por semana. Ashok viajou com o hospital rural móvel por três anos e conheceu um mundo completamente diferente daquele a que estava acostumado. – Eu cresci no luxo, protegido dos problemas do mundo exterior. Antes de viajar com o hospital rural móvel, eu nunca havia estado em uma aldeia indiana. Agora, Ashok estava cercado por pessoas muito pobres. Adultos e crianças que estavam famintos, doentes e não recebiam nenhuma educação.

A menina do Tibete Um dia, Ashok examinou uma menina refugiada tibetana muito pobre. Ele viu que ela tinha uma doença ocular possível de curar, se recebesse o tratamento correto rapidamente. Caso contrário, a menina ficaria cega. Ashok a

colocou em um dos leitos do hospital. Mas seu chefe ficou irritado e expulsou a menina, pois os leitos eram somente para pacientes que seriam operados. – Algumas semanas depois, vi a garota no mercado, ela se apoiava em sua mãe. Fiquei desesperado ao perceber que a menina já estava cega. Me envergonhei por não ter lutado mais por ela. Ashok procurou o chefe e gritou: – Você cegou uma menininha. Não vou ficar nem mais um minuto no seu maldito hospital. – Saí furioso e nunca mais voltei. Agora, eu sabia que não podia seguir totalmente meu plano de me tornar um oftalmologista bem pago em um belo hospital. A menininha me mudou para sempre.

Mulheres morriam

1975, ele assumiu um antigo hospital com cinco leitos na pequena cidade de Pachod, afetada por uma seca severa há quatro anos e que sofria com a fome. – Eu percorria a cidade de

motocicleta para conversar com as pessoas e entender o que elas realmente precisavam. Saía todos os dias, pois era o único médico em uma área de 78 aldeias. Eu consultava, examinava, operava e

A vida é perigosa para as meninas na Índia • 240.000 meninas menores de cinco anos morrem a cada ano por causa da discriminação, como receber menos comida, cuidados e tratamento de saúde que os meninos. • Mais de 3,7 milhões de meninas não frequentam a escola. • Com mais de 200 milhões de mulheres que não sabem ler, a Índia é o país com o maior número de meninas e mulheres analfabetas no mundo. • A cada cinco minutos, uma queixa de espancamento de esposa é feita na polícia. • 92 meninas e mulheres são violentadas todos os dias (2014). • 11–16 milhões de fetos do sexo feminino podem ter sido abortados entre 1990 e 2018.

Ashok decidiu prestar cuidados às pessoas pobres. Em 53


Esta é a motocicleta com a qual Ashok viajava há 43 anos para conversar com as pessoas nas aldeias e entender o que elas realmente precisavam. Ele era o único médico em uma área de 78 aldeias.

depois voltava para a motocicleta! Ashok logo entendeu que os aldeões sentiam que o maior problema era que muitas mulheres grávidas morriam por não haver cuidados de saúde materna durante a gestação, nem ajuda no parto. – Todas as estradas para o hospital eram ruins, e os transportes eram feitos com carros de boi. Durante minha primeira semana no hospital, duas meninas e seus bebês não nascidos morreram porque não chegaram ao hospital a tempo. Ashok teve a ideia de ensinar cuidado materno simples para as parteiras tradicionais, chamadas “dai”, que existem em aldeias indianas. Assim, elas descobririam muito mais cedo

no curso da gestação se uma mulher precisava de cuidados médicos em um hospital. Sua ideia funcionou muito bem e se espalhou pela Índia. Meninas e mulheres grávidas lotavam o pequeno hospital de Ashok. Agora era possível salvar as vidas de muitas mulheres e de seus filhos.

Casamento infantil – Percebemos que muitos dos problemas que as jovens grá-

vidas tinham ocorriam apenas por serem jovens demais. Mais de 8 em cada 10 meninas nas aldeias se casavam antes dos dezoito anos de idade, a maioria delas tinha apenas catorze anos. As meninas ficavam grávidas antes que seus corpos estivessem prontos para dar à luz, pois ainda eram crianças. Muitas vezes, tanto a menina quanto seu filho morriam no parto. Senti que tínhamos a obrigação de

12 milhões de noivas infantis • Todos os anos, 12 milhões de meninas no mundo são obrigadas a casar antes dos 18 anos. São 23 meninas por minuto, ou quase uma menina a cada dois segundos. • 1 em cada 5 meninas no mundo tem que se casar antes dos 18 anos. • Todos os dias, 15.600 meninas se casam na Índia, com idade média de 15 anos, embora o casamento infantil seja proibido. • A Índia é o país com o maior número de meninas que se casam quando ainda são crianças no mundo. • A convenção dos direitos da criança da ONU proíbe o casamento infantil, mas 93 países no mundo permitem que meninas se casem antes de completarem dezoito anos. • Uma das metas da ONU para 2030 é acabar com todos os casamentos infantis. • Se não conseguirmos reduzir o número de meninas que se casam quando crianças, espera-se que 1,2 bilhão de meninas no mundo se casem ainda crianças até 2050.

acabar com o casamento infantil para salvar vidas, mas também porque todas as meninas que eram vítimas perdiam a própria infância e tinham seus direitos violados. Ashok percebeu que as meninas já eram tratadas pior muito antes do casamento em si. – Desde o início da vida, meninos eram mais bem cuidados que meninas. Os filhos recebiam mais leite materno, alimentos, vacinas e outros cuidados de saúde do que as filhas. As meninas frequentemente ficavam subnutridas e depois eram levadas ao médico mais tarde (ou nunca) caso adoecessem. Enquanto meninos iam à escola e passavam tempo com os amigos, Ashok percebeu que as meninas das aldeias ficavam em casa, faziam todo o trabalho doméstico e cuidavam dos irmãos e irmãs menores. A ideia era que as meninas estivessem preparadas para se tornarem esposas de alguém e mães de alguém, não para viverem suas próprias vidas. – Queríamos ser as vozes e

Participamos dos clubes de Ashok! Ajay, 17

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Anjali, 14

Akosh, 17

Anjali, 14

Akosh, 16

Anyum, 14

Akosh, 17


50.000 meninas foram alcançadas pelo trabalho de Ashok e sua organização. Metade delas são garotas solteiras em 500 aldeias que fizeram o curso de habilidades para a vida e agora pertencem a um clube de meninas.

os defensores das meninas. Em 1985, Ashok e seus colaboradores fundaram a organização IHMP (Instituto de Gestão de Saúde Pachod, na sigla em inglês), um centro para trabalhar com prevenção, cuidados de saúde geral e materna, e para combater o casamento infantil e lutar pelos direitos das meninas.

– Nada viola tanto os direitos de uma menina quanto ser exposta a um casamento infantil. Ela é obrigada a abandonar a escola para se tornar escrava do marido, alimentar seus filhos e fazer todo o trabalho doméstico. Ela tem

sua família, seus amigos, sua liberdade e seus sonhos roubados. A menina se torna prisioneira em sua própria casa. Eu me perguntava: será que as famílias, na verdade, desejavam outra vida para suas filhas? Além disso, o casamento infantil é proibido na Índia, explica Ashok. Depois de conversar com milhares de aldeões, Ashok entendeu muitas coisas importantes. A grande maioria das famílias não queria casar suas filhas quando crianças, mas antigas tradições, a pressão do grupo e a pobreza as faziam sentir que não tinham escolha. Todos os vizinhos ficavam muito des-

Anand, 17

Bhimrau, 17

A menina é escravizada

Ashawini, 14

Ashawini, 13

O livro sobre habilidades para a vida, que é muito importante para as meninas.

confiados se uma família não casasse a filha cedo, como sempre havia sido feito na aldeia. As fofocas se espalhavam rapidamente. “Deve haver algo errado com a filha, por que eles não querem casá-la? Talvez algo esteja errado com toda a família”. Na Índia, a família da menina paga um dote para a família do marido quando é hora do casamento, embora isso também seja proibido pela legislação indiana. O dote pode ser dinheiro, móveis, joias, carros, motocicletas, gado ou qualquer outra coisa. Quanto mais velha uma menina é, mais sua família tem que pagar. Portanto, famílias

Chetan, 16

Bhagyshree, 14

pobres muitas vezes se sentem obrigadas a casar suas filhas cedo. Assim fica mais barato. Como a menina se casa e vai embora tão cedo, as famílias acham que não há motivo para deixá-la ir à escola por um tempo longo. Isso é dinheiro desperdiçado, porque a filha não vai contribuir com dinheiro para a família, mas se tornará dona de casa e cuidará de sua nova família. Além disso, as famílias têm medo de que meninos e homens abusem sexualmente de suas filhas caso elas saiam de casa, por exemplo, a caminho da escola. Isso prejudica a honra da filha e da família, e dificulta o casamento da menina.

Koran, 15

Gangasagar, 12

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Habilidades para a vida das meninas – Percebemos que as garotas tinham seus direitos violados porque a sociedade não era igualitária, mas sim uma sociedade em que meninas e mulheres não tinham valor em muitos aspectos. O conhecimento e o poder sobre suas próprias vidas lhes eram negados. Também entendemos que muitas famílias não queriam que assim fosse, desejavam que suas filhas não se casassem na infância, concluíssem a escola, ganhassem mais conhecimento e fossem felizes. Os aldeões e Ashok decidiram iniciar clubes somente para meninas, onde elas pudessem se fortalecer e aprender coisas importantes. Juntos, eles desenvolveram um livro didático sobre o tema “educação em habilidades para a vida”, que ajudaria as

meninas a viver melhor. Os temas foram escolhidos a partir daquilo que os próprios aldeões consideravam importante que suas filhas soubessem. Isso incluía tudo, de direitos das meninas, menstruação e saúde, onde denunciar abuso, e como funciona o banco, até aprender um ofício para se sustentar quando adultas. Com mais conhecimento, Ashok esperava que as meninas, suas famílias e aldeias inteiras elevassem o status das meninas e as protegessem melhor contra o casamento infantil.

Clubes de meninas – Como as meninas raramente ou nunca saíam de casa ou da escola, tivemos que pensar em formas de conseguir que as aldeias aprovassem nosso trabalho. Duas coisas muito importantes foram encontrar um caminho seguro e um

Nos clubes de Ashok, as meninas aprendem: • Sobre os direitos da criança. • Sobre os direitos das meninas. • Sobre o casamento infantil. • Sobre menstruação, saúde e coabitação. • Sobre o direito das mulheres ao divórcio. • Sobre a violência dos homens contra as mulheres, como espancamento da esposa. • Como e onde meninas podem denunciar se forem submetidas a abuso. • A usar tablets e a Internet. • Uma profissão, por exemplo, costura. • Como a sociedade funciona, por exemplo, a polícia, os bancos e o Conselho da Aldeia. – Fazemos visitas de estudos com os clubes de meninas. Antes, somente os homens sabiam como isso funciona na sociedade. As mulheres eram totalmente dependentes dos homens e completamente impotentes. Agora temos mais conhecimento e, portanto, mais controle sobre nossas vidas, diz Salia, 15, uma das cerca de 25.000 meninas que concluíram o curso de habilidades para a vida de Ashok até o momento.

A caminho do clube de meninas.

Ramday, 16

Kaveri, 13

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Ravi, 16

Komal, 13

Rushikes, 16

Manisha, 12

Sagar, 16

Marjika, 13

Sahel, 16


lugar seguro para as meninas se reunirem e aprenderem. As próprias aldeias puderam propor lugares para o ensino de habilidades para a vida. Podia ser a sala de reunião da aldeia, um templo ou uma sala de aula depois do horário escolar. Como as aldeias confiavam muito nas profissionais de saúde, que são chamadas de Asha, e estão em todas as cidades indianas, Ashok achou que elas seriam as professoras perfeitas para as meninas. As profissionais de saúde foram treinadas pelo IHMP para ensinar educação em habilidades para a vida, e em 1999 os primeiros clubes puderam ser fundados. Cada clube consistia de 25 meninas solteiras, com idades entre 11 e 19 anos, que se reuniam duas vezes por semana durante um semestre. – A autoconfiança das meninas crescia à medida que elas adquiriam mais conhecimento e a oportunidade de sair de casa e conversar umas com as outras em um lugar que era apenas delas. E lá suas opiniões importavam. As meninas espalharam o que aprenderam sobre os direitos das meninas para seus pais e vizinhos. Ashok e o IHMP fundaram clubes de meninas em cada aldeia da região. Antes da conclusão do curso, as meninas escolhiam alguém entre elas para receber treinamento de liderança e depois liderar os clubes e ensinar no futuro. Os clubes de meninas também começaram a protestar e fazer teatro de rua por seus direitos nas aldeias. O IHMP treinou pais, policiais, conselheiros da aldeia e outros sobre os direitos das meninas.

Sandeep, 17

Palavi, 14

Meninas que haviam se formado no curso de habilidades para a vida e que continuaram nos clubes de meninas, conseguiram impedir um casamento infantil depois do outro e continuam na escola. Elas obtiveram conhecimento e coragem, e conseguiram persuadir seus pais a pararem de planejar o casamento infantil.

Reunião do clube de rapazes Os meninos se reúnem uma vez por mês e aprendem sobre os direitos das meninas, o casamento infantil e a igualdade de gênero.

Meninas corajosas Depois de algum tempo, aconteceu algo com o casamento infantil nas aldeias ao redor de Pachod. – As meninas que haviam se formado no curso de habilidades para a vida e que continuaram nos clubes de meninas, conseguiram impedir um

casamento depois do outro e continuar a frequentar a escola. As meninas haviam obtido conhecimento e coragem. Elas aprenderam a defender sua causa com bons argumentos e, assim, conseguiram persuadir seus pais a pararem de planejar o casamento infantil. Um grupo que antes era totalmen-

te invisível e sem poder, de repente, conseguia explicar seus direitos e por que era importante que as filhas também concluíssem os estudos e aprendessem uma profissão! explica Ashok. Embora o trabalho estivesse indo bem, Ashok temia que o desenvolvimento fosse lento

Ashok e o IHMP trabalham assim

Ashok e o IHMP lutam contra o casamento infantil e pelos direitos das meninas por meio de: • Fundar clubes de meninas para garotas solteiras, onde elas aprendem sobre seus direitos e recebem educação em habilidades para a vida. Os clubes de meninas também servem como lugares seguros para as garotas, onde podem conversar sobre coisas que são importantes para elas. • Fundar clubes de rapazes para meninos solteiros, onde eles aprendem sobre casamento infantil, direitos das meninas e igualdade de gênero. • Educar casais recém-casados, quando a noiva é uma criança menor de 18 anos, sobre os direitos das meninas e como é importante adiar a primeira gestação o maior tempo possível para salvar a vida da menina e da criança por nascer. • Educar pais, policiais, membros do conselho da aldeia e assistentes sociais de muitos países sobre os direitos das meninas e a igualdade de gênero.

Rupali, 12

Subhesh, 15

Sania, 13

Vinad, 17

Seema, 14

Vinad, 22

Uramila, 14

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 TEXTO: ANDREAS LÖNN FOTOS: JOHAN BJERKE

O irmão mais velho de Baisheli e Arati participam de um dos clubes de rapazes de Ashok. Isso o fez começar a ajudar em casa, para que suas irmãs tenham tempo de brincar e fazer o dever de casa.

demais. Muitas meninas continuavam a ser obrigadas a casar, e muitas morriam durante o parto. – Começamos a trabalhar com casais recém-casados onde a menina era criança, ou seja, menor de 18 anos. Explicávamos a ela, a seu marido e a toda a aldeia sobre todos os perigos que a menina corria ao engravidar, tentando fazê-los adiar a primeira gestação pelo maior tempo possível. Junto com os profissionais de saúde do estado, tentamos mudar a visão das pessoas sobre o que é uma idade adequada para se casar.

Explicávamos os benefícios da contracepção e ensinávamos sobre os direitos das meninas. Também garantíamos que as meninas recebessem apoio e exames regulares de saúde. Assim, a morte de muitas meninas jovens foi evitada.

E os rapazes? Durante os quarenta anos de trabalho, Ashok e o IHMP nunca encontraram uma resistência séria, porque tudo o que fazem é baseado naquilo que os próprios aldeões desejam para suas filhas. Mas, às vezes, rapazes adolescentes e jovens nas aldeias atiravam

Tillsammans – Eu nunca conseguiria fazer esse trabalho sozinho. Sem meus amigos e colegas de trabalho, a luta pelos direitos das meninas não funcionaria. Somos uma equipe, diz Ashok. Manisha do escritório de Pachod trabalha com ele desde o começo.

pedras contra eles e gritavam: “Vocês ensinam as meninas a subir em nossas cabeças! Da próxima vez que vocês vierem, vamos apedrejá-los!”. Ashok percebeu que os meninos se sentiam excluídos e que isso era um grande erro. – É claro que os rapazes devem entender e participar para que possamos impedir o casamento infantil. Afinal, são homens que se casam com meninas jovens, e são rapazes e homens que espancam e discriminam meninas e mulheres. Portanto, os rapazes também devem participar e aprender sobre a igualdade de gênero. Em 2014, Ashok e o IHMP também começaram a fundar clubes de rapazes, que funcionam mais ou menos como os clubes de meninas. Os meninos se reúnem uma vez por mês e aprendem sobre os direitos das meninas, o casamento infantil e a igualdade de gênero.

Grande progresso 50.000 meninas foram alcançadas pelo trabalho de Ashok. Metade delas são garotas solteiras de 500 aldeias, que fizeram o curso de habilidades 58

para a vida e agora pertencem a um clube de meninas. 5.000 rapazes e homens jovens solteiros foram alcançados até agora através dos clubes de rapazes. A idade de uma menina no momento do primeiro parto aumentou para 18 anos nas aldeias em que o IHMP trabalha. Menos mães e crianças morrem no parto. Hoje o IHMP opera em 173 aldeias e possui 120 funcionários, como médicos, enfermeiros, pesquisadores e assistentes sociais. – Quando começamos nosso trabalho em Pachod, a idade média de uma menina ao se casar era de quatorze anos, hoje é de dezessete. Melhorou, mas obviamente não estaremos satisfeitos até que todas que se casam tenham pelo menos dezoito anos. Nas aldeias onde a Ashok trabalha, o status das meninas aumentou significativamente, e a reputação de seu trabalho se espalhou pelo mundo. No centro de Pachod, o IHMP fez treinamento para assistentes sociais do Afeganistão, Bangladesh, Nepal, Sri Lanka, Tailândia, Etiópia, Quênia, Somália e Sudão. – Nossos objetivos são a liberdade das meninas e uma sociedade livre de discriminação e desigualdade de gênero. Temos um longo caminho para chegar lá, mas toda vez que encontro as meninas em nossos clubes e ouço sobre seus sonhos para o futuro, ganho mais força para continuar esta importante missão! diz Ashok. c


Teatro salva as vidas de meninas É noite na pequena cidade de Jamkhed. Junto a um templo em uma rua movimentada, um dos clubes de meninas de Ashok apresenta uma peça pelos direitos das meninas. Koyal, 14, e Dipali, 13, fazem uma sentimental apresentação de dança – e um número de teatro. O público, composto de meninos, meninas, homens e mulheres de todas as idades gosta do que vê e ouve. – O teatro de rua é uma ótima maneira de fazer as pessoas aprenderem coisas importantes, diz Koyal após a performance.

A

canção em nossa apresentação de dança é sobre não matar meninas, mas sim nos dar uma

chance de ir à escola e ter uma vida digna. Na Índia, acontece de meninas serem mortas antes do nascimento, pois os

filho se casa. A família ganha dinheiro com o filho e perde dinheiro com a filha, explica ela. – Fico furiosa ao pensar nisso! Não está certo, e é por isso que temos teatro de rua. Tentamos mudar a forma das pessoas enxergarem as meninas. Mostrar que as meninas têm o mesmo valor que os meninos, diz Dipali. Embora as peças do clube de meninas geralmente sejam sobre coisas sérias, e elas se apresentem diante de grandes públicos, as meninas não hesitam nem por um segundo. – Não ficamos nem um pouco nervosas quando nos apresentamos, é apenas divertido. E importante. Continuaremos por muito tempo! c

Não ao dote! – O dote não é nada bom. Ele cria grandes problemas para as meninas. É proibido por lei, mas ainda ocorre, afirma Koyal. No futuro, Koyal quer ser médica, e Dipali quer ser policial.

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 TEXTO: ANDREAS LÖNN FOTOS: JOHAN BJERKE

pais abortam se descobrirem que o bebê é menina. Também pode acontecer de meninas serem mortas logo após o nascimento, quando percebem que a criança é menina, diz Dipali, com tristeza. Koyal acena com a cabeça e tenta explicar: – A família de uma menina paga o dote à família do homem por ocasião do casamento. Eles pagam toda a festa de casamento, dão dinheiro, utensílios domésticos, cabras, carros e outras coisas para a família do marido. O dote é demais para muitas famílias pobres, e é por isso que elas decidem se livrar das filhas. Um filho não custa dinheiro. Em vez disso, mais uma menina entra para a família com dote quando o


Família contra o casamento infantil

Salia, 15 Mora: Na aldeia de Brahmangaon.

Ama: Meu irmãozinho! Detesta: Que nós, meninas e nossas opiniões, não contamos.

O melhor que já aconteceu: Quando consegui impedir meu casamento infantil. O pior que já aconteceu: Quando meu casamento estava sendo planejado. Quer ser: Professora ou assistente social na organização de Ashok, o IHMP. Admira: Meu avô paterno. Ele me respeita e escuta tudo que eu digo. Também admiro todos no IHMP que lutam por nossos direitos. Quero ser como eles!

A greve de fome de Salia contra o – Sem o clube de meninas de Ashok, minha vida teria sido totalmente diferente. Eu seria casada, obrigada a abandonar a escola e provavelmente já seria mãe, mesmo sendo apenas uma criança. Quer dizer, se sobrevivesse ao parto. Minha vida teria acabado, diz Salia, 15, seriamente. Ela estava prestes a se tornar uma das 15.600 meninas que são obrigadas ao casamento infantil diariamente na Índia.

A “

quele dia, dois anos atrás, foi como qualquer outro. Eu e minha mãe estávamos sentadas junto ao fogo, conversando e cozinhando juntas. Ela fez um cozido de legumes e eu fiz pão chapati. Enquanto estávamos sentadas, uma mulher de uma família que mora perto veio visitar. Não havia nada de estranho nisso. Parentes, vizinhos e amigos costumam visi60

tar uns aos outros em nossas aldeias. Nós comemos, conversamos e desfrutamos o momento. Porém, um pouco mais tarde, depois do jantar, tudo mudou. De repente, ouço a mulher dizer: – Quero que você me dê sua filha Salia para ser esposa do meu filho. Fiquei chocada e comecei a chorar. Eu realmente não queria me casar. Queria frequen-

tar a escola, que amava. Eu tinha apenas treze anos e sabia que o filho dela era pelo menos dez anos mais velho, era um homem adulto. Parecia irreal.

Resistimos Eu participava de um dos clubes de meninas de Ashok e aprendi muito sobre como o casamento infantil é ruim. Eu sabia que teria que parar de estudar, e que havia um alto risco de eu e meu filho morrermos, se engravidasse. Acima de tudo, eu sabia que o casamento infantil era ilegal. Fiquei preocupada e furiosa. Foi muito estranho minha família sentar e debater sobre me casar. Eu chorei e não consegui dormir à noite. Os pensamentos apenas giravam na minha cabeça. A mulher dor-

Educação por uma vida melhor – É muito importante que as meninas recebam educação! Se uma menina que tem pouca ou nenhuma educação é obrigada a se casar aos 12-13 anos de idade, fica fácil para um homem adulto tratá-la como sua propriedade. Ele a domina e faz o que quiser. Porém, se a menina frequentou a escola e tem mais de 18 anos, não é tão fácil. Neste caso, ela tem mais conhecimento, melhor autoconfiança e é mais independente, podendo ter uma vida melhor, explica Salia.


Salia mói Chili e faz pão chapati junto com sua mãe.

– As melhores coisas que tenho são as que uso para a escola. Os livros, minhas canetas e a mochila escolar, diz Salia. Salia mói Chili e faz pão chapati junto com sua mãe.

miu em minha casa, mas no dia seguinte eu não disse uma palavra a ela antes de sair para a escola. Parecia que ela queria destruir a minha vida. E quando cheguei à escola foi impossível me concentrar. Sentia-me muito magoada. Estava tão preocupada que decidi pedir ajuda a minhas amigas Rojina e Saima. Elas também participavam do clube de meninas. Juntas, decidimos resistir. Embora, obvia-

Meu pai e avô são bons homens

Três gerações Tanto a mãe de Salia, Sajida, quanto sua avó paterna, Jeitun, se casaram quando tinham doze anos de idade. – Quando eu era jovem, as meninas não iam à escola. Ninguém pensava em nós. Acho ótimo que Salia ainda não tenha se casado e possa ir à escola e ter um bom futuro, diz a avó.

– Em minha família, minha mãe e meu pai decidem juntos. Mas o mais comum é que o pai tenha mais poder em uma família e decida se um casamento deve ou não ser arranjado. Amo meu pai Samad porque ele escolheu cancelar meu casamento! E meu avô Jalal está completamente mudado. Antes, ele acreditava que o casamento era bom, agora não acha mais. Ele tem orgulho do fato de eu liderar o clube de meninas e vai à cidade de Pachod receber mais educação sobre os direitos das meninas. Ele quer me acompanhar até lá, e isso me deixa feliz!

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 TEXTO: ANDREAS LÖNN FOTOS: JOHAN BJERKE

casamento infantil


mente, eu me sentisse péssima, foi bom não estar sozinha.

No quadro que Salia, Rojina e Saima mostram às outras, está escrito:

A greve de fome

O que aprenderemos hoje

Rojina me acompanhou até a casa depois da aula e contou a meus pais sobre uma menina que fora forçada a um casamento infantil arranjado. A menina ficou tão desesperada que cometeu suicídio, afogando-se no poço da aldeia. Minha mãe ficou assustada ao ouvir isso, e conversou com meu pai. Eu sabia que, na verdade, meu pai estava do meu lado, mas ainda temia que ele se sentisse pressionado e aceitasse a proposta da mulher. Enquanto ensinávamos minha mãe, meu pai e o resto da família sobre o casamento infantil e os direitos das meninas, comecei a fazer greve de fome. Eu disse: – Não vou comer nada até acabarem com esse casamento. Quero frequentar a escola! Eu me recuso a casar! Finalmente, toda a família entendeu que eu falava sério e cancelou meu casamento. Fiquei muito feliz e me senti livre! A família da mulher, por outro lado, ficou muito zangada e desapontada. Eles ainda não falam conosco desde então.

O que é o casamento infantil? Por que o casamento infantil é perigoso? Qual é a idade legal do casamento para um menino e uma menina?

Clube de meninas de Ashok Graças ao clube de meninas de Ashok, obtive conhecimento, apoio e coragem para ousar falar com minha família e lutar contra o casamento infantil. Ashok salvou minha vida e sou muito grata por isso! Entrei para o clube de meninas em nossa aldeia quando eu tinha treze e agora sou líder de um clube de meninas com minhas amigas Rojina e Saima. Somos vinte meninas que se reúnem todas as quartas e sábados, e eu adoro! As reuniões duram duas horas. Passamos tempo juntas e nos divertimos, mas falamos principalmente sobre os direitos das meninas.

Por que as garotas são forçadas ao casamento infantil? Salia acredita que o casamento infantil se deve principalmente a três coisas: Economia Se uma família é pobre, pode casar uma filha, então ela se torna uma boca a menos para alimentar. Segurança Quando uma filha entra na puberdade, os pais temem que ela seja estuprada ou explorada de outra maneira. Acreditam que ela está mais segura em um casamento. Honra Ao garantir que a filha não seja estuprada, não tenha namorados nem outros relacionamentos antes de se casar, a família mantém a honra. 62

Aqui, as meninas são expostas a muitas violações. Nós, garotas, nunca podemos escolher se frequentaremos a escola ou não. Nunca podemos decidir se ou quando devemos nos casar. As meninas fazem todo o trabalho em casa, pois as famílias e a sociedade acreditam que devemos estar preparadas para a vida de mulheres casadas. Ser capazes de cuidar do marido e dos filhos. Por isso, buscamos água, cozinhamos, lavamos pratos, limpamos e lavamos roupas. Além disso, tentamos ter tempo para a escola e nosso dever de casa, se tivermos a sorte de estudar! Às vezes, os rapazes ajudam seus pais na agricultura, mas geralmente eles não fazem nada além de sair com os amigos. Isso não está certo!

Fazemos o que é certo! Por meio do clube de meninas, adquirimos conhecimento e nos tornamos mais fortes juntas. Nossa autoconfiança melhora e ousamos dizer o que pensamos. E, agora que somos muitas, as pessoas começam a nos ouvir! Reunimos adultos e crianças nos conselhos da aldeia, onde falamos sobre os direitos das meninas. A última coisa que fizemos foi uma passeata de protesto pela aldeia; éramos quarenta meninas quando começamos, porém, mais e mais pessoas se juntaram ao longo do percurso, então no final éramos muitos!

Carregamos cartazes e gritamos que o casamento infantil deve ser combatido e os direitos das meninas devem ser respeitados. É claro que alguns adultos estavam insatisfeitos conosco e alguns rapazes nos provocaram e riram, mas não nos importamos. Sabemos


Líder orgulhosa pelos direitos das meninas – Quando eu e minhas muitas amigas da aldeia concluímos o Curso de Habilidades para a Vida, ministrado pela organização de Ashok, as outras meninas me escolheram como líder do nosso clube. Fiquei muito feliz e orgulhosa! Junto com as líderes de clubes de outras aldeias, vou à organização de Ashok regularmente para aprender ainda mais sobre os direitos das meninas e como ensinar habilidades para a vida, afirma Salia.

que o que estamos fazendo é certo. Isso é importante para mim. Quero que outras meninas tenham a força de ousar dizer não ao casamento infantil, como eu fiz. Que todas as garotas conheçam seus direitos para que possamos nos defender melhor quando nossos direitos forem violados”. c

O clube de meninas é liberdade – O clube de meninas é o único lugar onde podemos ser completamente livres. Lá, podemos nos encontrar e aprender coisas importantes sobre nossas vidas, conversar umas com as outras, rir e compartilhar problemas. Na maioria dos casos, não há nenhum lugar desse tipo, nem oportunidade para nós, meninas, nos reunirmos. Em aldeias como a minha, as meninas não têm a chance de conversar. Nossas opiniões não contam. Não somos ouvidas. Sem Ashok e o IHMP, nunca teríamos essa liberdade, afirma Salia.

Bem-vindas! – Hoje vamos falar sobre o casamento infantil e os direitos das meninas, diz Salia, dando as boas-vindas a todas as meninas do clube.

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Conhecimento é o melhor presente! – A educação em Habilidades para a Vida que nós, meninas, recebemos da organização de Ashok me deu conhecimento e autoconfiança. Antes, meu pai sequer pensava na minha educação. Agora ele entendeu e tem grandes planos para o meu futuro! diz Rojina, 15, que sonha um dia ser professora. Porém, Rojina ensina desde já, pois é líder de um clube de meninas, que elas decidiram chamar de Savitribai Phule.

S

avitribai Phule viveu no século XIX. Ela foi a primeira professora mulher da Índia, fundou uma escola para meninas e lutou pelas meninas e pelos direitos da mulher. Savitribai abriu o caminho para nós, meninas, e ela é um exemplo para mim. Sinto uma grande gratidão. Se não fosse por ela, as meninas nunca teriam tanta liberdade. Nós seríamos prisioneiras em nossas próprias casas. Sou uma das líderes do nosso clube de meninas e, às vezes, quando informamos sobre os direitos das meninas nas aldeias ou escolas, costu-

mamos apresentar uma peça de teatro sobre Savitribai Phule. Acredito que é importante, pois a mensagem dela sobre os direitos das meninas é tão importante hoje quanto na época em que ela viveu. Ainda assim, algumas famílias continuam impedindo que suas filhas estudem. Eles acham que não vale a pena, porque, de qualquer forma, a filha vai se casar e pertencer a outra família.

Meninas melhoram a aldeia Acho que esse pensamento é totalmente errado. Se uma menina recebe educação, isso

Rojina como aluna …

… e como Savitribai Phule.

… educadora de pares …

não muda apenas sua própria vida. A família, a aldeia e toda a sociedade também mudam para melhor. Na Índia, as meninas também são submetidas a assédio e violência sexual. O abuso à esposa também é muito comum. No entanto, à medida que as meninas frequentam a escola e aprendem sobre seus direitos em clubes de meninas como o nosso, acho que as coisas vão mudar. Esse conhecimento que 64

obtive da organização de Ashok me deu autoconfiança. Como líder do clube de meninas, tenho que passar adiante esse conhecimento que recebi sobre os direitos das meninas para outras pessoas, crianças e adultos. E conhecimento é o melhor presente que se pode dar a alguém. Quando faço isso, sinto-me um pouco como Savitribai Phule, e isso me deixa realmente orgulhosa!”. c


Têm o mesmo valor – Muitos adultos que assistem minha apresentação se surpreendem que eu, como muçulmana, escolhi apresentar uma peça sobre Savitribai, que era hindu. Mas todos ficam felizes e acham ótimo! diz Rojina.

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 TEXTO: ANDREAS LÖNN FOTOS: JOHAN BJERKE

Aqui, Rojina ensina alunos em sua escola, a Swaraj Maahyamik Vidyalaya School, sobre os direitos das meninas com uma apresentação sobre a primeira mulher professora da Índia, Savitribai Phule. – Meu sonho é ser professora no futuro. Então, ensinarei muito sobre os direitos das meninas e sobre a igualdade. Também quero me tornar membro do Conselho da Aldeia para influenciar as decisões, afirma Rojina.


Saima fortalece garotas Saima tem apenas 16 anos de idade, mas, na verdade, devia ter abandonado a escola e se casado há muito tempo. Em vez disso, ela estuda e luta para que as meninas sejam independentes e tratadas com respeito.

Q

uando eu tinha treze anos, outra família perguntou pela primeira vez ao meu pai se ele queria me casar. Depois disso,

vieram muitas outras propostas. Mas meu pai recusou todas elas. Ele explicou que não há interesse em casamento antes de ter estudado por

quinze anos, o que significa que ele acha que devo concluir a universidade primeiro. Ele pensa assim porque sempre lhe contei o que aprendi sobre os direitos das meninas no clube de meninas de Ashok. Meu pai permitiu que eu lhe explicasse e entendeu. Eu o amo por isso! O conhecimento e a autoconfiança que conquistei através da organi-

Mantenham-se informadas! Saima ensina às meninas como um tablet e a internet funcionam.

Independentes e iguais

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 TEXTO: ANDREAS LÖNN FOTOS: JOHAN BJERKE

A exposição de Saima!

zação de Ashok, o IHMP, me deram a chance de seguir adiante e tentar realizar meus sonhos. Meu grande sonho é me tornar médica um dia.

Meninas independentes Agora participo e sou líder do clube de meninas de nossa aldeia. Como líder, o IHMP me deu a oportunidade de fazer cursos para aprender a usar um tablet. Agora eu ensino outras meninas a procurar informações na internet, e podemos obter muitas notícias e conhecimento desta forma. Assim, nós, meninas sabemos o que está acontecendo na sociedade e no mundo. Ser capaz de usar um tablet aumenta a autoestima, e os outros nos tratam com mais respeito. Agora as pessoas da aldeia nos ouvem. Antes não era assim. Naquela época, apenas meninos e homens eram informados e adquiri-

-am conhecimento. O conhecimento era negado às meninas. Portanto, era fácil para os homens explorarem e enganarem meninas. As meninas tornavam-se posses dos homens, que podiam fazer exatamente o que queriam com elas. Agora que temos conhecimento, podemos ousar expressar nossas próprias opiniões e, por isso, não é tão fácil sermos exploradas ou abusadas. Recebemos mais respeito. Nos tornamos mais independentes.

Ganha o próprio dinheiro A organização de Ashok também me ajudou a fazer um curso de costura, com certificado de conclusão. Eu quis fazer o curso porque gosto de roupas, mas também para saber que tenho uma formação profissional. Para uma menina, isso é muito importante, porque podemos

ganhar nosso próprio dinheiro e, assim, nos tornar mais independentes e iguais aos homens. Agora costuro roupas por encomenda. Os clientes vêm até mim com os tecidos e eu costuro. Cobro entre 100 e 200 rúpias como pagamento, dependendo do tipo de trabalho. Com esse dinheiro, posso pagar meus livros escolares e passagens de ônibus para a escola. Também posso ajudar minha família com algum dinheiro e isso me faz sentir muito bem”. c

Salário paga livros escolares e passagens de ônibus – Cobro entre 100 e 200 rúpias por peça, dependendo do tipo de trabalho, conta Saima.

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Rapazes devem respeitar as meninas! – Prometo o seguinte: Não vou me casar antes dos 21 anos e não me casarei com uma menina menor de 18 anos! Há um clima solene quando os vinte rapazes fazem juntos suas promessas fortes e claras, como sempre ocorre ao final de cada reunião do clube. Sagar, 15, e os outros rapazes da pequena aldeia de Rohilagadh, pertencem aos cinco mil meninos e jovens homens que foram alcançados até o momento pela mensagem de Ashok, de que meninas e meninos têm o mesmo valor. “

N

ós, no clube de rapazes, nos reunimos duas vezes por mês e conversamos sobre casamento infantil, assédio de meninas, tráfico de mulheres, masculinidade, igualdade e muito mais. A reunião dura duas horas, e Ravindra, que nos ensina, é assistente social na organização de Ashok, o IHMP. 68

É importante que falemos sobre essas coisas, pois a vida aqui é mais difícil para as meninas do que para os rapazes. O casamento infantil ainda é algo que afeta as meninas, por exemplo. No clube, aprendemos que é ilegal forçar uma menina com menos de dezoito anos a se casar, mas algumas famílias ainda o fazem. Se uma menina

se casa quando criança, ela tem que abandonar a escola para cuidar do marido. Isso não deveria acontecer. Todas as crianças devem ter as mesmas oportunidades de conhecer o mundo e a vida. Para realizar seus sonhos, a pessoa precisa frequentar a escola primeiro. Além disso, uma menina

Quer mudar – Discriminar contra as meninas não é certo. Entrei para o clube de rapazes para obter mais conhecimento, a fim de, junto com os outros, participar, influenciar e mudar, afirma Sagar. Aqui, os rapazes são ensinados por Ravindra, da organização de Ashok, o IHMP.


Sagar ajuda a buscar água e lavar roupa e, por isso, suas irmãs Baisheli, 13, e Arati, 12, também fazem o dever de casa, encontram amigas e brincam.

Um homem de verdade Antes considerava-se “homem de verdade” um rapaz grande e forte que espancava sua esposa. Ele era o “chefe” da mulher e ela devia obedecer e fazer tudo que ele mandava.

No clube de rapazes de Ashok, aprendemos que um homem de verdade respeita meninas e mulheres, trata-as bem e enxerga as mulheres como iguais. Um bom homem oferece aos filhos e filhas a mesma atenção e chances na vida. Ele faz coisas boas para todos na sociedade e na aldeia. Ele é simplesmente uma boa pessoa! Quero ser um homem assim quando crescer, mas tento ser assim desde já. Em casa, eu busco água e lavo a roupa.

Ashok é um exemplo – Ashok é um homem que trata meninas e mulheres com respeito, como seres humanos. Ele é um exemplo importante, e quero ser como ele, diz Sagar.

Quero ajudar para que minha mãe e minhas irmãs não precisem fazer tudo. Não estaria certo se eu mandasse em minhas irmãs e decidisse o que elas devem fazer. Agora fica justo, pois elas geralmente ajudam a limpar e cozinhar. No passado, as meninas faziam tudo em casa, mas aqui melhorou muito depois das reuniões no clube de rapazes, onde aprendemos sobre igualdade.

Rapazes são necessários Para que as garotas tenham uma vida melhor, precisamos aprender sobre os direitos das meninas e a igualdade. Não ajuda se houver apenas clubes de meninas, deve haver clubes para nós, rapazes, também, para que as garotas sejam tratadas com respeito. Se os clubes de Ashok não existissem, ainda teríamos muito mais casamentos infantis arranjados aqui. Mas agora

• Homens obrigam meninas e mulheres a fazer todo o trabalho em casa. • Rapazes assediam garotas no caminho para a escola. Eles dizem coisas estúpidas e obrigam as garotas a assistir pornografia em telefones celulares. • Homens obrigam filhas e irmãs ao casamento infantil, o que significa que elas precisam abandonar a escola. • Meninas são assediadas e maltratadas em suas casas pelos próprios pais e, depois, por seus maridos. • Meninos expõem meninas ao estupro e outras violências sexuais.

começa a haver uma diferença. Meninas vão à escola e são tratadas com mais respeito, e acredito que a vida será boa para todos no futuro”. c

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 TEXTO: ANDREAS LÖNN FOTOS: JOHAN BJERKE

mais nova não está pronta para ter filhos. A menina e o recém-nascido podem morrer no parto. E, se eles sobreviverem, a menina ainda não está pronta para cuidar de crianças e da família. Ao acabar com o casamento infantil, realmente salvamos a vida das meninas.

A lista de Sagar de como meninos violam meninas


POR QUE GUYLANDE É NOMEADA?

Heroína dos direitos da criança nomeada

Guylande Mésadieu

PÁGINAS 70–87

Guylande Mésadieu é nomeada ao Prêmio das Crianças do Mundo por sua luta pelas crianças mais vulneráveis do Haiti – escravas domésticas, crianças de rua e crianças encarceradas. Entre 225.000 e 300.000 crianças no Haiti vivem com uma família que não é sua própria, como restavèk. Elas são escravas domésticas, raramente frequentam a escola, são espancadas e, às vezes, exploradas sexualmente. Quando Guylande viu todas as crianças que eram obrigadas a viver na rua ou como escravas domésticas, ela e seus amigos fundaram a organização Zanmi Timoun, Amigos das Crianças. Desde então, Guylande tem lutado por crianças vulneráveis; já faz quase 20 anos. A Zanmi Timoun procura crianças que são escravas domésticas, crianças que vivem na rua e crianças encarceradas, as ajuda a obter certidões de nascimento e a irem à escola. Os pais recebem pequenos empréstimos para começar pequenos negócios ou algo com que a família possa ganhar algum dinheiro e não mandar os filhos para serem restavèk. Muitas crianças estão presas sem julgamento e podem ser totalmente inocentes. A Zanmi Timoun as ajuda serem libertadas. Nas escolas da Zanmi Timoun, as crianças podem concluir dois anos acadêmicos por ano letivo porque começaram os estudos atrasadas. No grande terremoto de 2010, centenas de milhares de crianças acabaram nas ruas, e famílias que perderam tudo mandaram seus filhos para outras famílias como escravos domésticos. A Zanmi Timoun ajuda muitas dessas crianças. A Zanmi Timoun também influencia os políticos do Haiti. Entre outras coisas, isso levou à criação de uma lei nacional contra o tráfico e abuso de crianças. O presidente nomeou Guylande como presidente do comitê formado para garantir o cumprimento da lei. 70

Guylande saiu da casa dos pais cedo. Durante a faculdade de direito, via crianças pobres que não estudavam e tinham que trabalhar como escravas domésticas para outras famílias. Ela decidiu fazer algo sobre isso e fundou a organização Zanmi Timoun, Amigos das Crianças.

G

uylande Mésadieu estava prestes a iniciar o ensino médio quando seu pai avisou que ela se mudaria para a capital do Haiti, Porto Príncipe. – Aqui está seu uniforme escolar e uma mala com roupas, disse o pai. – Mas onde vou morar? perguntou Guylande. – Arranjamos uma casa, respondeu o pai. Guylande estava habituada. Seus pais decidiam a maioria das coisas. Ela costumava comparar seu pai com um general. Suas palavras eram lei. Ele decidiu que ela estudaria em outra cidade aos oito anos de idade.

Então, quando os pais disseram que era hora de ela sair de casa, Guylande obedeceu. Ela viajou de sua cidade natal nas montanhas para um dos subúrbios da capital. Na capital, encontrou pobreza como conhecia em casa, mas aqui havia mais pessoas sem trabalho e crianças que não frequentavam a escola. As crianças ficavam na rua, mendigavam, roubavam e acabavam em apuros. Muitas crianças moravam com outras pessoas, onde eram forçadas a limpar, lavar, cozinhar, fazer compras e acompanhar outras crianças até a escola.

Queria ajudar as crianças Depois do ensino médio, Guylande começou a estudar direito na universidade. Ela fez uma reunião com seus amigos, onde discutiram como poderiam ajudar as crianças de seu bairro. Decidiram identificar quais crianças na área residencial não frequentavam a escola. Perguntaram às crianças por que elas não estavam na escola. A maioria respondeu que vivia com famílias que não eram suas próprias. Suas famílias não tinham condições de alimentá-las. Em vez disso, elas tinham que trabalhar com outras famílias em troca de comi-


O D O ELH A LT O M VO ND EM U A M ID M RR R U CO P O BO O

GL

R

da. Não havia tempo para irem à escola. Guylande sugeriu que reunissem tantas crianças quanto possível em sua casa. Lá, perguntariam o que elas desejavam fazer. Quase 50 crianças compareceram à primeira reunião, em 2001. A reunião foi no maior cômodo, o quar-

to. As crianças sentaram-se na cama, em cadeiras e no chão, encostadas nas paredes. – O que vocês fariam para melhorar suas vidas? perguntou Guylande. – Queremos ir à escola, responderam as crianças. E ter tempo para brincar. Para a próxima reunião,

Guylande junto com Poulette, que ela ajudou a sair da prisão. Poulette foi detida com oito anos e só foi libertada oito anos depois, embora fosse totalmente inocente.

cada uma das crianças prometeu trazer um amigo. Vieram tantas que não couberam na casa. Em vez disso, todos subiram para o telhado da casa. – O que vocês estão fazendo aí em cima?, gritou um homem, da rua. – Suba aqui, respondeu Guylande. O homem era professor da escola local. Guylande explicou que as crianças queriam aprender a ler e escrever. – E querem aprender a costurar, desenhar e tecer. – Mas por que vocês estão sentados aqui? perguntou o homem. Ele deu a chave de sua escola a Guylande. – Só temos aulas pela manhã. Vocês podem usá-la à tarde, disse o professor.

Muitos alunos das escolas da Zanmi Timoun são ou foram escravos domésticos, encarcerados ou sujeitos a violações de seus direitos de outras formas.

universidade, Guylande e seus amigos começaram a ensinar crianças de rua e crianças que trabalhavam como escravas domésticas. Rumores sobre a escola vespertina se espalharam. Logo, vieram também crianças que já estudavam, mas precisavam de ajuda com o dever de casa. Assim como Guylande, muitas crianças que frequentavam a escola vespertina vinham do interior. Suas famílias as mandaram traba-

Cada vez mais Enquanto continuavam na 71


Guylande e a Zanmi Timoun trabalham assim • Procuram crianças que são restavèk (escravas domésticas), encarceradas, crianças de rua ou expostas de outra forma. Ajudam crianças encarceradas a serem libertadas. • Descobrem as necessidades das crianças e as ajudam a obter certidões de nascimento, caso não tenham. • As crianças podem frequentar as escolas da Zanmi Timoun ou escolas de suas aldeias, se puderem ser reunidas a suas famílias. Nas escolas da Zanmi Timoun elas podem concluir dois anos acadêmicos por ano letivo, pois entraram atrasadas na escola. • As famílias das crianças podem obter pequenos empréstimos para iniciar um pequeno negócio, plantação ou outra forma de obterem um rendimento e não terem que mandar os filhos trabalhar como escravos domésticos. • Influenciam políticos a criar leis e trabalhar pelo respeito aos direitos da criança.

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Guylande e a organização Zanmi Timoun procuram crianças que são escravas domésticas, crianças que vivem na rua e crianças encarceradas, as ajudam a obter certidões de nascimento e a irem à escola.

lhar na capital porque não havia comida suficiente em casa. Para evitar que as crianças fossem mandadas para longe de suas casas, Guylande e seus amigos decidiram começar a trabalhar também em duas cidades menores. Eles educavam famílias pobres sobre direitos da criança e leis do Haiti. – As crianças devem ter certidões de nascimento para ter sua própria identidade e poder frequentar a escola, explicava Guylande. Cada vez mais pessoas conheciam seu trabalho e queriam ajudar como voluntárias. As pessoas contribuíam com apoio financeiro, livros, canetas, roupas e material escolar. Mais e mais crianças que precisavam de ajuda chegavam. No final, a pequena esco-

la vespertina já não era suficiente. Guylande e seus amigos decidiram abrir sua própria escola.

Nasce a Amigos das Crianças Muitas das crianças que vinham à escola vespertina eram mais velhas e haviam perdido os primeiros anos escolares. De acordo com as leis haitianas, as escolas só ensinavam um ano acadêmico por ano letivo. Guylande conseguiu, em 2007, convencer os políticos do Haiti que, na escola da Zanmi Timoun, os alunos deveriam ser capazes de aprender o conteúdo de dois anos acadêmicos durante um ano letivo. Agora tinham a própria escola, mas sua organização não tinha nome. Eles fizeram uma grande reunião com todos os voluntários e crianças.

– Precisamos de um nome para nossa organização, disse Guylande. – Zanmi Timoun, sugeriu uma criança. Zanmi Timoun significa Amigos das Crianças em crioulo, o idioma falado no Haiti. Muitos acharam uma boa ideia. Eles registraram o nome, elaboraram estatutos, convocaram reuniões anuais e elegeram um conselho. Foi isso que pessoas com muito dinheiro exigiram para apoiar a Zanmi Timoun. Os financiadores também queriam saber qual era o propósito da organização. Portanto, Guylande e seus amigos escreveram o que desejam fazer: trabalhar com crianças obrigadas ao trabalho doméstico, crianças encarceradas e crianças vítimas de violência e abuso.


 TEXTO: ERIK HALKJAER FOTOS: JESPER KLEMEDSSON

Guerline, à direita de Guylande, continua sendo escrava doméstica de outra família, mas agora frequenta a escola da Zanmi Timoun todos os dias.

Terremoto leva a mais crianças escravizadas Na tarde de 12 de janeiro de 2010, o Haiti foi atingido por um forte terremoto, que teve seu centro a apenas 25 quilômetros de Porto Príncipe. Os danos foram enormes. Dezenas de milhares de pessoas morreram e centenas de milhares foram feridas e ficaram desabrigadas. O terremoto obrigou centenas de milhares de crianças a viver nas ruas ou trabalhar como escravas. Famílias que perderam tudo mandaram os filhos morar com outras famílias onde pudessem conseguir comida em troca de trabalho. Quando as organizações internacionais de ajuda humanitária chegaram ao Haiti, muitas delas queriam ajudar as crianças. Milhões de dólares em apoio financei-

ro por vários anos foram prometidos à Zanmi Timoun, que conseguiu abrir um escritório. Guylande tornou-se diretora e, pela primeira vez, foi capaz de ter um salário. Ela pode contratar não apenas os amigos que, assim como ela, trabalharam gratuitamente por nove anos, mas também assistentes sociais e psicólogos para apoiar as crianças e seus pais. Crianças mais velhas que haviam se cansado da escola ou não conseguiram se formar puderam obter aprendizado em costura, panificação ou mecânica. Com mais recursos, Guylande e a Zanmi Timoun não tiveram apenas a oportunidade de ajudar mais crianças e suas famílias, mas também conseguiram começar a influenciar os políticos. Como resultado, o Haiti adotou em 2011 a Convenção da ONU con-

Quando Guylande e suas amigas precisavam de um nome para sua organização, uma garota apareceu com uma sugestão: “Amigos das Crianças”, Zanmi Timoun em crioulo, e assim ficou.

tra o Tráfico, para combater a escravidão e a exploração sexual de mulheres e crianças. Quatro anos depois, o Haiti adotou uma lei nacional contra o tráfico e o abuso infantil. O presidente criou um comitê especial para garantir o cum-

primento da lei. Guylande foi eleita presidente desse comitê! c 73


Dois anos acadêmicos por ano Muitas crianças no Haiti nunca começam a escola. Elas moram na rua ou são forçadas a trabalhar. Mais tarde, quando querem começar a estudar, as escolas dizem que não há vaga para alunos mais velhos nos primeiros anos.

A

Zanmi Timoun tem quatro escolas onde os alunos podem concluir dois anos acadêmicos por ano letivo. A Zanmi Timoun também trabalha para convencer dirigentes de escolas e professores de que todas as crianças, independentemente da idade, têm o direito de frequentar a escola. Não importa se um aluno é mais velho que os outros. Outra das escolas da Zanmi Timoun fica na favela de Cité Soleil, em Porto Príncipe, uma das maiores e mais perigosas favelas do mundo. Aqui estudam Emanuel, 14, e Jean-Noël, 14.

Conhecimento sobre lixo no tempo livre No Haiti, após as aulas, as crianças podem ir para casa brincar, fazer o dever de casa ou ajudar em casa. Não há muitas atividades recreativas e, portanto, a Zanmi Timoun criou clubes de lazer. Nos fins de semana, as crianças podem ir para a escola, onde jovens promovem diversas atividades. Eles também oferecem almoço. As crianças podem brincar, mas também aprendem sobre lixo e reciclagem, pois a degradação ambiental é um grande problema no Haiti.

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Da gangue para a escola “Antes, meu pai não podia cuidar de mim. Minha mãe morreu. Em vez de ir à escola, eu ficava na rua. Éramos um grupo que, para ganhar dinheiro, lavava carros nos cruzamentos. Uma vez, outro rapaz pegou meu dinheiro. No exato momento em que o motorista do carro que lavara ia me entregar o dinheiro, o outro rapaz tirou o dinheiro da sua mão e correu. Meu pai se sustenta recolhendo sucata,

que vende no mercado de ferro aqui. Mas é graças à Zanmi Timoun que eu pude começar a escola. Posso aprender muito. Quando crescer, aprenderei a dirigir motocicleta e táxi. Eu não convivo mais com os mesmos rapazes de antes. Agora tenho novos amigos”. Jean-Noël, 14

Sonhava com uniforme escolar “Comecei a escola quando era pequeno, mas minha mãe não podia pagar o uniforme escolar e todo o material necessário. Eu morava na rua. Para ajudar minha mamãe, eu lavava carros parados no sinal vermelho em cruzamentos. Às vezes, conseguia lavar quinze carros em um dia, mas acontecia dos motoristas me xingarem. Eles não queriam que eu lavasse seus carros. Também havia gangues nas ruas, mas não quis fazer parte delas. É muito perigoso. Eles podiam me atacar quando sabiam que havia ganhado dinheiro. Me espancavam e roubavam meu dinheiro. Uma vez me cortaram com uma faca.

Quando conheci a Zanmi Timoun, pude começar a escola. Eles me deram um uniforme escolar. Quando lavava carros, eu costumava observar todas as crianças da escola em seus uniformes. Pensava que queria ser como elas. Às vezes, eu chorava. Não tenho vontade de voltar à vida na rua. Agora, posso aprender coisas na escola. Temos comida na mesa e roupas e sapatos para usar. Minha mãe também recebeu ajuda da Zanmi Timoun. Primeiro, ela começou um pequeno negócio para vender manga. Agora recolhe plástico, que vende para reciclagem. Antes, não sabíamos que era possível ganhar dinheiro com isso”. Emanuel, 14


O pesadelo de Poulette na prisão O pesadelo de Poulette começa aos oito anos de idade. Sem saber por que, ela é levada pela polícia, que a acusa de ter assassinado uma criança. A verdade é que a criança morreu de uma doença, mas Poulette é presa. Semanas se transformam em anos, e Poulette passa oito anos na prisão ...

A

mulher estava convencida. Ela apontou para Poulette e disse: – Foi ela quem envenenou o leite, matando a criança. A polícia perguntou a Poulette se ela havia dado leite a alguma criança naquele dia. – Sim, eu e minha prima o fizemos, respondeu Poulette.

Poulette tinha oito anos. Ela estava sentada no chão lavando pratos. Ao seu lado havia uma garotinha da vizinhança. Poulette prometera cuidar dela. A família de Poulette vivia em uma pequena aldeia nas montanhas. Sua mãe estava trabalhando longe por algu-

mas semanas. Seu pai e irmãos mais velhos estavam trabalhando para um agricultor na colheita. Os policiais pediram para Poulette acompanhá-los. – Mas e a garota de quem estou cuidando? perguntou Poulette. – Ela certamente a encontrará sua casa, disse o policial. A polícia levou Poulette à delegacia na aldeia vizinha. Poulette não estava entendendo nada. Ela ficou calada e assustada.

O Desespero da mãe Quando a mãe de Poulette,

Carmen, chegou a casa, perguntou onde Poulette estava. Ninguém sabia. Apenas que ela estava desaparecida. Alguém disse que a polícia a havia levado, mas parecia estranho. Um moto-táxi levou a mãe de Poulette pelas estradas montanhosas à delegacia de polícia. Lá, um policial disse que Poulette fora com outros policiais para a capital, Porto Príncipe. Não podia ser verdade, pensou Carmen. Como encontraria sua filha na cidade grande? E como poderia pagar para ir até lá? Carmen chorou. Ela

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 TEXTO: ERIK HALKJAER FOTOS: JESPER KLEMEDSSON

Muitas das crianças encarceradas no Haiti nunca tiveram um julgamento. A Zanmi Timoun luta para dar a todas as crianças encarceradas o direito a um julgamento, a oportunidade de ficar com suas famílias e frequentar a escola.


Agora Poulette está em casa com a família. Ela é a primeira de sua família a frequentar a escola.

entendeu que talvez tivesse perdido a filha mais nova para sempre. – Como uma menina de oito anos pode sobreviver sozinha lá? perguntou ao policial. – Ela matou outra criança. Portanto, tem que ficar na prisão, disse o policial. Carmen não acreditou na polícia, mas o que podia fazer? Com quem devia falar? Ela, seu marido e todos seus filhos nunca tinham ido à escola. Eles não entendiam como isso funcionava.

Na prisão Em Porto Príncipe, o carro de polícia parou com Poulette em frente a um grande presídio. Nos altos muros brancos havia rolos de arame farpado. Na torre havia guardas armados e, dos cantos, câmeras filmavam tudo.

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– Você vai ficar aqui agora, disse o policial. Poulette chorou. Queria sua mãe. Ela não matara ninguém. Havia apenas dado um pouco de leite para algumas crianças da aldeia. Por que isso era errado? Poulette foi trancada em uma cela do presídio com treze outras meninas. Ela era a mais nova. Dormiam em beliches. No muro do lado de fora da

prisão, grandes letras azuis diziam que este era um presídio feminino e uma instalação para reabilitação e apoio para as meninas voltarem a fazer parte da sociedade legal do Haiti. Esta última parte não estava correta. Os guardas maltratavam a todas, independentemente da idade. Certa vez, uma das companheiras de cela de Poulette trouxe um sanduíche do refeitório. Ela o escondeu

sob o travesseiro. No dia seguinte, o sanduíche sumiu. A companheira de cela achou que Poulette o havia comido. – O que você fez? Sabia que era meu, ela gritou. – Não fiz nada, respondeu Poulette. – Fez sim, eu sei que foi você, gritou a companheira, que queria brigar. No último momento, um guarda do presídio apareceu. As outras meninas da cela explicaram o que houve. O guarda levou a garota que escondera o sanduíche. Ela foi colocada em uma cela de isolamento, sem luz. E teve que ficar ali por quatro dias. Em outra ocasião, as meni-

Durante oito anos, Poulette ficou presa. Ela era totalmente inocente. E também foi colocada na célula de isolamento.


Poulette na pequena plantação da família.

nas estavam se lavando e Poulette ficou por último. – Ainda está aqui? perguntou um guarda. – Sim, não consegui me lavar antes, respondeu Poulette. – Você sabe que o tempo acabou. Ficará na cela de isolamento, disse o guarda. Como punição, Poulette teve que ficar trancada por dois dias na escura cela de isolamento. Ela dormiu no chão de cimento frio.

outras meninas que também não conseguiram um advogado nem tiveram a oportunidade de se defender no tribunal. Elas foram levadas pela polícia diretamente ao presídio. Toda semana, um grupo de pessoas vinha para ao presí-

Conhece Guylande

Semanas se transformam em anos O tempo passou. Os dias se tornaram semanas, meses e anos. No final, Poulette havia vivido seis anos na prisão. Tinha quatorze anos e ainda não sabia por que estava lá. Ela nunca teve um julgamento. Na prisão, havia muitas

dio para conversar com algumas das meninas. Eles perguntavam seus nomes, de onde vinham, onde seus pais moravam, porque estavam na prisão e se tinham advogado. Poulette falou seu nome e de onde vinha. A mulher com quem conversou disse que podia ajudá-la.

Quando Guylande encontrou Poulette na prisão, descobriu-se que eram da mesma aldeia.

Após algum tempo, Poulette foi chamada à sala de espera do presídio. Lá estava uma mulher chamada Guylande, ela disse que vinha da mesma aldeia que Poulette. – Sou advogada e trabalho com a organização Zanmi Timoun. Viemos aqui para ajudá-las a sair da prisão, pois crianças não deveriam ficar presas, disse Guylande. Poulette ouviu Guylande, que contou que, há muito tem-

Poulette, 16 O que mais gosta de fazer: Crochê. Não gosta: De fazer limpeza. O que faz no tempo livre: Pula corda e joga futebol.

Quer ser: Costureira e vendedora. Gostaria de ter: Um rádio. Modelo exemplar: Sophia Saint-

Rémy Martelly (esposa do ex-presidente Michel Martelly e ativa na luta contra o HIV/AIDS no Haiti).

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po, ouvira falar de uma menina que desapareceu repentinamente de sua aldeia. – Quando um de meus colegas me contou que outro dia havia conversado com uma menina de minha aldeia natal, pensei que precisava vir aqui, disse Guylande. Depois de algum tempo, Poulette entendeu que Guylande conhecia pessoas que ela também conhecia. Guylande havia até mesmo conversado com sua mãe. Foi a primeira vez em seis anos que ouviu algo sobre sua aldeia e sua família. Ela chorou. Tanto porque estava muito feliz quanto porque sentia muita falta da mãe. – Prometo que vou te ajudar. Primeiro de tudo, crianças tão pequenas quanto você era quando veio para cá, nunca deveriam ser presas. Em segundo lugar, é preciso um

julgamento antes de colocar alguém num presídio, disse Guylande. Funcionários da Zanmi Timoun viajaram à aldeia de Poulette. Eles entrevistaram a família, os vizinhos, a mulher que acusou Poulette de assassinato e os policiais que a prenderam.

Finalmente livre Depois de um ano e meio, a Zanmi Timoun conseguiu apresentar o caso a um juiz. Ele leu a pesquisa e disse que, independentemente de Poulette ser culpada ou não, ela tinha que sair da prisão. Uma menina tão jovem não deve ficar atrás das grades, ele pensou. Foi um dia fantástico. Poulette logo completaria dezesseis anos e estava na cadeia há oito, mas agora iria para casa.

– Vou te contar o que realmente aconteceu naquele dia, há oito anos, disse Guylande. A mulher que acusou Poulette de assassinato era louca. A criança que morreu estava muito doente. Não foi o leite que matou a criança. Foi a doença. A mulher tinha visto Poulette e sua prima darem leite às crianças. Então, quando uma delas morreu pouco depois, ela foi à polícia. Os policiais procuravam a prima mais velha de Poulette, mas não a encontraram. Em vez disso, pegaram Poulette. Nunca houve uma investigação. A polícia simplesmente pôs Poulette na prisão. – Infelizmente, isso acontece com frequência. Muitas crianças ficam na prisão, embora não devessem, contou Guylande. O pessoal da Zanmi Timoun

levou Poulette para sua aldeia. À medida que subiam as montanhas, as estradas ficaram piores, os morros eram mais verdes e as folhas das palmeiras balançavam ao vento. Era tão bonito, pensou Poulette. Em casa a mãe, Carmen, e o resto da família estavam esperando. – Não consigo acreditar que é verdade, gritou a mãe, abraçando Poulette muito forte. As lágrimas correram pelos rostos de ambas. – Pensei que você estivesse morta, mas agora está de volta. Só pode ser graças a Deus, disse Carmen. Com ajuda da Zanmi Timoun, Poulette entrou na escola. Como tinha estudado um pouco na prisão, ela foi autorizada a começar no quarto ano. Ela é a primeira de sua família a frequentar a escola. c

Poulette foi acusada de dar leite envenenado a uma criança, mas a criança morreu de uma doença. Aqui, Poulette dá água para uma garota beber.

Poulette com a mãe, Carmen, no mercado. Ambas choraram de alegria quando Poulette finalmente saiu da prisão e voltou para casa. Na prisão, Poulette tornou-se boa em crochê e tricô; consegue fazer um cachecol, um gorro ou uma bolsa em poucas horas. Ela vende o que faz, mas espera abrir seu próprio negócio no futuro. Então, poderá tomar um empréstimo e comprar mais lã. Ela também gosta de trançar plástico para produzir sandálias e cestos.

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“Acusam-me de roubar painéis solares, mas não tive julgamento. Frequentei a escola por sete anos. Eu queria ser mecânico e consertar carros quando crescer, mas agora que estou preso aqui não sei como será.” Danielson, 14

“Condenaram Mirlande e eu por roubar uma motocicleta, mas eu não estava envolvida e a polícia não pegou quem realmente a roubou. Quero ser advogada, mas como posso ir à escola aqui?” Richelove, 17

“Minha amiga pegou uma motocicleta emprestada. Ela me levou para casa e estacionou a motocicleta lá. Alguém invadiu e roubou a motocicleta. A polícia me prendeu e depois minha amiga. Fomos julgadas e condenadas por participação no roubo. Eu não fiz nada, mas estou presa há um ano”. Mirlande, 17

Três anos preso por não delatar A polícia disse que se Louis, 16, contasse onde seu amigo estava, ele seria libertado, mas Louis não o entregou. Somente depois de três anos ele pode sair. Agora, quer ser juiz.

E

por participação em roubo. Perguntaram onde meu amigo estava e disseram que ele roubou um rapaz na noite anterior. Eu não quis delatar, então não contei onde ele estava. Não tive um julgamento. Meu amigo havia sido preso antes e me contara como era, que era difícil comer e se lavar. Éramos vinte pessoas na cela. Dormíamos em beliches. Os outros rapazes falavam alto, gritavam e brigavam. Eu tinha medo. Meus pais vinham me visitar. Eles não ficaram furiosos comigo, pois sabiam que eu era inocente. Porém, de

repente, um dia um guarda veio e me disse que meus pais haviam morrido de uma doença. Fiquei muito triste e quis morrer também. Amarrei minhas roupas e tentei me enforcar, mas os guardas me encontraram. Depois de três anos, a Zanmi Timoun me tirou. Eles escreveram uma carta a um juiz, que afirmou que eu não devia estar preso. Agora moro com minhas irmãs, que receberam empréstimos da Zanmi Timoun. Elas vendem doces na rua para nos sustentar. A Zanmi Timoun também me ajudará a ir à escola”. c 79

 TEXTO: ERIK HALKJAER FOTOS: JESPER KLEMEDSSON

Eu estava com um amigo que tinha uma arma. Costumávamos passar tempo juntos, mas agora ele queria que eu o acompanhasse em ‘uma coisa’, como ele dizia. Eu recusei. No dia seguinte, a polícia foi à minha casa. Prenderam-me


Guerline, 14 Quer ser: Enfermeira. O que faz no tempo livre: Desenha. Disciplina favorita na escola: Matemática. Gosta: Da escola. Não gosta: Que me xinguem.

A escrava doméstica Guerline tem esperança Guerline é escravizada na casa de outra pessoa desde os cinco anos de idade. Ela é forçada a trabalhar e a dormir no chão. Porém, um dia, chega um homem e diz que ela tem o direito de ir à escola ...

nhar. Guerline dorme sobre um cobertor no chão. Ela só pode brincar se houver tempo entre as tarefas domésticas.

Escravizada novamente

G  TEXTO: ERIK HALKJAER FOTOS: JESPER KLEMEDSSON

uerline se muda para outra cidade, longe de casa, aos cinco anos. Sua mãe afirma que lá será melhor. Ela é a mais nova de seis irmãos, e seus pais nem

sempre têm condições de alimentá-la. Na casa da senhora, Guerline recebe comida, mas tem que trabalhar para isso. Ela busca água e madeira e ajuda a cozi-

Quando Guerline tem sete anos, sua mãe vem buscá-la. – Você vai se mudar para a capital, Porto Príncipe, diz a mãe. É ainda mais longe de casa.

Trabalho escravo doméstico Guerline lava pratos, limpa, põe a mesa, cozinha, faz as camas e pendura a roupa para secar.

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– Fiz um acordo com uma senhora de lá, você poderá morar com ela e talvez frequentar a escola. Mas terá que ajudar na casa como faz aqui, diz a mãe. A nova senhora, que se chama Magalie, chega no dia seguinte. Ela leva Guerline para a capital. Ao chegarem, Magalie mostra a casa onde Guerline vai


viver e trabalhar. Outra mulher também mora na casa com seus filhos. Eles são mais velhos que Guerline e frequentam a escola. – Há espaço para você dormir aqui, diz Magalie, apontando para o chão ao lado da mesa de jantar. As outras crianças e adultos dormem em camas, mas Guerline vai dormir sobre alguns cobertores.

Sem certidão de nascimento Guerline acorda cedo. Ela cozinha para todos, limpa, lava roupas, faz compras e lava pratos. Durante o dia, ela geralmente fica sozinha, pois os outros estão na escola ou no trabalho. Guerline não achava Quando há tempo, Guerline desenha. Geralmente é quando não há mais ninguém em casa. Ao desenhar, ela esquece todo o trabalho que tem que fazer. A garota à direita pertence à família para quem Guerline é escrava doméstica, e ela nunca precisa ajudar em casa.

tão estranho não frequentar a escola. Nenhum de seus irmãos estuda. Mas ela gosta de ver as crianças da casa vestirem seus uniformes escolares. Elas têm mochilas, fazem o dever de casa e falam sobre o que aconteceu na escola. Ao ir fazer compras, Guerline geralmente passa por uma escola onde as crianças usam belos uniformes e brincam no jardim. Às vezes, ela cruza com crianças que estão indo para a escola. Guerline não tem amigos. As outras crianças da casa e da rua costumam brincar após fazerem seu dever de casa. Guerline raramente tem tempo para brincar junto, pois há muito a fazer na casa. Quando tem dez anos, Guerline decide que também quer frequentar a escola. Ela quer ter um uniforme escolar, amigos e aprender coisas, como qualquer outra criança. – Quando poderei ir à escola?, pergunta ela à senhora Magalie.

Guerline tem que dormir no chão da cozinha.

– Não há tempo para isso e também não podemos pagar. Além disso, você já tem dez anos. Deveria ter começado aos seis, responde Magalie. Também há outro problema. Guerline não tem certidão de nascimento, um documento que mostra quando e onde nasceu e quem são seus pais. Sem esse documento, ninguém pode frequentar a escola no Haiti.

Direito de Guerline Um dia, batem à porta da senhora Magalie. Lá fora, um homem diz que é de uma orga-

nização chamada Zanmi Timoun. Por que Guerline não frequenta a escola? Ela tem o direito de fazê-lo. Além disso, nossa escola fica bem ao lado da sua casa, diz o homem. – Não temos dinheiro nem certidão de nascimento, responde Magalie. – Não é necessário em nossa escola, afirma o homem. Em nossa escola, há muitas outras crianças que moram com famílias que não são suas próprias. Agora Magalie ouve sobre os direitos da criança e sobre a

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Todos os dias, Guerline deseja que as aulas recomecem. O primeiro dia de aula foi o dia mais feliz de sua vida.

legislação do Haiti, que diz que todas as crianças devem ir à escola. Foi prometido a Magalie que ela teria Guerline em casa para ajudá-la. Ela não quer que Guerline passe várias horas por dia na escola. – Isso não importa. Ela deve ir à escola, e pode vir durante quatro horas por dia. Depois, vocês lhe dão algum tempo para fazer o dever de casa.

Assim, ela pode continuar a ajudá-la em casa, afirma o assistente social da Zanmi Timoun.

Saudades de casa Guerline não consegue acreditar que o que está ouvindo é verdade. Ela ganha um uniforme escolar, um par de sapatos e uma mochila. O homem a acompanha até a escola. Ele

Objetos pessoais de Guerline A escrava doméstica Guerline possui poucas coisas: Mochila, estojo, livros escolares, canetas, uniforme escolar e sapatos.

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escreve seu nome em um livro na sala do diretor. Magalie tem que vir e assinar. O primeiro dia na escola é difícil. Guerline é tímida. Mas é o dia mais feliz da sua vida. Um sonho se realizou. Porém, Guerline continua dormindo no chão e tem que acordar cedo para cozinhar, limpar, lavar roupas e pratos, e fazer compras.

Guerline começa a sentir saudades de casa e de sua família. Ela sente falta da mãe, do pai e de seus irmãos. Por que ela não pode morar com eles e frequentar a escola lá? Quando já frequenta a escola há dois anos, ela recebe ajuda da Zanmi Timoun para visitar sua casa. Guerline agora tem doze anos de idade, e não esteve em casa por sete anos.


Seus pais e irmãos ficam felizes em vê-la. Guerline conta orgulhosamente que conseguiu começar a estudar. Ela brinca com os irmãos, mas há muito o que fazer nos campos. Quando os agricultores da região precisam de ajuda, a família trabalha em seus campos para ganhar dinheiro e comprar comida. – Você também deve ajudar, diz a mãe. Logo, Guerline não é mais uma estudante visitando a família. Ela é apenas mais uma pessoa que pode contribuir para as finanças da casa. Quando viaja para Porto Príncipe após as férias de verão, ela promete a si mesma nunca mais voltar para casa. Guerline sente falta de sua família todos os dias, mas não

quer ser obrigada a trabalhar também pelos próprios pais. Ela vê um futuro na escola.

Esperança para o futuro No primeiro dia do semestre, Guerline conta a sua colega Natalie como a situação de seus pais estava terrível. Ela chora. Natalie também chora e elas se abraçam. Todos os dias, Guerline deseja que as aulas recomecem. Então, ela não tem que trabalhar o tempo todo e pode encontrar seus amigos. Nem todos moram tão perto da escola como Guerline. Muitos precisam ir de ônibus. Como também têm que trabalhar onde moram, eles geralmente se atrasam. Quando as crianças são forçadas a trabalhar como escravas domésti-

Por cinco anos, Guerline só podia ver outras crianças vestindo uniformes escolares e as acompanhava até a escola, mas nunca entrava nela. Mas agora ela tem uniforme escolar e pode ir à escola todos os dias.

cas onde moram, raramente há tempo para fazer o dever de casa. Os professores da escola sabem disso. Em vez de punir os alunos que não fizeram o dever de casa ou que se atrasam, eles conversam com os alunos para ver se estão bem. Às vezes, as crianças contam que são espancadas pela família com quem moram. Ou que a família grita com elas e as xingam. Elas vêm para a escola com hematomas. Guerline é obrigada a fazer todo o trabalho doméstico sozinha. Ela se sente menos digna e chora quando ninguém está vendo. O sonho de

Guerline é concluir os estudos e começar um negócio. A Zanmi Timoun pode fornecer apoio financeiro e ajudar com um empréstimo quando ela tiver dezoito anos. Ela pretende economizar o dinheiro que ganhar a fim de estudar para ser enfermeira. – Costumo pensar nisso enquanto esfrego o chão, diz Guerline. c

Quando Guerline está na escola, ela não precisa trabalhar e pode estar com seus amigos.

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Por que você se atrasa para a aula? – Tenho que trabalhar e cozinhar. Me atraso frequentemente, às vezes uma hora. Não gosto disso. Não vivo com meus pais, mas sinto falta deles. Eu queria morar com eles. Celie, 14, escrava doméstica

Quando faz o dever de casa? – Em casa, não tenho tempo para fazer o dever de casa. Tento fazer aqui na escola, quando há tempo. Isso não é muito bom. E estou sempre atrasado, o que também não é bom. Joseph, 16, escravo doméstico

Por que você tem um hematoma? – A senhora da casa onde moro me espancou. Estava indo buscar sapatos para sua filha, depois a senhora me mandou pegar um livro. Peguei os sapatos e o livro juntos, mas ela queria o livro primeiro. Por isso, me espancou. Isso acontece com frequência. Não é divertido e não deveria acontecer. Wood, 13, escravo doméstico

O que é bom na escola? – Gosto da escola porque posso aprender coisas e crescer como pessoa. Em casa, devo trabalhar o tempo todo, e isso não é divertido. Aqui na escola é melhor. Jolicoeur, 11, escravo doméstico

Que tipo de ajuda você recebe? – A Zanmi Timoun ajudou-me a começar a estudar. Antes, eu não podia fazê-lo, mas continuo sem tempo para fazer o dever e estudar em casa. Jean-Pierre, 14, escravo doméstico

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Salvo pelo terremoto Wilton tem quatorze anos de idade. Em 2010, quando ele tinha seis anos e já vivia como escravo de uma família há dois, o Haiti foi atingido por um grande terremoto. Ele conta: “Eu estava do lado de fora, jogando o lixo, quando o chão começou a tremer. Segurei-me em um poste até parar. Depois, voltei para casa. A casa onde eu morava não existia mais, e a família com quem eu vivia morreu. Morei na rua até que uma assistente social da Zanmi Timoun me viu e perguntou o que eu estava fazendo. Falei que vivia mal, que minha família real me obrigara a morar aqui, mas que a casa onde eu havia morado já não existia. A assistente social me ajudou a procurar minha verdadeira família, e fui para casa. Quando eu tinha sete anos, minha família me mandou morar com outra família novamente para trabalhar. Eu não podia ir à escola, tinha que lavar pratos e cuidar das crianças da família. Acompanhava-as

até a escola, embora não pudesse estudar lá. Dormia no chão. A família me espancava e xingava. Eu tinha saudades de casa e queria ir à escola aqui na aldeia. Com a ajuda da Zanmi Timoun, pude começar a estudar. Também me deram um uniforme e livros escolares. Minha família conseguiu um empréstimo para vender arroz, óleo de cozinha, farinha, doces e essas coisas. Às vezes eu ajudo na loja, quando não estou na escola ou jogando futebol”. Wilton e a família receberam ajuda da Zanmi Timoun. A família recebeu um empréstimo para comprar os produtos que vende em seus pequenos negócios.

Muitas crianças escravizadas Entre 225.000 e 300.000 crianças no Haiti vivem com uma família que não é a sua própria para fazer o trabalho doméstico. O sistema é chamado restavèk, na língua crioula. A palavra vem do francês “reste avec” (ficar com). Crianças que se tornam restavèk vêm de famílias pobres e seus pais dizem que não têm condições de sustentá-las. Em vez disso, entregam as crianças para outras famílias, onde elas recebem comida e, em troca, trabalham como ajuda doméstica. O trabalho geralmente não é remunerado. As crianças raramente vão à escola e, às vezes, são espancadas e exploradas sexualmente. O trabalho infantil é proibido no Haiti, mas não em residências particulares. A ONU exige que o Haiti proíba o trabalho infantil doméstico e acredita que o restavèk é trabalho escravo. As crianças são escravas domésticas.


Obrigada a voltar ao Haiti Como muitos outros haitianos, Guerline e sua família moravam no país vizinho, a República Dominicana. Ela frequentava a escola e os pais trabalhavam, mas sem permissão de trabalho. Então, um dia, o presidente do país começou a dizer que todo haitiano sem permissão de trabalho seria mandado de volta ao Haiti ...

G

uerline ouviu no rádio que o presidente da República Dominicana afirmou que não queria que pessoas do país vizinho, Haiti, vivessem e trabalhassem em seu país. – De qualquer forma, ninguém está escutando. Ele só fala muita maldade, explicou Guerline a seu irmão mais novo. Seu pai, Edmond, e sua mãe, Anita, são do Haiti, mas se conheceram na República Dominicana. Meu pai havia viajado para lá para trabalhar na construção e, às vezes, nos campos. Minha mãe estava lá para trabalhar como empre-

gada doméstica. Quando Guerline tinha seis anos, começou a estudar na República Dominicana e aprendeu espanhol. Em casa, a família falava crioulo, um dos idiomas falados no Haiti. A República Dominicana e o Haiti compartilham a Ilha de São Domingos (ou Hispaniola), no Caribe. A fronteira entre os países se estende por montanhas e florestas com estradas ruins. Todos os anos, muitos haitianos cruzam a fronteira para trabalhar no país vizinho, com ou sem autorização de trabalho. Eles trabalham na agricultura, na construção, em

hotéis turísticos e em casas de pessoas que têm um pouco mais de dinheiro e querem alguém para cuidar das crianças e da casa. Poucos acreditavam que o presidente da República Dominicana expulsaria os haitianos repentinamente, mas desta vez ele falava sério.

Deportada pela polícia Numa sexta-feira, Guerline saiu para ir à casa de um amigo. Ela viu um carro de polícia do lado de fora de sua casa, onde a mãe estava. Ela não deu muita atenção, mas um dos policiais gritou: – Olá, de onde você é? – Olá, sou daqui, respondeu Guerline. – Mas você nasceu aqui? Você é da República Dominicana? perguntou o policial. – Bem, eu nasci aqui, mas meus pais são do Haiti.

– O que seus pais fazem? – Eles trabalham. – Estão em casa agora? – Minha mãe está, sim. O policial pediu que Guerline mostrasse onde morava. Ele perguntou à mãe, Anita, se ela tinha uma autorização de trabalho. – Não, ela respondeu. – Neste caso, infelizmente tenho que te expulsar, disse o policial. – Agora, imediatamente? – Sim, vocês devem entrar no carro e as levaremos à fronteira.

De volta ao Haiti Poucos minutos antes, os irmãos menores de Guerline tinham ido à casa do vizinho. A polícia não perguntou se havia mais pessoas na família, e levou apenas Guerline e a mãe. Na fronteira, a polícia certificou que Guerline e Anita vol85


6h00 Bom dia!

15h00 Guerline limpa a casa.

tassem para o Haiti pelos altos portões pretos. Elas foram recebidas por assistentes sociais da ONU e do Haiti que perguntaram se precisavam de alguma ajuda. A equipe da ONU as levou a uma jovem de camiseta azul onde estava escrito Zanmi Timoun. – Posso ajudá-las, disse ela. A jovem contou que trabalhava todos os dias na fronteira. Sua organização, a Zanmi Timoun, cuida de crianças que são deportadas. – Porém, como vocês têm um parente com quem podem morar, penso que não precisam de muita ajuda, disse a mulher. Ela explicou que muitas crianças deportadas não têm certidões de nascimento, passaportes ou informações de contato de nenhum parente no Haiti. Neste caso, a Zanmi Timoun as ajuda a encontrar um parente. Depois, elas podem obter certidões de nascimento.

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– Nos deram roupas íntimas, sabonete, detergente para lavar roupa e escovas de dentes. A Zanmi Timoun também pagou um moto-táxi que nos levou à casa de minha tia.

Começa na escola No dia seguinte, a jovem foi à casa de minha tia. Ela explicou que o melhor para Guerline seria ficar no Haiti frequentar

a escola. E também que seria melhor os três irmãos mais novos voltarem para o Haiti e estudar. A Zanmi Timoun daria uniformes escolares e encontraria vagas na escola para todos. Alguns dias depois, toda a família, exceto o pai de Guerline, se reuniu. Meu pai continuou trabalhando na República Dominicana, e

7h30 A caminho da escola.

manda dinheiro para a família. Os parentes de Guerline deram à família um pedaço de terra e ajudaram a construir uma casa. A Zanmi Timoun ajudou com parte do material de construção. Muitos dos alunos da escola viveram na República Dominicana, como Guerline. Todos se esforçam para apren-


19h30 Assiste TV com os irmãos menores.

A casa de Guerline

Direito a uma identidade No Haiti, muitas crianças nunca entram em contato com uma autoridade pública ao nascer e não têm certidão de nascimento. Elas crescem com um nome, mas sem um documento que diz quando e onde nasceram e quem são seus pais. Para frequentar a escola, é necessária uma certidão de nascimento. Ela também é necessária para obter um passaporte para viajar ou trabalhar. A Zanmi Timoun ajuda crianças a obter certidões de nascimento. Eles explicam aos pais que as crianças precisam se tornar parte da sociedade haitiana e que elas, como crianças, têm direito à sua pró pria identidade e a frequentar a escola. O trabalho com as certidões de nascimento é feito em cooperação com o Estado haitiano e com o Fundo da ONU para a Infância, Unicef. Muitas vezes, a certidão é entregue em cerimônias especiais nas aldeias. Ter sua própria identidade é algo muito importante.

Enfim, a certidão de nascimento der crioulo e francês. No intervalo, eles às vezes falam espanhol, o idioma da República Dominicana. Quando a mãe Anita atravessa a fronteira da República Dominicana para vender alho, Guerline cuida dos irmãos em casa. Depois, ajuda a vender a batata que a mãe comprou no país vizinho. Às vezes Guerline gostaria

de escapar da escola, do dever de casa e dos irmãos. Ela só quer ouvir música, dançar e tocar instrumentos. Na casa de um vizinho, ela aprende a tocar trompete. – Um dia serei tão famosa quanto Shakira, diz Guerline. c

9h00 Às vezes, Guerline sonha em deixar a escola e dedicar-se apenas à música.

“Com esta certidão de nascimento, posso finalmente me locomover como quero. Não tenho que me preocupar em ser expulso da escola. Isso é muito bom. Estou no quarto ano e estudarei mais, até a universidade. Depois, vou sair para o mundo e viajar. Quando não estou na escola, eu ajudo meus pais trabalhando no campo ou jogo futebol”. Roberto, 15

Migrantes do Haiti

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 TEXTO: ERIK HALKJAER FOTOS: JESPER KLEMEDSSON

Mais de 2 milhões de haitianos vivem no exterior. Metade mora nos Estados Unidos e quase o mesmo número vive na República Dominicana, mas há também migrantes haitianos no Canadá, França, Brasil e Chile. Em 2015, quase 52.000 haitianos foram deportados da República Dominicana. Nos dois anos seguintes, mais de 200.000 haitianos voltaram da República Dominicana para casa. Dezenas de milhares de haitianos pobres que deixaram a República Dominicana vivem em péssimas condições em assentamentos temporários no Sudeste do Haiti. Em 2010, após o terremoto, 60.000 haitianos receberam permissão de residência temporária nos USA, mas o presidente Donald Trump disse que eles devem voltar para casa em 2019. Um terço do Produto Interno Bruto (PIB) do Haiti é constituído por dinheiro que haitianos no exterior enviam a parentes no país de origem.


R C BO OR PO RID R AE UM M M VO UN LT DO A D M O EL H O O GL

Volta ao mundo pelas metas globais!

Os países do mundo concordaram em alcançar três coisas importantes até 2030:
Abolir a pobreza extrema, reduzir as desigualdades e injustiças e resolver a crise climática. Para isso, os países definiram 17 metas globais para o desenvolvimento sustentável. Todas as metas são igualmente importantes e interdependentes.

E

m conexão com a Corrida em Volta do Globo por um Mundo Melhor, nos concentramos especificamente nas metas globais a seguir: • Meta 5, pela igualdade de gênero e os direitos iguais das meninas • Meta 10, por maior igualdade • Meta 16, por sociedades justas e pacíficas A Corrida em Volta do Globo também contribui para a meta global 3 de saúde e bem-estar, e o direito de todas as crianças a brincar, praticar esportes e ao lazer. São os governos de todos os países que têm maior responsabilidade pelo cumprimento das metas e pelas mudanças que levam ao atingimento das metas. Contudo, para que o mundo tenha chance de atingir as metas, todos devem conhecer essas metas e contribuir para

CHARLES DR AWIN

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a mudança! Isso se aplica a adultos e crianças. Até mesmo pequenas ações podem influenciar.

Geração Sem Sujeira

Na seção sobre a Geração Sem Sujeira, você aprenderá mais sobre lixo e mudanças climáticas, que estão ligados a muitas das metas.

Direitos da criança

As metas globais estão alinhadas com os direitos da criança. Se as metas forem atingidas, a situação das crianças no mundo irá melhorar. Se elas não forem alcançadas, isso significa que as crianças ainda são maltratadas e os direitos da criança não são respeitados. Isso não pode acontecer! Eis alguns exemplos de como as metas estão alinhadas aos direitos da criança.

SEM POBREZA

SEM FOME

Nenhuma criança deve crescer na pobreza. Nenhuma criança deve ser tratada de forma diferente ou não ter as mesmas oportunidades que outras crianças devido à quantidade de dinheiro que elas ou suas famílias têm.

Nenhuma criança deve passar fome ou ser subnutrida. Todas as crianças devem ter acesso a alimentos saudáveis e seguros.

BOA SAÚDE E BEM-ESTAR

BOA EDUCAÇÃO PARA TODOS

IGUALDADE DE GÊNERO

Todas as crianças devem se sentir bem e receber bons cuidados de saúde e atendimento médico. Todas as crianças devem ser vacinadas. As doenças contagiosas e o abuso de álcool/drogas devem ser reduzidos, assim como os acidentes de trânsito.

Todas as crianças devem receber educação e todas devem aprender a ler e escrever. O ensino básico deve ser gratuito. Nenhuma criança deve ser discriminada na escola.

Meninas e meninos devem ter direitos e oportunidades iguais em tudo. O casamento infantil e a violência contra as meninas, como a mutilação genital e a violência sexual, devem acabar.


ÁGUA LIMPA E SANEAMENTO PARA TODOS

ENERGIA SUSTENTÁVEL PARA TODOS

Todas as crianças devem ter água limpa, toaletes e poder cuidar de sua higiene também na escola.

Todas as crianças devem ter acesso a energia segura e sustentável, que facilite suas vidas sem destruir o meio ambiente.

CONDIÇÕES DE TRABALHO DECENTES E CRESCIMENTO ECONÔMICO

INDÚSTRIA, INOVAÇÕES E INFRAESTRUTURA SUSTENTÁVEIS

Nenhuma criança deve ser submetida ao trabalho infantil ou tráfico de seres humanos. O desemprego entre os jovens deve ser reduzido. Os pais devem ter boas condições de trabalho para que tenham tempo e disposição para cuidar de seus filhos.

Indústrias, estradas etc. não devem constituir um perigo para as crianças. Todas as crianças devem ter acesso à tecnologia da informação e de comunicação.

REDUÇÃO DA DESIGUALDADE

CIDADES E COMUNIDADES SUSTENTÁVEIS

Todas as crianças devem ter oportunidades iguais, independentemente, por exemplo, de origem, gênero, crença, identidade ou orientação sexual, deficiência ou porque foram forçadas a fugir.

Todas as crianças devem morar bem, com acesso a brincadeiras e boa comunicação com a escola. As grandes cidades devem ser construídas de forma ambientalmente segura, e a cultura e as tradições devem ser preservadas.

CONSUMO E PRODUÇÃO SUSTENTÁVEIS

COMBATE ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

As crianças devem aprender sobre como viver ecologicamente, por exemplo, sobre consumo sustentável, reutilização e reciclagem.

As crianças devem aprender a combater as mudanças climáticas e poder exigir o mesmo dos adultos, por exemplo, dos tomadores de decisões.

OCEANOS E RECURSOS MARINHOS

ECOSSISTEMAS E BIODIVERSIDADE

As crianças devem receber conhecimento sobre como o descarte de lixo, a pesca excessiva e as emissões podem afetar o mar, os lagos, os rios e tudo o que vive neles.

As crianças devem aprender a proteger florestas, solo, montanhas, animais e plantas, e por que ninguém deve desperdiçar os recursos naturais.

COMUNIDADES PACÍFICAS E INCLUSIVAS

IMPLEMENTAÇÃO E PARCERIA GLOBAL

Nenhuma criança deve estar sujeita a violência, abuso ou exploração, mas sim crescer em comunidades pacíficas e justas.

Os países precisam cooperar mais, apoiar e aprender uns com os outros, para criar um mundo melhor para todas as pessoas.

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Um milhão de crianças por um mundo melhor Em 1º de abril, todas as crianças e jovens que fazem parte do programa Prêmio das Crianças do Mundo participam da Corrida em Volta do Globo por um Mundo Melhor. Nesse dia, vocês apresentarão suas sugestões sobre como atingir as metas globais no lugar onde moram e em seu país. Também caminham ou correm juntos nesse dia, talvez cem voltas ao redor do planeta por um mundo melhor!

N

a tabela anterior, você pode aprender sobre as 17 metas globais para o desenvolvimento sustentável que os países do mun-

do estabeleceram juntos. A Corrida em Volta do Globo por um Mundo Melhor trata mais das metas 5 (por igualdade de gênero e os direitos iguais das

meninas), 10 (por igualdade) e 16 (por sociedades justas e pacíficas).

Experimentou as metas globais

Ao ler sobre os heróis dos direitos da criança e as crianças por quem eles lutam nas páginas 34-87 e preparar-se para votar em sua Votação Mundial, você também pode experimentar como o trabalho dos heróis dos direitos da criança ajuda a alcançar metas globais 5, 10 e 16. Nas páginas 22–23 você pode ler sobre seus amigos do WCP na República Democráti­ ca do Congo, que sofreram um ataque armado quando esperavam pela revista O Globo. Eles são afetados por quase todas as metas globais, mas, em sua maioria, desejam viver em uma sociedade pacífica (meta 16). Os amigos do WCP no Zimbábue, nas páginas 94–107 e 120–123, também são afetados pela maioria das metas globais, mas principalmente sobre a igualdade de direitos das meninas e a meta 5. Experimente como meninas e rapazes lutam juntos pela igualdade de gênero. Torne-se um embaixador do You Me Equal Rights (Você Eu Direitos Iguais) você também!

Acontece em 1º de abril

CHARL ES DR AWIN

R DU GLOBE POUR UN MONDE MEILLEU BÄTTRE VÄRLD • COURSE AUTOUR JORDEN RUNT LOPPET FÖR EN GLOBO POR UN MUNDO MEJOR R • CARRERA ALREDEDOR DEL MELHO MUNDO UM POR GLOBO CORRIDA EM VOLTA DO WITH SUPPORT FROM WITH SUPPORT FROM

worldschildrensprize.org

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@worldschildrensprize

@worldschildrensprize

worldschildrensprize

@wcpfoundation

Enquanto trabalham no programa do WCP e aprendem sobre os direitos da criança e as metas globais, vocês pensam sobre quais mudanças desejam ver e como contribuir para aumentar o respeito pelos direitos da criança e alcançar as metas globais. Antes de 1º de abril, vocês

A Corrida em Volta do Globo por um Mundo Melhor é uma colaboração entre a Fundação Prêmio das Crianças do Mundo e o Comitê Olímpico da Suécia, com apoio da Loteria Sueca do Código Postal.

podem escrever poemas, discursos, publicações nas redes sociais, cartazes ou faixas sobre que melhorias desejam para o lugar onde moram e seu país. Convidem os meios de comunicação, organizações locais, políticos e outros líderes, pais e o público para seu dia pelas metas globais e por um mundo melhor. Iniciem o dia 1º de abril com uma cerimônia pelas metas globais, onde vocês contam ao mundo adulto como querem que as coisas sejam e o que precisam fazer juntos. Em seguida, todos os alunos formam uma longa corrente humana, tocando a ponta dos dedos uns dos outros, de preferência com seus cartazes. Tenham em mente que vocês estão fazendo isso ao mesmo tempo, junto com mais de um milhão de estudantes! A corrente humana é o começo do fato de que vocês, na Corrida em Volta do Globo por um Mundo Melhor, levam sua mensagem ao redor do planeta, volta a volta. Vocês prolongam a corrente andando ou correndo três quilômetros. São 40.076 quilômetros ao redor do globo. Mais de 1,3 milhão de crianças são necessárias para dar cem voltas ao redor do globo com sua mensagem por um mundo melhor!


Charlton

Tyrese

Quinley Curtley

Somos embaixadores do

YOU ME EQUAL RIGHTS

CHARLES DR AWIN

VOCÊ EU DIREITOS IGUAIS se Os jovens músicos sul-africanos que io Prêm do ia apresentaram na cerimôn s das Crianças do Mundo são os primeiro ts embaixadores do You Me Equal Righ (Você Eu Direitos Iguais) e da meta gloa bal 5, onde meninas e meninos ajudam reso e ero gên de e ldad promover a igua peito ao fato de que meninas têm os s mesmos direitos que rapazes. Leia mai gos ami sobre Quinley, Paxton e seus embaixadores nas páginas 92-93.

Nas páginas 94-97, Glor y e Talkmore, do Zimbábue, contam como lutam s juntos pela igualdade de gênero e pelo inas pág Nas . direitos das meninas 98-104, suas amigas da aldeia de Chihota contam como seus direitos, que como meninas, foram violados, mas a sos agora querem contar sobre os abu que foram expostas após participarem san do Clube dos Direitos da Criança. Has , -123 120 inas pág e Kimberley, nas também são verdadeiros amigos do You Me Equal Rights.


“Peço a Sua Majestade, a Rainha Silvia da Suécia, para entregar o Globo de Embaixador do You Me Equal Rights (Você Eu Direitos Iguais) para a Jazz Yard Academy Band”, disse a Mestre de Cerimônia do WCP, Kim, do Zimbábue. Os rapazes da banda, assim como os outros embaixadores do You Me Equal Rights (Você Eu Direitos Iguais), a vencedora do Ídolos da África do Sul, Paxton, e a banda Inkwenkwezi, todos vêm de subúrbios de alta criminalidade da Cidade do Cabo.

O baterista Quinley, 17, em sua missão como Embaixador do You Me Equal Rights: “Quando voltei para a África do Sul, tomei a decisão de tentar ser justo, honesto e respeitoso com meninas e mulheres. Meu comportamento pode iniciar uma tendência de outros jovens tratarem as mulheres da mesma forma. É algo que está em meu poder fazer. Em minha comunidade, os homens foram doutrinados a tratar as mulheres como escravas, que devem cuidar das crianças e cozinhar. Essa doutrinação faz com que homens dominem mulheres. Os homens têm a mentalidade e o comportamento de serem mais poderosos e mandarem na casa. Se as mulheres não obedecem, são punidas e espancadas.

Ruim também para rapazes Em nosso caso, a maioria dos homens viola os direitos das

mulheres. Detesto isso, porque destrói nossa dignidade. Tem um efeito negativo emocional e psicológico sobre as mulheres, mas também em nós, rapazes, porque temos esses homens violentos como pais e tios. Acho que medidas extras devem ser tomadas pela polícia para punir homens quando eles violam mulheres. Também acho que as mulheres devem falar e se unir. Acredito que podemos organizar campanhas para ajudar as mulheres a falar. Isso mostrará que os rapazes não querem que suas mães e irmãs sejam abusadas. Ouso falar em apoio a mulheres e meninas, porque elevar sua voz pode ajudar a encontrar uma solução para este problema. Isso me traz uma sensação de conforto depois de falar em apoio à mulher.”

Quinley, 17, Charlton, 16, Tyrese, 15 e Curtley, 16, após terem recebido sua missão e o globo de cristal como embaixadores do You Me Equal Rights (Você Eu Direitos Iguais) das mãos da Rainha Silvia da Suécia.

“Missão p

O baixista Charlton, 16, em sua missão como Embaixador do You Me Equal Rights: “Sou contra o desrespeito a mulheres e meninas. Elas devem poder se sentir seguras, não importa onde vão. Eu tenho mãe e irmã, então meu primeiro instinto seria proteger e lutar por elas. Mas também qualquer outra mulher que esteja sendo maltratada. Quero ser esse tipo de Embaixador do You Me Equal

92

Rights. Sinto-me mal quando vejo mulheres sendo maltratadas. Como Embaixador do You Me Equal Rights, defenderei com orgulho o papel que me foi atribuído. Juntamente com minha moral e os valores incutidos por minha mãe, continuarei a tratar as mulheres com respeito e também serei um exemplo para as pessoas à minha volta”.


A vencedora do Ídolos, Paxton, 17, em sua missão como Embaixadora do You Me Equal Rights: “Foi uma grande honra, em nome de todas as meninas cujos direitos foram abusados,

receber a missão de ser Embaixadora do You Me Equal Rights. Isso me deixou muito feliz, mas também determinada a passar minha vida fazendo jus a esse privilégio. A cerimônia de premiação foi o melhor show de minha vida até agora! Defenderei os direitos da criança e continuarei a usar minha voz para cantar sobre os direitos das meninas e mulheres e alcançar o máximo de corações e mentes

ela vida”

que puder. Sempre que falo no rádio ou na TV, asseguro-me de explicar o que significa ser uma embaixadora. Quero que mulheres e meninas sejam tratadas de forma justa e tenham a mesma quantidade de oportunidades que os homens. Acredito em igualdade para todos”.

Paxton com o globo de embaixadora do You Me Equal Rights, que ela recebeu da rainha Silvia.

O tecladista Curtley, 16, em sua missão como Embaixador do You Me Equal Rights:

O guitarrista Tyrese, 15, em sua missão como Embaixador do You Me Equal Rights:

Falo em apoio a mulheres e meninas porque a voz de uma pessoa tem muitos poderes. Quero que o mundo ouça os gritos das menininhas. Quando voltei da Suécia, senti que havia aprendido muito sobre os direitos da criança e das meninas. Farei do respeito às mulheres minha missão pelo resto da vida, e encorajarei todas as outras pessoas a fazer o mesmo”.

ter cuidado. Acho que a educação sobre os direitos da criança é a coisa mais poderosa que posso fazer. Os homens devem proteger as mulheres, mas muitos homens aqui as espancam. Às vezes, posso reagir, mas às vezes fazê-lo não é seguro para mim”.

 FOTOS: SOFIA MARCETIC

“Em minha escola, apresentamos o Globo de Cristal em nossa assembleia e falamos sobre nossa missão para todos. Por isso, alguns rapazes nos provocaram depois, mas lhes dissemos que ficaremos de olho neles e em como eles tratam as mulheres. Cuidarei de minhas amigas e as protegerei contra o abuso. Ouso falar, mas tenho que

“Entristece-me ver como homens e outros rapazes tratam garotas. É doloroso para mim testemunhar o abuso. Os direitos das meninas não são respeitados. Em minha opinião, toda pessoa deve ser tratada com respeito, seja rapaz ou menina. Acho que os homens devem começar a defender o direito das mulheres! Creio que os homens estão doentes e loucos quando os vejo espancando uma mulher.

93


Glory e Talkmore lutam pela Conheça os embaixadores dos direitos da criança do WCP Glory, 13, e Talkmore, 16, da aldeia de Chihota, no Zimbábue, que lutam juntos no You Me Equal Rights (Você Eu Direitos Iguais). Nas páginas 98-104, algumas de suas amigas em Chihota contam como sofreram graves violações dos direitos das meninas.

“A igualdade de gênero é apenas luta humana, não uma feminina!” É isso que dizem os folhetos que o próprio Talkmore produz e distribui nos fins de semana. – É exatamente assim. A igualdade de gênero também não é algo que tornará a vida melhor somente para as meninas, mas para todos, diz sua amiga Glory.

É

Glory, 13 Ama: Jogar basquete com meus amigos.

Detesta: Quando crianças são usadas.

O melhor que já aconteceu: Quando me tornei embaixadora dos direitos da criança do WCP. O pior que já aconteceu: Eu tive sorte na vida, porque não me lembro de nada! Quer ser: Advogada e lutar pelos direitos da criança. 94

hora do almoço na Escola Secundária Manyaira, no Zimbábue, e à sombra de algumas árvores, Glory e Talkmore reuniram um grupo de estudantes para falar sobre os direitos das meninas e a igualdade de gênero. Eles o fazem pelo menos uma vez por semana. O grupo é composto por meninos e meninas. Para Talkmore e Glory, que são embaixadores dos direitos das crianças do WCP, esta é uma questão importantíssima. – Eu queria ser embaixadora dos direitos da criança, porque as meninas estão em risco aqui. Não somos respeitadas e ninguém nos escuta. Vi mui-

tas meninas forçadas a se casarem, sexualmente exploradas e forçadas a deixarem a escola. Como embaixadora, eu queria avisar outras garotas de que quem abusa de nós frequentemente são as mesmas pessoas que deveriam nos proteger. Como pais, tios, outros membros da família, professores e vizinhos, diz Glory. Talkmore sacode a cabeça tristemente enquanto ouve Glory. – Como menino, tenho vergonha de ver como rapazes e homens tratam meninas e mulheres em nossa sociedade.

– A melhor coisa que tenho é meu cachorrinho, chamado Tiger. Eu o amo!

Meu pai me apoia – Em minha casa, sempre foi importante que eu tivesse tempo para fazer meu dever de casa e descansar, mesmo sendo uma garota. Meu pai, Nobert, também pensa assim, diz Glory.


Meninas são compradas e vendidas – Muitas meninas pobres não vão à escola, mas são forçadas a se casar, mesmo que sejam crianças. Aqui, o homem deve pagar o lobola (o dote da noiva) por sua esposa, então a família da menina ganha dinheiro com um casamento. É como vender e comprar a menina, e não é nada bom. Uma garota da minha idade não deve ser forçada a se casar, mas sim ir à escola e aprender coisas para ter uma vida digna, afirma Glory. Glory se orgulha do diploma de embaixadora dos direitos da criança na moldura que fica diante dela quando faz o dever de casa.

igualdade de gênero Rapazes são vistos como mais dignos – Aqui, meninos e meninas não têm o mesmo valor. Os rapazes aprendem muito cedo que são superiores às meninas e nos tratam como inferiores. Mesmo que a filha mais velha seja uma menina, é um irmão muito mais novo que manda em casa, a menos que o pai esteja lá. Em algumas famílias, ele manda até mesmo na mãe! diz Glory. – Também é uma tradição que as meninas façam todo o trabalho doméstico pesado.

Enquanto minhas irmãs limpavam, cozinhavam, lavavam e tudo mais, eu podia sair com meus amigos, jogar futebol e brincar! Minhas irmãs não tinham tempo para ficar com suas amigas depois da escola”, diz Talkmore.

Queria ajudar as meninas Quando recebeu seu treinamento para se tornar embaixadora dos direitos da criança do WCP, Glory entendeu que tudo isso era errado. – Durante as aulas, lemos a revista O Globo e aprendemos

que meninas e meninos têm o mesmo direito à educação, proteção, influência, brincar... tudo! E as coisas a que as meninas são expostas aqui no Zimbábue, violam nossos direitos. Glory e outras meninas que foram treinadas como embaixadoras começaram a reunir alunos na escola e falar sobre os direitos das meninas e a igualdade de gênero. Talkmore descobriu sobre isso. – Quando vi como as garotas trabalhavam, senti que também queria ajudar. Talkmore também recebeu treinamento como embaixador dos direitos da criança do WCP e começou a ajudar a Glory no trabalho pela igualdade de gênero. Encontro no clube dos direitos da criança em Chihota. A embaixadora dos direitos da criança do WCP Glory, com a revista O Globo nas mãos, ensina às meninas sobre igualdade de direitos. Entre aqueles que escutam, há meninas que foram forçadas a abandonar a escola depois de serem submetidas a abusos e casamento infantil.

Talkmore, 16 Ama: Se eu pudesse ter uma casa

bem bonita em um bairro agradável e passear em um BMW novo! Detesta: Que meninas e rapazes sejam tratados de maneira diferente. O melhor que já aconteceu: Ser embaixador dos direitos das crianças do WCP e ajudar Glory. O pior que já aconteceu: Quando meu irmão mais velho morreu. Quer ser: Advogado e lutar pelos direitos da criança.

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Nos fins de semana, Talkmore distribui panfletos que ele fez na escola sobre igualdade de gênero e direitos das meninas.

Influencia outros rapazes – Acho que é realmente importante que rapazes também sejam embaixadores dos direitos da criança. Para que as pessoas vejam que lutamos juntos pelos direitos das meninas e que nos vemos como iguais. Então, todas as pessoas que nos encontrarem podem aprender sobre a igualdade só de olhar para nós! diz Glory, rindo. Talkmore concorda. – Rapazes definitivamente devem ser embaixadores dos direitos das meninas. Em parte, porque as garotas sentem que têm nosso apoio e, em parte, porque podemos influenciar outros rapazes.

Glory na escola… … e em seu tempo livre.

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Infelizmente, aqui os rapazes ainda escutam mais a outros rapazes, então é importante participarmos. Mas, obviamente, os rapazes devem respeitar as meninas embaixadoras igualmente, e tenho certeza de que será cada vez mais assim, à medida que os embaixadores dos direitos da criança trabalham juntos.

Querem alcançar a todos Talkmore e Glory trabalham para disseminar o conheci-

mento sobre os direitos das meninas também fora da escola. Às vezes trabalham juntos, e às vezes separadamente. – Ajudo em nosso clube dos direitos da criança na aldeia todo fim de semana. Várias das meninas no clube passaram por coisas terríveis, como abuso e casamento infantil. Muitas não frequentam a escola, mas elas naturalmente também devem conhecer seus direitos. É por isso que ajudo lá.

– E faço meus próprios panfletos sobre os direitos das meninas, que distribuo nos fins de semana. Geralmente produzo folhetos na escola quando temos tempo de estudo, conta Talkmore.

Seja você mesmo Glory e Talkmore concordam que é imperativo que as meninas adquiram mais conhecimento e coragem, e ousem exigir seus direitos. Mas também que os meninos aprendam e

Buscar água e carregá-la para casa é um trabalho pesado que as irmãs de Talkmore sempre fizeram. Desde que se tornou embaixador dos direitos da criança, Talkmore costuma buscar a água.


Talkmore planta no jardim enquanto suas irmãs fazem o dever de casa.

Talkmore começou a ajudar a mãe e a avó a cozinhar. Não há muitos de seus amigos que o fazem.

nos tratar com respeito e, finalmente, ser eles mesmos”, afirma Glory.

Às vezes, Talkmore lava os pratos, às vezes suas irmãs o fazem.

A avó paterna geralmente cuida do gado da família à noite, mas agora Talkmore a ajuda a fazê-lo.

Ajuda em casa Não é norma que os meninos em Chihota ajudem suas irmãs e mães com as tarefas domésticas. – Depois do treinamento de embaixador do WCP, consegui persuadir meus pais a me deixarem ajudar com o trabalho doméstico em casa. Em vez de apenas sair com meus amigos

enquanto minha avó, mãe e irmãs fazem todo o trabalho doméstico. Eu ajudo a cozinhar, limpar e muitas outras coisas. Agora minha avó e minha mãe podem descansar um pouco e minhas irmãs podem fazer o dever de casa e estar com suas amigas, assim como eu. É ótimo, e todo mundo parece gostar muito de mim agora! conta Talkmore. c

Avó feliz – Fico feliz que Talkmore ajude e faça coisas que só as meninas faziam antes. É claro que rapazes e garotas devem ajudar. Isso torna a vida melhor para as meninas. Não era assim quando eu era criança! Quando eu era jovem, nós, meninas, sequer conseguíamos ir à escola, e olhe que eu sou inteligente! conta a avó de Talkmore, Maria Mutete, 75 anos, rindo.

 TEXT: ANDREAS LÖNN FOTOS: JOHAN BJERKE

entendam sobre os direitos das meninas e a igualdade de gênero. – Os rapazes serão pais melhores, que cuidarão de suas filhas e explicarão a seus filhos que devem respeitar os direitos de suas irmãs e de outras meninas. Assim, a vida será melhor para as meninas no futuro. Mas acho que os rapazes também teriam uma vida melhor se tivéssemos igualdade de gênero. Acho que, na verdade, eles desejam

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Ashley, Charmaine, Glenda e Pearl participam da reunião do clube dos direitos da criança ao ar livre. Nas páginas 98–104 elas contam sobre as violações dos direitos das meninas a que foram expostas. O clube fez com que, agora, elas queiram e ousem contar.

Agora Ashley tem coragem de falar Quando Ashley tinha quatorze anos, seu professor prometeu fazê-la passar no teste final de matemática, mas com uma condição. Que ela se deitasse com ele. Ashley recusou, e depois ele a atacou no caminho da igreja para casa.

 TEXT: ANDREAS LÖNN FOTOS: JOHAN BJERKE

M

eu professor sabia que eu sempre me saía mal nos testes e deveres de casa de matemática. Um dia, ele perguntou se eu queria aulas particulares para entender melhor. Eu queria melhorar minhas notas, então aceitei. Além disso, gostava desse professor. Ele era gentil. Nos encontramos na sala de aula após o final do horário escolar, e a primeira aula foi muito bem. Porém, na segunda vez que nos encontramos, ficou muito desagradável. Ele

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disse: “Você não é tão boa em matemática, mas se tiver um relacionamento comigo, prometo que será aprovada no teste final, mesmo que não consiga resolver os exercícios”.

Esperou no milharal Afirmei que não queria um relacionamento, que isso era errado. Falei que eu era criança e ele era um professor adulto. Em seguida, pedi para ir embora e disse que não queria mais aulas. Então, tudo mudou. Ele ignorava se eu

levantasse a mão querendo responder perguntas na sala de aula. Se houvesse bagunça ou barulho na sala de aula, ele me culpava por isso. E até mesmo me golpeava. Um domingo, quando eu voltava da igreja para casa pelo caminho perto de um milharal, o professor de repente estava lá. Ele havia se escondido no campo e esperado por mim. Puxou-me para o milharal e pressionou um pedaço de pano na minha boca para que eu não pudesse gritar. Depois, jogou-me no chão. Quando terminou, deixou-me lá como se nada tives-

se acontecido. Foi embora sem dizer uma palavra.

A menina é apontada Quando contei a meu pai o que havia acontecido, ele ficou muito triste e pediu que eu não contasse a ninguém. Ele disse que professores têm um status muito alto aqui, portanto, as pessoas não acreditariam em mim. Meu pai temia que eu fosse ridicularizada e exposta de outras maneiras na aldeia. Aqui, a pessoa fica marcada quando passa pelo que eu passei. As pessoas podem apontar, cochichar e rir. Acho isso estranho. O homem adulto é que deveria ser exposto à zombaria, não a


garota, que é uma vítima. Nunca mais tive coragem de voltar à escola depois do que aconteceu. Eu temia ser ridicularizada e tinha medo de que o professor tivesse inventado uma história, dizendo que, na verdade, eu quis o que aconteceu. Além disso, fiquei grávida. Mais tarde tive um aborto espontâneo, mas mesmo assim não ousei voltar para a escola. Agora apenas fico em casa e não faço nada.

Sinto-me mal, tenho pesadelos e estou triste.

O clube dá força Recebo um pouco de força quando visito o clube dos direitos da criança. Lá, lemos na revista O Globo sobre meninas no país vizinho, Moçambique, que passaram por coisas parecidas comigo na escola. Fico triste, mas, ao mesmo tempo, sou apoiada para ousar denunciar meu

professor, como elas fizeram. Um dia, tomei coragem e contei à nossa líder o que havia acontecido. Agora ela prometeu me ajudar. Acho que nós, que sofremos, devemos nos atrever a contar e denunciar. E acho que professores que fazem isso com seus alunos devem ir para a prisão. Meu sonho é ser enfermeira no futuro”.

Casa segura das meninas – O clube dos direitos da criança se reúne em minha casa e é um lugar seguro para todas as meninas das aldeias vizinhas. Acontece de garotas que são gravemente feridas fugirem aqui para minha casa no meio da noite, em busca de proteção”, conta Mai Svisva, da organização Shamwari Yemwanasikana. Ashley, Glenda e Charmaine sentam-se em volta do fogo em sua casa ao contar sobre as violações de seus direitos.

Ashley, 15 anos

Deve ser tratada como filha – Acho que um professor deve tratar sua aluna como uma filha, não como alguém que ele possa usar e ter um relacionamento. É importante que os professores aprendam sobre os direitos das meninas, para que nos tratem com respeito. Portanto, acho muito bom que os adultos também recebam educação sobre direitos da criança através do Prêmio das Crianças do Mundo”, afirma Ashley.

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Charmaine trabalha, o irmão estuda Uma manhã, quando Charmaine ia vestir o uniforme escolar, seu pai lhe disse que não precisava. Em vez disso, ela começaria a trabalhar no campo de um vizinho para ajudar seu irmão mais novo a continuar estudando.

Q

uando eu tinha treze anos, tive que abandonar a escola no meio do semestre. Meu pai disse que não podíamos mais pagar as taxas escolares. Eu estava prestes a vestir o uniforme escolar, em uma segunda-feira de manhã, quando ele disse isso. Aqui, as crianças não podem falar contra seus pais, especialmente filhas não podem falar dos pais. Fui à minha mãe, chorei e contei como estava triste. Ela respondeu que me entendia, mas que não havia nada que pudesse fazer. Aqui é o homem que decide.

 TEXT: ANDREAS LÖNN FOTOS: JOHAN BJERKE

Sempre cansada Meu pai explicou que eu começaria a trabalhar nos campos de outras pessoas para ganhar dinheiro a fim de que que meu irmão de doze anos pudesse continuar indo à escola. Parecia terrivelmente injusto. Por que era eu quem tinha que trabalhar para que meu irmão fosse à escola e não o contrário? Mas eu já sabia a resposta. Aqui, meninos e homens são considerados superiores a garotas e mulheres. Eles têm mais valor. É por isso que meu irmão pode ir à escola, e eu não.

Acordo às quatro da manhã e começo a trabalhar. Agora, durante a colheita do milho, nunca chego à casa antes das cinco da tarde. Depois, eu janto, se houver comida, e adormeço às sete. Estou cansada. Trabalho com uma picareta ou conduzo o arado puxado por bois. Às vezes recebo dinheiro, mas geralmente sou paga em milho.

Direito de toda criança Dói ver meu irmão usando o uniforme escolar. Mesmo que eu saiba que não é culpa sua, fico com raiva dele. Ele nunca

Charmaine, 14 anos

– Meninas e meninos devem frequentar a escola, porque somos iguais. Aprendi isso no Clube dos Direitos da Criança, quando nosso líder leu O Globo para nós. Realmente espero que o clube possa me ajudar. Que eu aprenda mais e ganhe autoconfiança para ter coragem de conversar com o pai e explicar meus direitos, conta Charmaine.

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disse nada sobre deixar a escola. Acho isso estranho. Eu amava a escola, e inglês e matemática eram minhas disciplinas favoritas. Meu sonho é ser professora, mas agora acho que será difícil realizá-lo. Não acho que crianças devam trabalhar, isso é errado. Crianças devem estar na escola. No Clube dos Direitos da Criança, aprendemos que é direito da criança frequentar a escola e que é contra nossos direitos nos obrigar a trabalhar. Também aprendi que é contra nossos direitos quando meninas são tratadas pior do que os meninos. Tenho meus direitos violados duas vezes, em parte porque sou criança e em parte porque sou menina”.


Glenda foi enganada para ser escravizada Glenda pensou que finalmente começaria a estudar e acompanhou sua tia com alegria em uma longa viagem de ônibus. Porém, Glenda foi enganada. Ela foi exposta ao tráfico humano e trabalha para uma mulher sem remuneração há dois anos.

A

ntes eu morava com minha avó em uma cidade distante daqui. Minha vida era boa e eu amava a avó, mas ela não podia pagar minhas taxas escolares. Um dia, quando eu tinha treze anos, minha tia veio visitá-la e disse que achava que eu devia me mudar para sua casa, em outra cidade, e começar a estudar. Fiquei tão feliz! Decidi ir com ela imediatamente. Minha tia foi gentil e alegre durante toda a viagem, e cuidou de mim. “

Trabalho infantil sem pagamento Quando chegamos, ela mudou totalmente. Disse que eu não

iria à escola, mas trabalharia como ajudante doméstica para uma de suas amigas. Fiquei chocada e decepcionada. Quando chorei e pedi que me ajudasse a voltar para casa, ela ficou muito zangada. E disse que se, mencionasse aquilo mais uma vez, apanharia mais do que eu acreditava ser possível. Fiquei com tanto medo que nunca ousei mencionar nada sobre isso. Agora já moro aqui com a amiga de minha tia há dois anos. Geralmente fico trancada como uma prisioneira e não posso sair de casa. Faço todo o trabalho doméstico: lavo roupas, lavo pratos, cozinho, busco água, limpo...

tudo. Também sou eu quem faz todo o trabalho no milharal. Se ela achar cometi o menor erro, fica furiosa. E nunca recebo dinheiro pelo meu trabalho. Creio que minha tia fique com meu salário. Embora eu queira fugir, não posso. Não tenho dinheiro, não sei onde estou ou como voltar para casa.

Ajuda do clube A mulher para quem trabalho tem três filhos adultos. Porém, como os filhos não fazem nenhum trabalho doméstico aqui, ela precisava de uma menina na casa. É por isso que fui trazida para cá.

Às vezes, quando a mulher não está em casa, consigo sair e participar de um clube dos direitos da criança que há aqui. Lá, aprendi que fui exposta a algo chamado tráfico, e que isso é uma violação dos direitos da criança. O clube tenta me ajudar a voltar para minha avó. Ela não sabe nada, e acha que estou indo à escola e que está tudo bem. Meus pais são separados. Eles têm novas famílias e parecem ter me esquecido. Aqui, são as meninas que têm maior probabilidade de serem traficadas. As pessoas precisam de alguém que trabalhe na casa, e isso os meninos não fazem. A vida das meninas é muito mais difícil que a dos meninos no Zimbábue”. Glenda, 15 anos

Enganada e trancada A mulher para quem Glenda trabalha sem remuneração geralmente a mantém trancada em casa, como uma prisioneira.

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A vida de Pearl foi mudada

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 TEXT: ANDREAS LÖNN FOTOS: JOHAN BJERKE

O programa do WCP ensinou a Pearl, 16, que todas as crianças têm o direito de ir à escola e não serem expostas ao casamento infantil. Ela também foi fortalecida para querer contar sua história. – Ensinarei meu filho a respeitar as meninas e nunca se casar com uma criança”, diz Pearl, que mora em Chihota, no Zimbábue.

F

ui morar com meus avós quando tinha dez anos para poder continuar indo à escola. Amo meus avós paternos e adoro ir à escola! Porém, no ano passado, aos quinze anos de idade, tudo mudou para mim. Eu estava voltando da escola para casa. Um homem da aldeia escondeu-se em alguns arbustos. Ele me atacou e me jogou no chão. Depois, disse que me quebraria se eu contasse a alguém o que ele havia feito. Eu fiquei apavorada.

Ficou grávida Fiz tudo para ninguém notar, mas tinha pesadelos e me sentia perseguida em todos os lugares. Eu não conseguia me concentrar na escola, pois só pensava no que havia acontecido. Depois de três meses, minha avó percebeu que eu estava grávida. Primeiro, recusei-me falar, mas depois contei tudo o que havia acontecido. Então, a avó mandou arrumar minhas coisas e ir ficar com meu “marido”. Foi terrível precisar de alguém que me fez tão mal. Também foi horrível saber que minha família achava que eu devia

Pearl sentada com o filho do lado de fora da casa de seus avós. – Ensinarei meu filho a respeitar meninas e que meninas e meninos são iguais”, diz ela.

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Quando Pearl estava voltando da escola para casa, toda sua vida mudou.

ficar com tal pessoa. Mas aqui funciona assim – se um homem engravida uma menina, ela é considerada sua esposa. Tive que arrumar minhas coisas e procurá-lo.

nós duas tememos que eu morresse. Após algumas semanas, tive que fugir para salvar minha vida.

Espancada A velha avó do homem me acolheu. Quando expliquei por que viera, ela não acreditou em mim inicialmente. Quando contei ao homem que meus pais disseram que ele agora era responsável por mim e pela criança por nascer, ele ficou furioso. Primeiro, ele gritou com sua avó porque ela me deixou entrar, depois, deu-me um soco forte no rosto e desapareceu. Felizmente sua avó era gentil e cuidou de mim naquela noite. O homem continuou a me espancar. Ele gritava mandando-me voltar para minha casa. Tive que me esconder na casa de sua avó. Ela chorou e 104

– Adoro ir à escola, mas agora não posso continuar”, afirma Pearl.

Teve que parar de estudar Eu estava completamente desesperada ao chegar a casa. Quando contei a meus avós que fui espancada, eles disseram: “Você não sabe que muitos homens espancam suas esposas? Que isso é normal?” Respondi que sabia que era assim em muitas famílias, mas implorei e insisti para voltar para casa. No final, eles aceitaram. É como se minha vida tivesse acabado, porque não posso mais ir à escola. Meninas que têm filhos não podem frequentar a escola aqui, e isso dói muito. Sei que isso é errado, pois pertenço a um clube onde aprendemos sobre nossos direitos. Agora sei que ir à escola é direito de todas as crianças! E fico feliz em saber que casamentos infantis são contra nossos direitos. Não acho que meninas devam ser

obrigadas a casar. Não devemos ser esposas, mas sim ir à escola para podermos ter uma vida digna. Meu sonho é ser costureira e ganhar dinheiro para poder cuidar do meu filho. Ensinarlhe-ei a respeitar as meninas e nunca se casar com uma criança. Também o ensinarei a respeitar as meninas e explicarei que meninas e meninos têm o mesmo valor”. c


Mbare é suja de muitas maneiras – Aqui em Mbare é sujo de muitas formas. Há lixo em toda parte, mas este também é um bairro pobre com muitos problemas. Nós, meninas, somos particularmente vulneráveis. Pessoalmente, fui drogada, abusada e forçada a ir morar com o homem que o fez, conta Lisa, 16. Agora, ela é embaixadora dos direitos da criança do WCP e participa da Geração Sem Sujeira no Zimbábue.

M

eus pais morreram quando eu era pequena. Eu estava no primeiro ano. Já faz muito tempo, mas lembro-me de ser feliz e segura quando minha mãe e meu pai eram vivos. Meu pai trabalhava como mecânico de automóveis e minha mãe vendia legumes aqui no mercado em Mbare. Minha mãe tinha diabetes e acabou ficando tão doente que precisou ir ao hospital. Ela nunca mais voltou para casa. Duas semanas depois, meu pai também morreu. Ele havia

sofrido fortes dores de cabeça antes de morrer. Mas ainda tive sorte, porque não fiquei totalmente sozinha. Minha avó materna pode cuidar de mim. E, embora não ganhasse muito como vendedora de vegetais, ela conseguiu garantir que eu e meus dois irmãos menores, além de seus próprios cinco filhos, estudássemos.

Adorava a escola Eu amava a escola e meu sonho era estudar na universidade para ser assistente social. Mbare é um bairro pobre com desafios enormes, e eu via meninas da minha idade que tinham muitos problemas. Muitas eram obrigadas a trabalhar em bares para sobreviver, em vez de estudar, por exemplo. Eu queria fazer algo sobre isso.

Eu amava a escola e meu sonho era estudar na universidade para ser assistente social. Mbare é um bairro pobre com muitos problemas, e muitas meninas da minha idade passam dificuldades. Eu queria fazer algo sobre isso.

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Sustentar o filho sozinha – Agora estou em casa novamente, mas não voltei à escola. Estou grávida de um filho do homem, mas acho que ele nunca me ajudará financeiramente. De alguma forma, tenho que conseguir sustentar a criança sozinha. Sinto que o homem e sua família arruinaram minha vida! Ao mesmo tempo, sinto apoio do grupo de garotas e amor da minha avó, diz Lisa.

Porém, quando tinha quatorze anos tudo mudou. A avó não tinha mais dinheiro, então eu, meus irmãos e vários filhos de minha avó tivemos que parar de estudar. Fiquei desesperada. Entendi que meu sonho de me tornar assistente social nunca poderia se realizar. Após deixar a escola, só fazia trabalho doméstico. Eu cozinhava, limpava, lavava pratos e buscava água. Como quase não encontrava mais nenhuma amiga, tornei-me muito solitária e ficava triste com frequência.

Véspera de ano novo Contudo, quando chegou a véspera de ano novo, senti-me feliz e cheia de expectativa, pois ia festejar na casa de uma amiga. Quando saímos para comprar alguns doces e batatas fritas em uma loja perto de sua casa, passamos por um bar. Do lado de fora, estava um homem que havíamos encontrado antes e conversa106

mos com seus amigos. Ele era agradável e bonito e perguntou se queríamos sentar, assim poderia nos oferecer um copo de suco porque era véspera de ano novo. Ficamos felizes e aceitamos. No começo foi agradável, mas o que não sabíamos era que ele havia colocado algo prejudicial no suco. Depois de um tempo, fiquei tonta e perdi a consciência. A próxima coisa de que me lembro é que acordei nua na cama do homem e com uma dor terrível em todo o corpo. Minhas roupas estavam ensanguentadas, e fiquei apavorada. Quando comecei a chorar, ele se enfureceu e me mandou ir para casa. Não entendi o que havia acontecido, e estava com tanto medo que fiz o que ele disse.

Expulsa Quando cheguei a casa, minha avó e meu tio estavam furiosos. Eles não haviam me autorizado a passar a noite fora e, além disso, um vizinho nos

tentei explicar, mas isso não ajudou. Quando me expulsaram de casa, minha avó chorou e fechou a porta.

Casamento infantil

Novas melhores amigas – Agora estou em um grupo de apoio onde todas têm experiências semelhantes e se entendem. Nos apoiamos e confortamos mutuamente. As garotas do grupo são minhas novas melhores amigas, diz Lisa.

viu num bar com um grupo de homens. Minha avó também descobriu que não dormi na casa de minha amiga. Eles pensaram que eu tinha passado a noite com um namorado, por vontade própria. Meu tio gritou que não cuidaria de mim ou do meu filho, e que eu voltasse para meu “marido” que era culpado e deveria assumir a responsabilidade. Foi quando comecei a entender o que havia acontecido e

Voltei para a casa do homem, mas foi a tia dele quem abriu. Quando expliquei o que minha família havia dito, ela concordou que eu poderia ficar, se começasse a trabalhar em seu bar e a viver com o homem como se fôssemos casados. Não tive escolha. Em nossa cultura, já éramos considerados casados depois do que aconteceu na cama do homem na noite anterior. Além disso, não tinha para onde ir. Eu tinha apenas quinze anos e trabalhava dia e noite servindo cerveja no bar, sem pagamento. Era como uma escrava, e algum tempo depois também engravidei. Os homens no bar me apalpavam e diziam coisas nojentas. Eu odiava cada segundo e sentia que a vida tinha acabado.


Salva Contudo, depois de quatro meses, a avó ouviu rumores sobre como minha vida era agora. Que era obrigada a trabalhar em um bar como escrava e que meu marido não cuidava de mim. Ela ficou furiosa. Foi ao bar, fez uma cena e disse que era hora de eu voltar para casa. Naquele dia, a avó salvou minha vida e a amo por isso. Quando cheguei a casa, procurei a organização Shamwari Yemwanasikana, que ajuda meninas que foram maltratadas. Agora participo de um de seus grupos de apoio para garotas resgatadas do casamento infantil. Participamos do Prêmio das Crianças do Mundo e aprendemos sobre nossos direitos e como podemos defendê-los. Lemos a revista O Globo, e agora sei que as coisas a que fui exposta são estupro, casamento infantil e trabalho infantil, e todas elas violam meus direitos. Isso me deixa terrivelmente

 TEXT: ANDREAS LÖNN FOTOS: JOHAN BJERKE

Talvez a Geração Sem Sujeira possibilite que nós, crianças, tenhamos um ambiente mais limpo, mesmo aqui em Mbare. No Dia Sem Sujeira, enchemos um caminhão de lixo com o lixo que coletamos.

furiosa! Eu e minha avó fizemos uma queixa na polícia contra o homem e a mulher. Mas o homem desapareceu, talvez tenha fugido por medo da polícia. Até agora, nada aconteceu com a tia dele, mas terei ajuda para tentar condená-la por trabalho infantil.

Sonhos para o futuro No grupo de apoio, também aprendemos artesanato de diferentes tipos, para que possamos ganhar dinheiro para cuidar de nós mesmas e de nossos filhos. Por exemplo, fazer joias e absorventes higiênicos reutilizáveis. Isso é ótimo. Mas ainda sonho ser assistente social. Agora também sei, por experiência própria, o quanto poderia fazer pelos direitos das meninas, neste caso. Não sei se é possível, por minha vida ter ficado assim, mas sonho. Porém, como embaixadora dos direitos da criança do WCP, já faço o que posso pelos direitos das meninas.

Através do Prêmio das Crianças do Mundo, também pertenço à Geração Sem Sujeira. Gosto disso, porque aprendi que um meio ambiente limpo é o direito de todas as crianças. Também sonho que isso se torne verdade para todas as crianças. Talvez nós,

da Geração Sem Sujeira, consigamos isso aqui em Mbare no futuro! c

Absorventes higiênicos reutilizáveis Tsitsi, da organização Shamwari Yemwanasikana, ensina Lisa e as outras meninas do grupo de apoio a fazer absorventes higiênicos reutilizáveis. A ideia é que, com o tempo, as meninas sejam capazes de fabricar e vender absorventes higiênicos para poderem cuidar melhor de si e de seus filhos.

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day 16 MAY

MAI MAIO MAYO

JIIL QASHIN LA'AAN AH

SKRÄPFRI GENERATION NO LITTER GENERATION

WITH SUPPORT FROM

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GÉNÉRATION SANS DÉCHETS

generation

GERAÇÃO SEM SUJEIRA

GENERACIÓN SIN RESIDUOS WITH SUPPORT FROM


Existe lixo em quase toda parte na Terra – no chão, em lagos e oceanos. Se nada for feito, em 2050 poderá haver mais plástico que peixes no oceano! Mas você e outras crianças e jovens de todo o mundo podem fazer a diferença e tornarem-se a No Litter Generation (Geração sem Sujeira). Em 16 de maio, vocês podem participar do Dia sem Sujeira e recolher lixo na sua rua, aldeia ou bairro. Depois, enviem o relatório com o peso de todo o lixo que sua escola recolheu em worldschildrensprize.org/nolitter.

L

ixo é o material que acaba no chão ou lagos e oceanos, e que não deveria estar lá. Podem ser garrafas de vidro, sacos plásticos, latas, pontas de cigarro e embalagens de doces. Animais e seres humanos podem se machucar ou adoecer por causa do lixo. Alguns tipos de lixo também contêm substâncias perigosas, que não devem vazar para o meio ambiente.

Países diferentes – desafios diferentes Em muitos países não há um bom sistema para manejo e separação de resíduos. A maior parte é jogada nas ruas ou aterros sanitários. Também não há sistema de reciclagem. Não reaproveitar os resíduos é um desperdício de recursos da Terra, uma vez que muitos materiais podem ser usados várias vezes. Quando os resíduos e o lixo são descartados sem controle, surgem riscos para a saúde. Doenças podem se espalhar se as pessoas entram em contato

Uma colaboração entre a Fundação Prêmio das Crianças do do Mundo e Mantenha a Suécia Limpa

com fezes e seringas, por exemplo. Resíduos também podem conter substâncias químicas nocivas. Das ruas e aterros, muito lixo é soprado e acaba em rios e oceanos. Em outros países existem bons sistemas de coleta e reciclagem de resíduos. Mas muitas vezes há outros desafios, como pessoas que não usam o sistema corretamente, ou compram coisas desnecessariamente e, portanto, há mais resíduos e detritos. Desta forma, diferentes países têm desafios diferentes.

O exemplo da Índia Em muitas partes da Índia, não existe um sistema de manejo do lixo, mas, no estado de Tamil Nadu, onze distritos introduziram um bom sistema. Lá, as famílias separam o lixo em três recipientes. Restos de alimentos são colocados em uma lixeira verde. Eles são coletados em grandes composteiras e transformados em adubo ou biogás. Os materiais que podem ser reciclados ou reutiliza-

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25 milhões de elefantes de plástico nos oceanos Pode ser que já haja 150 milhões de toneladas de resíduos plásticos nos oceanos. É o mesmo que o peso de 25 milhões elefantes grandes. Se esse número de elefantes grandes formassem uma fila com as trombas estendidas, essa fila teria 200.000 km de comprimento. São cinco voltas ao redor do planeta.

dos, tais como garrafas de plástico, latas de metal e papel, são colocados em num saco branco. O material é separado, vendido e usado novamente de diferentes formas. Aquilo que não pode ser compostado ou reciclado é descartado em uma lixeira preta. Esse lixo é coletado, colocado em aterros sanitários ou armazenado de forma segura. Em Tamil Nadu, também se procura fazer com que haja menos resíduos, para começar. Por exemplo, a escola Little Flower tornou todo o campus uma zona livre de plástico, e placas lembram os visitantes da proibição.

reciclado ou incinerado é colocado em aterros especiais, onde causa o menor dano possível ao meio ambiente. Mas muitas pessoas na Suécia são descuidadas ao separar o lixo ou jogam as coisas no lugar errado. Materiais que deveriam ser reciclados vão parar no lixo e muitos acabam como lixo no chão. Também há uma grande quantidade de resíduos na Suécia, pois compram-se muitos aparelhos e pacotes que são usados apenas uma vez. Para mudar isso, nós, seres humanos, precisamos mudar nossos hábitos e comportamentos.

O lixo custa caro O exemplo da Suécia Na Suécia, há um sistema para manejar e reciclar o lixo. Jornais velhos são recolhidos e usados para fazer papel novo. Latas e garrafas de vidro são fundidas e o material é usado na fabricação de novas garrafas e latas. Alguns plásticos são usados para fazer plástico novo. Aquilo que não pode ser usado novamente é incinerado em instalações especiais onde as emissões são limpas e o calor é usado para aquecer água para muitas casas. O lixo que não pode ser

É difícil estimar quanto o lixo custa em todo o mundo. Muitos países investem pesado em limpar e remover detritos. O lixo pode fazer com que turistas deixem de visitar uma área, por exemplo, e isso leva a uma redução das receitas para o país. Quanto mais lixo vai parar no chão ou nos oceanos, maiores as consequências e custos. É mais barato cuidar do lixo desde o início. Muito do que acaba como lixo poderia ser usado novamente.

Lixo prejudica animais Muitos animais são prejudicados pelo lixo. Eles podem se machucar e/ou ficar presos no lixo, ou comê-lo acidentalmente. Animais que ingerem pedaços de plástico podem morrer de fome ou enfraquecer quando seus estômagos ficam cheios de plástico em vez de alimentos. Animais pequenos e grandes podem ser feridos por detritos, como baleias, tartarugas, peixes, aves, mexilhões e vacas.

Mais plástico que peixes... Grande parte do lixo plástico acaba nos oceanos. Ele pode viajar longas distâncias pelo vento ou por rios e águas pluviais. Se não fizermos algo sobre isso, poderá haver mais plástico que peixes no oceano em 2050!

Baleia engoliu 30 sacos plásticos • 8 milhões de toneladas de plástico acabam nos oceanos a cada ano. • O plástico prejudica mais de 600 espécies de animais que vivem no mar e perto dele. • 99 por cento de todas as aves marinhas terão comido plástico em 2050, se a tendência continuar. • Uma baleia que encalhou na Noruega tinha 30 sacos plásticos no estômago.

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4.500 bilhões de pontas de cigarro dariam 117 viagens de ida e volta à lua No mundo inteiro, cerca de 4.500 bilhões de pontas de cigarro são jogadas no chão anualmente! Todas essas pontas alinhadas dariam 90 milhões de quilômetros. Isso é suficiente para ir à lua e voltar 117 vezes. Leva cerca de três anos para uma ponta de cigarro se decompor em pedaços tão pequenos que não sejam visíveis. Porém, mesmo pedaços pequenos podem causar danos.

Plástico não desaparece O plástico que acaba no chão ou no mar se decompõe muito lentamente em pedaços menores. Isso pode levar centenas ou milhares de anos. Até mesmo pedaços muito pequenos de plástico (microplástico) podem causar danos. O microplástico pode ser comido por pequenos organismos, como o zooplâncton e mexilhões. Depois, quando estes são comidos por animais maiores, o plástico segue para a parte superior da cadeia alimentar. No final, talvez haja plástico no peixe que você come no jantar. Pesquisadores estão tentando descobrir mais sobre como animais e pessoas são afetados pela ingestão de microplásticos.

Trabalham pela mudança Muitas crianças e adultos em todo o mundo estão lutando para reduzir o lixo. • Vários países proibiram ou aumentaram o preço de sacos de plástico, porque eles são prejudiciais. Ruanda, na África,

foi o primeiro país no mundo a introduzir uma proibição de sacos plásticos. • Muitos países trabalham para tornar mais fácil fazer o que é certo (por exemplo, colocando mais lixeiras com tampa, para que nenhum lixo seja soprado), e melhorando os sistemas de reciclagem. • Produtores, como fabricantes de embalagens plásticas, são incentivados a desenvolver embalagens inteligentes, que não se tornam lixo. • Em muitos países, campanhas de remoção de lixo são realizadas anualmente, como o Dia sem Sujeira, em que adultos e crianças recolhem lixo e aprendem mais sobre as consequências do lixo. • Países também cooperam entre si para resolver o problema do lixo. Em 2015, todos os países da ONU adotaram 17 metas globais para a sustentabilidade econômica, social e ambiental. As metas devem ser atingidas até 2030, e isso só será possível se todos ajudarem. Aproveitar os resíduos, reciclar e não produzir lixo ajuda a atingir as metas.

Dia sem Sujeira Em 16 de maio, ou outro dia dessa semana, crianças de muitos países se unem para recolher lixo em sua escola, bairro ou aldeia. As crianças participantes pertencem à Geração sem Sujeira. Elas são agentes de mudança para um mundo melhor e, nesse dia, especialmente por um mundo mais limpo e mais saudável. Elas separam e pesam o lixo que recolhem juntas no Dia sem Sujeira. Depois, enviam um relatório do que foi coletado, e o peso total, para a pessoa de contato em seu país ou para a onda Sem Sujeira em worldschildrensprize.org/nolitter

Separação do lixo na Escola St K Michael em Accra, que faz parte das Eco-Escolas de Gana.

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O que pode acontecer com o lixo?

 TEXTOO: HÅLL SVERIGE RENT FOTOS: JENNY BR ANDT ILUSTR AÇÃOES: LINUS NYSTRÖM

O vidro reciclado muitas vezes é usado em garrafas ou copos, mas também em um asfalto especial para estradas. Papel e papelão podem se tornar papel de jornal, tecidos, papel de escrita e caixas de ovos. O aço e as folhas de metal podem ser usados em cabo de aço e materiais de construção, latas, arte, cadeiras e mesas. A madeira reciclada pode ser usada, por exemplo, em caixas, brinquedos, equipamentos de playground e mobiliário. Garrafas PET podem ser derretidas e usadas em cobertores, travesseiros, camisetas e como isolante em casacos quentes e sacos de dormir. São necessárias 10 garrafas para fazer fibra suficiente para uma camiseta e 63 garrafas para uma camisa. Você tem mais sugestões sobre o que pode ser feito com lixo?

Como você e seus amigos podem fazer parte da Geração sem Sujeira: 1. Estudem e discutam o conteúdo sobre Sem Sujeira desta revista. 2. Conversem sobre como o lugar onde vocês moram pode ficar sem lixo. 3. Levem a revista sobre Sem Sujeira para casa, para a família, amigos e vizinhos. Contem o que vocês aprenderam, e falem sobre como eles podem ajudar a manter sua rua ou aldeia sem lixo. 4. Realizem seu Dia sem Sujeira e recolham, separem e pesem o lixo que vocês recolheram. Tenham cuidado para não se machucar no lixo e peçam a ajuda de um adulto se encontrarem algo que seja contundente ou perigoso. 5. Enviem o relatório sobre o que recolheram e o peso total do lixo. 6. Certifiquem-se de que todo o lixo seja reciclado ou enviado para o local correto onde deve ser armazenado com segurança. 7. Comemorem sua realização!

O melhor e o piores dos resíduos O ideal seria não haver resíduos, para começar. Talvez seja possível usar menos embalagens? • Os resíduos inevitáveis devem ser, preferivelmente, reutilizados ou reciclados. Neste caso, o aparelho ou material pode ser usado novamente, e os recursos do planeta são economizados. • Se isso não for possível, os resíduos devem ser incinerados ou colocados em um aterro sanitário. Mas isso deve ser feito de maneira correta, para não contaminar o ar, o solo ou a água. • O pior é quando os resíduos acabam como lixo no chão ou em lagos e mares.

A GERAÇÃO SEM SUJEIRA PODE FAZER O SEGUINTE ANALISAR O LUGAR ONDE MORA:

• Existe um bom sistema de manejo do lixo? • Que problemas vocês têm em termos de resíduos e lixo? SUGERIR E MUDAR:

• Que sugestões vocês têm para reduzir o lixo? • Que propostas de soluções vocês têm para lidar com os resíduos e o lixo? • Quem controla o sistema de resíduos onde vocês moram? Procurem os decisores com sua proposta. • Contem a todos onde vocês moram porque o lixo é ruim. Incentivem-os a ajudar a manter uma escola, rua e aldeia sem lixo e ofereçam dicas sobre o que fazer. • Planejem como vocês da Geração sem Sujeira podem trabalhar para reduzir o lixo, mesmo quando não é o Dia sem Sujeira. • Reúnam ideias sobre como o lixo pode ser reutilizado. • E, claro, não joguem lixo fora do lugar!

Veja o vídeo sobre a Geração sen Sujeira em worldschildrensprize.org /nolitter 112


Durante a maior parte da história humana, o lixo não foi um grande problema. Grande parte do lixo era orgânico, restos de comida e resíduos de cozinha, que apodreciam e se transformavam em adubo.

O

s problemas começaram quando as cidades cresceram e criamos materiais novos e práticos, como o plástico. Foi bom poder armazenar alimentos e aparelhos em embalagens seguras. Mas isso criou muito mais detritos que não desaparecem sozinhos. Portanto, muitos países desenvolveram sistemas para cuidar do lixo. Muitos países pobres investiram o dinheiro em outras coisas. Além disso, muitos países ricos, alguns ilegalmente, enviam grande parte de seus resíduos mais perigosos para países pobres. Estes incluem pneus de borracha tóxica e lixo eletrônico de telefones celulares e computadores. As montanhas de resíduos crescem rapidamente.

Quanto mais rico, mais lixo produz Quanto mais rico você é, especialmente se mora em uma cidade, mais resíduos e detritos você produz. Os EUA e o

Japão estão entre aqueles que produzem a maior parte dos resíduos, mas têm condições de cuidar de seus resíduos, por isso eles são menos visíveis nas ruas que em países mais pobres, que geram menos resíduos. Nestes, raramente há coleta de lixo e as pessoas jogam o lixo na rua. Doenças se espalham. Mas poderia ser ainda pior, caso cerca de um quarto de todos os milhões de toneladas de resíduos e lixo gerados diariamente não fossem recolhidos por pessoas pobres, que são catadoras de lixo.

Protesto bem-sucedido É injusto que alguns possam descartar lixo e outros tenham que recolher lixo, apenas porque são pobres. Manter a limpeza e cuidar do lixo é um trabalho importante. Crianças não devem trabalhar, elas devem ir à escola. Agora, catadores de lixo de todo o mundo começaram a protestar, como na cidade

indiana de Pune. Os políticos realmente ouviram! Eles prometeram pagar catadores de lixo, a maioria mulheres, por seu trabalho. As mulheres abriram uma empresa de limpeza e agora elas têm salário, boas condições de trabalho e vestuário de proteção. Elas trabalham menos, mas recebem mais pagamento. O melhor de tudo: Seus filhos pararam de catar lixo e começaram a ir à escola.

Catadores de lixo são necessários Sidra, no Paquistão, é uma das cerca de 15 milhões de pessoas do mundo que catam lixo para sobreviver. Ela e Nisha, que é de uma família que trabalha em olaria, estão ambas ansiosas para participar da Geração sem Sujeira e do Dia sem Sujeira. Elas vivem em um país onde o manejo de resíduos não funciona. Aqueles que têm dinheiro descartam, e os mais pobres recolhem,

separam, vendem ou trocam por algo de que precisam. A família de Sidra recolhe detritos há gerações e é especialista em reciclagem e reutilização. Mas é um trabalho difícil e perigoso, que rende muito pouco dinheiro.

Contribuir É responsabilidade de todos que as pessoas de todos os lugares, especialmente crianças, vivam em um ambiente seguro e saudável. Podemos contribuir recolhendo lixo e espalhando a consciência sobre o meio ambiente. Mas os líderes mundiais também precisam cumprir sua promessa; lutar para atingir as metas da ONU até 2030 e erradicar a pobreza extrema, reduzir a desigualdade e a injustiça e resolver a crise climática. Então, crianças como Nisha e Sidra poderão escolher por si próprias com que querem trabalhar quando crescerem.

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 FOTOSS: ALI HAIDER

O lixo é responsabilidade de todos

Crianças em uma olaria no Paquistão participam da Geração sem Sujeira, escrito em urdu na faixa da direita.


Nisha e Sidra participam da Ger Toda tarde quando chega da escola, Nisha fabrica tijolos. Sua família é escrava por dívida, e Nisha tem que ajudar a pagar a dívida. Sidra cata lixo quando não está na escola, e o vende para diferentes fornecedores. As duas meninas do Paquistão aprenderam sobre os direitos da criança através do programa do Prêmio das Crianças do Mundo. Agora, querem participar da Geração sem Sujeira e, no Dia sem Sujeira, em 16 de maio, recolher lixo e ensinar aos outros por que devem parar de jogar lixo! Nisha, 12 Classe 5, escola BRIC

M

“Faço duzentos tijolos todos os dias.”

“Sei que a educação é a única maneira de melhorar nossas vidas.”

inha irmã e minha mãe levantam toda manhã às quatro para fazer tijolos até tarde da noite. Minha mãe emprestou uma grande quantia do proprietário da olaria para o tratamento de meu pai. Desde então, somos como escravas do proprietário. Depois da escola, eu cozinho o almoço. Depois, levo o almoço para minha mãe e irmã. Fico com elas e nós trabalhamos até tarde. Faço duzentos tijolos todos os dias. O proprietário e o supervisor não tratam bem as crianças que trabalham. Eles gritam conosco e frequentemente nos espancam cruelmente. Fico triste e acelero meu trabalho. Penso que, se fizer mais tijolos, conseguiremos pagar nossa dívida e nos livrar deste trabalho.

No resto da noite eu faço meu dever de casa. Só podemos comprar roupas ou sapatos no Natal, mas graças a Deus temos a oportunidade de ir à escola. Trabalho duro por minha educação. Quero ser médica e abrir meu hospital. Então, comprarei roupas e sapatos para minha mãe e irmã, e elas não terão mais que trabalhar na olaria. Sei que a educação é a única maneira de melhorar nossas vidas. Aprendi que tenho direitos, que todas as crianças, são importantes e que todos devem respeitar nossos direitos. Aqui todo mundo pensa que os meninos são melhores que nós, meninas. Isso precisa mudar e as meninas devem ser respeitadas! Gosto da ideia de sermos a Geração sem Sujeira. O lixo pode ser ruim para todos, pessoas e animais. Podemos parar de jogar lixo por toda parte e ensinar os adultos a parar de fazê-lo. Será bom participar do Dia sem Sujeira junto com crianças de outros países.”

“Já realizamos nosso primeiro Dia sem Sujeira”. “Pesei todo o lixo que recolhemos, e anotamos o peso a cada vez”. 114


ação sem Sujeira Sidra, 12 Classe 3, escola BRIC

N

ascemos nessas barracas e vamos terminar a nossa jornada nestas barracas. Todos os membros da minha família catam lixo sete dias por semana, vendemos aos fornecedores e compramos comida com o dinheiro. Sempre me pergunto: por que as pessoas desperdiçam tanta comida? Mas, desta forma, sempre temos alimentos que nunca poderíamos comprar no mercado. Às vezes encontramos brinquedos. A maioria dos brinquedos estão danificados, mas são perfeitos para brincarmos. Nós nunca compramos roupas novas, só usamos as que nos encontramos no lixo.

Meu milagre!

Depois da aula, eu sempre saio para catar lixo. Quando recolhemos lixo, outras pessoas nos tratam como se não fôssemos humanos. E os fornecedores costumam roubar ao pesar nosso lixo. Sempre vivemos rodeados por lixo. Seria melhor sem o lixo. Mas como ganharíamos dinheiro, neste caso? Mesmo assim, ficarei feliz de pertencer à Geração sem Sujeira. Precisamos ensinar às pessoas sobre o lixo, para que tenham consciência do ambiente e mudem seus hábitos. Será lindo quando tivermos recolhido lixo no Dia sem Sujeira”.

“Foi um milagre poder começar a frequentar a escola”.

Dinheiro do Dia sem Sujeira paga a escola Nisha e seus amigos vão vender o lixo que recolherem durante o Dia sem Sujeira aos fornecedores. O dinheiro será usado para suas despesas escolares. O dinheiro do lixo que Sidra e seus amigos catarem nesse dia também será ser usado para sua educação escolar.

Geração sem Sujeira recolhe lixo Nisha e seus amigos já se tornaram parte da Geração sem Sujeira, e aqui Nisha pesa o lixo que recolheram onde moram e nas olarias. 115

 FOTOSS: ALI HAIDER

Um dia, quando acordei, meu pai disse: ‘Você não vai catar lixo hoje, vai à escola’. Isso foi um milagre! Nunca pensei sobre a escola, mesmo em

meus sonhos. Isso nunca tinha acontecido na minha família. Uma coisa me magoa. Outros alunos caçoavam de mim porque eu era o que as pessoas chamam de uma menina nômade. Não sei por que as pessoas nos odeiam. Somos exatamente como elas! Mas minha paixão pela educação fez-me tolerar isso, e depois fiz amigos na escola. Quando comecei a ir à escola, mais pessoas também começaram a mandar seus filhos para a escola. Através da educação, posso conquistar respeito na sociedade. Eu trabalho duro pela educação, para ser assistente social e poder lutar pelos direitos do nosso povo. Aprendi que todas as crianças têm direitos. Foi uma experiência maravilhosa. Mas aqui os adultos precisam ser educados para começar a respeitar os direitos das meninas.


De quantos planetas você precisa? Atualmente, as pessoas vivem de uma maneira que requer mais recursos do que a natureza pode produzir. Temos um único planeta, mas mundialmente nós comemos, viajamos e consumimos como se tivéssemos 1,7 planeta!

A

influência individual de cada pessoa no planeta geralmente é chamada de pegada ecológica. O oposto, fazer coisas boas pelo meio ambiente, é chamado de aperto de mão ecológico. A Suécia, juntamente com países como o Kuwait, EUA e Austrália, tem a maior pegada ecológica por pessoa. Isso tem a ver, por exemplo, com as coisas que compramos, o que comemos, como viajamos e como nos livramos do lixo. Quanto mais recursos da Terra usamos, mais o meio ambiente é afetado.

O que é a pegada?

Sua pegada ecológica é igual à quantidade de planetas que seria necessária se todos os seres humanos vivessem como você. Quanto mais planetas, mais seu estilo de vida afeta o aquecimento global e as mudanças climáticas. A pegada pode ser descrita como a impressão na natureza que cada pessoa deixa em seu rastro na superfície da Terra. O tamanho da sua pegada ecológica depende de quanto espaço é necessário para produzir o que você usa. É sobre a terra para cultivar alimentos, dar pastagem a animais, água a peixes, florestas, a área onde você mora e estuda ou trabalha, e muito mais. Por exemplo, o metal e plástico usados para fazer carros, ônibus e aeronaves. Ao dirigir esses veículos, óleo e gasolina são necessários. Depois, a impressão é comparada com o terreno e

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os recursos disponíveis em nossa Terra. Naturalmente, sua pegada é menor se aquilo que você compra e a energia que usa for fabricada de uma maneira que afeta a natureza o mínimo possível. Por exemplo, se os carros, ônibus ou aviões que você usar não utilizam os chamados combustíveis fósseis, como gasolina ou diesel. Não apenas usamos mais do que a Terra pode oferecer, mas também criamos muitos resíduos, dos quais é preciso cuidar. Nos países ricos, a quantidade de resíduos por pessoa dobrou nos últimos 20 anos. Quanto lixo é produzido em sua casa durante uma semana? Os resíduos também incluem dióxido de carbono, o gás que é liberado no ar quando usamos petróleo, gasolina, carvão ou queimamos lixo e madeira. O dióxido de carbono é o resíduo que mais aumenta e, na Suécia, apenas as emissões de dióxido de carbono já são uma parte importante da nossa pegada ecológica. Ele contribui para as mudanças climáticas globais, que obriga cada vez mais pessoas a fugir dos lugares onde sempre viveram. Secas e chuvas torrenciais, inundações, acidificação do oceano e/ou aumento no nível do mar faz com que elas não possam mais sobreviver lá.

Ricos têm pegada maior

Cerca de um quinto da população mundial é responsável por mais de 80% de todo o consumo. As pessoas ricas têm as

Faça sua própria lista de aperto de mão! O que você já faz e o que mais pode fazer...

maiores pegadas ecológicas, enquanto as pobres deixam pegadas muito pequenas. Em muitos países, existe uma diferença muito grande entre as pegadas ecológicas de pessoas diferentes. No Brasil, por exemplo, uma criança de um povo indígena na Amazônia quase não deixa pegada, enquanto um fazendeiro que tem seu próprio jatinho, uma casa grande com ar condicionado, piscina e eletrônicos, deixa uma pegada enorme.

A maior pegada

A maior pegada ecológica per capita do mundo é do Catar. O país tem poucos habitantes, porém muito ricos, que contribuem para as altas emissões de dióxido de carbono ao voar, dirigir e usar o ar condicionado (pode fazer quase 60 graus positivos no clima desértico do país).

O que você pode fazer?

Ao pensar sobre como seu estilo de vida afeta a natureza e as mudanças climáticas, você pode criar um grande e importante aperto de mão ecológico para um meio ambiente melhor. Ações muito pequenas na vida cotidiana podem ser de grande importância para o futuro de todos; essas ações podem ir desde não jogar lixo fora de lugar até economizar água. Faça sua própria lista de aperto de mão daquilo que você já faz e o que mais quer fazer.


Luta pela justiça climática Jamie, 16, luta pela justiça climática e quer que seu estado natal, Washington, nos EUA, adote as necessárias leis contra as mudanças climáticas. Jamie começou o Zero Hour, um movimento que eleva as vozes de crianças e jovens na luta contra as mudanças climáticas.

Se todos vivessem como o cidadão médio do mundo, precisaríamos de 1,7 planeta. E s se todos vivessem como na...

... América do Norte = 5 planetas

... Europa = 2,8 planetas

... África = 0,8 planeta

... Ásia = 0,7 planeta

América do Sul = 1,8 planeta

Em que posição está seu país?* Na lista, você verá alguns países do mundo e sua respectiva posição na lista de pegadas ecológicas por habitante. Quanto mais baixo na lista, menor é a pegada do país. “Que os jovens sejam o movimento que faz com que nossos líderes eleitos parem de ignorar as mudanças climáticas!”. Jamie, 16

Greta faz greve pelo clima

JESSICA GOW/TT

Em 2017, as emissões de gases de efeito estufa da Suécia aumentaram em 3,6%. Porém, para a Suécia atingir as metas climáticas estabelecidas, elas devem diminuir de 5 a 8% anualmente! Greta, 15, luta pelo meio ambiente desde os doze anos de idade. Durante as eleições na Suécia, em setembro de 2018, ela achou que os políticos falaram muito pouco sobre o clima e não fizeram o suficiente. Por este motivo, ela fez greve escolar por mais de duas semanas e ficou do lado de fora do Parlamento da Suécia durante os dias de aula.

“É minha responsabilidade moral fazer greve pelo clima. Os políticos devem colocar a ecologia à frente da economia!”. Greta, 15

1. Catar 2. Luxemburgo 3. Emirados Árabes Unidos 6. EUA 7. Canadá 9. Dinamarca 11. Austrália 15. Suécia 18. Finlândia 19. Noruega 32. Rússia 38. Alemanha 39. Malta

42. Reino Unido 43. Japão 45. França 47. Israel 65. China 67. Portugal 75. África do Sul 86. Brasil 98. México 121. Gana 141. Birmânia/ Mianmar 146. Tanzânia 147. Guiné

150. Benin 151. Camboja 152. Burkina Faso 153. Costa do Marfim 153. Guiné-Bissau 154. Camarões 156. Serra Leoa 158. República do Congo 160. Libéria 161. Uganda 163. Índia 164. Nigéria 165. Senegal

166. Togo 167. Filipinas 169. Zimbábue 170. Quênia 171. Nepal 177. Moçambique 181. Paquistão 184. República Democrática do Congo 185. Haiti 186. Burundi

Seu país não está aqui? A lista completa está disponível on-line em data.footprintnetwork.org Lá, você também pode descobrir sua própria pegada ecológica pessoal. * Fonte: Global Footprint Network (Rede da Pegada Global)

METAS GLOBAIS Pobreza, energia e clima estão conectados. Portanto, as metas globai incluem, entre outras coisas, dar a todos o direito a eletricidade e aquecimento limpos, assim como acesso seguro a água e alimentos.

OVERSHOOT DAY A humanidade usa mais recursos (como energia, alimentos e vegetação) durante um ano, do que a natureza pode repor antes do final do ano. Todos os anos, um grupo de pesquisadores calcula como nosso consumo está afetando a natureza. O dia em que usamos todos os recursos é chamado de Overshoot Day (Dia da Dívida Ecológica). Em 2018, esse dia ocorreu já em 1º de agosto, ou seja, cinco meses antes da virada do ano!

117


Nepal

No Dia Sem Sujeira, crianças de toda parte mostram que são parte da Geração Sem Sujeira. No Paquistão, onde as vozes das crianças raramente são ouvidas na mídia, a conferência de imprensa das crianças atraiu muitos jornalistas, e os esforços das crianças por um ambiente mais limpo chegaram a ser a principal notícia em vários canais de TV. – Exigimos mais lixeiras para poder jogar o lixo nelas, em vez de fazê-lo no chão, disse Saba. Sua amiga Shamoon, que cresceu como escrava por dívida em uma olaria, declarou que o lixo é perigoso tanto para seres humanos quanto para o meio ambiente: – Quando funcionários da olaria misturam a argila para fazer os tijolos, eles geralmente se cortam profundamente com pedaços de vidro que as pessoas jogaram no chão.

Paquistão

Filipinas

Dia Sem Sujeira Saba e Shamoon (no meio) conduzem a conferência de imprensa das crianças no Paquistão.

Benin

Camarões

“Um ambiente cheio de lixo cria mais lixo, porque quando as pessoas estão cercadas de sujeira e desperdício, elas param de se importar e, portanto, há ainda mais acúmulo de lixo”. Tafuah, 16, HIMS BUEA

“As mudanças climáticas afetam minha vida, como quando chove tanto que minha casa é inundada”. Seni, 10, escola Privée Nonglom Evangelique

Burundi

“Digo a meus pais que eles não devem jogar lixo na natureza, nem queimar florestas e arbustos, pois isso destrói o meio ambiente”. Asseta, 10, CMI Privée WA Malgba de Palgré

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Burkina Faso

“Precisamos ensinar a nossos amigos e pais que o lixo deve ser levado na mão”. Joel, 14, escola E P Yoba


“Pretendo transmitir esse conhecimento a meus filhos e netos, para salvar as futuras gerações”. Pituwa, 12, escola Ujio wa heri

Birmânia/ Mianmar

“Se cuidarmos melhor do lixo, os problemas com doenças como a malária e doenças diarreicas serão reduzidos”. Mweneke, 13, escola Espace Ami Universel

República Democrática do Congo

“Recolhemos sacolas plásticas e garrafas em minha cidade, e esta foi a primeira vez que organizamos uma coleta de lixo. Em minha pequena cidade não há muito plástico, usamos sacolas e cestos feitos de folhas e bambu, em sua maioria”. Naw Sha, 12, escola Mee Wah Dern

Costa do Marfim

Senegal

Serra Leoa

por Todo o Mundo Nigéria

Gana

República do Congo

Suécia

Guiné Bissau

“O Dia Sem Sujeira não é sobre limpeza, mas sim sensibilização de crianças, adultos, professores e outros cidadãos sobre soluções para o problema do descarte de lixo!” Esther, 15, escola EAM “Agora estou 50% infectado com o vírus: ‘Divulgue os direitos da criança’ e 50% com o vírus ‘Limpe o lugar onde você mora’. E também faço isso com 100% de energia!” Espoir, 12, escola EAM

Moçambique

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Togo


Nós somos a Gera

Kimberley e Hassan preparados para o Dia Sem Sujeira.

uma lixeira de garrafas velhas ou cápsulas em vez de comprar uma nova. Isso é inteligente! Tudo que aprendemos, passamos adiante a todos nas reuniões matinais da escola.

Direitos das meninas

– Hoje, no Dia Sem Sujeira, elevamos nossas vozes para que todos na cidade ouvissem. Pois, se não cuidarmos do nosso meio ambiente, a vida será dura e curta para todas as crianças na Terra. E nós, da Geração Sem Sujeira, não aceitamos isso! diz que o embaixador dos direitos da criança do WCP, Hassan, 12, que mora em Murewa, no Zimbábue. Ele e sua amiga embaixadora, Kimberley, levam as questões ambientais a sério.

N

ós, embaixadores dos direitos da criança do WCP, recebemos muito treinamento sobre os direitos da criança. Aprendi que um ambiente limpo é considerado um dos direitos da criança. Antes, eu não sabia disso. Como embaixadores do WCP, agora lutamos pelo direito da criança a um ambiente limpo e saúde. Isso é muito importante! Nós, que pertencemos à Geração Sem Sujeira, não aceitamos que as gerações anteriores destruam o meio ambiente e não cuidem dele. Deve haver uma mudança agora! Esperamos que o fato de termos nos mostrado a todos da cidade no Dia Sem Sujeira e exigido que os adul-

tos mudem seja um bom começo.

O Clube Ambiental

Eu e os demais embaixadores nos encontramos duas vezes por semana, porque também participamos do Clube Ambiental da escola. Lá, aprendemos como a reciclagem é importante para o meio ambiente. O lixo envenena o meio ambiente e adoece as pessoas. Aprendemos a reciclar sacolas plásticas na forma de chapéus de chuva para a estação chuvosa e, com garrafas velhas de cerveja e suco que as pessoas encaram como lixo inutilizável, já fizemos mais de cinquenta lixeiras! Criamos coisas que são úteis, bonitas e baratas. Pense em poder fazer

Escola sem lixo “Acho que a Geração Sem Sujeira tornou todos na escola mais conscientes do meio ambiente, e é por isso que cuidamos dele. Não se joga lixo em nossa escola, exceto nas latas de lixo que fabricamos no Clube Ambiental! diz Hassan.

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Quando recebi o treinamento de embaixador dos direitos da criança, aprendi muito sobre os direitos das meninas. Que é uma violação dos direitos da menina expô-la ao casamento infantil, obrigá-la a fazer todo o trabalho doméstico pesado,

não deixá-la ir à escola ou não ouvir suas opiniões. Aqui há muitos pais que valorizam mais os filhos e escutam o que temos a dizer. As filhas não contam. Mesmo quando nós, rapazes, somos pequenos, consideram que podemos decidir mais que nossas irmãs mais velhas. Se as meninas são constantemente subestimadas e maltratadas, creio que elas passam a acreditar nisso e se desprezam. Isso é tão errado! Como os direitos das meninas sempre foram violados e os direitos dos rapazes sempre foram protegidos, decidi me tornar um


ção Sem Sujeira! embaixador dos direitos da criança que luta pelos direitos das meninas e pela igualdade de gênero com Kimberley e os outros embaixadores.

Conhecimento sobre Menstruação

Costumo conversar com meus amigos e outras pessoas na escola sobre a importância da igualdade de gênero e dos direitos das meninas. E peguei materiais sobre menstruação que temos em uma prateleira no Clube Ambiental. Há absorventes higiênicos, protetores de roupa íntima e outras coisas. Lá, as meninas podem

aprender a se cuidar de uma boa maneira. Mas também ensinamos aos rapazes sobre menstruação, para que eles entendam mais, parem de importunar e possam apoiar as meninas e tratá-las com respeito. Afinal, isso é sobre os direitos das meninas! No futuro, gostaria de ensinar sobre os direitos da criança e o meio ambiente nas escolas e em locais de trabalho”.

Kimberley e Hassan participaram e organizaram o Dia Sem Sujeira e recolheram lixo.

Hassan, 12, embaixador dos direitos da criança do WCP, Escola de Ensino Fundamental e Médio Hurungwe

Hassan distribui luvas de plástico, sacos e máscaras de boca para quem participa do Dia Sem Sujeira.

– Para mostrar como os absorventes funcionam, usamos molho de tomate! explica Hassan. 121

 TEXTO: ANDREAS LÖNN FOTOS: JOHAN BJERKE

Prateleira da menstruação de Hassan


Lutamos juntos!

Todo o lixo recolhido no Dia Sem Sujeira é pesado.

A amiga de Hassan, Kimberley, acha que é importante que garotas e rapazes lutem juntos pelos direitos das meninas e pelo meio ambiente, para que o resultado seja bom. “

T

ornei-me embaixadora dos direitos da criança do WCP e membro da Geração Sem Sujeira, junto com Hassan e mais alguns. Nos encontramos toda terça-feira e quinta-feira no Clube Ambiental da escola. Lemos a revista O Globo juntos e conversamos sobre como podemos alcançar o maior número

No Clube Ambiental de Hassan e Kimberley eles transformam…

possível de crianças. Nossa missão como embaixadores é ensinar outras crianças sobre seus direitos e o meio ambiente. Depois, elas ensinam suas famílias e vizinhos em casa. O que mais falo é sobre os direitos das meninas. No passado, as meninas eram vistas como totalmente inferiores e não tinham valor, mas em nossa

… cápsulas em bolsas…

… sapatos…

… lixeiras…

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… sacolas de plástico velhas em roupas…

geração fazemos tudo que podemos para mudar esses pensamentos.

Juntos

Portanto, é muito importante trabalharmos junto com os meninos em termos de direitos das meninas, igualdade de gênero e meio ambiente. Aqui, por costume e tradição, as pessoas ouvem o que os rapazes dizem, por exemplo, que as meninas têm os mesmos direitos ou que o meio ambiente é importante. Se nós, meninas, dissermos as mesmas coisas,

nossas opiniões podem não ser consideradas. Muitos suspeitam que não queremos a igualdade de gênero e, na verdade, queremos tomar o poder. Que pensamos que somos superiores a rapazes e homens. Quando lutamos juntos, as pessoas veem que realmente somos iguais.

Dia Sem Sujeira

Ontem tivemos o nosso Dia Sem Sujeira, onde nós, embaixadores dos direitos da criança, tivemos uma grande responsabilidade. No passado,

… sacolas de plástico em chapéus de chuva… … e cadeiras…


 TEXTOO: ANDREAS LÖNN FOTOS: JOHAN BJERKE

Durante os intervalos, os alunos da escola sem lixo jogam futebol com uma bola feita de sacos plásticos, e jogam o lixo na lixeira feita de garrafas plásticas.

Advogado contra o casamento infantil – O casamento infantil cria grandes problemas para as garotas aqui. Elas são expostas a muita violência e, como as meninas não estão totalmente desenvolvidas, se engravidarem, graves complicações podem surgir e causar sua morte. Meu sonho é ser advogada dos direitos da criança, que protege crianças que tiveram seus direitos violados, afirma Kimberley.

aqui era extremamente sujo e cheio de lixo, mas como pertencemos à Geração Sem Sujeira, as pessoas se concentraram em questões ambientais e as coisas começaram a melhorar. É claro que as pessoas não jogam mais tanto lixo fora de lugar em Murewa. No Clube Ambiental, fabricamos lixeiras com garrafas pet antigas, em vez de deixar as garrafas contaminando a natureza. Agora existem lixeiras em toda a área da escola, mas nosso objetivo é colocá-las em pontos diferentes da

sociedade. Nós, embaixadores dos direitos da criança, escreveremos à Câmara Municipal e proporemos isso. Também pediremos que esvaziem regularmente nossas lixeiras na escola, para que o lixo não transborde e tenhamos um ambiente sujo e insalubre aqui novamente. Isso seria contra os nossos direitos”.

Revista O Globo dá dicas – A revista O Globo é ótima, porque aprendemos como as crianças ao redor do mundo resolveram seus problemas. Quando estamos em situações semelhantes, sabemos o que fazer, diz Kimberley.

Kimberley, 12, embaixadora dos direitos da criança do WCP, Escola de Ensino Fundamental e Médio Hurungwe

… garrafas de suco em lixeiras… Nós somos a Geração Sem Sujeira! … embalagens de biscoito em chapéus…

… embalagens plásticas em canecas para escovas de dentes…

… e pneus de carros antigos e assentos de vaso sanitário em vasos para flores! 123


Ensinamos aos adultos! “Hoje, protestamos pela cidade e ensinamos aos adultos que eles não devem jogar lixo no chão, e sobre o quanto a reciclagem é importante. Muitos adultos não sabem disso, porque nunca aprenderam sobre o meio ambiente na escola. Obtemos muito conhecimento através do programa do WCP e da Geração Sem Sujeira. Agora temos a oportunidade de ensinar aos adultos! No futuro, quero ser médico”. Nyasha, 12

Usar lixeiras! “Através da Geração Sem Sujeira, aprendi que é realmente importante jogar todo o lixo na lixeira e não no chão. Por exemplo, se jogarem fraldas usadas do lado de fora, cães podem vir e comê-las. Depois, os cães podem lamber pratos em casa e as pessoas podem ficar muito doentes. Isso é errado, porque nós, crianças, temos o direito de viver em um ambiente limpo e temos direito à saúde. No futuro, meu sonho é ser médico”. Priviledge, 12

 TEXTO: ANDREAS LÖNN FOTOS: JOHAN BJERKE

Sujeira e garrafas de vidro por toda parte “Hoje tivemos o Dia Sem Sujeira, onde ajudamos a limpar nosso bairro. Algumas partes da cidade são muito sujas. Papel, fraldas, garrafas de vidro, garrafas pet e latas velhas de cerveja estão por toda parte. O lixo faz muitas pessoas adoecerem e muitas crianças se ferem em garrafas de vidro quebradas. Pode-se contrair cólera e tétano, e é preciso ter bons cuidados de saúde para não morrer. Mas aqui há muitos que não têm condições de ir ao médico. Se nós, crianças, decidíssemos, não haveria nenhum lixo! Sonho em ser piloto e ver o mundo”. Lee, 12

124

Direito um ambiente limpo! “Aprendi que todas as crianças têm direito a um ambiente limpo e saudável. Por meio do programa do WCP, aprendemos sobre nossos direitos e como podemos nos proteger. Aqui, muitas meninas são expostas ao abuso, mas isso geralmente é abafado. Mas agora sabemos que o abuso é uma violação dos nossos direitos e algo que devemos denunciar à polícia. O WCP é muito importante! Sonho em me tornar juiz e me especializar em casos em que crianças foram abusadas sexualmente”. Ruvimbo, 12

Embaixadora do Sem Sujeira “Sou especialista em meio ambiente e degradação ambiental porque esta é a questão de direitos da criança mais importante para mim. No Dia Sem Sujeira, fui entrevistada na Rádio Zimbábue e no Bom Dia Zimbábue, da TV. Explico a todos, crianças e adultos, que a questão ambiental é sobre os direitos da criança!” Natalie, 17, eleita embaixadora do Sem Sujeira do Zimbábue


EMBAIXADORA DO SEM SUJEIRA NO ZIMBÁBUE:

Faremos o mundo melhor! – As gerações anteriores destruíram nosso planeta. Mas nós, que pertencemos à Geração Sem Sujeira, faremos o mundo melhor. E se a próxima geração adquirir ainda mais conhecimento sobre o meio ambiente, ela fará a terra voltar a ser um ótimo lugar para se viver. É por isso que minha missão é tão importante! diz Natalie, 17, que é embaixadora do Sem Sujeira em todo o Zimbábue.

T

ive a sorte de ser educada em direitos da criança e Geração Sem Sujeira por meio do Prêmio das Crianças do Mundo. Agora sou embaixadora dos direitos da criança do WCP e optei por especializar-me em meio ambiente e degradação ambiental, porque esta é a questão de direitos da criança mais importante para mim. Todas as crianças têm direito a um ambiente limpo e a uma boa saúde. E direito de brincar! Mas como as crianças podem brincar quando correm o risco de se ferir com o lixo, garrafas e cacos de vidro presentes por toda parte? Um de meus amigos morreu há quatro anos de febre tifoide causada pelo lixo e um ambiente poluído. Ele tinha apenas quatorze anos de idade. Isso é triste e errado, e foi por isso que comecei a me interessar por questões ambientais.

– Usamos a mídia para falar sobre nosso trabalho em prol do meio ambiente e contra o descarte de lixo. Queremos aumentar o conhecimento das pessoas, conta Natalie.

Metas de desenvolvimento da ONU

Através do WCP e da revista O Globo, aprendi muito sobre o meio ambiente. Agora sei que a ONU estabeleceu um meio ambiente mais limpo como uma de suas principais metas de desenvolvimento global até 2030, e acho que isso é ótimo e absolutamente necessário. As gerações anteriores destruíram nosso planeta com emissões e descarte de lixo. Plásticos e outros resíduos

tóxicos vão parar em nossos rios, lagos e mares, contaminando nossa água potável, e nós adoecemos e morremos. Isto também se aplica a ani-

mais terrestres e marinhos. A menos que nossa geração comece a cuidar do meio ambiente e pare de contaminar e descartar em lugares impróprios, não temos futuro algum. A terra ruirá. Quero lutar pelo nosso futuro!

Fala na TV

Meu comprometimento me fez ser eleita embaixadora do Sem Sujeira em todo o Zimbábue, e estou muito orgulhosa. Minha função é explicar a todos, – Minha mãe sempre disse que “A limpeza é vizinha de Deus!” diz Natalie, rindo. 125


Protesto contra lixo e Geração Sem Sujeira no subúrbio mais antigo da capital Harare, Mbare.

crianças e adultos, que a questão ambiental é sobre os direitos da criança. E, como embaixadora do Sem Sujeira, tive a oportunidade de falar no rádio e na TV no horário de maior audiência. Antes do nosso Dia Sem Sujeira no subúrbio Mbare, da capital Harare, fui entrevistada na Rádio Zimbábue e no Bom Dia Zimbábue, da TV. Quando vi todos os microfones e câmeras, e pensei que

agora todas as pessoas no país estavam me vendo e ouvindo, fiquei nervosíssima inicialmente. Porém, em seguida, tive uma sensação mais de “uau”, agora todos podem me ouvir! Senti que aquilo era muito importante. Os jornalistas me perguntaram o que significa ser uma embaixadora dos direitos da criança do WCP e o que acho que o governo deveria fazer em relação aos direitos da

– Acho que um meio ambiente mais limpo é a meta de desenvolvimento mais importante da ONU para 2030, porque, caso contrário, nosso planeta ruirá”, afirma Natalie.

criança e ao meio ambiente. Foi uma oportunidade incrível de apresentar a milhões de ouvintes e telespectadores o que nós, jovens, queremos em nosso futuro, que o governo defenda nossos direitos e proteja o meio ambiente. Foi a melhor plataforma que poderíamos ter!

Inscrição para participar do Dia Sem Sujeira em Mbare. 126

Dia Sem Sujeira

Conseguimos um grande impacto quando usamos o rádio e a TV. Muitos adultos e crianças que, de outra forma, não conheceriam nosso dia de limpeza, compareceram ao nosso Dia Sem Sujeira. Vários adultos que vieram me disseram que tinham vergonha pelo fato de serem as crianças e jovens que estavam apontando os problemas sérios e tomando a iniciativa de mudar e fazer algo bom.


Próprias roupas de plástico – Fizemos nossas roupas de proteção com sacos de plástico para proteger nossas roupas habituais da sujeira, mas também para ficarmos realmente bonitas neste dia importante! dizem as amigas Selma e Samantha, rindo.

teríamos uma quantidade absurda de lixo ao limpar Mbare. Eles aceitaram, o que foi ótimo para nós! Recolhemos tanto lixo que ficou completamente impossível pesar os sacos com lixo. Acho que ouvi dizer que o caminhão levou 10 metros cúbicos de lixo, e ficou totalmente abarrotado! Agora espero que o caminhão continue indo a Mbare recolher o lixo das pessoas. Os

políticos que tomam decisões na cidade deveriam ter tanta vergonha a ponto de não conseguir mais deixar as coisas como estão! Porém, mesmo que o caminhão de lixo venha, suspeito que a reciclagem de lixo da cidade não funcione tão bem. Uma parte do lixo é reciclada, mas está longe de ser tudo. Começaram a reciclar um pouco do plástico, mas o lixo compostável, por exemplo, é

totalmente desperdiçado. Aqui, como embaixadora dos direitos da criança do WCP, tenho um importante trabalho à minha frente. Esclarecer e influenciar os políticos que tomam decisões em nossa cidade”.

Olá e obrigado! A cidade participou com um caminhão que buscou todo o lixo que as crianças coletaram durante o Dia Sem Sujeira.

 TEXTO: ANDREAS LÖNN FOTOS: JOHAN BJERKE

Depois de me ouvir no rádio, eles não puderam deixar de participar e ajudar! A escolha do subúrbio Mbare para realizar o Dia Sem Sujeira foi muito consciente. É uma região muito pobre, suja e cheia de lixo. Ninguém com poder de decisão parece se importar, seja o Conselho Municipal, o governo ou o presidente. Nem a limpeza da cidade nem a coleta de lixo funcionam lá. A montanha de lixo apenas cresce, cada vez mais. Até mesmo os parques infantis estão totalmente sujos e cheios de lixo. Nas partes mais ricas da cidade, a limpeza e a coleta de lixo funcionam. Não sei porque é assim, mas isso é errado!

Próprio caminhão de lixo

Antes do Dia Sem Sujeira, entramos em contato com o Conselho Municipal de Harare e perguntamos se poderiam ceder um caminhão de lixo, pois sabíamos que 127


– Bem-vindo à Conferência de Imprensa das Crianças do Mundo, realizada simultaneamente por crianças de vários países, diz Kouanda a repórteres de rádio em Burkina Faso.

direitos da criança importantes. Portanto, vocês têm que explicar isso a eles.

Preparem

Façam ouvir suas vozes!

Escrevam e pratiquem o que vocês querem dizer sobre o WCP, e como as crianças se sentem onde vocês vivem e em seu país. No dia anterior à conferência de imprensa, vocês recebem informações secretas do WCP sobre o resultado da Votação Mundial dos heróis dos direitos da criança do Prêmio das Crianças do Mundo. conjunta, com um representante de cada escola no palco (informações de contato, p. 31).

Bom local

Você e seus amigos querem participar e espalhar conhecimento sobre os direitos da criança e os desafios mundiais? Faça ouvir sua voz pelos meios de comunicação. Essa atenção pressiona os detentores do poder a preocuparem-se mais com as crianças ao tomar decisões.

T

odos os anos, quando os votos de milhões de crianças na Votação Mundial são somados, as crianças organizam suas próprias coletivas de imprensa (Conferência de Imprensa das Crianças do Mundo) no mesmo dia, em todo o mundo. Elas exigem respeito pelos Direitos da Criança e revelam qual dos nomeados recebeu a maioria dos votos e será lau-

reado com o Prêmio das Crianças do Mundo pelos Direitos da Criança, e quais deles receberão o Prêmio Honorário das Crianças do Mundo. Somente as crianças podem falar e ser entrevistadas pelos jornalistas durante as conferências de imprensa. Vocês querem participar?

Façam assim: Contem para a pessoa de contato do WCP em seu país que vocês realizarão uma Conferência de Imprensa das Crianças. Há muitas escolas onde vocês moram? Realizem uma conferência de imprensa

Houve relatos da Conferência de Imprensa das Crianças do Mundo em diversos jornais, emissoras de rádio e TV no Paquistão. Não é comum as crianças terem a oportunidade de falar sobre os direitos da criança na mídia do Paquistão.

128

Se possível, escolham o edifício mais importante do bairro para sua conferência de imprensa, para mostrar que os direitos da criança importam! A escola também é um bom lugar para a conferência. A data exata das conferências de imprensa de 2019 será publicada no site do WCP.

Convidem os meios de comunicação Entrem em contato com os meios de comunicação locais com antecedência. Pode ser necessário insistir um pouco. Telefonem, enviem correio eletrônico e mensagens para editores e jornalistas individuais. Infelizmente, nem todos os adultos consideram questões relacionadas aos

Realizem a conferência de imprensa 1. Comecem com dança e música e contem que outras crianças estão realizando conferências de imprensa simultâneas em todo o mundo. 2. Forneçam fatos sobre o WCP e mostrem vídeos curtos. 3. Falem como as crianças vivem onde vocês moram e o que vocês sabem sobre violações dos direitos da criança onde vivem e em seu país. Contem quais mudanças vocês querem ver e façam exigências a políticos e outros adultos. 4. Contem sobre as grandes contribuições dos heróis dos direitos da criança e revelem o resultado da Votação Mundial. 5. Distribuam o comunicado à imprensa e o folheto informativo sobre os direitos da criança.

Em worldschildrensprize.org/wcpc vocês encontram: • Data exata da conferência de imprensa 2019. • Comunicado à imprensa, folheto informativo sobre direitos da criança e rascunho de roteiro. • Dicas para convidar jornalistas e de perguntas para fazer a políticos. • Vídeos sobre o WCP, a Votação Mundial e os heróis dos direitos da criança. • Imagens para a imprensa.


Seja delator(a) quando houver algo errado! Todos os adultos que ajudam você e outras crianças a organizar o programa do WCP devem respeitar os direitos da criança. Se, durante o trabalho com o programa do WCP, você presenciar crianças sendo tratadas incorretamente ou for exposto(a) a isso, você deve denunciar. Geralmente, chama-se quem denuncia algo errado de delator(a).

T

ente sempre falar com um adulto de sua confiança, em sua escola ou onde mora. Caso isso não seja possível, você pode entrar em contato com o WCP. Alguns exemplos de coisas que não podem acontecer durante a implementação do programa do WCP são que um adulto, como um(a) professor(a), diretor(a) ou outra pessoa exponha uma criança a: – Violência, inclusive violência sexual – Intimidação/assédio moral (bullying), discurso de ódio ou outras formas de violência psicológica – Violação da integridade pessoal das crianças (por exemplo, se alguém tirar uma foto sua ou revelar informações pessoais sobre você, embora você não queira ou sem te perguntar antes) Se o que deseja relatar não tem nada a ver com o programa do WCP, você sempre deve entrar em contato com um adulto próximo em quem confie. Se você ou outra pessoa precisar de ajuda urgente, entre em contato com a polícia imediatamente.

Como funciona? A maneira mais segura de relatar o que aconteceu ao WCP é através do nosso Formulário de Denúncia em www.worldschildrensprize.org/whistle Neste caso, sua denúncia chegará a uma pessoa de confiança do WCP, que tratará suas informações com segurança.

A revista O Globo deve ser gratuita! A revista O Globo é um material educacional gratuito, que é livre para uso por crianças que participam do programa do WCP. Caso veja alguém vendendo a revista O Globo, ou vendendo algo que pertence ao programa do WCP para ganhar dinheiro, isso é errado. Informe ao WCP ou peça a um adulto em quem você confie para entrar em contato.

Rainha Silvia da Suécia

Nelson Mandela

Malala Yousafzai

Desmond Tutu

Graça Machel

Nós apoiamos o Prêmio das Crianças do Mundo Malala Yousafzai e o falecido Nelson Mandela escolheram ser patronos do Prêmio das Crianças do Mundo. Eles também foram os únicos a receber tanto o Prêmio Nobel da Paz quanto o que a mídia geralmente chama de “Prêmio Nobel das Crianças”, o Prêmio das Crianças do Mundo pelos Direitos da Criança. Quem fez algo de bom pelos direitos da criança ou pelo Prêmio das Crianças do Mundo pode se tornar Amigo Adulto Honorário e patrono do WCP. A rainha Silvia foi a primeira patrona do WCP. Entre os patronos do WCP, além de Malala e do falecido Nelson Mandela, estão Xanana Gusmão, Graça Machel, Desmond Tutu e o primeiro-ministro da Suécia.

129


Houve um aplauso retumbante para todas as mais de 42 milhões de crianças que participaram do programa do WCP desde sua criação, no ano 2000.

Kim, do Zimbábue, que é embaixadora dos direitos das crianças do WCP e membro do júri do WCP, foi a mestre de cerimônia.

Bem-vindo(a) à cerim Todo ano, as crianças do júri se reúnem para conduzir a cerimônia do Prêmio das Crianças do Mundo no castelo de Gripsholm, em Mariefred, Suécia, em celebração aos direitos da criança. Todos os três heróis dos direitos da criança são homenageados e recebem prêmios em dinheiro por seu trabalho pelas crianças. A Rainha Silvia da Suécia ajuda as crianças do júri a entregar os prêmios.

Rachel Lloyd recebeu, das mãos da Rainha Silvia, o Prêmio das Crianças do Mundo pelos Direitos da Criança concedido por milhões de crianças votantes. À esquerda, sua colega de trabalho Shaquana Blount.

130


ônia do WCP!

Durante a última música, Um Mundo de Amigos, as crianças do júri tiveram no palco a companhia de todos os músicos sul-africanos – Paxton, Jazz Yard Academy e Inkwenkwezi – dos músicos da Lilla Akademien e também da Rainha Silvia.

Gabriel Meija Montoya foi laureado com o Prêmio Honorário das Crianças do Mundo por sua longa luta pelas crianças mais vulneráveis da Colômbia. Zintle e Simbongile, da Inkwenkwesi Band, cantaram e dançaram durante a cerimônia.

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 FOTOS: SOFIA MARCETIC/WCPF

Valeriu Nicolae foi à cerimônia junto com Auriel e Ionut, dois dos meninos rom que receberam sua ajuda na Romênia. Valeriu também recebeu o Prêmio Honorário das Crianças do Mundo.


JORDEN RUNT LOPPET FÖR EN BÄTTRE VÄRLD • COURSE AUTOUR DU GLOBE POUR UN MONDE MEILLEUR CORRIDA EM VOLTA DO GLOBO POR UM MUNDO MELHOR • CARRERA ALREDEDOR DEL GLOBO POR UN MUNDO MEJOR WITH SUPPORT FROM

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