NOMEADA • Páginas 31–35
MAITI – Meu objetivo é tornar o Nepal completamente livre do tráfico de escravas, diz Anuradha Koirala, fundadora da organização Maiti Nepal. O Nepal é um dos países mais pobres do mundo. Muitas crianças são forçadas a trabalhar em fábricas de tapetes, na agricultura e como trabalhadoras domésticos. As meninas ainda enfrentam uma outra ameaça, a de serem seduzidas e vendidas como escravas para bordéis na Índia.
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odo ano, milhares de meninas são vendidas, as mais jovens têm apenas oito anos. As meninas são mantidas em cativeiro nos bordéis por muitos anos. Muitas vezes, elas são libertadas somente quando estão tão doentes que não podem mais receber clientes. Muitas meninas já estão, então, infectadas com o vírus HIV. Pior para meninas Muitos atribuem esse comércio à pobreza, mas a principal razão é o fato das meninas serem tratadas de forma inferior aos meninos no Nepal, diz Anuradha Koirala. Ela fundou a organização Maiti em 1993, desde então conseguiu salvar milhares de meninas que teriam suas vidas destruídas nos bordéis. Pressupõe-se que as filhas,
Anuradha Koirala, fundadora da Maiti
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depois de casadas, irão morar na casa dos pais do marido, por que então devemos educá-las? É este o raciocínio de muitos pais. Espera-se que os meninos cuidem de sua família e, por isso, são mais valiosos. Quando uma filha se casa, a família tem que pagar um dote. Os traficantes de meninas aproveitam-se da situação das pessoas pobres dos vilarejos. Eles dizem que têm um bom trabalho na cidade para oferecer à filha. Às vezes, perguntam até se podem se casar com a menina. Prevenir e salvar Nos diversos centros da organização Maiti na zona rural, milhares de meninas aprendem tudo sobre o tráfico de escravas. Elas aprendem também a ler e a escrever, a costurar e a fazer bijuterias e adornos. Se conseguirem sustentar-se por si próprias, o risco dos pais as enviarem a algum lugar para trabalhar é menor. As meninas atendidas nos centros percorrem os vilarejos para cantar e encenar peças de teatro sobre o tráfico de meninas. E quando retornam às suas vilas, o conhecimento que adquiriram é transmitido à suas amigas. Maiti fornece proteção e
assistência em seu centro na capital, Catmandu. Lá funciona também um abrigo para crianças e uma escola, a Academia Teresa. Todo ano, a organização Maiti salva milhares de meninas na fronteira, com o apoio da polícia no posto fronteiriço com a Índia. Maiti treina meninas, que foram vendidas como escravas, para serem patrulheiras de fronteira. Elas sabem como o tráfico opera e o que devem procurar. Em um dos postos de fronteira, Maiti abriu um hospital para mulheres e crianças infectadas com o HIV e AIDS. – Meu sonho é construir uma vila para crianças portadoras da AIDS, diz Anuradha Koirala. E eu quero ver as meninas, que foram vendidas como escravas, rindo e sendo crianças novamente.
Por que Maiti é nomeada? Maiti Nepal é nomeada à Heroína dos Direitos da Criança da Década do WCPRC 2009 por sua luta contra o comércio escravo de meninas no Nepal, para serem vendidas para bordéis na Índia; uma prática conhecida como tráfico de escravas. Maiti impede que as meninas pobres sejam enganadas e levadas para os bordéis, educando-as e informando-as. Maiti presta assistência e dá apoio às meninas que foram escravas em bordéis na Índia, e tem um hospital especial para meninas portadoras do vírus HIV. Algumas delas tornaram-se patrulheiras de fronteira para a organização Maiti, dificultando assim a ação dos traficantes, quando estes tentam atravessar para a Índia com as suas vítimas. A Maiti Nepal atua em cooperação com o Centro de Salvamento em Mumbai, na Índia, cujos trabalhadores arriscam suas próprias vidas para libertar as meninas mantidas em cativeiros nos bordéis.
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Poonam
patrulha a fronteira Poonam patrulha a fronteira entre o Nepal e a Índia. Ela examina minuciosamente cada veículo que atravessa a fronteira. Poonam foi vendida para um bordel na Índia aos 14 anos, por isso sabe exatamente o que deve procurar. De repente, Poonam avista algo que lhe chama a atenção. Será a menina que ela observa, uma das milhares de garotas pobres do Nepal que a cada ano são enganadas e vendidas para bordéis na Índia?
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ão dez horas da manhã de um sábado, na estação da fronteira entre o Nepal e a Índia. Poonam cobre o nariz e a boca com seu xale branco. O ar é úmido e repleto de poeira e poluição. – Alto! Pare! Para onde estão indo? Poonam pára um táxi bicicleta que está passando. No banco de passageiros, está um homem mais velho com uma menina jovem ao seu lado. O homem fica irritado. – Quem é você? Que direito você tem para me parar? ele pergunta. Poonam não tem nenhum uniforme e se parece com uma moça qualquer, vestida de sari branco e sandálias. Isto é intencional. Ninguém
deve saber que ela patrulha a fronteira. Poonam mostra sua carteira de identidade, onde está escrito que ela trabalha para a Maiti Nepal, e explica: – Nós trabalhamos para evitar que meninas sejam traficadas para a Índia, por isso eu gostaria de fazer algumas perguntas a vocês. Eles contam que a menina é sobrinha do homem e que estão indo visitar parentes que moram na Índia. O homem lhe apresenta os documentos que os identificam e Poonam lhes deixa seguir viagem. Salva muitas meninas – Nós averiguamos todas as meninas que passam pela fronteira. Mesmo as que
As patrulheiras do Maiti não usam uniforme, para que ninguém saiba que elas estão vigiando
estão viajando acompanhada de mulheres. É fácil reconhecer as meninas da zona rural pelas suas roupas e modo de falar. Nós solicitamos sua carteira de identidade e perguntamos para onde estão indo. As jovens patrulheiras trabalham sempre em pares. Maiti tem uma pequena casa onde as pessoas podem ser interrogadas. – Se nos sentimos inseguras, tentamos entrar em contato com os parentes. E também interrogamos o homem e a menina separados. Somente se as respostas coincidem, deixamos que continuem a viagem. Poonam já salvou muitas meninas que estavam prestes a serem contrabandeadas para a Índia:
– Alto lá! Poonam pergunta o que o homem e a menina vão fazer na Índia.
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Poonam lavou as suas roupas. Ela não quer mostrar o rosto para que as pessoas no Nepal não saibam com o que ela está envolvida.
– Nós levamos o homem para a polícia e a menina nos acompanha ao centro Maiti. Depois, procuramos a família dela e a mandamos para casa. Seduzida para a Índia Poonam foi vendida para um bordel na Índia aos 14 anos. – Meu pai morreu quando eu tinha cinco anos. Fui obrigada a deixar a escola, pois minha família era pobre. Eu e minha melhor amiga começamos a trabalhar como garçonetes em um restaurante em Catmandu, na capital. Um rapaz costumava vir ao restaurante todos os dias. Ele e Poonam ficaram amigos. – Eu sentia que Rudra era como um irmão para mim. Eu realmente confiava nele. Um dia, ele perguntou se eu e minha amiga queríamos acompanhá-lo a um templo no dia seguinte. Ficava no alto de uma montanha, longe de Catmandu, e poderíamos fazer pedidos neste lugar. Eu disse que não, mas minha amiga me convenceu. Fomos obrigadas a dormir em uma pensão. – Havia três rapazes conosco: Rudra, Fistey e Bikash. No dia seguinte, Bikash disse que tinha uma loja na Índia e que precisava comprar mercadorias. Nós nos recusamos a ir com eles, mas nos obrigaram. Então,
fomos para uma cidade na Índia. As meninas foram levadas de trem e de táxi. Rudra disse que iam visitar sua irmã. Foi quando Poonam começou a preocupar-se. Ela só queria voltar para casa, todos deviam estar perguntando por ela! Mas Rudra, que tinha sido tão gentil com ela no Nepal, agora mostrava sua outra face na Índia. Vendida como escrava – Eles nos levaram a uma casa e Rudra nos enfiou em um quarto apertado. Estava muito quente lá dentro e eu perguntei se podia sair, mas ele disse que não. Nós pedimos que nos levassem de volta para Catmandu. Eles nos garantiram que logo íamos voltar para casa. Mas quando tentamos sair do quarto, eles nos impediram. Quando Poonam tentou abrir a janela para tomar um pouco de ar, viu algumas meninas de batom que estavam em pé na rua. – Eu tentei sair, mas Rudra me bateu com um cinto na cabeça e comecei a sangrar. Minhas roupas ficaram sujas de sangue e vi quando os rapazes pegaram dinheiro de uma carteira e disseram que tinham nos vendido. Nós argumentamos que se tivessem dito, poderíamos ter dado dinheiro a eles. Pedimos que eles nos levas-
sem de volta, mas eles riram e afirmaram que nunca conseguiríamos juntar tanto dinheiro. Quando Poonam recuperou a consciência, a dona do bordel entrou no quarto e lhes disse que precisavam começar logo a trabalhar. Poonam e sua amiga foram separadas. – Eu fui levada para uma outra casa. Quando me recusei a trabalhar, a dona do bordel me bateu. – Eu disse ao meu primeiro cliente que nunca tinha feito aquilo. Pedi a ele que me ajudasse a fugir. Ele respondeu que no sábado havia muita gente no bordel e que, então, me ajudaria. Ele não me tocou. Mas a dona do bordel escutou a conversa e transferiu Poonam para outro bordel. E ela apanhou mais uma vez. Ameaçada e salva A vida no bordel era como uma prisão. As meninas moravam amontoadas em cômodos pequenos e nunca podiam sair. – Nós éramos 30 meninas no bordel, a maioria do Nepal, mas não nos permitiam ser amigas umas das outras. Algumas meninas falavam que queriam fugir e faziam planos. Mas sempre havia alguém que fazia fofoca e acabávamos todas 33
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TEXTO: SOFIA KLEMMING FOTOS: TOR A MÅRTENS
As meninas no centro de fronteira Maiti assistem TV.
levando uma surra. A dona do bordel ameaçava nos enterrar debaixo da casa se fi zéssemos algo errado. Eu tinha medo. Porém, o que me consolava desde o início era a possibilidade de fuga. Eu fazia moldes da chave da porta com sabão e dava aos clientes para que fi zessem cópias. Afi nal, depois de cinco meses, Poonam foi resgatada. Foi o Centro de Salvamento em Mumbai (Bombaim) que recebeu uma denúncia de que havia crianças em um bordel e entrou em contato com a polícia. Daquela vez, foram salvas 21 meninas. Poonam voltou para o Nepal e pode morar no centro Maiti, em Catmandu. – Eu fiquei tão feliz!
A vingança de Poonam Poonam conseguiu vingar-se quando colocou Rudra na prisão. Todas as outras meninas que foram salvas do bordel também tinham sido vendidas por ele. Juntas conseguiram dar informações à polícia, para que Rudra pudesse ser preso. – Quando penso no tempo em que estive no bordel só
quero chorar. É como um pesadelo. Se eu soubesse mais a respeito do tráfico de meninas não teria deixado me enganar tão fácil. Por isso, quero ficar no centro Maiti e tentar evitar que outras meninas vivenciem as experiências terríveis pelas quais passei.
Aprenda nepalês Ke gare ko? – Oi, como está? Khelney ho? – Você quer brincar? Timro naam ke ho? – Como você se chama? Mero naam – Eu me chamo Timi kasto chao? – Como vai você? Ma sanchai chu – Eu estou bem Malai timi maan parcha – Eu gosto de você Saathi – Amigos
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Salva junto à fronteira Anjali, 12 anos, é a mais nova no centro Maiti. Ela foi salva junto à fronteira, quando estava a caminho de um circo na Índia: “Um homem chegou na minha casa e perguntou à minha mãe se ela queria me vender para um circo na Índia. Mamãe disse que não, mas eu fui assim mesmo, pois pensei que seria divertido. Havia muitas amigas que desejavam ir e viajar juntas. O homem disse que o trabalho não era pesado, que eu somente precisava aprender a andar sobre a corda. Nós teríamos muito tempo para assistir TV. Quando íamos cruzar a fronteira, uma das moças do Maiti perguntou ao homem para onde íamos. Ele disse que iria nos dar comida na Índia. Porém, a moça me perguntou e eu respondi que iríamos trabalhar em um circo.
Logo ela compreendeu que o homem estava mentindo e nós tivemos que acompanhá-la. Depois disto, fiquei com medo por ter sido tão enganada.” Crianças de famílias pobres do Nepal são muitas vezes seduzidas com promessas de que irão ganhar muito dinheiro, que o trabalho é simples e que poderão frequentar a escola. Na realidade, elas não recebem qualquer salário e são obrigadas a trabalhar duro todos os dias do ano. Anjali mora agora no centro Maiti para aprender tudo sobre o tráfico de jovens meninas e, desse modo, divulgar informação para suas amigas no vilarejo.
Alto risco para meninas pobres Dilmaya aprende sobre o tráfico de meninas no centro Maiti. Depois, ela e as outras viajam para os vilarejos para prevenir outras meninas desse comércio, através de canções e do teatro. Dilmaya faz flores de plástico para vender durante o Dashai, o grande festival hinduísta que cultua Durga, a deusa do oceano, que representa a força sagrada feminina. O festival é celebrado quando termina o período chuvoso e após a colheita, para que o bem prevaleça sobre o mal.
Durga
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