NOMEADA – páginas 36–40
Maggy Barankitse Por que Maggy é nomeada? Maggy Barankitse é nomeada à Heroína dos Direitos da Criança da Década do WCPRC 2009 pelos seus 15 anos de luta para ajudar as crianças do Burundi, onde conflitos armados continuam a ocorrer. Maggy salvou a vida de 25 crianças e ajudou a mais de 10 000 crianças a uma vida melhor. Ela constrói vilas com 500 casas, onde crianças órfãs podem crescer em ‘famílias’. Elas recebem comida, roupas, atendimento médico, escola, um lar e… amor! Maggy ajuda crianças de todos os grupos étnicos do país e religiões e as ensina que todos têm o mesmo valor. Ela ajuda também as crianças pobres dos vilarejos vizinhos e mostra que todos em Burundi podem se ajudar. Maggy se arrisca quando declara que os políticos, o exército e os rebeldes em Burundi violam os direitos da criança.
Maggy Barankitse e Dieudonné de sete anos se abraçam. Dieudonné é uma das muitas crianças de Burundi que Maggy ajudou a ter uma vida melhor. Tudo começou quando ela salvou a vida de 25 crianças durante a guerra civil em 1993. Desde então, ela vem ajudando a mais de 10 000 crianças. Elas recebem comida, roupas, cuidados médicos, um lar, possibilidade de ir à escola e… amor!
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ieudonné é um menino vívido, mas seu rosto carrega cicatrizes da guerra. Quando Maggy o encontrou com quatro meses de idade, ele tinha o rosto gravemente ferido pela granada que matou sua mãe. Maggy trabalhava no solar do bispo em Ruyigi, quando a guerra civil entre os Hutus e os Tutsis começou. – Eu ajudei pessoas dos dois grupos étnicos a procurar abrigo no solar do bispo. Mas fomos atacados por centenas de Tutsis. Eles me chutaram e me bateram, mas como eu era Tutsi me deixaram viver. – Eu consegui esconder 25 crianças, mas quando o ataque terminou, todas elas tinham perdido os pais. Como eu mesma fiquei órfã quando era pequena, sei como é importante para as crianças se sentirem seguras e amadas. Eu decidi cuidar dessas crianças, conta Maggy. A guerra em Burundi matou cerca de 300.000 pessoas, muitas delas crianças. Há 620.000 crianças órfãs devido à guerra e à Aids.
– As crianças são sequestradas e obrigadas a se tornarem soldados, outras têm que deixar a escola porque suas taxas escolares não são mais pagas. Mais da metade das crianças no Burundi não vão à escola. Muitas acabam na rua, precisam pedir esmolas para sobreviver e estão em risco de serem exploradas. Porém os políticos continuam investindo em armas e não nas crianças, diz Maggy. Casa da paz Maggy e as crianças mudaram-se para uma velha escola que foi batizada de Maison Shalom, ‘A casa da paz’. As crianças pertencem a todos os grupos étnicos e religiosos de Burundi. Maggy ensina a elas que todos têm o mesmo valor. – Eu quero mostrar às pessoas em Burundi que é possível vivermos todos juntos em paz. No início, havia apenas o orfanato Maison Shalom, mas Maggy não quer que as crianças cresçam em orfanatos. – Por isso, eu construí vilas com 500 casas cada, onde as crianças moram juntas como uma família. Há um par de ‘mães da vila’ em
cada um dos vilarejos. As crianças aprendem a cuidar da casa, cultivar verduras e legumes e zelar pela criação de animais. Acima de tudo, elas aprendem que fazem parte de uma família e que são amadas. Maggy criou uma padaria, um ateliê de costura, uma pequena hospedaria e uma fazenda. Lá as crianças que concluíram a escola podem trabalhar para sustentar suas ‘famílias’. A luta de Maggy pelas crianças em Burundi é muitas vezes perigosa. Ela procura crianças abandonadas e feridas nas áreas de conflito. Ela já foi a julgamento várias vezes e muitos ameaçaram de matá-la, porque ela diz a verdade sobre como os políticos, o exército e os rebeldes violam os direitos da criança. – Meu sonho é um dia poder fechar a Maison Shalom e perceber que todas as crianças de Burundi tem uma família com quem morar. Mas todos os dias chegam novas crianças aqui e nós vamos continuar existindo até o dia em que houver crianças precisando da nossa ajuda e do nosso amor.
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“Maggy é minha mãe e avó’
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Foi em 1993 que a família de Justine buscou abrigo com Maggy. Mas numa manhã, o solar do Bispo foi atacado por uma centena de homens armados.
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ápido! Aqui vocês podem se esconder, gritou Maggy. Ela abriu o armário livre e Justine e suas três irmãs menores pularam para dentro rapidamente… Quando Maggy fechou a porta, Justine estava em pânico. Ela escutava o barulho dos tiros e as pessoas gritando. Ela pensou no restante da família. Onde estavam sua mãe e seu pai? E sua irmã pequena? Muitas horas depois, Maggy abriu a porta do armário. Justine notou que ela estava chorando. – Acabou… mas seus pais não conseguiram se salvar. Sua irmãzinha também está morta. Eu sinto muito por tudo o que ocorreu, prometo
cuidar de vocês agora, disse baixinho. – Maggy cuidou de mim e dos meus irmãos. Ela assegurou que continuássemos na escola e, acima de tudo, ela nos deu amor. Graças a ela, conseguimos superar todas as coisas horríveis. Vejo a Maggy como minha mãe, meu pai e minha avó…, ela é tudo pra mim!, diz Justine. – Eu quero ser como Maggy e ajudar outras crianças em dificuldades. O mais importante que Maggy me ensinou é perdoar. Os homens que mataram meus pais e minha irmãzinha moram apenas a algumas casas daqui. No começo, eu sempre pensava em vin-
Justine e o irmão mais novo Claude, que também sobreviveu ao ataque.
gança. Mas um dia eles vieram aqui e me pediram perdão. Eles choraram e disseram que estavam arrependidos. Foi muito difícil, mas eu lhes dei o meu perdão. Depois desse dia me senti finalmente livre.
Lysette e Lydia são o começo da Maison Shalom – Antes da mãe da Lysette morrer, ela me implorou que eu amasse as meninas como se fossem minhas próprias filhas, e eu prometi fazer o melhor possível para que elas tivessem uma vida decente. Foi quando eu decidi ajudar também todas as outras crianças sobreviventes do massacre do solar do bispo. Naquela noite, me tornei mãe e pai de 25 crianças totalmente abandonadas no meio de uma guerra sangrenta, diz Maggy. Ela ergueu uma lápide para homenagear os pais de Lysette e todos os outros que morreram no massacre. Mas a lápide erguida por Maggy também é
um lugar onde todas as crianças sobreviventes podem ir para se lembrar de seus pais e irmãos mortos. – Eu, Lysette e Lydia vamos sempre até lá. Nós rezamos pelos pais delas e às vezes as meninas enfeitam o túmulo com flores. Os pais da Lysette significam muito para mim. A mãe dela era minha melhor amiga, sinto que eles continuam me ajudando a ter forças para seguir lutando.
Justine com os irmãos, um ano depois do ataque.
Maggy e as irmãs na lápide, erguida em homenagem à todos que morreram no massacre.
“Graças à Maggy, tive uma segunda chance na vida”, diz Lysette Irakoze. Aqui, ao lado de sua irmã Lydia, quando crianças e como adolescentes.
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Aline mora na vila de M –
Aline Nimbesha mora na vila de Maggy e deseja ajudar crianças órfãs. – Se Maggy não tivesse me ajudado, eu estaria morta. Quero ser como ela e ajudar as crianças órfãs, diz Aline, 14 anos. Aline perdeu seus pais quando tinha cinco anos. Hoje ela mora em uma das vilas construídas por Maggy. Aline mora com outras seis crianças que se tornaram sua nova família.
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andry, tá na hora de tomar banho!, ela grita enquanto derrama a água numa pequena banheira de plástico. Aline dá banho nele todos os dias, quando chega da escola. Landry não gosta de tomar banho e chora. Mas logo depois, quando se senta no colo da Aline enrolado numa toalha, fica tranquilo. – Eu adoro crianças e sempre cuido das crianças da vila quando termino o dever de casa. Elas se sentam nas minhas costas e eu canto
para que elas se sintam calmas e felizes. A gente tem que cuidar das crianças, para que elas se se sintam seguras, diz Aline. Aline vivenciou na própria pele experiências terríveis. Em 1993, seu vilarejo foi atacado e toda sua família assassinada. Aline é Tutsi e sua família foi morta por Hutus. Golpeada na cabeça – Eles botaram fogo no nosso vilarejo e nos perseguiram dentro da mata. Eu
só tinha cinco anos, mas um homem me cortou a garganta com um facão e bateu na minha cabeça com uma pedra. Quando ele pensou que eu estava morta foi embora. Mas tive sorte. Uma mulher cuidou de mim e me carregou até a Maggy. Eu estava desmaiada quando cheguei à Ruyigi e um lado da minha cabeça tinha um ferimento grave. Se Maggy não tivesse me ajudado a chegar a um hospital eu teria morrido. Aline toca com cuidado a cicatriz na garganta. É uma lembrança constante dos
Todos bem vindos A maioria em Burundi é católica. Maggy também é católica, mas na Maison Shalom todas as crianças são bem vindas, independente da religião. Não importa se elas pertencem a uma religião tradicional africana ou muçulmana, protestante, católica ou se não têm religião. Todos têm o mesmo valor para Maggy. – Se eu sei que os pais de uma criança eram muçulmanos, ela receberá uma educação muçulmana, porque sei que é o que os pais desejariam, afirma Maggy.
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horrores pelos quais ela passou. Apesar de terem sido os Hutus que mataram sua família, ela nunca sentiu ódio deles enquanto grupo. – Deve ser porque eu sempre tive amigos Hutus. Na Maison Shalom e nas vilas de Maggy, Tutsis e Hutus vivem lado a lado. Somos amigos e não há diferença entre nós. Aqui todos temos o mesmo valor. É o que sempre digo aos Tutsis que não podem entender como podemos viver com Hutus. Quer ser como Maggy – Oi, tudo bem? Gloriosa acaba de chegar
em casa. Ela é como uma mãe para as outras crianças. Ela trabalha na padaria em Ruyigi, que Maggy criou para que as meninas que concluíram a escola possam trabalhar e se sustentar. Uma vez por mês, Maggy paga as taxas escolares das crianças e lhes dá milho, arroz, feijão, óleo, carne e algo mais que precisam. Quando querem outras coisas, usam o dinheiro da Gloriosa. Por exemplo, quando vão ao mercado comprar frutas frescas, ela paga – exatamente como qualquer mãe faria. Além de Gloriosa, há
outras mulheres adultas na vila de Maggy que são como mães para todas as crianças. Se as crianças têm algum problema, podem conversar com elas. As mães da vila asseguram que todas frequentem a escola e ajudam quando alguém fica doente. Quando todas as meninas chegam em casa, é hora de ajudar nas tarefas domésticas. Algumas arrumam a casa, outras fazem os deveres da escola. Aline limpa o arroz, sentada num banco,
do lado de fora da casa. Um pouco afastada, está Jacqueline limpando as bananas da terra. – É melhor viver assim do que num orfanato. Aqui somos uma família, que cuida uns dos outros e aprende muitas coisas. Aprendemos a cozinhar, cuidar da casa e até a plantar verduras e legumes. No dia em que nos mudarmos, estaremos pre-
TEXTo: ANDRE AS LÖNN FOTOs: PAUL BLOMGREN
de Maggy para crianças órfãs
Landry adormece nas costas de Aline.
O dinheiro que G lorio sa ganha é usa do por tod a a sua “família’ n a vila.
es por dia d u a s ve z a u g á r a . busc meia hora Aline vai , ela gasta z e v a d a Ac
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paradas para administrar bem nossas vidas, diz Aline. Entretanto, Aline não pensa em se mudar da vila de Maggy e criar sua própria família. Ela quer ser igual à Maggy. – Quando concluir a escola, quero me dedicar à ajudar as crianças órfãs. Infelizmente, eu acredito que haverão mais e mais crianças órfãs em Burundi. As crianças são o futuro. Assim como nas outras vilas, as crianças cozinham o jantar numa fogueira no quintal. Elas comem e conversam sobre o que aconteceu no dia. Depois que escurece, a única coisa que Aline consegue enxergar é a
fogueira nas casas vizinhas, onde outras crianças estão sentadas, conversando e comendo. – Já que temos tantos problemas em Burundi é mais importante ainda tratar bem das crianças que estão crescendo agora. As crianças são o futuro. Se lhes dermos um bom começo na vida, elas talvez cresçam diferentes dos adultos de agora.
Crianças vizinhas também recebem ajuda – Nas vilas da Maison Shalom, vivem crianças de todas as religiões e grupos étnicos do Burundi e todos são amigos. É exatamente como deveria ser em todo o país, se quisermos realmente ver a paz um dia, diz Maggy. Ela espera que os vizinhos das crianças das vilas Maison Shalom possam ver e entender que realmente é possível viver em paz. – Eu quero que todos aqui da redondeza se beneficiem da Maison Shalom. Quando reformamos as casas da vila, tratamos de ajudar os vizinhos a conseguir um telhado novo também. O hospital que construímos está aberto para 30.000 pessoas que moram nessa região. Também ajudamos as crianças da vizinhança pobre a ingressar na escola. Nós pagamos suas taxas escolares e os uniformes. Por que só as crianças da Maison Shalom iriam à escola? Isto seria injusto! Dessa forma, nosso trabalho irá ajudar todo o Burundi, diz Maggy.
O estilingue de Fleury Fleury tem sete anos e acaba de chegar da escola. Ele mora numa das vilas de Maggy com seus irmãos mais velhos. Ele corre para casa para poder caçar antes de fazer o dever da escola. – Eu faço estilingues com o meu irmão mais velho. Primeiro, procuramos gravetos na floresta. Depois, vamos ao mercado e procuramos tiras de borracha largas. Pedaços de pneus velhos também funcionam muito bem.
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