A Tana Jura As terras indígenas da reserva dos Tapebas escondia um mundo de galerias e túneis subterrâneos. Estava instalado naquela área a maior casa de formigas aladas do Estado do Ceará. O formigueiro funcionava quase como uma fábrica, cada um nos seus lugares desempenhando uma função. Tinha as cortadeiras que eram responsáveis por carregar as folhas. Tinha as formigas soldados, encarregadas de proteger a entrada do formigueiro. Ainda tinha as enfermeiras, responsáveis por ajudar a Rainha a cuidar dos filhotes. Em meio a toda essa organização, existia uma formiga diferente. Seu nome era Tana. Enquanto todos trabalhavam, Tana passava o tempo lendo. Adorava ler. Vivia abraçada aos livros. E pelo fato de ler bastante, tinha facilidade de criar histórias. Nos momentos de descontração dentro do formigueiro, Tana virava o centro das atenções. Promovia uma espécie de contação de histórias. Repassava as histórias para as formigas dizendo serem verdadeiras. Mal sabiam as pobres formigas que tudo não passava de criações da cabeça da formiga leitora. Como as formigas só poderiam sair do formigueiro ao completar três anos de idade, dessa forma, a contação de história acabava sendo o único divertimento delas. E assim, Tana estava sempre se desviando das tarefas no formigueiro. Contar histórias para o formigueiro se transformou no seu ofício. Esse jeito espontâneo que prendia a atenção das formigas no momento em que falava, tornava Tana mais popular a cada dia. E isso também incomodava. Há medida que Tana conquistava muitos admiradores, algumas formigas não sentiam simpatia por ela. Talvez por achatem ela exibida, talvez por ciúme, ou ainda por quererem ser iguais a ela. Liviana e Liziana, duas formigas gêmeas, faziam parte do grupo das que não gostavam de Tana e começaram a observar com mais atenção as histórias da formiga tagarela e passaram a gravar as contações de história. Mal sabia Tana o que estava por vir. A cada história gravada, Liviana e Liziana se aproximavam do momento em que iriam desmascarar a formiga falante de alguma forma. E não demorou muito para as irmãs gêmeas descobrirem algo. Numa gravação elas descobriram que Tana havia contado a mesma história de maneira diferente. Estava prestes a acontecer uma grande mudança na vida de Tana. Com a gravação em mãos Liziana e Liviana rapidamente procuraram a Rainha para revelar o acontecido. Ao ouvir a gravação, a majestade ficou incrédula. — O que?! — Como pode uma coisa dessas?! Rapidamente a história se espalhou e foi um alvoroço dentro desse formigueiro. As formigas revoltadas queriam pegar Tana de qualquer jeito. Os soldados tiverem que isolar Tana num cantinho para que ninguém fizesse nada contra ela. Depois do incidente, a Rainha convocou uma assembléia para decidir que punição seria dada a Tana. A assembléia começou com as formigas fazendo muito barulho: — Expulsa ela! — Expulsa ela! — Expulsa, expulsa, expulsa... Gritavam as formigas. Em meio a todo barulho, deu início a votação para definir o que seria feito com Tana. Após três horas e meia de votação, dá-se início a apuração. No fim da tarde a Rainha anunciou o resultado: — Foi decidido nesta assembléia, que a formiga Tana, por motivo de contar falsas histórias e enganar a todos dizendo ser verdade, será expulsa do formigueiro. A decisão de expulsar Tana, deixou o formigueiro dividido, pois como ela ainda não possuía asas, era muito perigoso andar sozinha fora do formigueiro. Porém a palavra final foi da Rainha e ninguém poderia questionar. 1
Restava Tana se despedir e ser acompanhada pelas formigas da guarda até a saída. De agora em diante, a floresta seria o novo mundo de Tana, e diante daquela cena, Liziana e Liviana ficaram muito tristes, pois na verdade elas não queriam a expulsão. No fundo, elas queriam apenas ter mais atenção como Tana tinha. Mal saiu do formigueiro e a noite já se aproximava. Como iria sobreviver na floresta uma formiga alada que ainda não tinha suas asas desenvolvidas? Muito assustada Tana resolveu subir num tronco para passar a noite. Fazia frio e ela começou a tremer. De repente, o tronco começou a se movimentar. — Ahhhhhhhhhh! – grita Tana! Assustada Tana quis descer, mas na verdade o tronco tratava-se de uma coruja ―Mãe da Lua‖. — Calma, formiguinha, sou apenas uma coruja, me chamo Alvarenga, não vou machucar você — O que você faz aqui sozinha? Perguntou Alvarenga. — Ufa, ainda bem que você não vai me machucar. Meu nome é Tana, fui expulsa do formigueiro e agora estou sozinha na floresta. — Onde fica seu formigueiro? — Logo ali, próximo ao rio. — Bom, foi um prazer conhecer você, mas não posso mais ficar aqui. Os índios estão preparando uma queimada nessa área. Se quiser você pode vir comigo. — E pra onde você vai? — Pra qualquer lugar distante daqui. — Quer vir? — Não posso. — Mas por que? — Não posso ir enquanto não voltar ao formigueiro. — Mas o que vai fazer lá se você foi expulsa? — Preciso voltar e alertar sobre o que está por vir. Não posso deixar que a queimada acabe com todos. — Então boa sorte, vou indo nessa! Enquanto Alvarenga levantava voo, Tana correu de volta ao formigueiro para avisar sobre o a queimada. Ao chegar no buraco de entrada, foi barrada pelos soldados. — O que faz aqui? Temos ordens para não deixar você entrar, sua mentirosa! — Todos vocês precisam abandonar o formigueiro. Uma grande queimada está para acontecer. Os índios Tapebas estão se preparando para plantar e vão atear fogo em toda essa área onde está nosso formigueiro! — Não venha com suas histórias, não acreditamos mais em você! Vá embora daqui! Mas Tana insistia em ficar. — Eu juro que verdade! — Vocês tem que acreditar em mim! Aos poucos mais formigas foram chegando para ver que movimentação era aquela na entrada do formigueiro. De repente Liziana e Liviana perceberam a presença de Tana e ficaram aliviadas por nada de mal ter acontecido a ela. Mas ao saber da notícia que Tana trazia, ficaram receosas em acreditar. — Acreditem em mim! Gritava Tana. Inesperadamente cai uma folha seca com fragmentos de fogo trazida pelo vento. A bendita folha confirmou o que Tana estava falando era verdade. Nesse momento todos olharam uns para os outros e tocaram o alarme rapidamente. Enquanto a notícia da queimada ia sendo repassada dentro do formigueiro, Tana tratou de descobrir o melhor caminho para a fuga. 2
Com um peso na consciência por ter deixado Tana, Alvarenga volta para ajudar. — Oi Tana, eu voltei, vou ajudar vocês! Sobrevoando a área foi orientando Tana que caminho seguir. O plano era chegar até o rio e aproveitar as correntezas para sair dalí e chegar à um lugar seguro, bem distante do fogo. E assim a operação fuga foi sendo organizado. Alvarenga orientando pelo alto, Tana na frente puxando o comboio, as irmãs gêmeas ajudando no meio da fila e a Rainha na retaguarda se certificando que nenhuma formiga ficaria para trás. Desceram a mata em direção ao rio. A Rainha já observava a fumaça cinza chegando: — Vamos todos, mais rápido, o fogo tá chegando! As formigas precisavam ser mais ágeis, pois o fogo avançava numa velocidade muito grande. A coruja Mãe da Lua pousou na margem do rio e começou pegar grandes folhas que serviriam de barcos para as formigas. Dessa forma as formigas foram chegando e se acomodando como podiam sobre as folhas. Assim que a primeira folha ficou repleta de formigas, Alvarenga arrastou-a para água e ela desceu rio abaixo. — Mais rápido, mais rápido! Gritava a Rainha desesperada porque o fogo continuava a se aproximar. Logo a segunda folha foi liberada pela coruja. Restavam mais duas folhas. Nesse momento as formigas já sentiam uma temperatura muito alta se aproximando. Precisavam subir nas duas folhas que restavam e escapar. Elas trabalharam de forma rápida e organizada e conseguiram embarcar e descer o rio antes do fogo tomar conta de tudo. Mesmo tendo escapado do fogo, elas precisavam ter cuidado, pois havia muita correnteza no rio e como era noite, a única luz presente era a luz da lua. Na primeira folha estavam as formigas mais jovens e as formigas soldados. Na segunda, as operárias. Na terceira, as enfermeiras e mais uma parte das operárias. Na quarta e última folha, estavam algumas jovens formigas, as irmãs Liviana e Liziana, a Rainha e Tana na parte frontal comandando o direcionando da folha sobre o rio. Em cada folha embarcação, ficou uma formiga lá na frente, orientando as demais formigas para se movimentarem para o lado e assim tentar fazer com que fosse mudando de direção da navegação. Como a folha em que a Rainha se encontrava havia saído por último, as formigas começaram a remar para alcançar as demais folhas. De repente surgiu um galho que bateu na lateral da folha e com o impacto Tana foi jogada no rio. Desesperadas as formigas tentavam enxergar Tana debaixo das águas escuras. As formigas gêmeas que sabiam nadar pularam na água, mas não conseguiram achar Tana. A correnteza estava forte e infelizmente tiveram que voltar para a embarcação e seguir sem a amiga formiga. Navegaram durante toda madrugada e quando o sol já estava quase nascendo, chegaram numa margem do rio com água calma e ali conseguiram desembarcar. Todas as formigas estavam exaustas e muito abaladas com o que acontecera a Tana. Enquanto a Rainha tentava consolar, muitas formigas choravam sem parar. Até Alvarenga havia ficado junto às formigas na esperança de que Tana pudesse ter sido resgatada. Mas mesmo depois de tudo que aconteceu, as formigas não podiam ficar paradas ali. Precisavam escolher um local para a construção de um novo formigueiro. Chegou o momento de Alvarenga se despedir e seguir seu caminho. Cumprimentou a todos, lamentou não ter podido evitar o que aconteceu e com uma lágrima escorrendo disse adeus! Bateu asas e voou bem alto. No fundo Alvarenga ainda acreditava que Tana pudesse estar viva. Fazendo uso de sua visão privilegiada resolveu fazer uma ronda pelas proximidades de onde as formigas estavam. 3
— É ela, é ela!!! Gritou Alvarenga ao encontrar Tana. Ela havia sido jogada na margem pelas correntezas do rio. Imediatamente pousou ao seu lado e verificou que ela estava respirando. Sentiu uma felicidade grande em encontrar a pequena amiga ainda com vida! A coruja tratou logo de dar a boa notícia e todos correram para levar Tana. Foi um alívio geral. O choro agora era de felicidade. Tana foi carregada nos braços aos gritos de felicidade. Logo que Tana teve seu bem estar restabelecido, a Rainha tratou de reunir todo o formigueiro se desculpar por todos por não terem acreditado quando a formiga leitora chegou com a notícia do incêndio. — Não temos palavras para agradecer o que você fez por nós. — A partir de agora, você será nomeada como a primeira escritora do formigueiro. Todos aplaudiram de pé a nomeação de Tana. — Muito obrigado minha Rainha, mas antes gostaria de fazer um pedido! — Qual? — Quero trabalhar na construção do novo formigueiro e que o Alvarenga passe a ser o nosso guardião fora do formigueiro! — Muito bem, pedido aceito, será um prazer! — Então vamos ao trabalho, turma!!! E assim as formigas foram em busca da construção de um novo formigueiro, num lugar seguro, longe de áreas de queimadas e passaram a ter uma escritora oficial podendo escrever e contar suas estórias criativas!
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