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NoMeAdA • Páginas 16– 40

CYNTHIA MAUNG Khaing Tha Zin, 11 anos, está com febre há tantos dias que já perdeu a conta. em casa, em uma vila da Birmânia, seu pai levanta suas costas, limpa com um pano e começa uma longa caminhada até a clínica da dra. Cynthia Maung, na Tailândia, país vizinho. Há 18 anos, a própria Cynthia Maung fugiu pelo mesmo caminho. ela lutava por democracia, mas teve que fugir dos militares, que estão no poder desde 1962, na Birmânia. Khaing é carregada pelo pai.

 TEXTo : JoHANNA HALLIN FoTo : ToR A MÅRTENS

PoR QUe CYNTHIA MAUNG É NoMeAdA? A Dra. Cynthia Maung é nomeada ao WCPRC 2007 por sua batalha de quase 20 anos por centenas de crianças que vivem em fuga dentro e fora da Birmânia. Cynthia dirige a clínica Mae Tao desde 1989 na Tailândia. Aqui, 200.000 refugiados e imigrantes da Birmânia recebem atendimento gratuito. A maioria são crianças. A clínica também forma enfermeiros e profissionais de saúde que, voltam para trabalhar em suas vilas na Birmânia e campos de refugiados na Tailândia. A clínica envia centenas de “médicos andarilhos” para a Birmânia. Eles levam remédios, ensinam sobre higiene às crianças e prestam atendimento médico e de saúde a 150.000 refugiados internos, muitos dos quais são crianças. A clínica de Cynthia providencia certidões de nascimento para as muitas crianças que não as têm, administra duas escolas e reformatórios e visita regu-

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larmente 50 outras escolas de refugiados para dar vitaminas e vacinar as crianças e ensinar sobre higiene e saúde. A clínica de Cynthia administra até mesmo orfanatos, ensina sobre o meio ambiente e o HIV/AIDS e alimenta crianças subnutridas

índia

bangladeste

china

Birmânia (Mianmar) Rangúm

oceano índico

vietnã laos

Mae Sot

tailândia Bangkok

cambódia


K

haing não consegue ficar acordada, apesar de sacudir demais nas costas do pai. Numa das vezes que acorda, percebe que o ombro dele está vermelho por causa do sangue que escorre de seu nariz. Quando cruzam a fronteira e chegam à clínica Mae Tao, Khaing tem convulsões. A febre faz os músculos se contraírem involuntariamente. Ela tem malária, uma das doenças mais comuns que atingem as crianças perto da fronteira. Começa com

uma picadinha de mosquito e, se não for tratada e medicada, pode acabar matando. Nas regiões montanhosas da Birmânia não existe hospital, nem médico. Por isso, a clínica da Dra. Cynthia Maungs é tão importante para Khaing e mais de cem mil outras crianças. Uma enfermeira pega Khaing no colo, a senta em uma cadeira baixa de plástico e a enxágua com água fria. Fica meio difícil respirar devido ao frio repentino, mas, ao mesmo tempo, é

Ajuda todas as crianças Cynthia Maung e sua clínica Mae Tao ajudam todas as crianças da Birmânia, não importa se estão refugiadas na Tailândia, refugiadas em seu próprio país, Birmânia (refugiados internos), ou se estão na Tailândia porque seus pais procuram emprego. agradável. Após a consulta médica, Khaing adormece num banco da sala de espera deitada com a cabeça no colo do pai. Ele segura três pequenos sacos plásticos com remédios e vitaminas. Khaing deve tomá-los todos

os dias durante uma semana. Logo estão a caminho de casa, na vila na Birmânia. Khaing está ansiosa para finalmente poder voltar para a escola.

BIRMÂNIA | TAILÂNDIA Rio Moei, na fronteira

Oi amigo! Você já tomou o café da manhã? Na Birmânia, a comida é uma parte importante do dia, tão importante que os amigos se cumprimentam perguntando: – Oi amigo, já tomou o café da manhã? Aqui Say K’Blar Moo, 12 anos, cumprimenta Ei Mon Son, 13 anos, que responde: – Claro, eu comi peixe com curry, e você? Say K’Blar Moo (à esquerda) está vestida com trajes típicos Ka Chin e Ei Mon Son veste trajes típicos Pa Laung. 17


Birmânia ou Mianmar? No ano de 1989, o governo militar da Birmânia mudou o nome do país para Mianmar. A capital também foi rebatizada, de Rangum para Yangon. Muitas outras cidades e lugares também ganharam novos nomes. Mas Cynthia Maung e todos os outros que lutam por liberdade, continuam a dizer Birmânia.

Militares governam com violência A Birmânia é governada por um grupo de militares, uma suposta junta militar. Muitos foram mortos quando essa junta tomou o poder e a Birmânia se tornou uma ditadura militar. A junta usa de violência e ameaças para governar o país. Quem tem opinião diferente daquela da junta, corre o risco de ser preso ou assassinado. A Dra. Cynthia Maung e muitos outros exilados lutam por liberdade e democracia, onde todos possam dizer o que pensam e votar em quem desejam que governe o país. Ninguém pode ser ameaçado, torturado ou preso por causa de suas opiniões.

Um país – cem povos A Birmânia tem mais de 50 milhões de habitantes. Oficialmente, eles pertencem a oito grupos étnicos diferentes: burmês, shan, mon, karen, kayin, chin, kachin e rakhaing. Mas, na verdade, há cerca de 135 grupos étnicos diferentes na Birmânia. A junta militar governante pertence ao maior grupo étnico, os burmeses. A junta persegue todos os que lutam por democracia, mas também aqueles que pertencem aos demais grupos étnicos. 18

Todas as crianças que freqüentam a escola da Dra. Cynthia admiram Cynthia Maung devido à sua batalha pelos seus direitos. Aqui, estão vestidas em trajes típicos de diferentes grupos étnicos.

A fuga de Cynthia Cynthia Maung também fez a longa caminhada pelo estado de Karen, na Birmânia, para fugir pela fronteira com a Tailândia. Foi depois das grandes manifestações por democracia, em 1988. Cynthia foi às ruas com dezenas de milhares de pessoas para exigir liberdade, eleições democráticas e direitos humanos.

O governo militar da Birmânia respondeu fechando todas as escolas. Eles impediram o transporte de alimentos e atiraram nos manifestantes. Muitos daqueles que lutavam por liberdade desapareciam à noite, sem deixar rastros. Cynthia decidiu fugir. Em sua última noite na Birmânia, ela dormiu com um grupo de habitantes da vila e estudan-

Oi amigo! Você já almoçou? A Ket, 13 anos (à esquerda), que pertence ao grupo étnico Po Karen, cumprimenta seu amigo Mg Hla Win Kying, 16 anos, vestido com trajes típicos do grupo étnico Ka Chin.

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A Dra. Cynthia tinha 29 anos quando fugiu da Birmânia com sua bolsa de remédios e iniciou a clínica Mae Tao na Tailândia.

cina e uma muda de roupa. Durante o dia, eles se escondiam e tentavam dormir. Cynthia Maung abriu a clínica Mae Tao em 1989 neste velho celeiro. Agora a clínica cresceu e formou uma pequena vila, mas o celeiro foi mantido como lembrança e é usado como moradia pelos funcionários.

tes. Às quatro da manhã, arrastando-se pelo chão, eles deixaram a vila. – Estávamos com muito medo. Porém, queríamos continuar a luta por liberdade e a ajudar as pessoas, o que era impossível na

Birmânia, conta ela. Eles caminhavam à noite, para evitar que os militares os encontrassem. Nas costas, Cynthia, que é médica, carregava uma mochila com alguns remédios, um estetoscópio, uns livros de medi-

O celeiro se transforma Chegando na Tailândia, Cynthia logo começou a ajudar outros refugiados que sofriam de malária, infecções, fraturas ósseas ou pneumonia. Ela fervia seus instrumentos em uma panela elétrica de arroz, para esterilizá-los. Cynthia começou a atender pacientes em um velho celeiro. Ela acredi-

tava que a Birmânia em breve seria um país livre, para onde poderia voltar. Porém hoje, quase 20 anos depois, a situação na Birmânia não melhorou. Durante esse tempo, a clínica Mae Tao, nome atual da clínica da Dra. Cynthia, cresceu e tem novos edifícios em volta do velho celeiro. – Na Birmânia, o atendimento médico não funciona. Crianças e adultos sofrem e não têm nenhum auxílio. Por isso, tentamos sempre 7

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Ameaça aos direitos da criança Malária, diarréia e pneumonia são as doenças infantis mais comuns. Todos os dias, muitas crianças são tratadas na clínica Mae Tao. Porém, há riscos ainda maiores que ameaçam as crianças birmanesas, conta Cynthia: • Crianças são seqüestradas e obrigadas ao trabalho infantil ou à prostituição. • Crianças são obrigadas a trabalhar para o exército, como carregadores ou soldados mirins. • Há crianças que nascem mas ”não existem”. Como nunca são registradas, é difícil mais tarde conseguirem ir à escola, ter acesso a tratamentos de saúde ou circular livremente pelo país.

 TEXTo : JOHANNA HALLIN FOTO : TOR A MÅRTENS

ampliar e melhorar a clínica. Quando a Birmânia se libertar e pudermos voltar, sabemos, por nossas experiências aqui, como podemos implantar o atendimento médico e os serviços de saúde, diz Cynthia. A clínica Mao Tao trata centenas de pacientes todos os dias. Além disso, a clínica forma enfermeiros e profissionais de saúde que depois voltam para trabalhar em suas vilas na Birmânia e nos campos de refugiados na Tailândia. A clínica também manda centenas de médicos andarilhos para a Birmânia. Eles levam remédios, educam os habitantes das vilas e prestam atendimento médico. As crianças são a chave O objetivo de Cynthia é que a Birmânia se torne um país melhor para se viver. O mais importante neste trabalho são as crianças, uma presença constante na vida de Cynthia. Ela prepara o café

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da manhã para seus seis filhos, quatro dos quais são adotados, e para outras crianças que moram temporariamente em sua casa. Quando as crianças vão para a escola, administrada pela clínica de Cynthia, seu trabalho na clínica começa. – Temos que dar uma chance para as crianças mudarem. Elas são a chave do futuro da Birmânia. Os direitos da criança, a democracia e a cooperação com diferentes grupos de pessoas são coisas difíceis. Temos que treinar nossa liberdade, diz ela. Cynthia abriu a clínica para ajudar crianças e adultos, refugiados e imigrantes da Birmânia. Porém, ataduras e remédios não são suficientes para libertar as pessoas, diz ela, isso também requer educação, segurança e amor. 

Comemoração do dia do Meio Ambiente Uma vez por ano, no dia 5 de junho, as crianças da clínica e das escolas da Dra. Cynthia celebram o dia do Meio Ambiente. Moon Shine, 15, todavia, pensa no meio ambiente o ano todo – No dia do Meio Ambiente nós plantamos uma árvore e limpamos o pátio todo, removemos ervas daninhas e mato. Depois comemoramos com macarrão frito e café. Gostaria que tivéssemos um jardim de flores, isso tornaria a escola muito mais bonita. – Na Birmânia, não há quem cuide do lixo e dejetos. Também não há um bom sistema de esgotos. Poças de

água suja são perfeitas para os mosquitos. E os mosquitos transmitem malária, dengue e outras doenças perigosas. Muitas crianças na Birmânia e no campo de refugiados ficam doentes com freqüência. É lógico que quero uma natureza bela, mas, antes de tudo, desejo um meio-ambiente limpo e saudável para que as pessoas possam viver em segurança.

Escravo seqüestrado adora a

estória de fantasma da mãe

Dwey Myo Aung, 12, não tem quase nenhuma memória de sua mãe. Por isso, ele gosta da estória de fantasma que ela contava quando ele era pequeno, antes de ser seqüestrado...

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uando Dwey Myo Aung tinha oito anos, ele foi seqüestrado por um homem na rua, próximo de sua casa na Birmânia. Ele foi levado de caminhão até a cidade fronteiriça de Mae Sot, na Tailândia, onde fica a clínica da Dra. Cynthia. O obrigaram a catar lixo na rua. À noite, ele ganhava uma refeição de seu ”dono”. Ele era um lixeiro escravo. Durante três anos, Dwey Myo Aung trabalhou nas ruas todos os dias, até que um dia foi salvo por um motorista de táxi. Ele havia passado por Dwey Myo Aung muitas vezes em seu moto-táxi e percebeu que algo estava errado. Ele levou Dwey Myo Aung para uma organização, a SAW, que aju-

da crianças e colabora com a Dra. Cynthia. Dwey Myo Aung não se lembra de onde veio e a SAW não conseguiu encontrar seus pais. Por isso, ele agora mora na organização e freqüenta uma escola da SAW. Entretanto, ele se lembra da estória de fantasma da mãe e adora contá-la: ”Tenho muito medo de fantasmas. Uma vez, minha mãe apontou para uma grande árvore, que ficava logo depois do meu vilarejo, onde ela havia visto um fantasmaespírito chamado Nat. Às vezes, durante o crepúsculo, a árvore-espírito começava a sussurrar e depois gritar: Oooo! Nessa hora, se um


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Três amigos – três religiões Toda manhã, as crianças da escola da Dra. Cynthia começam o dia com uma prece de dois minutos. Cristãos, budistas e muçulmanos freqüentam a escola e todos podem rezar a seu próprio modo. – Quando brincamos e nos divertimos, nunca pensamos sobre a religião do colega. Todos somos amigos, diz May Zin Soe. – É claro que podemos discutir e caçoar uns dos outros, mas, no fundo, todas as religiões têm os mesmos princípios, diz Myo Myint Aungo.

Myo Myint Aungo, 16 Religião: Budista. Dias importantes: Vai ao monastério para meditar e acender velas próximo à estátua de Buda toda sexta-feira, que é o dia em que nasci. Toda lua cheia eu trago comida para os monges. Coisas importantes: O rosário, o bracelete que protege contra problemas e contra espíritos. Acontecimento importante: Aos nove anos, fui monge por duas semanas. Eu morei com os monges e aprendi sobre o Budismo. Modo de devoção: Eu medito, fecho os olhos, controlo o coração e os pensamentos.

frango ou pato do quintal ousasse entrar na sombra da árvore, ele desaparecia! Tudo o que sobrava era uma pilha de penas. Uma noite, ao pôr do sol, minha mãe passou pela árvore e, de repente, viu o fantasma. Ele tinha o rosto branco transparente, más intenções e chifres na testa. O fantasmaespírito não tinha pernas. – Ao invés disso, flutuava sobre o chão com um rabo de cobra serpenteando atrás dele. Minha mãe gelou por dentro. Ela saiu correndo, mas em qualquer direção que corria encontrava o fantasma e

Si Blu, 15

May Zin Soe, 12

Religião: Cristã. Dias importantes: Vai à igreja todo domingo e comunga. O Natal é a data mais importante do ano. Nós celebramos com pão, arroz e curry na igreja. Coisas importantes: A Bíblia traduzida para o Karen e o livro de salmos. Acontecimento importante: Quando fui batizado. Modo de devoção: Eu cruzo as mãos, fecho os olhos e rezo.

seu riso malvado. Ao final, ela caiu no chão, exausta. O fantasma estava sobre ela, porém, numa última tentativa, ela começou a ler um dos mantras de Buda. E o fantasma desapareceu! Trêmula e com os olhos enormes e esbugalhados, minha mãe voltou engatinhando até a casa. Depois disso, toda semana, ela deixa um pouco de arroz e às vezes uma flor perto da árvore, para que o fantasmaespírito seja bonzinho”.

Religião: Muçulmana. Dias importantes: Toda sexta-feira, os meninos vão todos à mesquita. Eu gostaria que as meninas também pudessem ir, mas fi camos em casa e rezamos. O final do Ramadã é o período mais importante do ano. Coisas importantes: O Alcorão e minha alma. Modo de devoção: Eu rezo caindo de joelhos no meu tapete de oração, cinco vezes por dia.

Doces saudáveis! Quando a equipe da Dra. Cynthia chega na escola é uma festa, pensa That Zin Oo, 10. – Ganhamos comprimidos de vitamina A. Acho que são como doces e eu adoro doce! Porém, a vitamina A também é boa para os olhos e o cérebro. Se, no mercado, entre os doces comuns, houvesse vitaminas, eu as compraria no lugar de doces. Toda semana ganho

cinco bath de ”semanada” da minha mãe. Meu melhor amigo, Thein Ko Ko, normalmente não recebe nenhum dinheiro, então dividimos. Gostamos de doce de laranja!

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Por que Htoo k’Paw e outras crianças fogem?

Htoo k’Paw, 13

Htoo k’Paw se agacha na cozinha, sob a janela, junto com o irmão. Pela parede de bambu eles vêem soldados armados, procurando por jovens rapazes para levar consigo.

 TEXTo : JOHANNA HALLIN FOTO : TOR A MÅRTENS

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too k’Paw é apenas um garoto de oito anos pequeno e magro, portanto os soldados não o levarão. No entanto, se os soldados virem seu irmão, eles o obrigarão a carregar cargas pesadas por zonas perigosas de conflito. Os irmãos estão muito assustados. Eles se abraçam forte até que a mãe entra na cozinha e diz: – Os soldados já foram. Tivemos sorte, mas vocês precisam fugir daqui. Logo no dia seguinte, eles vão embora. A mãe arrumou duas trouxas com roupas e

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comida. Ela chora e diz para Htoo k’Paw obedecer o irmão e ser bom. Htoo k’Paw preferia um abraço, mas a mãe vira as costas. Durante dois dias, eles caminham por uma trilha estreita na floresta. Eles atravessam o rio da fronteira com as trouxas equilibradas na cabeça. No final, conseguem uma carona até a clínica Mae Tao. Lá eles conhecem a Dra. Cynthia. – Venham ficar na minha casa alguns dias, diz ela. Por três dias, Htoo k’Paw brinca com as crianças da casa da Dra. Cynthia.

Depois fica claro que ele irá morar em um dos lares infantis de Cynthia, em um campo de refugiados ao sul da cidade. Htoo k’Paw está contente, porém, também está muito nervoso. Seu irmão ficará na clínica para trabalhar e, pela primeira vez, Htoo k’Paw está sozinho. Saudade da mãe Agora Htoo k’Paw já mora no campo de refugiados há cinco anos. Às vezes, à noite, deitado em sua cama, ele

Mora: No lar infantil da Dra. Cynthia. Sente falta: Dos irmãos que estão na Birmânia e do irmão que trabalha na clínica Mae Tao. Gosta de: Jogar futebol, nadar, brincar na floresta. Sonho: Ser jogador de basquete.

costuma pensar na mãe, lá na Birmânia. – Então, eu fico muito triste, mas nunca conto isso para ninguém. Nessas horas, ele costuma passar para a cama do amigo. Eles ficam deitados no escuro cochichando sobre o próximo jogo de futebol e sobre irem para seu lugar especial na floresta, logo depois do campo. Aí ele se sente melhor. 


w

Escondam-se meninas! Nobleh Too, 16, e suas quatro irmãs fugiram dos soldados que fechavam sua escola permanentemente. – Minha mãe era a diretora da escola na nossa vila. Toda vez que os soldados vinham para a região, a escola era fechada. Todas as meninas tinham que ficar escondidas. Morríamos de medo de sofrer o mes-

mo que as meninas do vilarejo vizinho, onde os soldados destruíram a escola e violentaram as garotas. – Éramos a família mais rica do vilarejo, por isso podíamos subornar os soldados com alimentos e dinheiro. Minha mãe não queria deixar a vila, porém entendeu que nós, meninas, não podíamos estar seguras ou ir à escola se ficássemos lá.

O coração parou Mu Soe, 14 e sua família não são refugiados, mas migrantes da Birmânia, que vieram para a Tailândia procurar trabalho. Desde que veio para a Tailândia, Mu Soe conseguiu fazer amigos, ir à escola e ter um coração que bate sem parar. – Desde que nasci, tenho um problema cardíaco. Quando morava na Birmânia, eu não podia brincar e era muito solitária. Meus pais não tinham condições de viajar comigo até um hospital.

– Quanto eu tinha oito anos, nos mudamos para a Tailândia e sou muito feliz aqui! Quatro vezes ao ano eu vou à clínica da Dra. Cynthia para fazer tratamento. Eu tomo remédios e o coração bate direito. Consigo ir para a escola, consigo brincar e fiz um montão de amigos.

prometeu que depois eu poderei ir para casa. – Se não houver democracia na Birmânia quando eu for adulto, eu serei político,

Quando crianças e adultos fogem pelas montanhas, para a Tailândia, encontram muitas frutas gostosas. É uma boa maneira de conseguir energia extra para a caminhada. Kyat Maout Thee

Ya Ngay Thee Banana

Queria ficar e lutar Ka Nay De, 16, mora na escola da Dra. Cynthia, em Mae Sot. Seu pai era preso freqüentemente na capital da Birmânia, Rangoon. – Meu pai é membro da NLD, o partido que luta pela democracia na Birmânia. Ele foi pego muitas vezes. Minha mãe participa da organização das mulheres e eu faço parte da associação da juventude. Eu não queria vir para cá, preferia ficar na Birmânia e lutar pela democracia. Mas meu pai disse que eu devia vir para a escola aqui e ser inteligente. Ele

Frutas para a fuga

Jaca

Abacaxi

como Aung San Suu Kyi. Entretanto, se o país tiver se tornado democrático, serei professor de computação.

A heroína Aung San Suu Kyi é a heroína de Ka Nay De. Ela é a líder da NLD, Liga Nacional pela Democracia. Seu partido venceu a única eleição democrática da Birmânia, que ocorreu em 1990. Todavia, ela nunca pôde governar o país, pois a junta militar a pôs em prisão domiciliar. Prisão domiciliar é como estar na cadeia, porém em sua própria casa. Aung San Suu Kyi ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1991.

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Po Chit gosta da escola … Soldados birmaneses atiraram com armas de fogo, quando a família de Po Chit fugiu pelo rio na fronteira com a Tailândia, há sete anos. Porém, essa noite são policiais tailandeses que assustam a família…

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Po Chit, 14

 TEXTo : JOHANNA HALLIN FOTO : TOR A MÅRTENS

Ídolo: O cantor de rap birmanês Tun Tun. Quer ser: Engenheiro, para construir carros. Hobbies: Kickball, badminton, andar de bicicleta, pescar e bocha. Sente falta de: Minha árvore favorita, com trepadeiras, na vila onde cresci. Ama: Meus colegas de escola. Odeia: Drogas.

Os doces favoritos de Po Chit.

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s policiais vieram à fábrica onde a irmã mais velha de Po Chit trabalha, pouco antes do final do expediente. Todos os funcionários da Birmânia foram presos. Eles não podem trabalhar na Tailândia, portanto agora a irmã de Po Chit está presa. Em casa, o jantar de Po Chit já esfriou, mas ele não quer comer. Não até que sua irmã venha para casa. Ele espera até tarde da noite a sua chegada. O dono da fábrica pagou uma multa à polícia e prometeu obter permissões de trabalho para todos seus funcionários. A mãe de Po Chit chora de alívio, mas sabe que a polícia pode voltar. Fuga para a Tailândia A fuga da vila onde viviam na Birmânia até Mae Sot na Tailândia começa quando Po Chit tem sete anos. No entanto, ele não sabe disso. Sua mãe colocou colchonetes, roupas e comida nas trouxas. – Vamos para o mosteiro da montanha, diz ela. Eles ficam lá por três dias. Po Chit come doces que foram doados aos monges. Todavia, eles não voltam para casa e seguem de ônibus até a cidade fronteiriça birmanesa, Myawaddy. Eles carregam as trouxas em direção ao rio. – As ruas estão silenciosas demais, diz o amigo da mãe, que prometeu guiá-los até o outro lado do rio da fronteira. De repente, ouvem-se tiros de armas de fogo. São os sol-

dados birmaneses que atiram. As pessoas se escondem nos becos. Sua mãe pega as trouxas com uma mão e a irmã de Po Chit com a outra. O guia carrega Po Chit. Então, eles correm direto para o rio! Po Chit grita. Ele vê sua irmã desaparecer sob a água, porém a mãe a está segurando pelo pulso e a puxa para cima novamente. Repetidas vezes. Os tiros continuam enquanto eles engatinham para fora, na outra margem do rio. Eles rastejam, aproximando-se da ribanceira, e entram em um bosque de bambu. Deitam-se ali, espremendose contra o chão, totalmente imóveis. Quando se levantam, sua mãe está mancando e sangrando. Ela feriu o pé. – Não é nada, diz ela, agora vamos encontrar seu pai. Estamos na Tailândia! Bem-vindo à escola Po Chit não se lembra do pai, que trabalha em Mae Sot desde que Po Chit era bebê. Ele é operário em uma construção e a família toda vai morar em um pequeno cômodo, que pertence ao chefe tailandês do pai. A mãe quer muito que Po Chit comece a escola. Mas como? Nenhum deles sabe falar tailandês. Além disso, eles não têm nem os papéis necessários e nem o dinheiro para pagar as taxas escolares. Portanto, Po Chit tem que ir com a mãe para a fábrica de processamento de

feijão. Desde cedo, ele se senta com uma faquinha para fazer pequenos cortes nos grãos de feijão amarelo. É fácil se cortar e ele normalmente tem feridas nos dedos que nunca cicatrizam. Um dia, o amigo de Po Chit, Thein, pergunta: – Você não quer ir comigo para a escola?


… e tem sorte na pescaria – Sim, eu gostaria muito. Mas imagine se os professores ficarem bravos comigo, responde Po Chit. À noite, ele decide. De manhã, se despede de sua mãe, sem contar para onde está indo. Ele vai, então, com Thein para a escola da Dra. Cynthia. Po Chit adora o chapéu de bambu da Birmânia.

– É claro que você pode freqüentar a escola, porém precisa primeiro trazer seus pais aqui, diz a professora, rindo. Po Chit fica muito contente. À noite, quando conta a seus pais, eles também riem. Eles o abraçam e dizem que ele foi realmente

esperto por encontrar um modo de poder ir à escola.

À tarde, Po Chit, seu irmão e seus amigos costumam brincar no campo de arroz e nadar no rio. No caminho de casa, eles colhem verduras para o jantar.

Medo da polícia Agora Po Chit está na sexta série. Ele é o primeiro da família a aprender a ler e escrever. A família se mudou para uma pequena casa com

O lugar preferido de Po Chit é debaixo da casa do vizinho, nos braços de um enorme urso de pelúcia.

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Po Chit empresta uma linha de pesca a seu colega de classe Khun Lay Lays para pegarem peixes no rio.

eletricidade. Entretanto, é difícil para os pais e a irmã de Po Chit conseguirem emprego. Como eles não têm permissão de trabalho na Tailândia, a polícia pode pegá-los a qualquer momento. – Tenho medo da polícia. Muitas vezes tenho saudade de nossa vila na Birmânia, porém não podemos voltar para lá. Lá não há trabalho e

não temos onde morar. Entretanto, nossa vida aqui também é difícil. Nunca temos dinheiro suficiente, diz Po Chit.– Quando estou na escola é mais fácil esquecer todas as preocupações. Eu adoro ciências. Quero construir carros ou talvez ser professor e educar outras crianças da Birmânia. 

A família de Po Chit em sua nova casa com eletricidade e TV.

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Aula e risadas Estimulante, surpreendente e muito engraçado – foi assim quando San Thaw Dar, 14, fez um curso sobre o corpo e a futura família. – Foi meio embaraçoso. E estimulante. Mas as enfermeiras da clínica Mae Tao eram muito capacitadas para explicar, então escutamos muitas coisas sobre as quais nunca havíamos ouvido falar antes. Fiz o curso com duas garotas da minha classe, e realmente tentamos ficar sérias e escutar. Mas foi impossível! Mal conseguíamos respirar com tantos ataques de riso. – Também aprendemos como nos proteger contra doenças como o HIV/AIDS. E que uma família de dois filhos é o tamanho ideal, pois os pais têm condições de deixar as crianças freqüentarem a escola. Mas eu nunca vou me casar. Na Birmânia e no campo de refugiados, já vi muitos adultos brigarem e tratarem mal uns aos outros, isso me desencorajou. Eu me concentro na escola e, quando terminar, quero ser professora e trabalhar em uma pré-escola.


O curry de peixe de Po Chit

Pelo rio

Po Chit e seus amigos gostam de pescar no rio próximo à sua casa. Eles usam vara de pescar ou linha de mão. A família de Po Chit adora quando ele pesca e faz seu curry de peixe especial.

Há quatro formas diferentes de atravessar o rio da fronteira entre e Birmânia e a Tailândia. Para passar pela ponte, é preciso ter documentos de autorização da Birmânia e da Tailândia. Tomar um barco custa 50 baht (1,4 dólares). Atravessar numa bóia enorme custa quatro baht – menos de quinze centavos de dólar. Também é possível nadar, carregando os pertences e roupas na cabeça.

Prepare o curry de peixe de Po Chit: 1. Acenda o fogo na cozinha. 2. Limpe o peixe. 3. Amasse o alho em um pilão, misture com cebola picada e pimenta vermelha. 4. Aqueça o óleo na panela. Depois, coloque a mistura de alho, curry, tempero doce, gengibre e sal. 5. Coloque o peixe e legumes na panela. 6. Termine com tempero verde de curry. 7. Sirva-se!

Menos crianças na escola Há 15 anos, quase todas as crianças da Birmânia, 98 por cento, conseguiam iniciar a primeira série. Agora, apenas 84 por cento conseguem fazê-lo. Quando chegam à quinta série, quase metade dos alunos parou de estudar. Geralmente são crianças pertencentes às minorias, crianças que moram na zona rural e nas montanhas que não conseguem ou não podem freqüentar a escola.

O guia do rio Khat Htun Aung, 17 anos, tem uma bóia enorme. Ele a usa para atravessar crianças e adultos pelo rio entre a Birmânia e a Tailândia. É o modo mais barato de atravessar a fronteira sem ter que nadar. Seis vezes por dia, ele entra no meio da bóia e rema com as mãos. – “No período das chuvas, o nível da água sobe e as correntes são perigosas”, diz ele. Khat ganha 80 bath, ou seja, dois dólares por dia. A metade ele paga ao dono da bóia. Com o restante, ele compra roupas e outras coisas necessárias.

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As crianças refugiadas da Birmânia adoram se vestir bem. Há muitos grupos étnicos na Birmânia e todos têm seus próprios trajes típicos. Na Birmânia, os diferentes povos estão isolados uns dos outros. As estradas são ruins e é difícil passar pelas barreiras militares que há nelas. Todavia, no exílio, fora da Birmânia, todos os grupos étnicos podem se reunir e todas as crianças têm orgulho de mostrar suas roupas tradicionais

Guarda-roup

CHIN Cho Mar Oo, 14, e Khun San Win, 15. A gravata faz parte do traje típico dos garotos Chin.

BURMA Than Dar Myint, 13, e Pyit Pyo Aung, 15.

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KA CHIN Say K’Bla Moo, 12, e Mg Hla Win Kying, 16.

O traje típico birmanês é o único que tem um calçado especial. O xale birmanês é feito de crochê e tem um belo broche.

MON Htoo Htoo Eh, 12, e Saw Si Blut, 14.

Povo joalheiro Os Ka Chins são conhecidos como um povo rico em diamantes, prata e jade. Por isso, a espada de prata faz parte do seu traje típico. Meias-calças As meninas Ka Chin usam belas meiascalças.

KA YAH Yon Htight Ei, 14, e Khun Wai Hein, 15. Os Ka Yah às vezes são chamados de “kareni” ou povo karen vermelho. As meninas Ka Yah usam um manto vermelho.

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SKAW KAREN Spring Song, 12, e Kauns Htet Ko Ko, 12.

PO KAREN Htet Htet, 12, e A Ket, 13. O povo Karen gosta de tranças, tufos e enfeites.


upa da Birmânia Dança do bambu!

RA KHAING Oh Moo, 14, e Lar Eh Gay, 13. Os Ra Khaing são um dos povos cujos rapazes usam lungi, um tipo de saia de amarrar. A saia de amarrar das garotas se chama sarong.

SHAN Cho Mar Win, 13, e Yan Naing Soe, 14.

Para dançar a dança do bambu são necessários oito dançarinos, doze bateristas de bambu e doze varas de bambu. Os bateristas batucam juntos as varas de bambu, criando um ritmo e um padrão de quadrados no chão, onde os dançarinos pulam. No entanto, se não forem cuidadosos, levam pisadas nos pés! Assista à dança do bambu no site www.childrensworld.org.

O adereço que as meninas Shan usam tem duas pequenas asas.

DA WER Ei Mon Son, 13, e Pyit Pyo Win, 13.

PO-O Hling Hling Moe, 13, e Po Chit, 14.

PA LAUNG Than Than Oo, 13, e S’Eh Thau, 14.

LA HU Moe Zar, 14, e ’Sin Lin, 14.

As meninas Pa Laung usam o traje que tem mais cores cintilantes, com muitos enfeites e pérolas.

O traje La Hu tem muitos ornamentos de prata e tufos de cores vivas.

O turbante de Po-O é feito de uma toalha felpuda.

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 TEXTo : JOHANNA HALLIN FOTO : TOR A MÅRTENS

Htoo Htoo existe! Finalmente a certidão! Htoo Htoo e sua mãe estão contentes, pois agora ele pode começar a estudar. “Gostaria que todos os pais não deixassem de fazer uma carteira de identidade para seus filhos”, diz Htoo Htoo.

As crianças que estão na fila com seus pais para obter uma certidão de nascimento geralmente têm apenas uma semana de idade. No entanto, Htoo Htoo, 9 anos, também vai adquirir hoje uma certidão que prova que ele realmente existe.

H

too Htoo olha com expressão séria para o médico que preenche o formulário. O médico descreve uma veia bastante visível em seu rosto, a cor de seus olhos e outros detalhes de sua aparência. Depois Htoo Htoo deixa as impressões de suas mãos e pés.

Quando tudo está feito, ele recebe sua carteira de identidade recém plastificada. – Agora posso iniciar as aulas em uma escola tailandesa! Quando crescer, serei médico para ajudar crianças e animais. Seus pais fugiram da Birmânia quando os solda-

dos do governo atacaram sua vila. Htoo Htoo nasceu em um campo de refugiados na Tailândia. Como tantas outras crianças birmanesas, ele não recebeu uma certidão de nascimento ao nascer. Costuma-se chamar as crianças não registradas de “crianças que não existem”. Sem a certidão de nascimento, elas não podem se matricular na escola, solicitar cidadania, ter um passaporte e nem exigir seus direitos. É por isso que a Dra. Cynthia começou a emitir certidões de nascimento. A maioria é para crianças que “Impressões digitais e dos nasceram em sua clínica, pés provam que Htoo Htoo porém, todo sábado o registro realmente existe... é aberto a todas as crianças. 

Um dia na clínica Mae Tao Noi Yi Win, 12 anos, e sua família saíram da Birmânia só para vir à clínica Mae Tao. Ela é saudável, mas seu irmão, Bo Bo, 3 anos, tem um problema cardíaco e sua irmã, Moi San Dar, 8 anos, tem malária. 06.30 Noi Yi Win acorda ao nascer do sol. Na clínica, a família dorme sob um mosqueteiro, todavia, em casa eles não têm um. O maior risco de contrair malária é através de uma picada de mosquito durante a noite e, sem uma rede de proteção, os irmãos são infectados repetidas vezes.

06.30

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Cynthia Maung com um bebê que acaba de receber a certidão de nascimento.

Não há escola em minha vila e não quero deixar minha família, diz Noi Yi Win.

10.15

10.15 Noi Yi Win é responsável por lavar as roupas da família e buscar comida. São mais ou menos as mesmas tarefas que ela desempenha em casa. Ela não estuda, pois cuida dos irmãos menores enquanto os pais trabalham na produção de carvão. – Eu queria saber ler. Minha mãe tenta me ensinar.

13.45 O médico examina Bo Bo. Logo ele irá para a segunda maior cidade da Tailândia, Chaing Mai, para uma cirurgia. É um procedimento muito caro e a clínica da Dra. Cynthia cuida para arrumar um leito no hospital e pagar a cirurgia. Muita sorte, pois a mãe de Noi Yi Win só tem alguns trocados.

13.45


Uma jóia para os olhos No ano passado, Kin San Win, 14 anos, tinha sempre que se sentar na primeira fila da classe. Mesmo assim, ela mal conseguia ler o que o professor escrevia no quadro. – Agora enxergo tudo muito bem, não importa onde eu sento, diz Kin San Win. Apesar de enxergar muito melhor com os óculos que

ganhou na clínica Mae Tão, ela não gosta de usá-los no seu tempo livre. – São muito grandes e ficam sobrando atrás da orelha, mas eram os únicos que havia. Quero um par de óculos com armação bonita, fina e dourada. Seria como ter uma jóia.

Revista em quadrinhos contra a malária A clínica Mae Tao publicou revistas em quadrinhos para as crianças lerem na sala de espera. Elas falam sobre como evitar a malária e outras doenças comuns.

15.10

15.10 Noi Yi Win se sente cansada ultimamente. O médico a encaminha para a seção de coleta de exames para checar se ela também está com malária. Ela leva uma picada no dedo, mas por sorte o exame mostra que ela não tem malária.

18.50 Se seus irmãos tiverem energia para brincar, Noi Yi Win os levará para a pequena área de lazer da clínica.

18.50

Grande e forte graças às vitaminas Muitas das crianças que visitam a clínica Mae Tao recebem pequenos pacotes com vitamina A, vitamina B e comprimidos de ferro. As vitaminas são necessárias para as crianças crescerem e ficarem fortes.

Super-herói engessado! Um dia, quando Maung Han Sein, 12 anos, brincava com seu sobrinho mais novo, ele teve a idéia de se equilibrar na grade que cerca o quintal de sua casa. O bebê ri e Maung Han Sein imagina ser um super-herói que pode subir pelas paredes. Porém, ele perde o equilíbrio repentinamente e cai direto no chão. Braço quebrado! Na clínica Mae Tao, os médicos colocam dois pinos metálicos em seu cotovelo para que este cicatrize corretamente. Em dois meses Maung Han Sein deve voltar à clínica para trocar as ataduras – Agora não dói mais, mas preciso ser cuidadoso ao brincar. Às vezes só brinco e esqueço do meu braço, diz Maung Han Sein.

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Myo Myit Aungo vigia a escola Toda noite, Myo Myit Aungo pega seu estilingue e sua lanterna para fazer a ronda na escola CdC. Nenhum ladrão, cachorro sem dono, ou cobra passam por ele.

d

urante o dia, Myo Myit Aungo freqüenta a sexta série na escola da Dra. Cynthia, a Escola CDC. Depois, quando os outros alunos vão embora no ônibus escolar, a escola se torna o lar dele e de outros 25 garotos. Sua tarefa é vigiar a escola.

– De vez em quando, fico muito assustado. Algumas vezes, já topei com um ladrão que queria roubar os móveis do pátio da escola. Nessas ocasiões, eu gritei e atirei pedras para garantir que nada fosse roubado. Dois anos se passaram desde que pediu permissão

ao diretor para se mudar para a escola. Seus pais ameaçaram mandá-lo à Bancoc para trabalhar. – Estava com muito medo que ele negasse e eu não pudesse ir à escola. Mas ele disse sim! O time da CDC venceu muitos torneios contra outras escolas de imigrantes da região da fronteira.

Não pode ser chamado escola A Dra. Cynthia abriu a Escola CDC porque muitas crianças da Birmânia não tinham nenhuma escola para freqüentar. Entretanto, como está situada na Tailândia e não faz parte do sistema escolar tailandês, a CDC não pode ser chamada de escola. Por isso, se chama“Centro de Desenvolvimento Infantil”. Há aproximadamente 500 alunos na Escola CDC e cerca de 200 na escola de ensino médio recém-construída; “Centro de Aprendizado para Estudantes”.

Brincadeira do 1-2-3-4

Saltador em altura. Yamon Soe, 12, é um dos melhores da escola na brincadeira do 1-2-3-4.

ficam de poste e, no início, Durante o horário de almoseguram a corda no tornozelo, ço, o pátio da escola CDC depois no joelho, coxa, barriga, vira uma bagunça. Muitos tórax, pescoço, queixo, orelhas alunos moram longe uns dos e no topo da cabeça. Os seis outros e só têm o horário do saltadores tentam pular o mais almoço para brincarem juntos. alto possível. Uma brincadeira popular é No site www.childrens a do 1-2-3-4. Tiras comuns world.org, você pode aprende borracha são unidas, for- der outras brincadeiras dos mando uma longa corda alunos da escola CDC: elástica. Duas pessoas Brincadeira com três casas, brincadeira da pedra e chin khat ou embaixadas. 32

Chute a bola de bambu! O Chin Khat ou jogo de embaixadas é muito popular entre os garotos da escola da Dra. Cynthia. Hay Tha, 12, costuma jogar nos intervalos. – Mas tenho que ser cuidadoso para não sujar minhas roupas. Senão meus pais ficam bravos, diz ele. A bola usada nesse jogo é feita de bambu e é dura e oca. O objetivo é manter a bola no ar o maior tempo possível, usando os pés, o joelho e a cabeça.


Na Birmânia, existem tantos idiomas diferentes quanto grupos étnicos. Na escola da Dra. Cynthia, muitas crianças falam karen, mas não todas. Os alunos da escola falam mais de 20 línguas diferentes. O idioma comum na Birmânia é o birmanês, portanto, é esse o idioma utilizado por todos durante as aulas. No site www.childrensworld.org, você pode aprender a contar até dez em Karen e em Birmanês.

Fale karen e birmanês Olá Sim Não Obrigado Tchau Como você se chama? Quantos anos você tem? Mamãe Papai Irmão Irmã

Karen Ought may we lee yar May Ta may ba Tar balu Tar tar Na mee dee lae? Na tha oh sar lee lae? Moe moe Pa pa Kyaw kyaw Naw naw

Birmanês Mingalabar Hope kaet Ma pee they boo Ce zu beh Tar tar Na mae bae loe kaw lae? Ah that bae laut she bee lae? May may Pay pay Ko ko Ma ma

Htay era escrava doméstica O maior risco para as crianças que não podem ir à escola, segundo a Dra. Cynthia, é que elas se tornam vítimas fáceis de seqüestro, tráfico e trabalho infantil perigoso. Htay Htay Khaing, 16, sabe qual é a sensação.

Q

uando Htay Htay Khaing tinha 11 anos, sua mãe a vendeu para um homem, em Rangoon, na capital da Brimânia. Ela dormia num colchão na cozinha, era obrigada a limpar, cozinhar, lavar as roupas e fazer serviço de leva-e-traz. Geralmente ela estava com fome, porque só podia comer os restos

do jantar da família. Da primeira vez, ela pediu para voltar para casa. – Se você fugir daqui, vou matar seus pais, disse o homem. Depois disso, Htay Htay Khaing nunca mais ousou falar sobre a família ou a saudade de casa. Depois de alguns anos, o homem foi obrigado a se

A flor de Sabae Htay Htay Khaing adora tiaras e flores no cabelo. Ela nunca podia usá-las quando era obrigada a trabalhar como escrava.

Inglês é a língua do computador Lewis, 12, adora jogar jogos no computador. Ele joga todos os dias e se tornou tão bom que os meninos mais velhos da escola gostam de ir vê-lo jogar. — Mas eu não sei escrever no computador com caracteres birmaneses, portanto o inglês é nossa língua para computação. Quando escrevo um e-mail para um amigo, sempre escrevo em inglês, apesar de conversarmos em karen quando nos encontramos.

mudar para a Tailândia e levou Htay Htay Khaing consigo. Ao chegarem, ele raspou a cabeça dela. – Não tente fugir, agora todos podem ver que você é uma escrava doméstica. Htay Htay Khaing chorou, porém, a cabeça raspada foi sua salvação. Uma mulher da organização SAW, que a Dra. Cynthia apóia, a viu e ameaçou entregar o homem à polícia. Depois disso, Htay Htay Khaing pode ir à escola e seu cabelo está crescendo de novo. – Quero ter o cabelo até a cintura para poder enfeitálo, diz ela. Agora ela mora com outras crianças que também foram resgatadas.

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 TEXTo : JOHANNA HALLIN FOTO : TOR A MÅRTENS

Que língua você fala?


Say k’Blar Moo é uma mini -m  TEXTo : JOHANNA HALLIN FOTO : TOR A MÅRTENS

Say k’Blar Moo esfrega os olhos para espantar o sono. São apenas quatro da manhã, mas é importante partir. As mochilas estão prontas. Ela vai para a clínica da floresta!

O

carro dos médicos mochileiros apanha Say k’Blar Moo, sua irmã, irmão e mãe para leválos até o rio da fronteira. Say k’Blar Moo tem só doze anos e não é uma médica mochileira de verdade. Ainda. Ela planeja se tornar uma quando terminar a

escola e a universidade e souber tudo sobre a cura de doenças. Hoje, ela apenas faz de conta que é uma minimédica mochileira. Exatamente como os médicos mochileiros, ela embarca em um barco comprido num lugar secreto, para atravessar a fronteira da Tailândia para a Birmânia. Do outro lado, começa a caminhada para a clínica da floresta onde seu pai trabalha. Eles precisam andar com cuidado. O guia conhece um caminho seguro, sem minas terrestres. Atrás dele, Say k’Blar Moo pisa com cuidado em cima de suas pegadas. Profissão perigosa É meio-dia e eles fazem uma pausa para o almoço. Say k’Blar Moo tem saudades do pai. Ele é um dos médicos mochileiros da Dra. Cynthia Maung e é responsável por

Animais que Say k’Blar Moo já atendeu no hospital da floresta: • Esquilo • Macaco • Cobra • Elefante • Tigre!

Guarda-roupa da floresta Say k’Blar Moo não tem nenhuma roupa específica para usar na floresta. É importante que ela e sua família tenham a mesma aparência que os habitantes das vilas. Caso contrário, fica difícil esconderem-se caso encontrem soldados.

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Quando Say k‘Blar Moo atravessa a fronteira para visitar seu pai em uma clínica improvisada na floresta, ela leva duas mudas de roupa, uma lanterna, batata e cebola. Além disso, ela sempre leva mosquiteiros e cobertores para os pacientes. – Quando eu crescer, vou levar também remédios, como os médicos mochileiros, diz ela.

toda a equipe de mochileiros. Quando ele está na floresta, a casa se torna silenciosa. À noite, ouvem-se apenas as melodias que Say k’Blar Moo toca ao piano. Quando o pai está em casa, sempre há muitas visitas. Apesar de Say K’Blar Moo ter que ajudar a prepa-

rar as refeições, lavar a louça e limpar a casa para todos os hóspedes, ela fica feliz. O pai tem um escritório no porão, onde os médicos mochileiros se reúnem. À noite, ela se deita e fica na cama escutando. – A situação está pior do que nunca… ela ouve do porão. Say k’Blar Moo sabe que é muito perigoso ser um médico mochileiro. Se tivessem chance, os militares prenderiam, torturariam e


ni -médica mochileira Romel carrega remédio com dois estudantes que serão médicos mochileiros. Muitas crianças que cresceram em Mae Sot querem ser médicos mochileiros, porém, a Dra. Cynthia exige que eles estudem primeiro.

manteriam seu pai e os demais detidos na prisão. Eles já presenciaram vários tiroteios e foram obrigados a correr para sobreviver. Apesar disso tudo, ela sonha em ser um deles. – Um dia, eu também vou ajudar as crianças da Birmânia, promete ela, sussurrando, a si mesma. Vou levar alimentos, saúde e esperança a elas.

Pronta para a missão! Say k’Blar Moo adora visitar o pai na clínica da floresta. Toda vez que há um recesso escolar, a família arruma as mochilas. Eles levam algumas mudas de roupa para usarem além de cobertores e mosquiteiros para os pacientes. Say k’Blar Moo carrega sua mochila contente. Ela está orgulhosa por poder ajudar. O sol está se pondo sobre os picos das monta-

nhas, quando finalmente chegam à clínica na floresta. Do lado de fora da casa simples de bambu, Say k’Blar Moo ganha um grande abraço do pai. Depois, ela e os irmãos começam a se provocar mutuamente e rir. Agora, finalmente, podem relaxar. À noite, deitada em seu colchonete, ouve os sons da floresta. Água agitada, pequenos lagartos risonhos, pássaros piando. Ela mal pode esperar que o dia amanheça para observar os médicos mochileiros atenderem pacientes, embrulharem remédios e treinarem os moradores das vilas da montanha. Seu pai acha que ela está somente brincando, nadando e fazendo molecagens. Entretanto, a minimédica mochileira Say k’Blar Moo está preparada para entrar em ação! 

O que é um médico mochileiro? Um médico mochileiro é um profissional de saúde que ajuda as pessoas que estão em fuga dentro da Birmânia. Onde não há estradas, hospitais e nem remédios. Por isso, os médicos mochileiros carregam mochilas grandes e pesadas com remédios e equipamentos. Eles atravessam a fronteira e se escondem do exército. Eles andam pela floresta e procuram vilas onde os moradores precisam de ajuda e cuidado.

O que é um DGI? DGI significa ”deslocado de guerra interno”. Assim são chamados os refugiados internos, ou seja, pessoas que estão em fuga dentro de seu próprio país. Há aproximadamente 150.000 refugiados internos na região fronteiriça entre a Birmânia e a Tailândia. Os médicos mochileiros da Dra. Cynthia são sua única chance de receber cuidado médico e ajuda.

Say k’Blar Moo, 12

Quando o pai está em casa e Say k’Blar Moo está indo dormir, ela ouve pelo chão como ele discute com os outros médicos mochileiros sobre suas missões arriscadas.

Say k’Blar Moo gosta de tocar piano, desenhar e jogar badminton.

Gosta de: Ter seu próprio quarto. Teme: Que o pai, um médico mochileiro, seja preso pelos militares. Hobby: Tocar piano, desenhar e jogar badminton. Quer ser: Médica. Sonho: Trabalhar como médica mochileira e ajudar as crianças da Birmânia.

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Hospital dentro de uma Os médicos mochileiros devem ter tudo que precisam em suas mochilas. Cada equipe é composta de cinco médicos mochileiros. Porém, eles não conseguem carregar tudo sozinhos. Em cada vila, eles encontram voluntários que desejam ajudá-los a carregar suas coisas. O hospital móvel pode ser carregado em uma...

...mochila

Na seção infantil da mochila há, entre outras coisas…

… uma sacola de plástico …um cesto

prendedores para o cordão umbilical de recém-nascidos luvas de plástico algodão

… ou uma lungi

comprimidos de ferro

aspirador de muco

”As crianças são a salvação da vila” R

omel estava lá quando Cynthia convocou a primeira reunião dos médicos mochileiros. Depois disso, ele já atravessou várias vezes a fronteira para a Birmânia para ajudar crianças e os habitantes das vilas localizadas no meio da floresta. 36

– Ajudamos as pessoas doentes, porém, o trabalho mais importante acontece nas escolas. Lá, ensinamos as crianças sobre a importância da água limpa, bons toaletes e mosquiteiros. E distribuímos vitaminas, conta Romel.

– Ensinamos as crianças e depois elas ensinam seus pais. Desta forma, as crianças são a salvação de toda a vila. Além de remédios e conhecimento, os médicos mochileiros também levam brincadeiras. Em todas as vilas

onde instalam uma clínica temporária, eles organizam jogos de futebol, torneios de voleibol, dança e teatro.


ma mochila fita métrica

Médicos mochileiros salvaram Pwe Hser vitaminas A e B

cartazes para as escolas

”Quando eu morava com minha tia na Birmânia, eu peguei malária. Parecia que minha cabeça ia explodir. Tudo girava - a casa toda, as paredes, o chão e o teto. Num segundo, eu achava que ia arder de calor, no segundo seguinte, pensava que morreria congelada. Eu ficava deitada no chão de bambu, não tínhamos colchonetes e nem mosquiteiro. Quase nem percebi quando os médicos mochileiros apareceram na porta. Eles costumavam visitar nossa vila duas vezes por ano, mas era a primeira vez que eu realmente precisava deles. Fizeram exames de sangue, escutaram meu coração e depois me medicaram. Algumas semanas depois, fui com minha mãe até a clínica dos médicos mochileiros na floresta. Fui buscar mais remédio. Ao chegarmos, um dos médicos mochileiros disse que seria bom se eu pudesse ir para a Tailândia para estu-

dar. No começo, fiquei brava com minha tia quando ela quis me mandar embora. Porém, aqui no campo de refugiados, eu posso freqüentar a escola pela primeira vez! Gosto muito mais de aprender e estar com meus amigos, do que trabalhar no campo de arroz”.

Pwe Hser, 15 Mora: No campo de refugiados Umpium, na Tailândia. Sente falta: De seus três irmãos, na Birmânia. Ama: Ir à escola. Detesta: Soldados. Sonho: Voltar para a Birmânia e trabalhar como tradutora.

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 TEXTo : JOHANNA HALLIN FOTO : TOR A MÅRTENS

uco

termômetro para medir febre


Pan Thint sar

na ambulância da floresta de bambu Quando Pan Thint sar tinha nove anos e estava finalmente retornando para casa, na Birmânia, ela viu os telhados das casas, o lugar onde costumava brincar e as vacas pastando. de repente, o caminho por onde andava explodiu. ela havia pisado em uma mina terrestre.

A

pequena vila de Pan Thint Sar fica ao pé de uma montanha na Birmânia. As casas têm paredes de bambu e o teto é coberto com grandes folhas. Ela se lembra como gostava

Pan Thint Sar, 14 Ama: Os irmãos Pi Oo, 11, e Bo Bo, 8. Detesta: Quando as pessoas caçoam ou falam pelas costas. Sente falta: Da mãe, que trabalha em Bancoc. Admira: A doutora Cynthia. Gosta de: Tecer. Deseja: Uma nova prótese, menos pesada, para a sua perna.

de brincar de ter uma loja e vender curry de areia e peixes de pedra. Às vezes, ela ia com seus pais para o campo de arroz para pegar pequenos camarões para o jantar. Um dia, quando Pan Thint Sar tinha cinco anos, sua mãe lhe disse: – Você vai para Bancoc, na Tailândia, para trabalhar. Sua tia precisa de uma babá. Pan Thint Sar não queria ir, mas sabia que quase todas as crianças da vila vão trabalhar na Tailândia. Apesar da maioria ser mais velha do que ela quando o fazem. Em Bancoc, Pan Thint Sar cuidava de sua pequena prima, do início da manhã até ambas dormirem, à noite. De vez em quando, elas brincavam de ser uma família. Ela abraçava a prima e fi ngia que era sua própria mãe quem a abraçava. Demorou quatro anos, mas um dia a mãe de Pan

Thint Sar veio buscá-la. Finalmente, ela poderia visitar seu vilarejo natal! A viagem para casa Foi uma longa viagem. Primeiro de trem, carro e barco até a Birmânia, e depois uma longa caminhada pela floresta. Após caminharem o dia todo, elas avistam a vila. Pan Thint Sar não pode esperar nem mais um segundo. Ela quer chegar agora! Ela começa a correr pela trilha, na frente da mãe. Então acontece. Uma mina terrestre explode quando Pan Thint Sar pisa na mesma. Ela ouve um estrondo alto e depois tudo escurece. Ela sente como se estivesse deitada sob água vermelha e ouve vozes distantes. Os habitantes da vila a levantam e a carregam por um atalho até a vila. Ninguém mais ousa ir pela trilha. Elas ficam uma noite na vila. O pé de Pan Thint

Tana-ka!

As crianças da Birmânia usam tana-ka para refrescar o rosto quando está calor, como proteção contra o sol e porque são bonitas! Pan Thint sar esfrega um pedaço de árvore de tana-ka com uma pedra-sabão redonda. o pó que se forma é misturado com água para fazer um creme. de qual estilo você gosta? 38

Ambulância da floresta Na floresta não há estradas nem carros. Por isso, os habitantes da vila carregaram Pan Thint Sar em uma rede quando ela perdeu a perna em uma mina terrestre. É assim que todos que estão muito doentes para andar pela floresta são transportados.


Não pode ser salva Na clínica Mae Tao, a Doutora Cynthia recebe Pan Thint Sar. Ela remove a pele cortada e queimada do pé. No entanto, os componentes corrosivos da mina terrestre atingiram a perna toda. Cynthia amarra uma faixa bem forte na coxa de Pan Thint Sars e diz: – Você tem que ir para o hospital tailandês, lá eles podem operá-la. Eu vou junto. Porém, não será possível salvar a sua perna. Ao acordar, Pan Thint Sar constata que sobrou apenas

uma pequena parte da coxa. Seu pranto não quer parar o dia todo. – Nunca mais serei uma criança normal. Mamãe, por que você me levou para a Birmânia?, grita ela. Cynthia senta-se ao seu lado a noite toda. – Entendo que você está triste. Mas não fale assim com sua mãe, não é culpa dela, diz Cynthia. Durante dois meses, Pan Thint Sar fica internada no hospital tailandês. Porém, uma manhã a mãe a carrega até um taxi e diz:

– Para a clínica Mae Tao. Lá, é Cynthia que troca seu curativo. Um dia, a mãe de Pan Thint Sar diz que vai para Bancoc trabalhar. – Mas você deve ficar, aqui você terá uma educação. Pan Thint Sar fica triste, com medo e com raiva. Ela continua com raiva quando a mãe embarca no ônibus para Bancoc. É a última vez que ela a vê.

 TEXTo : JoHANNA HALLIN FoTo : ToR A MÅRTENS

Sar está todo arrebentado e não para de sangrar. Um dos monges da vila lhe dá sangue novo, uma transfusão sangüínea. Ele sabe como fazê-lo, pois fez um curso de primeiros socorros na clínica Mae Tao, da Dra. Cynthia. No dia seguinte, os habitantes da vila cortam um pé de bambu e penduram uma rede no tronco. Pan Thint Sar se deita ali enquanto é carregada por todo o caminho de volta até a Tailândia. Ela vê o céu e as copas das árvores passarem por ela, flutuando lá em cima.

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Quando Pa Oo dá a última mordida no picolé, vê quatro corações no palito. Significa que ela ganhou mais um sorvete!

Boa noite!

Pan Thint Sar e sua melhor amiga, Pa Oo, 13 anos, pegam o caminho curto até a escola dos irmãos menores para comprar chicletes no intervalo do almoço.

Boa aluna Pan Thint Sar mora em um dormitório com mais 23 garotas. Todos os dias, ela pega o ônibus escolar até a escola, onde seus dois irmãos moram em um dormitório para meninos. Pan Thint Sar tem dez anos quando vai à escola pela primeira vez. Ela é tímida e parece confuso aprender a ler, escrever e contar. Entretanto, Pan Thint Sar estuda as lições por uma hora toda manhã e duas horas toda noite. Logo ela alcança seus colegas de escola. Ao final do primeiro ano, os professores fazem uma lista com os nomes de todos os alunos. Pan Thint Sar quer ver em que lugar da lista ela está.

O chiclete preferido de Pan Thint Sar.

– O quê? Só ganhei um ponto? Eu que lutei tanto, diz ela para sua melhor amiga, Pa Oo – Não, sua boba, diz Pa Oo, você foi a primeira. Você é a melhor da classe! Ganha sua prótese Um ano depois, Pan Thint Sar consegue sua primeira prótese. Ela a experimenta na clínica Mae Tao. Os técnicos que fazem uma adaptação para o toco da perna são muito competentes. Quase todos os que trabalham na seção de prótese também perderam uma perna ou pé. Quando a prótese está pronta, Pan Thint Sar tem que aprender a andar com ela. Dói e é difícil, mas logo

ela consegue deixar as muletas em casa ao ir para a escola. Pan Thint Sar não precisou fazer várias séries. Agora ela está na sétima série, na recém-construída escola ginasial de Cynthia. Ela está com sua terceira prótese e espera conseguir uma de plástico leve da próxima vez. Ela sempre tira a prótese de madeira logo ao chegar em casa.

Todo sábado Pan Thint Sar coloca seu tear para fora. Ela adora tecer, como se faz em sua vila natal, no estado de Karen, na Birmânia. Pan Thint Sar já teceu uma bolsa escolar birmanesa e um xale.

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”Nar Ler Gay” diz Pan Thint Sar no idioma Karen. Ela mora com mais 23 meninas no dormitório sobre a pré-escola da Dra. Cynthia.

– Ainda tenho saudade da minha mãe, mas estou feliz por morar aqui. Aqui posso estudar e não tenho que trabalhar. Meu sonho é estudar na universidade e ser médica, como a Dra. Cynthia! 

Soldado infantil sob coerção O governo da Birmânia alega não permitir mais que crianças se tornem soldados naquele país.Todavia, a organização pelos direitos humanos Human Rights Watch afirma que entre 35 e 45 por cento das forças armadas da Birmânia é formada por soldados menores de 18 anos.Isso significa que até 70.000 crianças foram obrigadas a se tornarem soldados.A Human Rights Watch afirma que até mesmo os grupos de oposição usam cerca de 7.000 soldados-mirins.


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