A mão estendida de Pooja
A velha linha de ônibus deixava seu penúltimo passageiro na poeirenta estrada do subúrbio de Punjab. Era próximo da meia-noite e os dois últimos passageiros sentavam-se em lados opostos do velho ônibus. A menina de cabelos ondulados e de longo sári vermelho segurava uma bolsa dourada. Sentava-se dois bancos atrás do motorista, cochilava uma vez por outra e no restante do tempo observava a chuva que batia nos vidros das janelas fechadas. O homem no banco do lado oposto do ônibus vestia um sobretudo negro, carregava uma bengala negra de ponta prateada e aparentava ter trinta e poucos anos. Por grande parte da viagem o homem observara a jovem sem que ele fosse notado péla mesma, voltando seus olhos para um relógio de bolso que retirava do sobretudo em alguns momentos. A estrada ficava cada vez mais escura na medida em que o ônibus se desviava das poças de lama em direção ao ponto final. O homem observa uma ultima vez ao relógio, levanta-se em direção a jovem sentada a sua direita e pedindo sua licença assenta-se ao seu lado. Ela sorri e lhe concede o lugar. Então se inicia um estranho dialogo. - Boa noite, Pooja Kapoor. Diz o homem de sobretudo preto. A jovem espantada olha para o homem que lhe sorri, sem reconhecê-lo. - Perdão, nós nos conhecemos de algum lugar? - Eu diria que nos encontramos algumas vezes, uma no dia em que você nasceu, duas quando você era somente uma criança, uma vez na sua adolescência. Mas não creio que você venha a se lembrar de mim. - Não, é verdade. O senhor é conhecido de minha família? - Oh! Sim. Bastante. Conheci seus avós por parte de mãe. Tive um encontro com eles. Também com seus bisavós. E com os que vieram antes deles, a lista é bem longa. - O senhor não aparenta ser tão idoso assim! Quantos anos o senhor possui? - Você não creia se lhe dissesse. Mas deixemos de formalidades, o que me trás aqui depois de tantos anos é que venho lhe dar uma triste noticia. Minha triste missão. Essa noite Pooja Kapoor, é a noite em que você morrerá.
A jovem olha espantada para o homem que fala com ela procurando alguma expressão de ironia ou sarcasmo na voz, mas o que observa é um tom de profunda convicção. - Como assim! Este ônibus vai ser atacado por algum grupo? Porque o senhor está afirmando tais coisas? - Minha missão. É o que faço, eu sou enviado quando uma coisa destas está para acontecer. - Não pode ser! Ninguém na minha família sonhou nada! Quem é você, como pode afirmar alguma coisa como essa? Você é um mago, um butha (antigo fantasma hindu)? - Não. Nenhuma dessas coisas. E está chegando sua hora. A hora de todos os seres chega. Diga adeus a esse mundo Pooja. A jovem tremendo e assustada coloca as mãos no rosto. Entretanto, repentinamente para de tremer. Suavemente abaixa os braços olhando firmemente para o emissário. - Não é chegada minha hora. - Nunca errei antes, querida moça. Na verdade não sou um mensageiro. Sou um executor. Minha presença não é um aviso. Eu sou a morte. - Sei quem você é. Mas repito que não é chegada a minha hora. Neste momento a voz da jovem se torna mais firme. Mais poderosa. A morte fita seus olhos e vê que ela não está blefando. Acredita no que afirma. Mas é somente uma condição humana. Diante dela a própria esperança cambaleia. Sempre foi assim. A morte estende sua mão para sua bengala que já não é mais uma bengala. Sua forma vai ficando mais e mais aterrorizante. Então estende sua vara em direção a jovem. Mas antes de tocá-la, a morte hesita. A jovem se levantou no banco e sorri para ela. Estranhamente sorri. E deixando sua bolsa dourada de lado estende-lhe sua mão direita. E fala desafiadoramente: - Toca em mim. Mas não é chegada minha hora. Não fostes enviada para mim. Fixando os olhos nele: - Eu fui enviada para ti. O poder que destrói os homens observa a pequena mão estendida em sua direção. Olha a forma humana a sua frente e vasculha as regiões do tempo, das dimensões e do espaço. E tudo que vê é somente uma menina de origem
humana estendendo-lhe sua pequena mão. Nada mais que fragilidade diante de poderes desconhecidos. - Você é somente uma menina. Eu vejo teu presente, assim como estive no dia em que nascestes. Ou no dia em que teus pais nasceram. Quando teus antepassados migraram a milhares de anos ainda nos antigos reinos dos Vales do Indo. Quando eu te tocar você se encontrará com teus ancestrais. - Não. Quando você me tocar, você deixará de existir. - Você não compreende. Eu faço parte do universo. Enquanto o universo que vês existir, eu existirei. Nada pode impedir meu curso e nem minha finalidade. Se eu te tocar é você que deixará de existir. E eu seguirei meu caminho. Meu sombrio caminho. Meu triste caminho. Sempre foi assim. E assim será. A jovem a encara e adverte ousadamente a morte: - Se você me tocar, você terminará.
A morte olha ao redor de si, o mesmo ônibus, a velha estrada e a chuva que cai incessante na faixa de terra entre as cidades de Amritsar, e Jalandhar. E olha em direção a pequena mão estendida da jovem á sua frente. Levanta seus olhos para o alto e contempla sobre sua cabeça a constelação de Orion. Lança seus olhos sobre os abismos e vislumbra as regiões da morte. Então pega mais uma vez seu relógio e vê o horário nele demarcado. Levanta sua arma, mas antes fixa seus olhos além da fragilidade humana da jovem Bengali com uma das mãos assustadoramente levantada em sua direção. As pulseiras em seus braços balançam a cada movimento do antigo ônibus. E olha dentro de seu coração.
São cerca de meia a noite e meia e o ônibus chega em seu ponto final Anjali e Priya aguardam junto com a mãe e seu pai a chegada da irmã mais velha nas cercanias de Amritsar, munidas de grandes guarda-chuvas, sem esconder sua tremenda ansiedade.
Pooja parece estar dormindo sobre o segundo banco atrás do motorista. A gritaria começa quando o ônibus para e lentamente a rapariga abre seus
braços, se espreguiçando e logo desperta pulando de alegria ao ver eus parentes e sua irmã. Então desce correndo do ônibus para abraçá-los...
Do outro lado da rua uma figura sinistra observa a cena demonstrando uma impressionante indignação. O ser sem rosto e sem nome observa a família, atentamente. Ainda treme descontroladamente. Suas mãos não conseguem ainda levantar a antiga foice. Por um instante ela imagina o que teria acontecido se tivesse segurado a mão de Pooja. E em meio a um terror inimaginável desaparece em meio à escuridão... O motorista que nada vira acontecer, ignorando tudo que até ali ocorrera, sorri discretamente. Segura o volante com ambas as suas mãos, que possuem estranhas marcas nos pulsos. Pisa fortemente no acelerador com sua sandália que permite ver em seu pé uma antiga cicatriz de perfuração. Olhando ternamente para os familiares abraçados, envia um beijo para Pooja, que como se movida por uma mão invisível, olha para trás, ainda a tempo de ver os cabelos compridos do motorista e seu estranho uniforme, enquanto o velho ônibus desaparece em meio à chuva torrencial... Então Pooja ajunta suas pequenas mãos e murmura em forma de prece: - Namaste! Ao longe o motorista sorri. Uma largo, grandioso e espetacular sorriso.
Welington J F